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THE JOURNAL OF THE AMERICAN

SOCIETY FOR PSYCHICAL RESEARCH


VOLUME 84 OUTUBRO DE 1990 NÚMERO 4

Um Caso Raro de Regressão Hipnótica com


Algum Conteúdo Inexplicado
LINDA TARAZI1

RESUMO: Uma paciente (L.D.) foi submetida a regressões hipnóticas a “vidas passadas” em um grupo
de hipnotizadores amadores. Uma “vida”, a de uma espanhola do século XVI chamada Antônia, a deixou
obcecada seriamente, a ponto de interferir na sua vida presente. Esperava-se que apontando erros,
imprecisões e discrepâncias seria possível convencê-la de que estas “lembranças” eram produtos fictícios
de sua imaginação fértil. Centenas de horas de pesquisa ao longo de três anos, em duas dúzias de
bibliotecas e universidades, viagens para a Espanha, Norte da África e Caribe, e correspondência com
historiadores e arquivistas tornaram possível verificar mais de 100 fatos, mas descobriu-se que não há
erros. Grande parte das informações de LD pôde ser localizada apenas em fontes espanholas antigas,
obscuras (L.D. nunca estudou espanhol ou visitou a Espanha), e algumas só foram encontradas nos
arquivos espanhóis. Outra forma de terapia livrou L.D. de sua obsessão, mas a questão intrigante quanto à
fonte das informações de L.D. permanece. Quatorze possíveis teorias para explicar o caso são discutidas:
fatores psicodinâmicos, fraude, criptomnésia, personificação, dissociação ou múltipla personalidade,
memória genética, memória racial, clarividência, precognição, retrocognição, telepatia, mediunidade,
possessão e reencarnação.

Alegações de regressão hipnótica a eventos na infância de uma pessoa têm sido


criticadas como não-substanciais. Os resultados são atribuídos à evocação dos poderes
criativos da mente do sujeito liberados durante a hipnose sob as instruções para “voltar”
a uma idade anterior (O’Connell, Shor & Orne, 1970; Orne, 1951, 1979; Reiff &
Scheerer, 1959). As alegações de que a regressão hipnótica pode levar à recuperação de
memórias de uma vida anterior possuem ainda menos motivos substanciais (Baker,
1982). A maioria do que surge durante tais experiências não é verificável, e
provavelmente deriva de informações que o sujeito obteve através da leitura ou
assistindo a filmes ou à televisão. A imaginação, em seguida, constrói uma
“personalidade anterior” plausível. Em alguns casos, foi possível demonstrar a
correspondência estreita entre

1
Eu gostaria de agradecer a Ian Stevenson, M. D., por seu encorajamento, e sou grata a ele e a seus
assistentes de pesquisa, Emily William Cooks e Susan Adams, por sua ajuda e sugestões em esboços
anteriores deste artigo.

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um livro que o sujeito possa ter lido ou algum aspecto de sua própria vida e a história
desenvolvida pela “personalidade prévia” suscitada durante a regressão hipnótica
(Kampman, 1973, 1976; Kampman & Hirvenoia, 1976; Wilson, 1982; Zolik, 1958).
No entanto, um pequeno resíduo de casos de regressão hipnótica inclui detalhes
que, até onde a investigação pôde mostrar, o sujeito não poderia ter aprendido por meios
normais, por exemplo, o caso Bridey Murphy (Bernstein, 1956) e dois casos estudados
por Stevenson (1974, 1976, 1984; para discussões adicionais, ver Stevenson, 1961,
1977).
Durante alguns anos, tenho praticado a regressão hipnótica, na esperança de
aliviar o sofrimento de pessoas neuróticas ou fóbicas para as quais nenhum outro
tratamento pareceu benéfico. Se o material de sua infância não era pertinente, e elas
queriam tentar uma regressão a vidas passadas, assim era feito. Em minha própria
experiência, quase todas as “personalidades anteriores” evocadas durante estas sessões
são inverificáveis e quase certamente derivam de fantasias por parte do sujeito. Que
muitos dos pacientes se beneficiam desse procedimento em nada confirma a
autenticidade das “personalidades anteriores”, cujas vidas os pacientes afirmam se
lembrar. Ainda assim, em um pequeno número de casos, as informações descobertas em
uma ou mais dessas sessões não pode ser facilmente explicada.
O caso Bridey Murphy (Bernstein, 1956) ilustra o problema que estes,
reconhecidamente raros casos, possuem. Na época em que foi publicado, alguns jornais
e revistas populares sugeriram que a paciente havia adquirido as informações corretas
sobre a Irlanda do século XIX quando criança, conversando com os vizinhos irlandeses,
e lendo sobre o assunto. Estas alegações foram amplamente aceitas na época e
posteriormente, apesar do fato de que inúmeros detalhes só poderiam ser verificados em
fontes bastante obscuras, como o diretório da cidade de Belfast para 1864-1865. Dizer
que a paciente soube de tais detalhes pouco conhecidos através de simples leitura é um
absurdo, dizer que ela deliberadamente pesquisou sobre o assunto acrescenta uma
acusação de fraude para a qual não há provas. Ducasse (1960) analisou cuidadosamente
as provas de aprendizado normal por parte da paciente do caso Bridey Murphy e expôs
sua inadequação. O caso apresentado no presente relatório inclui um número igualmente
considerável de detalhes que, como tentarei demonstrar, não poderiam ter derivado da
simples leitura sobre o período da vida descrita. Poucos exemplos de regressão
hipnótica a possíveis “vidas passadas” utilizaram um grande número de sessões e
receberam investigação no que diz respeito às fontes para as informações inclusas na
aparente vida pregressa; Venn (1986) publicou recentemente um exemplo deste tipo de
exame em um caso que ele estudou. O meu caso foi igualmente pesquisado entre 1981 e
1984.

