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Elementos de Topografia

por

António Pestana

Gabinete de Topografia

Departamento de Engenharia Civil

Instituto Superior de Engenharia do Porto

Versão 1.221 – Março de 2020


SUMÁRIO

1 MAPAS E ESCALAS .................................................................................. 1

1.1 A ELABORAÇÃO DE MAPAS (PRODUÇÃO CARTOGRÁFICA) ..................... 1


1.2 A ESCALA ................................................................................................... 1

2 A TOPOGRAFIA ......................................................................................... 4

2.1 TRABALHOS E OPERAÇÕES ...................................................................... 4


2.2 LIMITE DE PERCEPÇÃO VISUAL E O ERRO DE GRAFICISMO.................. 4
2.3 TRABALHOS REGULARES E IRREGULARES .............................................. 5
2.4 A SIMPLIFICAÇÃO TOPOGRÁFICA EM TERMOS DE PLANIMETRIA.......... 5

3 A REPRESENTAÇÃO DO TERRENO ........................................................ 7

3.1 OS MODELOS TOPOGRÁFICOS .................................................................. 7


3.2 O PROCESSO DE PRODUÇÃO CARTOGRÁFICA .......................................... 7
3.3 A REPRESENTAÇÃO DA PLANIMETRIA ..................................................... 8
3.4 A REPRESENTAÇÃO DA ALTIMETRIA ....................................................... 9
3.4.1 O CAMPO GRAVÍTICO .................................................................................. 9
3.4.1.1 O campo gravítico de uma massa pontual ................................... 9
3.4.1.2 O campo gravítico de uma esfera homogénea........................... 12
3.4.1.3 A esfera como modelo da Terra ................................................ 13
3.4.2 PLANOS HORIZONTAIS E RECTAS VERTICAIS ............................................ 13
3.4.3 ALTITUDE, COTA, DESNÍVEL E DECLIVE ................................................... 13
3.4.4 REPRESENTAÇÃO POR CURVAS DE NÍVEL ................................................. 15
3.4.4.1 Formas fundamentais do terreno ............................................... 16
3.4.4.2 O modelo altimétrico de curvas de nível ................................... 19
3.4.4.3 Algumas características das curvas de nível ............................. 24
3.4.4.4 Regras práticas para o traçado de curvas de nível ..................... 24
3.4.5 REPRESENTAÇÃO POR PONTOS COTADOS ................................................. 25
3.4.5.1 A selecção dos pontos a levantar no terreno ............................. 26
3.4.5.2 Determinação da cota de novos pontos ..................................... 28
3.4.5.3 Os Modelos Numéricos do Relevo............................................ 29

i
3.4.5.4 Escolha de pontos tendo em vista o traçado manual
de curvas de nível ...................................................................... 31
3.4.6 TRANSFORMAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO ALTIMÉTRICA POR PONTOS
COTADOS PARA REPRESENTAÇÃO POR CURVAS DE NÍVEL ........................ 32

3.4.6.1 O processo automático .............................................................. 32


3.4.6.2 O processo manual .................................................................... 33

4 OS NIVELAMENTOS ................................................................................ 35

4.1 NIVELAMENTOS GEOMÉTRICOS ............................................................. 35


4.1.1 NIVELAMENTOS GEOMÉTRICOS SIMPLES .................................................. 36
4.1.2 NIVELAMENTOS GEOMÉTRICOS COMPOSTOS............................................ 38
4.1.3 NIVELAMENTOS GEOMÉTRICOS ABERTOS E NIVELAMENTOS GEOMÉTRICOS
FECHADOS ................................................................................................. 40

4.1.4 PRECISÕES ESPERADAS NOS NIVELAMENTOS GEOMÉTRICOS ................... 44


4.2 NIVELAMENTOS TRIGONOMÉTRICOS .................................................... 45
4.3 A SIMPLIFICAÇÃO TOPOGRÁFICA EM TERMOS DE ALTIMETRIA .......... 46
4.3.1 ERRO DE ESFERICIDADE (E) ...................................................................... 46
4.3.2 ERRO DE REFRACÇÃO (R) E ERRO DE NÍVEL APARENTE (A) ...................... 46

5 MEDIÇÃO, NA PLANTA TOPOGRÁFICA, DE DISTÂNCIAS


E DE ÁREAS ............................................................................................... 50

5.1 MEDIÇÃO DE DISTÂNCIAS NA PLANTA TOPOGRÁFICA .......................... 50


5.1.1 COMPRIMENTO DE UM SEGMENTO RECTILÍNEO ........................................ 50
5.1.2 COMPRIMENTO DE LINHAS CURVAS.......................................................... 50
5.2 MEDIÇÃO DE ÁREAS EM PLANTA ............................................................ 50
5.2.1 MÉTODOS EXACTOS .................................................................................. 51
5.2.1.1 Método de Gauss ....................................................................... 51
5.2.1.2 Decomposição em triângulos .................................................... 51
5.2.2 MÉTODOS APROXIMADOS ......................................................................... 52
5.2.2.1 Método dos trapézios ................................................................ 52
5.2.2.2 Método de Simpson................................................................... 53
5.2.3 MÉTODO MECÂNICO ................................................................................. 54

ii
6 MEDIÇÃO DE DISTÂNCIAS NO TERRENO ............................................ 55

6.1 MEDIÇÃO DIRECTA ................................................................................. 55


6.2 MEDIÇÃO INDIRECTA POR PROCESSOS CLÁSSICOS............................... 55
6.2.1 LUNETAS ESTADIMÉTRICAS ...................................................................... 56
6.2.2 AS FÓRMULAS TAQUEOMÉTRICAS ............................................................ 57
6.2.2.1 Os ângulos verticais .................................................................. 58
6.2.2.2 Instrumentos dotados de luneta estadimétrica
(taqueómetros clássicos) ........................................................... 58
6.2.2.3 Instrumentos dotados de distanciómetro electrónico
(taqueómetros electrónicos e estações totais) ............................ 61
6.3 MEDIÇÃO ELECTROMAGNÉTICA DE DISTÂNCIAS (MED) ..................... 65
6.3.1.1 Tipos de fenómenos ondulatórios utilizados ............................. 66
6.3.1.2 Tipos de propagação das ondas ................................................. 67
6.3.1.3 Tipos de ondas electromagnéticas utilizados, em termos de
frequência .................................................................................. 68
6.4 BREVE ANÁLISE INTUITIVA DOS ERROS
NA MEDIÇÃO DE DISTÂNCIAS .................................................................. 69

7 LEVANTAMENTOS PLANIMÉTRICOS COMPOSTOS ............................ 72

7.1 NOÇÕES ALGÉBRICAS FUNDAMENTAIS .................................................. 74


7.1.1 REFERENCIAL UTILIZADO ......................................................................... 74
7.1.2 ORIENTAÇÃO E RUMO DE UM SEGMENTO ................................................. 74
7.1.3 PROBLEMAS FUNDAMENTAIS EM COORDENADAS PLANAS
RECTANGULARES ...................................................................................... 75

7.1.3.1 Transmissão de orientações entre segmentos sucessivos


de uma linha poligonal .............................................................. 75
7.1.3.2 Transporte de coordenadas num segmento ............................... 77
7.1.3.3 Determinação da orientação de um segmento a partir das
coordenadas dos seus pontos extremos ..................................... 77
7.1.3.4 Comprimento de um segmento ................................................. 78
7.2 O MÉTODO DAS POLIGONAIS .................................................................. 78
7.2.1 CÁLCULO DE POLIGONAIS ABERTAS ......................................................... 78
7.2.1.1 Cálculo das orientações dos tramos .......................................... 79
7.2.1.2 Cálculo das coordenadas dos vértices ....................................... 80

iii
7.2.2 POLIGONAIS FECHADAS (MÉTODO DE BOWDITCH) ................................... 80
7.2.2.1 Análise genérica ........................................................................ 80
7.2.2.2 Poligonais fechadas de enlace ................................................... 83
7.2.2.3 Poligonais fechadas sobre si mesmas ........................................ 87

iv
LISTA DE FIGURAS

Figura 1.1: Escala gráfica simples ............................................................................................................ 2

Figura 1.2: Escala gráfica composta ......................................................................................................... 3

Figura 2.1: Substituição de uma superfície esférica por um plano – situações limite. ............................. 6

Figura 3.1: Legenda de uma Carta Militar 1:25000.................................................................................. 8

Figura 3.2: O movimento de uma massa pontual m1 em relação a uma outra massa pontual m2. ....... 10

Figura 3.3: A variação da aceleração gravítica com a distância ao centro de uma


esfera homogénea com raio R e massa M (figura adaptada de Tipler, 2008). ..................... 12

Figura 3.4: Inclinação e declive de um segmento. .................................................................................. 15

Figura 3.5: Representação da altimetria por curvas de nível. ................................................................. 15

Figura 3.6: Dois extractos, sem escala, da Carta Militar de Portugal 1:25000
(a equidistância natural deste mapa é 10 m). ...................................................................... 16

Figura 3.7: Vale de margens planas interceptado por dois planos horizontais ....................................... 17

Figura 3.8: O “adoçamento” das curvas de nível nos terrenos naturais .................................................. 17

Figura 3.9: Tergo e vale. ......................................................................................................................... 18

Figura 3.10: Colina e lago. ..................................................................................................................... 19

Figura 3.11: Portela. ............................................................................................................................... 19

Figura 3.12: Representação 3D de uma superfície “suavemente ondulada”. ......................................... 20

Figura 3.13: Determinação da cota de pontos que não pertencem a curvas de nível. ............................. 20

Figura 3.14: Determinação da cota de um ponto por interpolação. ........................................................ 21

Figura 3.15: Determinação da cota de um ponto por extrapolação. ....................................................... 21

Figura 3.16: Linha de maior declive que passa por um ponto. ............................................................... 22

Figura 3.17: Linha de declive constante. ................................................................................................ 22

Figura 3.18: Limites de uma bacia hidrográfica. .................................................................................... 23

Figura 3.19: Elaboração de um perfil do terreno. ................................................................................... 23

Figura 3.20: Exemplo de perfil do terreno .............................................................................................. 24

Figura 3.21: Configuração de curvas de nível e sentido de escoamento de uma linha de água. ............. 24

Figura 3.22: Aplicação das regras práticas ao traçado de curvas de nível. ............................................. 25

Figura 3.23: Representações usuais de pontos cotados. ......................................................................... 26

Figura 3.24: Pormenor de planta topográfica com pontos cotados ......................................................... 26

v
Figura 3.25: Projecção horizontal de uma triangulação de Delaunay e dos
polígonos de Voronoi que lhe estão associados .................................................................. 27

Figura 3.26: Determinação da cota de um ponto cuja projecção se encontra sobre


um segmento cotado. .......................................................................................................... 28

Figura 3.27: Metodologia para a determinação da cota de um ponto cuja projecção se encontra no
interior de um triângulo cotado. .......................................................................................... 29

Figura 3.28: TIN bem e TIN mal conformada. ....................................................................................... 30

Figura 3.29: Efeito de uma linha de rotura numa TIN. ........................................................................... 31

Figura 3.30: Optimização do número de pontos a levantar tendo em vista o traçado manual
de curvas de nível (as interpolações apenas deverão ser efectuadas
segundo as linhas a tracejado). ........................................................................................... 32

Figura 3.31: Graus de “adoçamento” crescente no traçado de curvas de nível. ..................................... 33

Figura 3.32: Diapasão de rectas concorrentes e diapasão de rectas paralelas. ........................................ 34

Figura 3.33: Definição da projecção horizontal de um ponto de cota conhecida. .................................. 34

Figura 4.1: Exemplo de graduação de uma mira .................................................................................... 35

Figura 4.2: Utilização de um nível para o cálculo de desníveis. ............................................................. 36

Figura 4.3: Exemplo de uma nivelada .................................................................................................... 36

Figura 4.4: Planta de um nivelamento geométrico simples. ................................................................... 37

Figura 4.5: Exemplo de caderneta de nivelamento. ................................................................................ 37

Figura 4.6: Preenchimento e cálculo de uma caderneta de nivelamento simples. .................................. 38

Figura 4.7: Planta de um nivelamento geométrico composto, com indicação da sequência


de estações que, para efeito de preenchimento da caderneta de nivelamento,
foi arbitrado. ....................................................................................................................... 39

Figura 4.8: Preenchimento e cálculo de uma caderneta de nivelamento composto. ............................... 40

Figura 4.9: Preenchimento e cálculo de uma caderneta relativa a um nivelamento


composto e fechado. ........................................................................................................... 42

Figura 4.10: Avaliação dos erros de esfericidade e de refracção ............................................................ 47

Figura 4.11: A refracção ......................................................................................................................... 47

Figura 4.12: A refracção dos raios luminosos que atravessam a atmosfera ............................................ 48

Figura 5.1: Método de Gauss – mnemónica para a definição do sinal das parcelas. .............................. 51

Figura 5.2: Semiperímetro de um triângulo. ........................................................................................... 52

Figura 5.3: Área de dois trapézios adjacentes que compartilham uma altura. ........................................ 52

vi
Figura 5.4: Método de Simpson – área de dois elementos adjacentes. ................................................... 53

Figura 6.1: O princípio fundamental da estadimetria. ............................................................................ 56

Figura 6.2: Os fios estadimétricos. ......................................................................................................... 57

Figura 6.3: Distância segundo a linha de visada, distância horizontal e altura trigonométrica. ............. 57

Figura 6.4: Ângulos verticais e sua relação com o círculo trigonométrico. ............................................ 58

Figura 6.5: Leituras sobre uma mira horizontal. ..................................................................................... 59

Figura 6.6: Taqueometria clássica com mira horizontal. ........................................................................ 60

Figura 6.7: Leituras sobre uma mira vertical. ......................................................................................... 60

Figura 6.8: Taqueometria clássica com mira vertical. ............................................................................ 61

Figura 6.9: Taqueometria com medição electrónica de distâncias. ........................................................ 62

Figura 6.10: Gráfico de uma onda. ......................................................................................................... 66

Figura 6.11: Trajectos de propagação das ondas de baixa frequência. ................................................... 67

Figura 6.12: Trajectos de propagação das ondas de alta-frequência. ...................................................... 67

Figura 6.13: Situações possíveis na medição de um segmento com uma escala


uniformemente constante .................................................................................................... 70

Figura 7.1: Poligonais utilizadas para a elaboração de uma planta topográfica do ISEP ....................... 73

Figura 7.2: Sistema de eixos e sentido de medição de ângulos usados em Topografia. ......................... 74

Figura 7.3: Orientação de um segmento. ................................................................................................ 75

Figura 7.4: Transmissão de orientações entre segmentos. ...................................................................... 76

Figura 7.5: A determinação de um ângulo topográfico. ......................................................................... 76

Figura 7.6: Transporte de coordenadas num segmento. ......................................................................... 77

Figura 7.7: Orientação de um segmento – os quatro casos possíveis. .................................................... 78

Figura 7.8: Exemplo de poligonal aberta. ............................................................................................... 79

Figura 7.9: Poligonal fechada de enlace genérica. .................................................................................. 83

Figura 7.10: Cálculo de uma poligonal fechada de enlace ..................................................................... 86

Figura 7.11: Poligonal fechada sobre si mesma do 1º tipo e sua transformação em


poligonal de enlace equivalente. ......................................................................................... 87

Figura 7.12: Cálculo de uma poligonal fechada sobre si mesma do 1º tipo. .......................................... 89

Figura 7.13: Poligonal fechada sobre si mesma do 2º tipo e sua transformação em


poligonal de enlace equivalente .......................................................................................... 90

vii
Figura 7.14: Cálculo de uma poligonal fechada sobre si mesma do 2º tipo. .......................................... 92

viii
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

1 Mapas e Escalas

1.1 A elaboração de mapas (produção cartográfica)

Um mapa pode ser definido como uma representação reduzida, simplificada, convencional e
planar, da superfície terrestre, ou de regiões subterrâneas que lhe estão muito próximas.

 Os mapas são usualmente representações reduzidas dado que segmentos definidos sobre a superfície
terrestre são representados no mapa por outros segmentos que possuem comprimentos menores do
que os que representam.

 Os mapas são representações simplificadas da superfície terrestre dado que, relativamente à região
que representam, nem todas as suas características são representadas nem todos os elementos que
nela se encontram são descritos: apenas se retêm os elementos e as características que são de
interesse para um dado fim. Para além deste facto, também esses elementos e características são
apresentados de modo esquemático e muitas vezes meramente convencional.

 Os mapas são representações planares porque os elementos da superfície terrestre que neles figuram
são representados pela sua projecção numa superfície plana, materializada pela folha do mapa.

A execução de um mapa – a produção cartográfica – pode ser considerada como sendo


composta por quatro fases, que se sucedem:

1 Selecção dos elementos, presentes na superfície terrestre ou nas suas imediações, que se pretende
representar no mapa;

2 Medição e localização dos elementos seleccionados;

3 Projecção desses elementos sobre uma superfície de referência;

4 Planificação dessa superfície de referência e, por consequência, de todos os elementos nela


projectados;

5 Redução da superfície de referência planificada (aplicação da escala, assunto a ser abordado de


seguida).

Note-se que as distâncias medidas sobre o terreno são sempre maiores ou iguais às distâncias
projectadas sobre a superfície de referência. Os mapas criados no âmbito da Topografia são denominados
plantas topográficas e utilizam planos horizontais como superfície de referência.

1.2 A escala

A relação entre os comprimentos medidos sobre o mapa e os correspondentes comprimentos


medidos sobre a superfície de referência planificada denomina-se escala do mapa (E).

1
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

ℓ 1
Eq. (1) E= =
𝐿 M

Nesta equação, l é um comprimento medido no mapa e L é o correspondente comprimento

medido sobre a superfície de referência planificada; M é denominado módulo da escala. Uma escala é
sempre um número adimensional.

Os mapas podem ser classificados, de acordo com a sua escala, nas seguintes categorias
(Casaca et al., Lidel, 2000):

Plantas topográficas: E1:10000


Cartas topográficas: 1:500000E1:10000
Cartas (ou Mapas) Geográficas: E1:500000

Quanto à forma de apresentação das escalas, as escalas podem ser numéricas – apresentadas
na forma da equação Eq. (1) – ou gráficas. As escalas gráficas podem ser simples ou compostas.

x
b a

A B

500 0 500 1000 1500 m

segmento-base
talão

dimensão-base = segmento-base  M = 500 m


comprimento do talão = segmento-base
comprimento do segmento AB = a + b + x

a = 1000 m
b = 100 m
x estimado, se necessário, por interpolação visual

Figura 1.1: Escala gráfica simples

Numa escala gráfica simples a precisão das medidas com ela efectuada é igual ao valor de
cada divisão do talão (no caso do exemplo da figura, a precisão das medidas será de 100 metros). O valor
da escala numérica implícita numa escala gráfica é igual à relação entre o comprimento segmento-base
e o comprimento dimensão-base.

2
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c
b a

A B

500 0 500 1000 1500 m

dimensão-base = segmento-base  M = 500 m

comprimento do segmento AB = a + b + c + x

a = 1000 m
b = 100 m
c = 40 m
x obtido, se necessário, por interpolação visual

Figura 1.2: Escala gráfica composta

Uma escala gráfica composta é construída com base numa escala gráfica simples,
acrescentando-lhe um determinado número de rectas paralelas equidistantes entre si. O objectivo da
elaboração de uma escala deste tipo é conseguir medir com precisão fracções da menor divisão do talão.
Estas fracções são determinadas por aplicação do princípio da semelhança de triângulos, o que obriga à
equidistância referida atrás. A precisão que com elas se consegue na medição de comprimentos é igual
ao valor da dimensão-base dividido pelo produto entre o número de divisões do talão e o número de
paralelas. Para o exemplo da Figura 1.2, a precisão será de 500/(510)=10 metros.

As escalas gráficas, para além de permitirem a avaliação de comprimentos “no terreno” sem
a necessidade de elaborar cálculos, apresentam também a propriedade de acompanharem as variações
nas dimensões do mapa1, mantendo invariável o valor da escala numérica que nelas está implícita.

1
Estas variações nas dimensões dos mapas podem ser devidas a variados factores, entre os
quais se contam a variação das características do suporte físico do mapa (nomeadamente o teor de
humidade e a temperatura) e as distorções que inevitavelmente são introduzidas pelos processos de
reprodução tipo “fotocópias”.

3
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2 A Topografia
Se a região da superfície terrestre a representar for suficientemente pequena, então os efeitos
da curvatura terrestre na construção das projecções planas dessa superfície podem ser desprezados. Por
outras palavras: distâncias e ângulos medidos no terreno podem ser imediatamente usados2 na elaboração
dos mapas.

“A Topografia tem por fim a representação e descrição da superfície terrestre, em zonas


suficientemente restritas para que se possa desprezar a sua curvatura.”

2.1 Trabalhos e Operações

Os trabalhos topográficos são agrupáveis nas seguintes categorias: levantamentos e


implantações. Os levantamentos consistem na recolha no terreno dos elementos necessários à elaboração
dos modelos desse terreno; os modelos mais utilizados são as representações planares (as plantas
topográficas3) e os modelos numéricos do relevo. As implantações consistem na materialização, sobre o
terreno, das representações esquemáticas executadas previamente sobre modelos.

As operações topográficas são de dois tipos: operações planimétricas e operações


altimétricas. As operações planimétricas têm por objecto a representação planimétrica 4 (bidimensional)
dos pontos. As operações altimétricas têm por objecto os desníveis entre pontos (relevo do terreno). Um
trabalho topográfico é composto por operações topográficas.