HISTÓRIA DO CASO

Laurel Dilmen (L.D.) nasceu e cresceu na área de Chicago durante a Grande


Depressão. Ela viveu lá toda a sua vida, freqüentava escolas públicas,

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e se formou em educação na Northwestern University. Após graduar-se, ela trabalhou
no show business por alguns anos antes de se estabelecer como professora, a sua atual
ocupação. Sua ascendência é alemã e seu passado religioso é luterano, mas aos 20 anos
converteu-se ao metodismo. É casada e tem dois filhos.
Em meados da década de 1970, ela passou a se interessar por hipnose para
controlar o peso e dores de cabeça. Juntou-se a dois clubes de hipnotizadores amadores
nos quais eu também era um membro. A regressão a vidas passadas estava sendo
estudada por alguns dos membros, e ela se ofereceu como paciente. Em algumas
sessões, ela revelou “vidas” na África tribal, Esparta, Egito antigo, na Espanha do
século XVI e início e final do século XVII na Inglaterra. À medida que as sessões
prosseguiam, a maioria das “vidas” parecia pouco interessá-la, mas ela insistia em voltar
para a “vida” de uma mulher chamada Antônia, na Espanha. (A razão para isso ficará
evidente na próxima seção).
Primeiro ela foi hipnotizada por um holandês que era um hipnotizador
profissional com um curso de mestrado, mas que não tinha a formação em medicina ou
psicologia para ser membro da Sociedade Americana de Hipnose Clínica e da Sociedade
de Hipnose Clínica e Experimental. Ele perguntou-lhe detalhes da história holandesa
que não seriam conhecidos pela maioria dos americanos. Ela respondeu com uma
precisão surpreendente os fatos que na época ligavam os Países Baixos à Espanha. (Eles
pertenciam à Espanha.)
Ela não falava espanhol de forma espontânea, e pouco responsivamente, mas as
pessoas de língua espanhola do grupo, que, entretanto, não eram lingüistas, disseram
que ela pronunciou palavras e nomes em espanhol muito bem. Isso levou muitas
pessoas no grupo de amadores a acreditar que ela estava tendo lembranças reais de uma
vida passada. Eu não estava nem um pouco convencida, especialmente por eu ser capaz
de encontrar a maioria dos fatos que ela forneceu nos livros de história e enciclopédias,
embora muitas vezes com dificuldade. Os inúmeros nomes que ela mencionou não
puderam ser confirmados nem desmentidos no momento. Como a história era um misto
de romance, erotismo e muita aventura, pareceu provável ser uma junção de fantasia
com criptomnésia trazida pelas perguntas características do experimento.
Após cerca de oito regressões ela pareceu ter chegado ao limite do que podia ou
escolheu revelar. Os episódios estavam incompletos e não seguiam uma ordem
cronológica, mas ela continuou a divulgar fatos detalhados que só puderam ser
encontrados em fontes obscuras. Então, possivelmente para evitar revelar aquilo que ela
sentiu que não devia, ou talvez pelo motivo que ela citou—ir atrás de outros interesses
que exigiam sua atenção—ela se afastou do grupo. (Razões externas também me
impediram de investigar o caso naquela época).
Três anos depois ela voltou a me procurar com um pedido que eu retomasse as
investigações. Ela explicou que tinha começado a ter alguns sonhos e flashbacks do
cotidiano da “vida de Antônia”. Ela não queria ser observada por um grupo mais uma
vez por medo de revelar alguns detalhes íntimos que poderiam ser constrangedores. Este
pedido foi consistente com o seu comportamento anterior, quando, mesmo sob hipnose,
ela revelou os fatos sem hesitação, mas em caso de assuntos

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mais delicados muitas vezes respondeu com: “É proibido discutir isso”, ou “Eu fiz um
juramento de não revelar o que ocorreu”, ou “Isso você deve perguntar a El
Reverendissima Senoria” (a quem ela chamava o Inquisidor).
Havia a possibilidade de que L.D. pudesse ter buscado informações adicionais
no intervalo de 3 anos, mas isto foi considerado pouco provável por várias razões. Em
primeiro lugar, nesse período em que ela esteve tão envolvida com sua profissão, mais
estudos, e uma nova vocação, ela dormia apenas cerca de 5 horas por noite. (Eu
verifiquei esta informação com os seus amigos e familiares.) Não sobrava tempo para
algo tão demorado como encontrar novos dados para encaixar na história de Antônia.
Em segundo lugar, grande parte do material factual exposto já tinha sido revelado nas
primeiras sessões, muito do qual ainda não havia sido verificado, por exemplo, os
nomes do bispo, corregedor, e inquisidores de Cuenca, uma cidade na Espanha que
figura em destaque na história. Os detalhes mais íntimos, especialmente aqueles com
forte conteúdo emocional, foram a principal revelação na nova série de regressões.
Terceiro, mesmo no início, L.D. parecia pouco preocupada com fatos, revelando-os
apenas quando eles eram uma parte essencial de sua história. Ela nunca recitou listas de
fatos, tais como valores monetários, commodities, artefatos, etc, como vemos em alguns
relatos de “vidas passadas”. Foi possível saber que ela estava bem familiarizada com
esta informação graças à intensa contestação por parte do hipnotizador. Nestas sessões,
muitas vezes tornou-se óbvio que ela provavelmente sabia tantos fatos que se tornava
incômodo para ela ter que narrá-los. Ela parecia entediada por ter que desviar de suas
aventuras e se debruçar sobre esses detalhes—esse não é o comportamento esperado de
alguém que buscava fatos para impressionar os outros.
A sua principal preocupação não era que a sua história fosse acreditada, mas que
o amor que ela tinha experimentado fosse compreendido. De alguma forma, ela parecia
sentir que se um número suficiente de almas simpatizasse com a sua situação, isto
poderia influenciar as “autoridades” a reduzir sua sentença de ser mantida eternamente
distante daquele que ela amava tão desesperadamente.
L.D. obviamente precisava de ajuda para livrar-se de sua obsessão com este
estranho amor, e o caso parecia intrigante, então eu aceitei e nosso trabalho começou
para valer. Além do trabalho terapêutico para L.D. se livrar de sua obsessão pela vida de
Antônia, também se incluiu uma extensa pesquisa feita por mim para verificar um
grande número de declarações factuais que Antônia fez. Estas surgiram em pelo menos
36 sessões de hipnose formais, bem como nos sonhos, flashbacks, e em algumas
incursões na auto-hipnose por parte de L.D. As sessões foram gravadas e a maioria das
afirmações de Antônia sobre a vida anterior foi posteriormente transcrita. As citações
diretas presentes no apêndice foram tiradas destas transcrições.
A minha investigação se estendeu por três anos, sendo que boa parte dela foi
realizada em bibliotecas. No entanto, eu também consultei historiadores bem
informados sobre o período da vida de Antônia. Além disso, fiz uma viagem para a
Espanha com o objetivo de verificar as informações fornecidas por L.D.