2.2 Limite de Percepção Visual e o Erro de Graficismo

É correntemente admitido que um ser humano normal não distingue um segmento de um ponto
se aquele tiver um comprimento igual ou menor a 0,2 mm. Este valor denomina-se limite de percepção
visual.

Assim, segmentos com comprimento, em planta 5, igual ou inferior ao limite de percepção


visual, ou não são representados ou, sendo-o, são representados com simbologia convencional.

2
Na realidade, tais medidas só poderão ser imediatamente usadas se a sua determinação for
feita paralelamente ao plano no qual se pretende efectuar a projecção. Na prática, se forem utilizados
instrumentos adequados, tal tarefa não se reveste de dificuldade.
3
A elaboração de cartas topográficas está usualmente fora do âmbito das técnicas topográficas
correntes.
4
Referimo-nos à representação dos pontos no plano de projecção (a superfície de referência
topográfica).
5
É corrente a utilização da expressão “em planta” na vez da expressão “em projecção
horizontal”.

4
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Da convenção de limite de percepção visual decorre a noção de erro de graficismo. Qualquer


medição de comprimentos efectuada numa representação cartográfica é feita com um erro absoluto de
0,2 milímetros, ao qual corresponde na superfície de referência um erro – o erro de graficismo – de
0,2M milímetros. Deste facto resulta que diferenças de comprimento, no terreno, inferiores a 0,2M
milímetros, poderão ser desprezadas para efeito de execução de cartas e plantas.

2.3 Trabalhos regulares e irregulares

A noção de erro de graficismo fornece indicações preciosas para a selecção dos equipamentos
a utilizar na execução dos trabalhos topográficos. Um trabalho topográfico executado com equipamentos
capazes de medir distâncias com precisões iguais ou superiores ao erro de graficismo é denominado
trabalho regular. Esta caracterização é, pois, aplicável a levantamentos e a implantações. No entanto,
ela é particularmente importante para os levantamentos.

Na ausência de motivos de força maior – que a existirem deverão constar da legenda das
produções cartográficas – todos os levantamentos deverão ser regulares. Como consequência, a menos
de informação em contrário patente na legenda, é lícito inferir que, sendo ℓ um comprimento medido
sobre um qualquer mapa, o correspondente comprimento, medido sobre a superfície de referência, será
(ℓ ± 0,2 mm) × M.

2.4 A simplificação topográfica em termos de planimetria

A consideração do erro de graficismo permite determinar, de modo aproximado, o limite


máximo para o qual é válida a substituição, como superfície de referência para produção de cartografia,
de uma superfície esférica por um plano (esta substituição é denominada simplificação topográfica, já
que em Topografia a superfície de referência é sempre um plano horizontal). Vamos admitir que a
superfície esférica tem raio igual ao raio médio da terrestre, isto é, aproximadamente 6371 km (Gaspar,
Lidel, 2000). Pretendemos determinar o valor máximo do comprimento de um alinhamento recto 6
marcado sobre o terreno, a partir do qual deixa de ser indiferente se a sua medida é determinada sobre a
esfera ou sobre o plano. O plano vertical que contém o alinhamento recto define, sobre a superfície
esférica, um arco de comprimento L. Duas situações extremas podem ser admitidas para a definição do
plano: o plano passa pelos dois extremos do arco ou, em alternativa, ele é tangente ao arco no seu ponto
médio. No primeiro caso o arco irá ser projectado no plano segundo o segmento T; no segundo caso, a
projecção do segmento sobre o plano será C. Demonstra-se que L está sempre compreendido entre T e

6
Um alinhamento recto é a linha que resulta da intersecção da superfície do terreno com um
plano vertical; portanto, a projecção horizontal de um alinhamento recto é sempre um segmento de recta.

5
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

C7. Assim sendo, se impusermos que amplitude do intervalo  C , T  seja igual ou inferior 210-7M

quilómetros, garantimos implicitamente que o mesmo acontece aos intervalos  C , L  e  L , T  .

L/2 L/2

T L C
T  2  6371 tg α (Km)
R L  2  6371 α (Km), com α em radianos
 C  2  6371 sen α (Km)

Figura 2.1: Substituição de uma superfície esférica por um plano – situações limite.

Na tabela que se segue, gerada resolvendo em ordem a  a igualdade


T  C  2 R  tan   sen    M 0.2 mm , são apresentados, para cinco das escalas mais utilizadas, os

comprimentos L encontrados e os correspondentes comprimentos l no mapa.

Escala L l (no mapa)

1/100 18 km 180 m
1/500 32 km 64 m
1/1000 40 km 40 m
1/5000 68 km 13.6 m
1/10.000 86 km 8.6 m

Conforme se pode ver, a importância prática do erro cometido pela adopção da simplificação
topográfica diminui com o crescimento da escala. Na verdade, se ainda é admissível a execução de uma
planta topográfica que ocupe uma área de 8.62/4 m2 – repartida, evidentemente, por várias folhas de
papel – já é de todo improvável a execução de uma outra que necessite de 1802/4 m2. Para escalas
grandes (as do âmbito da Topografia), o efeito da curvatura, em termos da medição de distâncias, é
desprezável8.

7
A simples consideração do traçado gráfico mostra com clareza que a corda é sempre menor
ou igual ao arco que lhe está associado. Quanto à tangente, demonstra-se que o seu comprimento é sempre
maior ou igual que o do arco. Atente-se na Figura 2.1: fácil é mostrar que L=2 R  e T=2 R tan .
Desenvolvendo a tangente em série de Taylor centrada em 0, teremos |tan =| + 3/3 +2 5/15 +...| e,
portanto, |tan |.

8
Note-se que, no que diz respeito à altimetria, já as coisas se não passam assim. A seu tempo
a isso nos referiremos.

6
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

3 A Representação do Terreno

3.1 Os modelos topográficos

Em Topografia a superfície terrestre é substituída por uma sua representação simplificada, isto
é, o terreno existente é substituído por um modelo topográfico. Na actualidade, os modelos topográficos
mais utilizados são os modelos planos (as plantas topográficas, em papel ou em formato digital, que são
um tipo de mapa) e os modelos numéricos do relevo, ou MNR (modelos tridimensionais, em formato
digital, da superfície do terreno). No caso dos formatos digitais estes dois modelos podem coexistir num
mesmo ficheiro de dados. Para a elaboração destes modelos é ignorada, por não ser de interesse para o
fim a que se destina a representação, muita da informação disponível no terreno, enquanto que outra até
poderá ser realçada.

Os modelos numéricos do relevo são constituídos, na sua essência, por um conjunto de pontos
definidos num espaço tridimensional e por uma função interpoladora. Admite-se que esta função
interpoladora, quando aplicada aos pontos daquele conjunto, aproxima suficientemente bem a real
configuração da superfície terrestre na região de interesse.

3.2 O processo de produção cartográfica

Conforme se escreveu em parágrafo anterior, as plantas topográficas são um tipo de mapa


(também é usada e denominação de carta). Mas um mapa não é uma reproduções fiel da realidade9
(recorde-se o Capítulo 1). Pelo contrário: é uma representação parcelar e convencional, isto é, não
representa tudo o que existe na região que abrange (a região de interesse) e as representações que nele
figuram são efectuadas recorrendo a codificações (as convenções gráficas).

A informação que um mapa disponibiliza resulta de operações de síntese (ou agregação) e de


filtragem (ou selecção) que, num dado momento, foram aplicadas a tudo o que existia na região de
interesse, bem como às características intrínsecas do terreno nessa região. É evidente que a especificação
dos critérios que presidiram a estas operações foi um momento de extrema importância no processo da
elaboração do mapa, por duas razões: a) condicionou os volumes de trabalho necessários e os respectivos
custos; b) condicionou as utilizações futuras do mapa e os correspondentes proveitos.

Os elementos que resultaram das operações de síntese e de filtragem são classificados e


interpretados, após o que são representados graficamente. Esta representação, que já se disse ser
convencional, segue uma notação que é muito variável e por vezes complexa. A notação utilizada – a
simbologia – deve constar da legenda. A legenda é a chave que permite a descodificação da informação
contida na representação cartográfica, pelo que sem ela a utilidade de um mapa ficará muito diminuída.

9
Uma fotografia de uma região não é um mapa, independentemente do grau de detalhe que
este possua! Um mapa pressupõe a classificação e interpretação da informação disponível.

7
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

A representação do terreno é usualmente encarada segundo duas perspectivas: a representação


planimétrica e a representação altimétrica. Um modelo topográfico poderá conter apenas uma destas
formas de representação, ou ambas em simultâneo. A representação planimétrica trata da representação
das projecções dos elementos de interesse sobre planos horizontais. A representação altimétrica tem por
objecto a representação do relevo do terreno, isto é, a representação dos desníveis – os desníveis são
distâncias verticais - existentes entre os pontos que constituem a superfície desse terreno. Conforme
veremos mais adiante neste capítulo, a representação da altimetria implica a definição prévia de uma
superfície de referência altimétrica.

3.3 A representação da planimetria

Em termos de representação planimétrica podemos dizer que, de um modo geral, a


representação dos elementos de interesse é feita tendo em consideração os seguintes aspectos:

a) Elementos de dimensão razoável10: são representados pelos seus contornos utilizando elementos
gráficos convencionais.
b) Elementos de pequena dimensão: são representados por sinais convencionais.
c) Áreas de dimensão razoável e ocupação bem definida: são representadas pelos seus contornos; a
representação é frequentemente completada com um preenchimento convencional.

É muito importante realçar que todas as convenções usadas deverão constar da legenda do
mapa. A Figura 3.1, que foi extraída de uma das folhas que constituem a Carta Militar 1:25000 de
Portugal, evidencia a grande variedade de informação que esta representação cartográfica contém.

Figura 3.1: Legenda de uma Carta Militar 1:25000.

10
Entenda-se por dimensão razoável uma dimensão que, no mapa, é claramente superior ao
limite de percepção visual.

8
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3.4 A representação da altimetria

3.4.1 O campo gravítico

3.4.1.1 O campo gravítico de uma massa pontual

Sejam 𝑚1 e 𝑚2 duas massas pontuais, distanciadas uma da outra de uma distância 𝑟. A “Lei
da Gravitação Universal”, devida a Isaac Newton, diz-nos que, sobre cada uma destas duas massas
pontuais (duas partículas), actua uma força – a força gravítica, ou força gravitacional, 𝑓⃗𝑔 – que é dirigida
para a outra massa e cuja magnitude é dada pela seguinte expressão:

𝑚1  𝑚2
Eq. (2) 𝑓𝑔 = 𝐺 , sendo 𝐺 ≅ 6.674 × 10−11 m3 kg −1 s −2 a “constante gravitacional”
𝑟2

Considere-se agora o movimento de 𝑚1 em relação a 𝑚2 (ver Figura 3.2). A posição genérica


de 𝑚1 em relação a 𝑚2 é dada pelo vector 𝑟⃗, que é dirigido de 𝑚2 para 𝑚1 e cujo versor é 𝑟̂ . Tenha-se
em atenção que a força gravítica que actua sobre 𝑚1 , por ser dirigida de 𝑚1 para 𝑚2 , é 𝑓⃗𝑔 = −𝑓𝑔 𝑟̂ . Seja
um deslocamento elementar (infinitesimal) de 𝑚1 , representado pelo vector elementar (infinitesimal) 𝑑𝑠⃗.
Então o trabalho elementar (infinitesimal) 𝑑𝑊 que é executado pela força gravítica que actua sobre 𝑚1
quando 𝑚1 sofre o deslocamento 𝑑𝑠⃗, é dado pelo produto dessa força por uma distância 𝑑𝑟 que é a
projecção de 𝑑𝑠⃗ sobre 𝑟⃗. Em termos vectoriais teremos então que 𝑑𝑊 é igual ao produto interno11
(também denominado produto escalar) de 𝑓⃗𝑔 por 𝑑𝑠⃗. Sendo 𝑑𝑠 = ‖𝑑𝑠⃗‖ e 𝜃 o ângulo entre o deslocamento
𝑑𝑠⃗ e 𝑟⃗, teremos:

Eq. (3) 𝑑𝑊 = −𝑓𝑔 𝑟̂ ⋅ 𝑑𝑠⃗ = −𝑓𝑔 ⏟


𝑑𝑠 cos 𝜃 = −𝑓𝑔 𝑑𝑟
𝑑𝑟

Sendo 𝐶 uma constante arbitrária temos que a integral indefinida associada ao trabalho
elementar 𝑑𝑊 é:

1 𝐺 𝑚1  𝑚2
Eq. (4) 𝑊 = ∫ 𝑑𝑊 = −𝐺 𝑚1  𝑚2 ∫ 𝑑𝑟 = +𝐶
𝑟2 𝑟

11
Sejam dois vectores, 𝑎⃗ e 𝑏⃗⃗ que formam o ângulo 𝜃, e sejam 𝑎 e 𝑏 as suas respectivas normas.
O produto interno de 𝑎⃗ por 𝑏⃗⃗, que se escreve 𝑎⃗ ⋅ 𝑏⃗⃗, é o número real 𝑐 = 𝑎 𝑏 cos 𝜃. Note-se que ‖𝑎⃗‖ cos 𝜃
é a projecção de 𝑎⃗ sobre 𝑏⃗⃗ e que ‖𝑏⃗⃗‖ cos 𝜃 é a projecção de 𝑏⃗⃗ sobre 𝑎⃗.

9
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Figura 3.2: O movimento de uma massa pontual 𝒎𝟏 em relação a uma outra


massa pontual 𝒎𝟐 .

Sejam dois pontos, 𝐴 e 𝐵, ambos pertencentes à trajectória de 𝑚1 e cujas distâncias a 𝑚2 são


𝑟𝐴 e 𝑟𝐵 , respectivamente. Tendo presente a Eq. (4) temos que o trabalho realizado pela força gravítica
que actua sobre 𝑚1 quando esta massa de desloca de 𝐴 para 𝐵 é o escalar12 dado por:

𝐵 𝐺 𝑚1  𝑚2 𝐵 1 1
Eq. (5) 𝑊𝐴𝐵 = ∫𝐴 𝑑𝑊 = [ ] = 𝐺 𝑚1  𝑚2 ( − )
𝑟 𝐴 𝑟𝐵 𝑟𝐴

Conclui-se assim que: a) o trabalho realizado pela força gravítica depende apenas da posição
inicial e da posição final de 𝑚1 , não dependendo das características do movimento de 𝑚1 entre os dois
pontos13; b) o trabalho será positivo quando 𝑟𝐵 < 𝑟𝐴 , isto é, quando 𝑚1 se aproximar de 𝑚2 ; c) o trabalho
será nulo quando 𝑟𝐴 = 𝑟𝐵 .

Se há realização de um trabalho e se esse trabalho não depende das características do


movimento14 da massa 𝑚1 , então: a) esse trabalho só pode resultar de uma variação da energia potencial15
de 𝑚1 ; b) o princípio da conservação da energia permite afirmar que a magnitude desta variação de
energia potencial será simétrica do trabalho da força gravítica sobre 𝑚1 . Sendo assim temos que a

12
O adjectivo escalar, quando aplicado a uma grandeza física, indica que ela quantificável por
um número real. O substantivo escalar refere-se a um número real.
13
Uma força com estas características diz-se ser uma força conservativa.
14
A energia cinética depende das características do movimento, pois depende da velocidade
com que esse movimento se dá. Uma forma de energia que não seja cinética diz-se ser potencial.
15
Denomina-se energia potencial a energia que se encontra “armazenada” num corpo físico e
que pode ser utilizada para produzir um trabalho. Existem vários tipos de energia potencial: energia
potencial eléctrica, energia potencial de pressão, energia potencial elástica, energia potencial química,
etc.

10
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variação da energia potencial de 𝑚1 é igual ao simétrico do trabalho realizado pela força gravítica que
actua sobre 𝑚1 . Portanto estamos perante uma energia potencial que é devida à gravitação universal e
que, por isso, é denominada energia potencial gravítica e será designada pela letra 𝑈. Sendo 𝑈 a energia
potencial gravítica de 𝑚1 pode escrever-se que, entre os pontos 𝐴 e 𝐵, a variação da energia potencial
gravítica desta massa é:

1 1
Eq. (6) 𝛥𝑈𝐴𝐵 = −𝑊𝐴𝐵 = −𝑚1 𝐺 𝑚2 ( − )
𝑟𝐵 𝑟𝐴

Se o deslocamento de 𝑚1 for o deslocamento infinitesimal 𝑑𝑠⃗ corresponder-lhe-á uma


variação infinitesimal de energia potencial gravítica dada por 𝑑𝑈 = −𝑑𝑊. Tendo presente Eq. (3) pode
concluir-se que a energia potencial gravítica de 𝑚1 é dada por:

Eq. (7) 𝑈 = ∫ 𝑑𝑈 = ∫ 𝑓𝑔 𝑑𝑟 + 𝑈0 = 𝑓𝑔 𝑟 + 𝑈0 , sendo 𝑈0 uma constante arbitrária.

A energia potencial 𝑈0 é uma constante de integração arbitrária. A mais simples expressão


para a energia potencial gravítica de 𝑚1 é a que se obtém fazendo 𝑈0 = 0, o que equivale a impor 𝑈 = 0
para 𝑟 = 0.

Já se viu que a magnitude da força gravítica exercida sobre 𝑚1 é 𝑓⃗𝑔 = −𝑓𝑔 𝑟̂ . A força gravítica
que actua sobre cada unidade de massa de 𝑚1 é a seguinte função vectorial16:

𝑓⃗𝑔 𝐺  𝑚2
Eq. (8) 𝑔⃗ = =− 𝑟̂
𝑚1 𝑟2

Esta função tem como domínio o espaço tridimensional, pois não foi imposta qualquer
restrição à posição ocupada por 𝑚1 . Trata-se de uma função vectorial que associa um vector a cada ponto
do espaço, pelo que é uma entidade matemática do tipo campo vectorial. Este campo vectorial é
denominado, por razões óbvias, campo gravítico de 𝑚2 . Note-se também que a magnitude de 𝑔⃗ é
directamente proporcional à massa 𝑚2 e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre 𝑚2 e
𝑚1 , mas não depende de 𝑚1 . A magnitude de 𝑔⃗ é:

𝐺  𝑚2
Eq. (9) 𝑔=
𝑟2

Recorde-se que 𝑔 é a força gravítica por unidade de massa que actua sobre 𝑚1 . Então a
atracção gravítica que se gera entre 𝑚2 é 𝑚1 é dada por:

Eq. (10) 𝑓𝑔 = 𝑚1 𝑔

16
Uma função diz-se vectorial quando o seu contradomínio é um conjunto de vectores.

11
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As dimensões de 𝑔 são [𝑔] = 𝐿 𝑇 −2 , isto é, são as dimensões de uma aceleração. Esta


grandeza é a aceleração do movimento de um corpo que se move apenas por acção da força gravítica
(movimento em queda livre), razão pela qual 𝑔 se denomina aceleração gravítica ou aceleração da
gravidade. As superfícies nas quais é constante a aceleração gravítica são denominadas equipotenciais
gravíticas. A Eq. (9) mostra que estas superfícies equipotenciais são superfícies esféricas centradas em
𝑚2 .

Uma linha que, em cada um dos seus pontos, seja tangente a 𝑔⃗, é denominada linha de campo
gravítico. Note-se que 𝑔⃗ é paralelo a 𝑓⃗𝑔 , pelo que estas linhas são também denominadas linhas de força
do campo gravítico e representam as trajectórias de um corpo em queda livre. As linhas de força do
campo gravítico de uma massa pontual são rectas que passam pelo ponto ocupado por essa massa e que,
por esse facto, em todos os seus pontos são perpendiculares às respectivas equipotenciais gravíticas.

3.4.1.2 O campo gravítico de uma esfera homogénea

Considere-se uma esfera de raio 𝑅 e massa 𝑀, cuja massa volúmica seja uniforme. Sendo 𝑟 a
distância ao centro da esfera, demonstra-se que a aceleração gravítica devida a este corpo é nula no centro
da esfera, cresce linearmente até à superfície e, a partir daí, decresce assimptoticamente para zero (Tipler,
381-382). A Eq. (11) apresenta a expressão matemática associada a cada uma destas duas zonas do campo
gravítico da esfera e a Figura 3.3 ilustra este fenómeno.

𝐺𝑀
𝑎) 𝑟 , para 𝑟 ≤ 𝑅
𝑅3
Eq. (11) 𝑔=
𝐺𝑀
{ 𝑏) 𝑟2
, para 𝑟 > 𝑅

As Eq. (11) mostram que as equipotenciais do campo gravítico da esfera são superfícies
esféricas cujo centro é o centro da esfera, pelo que as linhas de força do campo gravítico são rectas que
passam pelo centro da esfera.

Figura 3.3: A variação da aceleração gravítica com a distância ao centro de uma esfera homogénea
com raio 𝑹 e massa 𝑴 (figura adaptada de Tipler, 2008).

12
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3.4.1.3 A esfera como modelo da Terra

Aceite-se como modelo da Terra uma esfera homogénea de raio 𝑅 = 6371 km (raio médio
de Terra, de acordo com Gaspar, 2000) em cuja superfície a aceleração gravítica seja 𝑔 = 9.8 m s −2.
Sendo assim a Eq. (11)-a) permite obter, para a massa do nosso planeta, o valor 𝑀 ≅ 9.355 × 1017 kg.
As Eq. (11) mostram que a aceleração gravítica diminui à medida que aumenta a distância entre o ponto
considerado e a superfície da esfera. Tomando como referência a aceleração gravítica à superfície, a
𝑅 + 10 km do centro da esfera a aceleração gravítica tem uma redução de 0.3% e a 𝑅 − 10 km a redução
é de 1.6%. Estas variações da aceleração gravítica são desprezáveis para as aplicações correntes da
Engenharia pelo que, para elas, a aceleração gravítica pode ser considerada constante e igual à aceleração
gravítica à superfície.

3.4.2 Planos horizontais e rectas verticais

Embora sendo aproximadamente esférica, nem a Terra é uma esfera nem a distribuição de
massas no seu interior é homogénea. Em termos globais resulta destes factos que: a) as equipotenciais
gravíticas terrestres – as superfícies de nível – não têm representação matemática simples, não sendo
superfícies esféricas nem sendo paralelas entre si; b) as linhas de força do campo gravítico terrestre,
embora em todos os seus pontos sejam perpendiculares às equipotenciais gravíticas, não são rectas.

Se a região de interesse for suficientemente pequena então as superfícies de nível podem, sem
erro apreciável, ser substituídas por superfícies planas paralelas entre si. Estas superfícies planas são
denominadas planos horizontais ou planos de nível. Nas mesmas condições as linhas de força do campo
gravítico podem ser substituídas por rectas perpendiculares aos planos horizontais: são as rectas
verticais. A materialização de um plano horizontal pode ser feita recorrendo à Hidrostática: a superfície
livre de uma massa líquida em repouso no interior de um reservatório imóvel relativamente à Terra
materializa um plano horizontal. A materialização de uma recta vertical pode ser feita por recurso a um
fio-de-prumo.

3.4.3 Altitude, cota, desnível e declive

A fidelidade com que a real configuração tridimensional da superfície do terreno irá ser
representada dependerá, como é óbvio, do número e da localização dos pontos que forem escolhidos para
a representar. É possível, caso os pontos de interesse no terreno estejam distribuídos por uma região não
muito extensa, substituir a superfície de referência altimétrica por uma superfície geométrica simples –
uma superfície plana ou uma superfície esférica – sem prejudicar a valia prática da representação
altimétrica assim obtida. Do exposto resulta evidente que a fidelidade com que a real configuração
tridimensional da superfície do terreno irá ser representada dependerá, não apenas do número e da
localização dos pontos que forem escolhidos para a representar, mas também da dimensão da região de
interesse.

13
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Quando a superfície de referência altimétrica é a equipotencial gravítica que contém um datum


altimétrico17 – coloquialmente é usada a expressão “nível médio do mar” – então os valores numéricos
referidos no parágrafo anterior são denominados altitudes. No caso de a superfície de referência
altimétrica ser uma outra equipotencial gravítica que não um “nível médio do mar”, então os valores
numéricos são denominados cotas.

Próximo da superfície terrestre as equipotenciais gravíticas acompanham de muito perto a


geral curvatura da superfície terrestre sendo, por isso, muito aproximadamente paralelas umas às outras.
Quando a região de interesse for suficientemente pequena (assunto que será abordado no subcapítulo
4.3) é possível, sem erro apreciável: i) substituir uma equipotencial gravítica por um plano que lhe seja
tangente num qualquer ponto dessa região; ii) considerar que as equipotenciais gravíticas são paralelas
entre si. Note-se que o plano que, num dado ponto, é tangente à equipotencial gravítica que por esse
ponto passa é, por definição, o plano horizontal desse ponto.

A superfície de referência altimétrica utilizada em trabalhos do âmbito da Topografia é sempre


um plano horizontal. Face ao exposto no parágrafo anterior conclui-se que, em Topografia, as altitudes
são um caso particular das cotas que ocorre sempre que o plano horizontal utilizado para referência
altimétrica seja tangente ao “nível médio do mar”.

O desnível entre os extremos de um segmento – H AB – é dado pela diferença entre a cota

do ponto final do segmento e a cota do ponto inicial. Portanto H AB  H BA . Define-se ângulo de

inclinação do segmento como sendo o ângulo que o segmento forma com os planos horizontais. A
tangente do ângulo de inclinação é o declive18 do segmento.

Define-se declive do terreno num ponto como sendo o máximo dos declives, calculados nesse
ponto, de todas as linhas que, apoiadas sobre o terreno, por ele passam. Define-se linha de maior declive
do terreno num ponto como sendo a linha que, apoiada no terreno e passando pelo ponto, apresenta em
todos os seus pontos declive máximo. Sendo assim uma linha de maior declive do terreno é a trajectória
de um corpo que se move sobre o terreno, submetido apenas à acção da força gravítica.

17
Usualmente um datum altimétrico (também denominado datum vertical) está associado a
um marégrafo, que é um instrumento que mede e regista o nível do mar ao longo do tempo. O datum
altimétrico oficial de Portugal Continental está associado ao marégrafo existente em Cascais. Em rigor o
“nível médio do mar” não é único; ele depende da localização do marégrafo onde os registos foram
efectuados, bem como da localização temporal e da extensão do intervalo temporal desses registos.
18
É de referir que, tal como acontece com o desnível, também o declive de um segmento vai
depender do sentido de progressão no segmento. Neste texto sempre que for referido o termo declive,
sem ser indicado o sentido de progressão, deverá ser admitido que esse sentido é aquele ao qual
corresponde o crescimento das cotas.

14
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

H AB  CB  C A
HBA   H AB
Cota de A  C A  é o ângulo de inclinação do segmento AB
Cota de B  CB B Dh  D  cos 
H AB
i  tg   é o decliv ede AB
D Dh

Cota de B
A 

Plano horizontal de referência

Cota de A
Dh

Figura 3.4: Inclinação e declive de um segmento.

Quanto à representação, sobre plantas topográficas, da altimetria (o relevo), vamo-nos referir


apenas a dois métodos, porventura os mais frequentemente utilizados na actualidade: pontos cotados e
curvas de nível.

3.4.4 Representação por curvas de nível

Figura 3.5: Representação da altimetria por curvas de nível.

Na representação da altimetria por curvas de nível o relevo é modelado com base na projecção
horizontal das linhas que resultam da intersecção da superfície do terreno com um conjunto de planos
horizontais equidistantes entre si. Define-se equidistância natural – Q – como sendo a distância que
separa estes planos horizontais. Define-se equidistância gráfica – q – como sendo q = Q/M, onde M
representa o módulo da escala.

15
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

a) b)

Figura 3.6: Dois extractos, sem escala, da Carta Militar de Portugal 1:25000
(a equidistância natural deste mapa é 10 m).

A escolha da equidistância natural depende fundamentalmente de três factores: o acidentado


do terreno, a escala do mapa e a futura utilização do mapa. Esta escolha deve ser criteriosa, já que a
equidistância natural é obrigatoriamente constante em todas as regiões de um mesmo mapa. Veja-se, na
Figura 3.6, dois exemplos de inadequação da equidistância natural na Carta Militar 1:25000. No caso a),
que representa uma região montanhosa, a equidistância natural é demasiadamente pequena. No caso b)
que representa uma região de costa marítima plana e arenosa, a equidistância é excessiva obrigando a
completar a representação altimétrica com vários “pontos cotados” (os “pontos cotados” são assunto que
será abordado mais adiante neste texto).

Para plantas topográficas (M  10.000), mas apenas na falta de outro critério, é usual fazer-se
Q = M/1000 (em metros), isto é, é usual impor uma equidistância gráfica igual a 1 milímetro.

3.4.4.1 Formas fundamentais do terreno

Para terrenos naturais19, podemos considerar a sua superfície como decomponível em duas
formas fundamentais (ver Figura 3.7 e Figura 3.9) : o vale e o tergo.

Vale: associação de duas superfícies que, no seu conjunto, envolvem uma região que

está para cima da superfície do terreno; a linha de reunião das duas superfícies é denominada linha

de reunião de águas ou linha de talvegue.

Tergo: associação de duas superfícies que, no seu conjunto, envolvem uma região que

está para baixo da superfície do terreno; a linha de reunião das duas superfícies é denominada linha

de separação de águas ou linha de cumeeira.

19
Vamos definir terrenos naturais como sendo terrenos que, tendo em atenção o grau de
detalhe pretendido para a representação, possam ser aproximados por superfícies suavemente onduladas.

16
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

plano horizontal cota 100

plano horizontal cota 50

talvegue

Figura 3.7: Vale de margens planas interceptado por dois planos horizontais

Se a superfície terrestre, numa dada região, for constituída por dois planos que se interceptam
conforme é apresentado na Figura 3.7, então estaremos perante um vale. Trata-se evidentemente de um
vale na sua forma geométrica mais simples, mas que só ocorrerá em superfícies artificiais. Na natureza
a acção dos elementos provoca um gradual desgaste das superfícies, e as partículas resultantes deste
processo tendem a depositar-se nas regiões de menor cota. É esta a razão que explica o facto de, na
natureza, as curvas de nível tenderem a apresentar uma curvatura suave (ver Figura 3.8).

Superfície artificial

Terreno natural

80 80
70 70
60 60

Figura 3.8: O “adoçamento” das curvas de nível nos terrenos naturais

As superfícies laterais dos vales denominam-se flancos ou margens; as superfícies laterais


dos tergos denominam-se vertentes ou encostas. Se traçarmos as linhas de intersecção de um vale com
uma sucessão de planos verticais, paralelos entre si, a linha que une os pontos de menor cota em cada
uma dessas linhas é a linha de talvegue ou linha de reunião de águas. Se traçarmos as linhas de
intersecção de um tergo com uma sucessão de planos verticais, paralelos entre si, a linha que une os
pontos de maior cota em cada uma dessas linhas é a linha de separação de águas também denominada
linha de festo ou cumeada.

17
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Tergo Vale

140 160
130 140
120 120
110 100
100 80
90 60

60
140

80
130

100 0
120

12 0

em
14 60
encosta

110

marg
1
ma
r ge
sta

m
enco
100
90

linha de talvegue

linha de separação de águas

Figura 3.9: Tergo e vale.

Da observação da Figura 3.9 podem ser extraídas as seguintes propriedades relativas à


representação de vales e tergos por curvas de nível: num tergo, as curvas de nível de maior cota são
envolvidas pelas de menor cota; num vale passa-se exactamente o inverso: são as curvas de cota superior
que envolvem as de cota inferior. A definição do traçado de linhas de talvegue e de linhas cumeeira é
facilitada se atendermos a que elas passarão sempre por pontos onde o raio de curvatura das curvas de
nível é mínimo.

Outras configurações, de grau de complexidade superior, frequentes na superfície terrestre,


são também caracterizáveis: o lago20 (depressão no terreno resultante da associação de dois ou mais
vales), a colina21 (também denominada outeiro ou monte, resultante da associação de dois ou mais
tergos) e a portela (associação de dois vales e dois tergos).

20
Sempre que possível deverá ser representado o ponto de cota mínima (o covão)
21
Sempre que possível deverá ser representado o ponto de cota máxima (o cume)

18
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

COLINA cume LAGO


covão

156 220

cot
as
150 dec
es
250 r es
t
cen cen
tes
res

140
sc

300
a
cot

130 350
120

Figura 3.10: Colina e lago.

linha de cumeada
80
90
100
110
120
130
166.50 140

150 0
16
177.80 143.50

178.20
140
17

130
15 160
0

120
110
100

90

80

linha de água

Figura 3.11: Portela.

3.4.4.2 O modelo altimétrico de curvas de nível

a) O modelo

O modelo altimétrico de curvas de nível é constituído pelas curvas de nível e pelos métodos
utilizados para determinar as cotas de pontos do terreno que não pertençam a curvas de nível. São estes
dois elementos que, em conjunto, representam a superfície do terreno.

Um conjunto de curvas de nível definidas com uma equidistância natural constante não é, por
si só, suficiente para representar a superfície de um terreno. Esta superfície já poderá ser representada se,
ao conjunto das suas curvas de nível, forem associados métodos, ou regras, que permitam determinar a
cota de pontos que, pertencendo ao terreno, não pertençam a uma qualquer dessas curvas. É o conjunto
constituído por estes dois elementos – as curvas de nível e os métodos – que, no seu conjunto,
representam a superfície do terreno. Diz-se que estes dois elementos constituem o modelo altimétrico de
curvas de nível do terreno. Note-se que as curvas de nível são específicas de cada terreno, enquanto que
os métodos são gerais, podendo ser aplicados a qualquer conjunto de curvas de nível. O modelo assim
19
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

obtido apenas deverá ser aplicado a terrenos naturais, isto é, terrenos que possam ser representados por
superfícies suavemente onduladas.

Figura 3.12: Representação 3D de uma superfície “suavemente ondulada”.

A determinação da cota de pontos do terreno que não pertencem a curvas de nível deve ser
efectuada recorrendo a segmentos de maior declive (SMD). Atente-se na Figura 3.13.

Figura 3.13: Determinação da cota de pontos que não pertencem a curvas de nível.

O segmento de maior declive que passa pelo ponto do terreno cuja projecção horizontal é P2:
é o segmento de recta com projecção horizontal mais curta que passa por P2 e que se apoia nas curvas
de nível de cota imediatamente superior e imediatamente inferior à desse ponto. A cota do ponto P2 é
determinada por interpolação linear. O modelo de cálculo desta forma de interpolação é apresentado na
Figura 3.14.

20
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

H AB  CB  C A
d
CP  C A  H AB 
D
d' B
CP  CB  H AB 
D
P d'

d D
A

Figura 3.14: Determinação da cota de um ponto por interpolação.

A extrapolação linear pode ser usada paras a determinação de pontos cujas cotas estejam fora
do intervalo de cotas para os quais se disponha de curvas de nível: veja-se, na Figura 3.13, como o
segmento de maior declive usado para determinar a cota de P2 também pode ser usado para determinar
a cota de P1 ou de P2. O modelo de cálculo de uma extrapolação está representado na Figura 3.15.
Atenção: as extrapolações devem ser evitadas!!!

H AB  C B  C A
d
C P  C A  H AB 
d'
d  d'
C P  C B  H AB  P
d'
B
d'
d
A

Figura 3.15: Determinação da cota de um ponto por extrapolação.

Atenção: se o ponto estiver sobre uma linha de festo ou sobre uma linha de talvegue, então é
sobre essa linha que deverão ser feitos os cálculos. Para esse efeito admite-se que essa linha tem declive
constante.

b) Problemas fundamentais

1. Determinar o declive do terreno num ponto

O declive pretendido 𝑖 é o declive do SMD que passa pelo ponto. É fácil concluir que este
SMD é a linha recta que, tendo projecção horizontal recta e os seus extremos apoiados sobre curvas de
nível consecutivas, tem o comprimento (ℓ) mínimo – ver Figura 3.16.

Q
|𝑖| = |tan 𝛼| = , portanto 𝑖max ⟹ ℓmin
ℓ×M

21
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

linha de maior declive

P
curvas de nível

Figura 3.16: Linha de maior declive que passa por um ponto.

2. Traçar linha com declive constante.

As soluções deste problema são constituídas por linhas poligonais cujas projecções horizontais
são compostas por tramos rectos todos de igual comprimento ℓ, cada um dos quais começando e
terminando em curvas de nível de cota consecutiva. Este comprimento depende apenas do declive
imposto (i) e da equidistância das curvas de nível (Q) – ver Figura 3.17.

Q Q
|𝑖| = |tan 𝛼| = ⟺ℓ=
ℓ×M |𝑖| × M

Figura 3.17: Linha de declive constante.

3. Delimitação da bacia hidrográfica associada a uma secção de uma linha de água.

Pretende-se delimitar a região da superfície terrestre cujo escoamento superficial contribui


para alimentar a linha de água desde a sua nascente até à secção considerada. O traçado manual deverá
ter início no único ponto que, à partida, se sabe pertencer aos limites da bacia: a secção. A partir dela, e
para uma e outra margem, vão sendo traçadas duas linhas de maior declive. Cada uma destas linhas subirá
a respectiva margem, atravessará uma zona de tergo e irá inevitavelmente terminar num cume ou numa
linha de cumeada. A bacia será então delimitada pelas duas linhas assim traçadas e, eventualmente, por
uma ou mais linhas de cumeada.

22
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

linha de cumeada
80
90
100
110
120
130
166.50 140

150 0
16
177.80 143.50

178.20
140

17
16 130

0
15 0
0

120
110
100

90

80

SECÇÃO CONSIDERADA

linha de água limite da bacia hidrográfica associada


à secção considerada.

Figura 3.18: Limites de uma bacia hidrográfica.

4. Elaboração de um perfil do terreno.

Em Topografia, denomina-se “perfil do terreno” a linha de corte que se obtém pela intersecção
de uma superfície de geratrizes verticais (muito frequentemente pertencentes a um mesmo plano vertical)
com a superfície do terreno. A representação do perfil é habitualmente distorcida pela utilização de uma
escala vertical maior do que a escala horizontal. Para além dos pontos inicial e final e dos pontos de
intercepção da linha de corte com as curvas de nível, deverão figurar no perfil os pontos de cota máxima
e mínima locais.

PERFIL A-B
160
180 170
linha de corte 185
210
B

200

190
200 207
A 180
190
170

180 160

150
170
140
160
130

140 130 130 140 150 160 170 180 120


A B

Figura 3.19: Elaboração de um perfil do terreno.

23
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Figura 3.20: Exemplo de perfil do terreno

3.4.4.3 Algumas características das curvas de nível

 Quando cortam uma linha de água, as curvas de nível envolvem sempre a região de jusante;

linha de água
tes
cen
res
sca
cot

sentido do
escoamento

Figura 3.21: Configuração de curvas de nível e sentido de escoamento de uma linha de água.

 Em terrenos naturais, duas curvas de nível nunca se cruzam;

 Uma curva de nível nunca corta a mesma linha de água em mais de um ponto;

3.4.4.4 Regras práticas para o traçado de curvas de nível

 Uma curva de nível deverá ser interrompida quando encontrar uma descontinuidade representada
por sinal convencional. Exemplo: o sinal de escarpado.

24
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

 Uma curva de nível deverá ser interrompida quando encontrar descontinuidades representadas pelos
seus contornos ou limites laterais.

 As inflexões das curvas de nível não devem ser feitas em ângulo, mas sim adoçadas 22.

244.60
245.70
240

238

236 234.70
234

232

230

228

226
225.80

224

Figura 3.22: Aplicação das regras práticas ao traçado de curvas de nível.

3.4.5 Representação por pontos cotados

No método dos pontos cotados o relevo é representado pela projecção horizontal de um


conjunto de pontos cuja cota é indicada numericamente. Se exceptuarmos algumas técnicas
aerofotogramétricas aplicadas na elaboração de plantas topográficas com curvas de nível, podemos
afirmar que a representação por pontos cotados é a base para todas as outras formas de representação da
altimetria usadas correntemente em Topografia.

As duas formas mais frequentemente utilizadas para a representação de pontos cotados são
apresentadas na Figura 3.23. A forma de representação clássica, a única que deve ser utilizada em
trabalhos profissionais, utiliza o ponto decimal para referenciar a projecção horizontal do ponto. Porém,
esta forma de representação é frequentemente substituída por uma outra, mais fácil de implementar por
utilizadores não profissionais de “software” de desenho assistido por computador (CAD). Nesta segunda
forma de representação a cada ponto cotado são associados dois elementos gráficos distintos: um assinala
a projecção do ponto – uma pequena cruz, no exemplo da Figura 3.23 – e o outro indica a cota que lhe
corresponde. Infelizmente, esta moderna forma de representação conduz a plantas cotadas mais
densamente ocupadas o que, em certos casos, prejudica consideravelmente a sua legibilidade.

22
Os programas de computador usados em Topografia usualmente permitem definir um
parâmetro que se reflecte no “grau de adoçamento” a conferir às curvas de nível por eles traçados.

25
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

cota do ponto

134.90

proj. do ponto cota do ponto

134 90

proj. do ponto

Figura 3.23: Representações usuais de pontos cotados.

105.353 101.509 101.606 99.364


I 99.2
103.887 101.525 101.461 105.525 100.376
104.064 101.518
103.842 101.619 100.201
104.101
104.342 102.674 H 101.461
102.056 101.588 100.551
101.517 100.095
102.023 101.942
101.601
101.634 101.576 101.557 100.660
101.499 101.610 100.095
101.609
101.613 100.433
101.353
L 101.468 100.060
104.295 99.981
101.499 99.714
99.951
101.432
104.161 101.975 100.249
100.145
104.253 101.626 100.476
101.507 101.469 100.158
104.460 99.930
101.943 101.322
194.446 104.843
104.552 104.791 101.482 100.991
B 100.487
104.951 100.709
104.795 101.618
101.446
G
105.184 105.110 104.813

104.832 104.896
105.432
101.617 101.578
105.424 101.616
105.017 101.522
105.634 101.600
105.408 101.734 101.776
101.617
103.858 101.749 101.548 102.207
101.543
101.701
105.290 101.656
101.653
105.493 105.382 105.557 101.606
105.667
105.367 105.419 102.671
101.620
101.709
101.620
105.399 105.225 101.593
101.566
103.009
105.513 103.661
104.252 104.252
105.492 105.032 103.871
105.482 105.642
105.790 105.600 105.470 105.066
104.583
105.344 104.905
103.932
105.073
105.494
105.063
105.458
105.330

Figura 3.24: Pormenor de planta topográfica com pontos cotados

3.4.5.1 A selecção dos pontos a levantar no terreno

A selecção, sobre o terreno, dos pontos que irão ser pontos cotados na planta, deve guiar-se
pela seguinte regra:

26
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

RI Os pontos do terreno que serão levantados23, tendo em vista uma representação por
pontos cotados, devem ser escolhidos de modo a que se possa admitir constante –
dentro da precisão altimétrica do trabalho a realizar – o declive do terreno entre cada
ponto e os que lhe estão mais próximos, desde que este declive seja determinado
segundo alinhamentos rectos24.