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A HISTÓRIA DE ANTÔNIA

Antônia Michaela Maria Ruiz de Prado nasceu em 15 de novembro de 1555 em


uma pequena fazenda, isolada, a meio dia de viagem de Santo Domingo, na ilha de
Hispaniola. Ela era filha de um oficial espanhol, Antônio, e de sua esposa alemã, Erika.
Antônio estava ausente, em campanhas militares, a maior parte do tempo, e Erika, que
estava com a saúde frágil, ficou deprimida durante a sua ausência prolongada. Isso fez
com que a vigorosa e inteligente criança ficasse sob os cuidados de uma criada-
companheira alemã de sua mãe e de servos e escravos analfabetos. Por ser muito
teimosa ela não pôde ser controlada por eles e cresceu selvagem e livre para seguir seus
caprichos, vagando pelos campos, explorando florestas e montanhas, cavalgando sem
sela, em roupas de camponês ou de calças, subindo em árvores ou nadando nua no rio
ou no mar.
Erika lhe ensinou noções básicas de leitura, escrita e de boas maneiras, mas
geralmente falava com ela em alemão, seu idioma nativo. Quando estava em casa,
Antônio, um fidalgo orgulhoso, austero, exigia que ela usasse trajes e mostrasse
comportamentos apropriados, e falasse a língua espanhola. Ele estava consciente de que
ele nunca teria um filho e, por causa da fragilidade de Erika, sabia também que a defesa
e o futuro de sua casa estavam reservados para sua capaz e corajosa filha, que o
adorava. Ele a ensinou a montar e atirar, e um pouco de táticas militares caso, na sua
ausência, sua casa fosse atacada por piratas, índios, escravos rebeldes ou bandidos. Em
1569, após uma ausência prolongada do marido, Erika levou Antônia para visitar seu
irmão Karl, na Alemanha.
Logo após a sua chegada na Alemanha, Erika morreu, deixando Antônia com o
seu tio Karl, um professor universitário que tinha deixado o sacerdócio para se casar.
Um viúvo solitário, que viu em sua bela sobrinha o renascimento combinado de sua
irmã querida e de sua filha morta, e resolveu desenvolver plenamente todo o potencial
que viu sob o seu exterior indisciplinado. No início, ela se ressentiu com a autoridade
deste professor enfadonho sobre ela. Ele não era nada parecido com o seu pai, bonito e
arrojado. Mas logo ela viu mais força em sua firmeza constante, temperada pela
paciência e compreensão, do que em todo o autoritarismo de seu pai. A completa
confiança de Karl deu-lhe uma estabilidade e segurança que ela nunca havia conhecido.
Uma vez apresentada às alegrias do aprendizado, perseguiu-o com paixão. Aos
17 anos ela estava tão bem educada como qualquer jovem de sua época. Estava
acostumada às habilidades domésticas, tinha maneiras impecáveis, podia discutir de
forma inteligente, embora superficialmente, a maioria dos tópicos, era fluente em
alemão e latim, e tentou praticar o seu espanhol para que pudesse se corresponder com
seu pai, cujas cartas ela estimava.
Nos anos seguintes, nas universidades de Praga, Leipzig e Heidelberg, ela
primeiramente lia os livros que Karl trazia para ela, depois ela própria adentrava
furtivamente nas bibliotecas, disfarçada de menino. Em seguida, ela se aventurou em
salas de aula e, finalmente, se matriculou como um estudante e se engajou em todas as
atividades, incluindo luta e esgrima.
Em 1580, Karl a levou para Oxford. Àquela altura ele tinha abandonado a Igre-

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ja Católica, incorporando em seu sistema de crenças idéias dos humanistas católicos,
dos reformadores protestantes, e das disciplinas científicas emergentes. Ele nunca tentou
impor suas crenças a Antônia, sustentando firmemente que cada pessoa fosse guiada por
sua própria consciência. Ao insistir que Antônia estudasse todos os aspectos de uma
questão e tomasse suas próprias decisões, ele a influenciou muito mais do que qualquer
um percebeu.
Antônia permanecia uma católica devota, oferecendo-se aos jesuítas para ajudar
a propagar a fé, e se juntou a um grupo rebelde de estudantes católicos que estavam
engajados em atos que seriam considerados traição pelos ingleses, mas ela própria se via
como uma espanhola a ajudar a causa do seu país. Em algumas ocasiões, ela também
serviu ao embaixador espanhol Don Bernardino de Mendoza como um mensageiro em
seu conluio com Maria, Rainha dos Escoceses. A facilidade com que ela podia assumir
papéis de ambos os sexos em diversas nacionalidades e condições sociais serviu a ela e
aos seus aliados também.
Depois que muitos de seus amigos foram presos, torturados e executados, ela
pediu a Karl para deixá-la ir à Espanha. Ele advertiu-a fortemente contra isso, dizendo
que ela estaria em perigo mortal de ser vítima da Inquisição espanhola, que nunca
aceitaria a sua liberdade de pensamento, por mais devota que ela se considerasse. Pouco
tempo depois ela recebeu uma carta do pai pedindo-lhe para se juntar a ele em Cuenca,
Espanha, onde agora ele era o dono e administrador de uma estalagem. Em janeiro de
1584, Karl morreu, as relações diplomáticas entre a Inglaterra e a Espanha foram
quebradas, e Antônia foi presa. Ela fugiu para a França e, em seguida, voltou para a
Espanha.
Ao chegar, em maio de 1584, ela soube pelo advogado de seu pai, Ramon, que o
seu pai havia morrido 10 dias antes; a estalagem ia mal, afundada em uma dívida que
deveria ser para a um inescrupuloso converso, Francisco de Mora, e todas as suas
garçonetes trabalhavam como prostitutas. A sua única esperança era o fato de que seu
pai tinha um amigo muito poderoso que poderia ajudá-la se ele julgasse que valeria a
pena, mas até lá ele iria permanecer no anonimato. Apesar da tristeza e solidão
devastadoras, ela lutou para superar os seus problemas, melhorar o seu espanhol,
construiu o seu próprio negócio, e fez muitos novos amigos entre os quais alunos e
professores do colégio local, outros intelectuais, alguns contrabandistas, um padre
jesuíta, Fernando Mendoza, e um casal que tinha interesse em feitiçaria, Andres e Maria
de Burgos. (Esses nomes são mencionados para que o leitor já esteja familiarizado
quando chegar à seção de verificação. Os três últimos, assim como o de Mora, estão nos
registros da Inquisição).
Durante todo esse tempo todas as suas palavras e ações estavam sendo
cuidadosamente analisadas pela Inquisição, que já tinha informações consideráveis
sobre ela já que o seu pai fora um amigo íntimo e próximo do Inquisidor Arganda.
Antônio sabia que a sua morte iminente iria deixá-la sozinha em um país que nunca
tinha visitado, cujos costumes e língua eram estranhos para ela, e onde os seus
caminhos e idéias estrangeiras despertariam suspeita e antagonismo. Em seu leito de
morte, ele pediu ao Inquisidor para vigiá-la e ajudá-la. Arganda prometeu guiá-la e
protegê-la como se fosse sua própria filha, desde que isso não entrasse em conflito com
o seu dever.
Em uma demonstração final de confiança, Antônio entregou todas as cartas dela
para Ar-