Figura 3.25: Projecção horizontal de uma triangulação de Delaunay e dos


polígonos de Voronoi que lhe estão associados

Se entre dois pontos do terreno se pode admitir constante o declive do correspondente


alinhamento recto, então o alinhamento recto é um segmento de recta. Na regra RI não está claro o que
se entende por “pontos mais próximos” de um outro ponto. O conceito de proximidade está intimamente
ligado ao conceito de “área de influência”. Consideremos um conjunto de pontos e determinemos os
correspondentes polígonos de Voronoi (impropriamente denominados de polígonos de Thiessen em
vários campos da Engenharia25). A área de influência de um dado ponto levantado no terreno é,
usualmente, o correspondente polígono de Voronoi. Seja P um ponto e V o correspondente polígono de
Voronoi, então os pontos mais próximos de P são aqueles a que correspondem os polígonos de Voronoi
adjacentes a V. Se unirmos cada ponto a todos os pontos que lhe estão mais próximos, então obtemos
uma triangulação de Delaunay26 (ver a Figura 3.25).

23
Levantar um ponto consiste em executar, no terreno, as medições necessárias para a sua
representação no mapa (operação de levantamento).
24
Um alinhamento recto é a linha que resulta da intersecção da superfície do terreno com um
plano vertical; portanto, a projecção horizontal de um alinhamento recto é sempre um segmento de recta.
25
A investigação fundamental na área deste conceito deve-se ao francês Dirichlet (1805 –
1859) e ao russo Voronoi (1868 – 1908); este último é o responsável pela forma mais evoluída e actual
do conceito. Thiessen aplicou o conceito pela primeira vez apenas em 1911, no âmbito da meteorologia.
26
O criador desta técnica de triangulação foi o matemático russo Boris Nikolaevich Delone;
em russo Delone pronuncia-se de forma muito próxima da pronúncia francesa de Delaunay, nome de

27
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Nunca é demasiada a ênfase colocada na regra que se acaba de enunciar. Implícito no seu texto
está a necessidade de levantar pontos nos cumes e covões, bem como definir um número suficiente de
pontos sobre as linhas de cumeada, linhas de talvegue e linhas de separação de águas. Resulta da sua
aplicação uma nuvem de pontos que será tanto mais densa quanto mais acidentado for o terreno. Os
pontos que satisfazem R I são denominados pontos notáveis.

3.4.5.2 Determinação da cota de novos pontos

A determinação da cota de pontos cuja projecção em planta é conhecida é feita com base na
regra R I atrás enunciada. Conforme já foi referido em Erro! A origem da referência não foi e
ncontrada., a determinação da cota de novos pontos por extrapolação deverá ser evitada. Para as
restantes situações, dois casos podem ocorrer: ou o novo ponto se encontra sobre um segmento de recta
cujos pontos extremos são pontos cotados que lhe são próximos ou, o que é mais frequente, o novo ponto
se encontra no interior de um triângulo cujos vértices são pontos cotados próximos. A resolução genérica
de um problema do primeiro tipo é apresentada na Figura 3.26.

B
Cota de A  C A
Cota de B  CB
Cota de P  CP
P d'

HAB  CB  C A
d D d
A HAP  HAP
d  d'
CP  C A  HAP
d'
HBP  HBA
d  d'
CP  CB  HBP

Figura 3.26: Determinação da cota de um ponto cuja projecção se encontra sobre


um segmento cotado.

Quanto à resolução do segundo problema – apresentado na Figura 3.27 – ela obriga à


consideração prévia de um novo ponto auxiliar (o ponto M) após o que solução é encontrada aplicando
duas vezes em sucessão o raciocínio explicitado na Figura 3.26: primeiramente é determinada a cota de
M e, em seguida, é determinada a cota de P.

família do matemático e astrónomo francês Charles-Eugène Delaunay ao qual, erradamente, é atribuída


a invenção. Neste texto é utilizada a denominação, incorrecta já se viu, dominante na literatura técnica.

28
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

A
P

Figura 3.27: Metodologia para a determinação da cota de um ponto cuja projecção


se encontra no interior de um triângulo cotado.

3.4.5.3 Os Modelos Numéricos do Relevo

Qualquer “software” utilizado em Topografia permite a utilização dos pontos cotados para a
criação de um modelo tridimensional da superfície do terreno (MNR 27). Este modelo é, na maioria dos
casos, constituído por uma superfície descontínua composta por facetas triangulares adjacentes cujos
vértices são pontos cotados. A superfície assim definida denomina-se correntemente de TIN28 e é gerada
automaticamente.

Relativamente aos métodos utilizados para a criação de TIN pode dizer-se que todos eles
procuram um equilíbrio entre dois objectivos, por vezes antagónicos, a saber:

1. as facetas deverão ser bem conformadas29 (ver Figura 3.28);


2. as facetas deverão ter uma área pequena.

Os algoritmos que definem quais os pontos que serão vértices de uma dada faceta são vários;
os mais utilizados talvez sejam os que se apoiam nos polígonos de Voronoi e na triangulação de
Delaunay, referidos em 3.4.5.1.Um qualquer triângulo fará parte da triangulação de Delaunay desde que
o círculo que se apoia nos três pontos cotados que ocupam os seus vértices não contenha nenhum outro
ponto cotado no seu interior. Esta condição passa a ser necessária e suficiente se admitirmos que na
nuvem de pontos cotados não existem quatro pontos sobre um mesmo círculo. Na prática esta condição
suplementar ocorre sempre pelo que, para uma dada nuvem de pontos, existirá uma e uma só triangulação
de Delauney.

27
Modelo Numérico do Relevo; na literatura de língua inglesa denominado DEM (Digital
Elevation Model) ou DTM (Digital Terrain Model)
28
Sigla derivada da expressão, em língua inglesa, Triangular Irregular Network.
29
Um triângulo será tão mais bem conformado quanto mais a sua forma se aproxime da de
um triângulo equilátero.

29
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Todos os pontos cotados serão vértices de facetas, nenhum ponto cotado ocupará o interior de
uma faceta e as arestas das facetas apenas se interceptam sobre pontos cotados. É conveniente a inspecção
cuidadosa da rede de triângulos gerada automaticamente de modo a detectar triângulos mal conformados.
O aparecimento destes triângulos pode ser devido a deficiências de programação; por esta razão estão
sempre disponíveis ferramentas que permitem uma edição manual de triângulos, eliminando umas arestas
e acrescentando outras.

"TIN" bem conformada "TIN" mal conformada

Figura 3.28: TIN bem e TIN mal conformada.

Para que uma TIN aproxime de modo satisfatório a superfície do terreno, devem ser satisfeitas
as seguintes condições:

a) As facetas triangulares devem ajustar-se bem ao terreno. Assim, em zonas onde o declive
do terreno seja constante, os pontos cotados poderão estar mais afastados uns dos outros
do que em zonas onde o terreno apresente rápidas variações do declive.

b) A TIN deverá respeitar os limites de taludes, linhas de cumeada, linhas de talvegue e


linhas de festo (separação de águas), contornos de plataformas artificiais, etc. Para
garantir o cumprimento destas condições é essencial dispor de pontos cotados em número
suficiente segundo essas linhas.

c) É muito conveniente a existência de pontos cotados em todos os pontos máximos e


mínimos locais (cumes e covões, nomeadamente).

A utilização de pontos cotados determinados em estrito respeito da regra R I é suficiente para


garantir a criação uma malha de triângulos que aproxime suficientemente bem a superfície do terreno.
Porém, na prática esta condição não basta. Ocorre com frequência que linhas de talvegue, linhas de
separação de água, cumeadas ou limites de taludes sejam cruzados por arestas de triângulos. Este facto é
claramente indesejável, e pode resultar tanto de deficiências no algoritmo de geração da TIN (o que é
cada vez menos frequente) como da existência de um número insuficiente de pontos cotados ao longo
dessas linhas – ver Figura 3.29. Assim, antes de ser actuado o comando de geração da rede de triângulos,

30
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

deverão ser definidas completamente todas as linhas que não poderão ser cruzadas por arestas de facetas
triangulares; estas linhas serão denominadas linhas de rotura30.

“TIN” não respeitando a linha de rotura “TIN” respeitando a linha de rotura

Ponto cotado

Figura 3.29: Efeito de uma linha de rotura numa TIN.

3.4.5.4 Escolha de pontos tendo em vista o traçado manual de curvas de nível

Se o terreno for acidentado, conforme já foi referido, será necessária uma elevada densidade
de pontos cotados para que a representação da altimetria respeite a regra R I. Porém, se estes pontos
cotados se destinarem apenas a servir de base ao traçado manual de curvas de nível, então é possível a
aplicação de metodologias e critérios de selecção dos pontos a levantar que minimizem não apenas o
trabalho de campo mas também o trabalho de gabinete. Uma abordagem possível será a seguinte:

 Os máximos e mínimos locais deverão ser referenciados por pontos cotados

 As linhas de descontinuidade deverão ser definidas por um número suficiente de pontos

 Os restantes pontos cotados (que normalmente serão a esmagadora maioria) deverão estar
colocados segundo as linhas de maior declive, particularmente aquelas que definem linhas
de separação de águas e linhas de talvegue.

Consegue-se assim uma considerável diminuição no número de pontos a levantar; porém, a


regra R I não foi aplicada. O declive apenas se poderá admitir constante ao longo de apenas algumas
direcções específicas. A determinação dos pontos de cota inteira por onde irão passar as curvas de nível
deverá ser feita, tanto quanto possível, sobre as linhas de maior declive. É evidente que será difícil
decidir, com base apenas no conjunto dos pontos cotados, aqueles que estão sobre estas linhas. Por esta

30
Em língua inglesa estas linhas são frequentemente denominadas “breaklines”, designação
que, por essa razão, também é muito utilizada entre os profissionais de Topografia no nosso país.

31
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

razão o trabalho de gabinete deverá ser feito, ou supervisionado, por alguém que conheça bem o terreno,
se possível pelo responsável pelo trabalho de levantamento.

Linhas segundo as quais se deve interpolar

Figura 3.30: Optimização do número de pontos a levantar tendo em vista o traçado manual de
curvas de nível (as interpolações apenas deverão ser efectuadas
segundo as linhas a tracejado).

3.4.6 Transformação da representação altimétrica por pontos cotados para


representação por curvas de nível

Trata-se de um problema usualmente muito trabalhoso mas também muito frequente, já que a
representação do relevo por curvas de nível é fácil de interpretar e de utilizar. Actualmente este problema
é resolvido com facilidade pelo recurso a “software” de Topografia. Sobre os modelos computacionais
de representação do relevo já foram tecidas algumas considerações em parágrafos anteriores.

3.4.6.1 O processo automático

Conforme já se viu, a maioria do “software” modela a superfície do terreno através de uma


superfície facetada de facetas triangulares. É sobre esta superfície facetada que o programa determina o
traçado das curvas de nível. Como se sabe, as linhas de nível de um plano 31 são sempre rectas. Assim, as
curvas de nível do terreno serão aproximadas por linhas poligonais de nível. O traçado definitivo das
curvas de nível é feito com base nestas linhas poligonais, aplicando-lhes um maior ou menor grau de
“adoçamento” nos seus vértices – ver Figura 3.31.

31
Recorde-se que uma faceta triangular é uma superfície plana.

32
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

grau crescente de "adoçamento"


Figura 3.31: Graus de “adoçamento” crescente no traçado de curvas de nível.

3.4.6.2 O processo manual

Para o traçado manual de curvas de nível é necessário graduar segmentos apoiados em pontos
cotados, isto é, determinar sobre esses segmentos pontos de cota inteira. Esta graduação é feita
usualmente por dois métodos fundamentais: interpolação gráfica e interpolação numérica. Embora a
regra R I permita concluir que são válidas as interpolações sobre todos os segmentos que unam um ponto
cotado a todos os que lhe estão mais próximos, os erros cometidos são menores quando essas
interpolações são feitas segundo segmentos com direcções próximas das direcções de linhas de maior
declive do terreno. Se o trabalho de levantamento foi executado tal como se sugere em 3.4.5.4, então só
serão válidas as interpolações efectuadas sobre alinhamentos bem definidos.

a) Interpolação gráfica

A interpolação gráfica é feita por recurso a diapasões de rectas paralelas ou de rectas


concorrentes. Baseia-se no facto de que, para um qualquer segmento de recta, a intervalos iguais
marcados na sua projecção horizontal, correspondem desníveis iguais. Estes processos gráficos são
especialmente indicados quando temos um grande número de segmentos a graduar.

33
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Diapasão de rectas concorrentes 132.50


132

131

130
112.00
111 129
108
105 128
102 127
99
96 126
93 125
92.00 124.60

Diapasão de rectas paralelas


73

697
74
690
75
680
76
670
77
660
78
650
79
640
80
80.5 635

Figura 3.32: Diapasão de rectas concorrentes e diapasão de rectas paralelas.

b) Interpolação numérica

Reduz-se ao cálculo de proporções (regras de três), de acordo com o esquema da Figura 3.33.
A utilização de máquinas de calcular programáveis é claramente indicada por se tratar de um processo
repetitivo.

Cota de A  C A
Cota de B  C B
X
Cota de B-Cota de A

Cota de X  C X
Cota de X-Cota de A

A
Cota de B
Cota de X

C A  C X  CB
CX  CA
D  L
CB  C A
Cota de A

Cota de A Cota de X Cota de B

Figura 3.33: Definição da projecção horizontal de um ponto de cota conhecida.

34
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

4 Os Nivelamentos
As operações topográficas que permitem a definição do relevo do terreno – as operações
altimétricas – denominam-se nivelamentos. Nos nivelamentos são usadas, como superfícies de
referência, equipotenciais do campo gravítico terrestre (equipotenciais gravíticas). As equipotenciais
gravíticas são frequentemente denominadas superfícies de nível – ver 3.4.2.

Estas superfícies de nível são superfícies curvas; no entanto, se as regiões de interesse forem
suficientemente pequenas – é este o domínio de actuação da Topografia – a curvatura poderá ser
desprezada. Desprezar a curvatura das superfícies de nível significa ser aceitável a substituição da
superfície de referência curva por um plano que lhe seja tangente ou, o que é equivalente, um plano
perpendicular às linhas de força do campo gravítico, isto é, um plano horizontal de referência. Trata-se
evidentemente de uma nova componente da simplificação topográfica, esta agora relativa à altimetria.
Uma análise dos pressupostos em que se apoia esta simplificação será apresentada mais adiante (ver 4.3).
Seguidamente são recordados os conceitos de cota, altitude e desnível, já abordados em 3.4.3.

Cota e altitude:

Cota de um ponto é a distância que separa esse ponto de um plano horizontal de referência.
Quando o plano horizontal de referência corresponde ao nível médio das águas do mar na zona de
interesse, então essa distância denomina-se altitude.

Desnível:

Sejam CA e CB as cotas dos pontos A e B; define-se desnível de A para B como sendo:

H AB  CB  CA

É importante notar que H AB  H BA .

Estamos agora a em condições de apresentar uma definição, porventura


mais esclarecedora, de nivelamento: um nivelamento é uma operação topográfica
que tem como objectivo fundamental a determinação de desníveis entre pontos.

4.1 Nivelamentos geométricos

Um nivelamento geométrico é um nivelamento efectuado com recurso


a um instrumento topográfico capaz de efectuar visadas horizontais. Este
instrumento topográfico, denominado nível, consiste fundamentalmente numa
luneta, cujo eixo óptico se pode horizontalizar com elevada precisão, dotada de
um fio de retículo, o fio nivelador, concorrente com esse eixo óptico. Por condição
de construção, sempre que o eixo óptico esteja devidamente horizontalizado Figura 4.1: Exemplo de
então o plano por ele definido conjuntamente com o fio nivelador – o plano de graduação de uma mira
35
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

visada – é um plano horizontal (plano de nível). É o fio nivelador que irá ser utilizado nas leituras com
o nível. Uma leitura efectuada, com um nível devidamente estacionado, sobre uma mira vertical,
denomina-se nivelada.

mira vertical

C A cota em A
C B cota em B
A nivelada em A
B nivelada em B
mira vertical

Plano de visada
B
B

A
H AB

E
CB

CA

Plano horizontal de referência

Figura 4.2: Utilização de um nível para o cálculo de desníveis.

Tendo em atenção a Figura 4.2, podemos escrever que 𝐶𝐴 + ℓ𝐴 = 𝐶𝐵 + ℓ𝐵 e concluir que:

Eq. (12) Δ𝐻𝐴𝐵 = ℓ𝐴 − ℓ𝐵

Figura 4.3: Exemplo de uma nivelada

4.1.1 Nivelamentos geométricos simples

Diz-se que se efectuou um nivelamento simples quando todas as niveladas foram


determinadas a partir de uma mesma estação de nivelamento. Na Figura 4.4 está representada a planta
de um terreno, limitado por um contorno poligonal cujos vértices se pretende nivelar. As quatro visadas
efectuadas, todas a partir de uma mesma estação de nivelamento (daí tratar-se de um nivelamento
simples), estão marcadas a tracejado; sobre cada uma dessas visadas está indicado o valor da respectiva
nivelada. Note-se que as letras adjacentes a esses vértices são apenas denominações, pelo que não
reflectem qualquer ordenação implícita.

36
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

1.995
D
2.021

1.892

2.012
A

Figura 4.4: Planta de um nivelamento geométrico simples.

Os cálculos de um nivelamento são muito convenientemente organizados por recurso a


cadernetas de nivelamento. Na Figura 4.5 é apresentado um modelo de caderneta de nivelamento.

Niveladas l Desníveis H
Pontos Atrás Interm. Adiante + - Correcç. Cotas

Figura 4.5: Exemplo de caderneta de nivelamento.

Na coluna “Pontos” são registadas as denominações dos pontos nivelados. O preenchimento


das três colunas relativas a “Niveladas” obriga à distinção entre niveladas atrás, intermédias e adiante;
para tal deverá ser seguida a seguinte regra:

RI Um nivelamento começa sempre por uma nivelada atrás e termina por uma nivelada
adiante. Todas as restantes niveladas são intermédias e a ordem porque são registadas
na caderneta é indiferente.

Depois de feito o registo de todas as niveladas pode avançar-se para o cálculo dos desníveis
(o preenchimento da coluna “Correcç.” será tratado mais adiante). Para o cálculo das cotas será admitido
que a cota do ponto C é 100.000 metros.

Relativamente ao nivelamento da figura, de acordo com a regra atrás enunciada, temos quatro
niveladas de entre as quais devemos escolher uma para nivelada atrás e outra para nivelada adiante.
Vamos escolher a nivelada de B para nivelada atrás e a nivelada de A para nivelada adiante (qualquer
outra escolha possível seria igualmente legítima). Quanto às niveladas restantes, elas serão niveladas
37
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

intermédias e arbitraremos a sequência C – D. O preenchimento da caderneta é apresentado na Figura


4.6; note-se que os desníveis deverão ser calculados por utilização da Eq. (12).

Niveladas l Desníveis H

Pontos Atrás Interm. Adiante +  Correcç. Cotas

B 2.012 HBC CC  HBC


0.017 99.983
C 1.995 HCD 100.000
0.026
D 2.021 HDA CC  HCD
0.129 99.974

A 1.892 CD  HDA
100.103

Figura 4.6: Preenchimento e cálculo de uma caderneta de nivelamento simples.

4.1.2 Nivelamentos geométricos compostos

Muito frequentemente não é possível e/ou não é conveniente, executar todo o trabalho de
nivelamento com base numa única estação. Nessas situações opta-se por executar vários nivelamentos
simples parcelares, tendo o cuidado de que todos esses nivelamentos sejam ligados dois-a-dois por um
ponto nivelado comum, ou seja, um ponto nivelado a partir de ambas as estações. São estes pontos
nivelados comuns – os pontos de ligação – que vão permitir a transmissão do cálculo dos desníveis entre
estações, obtendo-se assim um nivelamento – um nivelamento composto – que abrange toda a região de
interesse.

Antes de se proceder ao preenchimento da caderneta de nivelamento deverá ser arbitrada uma


sequência para todas as estações – E1, E2,..En ou E1, E2,..En, E1 – garantindo sempre que duas estações
em sequência partilham apenas um ponto de ligação. Após a fixação desta sequência, o preenchimento
da caderneta será efectuado tendo em atenção, não apenas a regra R I, mas também a regra que de seguida
se enuncia:

R II As niveladas para pontos de ligação apenas poderão ser niveladas atrás ou niveladas
adiante. Serão niveladas atrás se fizerem ligação à estação anterior; no caso contrário
serão niveladas adiante.

38
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Sequência arbit rada para


as e
st aç
õe s
do
niv
1 2 e lam
en
to
1.4
56 3

25
2.1
3.097 4

1.4
7

5 8
1.3 75

2.0
97 6 7 2.9
1.3

9 15
8 2.5
64
67
1.0
6 5

Figura 4.7: Planta de um nivelamento geométrico composto, com indicação da sequência de


estações que, para efeito de preenchimento da caderneta de nivelamento, foi arbitrado.

O preenchimento e cálculo de uma caderneta de nivelamento composto vai ser exemplificado


com o nivelamento representado na planta esquemática da Figura 4.7. A sequência arbitrada para as
estações (nada obriga a que seja a correspondente à sequência temporal adoptada no trabalho de campo)
é indicada na figura. Portanto, a primeira estação do nivelamento – E1 – será a estação da direita e a
segunda estação do nivelamento – E2 – será a estação da esquerda.