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ganda. Ele estava ciente do perigo—elas continham provas de que Karl tinha sido um
herege, e detalhavam muitas das idéias proibidas às quais Antônia tinha sido exposta—
mas sabendo que ela era uma católica devota, e não ciente do terror que ela sentia pela
Inquisição, ele acreditava que ela iria fazer uma confissão inquisitorial, após sua
chegada, de acordo com a lei (a qual ela desconhecia). Ele implorou para Arganda
considerar que ela havia sido submetida às idéias como uma criança indefesa, sem culpa
própria, e acreditava que até mesmo o Inquisidor não poderia deixar de sentir a sua
profunda devoção à Igreja e à Espanha que se fazia presente em cada uma de suas
cartas.
Ambos os inquisidores ficaram positivamente impressionados pela sua piedade e
devoção à Igreja e ao Estado, bem como pela sua beleza sensual. Cada um gostou dela
de uma maneira diferente. Ainda assim, eles estavam perturbados por seu histórico
estrangeiro, as muitas heresias a que ela havia sido exposta, sua incapacidade de
confessar voluntariamente, sua tendência para associar-se com indivíduos suspeitos e,
especialmente, seu fracasso em obedecer a certas leis do Santo Ofício, as quais eles
sabiam que ela estava ciente porque Arganda enviou certas pessoas para favorecê-la,
aconselhá-la e ajudá-la—bem como espioná-la.
Eles decidiram que os ideais do livre pensamento de seu tio, aos quais ela ainda
aderia, e o seu espírito rebelde e desafiador teriam de ser corrigidos. Por três vezes ela
foi convocada para um interrogatório e uma das vezes foi presa, sofrendo todos os
rigores do julgamento pela Inquisição. (Por causa da genuína afeição dos inquisidores
por ela, bem como a sua forte preferência pela persuasão racional ao invés da coerção—
à qual recorriam quando necessário—Antônia alternou várias vezes o seu ponto de vista
sobre a Inquisição oscilando entre o papel de vítima aterrorizada e o de forte defensora,
apresentando uma visão fascinante que eu nunca encontrei em outro lugar.) No final,
confessou tudo e se submeteu completamente a quaisquer que fossem as exigências dos
inquisidores, mas as sementes da liberdade plantadas pelo seu tio permaneceram
enterradas profundamente em sua alma por baixo de todas das instruções aplicadas
pelos inquisidores. Eles apareceram aqui e ali e lhe causaram problemas por todo o resto
de sua vida.
Alguns meses após a sua libertação, depois de ter pagado uma multa pesada e
cumprido outras penitências, por causa de seu relacionamento especial com um dos
inquisidores e um favor pessoal importante que ela fez para um outro, eles lhe
asseguraram de que ela não precisaria preocupar-se com a terrível desgraça que a sua
prisão normalmente representaria para ela e todos os seus descendentes. Um frasco de
tinta “acidentalmente” foi derramado sobre o seu fólio e o tornou ilegível. Portanto, não
haveria qualquer rastro do seu nome nos registros da Inquisição. (Isto não foi pura
generosidade. Parte da transcrição era embaraçosa para um dos inquisidores e perigosa
para um parente próximo).
Enquanto passava por essa estranha relação de amor e ódio com o Santo Ofício,
com exceção dos três a quatro meses de prisão, ela cuidava dos negócios, ampliava suas
parcerias e, alternadamente, tentava proteger ou alertar seus amigos. Aos 29 anos ela
ainda era virgem, apesar das tentativas de vários homens através da persuasão, suborno,
chantagem e até uso da força para alterar essa situação. Finalmente, um homem a tomou
à força furiosamente na câmara de tortura em uma

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cena erótica que despertou toda a sua paixão e revelou suas tendências masoquistas. Há
tempos ela o adorava secretamente e agora se apaixonou loucamente por ele, tornou-se
sua amante, e lhe deu um filho. Seu amor completamente abnegado mudou
gradualmente os sentimentos dele, de auto-indulgência sensual transformou-se em um
amor que tudo consome e para o qual nenhum sacrifício era grande demais. Eles
compartilhavam todas as faculdades da mente, alma e corpo em um amor que era ao
mesmo tempo profundamente espiritual e apaixonadamente erótico. (Este foi o motivo
da fixação de L.D. pela “vida” de Antônia. Ela não relatou nada parecido sobre qualquer
outra “vida passada”.)
Juntos, eles experimentaram inúmeras aventuras perigosas e emocionantes: com
um culto de satanistas, uma missão para Argel, uma viagem à Nova Espanha, com
escala nas Canárias, piratas do Caribe, e, finalmente, uma visita a Lima, no Peru, onde
Antônia conheceu o seu tio desconhecido, o Inquisidor Juan Ruiz de Prado. Na viagem
de regresso, ela se afogou perto de uma pequena ilha desconhecida no Caribe. O seu
amante quase morreu em uma vã tentativa de salvá-la. Ela estava tão completamente
absorvida no bem-estar dele que não tomou conhecimento de sua própria morte, até que
percebeu que não sentia os braços dele em volta dela ou as lágrimas dele caindo em seu
rosto.