De acordo com a regra R II, e relativamente ao ponto 7, a nivelada efectuada a partir de E 1


será uma nivelada adiante, enquanto que a nivelada efectuada a partir de E2 será uma nivelada atrás. A
aplicação da regra R I ao nivelamento simples efectuado com estação em E 1, vai obrigar a arbitrar, de
entre as niveladas para os pontos 3, 4, 5 e 6, uma delas para nivelada atrás; vai ser escolhida a nivelada
para o ponto 3. A aplicação da mesma regra à estação E2 vai obrigar a arbitrar, de entre as niveladas para
os pontos 1, 2, 9 e 8, uma delas para nivelada adiante; a nivelada para 8 vai ser a escolhida. Conforme já
foi referido anteriormente, é indiferente a sequência adoptada para as niveladas intermédias. O
preenchimento e cálculo da caderneta de nivelamento, adoptando C3=100.000, é apresentado de seguida.

39
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Niveladas l Desníveis H

Pontos Atrás Interm. Adiante +  Correcç. Cotas

3 1.458 0.391 100.000

6 1.067 1.908 100.391

4 2.975 0.411 98.483

5 2.564 1.197 98.894

7 3.097 1.367 1.641 100.091

1 1.456 0.669 101.732

2 2.125 0.728 101.063

9 1.397 0.618 101.791

8 2.015 101.173

 4.555 3.382 4.368 3.195

Figura 4.8: Preenchimento e cálculo de uma caderneta de nivelamento composto.

O cálculo dos desníveis é efectuado do modo que já foi apresentado para os nivelamentos
simples. Apenas se chama a atenção para o desníveis H 57 e H 71 . O primeiro destes desníveis deverá

ser calculado com base em niveladas efectuadas a partir de E1, enquanto que o segundo deverá ser
calculado com base em niveladas efectuadas a partir de E2.

Demonstra-se com facilidade que, para um qualquer nivelamento,

Eq. (13)  niv.atrás   niv.adiante   H

Esta expressão traduz uma condição necessária mas não suficiente, isto é, a não ser verificada
implica que um erro tenha ocorrido nos cálculos dos desníveis, mas o facto de ser verificada não garante
a inexistência de erros nos cálculos. A última linha da caderneta da Figura 4.8 contém os valores que
permitem a verificação desta condição.

4.1.3 Nivelamentos geométricos abertos e nivelamentos geométricos


fechados

Vamos definir que o primeiro e o último ponto de um nivelamento são os pontos que,
respectivamente, figuram em primeiro e em último lugar na correspondente caderneta. O desnível entre
estes dois pontos extremos será designado desnível total H total . É fácil verificar que

Eq. (14) H total   H

Se este desnível total for previamente conhecido – o seu valor será designado H total – então
*

existe a possibilidade de calcular o erro cometido no nivelamento e de o compensar. Se tal acontecer

40
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

estaremos em presença de um nivelamento fechado. Se não conhecermos previamente este desnível


total, então não poderá ser efectuada a compensação dos erros que inevitavelmente irão ocorrer no
trabalho de campo e o nivelamento diz-se nivelamento aberto.

Designando por V o valor encontrado numa medição de uma dada grandeza e Vexacto o
verdadeiro valor dessa grandeza, então o erro cometido nessa medição é dado por:

Eq. (15) Erro  V  Vexacto

Adaptando esta expressão ao caso dos nivelamentos, teremos Erro total  H total  H total . A
*

correcção total a introduzir nas medições deverá anular este erro e por isso teremos:

Eq. (16) Correcção total  H total


*
 H total

No caso dos nivelamentos compostos, o erro total cometido é o resultado da adição dos erros
cometidos em cada um dos nivelamentos simples parcelares. Assim sendo, então a correcção total deverá
ser distribuída por todos esses nivelamentos. Esta distribuição deverá ser feita respeitando um certo
número de pressupostos que, no seu conjunto, formam o que se designa por modelo de distribuição do
erro.

O modelo de distribuição mais simples, e o único que iremos aplicar, resume-se a admitir que
em todas as estações:

 foi utilizado equipamento com idênticas características de precisão e em estado de


funcionamento semelhante;

 os operadores e auxiliares tinham idêntica aptidão e desempenharam as suas funções com


idêntico zelo;

 as condições ambientais foram idênticas.

Resulta destes pressupostos que todas as correcções parcelares deverão ter igual valor. Esse
valor será:

Correcção total
Eq. (17)  parcelar 
Nº de estações

Note-se que as correcções parcelares não deverão apresentar um número de casas decimais
superior ao dos dados do problema (as niveladas). É por isso frequente que nem todas as correcções
parcelares de um mesmo nivelamento composto apresentem exactamente o mesmo valor. Este facto
resulta da necessidade de arredondar  parcelar , umas vezes por excesso e outras por defeito, de modo a

que as correcções parcelares efectivamente aplicadas não apresentem mais casas decimais do que as

41
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

niveladas, mantendo-se no entanto o seu somatório igual ao valor da correcção total. É usual aplicar
apenas ao primeiro desnível toda a correcção parcelar da estação.

A metodologia apresentada vai ser exemplificada com o nivelamento da Figura 4.8, admitindo
que é conhecido o desnível exacto entre os pontos 3 e 8 e que ele é de 1.168 metros.

Teremos H total
*
 1.168 e H total  1.173 . De acordo com a Eq. (16) virá

Correcção total  0.005 ; a aplicação da Eq. (17) conduz a  parcelar  0.005 2 . Para manter o número

de casas decimais dos dados, teremos de proceder a arredondamentos por excesso e por defeito, mas
garantindo  correcções parcelares  correcção total . Portanto, teremos de adoptar uma correcção com

valor 0.002 e outra com valor 0.003. A ordem porque serão aplicadas as correcções é indiferente.

Niveladas l Desníveis H

Pontos Atrás Interm. Adiante +  Correcç. Cotas

3 1.458 0.391 0.002 100.000

6 1.067 1.908 100.389

4 2.975 0.411 98.481

5 2.564 1.197 98.892

7 3.097 1.367 1.641 0.003 100.089

1 1.456 0.669 101.727

2 2.125 0.728 101.058

9 1.397 0.618 101.786

8 2.015 101.168

 4.555 3.382 4.368 3.195

Figura 4.9: Preenchimento e cálculo de uma caderneta relativa a um


nivelamento composto e fechado.

42
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Utilização do nível automático WILD NAK 132

(a) (b)

(c) (d)

Legendas:
(a) Calagem da nivela esférica
(b) Colocação da mira no ponto a nivelar
(c) Pontaria e focagem da luneta
(d) Execução da nivelada
Aulas laboratoriais do curso de Engenharia Civil, 2003
Fotografias de Nuno Cristelo

32
A colocação em estação de um nível automático exige apenas a calagem de uma nivela
esférica; a horizontalização rigorosa da linha de visada é garantida pela acção de um mecanismo
compensador (um compensador óptico) existente no interior da luneta.

43
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

4.1.4 Precisões esperadas nos nivelamentos geométricos

Espera-se que os desníveis determinados por recurso a um Nivelamento Geométrico


corrente tenham precisão da ordem do milímetro33. Para que este pressuposto se verifique o nivelamento
deve ser executado tendo em atenção o seguinte:

1. As niveladas (as leituras na mira vertical executadas com o nível devidamente estacionado)
devem ser feitas estimando o milímetro. Esta estimativa só é credível se as linhas de visada (as distâncias
entre o nível e a mira) não forem excessivamente longas (a prática aconselha a não exceder os 15 metros).

2. Em cada estação o nível deve ser estacionado, tanto quanto possível, a igual distância dos
pontos nivelados (método das visadas a igual distância). Se esta condição for satisfeita, o erro devido à
imperfeita horizontalização do plano de visada será semelhante para todos os pontos visados, tendendo
a anular-se aquando do cálculo dos desníveis. De um modo geral, quando o número de visadas efectuadas
a partir de uma dada estação for superior a duas, não será possível aplicar este método a todas elas.
Porém, o método deverá sempre ser aplicado entre a nivelada atrás e a nivelada adiante de cada estação:
ao fazê-lo garante-se que, num nivelamento composto, o erro devido à imperfeita horizontalização do
plano de visada não será transmitido para as estações adjacentes.

3. O nivelamento deve ser um nivelamento fechado. Conforme se viu na secção anterior, os


nivelamentos dizem-se fechados quando é previamente conhecido o desnível entre os seus pontos
extremos (os pontos que, na caderneta de nivelamento, aparecem em primeiro e em último lugar). Se o
nivelamento for fechado então pode ser determinado e compensado o seu erro total (caso o valor deste
erro não seja excessivo). A situação ideal é a de serem coincidentes o primeiro e o último ponto do
nivelamento, isto é, o nivelamento terminar no ponto em que começou.

33
Para além dos nivelamentos geométricos correntes, que são tratados neste texto, existem
também nivelamentos geométricos ditos de “alta precisão”, para os quais as precisões atingíveis são da
ordem das décimas de milímetro. Neste segundo tipo de nivelamentos deverão ser aplicadas todas as
técnicas apresentadas nesta secção, mas também: a) deverão ser usados equipamentos e acessórios mais
sofisticados (níveis automáticos dotados de “micrómetro de placas planas” em conjunto com miras de
ínvar graduadas em milímetros, ou níveis automáticos digitais em conjunto com miras de ínvar para
leitura automática de niveladas); b) se possível, também deverão ser aplicados sofisticados modelos de
compensação de erros (usualmente baseados no “método dos mínimos quadrados”).

44
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

4.2 Nivelamentos trigonométricos

Os nivelamentos trigonométricos são nivelamentos efectuados com recurso a um instrumento


topográfico denominado taqueómetro34 e resultam da aplicação das fórmulas taqueométricas35 ao cálculo
de desníveis. Os desníveis calculados com estas fórmulas são sempre determinado entre o ponto onde se
estacionou o taqueómetro (o ponto-estação ou simplesmente estação) e cada um dos pontos que dele
foram visados. Um trabalho de taqueometria geralmente obriga à consideração de várias estações. Não
se reveste de qualquer dificuldade a determinação dos desníveis entre os vários pontos visados de uma
mesma estação.

As precisões usuais conseguidas na determinação dos desníveis são, nos trabalhos correntes
de Topografia executados com taqueómetros do tipo mais moderno, cerca de dez vezes inferiores às
obtidas num nivelamento geométrico corrente36. Esta relativamente grande imprecisão tem sido usada
como justificação para se não proceder à compensação dos erros nos nivelamentos trigonométricos em
que tal compensação seria possível. Entendo que este modo de actuar não tem qualquer razão de ser.

Resulta da forma como são efectuados os trabalhos de taqueometria ser frequente que, para
um determinado segmento de recta que una duas estações, possam ser calculados – de forma
completamente independente – dois desníveis (um desnível para cada sentido de progressão no
segmento). Sempre que tal acontecer deverá ser determinado – e utilizado nos cálculos altimétricos – o
desnível médio entre as estações.

É frequentemente possível localizar as estações de tal forma que elas constituam os vértices
de uma linha poligonal fechada, isto é, uma linha que comece e termine na mesma estação. Sendo assim,
para cada tramo da linha poligonal será possível determinar o correspondente desnível médio Δ𝐻𝑖 . Para

toda a linha poligonal ter-se-á um nivelamento fechado com Δ𝐻𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 = ∑Δ𝐻𝑖∗ = 0 pelo que deverão ser
compensados os desníveis médios Δ𝐻𝑖 .

Quando a linha poligonal começar e terminar em pontos diferentes, então apenas poderemos

efectuar a compensação dos desníveis entre estações se conhecermos, com suficiente precisão, o Δ𝐻𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 .

34
Os taqueómetros são instrumentos que permitem medir indirectamente distâncias, bem
como ângulos verticais e horizontais.
35
As fórmulas taqueométricas irão ser apresentadas no capítulo referente à medição de
distâncias no terreno.
36
Ao efectuarmos um nivelamento geométrico, recorrendo a uma mira graduada em
centímetros, devemos ser capazes de efectuar boas estimativas do milímetro. Em taqueometria corrente,
efectuada com recurso a taqueómetros electrónicos, não se poderá garantir precisões superiores ao
centímetro; este facto resulta, não apenas das características do instrumento e dos acessórios utilizados,
mas também da forma como, no terreno, são habitualmente efectuados os trabalhos.

45
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

4.3 A simplificação topográfica em termos de altimetria

Já vimos que, nos nivelamentos geométricos, os planos de nível são materializados com
recurso a instrumentos ópticos capazes de visadas horizontais; estes planos de nível são aproximações
locais das superfícies de nível, que são superfícies curvas. Devemos então ter em atenção o efeito das
destas duas simplificações que estão implícitas na execução de nivelamentos geométricos: superfície
equipotencial plana e trajectória rectilínea dos raios luminosos. Para simplificar a análise, vai ser
admitido que a superfície equipotencial gravítica a utilizar para o cálculo das cotas é uma superfície
esférica, geocêntrica, com raio igual ao raio médio terrestre.

4.3.1 Erro de esfericidade (e)

Atente-se na Figura 4.10. Os pontos A e B têm a mesma cota, já que se encontram sobre a
mesma superfície de nível. Porém, a utilização de um plano horizontal como superfície de referência
altimétrica vai traduzir-se num erro, o erro de esfericidade, de valor igual ao do comprimento do
segmento e. A utilização do plano horizontal como superfície de referência altimétrica vai levar a que se
avalie a cota de B como sendo inferior à cota de A. Seja 𝑖 a altura a que o aparelho está do solo e seja
𝑅 ∗ = R + 𝑖. Então, pelo Teorema de Pitágoras teremos que 𝑅 ∗ 2 + 𝐷2 = (𝑅 ∗ + 𝑒)2 e 𝐷2 = 𝑒(2𝑅 ∗ + 𝑒).
Tendo em atenção que 𝑅∗ ≅ R vem:

D2 D2
Eq. (18) e 
2 R e 2 R

4.3.2 Erro de refracção (r) e erro de nível aparente (a)

Os raios luminosos, ao atravessarem meios de densidades diferentes, sofrem desvios na sua


trajectória que dependem da relação entre essas densidades: é o fenómeno da refracção (ver Figura 4.11).

46
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

PI
D
D'

r
e
A

B
superfícies de nível
)
a (R

Pormenor I:
err
aT
diod

D
raio

D' plano horizontal


R'

su
r

r'
p.
nív
el
(raio
 R) tra
j. ra
ios
lum
ino
 so
s(
 rai
oR
')


Figura 4.10: Avaliação dos erros de esfericidade e de refracção


- denso

+ denso
 

Figura 4.11: A refracção

47
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Nos climas frios e nos temperados, a densidade da atmosfera decresce com a altitude. Nessas
condições os raios luminosos que atravessam obliquamente a atmosfera vão sofrer desvios na sua
trajectória que, globalmente, se traduzirão numa trajectória mais ou menos encurvada, com a
concavidade voltada para o terreno37 (ver Figura 4.12).

raio luminoso
densidade
crescente

atmosfera

superfície terrestre

Figura 4.12: A refracção dos raios luminosos que atravessam a atmosfera

Em termos médios, e para o nosso clima, pode dizer-se que a trajectória dos raios luminosos
próximos da superfície terrestre é aproximadamente circular, de raio R = 6.25 x R, sendo R o raio médio
terrestre (Francisco Garcia-Tejero, Topografia Abreviada, 1974).

Atente-se novamente na Figura 4.10. Pode escrever-se ( R' r ')  D '  R' e, como r ' é
2 2 2

muito menor que R’, vem r '  D ' 2 R' . Quando D ' for muito menor que R' teremos que     
2 2

será muito pequeno e, portanto, D '  D e r '  r . Nestas condições o segmento r, que se denomina erro
de refracção, será:

D2
Eq. (19) r
2R '

O erro de nível aparente (a) resulta da consideração, em simultâneo, do erro de refracção e


do erro de esfericidade. Tendo em atenção os sinais respectivos vem:

37
Nos climas quentes, nos quais o aquecimento da superfície terrestre é por vezes muito
significativo, pode verificar-se o sobreaquecimento das camadas inferiores da atmosfera. Assim sendo,
poderá acontecer que a curvatura dos raios luminosos, próximo da superfície, seja oposta à que é indicada
neste texto.

48
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

10.5 D 2
Eq. (20) a  er 
25 R

Adoptando R = 6371 Km (Gaspar, Lidel, 2000) teremos:

D (m) 100 200 400 600 800 1000 5000

a (cm) 0.07 0.26 1.05 2.37 4.22 6.59 165

Este erro irá traduzir-se numa avaliação da cota de B inferior à real e, portanto, o desnível de
medido entre A e B será inferior ao que efectivamente se verifica. Note-se que o erro de nível aparente
pode ser muito diminuído se o cálculo dos desníveis entre dois pontos for efectuado com base em visadas
com inclinações semelhantes, executadas com um equipamento (nível ou taqueómetro) estacionado num
terceiro ponto, equidistante dos dois primeiros (o atrás referido “método das visadas a igual distância”).

49
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

5 Medição, na planta topográfica, de distâncias e de áreas

5.1 Medição de distâncias na planta topográfica

Como as plantas topográficas são projecções horizontais, então as distâncias que sobre eles
são medidas são distâncias em projecção horizontal afectadas pelo valor da escala do mapa. Se
pretendermos determinar distâncias inclinadas, então deverá ser tido em consideração o declive dos
segmentos. As considerações que de seguida irão ser feitas, referem-se apenas à determinação de
comprimentos em projecção horizontal.

5.1.1 Comprimento de um segmento rectilíneo

Se a medição, sobre a planta, for efectuada com recurso a uma régua, então para obtermos as
correspondentes distâncias no terreno teremos de multiplicar o valor das medições efectuadas no mapa
pelo módulo da escala. Se dispusermos de uma régua de escalas, e nela constar a escala do mapa, então
obteremos o valor das distâncias no terreno directamente por leitura da régua. Caso a planta disponha de
uma escala gráfica, poderemos avaliar as distâncias no terreno utilizando um compasso para transportar
o comprimento dos segmentos do mapa para a escala gráfica.

5.1.2 Comprimento de linhas curvas

Poderemos sempre substituir a linha curva por uma linha poligonal que a aproxime de modo
satisfatório. O comprimento máximo, e o comprimento mínimo, de cada segmento – e consequentemente
o seu número total – deverão ser escolhidos em função da precisão que se pretende para a medição. O
comprimento da linha curva será portanto aproximadamente igual ao somatório dos comprimentos dos
vários segmentos rectos da linha poligonal. No entanto, a solução mais cómoda para a medição do
comprimento de linhas curvas consiste na utilização de um curvímetro.

5.2 Medição de áreas em planta

Na esmagadora maioria dos casos, quando falamos da medição de áreas, estamos


implicitamente a referirmo-nos a áreas em projecção horizontal. São estas as que mais frequentemente
interessam para as intervenções humanas no terreno. Esta superfície é sempre igual ou menor à
correspondente área sobre a superfície do terreno. Não se deve esquecer que para converter áreas
medidas no mapa para áreas no plano horizontal de referência, o valor obtido no mapa deverá ser
multiplicado pelo quadrado do módulo da escala.

50
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5.2.1 Métodos exactos38

5.2.1.1 Método de Gauss

A sua aplicação obriga à execução, na ordem indicada, dos seguintes passos:

1 Numerar, sequencialmente e no sentido horário, os vértices do polígono;


2 Determinar as coordenadas dos vértices;
3 Aplicar a fórmula “a área é igual a metade do somatório dos produtos da ordenada de
cada vértice pela diferença entre as abcissas dos vértices seguinte e anterior”

2 x1 x2 x3 x4 x1

3 y1 y2 y3 y4 y1

1 parcelas a subtrair
x

parcelas a somar
y

Figura 5.1: Método de Gauss – mnemónica para a definição do sinal das parcelas.

1
A  y1 ( x2  x4 )  y2 ( x3  x1 )  y3 ( x4  x2 )  y4 ( x1  x3 )
2
Eq. (21)
1
 ( y1 x2  y2 x3  y3 x4  y4 x1  y1 x4  y2 x1  y3 x2  y4 x3 )
2

5.2.1.2 Decomposição em triângulos

Se decompusermos um polígono em elementos triangulares, então a sua área será igual ao


somatório das áreas desses triângulos. A fórmula apresentada na figura permite determinar a área de um
qualquer triângulo a partir do conhecimento do comprimento dos seus lados – ver Figura 5.2. A
decomposição em triângulos deverá ser feita de modo a que se obtenham triângulos tão bem conformados
quanto possível.

38
Por vezes também denominados “métodos analíticos”. A denominação “métodos exactos”
refere-se apenas à exactidão das fórmulas de cálculo que lhes correspondem.

51
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

abc
p
c 2
a
A

Figura 5.2: Semiperímetro de um triângulo.

Eq. (22) A p ( p  a)( p  b)( p  c)

5.2.2 Métodos aproximados

Os métodos aproximados, também denominados “métodos geométricos”, são especialmente


indicados para a determinação de áreas limitadas por contornos curvos. Os métodos que irão ser
apresentados correspondem a dois dos mais simples métodos de integração numérica 39.

5.2.2.1 Método dos trapézios

A área a medir é aproximada por um conjunto de trapézios, todos de igual base. O contorno
da área é portanto aproximado por uma linha poligonal.

Linha poligonal
x3
f(x) x1 f(x)dx  A1  A2

 y1  y2 y2  y3 
A1  A2  d  
y3  2 2 
y2 d
 (y1  2  y2  y3)
2
A2
y1
A1

x3
x2
d
x1
d

Figura 5.3: Área de dois trapézios adjacentes que compartilham uma altura.