MEDIDAS TOMADAS PARA VERIFICAR AS AFIRMAÇÕES DA VIDA DE ANTÔNIA

Neste artigo não é possível revelar mais do que uma pequena fração dos fatos
que L.D. relatou, nem os mínimos detalhes do porquê e de como ela sabia certas coisas
e desconhecia outras, ou porque informações que deveriam ser encontradas não são.
Páginas de explicação são necessárias para fazer com que o relatório seja totalmente
plausível. Ainda assim, até onde fui capaz de investigar, todas as centenas de fatos
detalhados que formavam uma parte tão íntima da “vida passada” de Antônia estão
corretos. Seria de se esperar que muitas das pessoas mencionadas fossem conhecidas
por qualquer pessoa bem instruída: a rainha Elizabeth da Inglaterra, o rei Filipe II da
Espanha, Maria, a Rainha dos Escoceses. É de se esperar que cerca de 50 a 60 detalhes
não fossem conhecidos por pessoas comuns, mas eram facilmente encontrados em
livros de história e enciclopédias, detalhes sobre pessoas como Guilherme de Orange
(sucedido por seu filho Maurice, em 1584), Alexander Farnese (duque de Parma só em
1586), Filipe II de Espanha (sucedeu ao trono de Portugal em 1580), informações sobre
os papas Gregório XIII e Sextus V, Dom Bernardino de Mendoza (embaixador espanhol
na Inglaterra, expulso em 1584), e outros.
Outros 25 a 30 fatos altamente especializados foram localizados com dificuldade
muito maior. Muito embora eles estejam disponíveis em versões em inglês, foi
necessário verificar a Chicago Public Library, a Newberry Library, e várias bibliotecas
universitárias (Northwestern, Northeastern, Loyola, DePaul, University of Illinois, e
University of Chicago) para verificar todos eles. Exemplos incluem: a data da primeira
publicação do Édito da Fé, na ilha de Hispaniola; leis espanholas que regem o transporte
para as Índias; tipos de embarcações utilizadas no Mediterrâneo e no Atlântico, e
detalhes sobre

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elas, as datas e os conteúdos dos índices espanhóis de livros proibidos e como eles
diferem do Índex romano; os nomes dos sacerdotes executados na Inglaterra em 1581 e
1582, e o método de execução; e informações sobre uma faculdade em Cuenca. Mais de
uma dúzia de fatos não parecem ter sido publicados em inglês em absoluto, mas apenas
em espanhol. Alguns só poderiam ser encontrados nos Arquivos Municipais, enquanto
outros foram encontrados nos Arquivos Diocesanos em Cuenca, Espanha.
Como História não é a minha área de especialização, eu acreditava que a minha
ignorância pudesse ter feito as informações parecerem mais obscuras do que realmente
eram. Para descobrir se isso poderia ter acontecido eu entrei em contato com todos os
professores nas seis maiores universidades na área de Chicago, que ministram cursos
sobre a história da Espanha ou história da Europa do século XVI. Um total de nove
receberam um questionário perguntando suas opiniões sobre a probabilidade de um não
historiador saber ou ser capaz de encontrar informações corretas. A coluna 1 do
questionário continha 60 fatos, todos foram escritos em forma de questão (como teria
sido se L.D. estivesse buscando e me fornecendo respostas, como um professor
sugeriu). A coluna 2 perguntou a probabilidade de uma pessoa saber esta informação em
uma escala de 1 (muito provavelmente) a 5 (quase impossível). A coluna 3 questionou
sobre a facilidade com que a resposta poderia ser encontrada, também em uma escala de
1 a 5, como segue: (1) encontrada na maioria dos livros de história e enciclopédias (2),
encontrada nos livros de história especializados em uma grande biblioteca (3), somente
em livros raros encontrados em bibliotecas de pesquisa especializada (4),
provavelmente não publicado em inglês em absoluto, e (5), provavelmente não na forma
de publicação; arquivos locais teriam que ser verificados. Na coluna 4 foi solicitado o
nome de uma fonte para as informações caso eles viessem a conhecer uma fonte de fato
ou conseguissem pensar em uma fonte provável. Eles foram orientados a não fazerem
nenhum esforço especial para encontrar respostas. Naturalmente, este não é um método
infalível para determinar a disponibilidade da informação, mas eu não consegui pensar
em pessoas mais qualificadas para dar um parecer do que aquelas que ministram cursos
nas principais universidades na área que abrange o tempo e os locais envolvidos.
Sete dos nove professores responderam. As respostas à coluna 4 são de especial
interesse quando comparadas às outras pontuações. Aqueles que deram as menores
notas não podiam sugerir uma única fonte para qualquer uma das respostas,
respondendo com: “Eu estou certo que esta informação está disponível em qualquer boa
fonte de história da Espanha e da América espanhola”, ou “Esta informação está,
certamente, disponível em volumes universitários.” Ambas as afirmações estão erradas.
Pontuações mais elevadas foram dadas por aqueles que admitiram francamente que não
sabiam de fontes para as respostas, e por aqueles que sinceramente tentaram sugerir
fontes válidas. Um dos entrevistados foi notavelmente preciso para muitas respostas.
Mas até mesmo ele cometeu o erro de acreditar que os nomes dos oficiais estariam nos
mesmos registros que os dos prisioneiros.
Para a tabela a seguir, 24 dos 60 itens originais foram selecionadas: (1) aqueles
que foram julgados por especialistas como menos prováveis de serem conhecidos ou
encontrados (2) os encontrados por mim com maior dificuldade, para os quais nenhum
perito pôde sugerir uma fonte mais fácil e (3) aqueles em que a informação de L.D.
corretamente contradisse as autoridades. A coluna 1 contém o item em forma de
pergunta, como no questionário original. A coluna 2 dá o número