39
Recorda-se que os métodos de integração numérica destinam-se, tal como o nome indica,
ao cálculo numérico (e, portanto, aproximado) de integrais.

52
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Na Figura 5.3 está aplicado o método ao cálculo da área limitada por uma função f(x) e o eixo
das abcissas, utilizando apenas dois trapézios. Generalizando para n trapézios (n intervalos40 de dimensão
d) obtemos a fórmula geral (conhecida por fórmula de Bezout):

d
 y1  yn 1  2  y2  y3  yn  
xn 1
A f ( x)dx 
2
Eq. (23)
x1

Atenção: as alturas y deverão ser perpendiculares às distâncias d!

5.2.2.2 Método de Simpson

O contorno da área a medir é aproximado por uma linha descontínua composta por arcos de
parábola. Como a parábola é um polinómio do segundo grau, serão necessários sempre três pontos para
definir cada arco. Estes pontos são obtidos a partir da subdivisão do eixo das abcissas num número
par de intervalos iguais de amplitude d. A Figura 5.4 exemplifica o método para um único arco de
parábola.

f(x)

x3
arco de parábola x1 f(x)dx  A1

d
A1  (y1  4  y2  y3)
y3 3
y2

y1
A1

x3
x2
d
x1
d

Figura 5.4: Método de Simpson – área de dois elementos adjacentes.

Generalizando para um número par41 n de intervalos adjacentes, obtemos a fórmula geral:

d
 y1  yn1  2  y3  y5  yn1   4  y2  y4  yn 
xn 1
Eq. (24) A f ( x)dx 
x1 3

Atenção: as alturas y deverão ser perpendiculares às distâncias d! (Xerez, 1959)

40
Recorde-se que para definirmos k intervalos devemos determinar k+1 alturas y.

41
Se n é par, então n1 e n+1 são ímpares.

53
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5.2.3 Método mecânico

Baseia-se na utilização do planímetro, também conhecido por integrador mecânico.

54
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6 Medição de distâncias no terreno


Neste texto apenas irá ser abordada a medição de distâncias no terreno quando ela for feita ao
longo de segmentos de recta42. Esta medição de distâncias pode ser feita por dois processos distintos: a
medição directa e a medição indirecta. Na esmagadora maioria das situações a medição de uma distância
será feita segundo um segmento de recta não horizontal. Para que este segmento de recta seja
representado cartograficamente é necessário determinar a extensão da sua projecção horizontal (operação
denominada redução ao horizonte) bem como o desnível por ele vencido. Estes cálculos obrigam à
determinação do valor dos ângulos que as distâncias medidas formam com os planos horizontais.

6.1 Medição directa

A medição directa de distâncias obriga a que o topógrafo se desloque sobre o terreno ao longo
de todo o segmento recto a medir; nos trabalhos correntes, a extensão do segmento recto é comparada
com o comprimento de uma fita métrica ou, mais raramente, uma cadeia. Poderá ser necessário limpar
o terreno, ou mesmo suspender a fita afastando-a do solo (caso em que poderá ser necessário apoiar a
fita num número suficiente de pontos intermédios).

As medições de alta precisão são feitas com fios de ínvar43 suspensos; neste caso, é essencial
entrar em linha de conta com a deformada do fio, o que obriga à utilização de dispositivos de suspensão
adequados e a uma cuidadosa avaliação da tensão exercida nos extremos do fio.

6.2 Medição indirecta por processos clássicos

Diz-se que se efectuou a medição indirecta de uma distância quando a medição não obrigou a
percorrer toda a extensão do correspondente alinhamento recto. Quando são utilizadas técnicas da
Topografia clássica44, o aparelho de medida é colocado num dos extremos do segmento e no outro
extremo é colocado um acessório sobre o qual são feitas leituras que permitem a determinação da
distância pretendida.

Os aparelhos mais correntemente utilizados na medição indirecta de distâncias são os dotados


de luneta estadimétrica e os dotados de distanciómetro electrónico.

42
Se distância a medir for curva, então terá de ser decomposta num número conveniente de
segmentos de recta.
43
O ínvar é uma liga de aço e níquel (30% de níquel), que possui um coeficiente de dilatação
térmica muito pequeno (10-6/ºC)
44
No âmbito deste texto será considerado que as técnicas da Topografia clássica não englobam
as modernas técnicas de radionavegação por satélite (de que o posicionamento GNSS é o tipo mais
divulgado).

55
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

6.2.1 Lunetas estadimétricas

As lunetas estadimétricas permitem a medição de distâncias segundo a linha de visada –


distância esta que designaremos por Di – com base num princípio geométrico muito simples (semelhança
de triângulos, ver Figura 6.1) que denominaremos princípio fundamental da estadimetria.

linha de visada

 g G

Figura 6.1: O princípio fundamental da estadimetria.

A luneta estadimétrica possui, no seu interior, um retículo (por construção perpendicular à


linha de visada45) constituído por uma lâmina de vidro na qual estão gravados a diamante um conjunto
de finíssimos traços denominados fios estadimétricos. A construção da luneta é tal que é sempre sobre o
plano do retículo que se forma a imagem virtual dos objectos com ela observados. Assim, é sempre
possível ter uma imagem onde figurem, perfeitamente focados, tanto os fios do retículo como o objecto
observado. A distância g, que separa os fios estadimétricos extremos (medida sobre o retículo) e a
distância d (aproximadamente igual à distância focal da luneta), são fixadas pelo fabricante e são
constantes para uma dada luneta. O número gerador46 G é dado pela projecção dos fios estadimétricos
extremos sobre uma régua graduada – a mira47 ou estádia – colocada paralelamente a g. A constante k,
igual a d/g, denomina-se constante estadimétrica. Esta constante é, por comodidade para o utilizador,
correntemente tornada igual a 50, 100 ou 200.

Assim, o princípio fundamental da estadimetria será:

d Di
Eq. (25)   Di  k G
g G

45
Também denominada “eixo óptico da luneta”.
46
O número gerador é sempre um número positivo.
47
Mais correctamente denominada mira falante.

56
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

O ângulo  é o ângulo estadimétrico ou ângulo paralático e relaciona-se com a constante


estadimétrica pela fórmula:

1 ω
Eq. (26) k = cot
2 2

Se k=100 (o valor mais usual), então ter-se-á  = 0.63666 grados.

fio estadimétrico superior

fio vertical

fio médio

fio estadimétrico
esquerdo

fio estadimétrico
direito

fio estadimétrico inferior

Figura 6.2: Os fios estadimétricos.

6.2.2 As fórmulas taqueométricas

Di

Dh

Figura 6.3: Distância segundo a linha de visada, distância horizontal e altura trigonométrica.

Denominam-se taqueómetros os instrumentos que permitem medir indirectamente distâncias,


bem como ângulos verticais e horizontais a elas associados. Denominam-se fórmulas taqueométricas
as fórmulas que, com base na medição indirecta de distâncias e na medição dos correspondentes ângulos
verticais, permitem calcular distâncias horizontais e desníveis.

A necessidade de determinar a projecção horizontal das distâncias medidas (Dh) obriga à


determinação de um ângulo vertical. O conhecimento da distância segundo a linha de visada (Di) e do
ângulo que esta direcção forma com os planos horizontais (), permitirá também determinar a altura
trigonométrica (h), que é o desnível vencido pela linha de visada. Conforme veremos a altura
trigonométrica irá permitir calcular o desnível entre pontos (H). Um nivelamento efectuado com recurso
às fórmulas taqueométricas denomina-se nivelamento trigonométrico (ver Nivelamentos).

57
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6.2.2.1 Os ângulos verticais

Os ângulos verticais são usualmente medidos sobre um círculo graduado que defina um plano
vertical. Em Topografia, estes ângulos poderão ser medidos relativamente a uma de três origens, a saber:

Ângulos de inclinação  Medidos relativamente aos planos horizontais

Ângulos zenitais z Medidos relativamente ao zénite

Ângulos nadirais n Medidos relativamente ao nadir

ZÉNITE CÍRCULO TRIGONOMÉTRICO

a a
ad ad
vis vis
de de
ha n i nh
a
lin l
z


z

 
horizontal
vertical

NADIR

Figura 6.4: Ângulos verticais e sua relação com o círculo trigonométrico.

Da análise do círculo trigonométrico (ver Figura 6.4), resultam as seguintes relações:

Eq. (27) sen 𝛼 = cos 𝑧 = − cos 𝑛

Eq. (28) cos 𝛼 = sen 𝑧 = sen 𝑛

6.2.2.2 Instrumentos dotados de luneta estadimétrica (taqueómetros clássicos)

A aplicação do princípio fundamental da estadimetria – ver Figura 6.1 e Eq. (25) – implica,
conforme se viu, o paralelismo entre g e a mira. Esse paralelismo não é fácil de garantir na prática,
particularmente quando estivermos a executar visadas inclinadas relativamente à horizontal. A
experiência mostra que quando a mira é colocada horizontalmente é mais fácil garantir uma razoável
perpendicularidade entre esta e a linha de visada.

No entanto, a utilização de uma mira horizontal torna o trabalho de levantamento muito


moroso, para além de exigir que o porta-miras48 transporte, não apenas a mira mas também um

48
O porta-miras é o auxiliar do topógrafo que tem como função principal colocar a mira em
cada um dos pontos a levantar.

58
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dispositivo onde ela possa ser apoiada. Portanto, na esmagadora maioria das situações, é preferida a
utilização de miras colocadas verticalmente. Porém, se a mira for colocada verticalmente já se não pode
admitir a perpendicularidade entre a linha de visada e a mira, o que obriga, para a determinação da
distância Di, a introduzir alterações ao princípio fundamental da estadimetria.

a) Fórmulas taqueométricas para mira horizontal

Leituras na mira:
fio esquerdo(f3) : 1,412 m
fio médio (f2) : 1,500 m
fio direito (f1) : 1,588 m

14 15 16 G=1,588-1,412=0,176 m

Figura 6.5: Leituras sobre uma mira horizontal.

Sejam E e P pontos do terreno, definindo um segmento recto EP relativamente ao qual se


pretende determinar a distância horizontal Dh e o desnível HEP. O instrumento está colocado no ponto
E e a mira colocada sobre o ponto P. Seja i a altura do instrumento49 e A a altura a que a mira está do
solo. Tendo em atenção que Di  k G e que i  h  A  H EP  0 , teremos:

49
Distância, medida na vertical, que separa o centro óptico da luneta do ponto E (denominado
estação).

59
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G
Di

mira horizontal h
z
A

linha de visada
n
P
i
H EP

Dh

Figura 6.6: Taqueometria clássica com mira horizontal.

Eq. (29) Dh  k G cos  k G sen z  k G sen n

Eq. (30) H EP  i  k G sen   A  i  k G cos z  A  i  k G cos n  A

b) Fórmulas taqueométricas para mira vertical

19 Leituras na mira:
fio superior (f3) : 1,878 m
fio médio (f2) : 1,789 m
fio inferior (f1) : 1,700 m

18
G=1,878-1,700=0,178 m

17

Figura 6.7: Leituras sobre uma mira vertical.

A colocação da mira na posição vertical não permite a aplicação directa do princípio


fundamental da estadimetria ao cálculo da distância Di. É necessário determinar a projecção do número
gerador (𝐺 = 𝑓3 − 𝑓1 ) sobre um segmento perpendicular à linha de visada. Pode admitir-se que os raios
luminosos que passam pelos fios estadimétricos superior e inferior são aproximadamente paralelos à
linha de visada; deste modo podemos escrever que a referida projecção é dada aproximadamente por
𝐺 cos 𝛼. Relativamente às equações derivadas no ponto anterior, bastará substituir 𝐺 por 𝐺 cos 𝛼 e notar
que altura acima do ponto P a que a linha de visada intercepta a mira é dada pela leitura do fio médio 𝑓2 .
Como 𝑓2 ≅ (𝑓3 − 𝑓1 )/2 (existirá uma igualdade quando a linha de visada for horizontal) teremos:

60
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Eq. (31) 𝐷ℎ = 𝑘 𝐺 cos 2 𝛼 = 𝑘 𝐺 sen2 𝑧 = 𝑘 𝐺 sen2 𝑛

Eq. (32) Δ𝐻𝐸𝑃 ≅ 𝑖 + 𝑘 𝐺 𝑠𝑒𝑛 𝛼 cos 𝛼 − 𝑓2 = 𝑖 + 𝑘 𝐺 sen 𝑧 cos 𝑧 − 𝑓2 = 𝑖 − 𝑘 𝐺 sen 𝑛 cos 𝑛 − 𝑓2

mira vertical

Di G

DETALHE
h
z
f2

G c
linha de visada

os
n 
P
i
H EP

Dh

Figura 6.8: Taqueometria clássica com mira vertical.

6.2.2.3 Instrumentos dotados de distanciómetro electrónico (taqueómetros


electrónicos e estações totais)

A presença do distanciómetro electrónico 50 torna desnecessária a aplicação do princípio


fundamental de estadimetria para a determinação da distância segundo a visada (Di). As fórmulas podem
ser obtidas a partir das equações para mira horizontal – Eq. (29) e Eq. (30). Note-se que agora A é
substituído por hb (a altura do bastão) que representa a altura a que o prisma está do solo.

50
O distanciómetro electrónico é um dispositivo que permite a medição de distâncias
recorrendo a técnicas MED. Este assunto será muito sucintamente abordado no subcapítulo seguinte.

61
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prisma reflector

Di

h
z
bastão hb

linha de visada
n
P
i
H EP

Dh

Figura 6.9: Taqueometria com medição electrónica de distâncias.

Eq. (33) Dh  Di cos   Di sen z  Di sen n

Eq. (34) H EP  i  Di sen   hb  i  Di cos z  hb  i  Di cos n  hb

62
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Utilização do taqueómetro electrónico Wild TC 50051


(a) (b)

(c)

51
Este taqueómetro electrónico é do tipo estação total, dado que efectua electronicamente as
leituras angulares (ângulos verticais e horizontais).

63
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(d) (e)

(f) (g)

(h) (i)

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(j) (k)

Legendas:
(a) Abertura do tripé
(b) e (c) Colocação sobre o ponto estação (utilização do fio de prumo)
(d) Fixação do taqueómetro ao prato do tripé
(e) Nivelamento do taqueómetro (calagem da nivela esférica)
(f) Verificação da colocação sobre o ponto estação (utilização do prumo óptico)
(g) Medição da altura do instrumento
(h) Pontaria ao prisma reflector
(i) Bastão, prisma reflector e alvo auxiliar
(j) Visor do taqueómetro, com afixação das leituras lineares e angulares
(k) Registo manual das leituras

Aulas laboratoriais de Topografia do curso de Engenharia Geotécnica e Geoambiente, sob a


orientação do Prof. Eng. António Cerveira Pinto (Maio de 2003).
Fotografias de Nuno Cristelo

6.3 Medição electromagnética de distâncias (MED)

Os equipamentos de medição electromagnética de distâncias – os distanciómetros


electromagnéticos – vieram revolucionar a prática da Topografia. Tradicionalmente, a medição de
distâncias por processos indirectos era evitada face à medição de ângulos. Os distanciómetros
electrónicos, capazes de precisões, na medição indirecta de distâncias, nunca antes imaginadas, vieram
transformar a medição de distâncias numa alternativa à medição de ângulos.

Os aparelhos MED avaliam as distâncias determinando o tempo que certos tipos de ondas
electromagnéticas as demoram a percorrer. Consoante as características das ondas utilizadas, assim os

65
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

equipamentos MED são constituídos por um emissor/receptor (obrigando à utilização de um dispositivo


de reflexão – antenas parabólicas ou prismas de reflexão) ou dois aparelhos distintos, o emissor e o
receptor.

 ou T

distância (x) ou instante (t)

Figura 6.10: Gráfico de uma onda.

Uma onda é uma função de duas variáveis, o tempo (t) e uma distância (x). Se a representação
gráfica da onda for feita para t  constante , o traçado repetir-se-á a intervalos iguais , denominado

comprimento de onda. Se a representação for feita para x  constante , o gráfico da função vai repetir-se
a intervalos iguais T, denominados período da onda. O inverso do período denomina-se frequência e é
usualmente expresso em Hertz (1 Hz=1 s1)

Os distanciómetros electrónicos emitem usualmente ondas modeladas. De um modo muito


resumido, a modelação de um fenómeno ondulatório poderá ser entendida como o resultado da
sobreposição de uma onda dita modeladora a uma outra que se denomina onda portadora. A portadora é
seleccionada tendo em atenção as suas características de propagação e penetração face ao tipo de
utilização prevista para o aparelho. A onda modeladora – por vezes denominada sinal horário – é
utilizada para determinar o intervalo de tempo que medeia entre a emissão e a recepção.

6.3.1.1 Tipos de fenómenos ondulatórios utilizados

É corrente a classificação dos equipamentos MED nas duas categorias que se seguem:

o Equipamentos electro-ópticos: utilizam luz incoerente – visível ou invisível, neste


último caso usualmente na gama do infravermelho – ou luz coerente (laser)

o Equipamentos electromagnéticos: utilizam ondas cujas frequências pertencem à


gama das ondas rádio e das microondas

Na realidade, as ondas luminosas, independentemente do seu tipo (isto é, luz visível ou


invisível, coerente ou incoerente) são também fenómenos electromagnéticos, mas com frequências muito
diferentes das apresentadas pelas ondas rádio e pelas microondas.

66
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

6.3.1.2 Tipos de propagação das ondas

a) Ondas de baixa frequência (<30 Mhz)

a
sf er Ond
I o no a re
flec
tida
O n d a d e s u p e r f í c ie
Emissor Receptor

Superfície terrestre
Onda directa

Figura 6.11: Trajectos de propagação das ondas de baixa frequência.

Este tipo de ondas é usado na medição de distâncias muito grandes (da ordem das centenas de
quilómetros). A onda que permite as medições é aquela cuja propagação acompanha a curvatura terrestre
(a onda de superfície). As ondas que são reflectidas na ionosfera (ondas reflectidas) são causa de erros.
As ondas com propagação rectilínea (ondas directas) são interrompidas pela superfície terrestre (ver
Figura 6.11).

b) Ondas de alta frequência (>30 Mhz)

rsa
i s pe
d
da
On
Emissor Onda directa Receptor
flectida
Onda re

Superfície

Figura 6.12: Trajectos de propagação das ondas de alta-frequência.

São usadas na medição de distâncias curtas (inferiores a 100 Km). Portanto, são as usadas
pelos distanciómetros utilizados em Topografia. Nestes equipamentos, a medição da distância deverá ser
feita apenas recorrendo a ondas directas. As ondas reflectidas na troposfera ou na ionosfera (ondas
dispersas) sofrem o fenómeno de dispersão – “scattering” – e são causa de erros; pela mesma razão,
também as ondas que eventualmente sofram reflexão na superfície terrestre (ondas reflectidas) devem
ser evitadas (ver Figura 6.12)

67
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

6.3.1.3 Tipos de ondas electromagnéticas utilizados, em termos de frequência

Ondas Longas Comprimentos de onda da ordem das centenas de metros; portanto


(sistemas hidrográficos são ondas de baixa frequência. Não são significativamente afectados
Decca e Loran) pelas condições meteorológicas na troposfera, mas são muito
sensíveis às características electromagnéticas da superfície terrestre.
Por esta razão só devem ser empregues sobre superfícies homogéneas
– caso dos oceanos – e após calibração. Utilizam para as medições
apenas as ondas de superfície. São usadas fundamentalmente em
levantamentos hidrográficos e oceanográficos.

Microondas A portadora é uma microonda, com comprimentos de onda da ordem


dos centímetros (frequências superiores a 3GHz). Propagação
rectilínea; boa penetração atmosférica mas por vezes ocorrem
problemas com reflexões no terreno. Para as medições dos intervalos
de tempo é usada uma onda de mais baixa frequência (inferior a
10 MHz). São usadas para medições de até 30 – 50 Km, sendo
usualmente a extensão da linha de vista a condicionante.

Luz visível, incoerente ou O comprimento de onda da portadora é da ordem dos 0.5 microns
luz coerente (“laser”) (106 metros). A onda modeladora tem uma frequência muito mais
baixa. Apresentam uma relativamente fraca penetração atmosférica,
mas raramente se verificam reflexões indesejáveis. As medições são
feitas usando a onda directa. O alcance é inferior ao das microondas
dado que a energia da onda é mais rapidamente absorvida pela
atmosfera.

Infravermelhos São as ondas mais usadas em Topografia. A portadora é uma radiação


da zona do infravermelho próximo, tendo portanto um comprimento
de onda da ordem de 1 mícron. Apresentam boa penetração
atmosférica (os efeitos da temperatura e da humidade são pequenos).
A medição é efectuada sobre a onda directa. A mais importante causa
de atenuação do sinal é a dispersão (“scatter”). O alcance destes
instrumentos é também limitado pela potência dos emissores de
infravermelhos utilizados; são típicos alcances na ordem dos 5 Km.
Em condições de temperatura e humidade elevadas pode verificar-se
um significativo acréscimo na absorção da energia do sinal o que
provoca uma sensível diminuição no alcance.

68
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

6.4 Breve análise intuitiva dos erros na medição de distâncias

A medição de uma distância é, como qualquer outra medição, afectada por erros sistemáticos
e por erros acidentais. Os erros causados pela incorrecta utilização dos instrumentos de medida não vão
ser objecto das considerações que se seguem52.