317
Tabela
SUMÁRIO DE ALGUNS DETALHES SIGNIFICANTES E SEUS NÍVEIS DE VERIFICAÇÃO E OBSCURIDADE
ITEM SESSÃO FONTE DE PONTUAÇÃO: FÁCIL DE
VERIFICAÇÃO SABER ACHAR
1. Havia uma faculdade A1 Astrain 3.25 3.50
em Cuenca? (1912-1925)
2. Que informação A3, A5 Lea (1906-1907) 4.00 3.50
específica era exigida B7, B12
dos prisioneiros da
Inquisição?
3. Data da primeira A6 Llorente (1843) 4.00 3.25
publicação do Édito da
Fé em Hispaniola?
4. Primeiro ano em que A2 Marx (1968) 4.25 3.50
nenhuma frota viajou
para o Novo Mundo?
5. Quais eram algumas A7 Lynch (1984) 4.25 3.50
das exportações
proibidas da Espanha?
6. Nomes dos padres A4 New Catholic 4.50 3.50
jesuítas executados na Encyclopaedia
Inglaterra; datas e (1967)
métodos de execução?
7. Atividades cotidianas, B21-25 Marx (1968) 4.50 3.75
dieta, arte culinária etc.
nos navios mercantes
espanhóis?
8. Nome do Inquisidor A2 Medina (1887) 3.75 4.00
do Peru?
9. Nome do visitador ao B36 Medina (1887) 4.75 4.50
Tribunal de Lima?
10. Data e razão para a A5 Medina (1887) 4.75 4.50
visita (investigação
oficial)?
11. Data do Auto-da-Fé B34 Medina (1887) 4.50 4.25
de Lima?
12. Quem, se alguém, foi B35 Medina (1887) 4.75 4.25
relaxado2 (queimado)?
13. Nacionalidade de B16 Bono (1964), 4.25 4.25
Bey de Algiers? Valenti (1960)
14. Data do Auto-da-Fé B20 Lea (1908) 4.75 4.25
em Las Palmas, Grande
Canária?
15. Alguém foi relaxado, B23 Lea (1908) 5.00 4.50
se sim, quem?
16. Nome do bispo de A3 Arquivos 4.75 4.50
Cuenca? Municipais,
Cuenca, Espanha

2
Relaxado ao braço secular significava que o réu havia sido condenado à morte pelos Inquisidores. Como
a Igreja nunca “matava”, entregava o preso ao poder secular que executava a sentença. A pena era a morte
na fogueira; se antes da execução da sentença o réu dissesse que desejava morrer pela Lei de Cristo, antes
de ser queimado, era garroteado. Caso contrário, era queimado “em carne”, ou seja, vivo. (N. T.)

318
Tabela (Continuação)
SUMÁRIO DE ALGUNS DETALHES SIGNIFICANTES E SEUS NÍVEIS DE VERIFICAÇÃO E OBSCURIDADE
ITEM SESSÃO FONTE DE PONTUAÇÃO: FÁCIL DE
VERIFICAÇÃO SABER ACHAR
17. Nome do Corregedor A3 Arquivos 4.75 4.50
de Cuenca? Municipais,
Cuenca, Espanha
18. Nome de ambos os A3 Arquivos 5.00 4.50
Inquisidores de Cuenca? Diocesanos de
Cuenca, Espanha
19. Dados biográficos A3, B5, Arquivos 5.00 4.50
sobre os Inquisidores? B19, B36 Diocesanos de
Cuenca, Espanha
20. Nome da primeira A7 Cirac Estopanan 4.75 4.50
pessoa relaxada por (1965)
Judaísmo por
Inquisidores da época?
21. Nome do casal preso A5 Cirac Estopanan 5.00 4.75
por feitiçaria em 1585- (1965)
86?
22. Nome do padre A4-8 Cirac Estopanan 5.00 4.75
jesuíta preso pela (1965)
Inquisição em Cuenca?
23. Local e descrição da A4, B1, B2, Lopez (1944) 5.00 5.00
construção da casa do B27-30
tribunal da Inquisição de
Cuenca?
24. Quando os A8, B3, Cirac Estopanan 5.00 5.00
Inquisidores subitamente B27 (1965)
passaram a ter uma visão
muito mais branda da
fornicação?
As questões da coluna 1 são respondidas no apêndice através das citações da personalidade Antônia. As
sessões da coluna 2 são numerados A1-A8 para aquelas realizadas entre junho de 1977 e janeiro de 1978
e B1-B36 para aquelas realizadas entre junho de 1981 e março de 1983. Informação bibliográfica
completa para as fontes na coluna 3 é indicada na lista de referência. Colunas 4 e 5 são as médias das
classificações dadas pelos historiadores em uma escala de 1 a 5, sendo 1 provavelmente bem conhecidos
ou fácil de encontrar, enquanto 4 é muito difícil, e 5 é quase impossível de ser conhecido ou
provavelmente de não ser encontrado em fontes publicadas.

da sessão em que a informação foi obtida. As primeiras oito sessões entre junho de 1977
e janeiro 1978 são designadas como A1-A8. O segundo conjunto de sessões entre junho
de 1981 e março de 1983 é designado B1-B36. A coluna 3 nomeia a fonte em que a
informação foi finalmente verificada. Colunas 4 e 5 são as classificações médias dos
peritos da

319
(4) probabilidade de o material ser conhecido, e (5) da facilidade de encontrar as
informações—lembrando que a classificação 4 descreveria um “livro raro em uma
língua estrangeira” e 5 significa “somente encontrado nos arquivos locais.” O Apêndice
I fornece citações diretas das declarações de Antônia e informações explicativas
adicionais pertinentes aos itens da tabela.