Os erros acidentais poderão ser evitados, ou pelo menos minorados, utilizando práticas que a
experiência demonstra serem adequadas, bem como repetindo as medições, processo que permitirá
detectar erros grosseiros e determinar valores médios. Como estes erros não são previsíveis, a sua análise
e tratamento apenas é possível com recurso à Estatística.

Se admitirmos uma graduação uniformemente constante do instrumento de medida, então


poderemos afirmar que os erros sistemáticos se revestem de duas características fundamentais:
apresentam sempre a mesma grandeza relativa e dão-se sempre no mesmo sentido. Seja L o valor medido
e L* o seu valor exacto53. Com base nestas grandezas, define-se erro absoluto – L – da medição como
sendo igual a:

Eq. (35) Δ𝐿 = 𝐿 − 𝐿∗

O erro absoluto é, no caso mais geral, decomponível em duas parcelas: uma (L0), independente
do comprimento medido, devida a um incorrecto posicionamento da origem da escala 54, e outra,
dependendo do valor medido, devida ao facto das divisões da escala utilizada não serem perfeitas,
apresentando todas elas a mesma diferença relativamente às divisões de escala perfeita (veja-se a Figura
6.13).

Se admitirmos que a medição é executada por um operador qualificado utilizando


equipamento em boas condições, então é de crer que L0 será nulo55. Nestas condições, o erro cometido
apenas é directamente proporcional ao valor da medição. O coeficiente de proporcionalidade é o erro
relativo () e será dado por ε  L L .

52
Estes erros eliminam-se de um modo simples: aprendendo a operar devidamente os
instrumentos antes de os utilizar!
53
No meio físico nada é conhecido com exactidão. Entenda-se por valor exacto um valor que
foi determinado com uma precisão claramente superior àquela com que se determinou L.
54
Aqui o substantivo escala é usado para designar a materialização de um segmento de recta
graduado.
55
Na realidade, tal nunca acontece exactamente. No entanto, este erro tomará sempre valores
pequenos e que se revestirão de características aleatórias que o transferem para a categoria dos erros
acidentais.

69
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L escala perfeita
0 5 10 15 20

A B

0 5 10 15 20 escala imperfeita com erro na origem

L0

0 5 10 15 20 escala imperfeita sem erro na origem

Figura 6.13: Situações possíveis na medição de um segmento com uma escala


uniformemente constante

O valor do erro relativo é uma característica do instrumento e é constante quando o


equipamento é utilizado em idênticas circunstâncias. Medições distintas, efectuadas pelo mesmo
instrumento em condições idênticas, apresentarão o mesmo erro relativo. Assim, se utilizarmos um
instrumento cujo erro relativo é  para medir um segmento e encontrarmos o valor D, então teremos
D  ε D  D  D* e portanto:

Eq. (36) D*  (1  ε) D

Se utilizarmos o mesmo instrumento para medir áreas, para deduzir as correspondentes


expressões basta recordar que uma área é sempre o produto de dois comprimentos. Sejam D1 e D2 os

valores medidos que permitiram determinar a área A  D1  D2 . Virá, portanto:

Eq. (37) A*  D1*  D2*  (1  ε)2 A

Nos instrumentos utilizados na medição directa de distâncias a determinação do valor de  é


conceptualmente muito simples: basta considerar para comprimento medido o comprimento nominal do
segmento, isto é, aquele que se obtém utilizando na medição o instrumento em análise, e considerar como
valor exacto (correcto) o valor obtido para comprimento desse segmento utilizando instrumentos e
técnicas de medição que garantam uma precisão muito superior à precisão do instrumento analisado.

Para os instrumentos utilizados na medição indirecta de distâncias, o problema já é de mais


difícil resolução dado que, entre outros factores, será necessário ter em consideração as condições
meteorológicas na ocasião das medições e, para certos instrumentos electrónicos, as características
electromagnéticas ambientais. Para condições de utilização correntes e precisões usuais, os fabricantes
de equipamentos electrónicos para medição indirecta de distâncias fazem-nos acompanhar de tabelas de
múltipla entrada que permitem estimar o erro relativo das medições efectuadas.

A precisão das medições efectuadas com lunetas estadimétricas depende, fundamentalmente,


da precisão com que foram medidos os números geradores e os ângulos verticais. A precisão na medição
de ângulos desde sempre foi o “ponto forte” dos equipamentos topográficos. Vamos admitir que a

70
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

influência dos erros cometidos na medição dos ângulos verticais é desprezável face ao efeito dos erros
cometidos na avaliação dos números geradores.

A determinação de G é afectada pela qualidade de construção do instrumento, nomeadamente


qualidade da óptica da luneta e precisão da constante estadimétrica k, pela precisão da graduação da mira
utilizada e pela precisão com que as leituras sobre a mira são efectuadas. Esta última depende da distância
a que o instrumento se encontra da mira, da ampliação e luminosidade da imagem obtida pela luneta, das
condições atmosféricas e, dentro de certos limites, da acuidade visual do operador. Por simplicidade,
vamos admitir que as qualidades de construção da luneta e da mira são irrepreensíveis, que as condições
atmosféricas são as ideais e que o operador tem uma visão normal. Assim, o erro na avaliação das
distâncias vai depender fundamentalmente da precisão das leituras que o operador faz sobre a mira. As
miras mais correntemente utilizadas são graduadas em centímetros; é corrente a execução de leituras com
estimativa do milímetro.

Se as visadas efectuadas não forem exageradamente longas face às características ópticas da


luneta utilizada, poderemos aceitar que, para cada leitura efectuada sobre a mira – f – se pode definir um
intervalo de 2 milímetros de amplitude, centrado em f, que garantidamente56 contém o valor exacto dessa
leitura. Isto é, sendo f* o valor exacto da leitura, teremos:

Eq. (38) f *   f 1 mm , f  1 mm

O número gerador é obtido por subtracção de duas leituras, ambas executadas em idênticas
condições (veja-se a Figura 6.7). Assim, o erro que afectará G variará entre 0 e 2 mm. Portanto, na
situação mais desfavorável, o erro cometido na determinação da distância segundo a linha de visada será
de k2 mm.

Em trabalhos correntes de Topografia, utilizando instrumentos de média precisão dotados de


luneta estadimétrica, não é conveniente fazer visadas com comprimentos superiores a cerca de 100
metros. Para esta distância, e para k=100 (o valor mais usual), o erro relativo será da ordem de 0,4%.
Note-se também que não será possível utilizar estes equipamentos para executar levantamentos regulares
em escalas superiores a 1/1000.

56
Na Física nada é garantido! Deve entender-se que a probabilidade do intervalo assim
definido conter o valor exacto da leitura, quando efectuada por um operador competente, é muito grande,
por exemplo 95% ou 99%.

71
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

7 Levantamentos planimétricos compostos


Já vimos que as operações de levantamento consistem na recolha de informação (dados), no
terreno, que permitam elaborar modelos topográficos (em planimetria e/ou altimetria). Se exceptuarmos
os levantamentos executados com técnicas de posicionamento por satélite (posicionamento GNSS 57), os
dados geométricos recolhidos são sempre distâncias e/ou ângulos. Os ângulos medidos são sempre
ângulos horizontais ou verticais. As distâncias medidas sobre o terreno acompanharão, como é óbvio, a
sua superfície; a representação planimétrica do terreno vai obrigar, portanto, a proceder à redução ao
horizonte destas distâncias, o que implica a determinação dos ângulos que as distâncias medidas formam
com os planos horizontais. Refira-se que o conhecimento destes ângulos também permite a determinação
de desníveis (ver “Nivelamentos trigonométricos”).

Em termos de planimetria, a definição dos pontos poderá ser feita com base em um dos dois
tipos de coordenadas seguintes:

a) Coordenadas rectangulares

b) Coordenadas polares

O tipo de coordenadas utilizado dependerá, entre outros factores, do equipamento disponível


e das características do terreno a levantar. Assim, para a utilização de coordenadas rectangulares, será
conveniente a utilização de equipamentos que, de modo simples e eficaz, permitam definir direcções
perpendiculares a outras tomadas para referência (é o caso dos esquadros58). Para definir completamente
o sistema de eixos cartesianos basta a materialização, sobre o terreno, de um alinhamento recto
(usualmente com recurso a bandeirolas), e a definição de um ponto de origem para esse alinhamento (em
princípio, um dos seus extremos).

A utilização de coordenadas polares é muito frequente em Topografia, pois é a que melhor se


adapta à utilização do instrumento topográfico porventura mais versátil – o taqueómetro. Para a utilização
deste tipo de coordenadas é necessário, para além da marcação no terreno de um ponto origem para a
medição das distâncias, a fixação de uma direcção de referência, relativamente à qual é feita a medição
dos ângulos horizontais.

Tal como já se referiu para os nivelamentos, também para os levantamentos planimétricos é


muito frequente que as características do terreno a representar – extensão, coberto vegetal, obstáculos
diversos – obriguem a efectuar vários levantamentos parcelares. Será o conjunto destes levantamentos
parcelares, convenientemente interligados, que permitirá a total cobertura da região de interesse.

57
“Global Navigation Satellite Systems”.
58
Em Topografia, um esquadro é um instrumento que permite a execução de visadas segundo
direcções perpendiculares a uma direcção de referência. Alguns esquadros permitem também a execução
de visadas segundo outros ângulos (e.g., 30º e/ou 45º).

72
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Levanta-se o problema de referenciar os vários levantamentos parcelares relativamente a um


mesmo referencial, pois só assim serão rigorosamente preservadas as suas posições relativas. São várias
as metodologias que podem ser aplicadas para ultrapassar esta dificuldade. No nosso curso apenas nos
iremos referir aos levantamentos planimétricos compostos por levantamentos parcelares em coordenadas
polares (também denominados levantamentos por irradiação) e à metodologia denominada método das
poligonais.

Uma poligonal é uma linha quebrada de troços com projecção horizontal recta, definida de tal
modo que exista sempre um seu vértice coincidente com cada uma das estações dos levantamentos
planimétricos parcelares que constituem um dado levantamento planimétrico composto. As poligonais
são utilizadas para a determinação das coordenadas planimétricas de todas as estações num referencial
cartesiano comum.

N
E2

E1

F
IDT
D
E9

E3

C
E13
M
E8
E4

A E12

E15 J E

E16

I
E14
H E11
E10

L
E7

B
G Vértice de poligonal
E5

Tramo de poligonal

E17

E6
Campus do ISEP (2002)

Figura 7.1: Poligonais utilizadas para a elaboração de uma planta topográfica do ISEP

73
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

7.1 Noções algébricas fundamentais

7.1.1 Referencial utilizado

Figura 7.2: Sistema de eixos e sentido de medição de ângulos usados em Topografia.

O sistema de eixos e o sentido positivo para a medição de ângulos tradicionalmente usados


em Topografia encontram-se representados na Figura 7.2. É sempre conveniente (mas não obrigatório)
que o eixo dos xx (ou eixo das abcissas) esteja orientado para Norte59. Quando o referencial utilizado é
o de um sistema de coordenadas cartográficas oficial (um referencial cartesiano), o eixo dos yy (ou eixo
das ordenadas) passa a designar-se “perpendicular” e o eixo dos xx é denominado “meridiana”. A
meridiana está sempre orientada para o Norte Cartográfico. São usadas as letras M e P para designarem
as coordenadas medidas sobre a perpendicular e sobre a meridiana, respectivamente. Em língua inglesa
a meridiana é designada pela letra N (de “northing”) e a perpendicular é designada pela letra E (de
“easting”).

7.1.2 Orientação e rumo de um segmento

Define-se orientação de um segmento como sendo o ângulo que um segmento orientado


forma com o eixo das abcissas (eixo dos xx, ou eixo dos PP), medido a partir do semieixo positivo no
ponto inicial do segmento e no sentido horário – ver Figura 7.3. É tradição utilizar-se a letra  para
designar as orientações de segmentos.

Da observação da Figura 7.3 conclui-se que:

59
Existem vários “nortes”: Norte Verdadeiro (dado muito aproximadamente pela posição da
Estrela Polar), Norte Magnético (direcção do Pólo Norte magnético), Norte Geodésico (a direcção Norte
do referencial geodésico no qual são determinadas as coordenadas geodésicas – a latitude e a longitude
– dos pontos de interesse) e o Norte Cartográfico (a direcção do Norte da quadrícula cartesiana existente
em muitas cartas). As diferenças angulares entre estes “nortes” podem ser significativas.

74
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Eq. (39) BA  AB  π

AB BA

Figura 7.3: Orientação de um segmento.

O valor  representa meia circunferência; o sinal  indica que é indiferente, em termos


matemáticos, adicionar ou subtrair meia circunferência. No entanto é conveniente optar pela operação
que conduza a um resultado positivo e inferior a uma circunferência.

Define-se rumo como sendo uma orientação medida relativamente a um eixo dos xx paralelo
ao vector S – N. Portanto, um rumo é um caso particular de uma orientação e, se o sistema de coordenadas
for um sistema  M, P  , as orientações são sempre rumos.

É frequente a substituição da denominação rumo pela denominação azimute. No entanto estas


denominações não são equivalentes, pois representam entidades com diferentes definições. Porém,
exclusivamente no âmbito da Topografia, elas podem ser consideradas denominações equivalentes.

7.1.3 Problemas fundamentais em coordenadas planas rectangulares

7.1.3.1 Transmissão de orientações entre segmentos sucessivos de uma linha


poligonal

Da observação da Figura 7.4 conclui-se que BC  BA   B . Tendo em atenção a Eq. (39),

pode escrever-se:

Eq. (40) BC  AB  B  π

É conveniente reduzir a orientação calculada pela Eq. (40) a um ângulo na primeira


circunferência.

75
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

BC

B

B
AB BA

Figura 7.4: Transmissão de orientações entre segmentos.

Para que seja válida a Eq. (40) o ângulo  B deverá ser medido, conforme está indicado na

Figura 7.4, no sentido horário e no sentido do avanço na linha poligonal60. Os ângulos, determinados em
cada vértice interior de uma poligonal de acordo com a convenção que se acaba de enunciar, são
denominados ângulos topográficos. A partir deste ponto a letra  vai ser reservada para designar estes
ângulos.

Figura 7.5: A determinação de um ângulo topográfico.

A determinação dos ângulos topográficos é feita recorrendo às direcções observadas61 adiante


e atrás (as grandezas 𝐷𝑎𝑑 e 𝐷𝑎𝑡 , respectivamente), determinadas em cada vértice interior da poligonal. O
ângulo topográfico no vértice interior genérico 𝑖 será 𝛼𝑖 = 𝐷𝑎𝑑,𝑖 − 𝐷𝑎𝑡,𝑖 , adicionando uma circunferência
se o resultado da operação for negativo – veja-se a Figura 7.5.

60
A linha poligonal é constituída por um conjunto de segmentos orientados que se sucedem.
Portanto, está nela implícito um sentido de progressão (avanço) que é dado pela sucessão dos seus
vértices. Este sentido de progressão deverá ser arbitrado antes da execução de quaisquer cálculos.
61
Uma direcção observada é uma leitura do limbo horizontal de um taqueómetro (ou de um
teodolito) convenientemente estacionado.

76
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

7.1.3.2 Transporte de coordenadas num segmento

Tendo em atenção a Figura 7.6,e sendo AB o comprimento do segmento AB, fácil é concluir
que

x  xB  xA  AB cos  AB
Eq. (41)
y  yB  yA  AB sen  AB

Portanto teremos:

xB  xA  x
Eq. (42)
yB  yA  y

AB
x

A
y

Figura 7.6: Transporte de coordenadas num segmento.

7.1.3.3 Determinação da orientação de um segmento a partir das coordenadas dos


seus pontos extremos

A solução deste problema depende do quadrante a que pertence a orientação do segmento

yAB
considerado (veja-se a Figura 7.7). É vantajosa a consideração do ângulo auxiliar AB  atan . As
xAB

7.1.3.4 relacionam este ângulo auxiliar com a orientação do segmento.

 AB  1º quadrante   AB  AB
 AB  2º quadrante   AB  π  AB
Eq. (43)
 AB  3º quadrante   AB  π  AB
 AB  4º quadrante   AB  2π  AB

77
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

AB 1º quadrante AB 2º quadrante


AB
y>0 A y>0
B
x>0 x<0
AB AB

A B

AB 3º quadrante AB 4º quadrante


y<0 AB y<0
A B
x<0 x>0
AB
AB

AB
B A

Figura 7.7: Orientação de um segmento – os quatro casos possíveis.

7.1.3.4 Comprimento de um segmento

De acordo com o teorema de Pitágoras, tem-se que:

Eq. (44) AB  (x)2  (y)2

7.2 O método das poligonais

As poligonais são linhas quebradas cujos vértices são pontos de coordenadas cartesianas
conhecidas ou a determinar. Conforme se disse já, estes pontos são, muito frequentemente, as estações
de levantamentos planimétricos parcelares executados por irradiação. Para que este método seja
aplicável, é necessário medir os comprimentos dos vários tramos da poligonal, bem como os ângulos
topográficos nos seus vértices. É corrente serem as poligonais classificadas em termos de permitirem ou
não a compensação dos erros que inevitavelmente se cometem nos correspondentes trabalhos de
levantamento. No primeiro caso são denominadas poligonais fechadas e no segundo caso são
denominadas poligonais abertas.

Os erros que eventualmente ocorram serão devidos aos erros que afectaram a medição dos
ângulos topográficos e a medição dos comprimentos dos tramos. Portanto, deveremos considerar a
existência de erros angulares e de erros lineares.

7.2.1 Cálculo de poligonais abertas

O cálculo das poligonais abertas é muito simples e vai ser exemplificado com a poligonal da
Figura 7.8. As expressões obtidas serão de seguida generalizadas.

78
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

B

B
AB AB BC
D
C CD
A

Figura 7.8: Exemplo de poligonal aberta.

Os dados do problema são os seguintes:

Coordenadas, conhecidas ou arbitradas, do vértice inicial (A, na figura);

𝜃AB , conhecido ou arbitrado;

ℓAB , ℓBC e ℓCD , que são medidos;

𝛼B e 𝛼C , que são medidos.

7.2.1.1 Cálculo das orientações dos tramos

A utilização da Eq. (40) permite escrever:

 BC   AB   B  π
Eq. (45)
CD   BC   C  π

Para dois tramos sucessivos genéricos, i – j e j – k, podemos escrever:

Eq. (46)  j k  i j   j  π

Adicionando as duas equações de Eq. (45), conseguimos exprimir a orientação do último


tramo da poligonal em função, apenas, da orientação do primeiro tramo e dos ângulos topográficos:

Eq. (47) CD  AB   B  C  n π  AB     n  , com n inteiro

Denominando inicial e final as orientações do primeiro e do último tramo de uma poligonal

genérica, podemos escrever:

Eq. (48) final  inicial    n π , com n inteiro

Note-se que no caso da poligonal que temos vindo a analisar, os valores possíveis para n são
elementos do conjunto {2 , 0 , 2}.

79
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

7.2.1.2 Cálculo das coordenadas dos vértices

De posse das orientações dos tramos, e visto que as coordenadas de um dos vértices são
previamente conhecidas ou arbitradas, então já se pode proceder ao cálculo das coordenadas de todos os
vértices da poligonal. Este cálculo é efectuado com recurso à Eq. (42). Porém, é necessário calcular
previamente os valores de x e y relativos a cada tramo da poligonal. Assim, teremos:

Δ𝑥𝐴𝐵 = ℓ𝐴𝐵 cos 𝜃𝐴𝐵 Δ𝑦𝐴𝐵 = ℓ𝐴𝐵 sen 𝜃𝐴𝐵


Eq. (49) Δ𝑥𝐵𝐶 = ℓ𝐵𝐶 cos 𝜃𝐵𝐶 Δ𝑦𝐵𝐶 = ℓ𝐵𝐶 sen 𝜃𝐵𝐶
Δ𝑥𝐶𝐷 = ℓ𝐶𝐷 cos 𝜃𝐶𝐷 Δ𝑦𝐶𝐷 = ℓ𝐶𝐷 sen 𝜃𝐶𝐷

Generalizando para um tramo genérico i – j, podemos escrever:

Eq. (50) Δ𝑥𝑖𝑗 = ℓ𝑖𝑗 cos 𝜃𝑖𝑗 Δ𝑦𝑖𝑗 = ℓ𝑖𝑗 sen 𝜃𝑖𝑗

Empregando a Eq. (42) é fácil concluir que

xD  xA   x
Eq. (51)
yD  yA   y

As expressões generalizadas correspondentes são:

xfinal  xinicial   x
Eq. (52)
yfinal  yinicial   y

Nestas equações, os índices “inicial” e “final” denotam as coordenadas do primeiro e do último


vértice da poligonal.

7.2.2 Poligonais fechadas (método de Bowditch)

7.2.2.1 Análise genérica

Podemos rescrever a Eq. (48) para uma qualquer poligonal:

Eq. (53) total  final  inicial     n π , com n inteiro

Nesta equação,   designa o somatório de todos os ângulos topográficos da poligonal. De


modo semelhante podem ser generalizadas as equações de Eq. (52):

xtotal  xfinal  xinicial   x


Eq. (54)
ytotal  yfinal  yinicial   y

Neste texto serão consideradas fechadas as poligonais para as quais se conhecem, ou admite
conhecer, os verdadeiros valores de  total , xtotal e ytotal . Estes valores verdadeiros vão ser

80
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

denominados  total
*
, xtotal
*
e ytotal
*
. De posse destes valores verdadeiros será possível obter

estimativas dos erros – erros angulares e erros lineares – que afectaram as medições efectuadas no
terreno. De posse das estimativas dos erros cometidos será possível corrigir (também se diz compensar)
aquelas medições.