COMO DETALHES PARTICULARES EMERGIRAM E FORAM VERIFICADOS

A tabela acima indica a obscuridade de muitas das informações que L.D. relatou
para a “vida” de Antônia, mas muito mais do que isso chama a atenção. O que foi
bastante marcante desde o início foi a especificidade das informações e a forma com
que foram reveladas. Exceto pelos primeiros 20 minutos da sessão Al, não houve a
qualidade nebulosa de outras regressões no grupo. Antônia veio através de uma mulher
muito orgulhosa, independente, que sabia exatamente quem e o quê ela era e onde
estava.
O hipnotizador, mencionado anteriormente, nasceu, cresceu e estudou na
Holanda e de certa forma conhecia bem a história holandesa, e imediatamente começou
a questioná-la. Ela foi notavelmente precisa sobre os fatos que diziam respeito à
Espanha e à sua própria situação, mas pouco sabia sobre a história holandesa. Por
exemplo, ela deu um relato detalhado do assassinato de Guilherme de Orange, em julho
de 1584, e da sucessão de seu filho Maurice, porque é isso que os intelectuais locais
estavam discutindo na sua hospedaria em setembro de 1584. Ela também expressou
satisfação ao falar que Don Alejandro Farnesio (usando a pronúncia espanhola para o
Governador dos Países Baixos) desfrutaria de um período tranqüilo e manteria o novo
governante de 17 anos de idade na linha suprimindo os amigos rebeldes e hereges de
seu pai. A sua hostilidade violenta contra os hereges e qualquer um que se rebelasse
contra o governo legítimo da Espanha surpreendeu os observadores.
A maioria das pessoas que conhece a história do período holandês teria dito,
assim como muitos livros de história o fazem, que o governador na época era o duque
de Parma. Questionada sobre isso, Antônia disse que ele era o filho de Margarida de
Parma, mas não o Duque. Ela estava correta sobre essa data. Alexander Farnese não
obteve esse título até 1586. Ela sabia sobre o cerco de Antuérpia em 1584, mas tinha
pouco conhecimento sobre outras batalhas que aconteceram antes ou depois. A exceção
foi o conhecimento sobre algumas batalhas nas quais o seu pai tinha alegadamente
participado em 1567-1569, sob o comando de D. Fernando de Toledo, que ela afirmou
ser o governador espanhol na época. O hipnotizador disse-lhe que ela estava errada: o
duque de Alva era o governador. Ela respondeu: “Naturalmente. Esse é o título dele. Eu
lhe disse o nome dele”. O título é muito mais conhecido. Mesmo alguns livros de
história negligenciam a menção ao seu nome. Foi a extrema precisão dos inúmeros
detalhes que afetam a “vida” de Antônia, juntamente com a relativa ignorância sobre os
acontecimentos contemporâneos alheios a ela que apresentaram um contraste tão
intrigante na primeira sessão.
Na segunda sessão, ela regrediu até o momento da sua morte e revelou que havia
se afogado no Caribe em seu caminho de volta à Espanha depois de visitar o seu tio,
Juan Ruiz de Prado, um importante oficial em Lima.

320
Ela não disse qual era a posição dele, mas tornou-se defensiva e desconfiada quando
questionada sobre isso, perguntando por que o hipnotizador queria saber. Ninguém foi
capaz de encontrar nenhum registro dele na época. Em sessões posteriores, ela revelou
que, em uma disputa entre o Inquisidor Ulloa e o vice-rei Villar, de Prado apoiou Ulloa.
O nome Villar foi encontrado com alguma dificuldade em uma fonte inglesa, mas Ulloa
e de Prado não foram encontrados senão muitos anos depois em um livro espanhol
antigo muito obscuro (Medina 1887; ver Tabela, item 8). Todos os detalhes de seu
encontro com seu tio, um evento traumático, aparentemente, não foram revelados até as
sessões B34-B36. Muitos outros incidentes seguem esse padrão: foram apresentados os
fatos iniciais; material emocional relacionado a eles foi extraído com maior dificuldade
em um momento posterior.
Foram nas sessões A3-A5 que ela revelou os nomes de seus amigos e
funcionários da província de Cuenca. Durante as sessões A ninguém acreditava que
estes nomes poderiam ser encontrados, por isso pouco esforço foi despendido na
tentativa de verificá-los. Muito mais tarde eu encontrei oito deles nos registros da
Inquisição, e nos Arquivos Municipais e Diocesanos, na cidade de Cuenca (ver Tabela,
itens 16-22 e 24).
Dois dos fatos que L.D. relatou contradisseram as autoridades na Espanha. Em
ambos os casos, pesquisas adicionais mostraram que L.D. estava certa e as autoridades
erradas. Um deles foi a descrição do prédio que abrigou o tribunal da Inquisição. O
Departamento de Turismo do Governo em Cuenca relatou-o como sendo o prédio n.58
na Calle de San Pedro. Este prédio não era nada semelhante ao recordado por L.D (ver
Tabela, item 23). Mais tarde, em um livro espanhol obscuro em Cuenca (Lopez, 1944),
descobri que o Tribunal tinha sido transferido em dezembro de 1583 de um determinado
endereço para um antigo castelo com vista para a cidade, que se encaixa perfeitamente
na descrição de Antônia. Descobriu-se mais sobre isto no Arquivo Episcopal de Cuenca
em 1989. Antônia alegou ter chegado a Cuenca em maio de 1584, cinco meses após a
mudança.
O outro fato foi a sua referência a uma faculdade em Cuenca. Pensei que essa
informação seria fácil de verificar, e assim pensaram os professores de história (ver
Tabela, item 1), mas não foi. Não havia nenhuma faculdade em Cuenca, e eu não
consegui encontrar qualquer referência de que tenha existido uma em enciclopédias,
livros de história ou de viagens. Quando eu visitei Cuenca, interroguei o arquivista no
Arquivo Municipal, que disse que nunca tinha ouvido falar de uma faculdade local.
Ainda assim, L.D. insistiu que os alunos e professores da faculdade reuniam-se
regularmente na pousada de Antônia. O meu consultor da Northwestern University
disse que era bem possível que pudesse ter havido uma faculdade naquela época e
sugeriu que eu entrasse em contato com a Loyola University. Eu fiz isso, e me disseram
que se tivesse havido uma faculdade em Cuenca poderia haver uma referência a ela em
uma antiga obra de sete volumes em espanhol (Astrain, 1.912-1.925). Eu verifiquei e
descobri que o vol. II (pp. 131, 595) mencionava a fundação de uma faculdade em
Cuenca, em meados do século XVI. Mesmo uma pessoa que lê espanhol não conseguirá
dar conta da leitura deste tomo a menos que esteja envolvida em uma pesquisa histórica.
Uma coisa que contradisse uma autoridade de certa forma me incomodou.
Antônia relatou dois inquisidores para Cuenca durante o período que ela esteve