A metodologia aproximada que vai ser apresentada para o cálculo e distribuição destas
compensações é muito simples, conduzindo a resultados plenamente satisfatórios quando aplicada a
levantamentos executados por operadores competentes utilizando instrumentos em boas condições de
funcionamento. Segundo esta metodologia, o problema do cálculo e compensação dos erros no
levantamento das poligonais fechadas é abordado em duas etapas sucessivas: na primeira etapa
procede-se à determinação e compensação dos erros angulares, e na segunda etapa são determinados e
compensados os erros lineares tomando como correctas as orientações dos tramos calculadas e
compensadas na etapa anterior. Esta metodologia é aproximada porque na segunda etapa, ao proceder-se
à compensação dos erros lineares, as posições dos vértices da poligonal sofrem ligeiros desvios que se
traduzem por alterações nas orientações calculadas e compensadas na primeira etapa.

a) 1ª etapa: cálculo das orientações compensadas dos tramos

Como o erro numa medição é sempre igual à diferença entre o valor medido e o valor
verdadeiro, então a compensação desse erro será igual à diferença entre o valor verdadeiro e o valor
medido. Portanto a compensação angular total –   total – a efectuar sobre os ângulos topográficos

determinados no levantamento da poligonal será dada por:

Eq. (55) total  total


*
 total

Tendo em atenção a Eq. (53), podemos rescrever a equação anterior na forma:

Eq. (56) total  total


*
   n π

Portanto, para determinar a compensação total angular a partir unicamente dos ângulos
topográficos medidos no levantamento, teremos de conhecer o valor de n. O valor deste inteiro pode ser
determinado com base em considerações puramente geométricas. Porém, se o trabalho de campo tiver
decorrido normalmente, então o valor da compensação angular total será pequeno. Por esta razão
podemos escrever que 0   total
*
    n π e portanto:

 total
*
 
Eq. (57) n
π

O verdadeiro valor de n será encontrado por arredondamento para o inteiro mais próximo.

Uma vez determinado o valor da compensação angular total, ela deverá ser distribuída pelos
vários ângulos topográficos medidos no levantamento. O modelo de distribuição do erro que vamos

81
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

utilizar é muito simples: admite-se que todas as medições angulares efectuadas no levantamento foram
realizadas com idêntica precisão absoluta. Resulta deste modelo que as compensações angulares que
deverão afectar os ângulos topográficos – as compensações parcelares – deverão ser todas iguais e,
adicionadas, deverão totalizar a compensação angular total.

Cada ângulo topográfico corrigido genérico, designado por 𝛼𝑗∗ , será obtido adicionando ao
respectivo ângulo topográfico medido no levantamento o valor da compensação angular total dividida
pelo número (𝑁) de ângulos topográficos da poligonal, ou seja 𝛼𝑗∗ = 𝛼𝑗 + 𝜀𝛼 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 /𝑁. Estes ângulos
topográficos corrigidos satisfarão a equação:

Eq. (58)  total


*
  *  n π

Com base nestes ângulos topográficos corrigidos, e adaptando a Eq. (46), são seguidamente
calculadas as orientações corrigidas 𝜃 ∗ de todos os tramos da poligonal.


Eq. (59) 𝜃𝑗𝑘 = 𝜃𝑖𝑗∗ + 𝛼𝑗∗ ± 𝜋

b) 2ª etapa: cálculo das coordenadas compensadas dos vértices da poligonal

Tal como já se fez para os ângulos topográficos, também para as medidas lineares se deve
determinar a compensação linear total. Esta compensação decompõe-se segundo os eixos coordenados,
em  x total e  y total . Teremos então:

 x total  xtotal
*
 xtotal
Eq. (60)
 ytotal  ytotal
*
 ytotal

Resulta da análise destas equações que a determinação das compensações lineares totais
obriga ao cálculo prévio de todas as coordenadas relativas x e y. Estas coordenadas relativas devem
ser calculadas, para cada tramo da poligonal, aplicando a Eq. (50) com base no comprimento desse tramo
medido no levantamento e na correspondente orientação calculada na alínea a).

Tendo em vista a distribuição das compensações lineares totais, vamos admitir que os erros
cometidos na medição dos comprimentos dos tramos da poligonal são proporcionais a esses mesmos
comprimentos. Portanto, a distribuição das compensações lineares totais deverá ser feita
proporcionalmente ao comprimento de cada tramo. Isto é, para um tramo genérico entre o nó i e o nó j,
teremos as seguintes compensações parcelares:

82
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

ℓ𝑖𝑗
𝜀𝑥𝑖𝑗 = 𝜀𝑥𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 ∑

Eq. (61)
ℓ𝑖𝑗
𝜀𝑦𝑖𝑗 = 𝜀𝑦𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 ∑

As coordenadas compensadas dos vértices da poligonal serão calculadas usando as expressões


genéricas:

𝑥𝑗∗ = 𝑥𝑖∗ + Δ𝑥𝑖𝑗 + 𝜀𝑥𝑖𝑗


Eq. (62)
𝑦𝑗∗ = 𝑦𝑖∗ + Δ𝑦𝑖𝑗 + 𝜀𝑦𝑖𝑗

7.2.2.2 Poligonais fechadas de enlace

a) Cálculo e compensação genéricos

k-1

final

k-1 k-1,k
2
k

2
inicial
12 23 k
1
k-2,k-1

Ponto de coordenadas conhecidas

Figura 7.9: Poligonal fechada de enlace genérica.

Uma poligonal fechada diz-se “poligonal de enlace” quando: a) é enquadrada por dois
segmentos cujas orientações são conhecidas; b) começa e termina em pontos de coordenadas conhecidas.
Considere-se a poligonal de enlace genérica representada na Figura 7.9. A diferença entre a orientação
final e a orientação inicial, bem como a diferença entre as coordenadas do último e do primeiro vértice,
são valores conhecidos que se admitem isentos de erros. Os dados do problema são, para além das
coordenadas dos vértices 1 e k, as orientações inicial ou final , os ângulos topográficos  e os

comprimentos dos tramos ℓ. Os restantes dados são valores sujeitos a erros de medição. Assim teremos
que:

83
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

 total
*
 final  inicial
xtotal
*
 xk  x1
ytotal
*
 yk  y1

Os ângulos topográficos compensados resultam da aplicação das equações Eq. (56) e Eq. (57):

k
 total
*
  i
i 1
n
π
k
 total   total
*
   n π
i 1
 total
 i*   i 
k

As orientações dos tramos podem agora ser calculadas:

𝜃12 = 𝜃inicial + 𝛼1∗ ± 𝜋

𝜃23 = 𝜃12 + 𝛼2∗ ± 𝜋



𝜃𝑘−1,𝑘 = 𝜃𝑘−2,𝑘−1 + 𝛼𝑘−1 ±𝜋

𝜃final = 𝜃𝑘−1,𝑘 + 𝛼𝑘∗ ± 𝜋

A determinação de final não é mais que uma verificação de cálculos.

Antes de ser possível aplicar as Eq. (60) para a determinação das compensações lineares totais,
é necessário calcular as abcissas e ordenadas relativas de todos os tramos da poligonal, bem como os
correspondentes somatórios:

Δ𝑥12 = ℓ12 cos 𝜃12 Δ𝑦12 = ℓ12 sen 𝜃12

Δ𝑥23 = ℓ23 cos 𝜃23 Δ𝑦23 = ℓ23 sen 𝜃23

⋮ ⋮

Δ𝑥𝑘−1,𝑘 = ℓ𝑘−1,𝑘 cos 𝜃𝑘−1,𝑘 Δ𝑦𝑘−1,𝑘 = ℓ𝑘−1,𝑘3 sen 𝜃𝑘−1,𝑘

Δ𝑥total = Δ𝑥12 + Δ𝑥23 + ⋯ + Δ𝑥𝑘−1,𝑘

Δ𝑦total = Δ𝑦12 + Δ𝑦23 + ⋯ + Δ𝑦𝑘−1,𝑘

As compensações lineares totais serão, portanto:

 xtotal  xtotal
*
 xtotal
 ytotal  ytotal
*
 ytotal

Seguidamente procede-se ao cálculo das compensações lineares parcelares:

84
António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

∑ℓ = ℓ12 + ⋯ + ℓ𝑘−1,𝑘

ℓ𝑖𝑗
𝜀𝑥𝑖𝑗 = 𝜀𝑥total
∑ℓ

ℓ𝑖𝑗
𝜀𝑦𝑖𝑗 = 𝜀𝑦total
∑ℓ

As coordenadas compensadas dos vértices intermédios serão calculadas de acordo com a Eq.
(62).

b) Exemplo numérico

Considere-se uma poligonal de enlace, apoiada nos segmentos A – B (de orientação 329.19
grados) e C – D (com orientação 189.85 grados); existem dois vértices intermédios, os vértices 1 e 2. São
conhecidas com exactidão as coordenadas dos vértices B e C. Admitindo a sequência B – 1 – 2 – C para
sentido de avanço na poligonal, os ângulos topográficos correspondentes, determinados em grados no
trabalho de levantamento, são os indicados na caderneta da Figura 7.10. Os comprimentos dos tramos,
em metros de projecção horizontal, estão também indicados na mesma caderneta.

1
C  CD

D
B

A

AB

Atendendo na Figura 7.10 temos que  total


*
 189.85  329.19  139.34 ; por aplicação da

139.34  1060.55
Eq. (57) obtemos n   n  6 . A Eq. (56) permite determinar o valor da
200
compensação angular total:  total  139.34  1060.55  6  200  0.11 gr .

Como a compensação angular total deverá ser distribuída igualmente por todos os ângulos
topográficos, então a compensação angular parcelar será igual a 0.11/ 4  0.0275 gr . Nos cálculos

subsequentes não serão apresentadas compensações angulares cuja precisão seja superior à precisão com
que foram medidos os ângulos topográficos (duas casas decimais). Como o somatório das compensações
angulares parcelares tem de igualar a compensação angular total, resulta que terão de ser consideradas
três compensações com valor 0.03 e a restante com valor 0.02. Optou-se por aplicar as compensações de
maior valor aos maiores ângulos topográficos. Porém, deve ser sublinhado que esta decisão do autor é

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António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

perfeitamente arbitrária; seria igualmente válida qualquer outra forma de distribuir estas quatro
compensações angulares parcelares pelos quatro ângulos topográficos.

Comp. dos lados Abcissas relativas x Ordenadas relativas y

Comp.

Comp.

Comp.
Direcções Abcissas Ordenadas
Vértices Ângulos Orient.
medidas média
observadas   + -
absolutas
+ -
absolutas

329.19

B 327.98 0.03 646.09 0.87

61.65 57.20 38.39 0.02 48.23 -0.03

1 279.96 0.03 684.50 49.07

32.30 137.19 17.81 0.02 26.94 -0.02

2 138.91 0.02 666.71 75.99

31.40 76.12 11.50 0.01 29.22 -0.02

C 313.70 0.03 678.22 105.19

189.85

SOMATÓRIOS 125.35 1060.55 0.11 49.89 17.81 0.05 104.39 0.00 -0.07

Figura 7.10: Cálculo de uma poligonal fechada de enlace

Todas as coordenadas relativas (x e y) calculadas são arredondadas para o número de casas
decimais dos comprimentos l i j . De seguida, notando que xtotal
*
 678.22  646.09  32.13 m e

ytotal
*
 105.19  0.87  104.32 m , a Eq. (60) permite determinar o valor das compensações lineares

totais em x e em y:

 xtotal  32.13  (49.89  17.81)  0.05 m e  ytotal  104.32  104.39  0.07 m

As compensações lineares parcelares foram calculadas aplicando a Eq. (61) e arredondando


para o número de casas decimais dos comprimentos dos lados (duas casas decimais). Por exemplo,
 xB1  0.05* 61.65 /125.35  0.0245911...  0.02 m . Note-se que a compensação  x12 , após

arredondamento, é igual a 0.01; porém, este valor foi alterado para 0.02 de modo a garantir que o
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António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

somatório das compensações lineares parcelares em x igualasse a correspondente compensação linear


total. As coordenadas finais compensadas foram calculados recorrendo às Eq. (62).

7.2.2.3 Poligonais fechadas sobre si mesmas

Uma poligonal diz-se “fechada sobre si mesma” quando começa e termina no mesmo ponto.
As poligonais fechadas sobre si mesmas podem ser calculadas considerando-as casos particulares de
poligonais de enlace. Seguidamente serão apresentados dois tipos de poligonal fechada sobre si mesma.

a) Tipo A

2
2
3
3
23
 23
inicial 2
2
3

12
3 1A
12

1A final

34
34

1B
1 1
1B 1
k1

k1

k k
k k

k-1 k-1
,k ,k
k-1 k-1

k-1 k-1
k-2,k-1 k-2,k-1
Ponto de coordenadas conhecidas
ou arbitradas

Figura 7.11: Poligonal fechada sobre si mesma do 1º tipo e sua transformação em


poligonal de enlace equivalente.

Os dados do problema são a orientação , as coordenadas (muito frequentemente coordenadas


arbitradas) do vértice 1 e os ângulos topográficos 1A, 1B, 2, 3, …,k. Conforme se mostra na Figura
7.11, a poligonal pode ser analisada como se de uma poligonal de enlace se tratasse, desde que se faça
inicial   e  final    π . Como é evidente, teremos:

 total
*
 π
xtotal
*
0
ytotal
*
0

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António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Considere-se o seguinte exemplo numérico, referente ao cálculo das coordenadas


compensadas de uma poligonal fechada sobre si mesma, com quatro vértices, orientada em função do
lado suplementar A – 1.

Os dados do problema são os comprimentos dos quatro tramos da poligonal, os cinco ângulos
topográficos, as coordenadas do vértice 1 e a orientação do lado suplementar A – 1. Estes dois últimos
elementos são considerados exactos e vão permitir a compensação dos erros cometidos no levantamento.
Todos os comprimentos estão medidos em metros e todos os ângulos estão medidos em grados.

4 A

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António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Comp. dos lados Abcissas relativas x Ordenadas relativas y

Comp.

Comp.

Comp.
Direcções Abcissas Ordenadas
Vértices Ângulos Orient.
medidas média
observadas   + -
absolutas
+ -
absolutas

389.44

1 146.93 -0.03 1027.38 3970.45

80.35 336.34 43.42 0.10 67.61 0.04

2 133.61 -0.02 1070.90 3902.88

42.50 269.93 19.34 0.06 37.85 0.02

3 109.37 -0.02 1051.62 3865.05

65.70 179.28 62.25 0.09 21.01 0.03

4 93.91 -0.02 989.46 3886.09

92.41 73.17 37.80 0.12 84.32 0.04

1 316.30 -0.03 1027.38 3970.45

189.44

A
SOMATÓRIOS 280.96 800.12 -0.12 81.22 81.59 0.37 105.33 105.46 0.13

Figura 7.12: Cálculo de uma poligonal fechada sobre si mesma do tipo A.

Temos que  total


*
 189.44  389.44  200 ; por aplicação da Eq. (57) obtemos

200  800.12
n  n  5 . A Eq. (56) permite determinar o valor da compensação angular total:
200
 total  200  800.12  5  200  0.12 gr .

Como a compensação angular total deverá ser distribuída igualmente por todos os ângulos
topográficos, então a compensação angular parcelar será igual a 0.12 / 5  0.024 gr . Como se optou

por não apresentar compensações angulares com precisão superior à precisão com que foram medidos os
ângulos topográficos (duas casas decimais), e como o somatório das compensações angulares parcelares
tem de igualar a compensação angular total, resulta que terão de ser consideradas duas compensações
com valor 0.03 e as restantes três com valor 0.02 . Decidiu-se aplicar as compensações de maior
valor aos maiores ângulos topográficos.

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António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Depois de calculadas as coordenadas relativas (x e y), a Eq. (60) permite determinar o valor
das compensações lineares totais em x e em y:

 xtotal  (81.22  81.59)  0.37 m e  ytotal  (105.33  105.46)  0.13 m

As compensações lineares parcelares foram calculadas aplicando a Eq. (61) e arredondando


para o número de casas decimais dos comprimentos dos lados (duas casas decimais). Por exemplo,
 y23  0.13* 42.50 / 280.96  0.01966...  0.02 m . Note-se que a compensação  x12 , após

arredondamento, é igual a 0.11; porém, este valor foi alterado para 0.10 de modo a garantir que o
somatório das compensações lineares parcelares em x igualasse a correspondente compensação linear
total.

As coordenadas finais compensadas foram calculados recorrendo às Eq. (62).

b) Tipo B

2
3
23
2
2
3
23 3

2
12

34
 1
34

1 1

1 1
k1

k
k1

k

k
k-1 k
,k
k-1

k-1 k-1
k-2,k-1
,k
Ponto de coordenadas conhecidas k-1
ou arbitradas
k-1
k-2,k-1

Figura 7.13: Poligonal fechada sobre si mesma do “Tipo B” e sua transformação numa
poligonal de enlace equivalente

Os dados do problema são a orientação , as coordenadas do vértice 1 e os ângulos


topográficos 1, 2, …,k. A orientação  e as coordenadas do ponto 1 são muito frequentemente
arbitradas. Conforme se mostra na Figura 7.13, a poligonal pode ser analisada como se de uma poligonal
de enlace se tratasse, desde que se faça inicial  final   . Como é evidente, teremos:

 total
*
0
xtotal
*
0
ytotal
*
0

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António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

c) Nota importante

As poligonais fechadas sobre si mesmas devem sempre ser compensadas, mesmo que não
∗ ∗ ∗ ∗ ∗ ∗
sejam conhecidos os verdadeiros valores de 𝜃𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 , 𝜃𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 , 𝑥𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 , 𝑥𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 , 𝑦𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 e 𝑦𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 . Quando tal
acontecer os valores necessários deverão ser arbitrados. Assim sendo deverão ser arbitradas as
coordenadas do primeiro vértice da poligonal (as do último serão necessariamente iguais) e a orientação
∗ ∗ ∗ ∗ ∗
𝜃𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 (𝜃𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 terá valor igual a 𝜃𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 , no caso da poligonal do 1º tipo, ou 𝜃𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 = 𝜃𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 ± 𝜋, caso a
poligonal seja do 2º tipo). Arbitrar o valor destas três grandezas corresponde a arbitrar um referencial
cartesiano. As coordenadas que serão encontradas para os vértices estarão definidas neste referencial
arbitrado, mas a forma e dimensão da poligonal serão preservadas pois que as coordenadas estarão
devidamente compensadas.

Considere-se o seguinte exemplo numérico, referente ao cálculo das coordenadas


compensadas de uma poligonal fechada sobre si mesma, com três vértices, orientada em função do lado
1 – 2.

d) Exemplo numérico

1
y

Os dados do problema são os comprimentos dos três tramos da poligonal, os três ângulos
topográficos, as coordenadas do vértice 1 e a orientação do lado 1 – 2. Estes dois últimos elementos são
considerados exactos e vão permitir a compensação dos erros cometidos no levantamento. Todos os
comprimentos estão medidos em metros e todos os ângulos em grados.

0  200.12
Temos que  total
*
 0 ; por aplicação da Eq. (57) obtemos n   n  1 . A Eq.
200
(56) permite determinar o valor da compensação angular total:  total  0  200.12  200  0.12 gr .

Como a compensação angular total deverá ser distribuída igualmente por todos os ângulos
topográficos, então a compensação angular parcelar será igual a 0.12 / 3  0.04 gr .

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António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

Depois de calculadas as coordenadas relativas (x e y), a Eq. (60) permite determinar o valor
das compensações lineares totais em x e em y:

 xtotal  0.06 m e  ytotal  0.05 m

As compensações lineares parcelares foram calculadas aplicando a Eq. (61) e arredondando


para o número de casas decimais dos comprimentos dos lados (duas casas decimais).

As coordenadas finais compensadas foram calculados recorrendo às Eq. (62).

Comp. dos lados Abcissas relativas x Ordenadas relativas y

Comp.

Comp.

Comp.
Direcções Abcissas Ordenadas
Vértices Ângulos Orient.
medidas média
observadas   + -
absolutas
+ -
absolutas

1 0.00 0.00

51.04 261.53 29.00 -0.02 42.00 0.02

2 52.91 -0.04 -29.02 -41.98

53.37 114.40 11.97 -0.02 52.01 0.02

3 70.33 -0.04 -41.01 10.05

42.25 384.69 41.03 -0.02 10.06 0.01

1 76.88 -0.04 0.00 0.00

261.53

SOMATÓRIOS 146.66 200.12 -0.12 41.03 40.97 -0.06 52.01 52.06 0.05

Figura 7.14: Cálculo de uma poligonal fechada sobre si mesma do 2º tipo.

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António Pestana Elementos de Topografia v1.221 Março de 2020

BIBLIOGRAFIA

Casaca, João; Matos, João; Baio, Miguel. Topografia Geral. Lidel – Edições Técnicas, 2000

Garcia-Tejero. Topografia Abreviada. 3ª edicion. Editorial Dossat, Madrid, 1974

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Gaspar, Joaquim Alves. Cartas e Projecções Cartográficas. Lidel – Edições Técnicas, 2000

Malva, Leonor Maria Oliveira. Sebenta de Topografia. FCTUC, 2001/2002

Matos, João. Fundamentos de Informação Geográfica. Lidel – Edições Técnicas, 2001

Pinto Ferreira, António. Topografia. ISEP, 1993

Shepherd, F. A. Advanced Engineering Surveying: problems and solutions. Edward Arnold


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Xerez, A. Carvalho. Topografia Geral. volume I, 2ª edição, Revista da Associação de


Estudantes do I.S.T., 1959

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