321
lá (1584-1587), fornecendo seus nomes e dados biográficos. Então escrevi ao Arquivista
Episcopal e pedi os nomes e dados biográficos de ambos os inquisidores de Cuenca para
os anos 1584-1588. (Ele estava de férias quando estive lá em 1983 e, de acordo com o
arquivista Municipal, era o único que tinha essa informação). Ele enviou as informações
numa folha de papel em que a superfície inferior havia sido cortada. Isso pareceu
estranho. Mais tarde, entrei em contato com os professores, e os mais conhecedores
deles insistiram que havia sempre três inquisidores em um tribunal. Quando confrontada
com isto, LD, como sempre, manteve-se fiel à sua história. Então comecei a me
perguntar: e se o arquivista originalmente tivesse fornecido três nomes, e, em seguida,
removido um, por eu só ter perguntado por dois? Felizmente, em abril de 1989 eu tive a
oportunidade de retornar à Espanha, onde verifiquei o Arquivo Episcopal. Durante todo
o período em que Antônia viveu em Cuenca, houve apenas dois inquisidores que ela
nomeou. Houve três brevemente em 1582 e novamente em 1583, mas em 1584-1588
havia apenas Ximines de Reynoso e de Arganda.
As informações sobre o Peru (ver Tabela, itens 8-12) também exigem alguma
discussão. O volume datado de mais de um século (Medina, 1887) encontrado na
Northwestern University nunca havia sido manuseado; citava principalmente fontes do
século XVI, e era de difícil leitura, mesmo para professores de espanhol, e, o que era
mais significativo: as páginas nunca tinham sido separadas. Elas ainda estavam juntas
em suas margens exteriores, de modo que o livro nunca poderia ter sido lido!
O leitor pode se perguntar por que o item 6 foi incluído na tabela. A New
Catholic Encyclopaedia dificilmente pode ser considerada uma fonte obscura, e quando
obtive os nomes que L.D. relatou, a informação foi fácil de verificar. Mas quão fácil
teria sido fazer essa verificação caso o pesquisador não tivesse os nomes, apenas a
pergunta?
Os itens 4 e 7 também parecem vir de uma fonte moderna e fácil, mas que está
esgotada, e que eu não pude encontrar em uma biblioteca. Em vez disso me deparei com
a obra há dois anos em uma loja de livros de segunda mão. Isso foi depois que publiquei
um relatório sobre este caso para o público em geral. O item 13 merece menção por eu
não ter encontrado os livros citados por mim. Foi um leitor do meu artigo popular da
ilha de Malta que me enviou os dois títulos, confirmando o fato de que existiu um Bey
de Argel contemporâneo de Antônia que era italiano.
O item 24 é particularmente interessante. Os registros da Inquisição de Cuenca
revelam que um percentual muito menor de pessoas detidas por causa de fornicação
foram punidas, sendo libertadas por falta de provas ou tendo a pena suspensa, quando
um dos inquisidores estava supostamente apaixonado por Antônia. Os números são:
Punidos por fornicação 1582—73%, 1583—75%, 1584 (antes da chegada de
Antônia)—60%, cinco meses seguintes—10%, final do ano (quando ela estava sob
suspeita)—100% , 1585 (quando ela trabalhava para os Inquisidores e mais tarde teve
um caso com um deles)—11%, 1586—35%, 1587—50%.
O registro se encaixa perfeitamente à história de Antônia. A razão pela qual o
outro In-

322
quisidor acompanhou esta tendência também é explicada de maneira bastante razoável
por Antônia, mas eu não tenho espaço para apresentar os muitos detalhes relacionados
aqui.

ALGUNS DETALHES SUSPEITOS NA APARENTE MEMÓRIA DE ANTÔNIA

Embora seus fatos confiram com notável precisão, certas coisas em sua história
são suspeitas. Sua história soa como um romance de aventuras ao invés de uma
biografia. Além disso, algumas cenas parecem mais ser fantasias sadomasoquistas
altamente eróticas do que realidade. Sabe-se que calabouços, câmaras de tortura, e
mesmo a Inquisição são incorporados a essas fantasias. L.D. não apresenta nenhuma das
tendências masoquistas de Antônia, ainda assim ela poderia secretamente fantasiar tais
coisas, sem qualquer desejo de colocá-las em prática.
Outro problema é o fato de eu não ter encontrado qualquer registro de que
Antônia Ruiz de Prado tivesse existido. Eu acreditava que certos registros de sua vida
seriam tão improváveis de serem encontrados que não procurei por eles. O seu
nascimento aconteceu em uma fazenda isolada em Hispaniola. Ela foi batizada em uma
pequena igreja local que ela não sabia o nome. Se esses fatos foram registrados, esses
registros provavelmente desapareceram há muito tempo. O seu casamento realizado por
um padre não-ordenado na casa de seu marido e sua morte por afogamento em uma ilha
sem nome do Caribe também são improváveis de terem sido registrados.
Mas a Inquisição mantinha registros meticulosamente precisos, assim a sua
explicação para o nome dela ter sido apagado, apesar de perfeitamente plausível, parece
um pouco conveniente. Quando eu olhei os registros da Inquisição, não encontrei
nenhum número perdido que correspondesse ao seu fólio, e perguntei a ela sobre isso.
Ela disse que os inquisidores tinham provavelmente antevisto o desejo de eliminar o seu
arquivo e provavelmente deram-lhe um número idêntico a outro, mas com um “A”
depois, de modo a não haver nenhuma lacuna no registro. Uma averiguação mostrou
que essa prática era de fato seguida algumas vezes, embora provavelmente não de forma
costumeira por este motivo.
Para aqueles que acreditam que a xenoglossia responsiva pode ser usada como
critério para determinar a validade de um caso de regressão a “vidas passadas”: não no
caso de Antônia. Ela pronunciou nomes espanhóis muito bem, recitou as orações
exigidas pela Inquisição em latim, se referiu a métodos especiais de fazer o sinal da
cruz, o signo e o santiguado, desconhecido para a maioria dos padres de língua
espanhola hoje, e compôs a letra e a música para uma canção em latim, e a música para
o Pai Nosso em latim, os quais a gravei cantando (L.D. nunca havia estudado música).
L.D. apresentou pouca xenoglossia responsiva em espanhol ou latim.
Alguns considerariam a sua capacidade de se vestir em roupas masculinas e seus
conhecimentos de artes marciais como indicativos de fantasia em vez de realidade, mas
a forma como a sua história se desenrolou fez isso tudo parecer perfeitamente natural. O
seu caso é incomum, mas não sem precedentes. Em casos raros, soube-se mesmo de
mulheres que se juntaram a um exército de homens em sua época, e a princesa de Eboli,
uma espanhola contemporânea dela, perdeu um olho enquanto praticava esgrima. Nem
era

323
tão raro se passar por um homem entre as mulheres espanholas do século XVI como se
poderia supor. Marx (1968) afirma: “A terceira visita geralmente revelava vários
clandestinos, em alguns casos mulheres que se disfarçavam com roupas de homem” (p.
40).

INDAGAÇÕES SOBRE A POSSÍVEL AQUISIÇÃO NORMAL DE INFORMAÇÕES DE


ANTÔNIA

Nem L.D. nem qualquer um de seus parentes ou ancestrais é espanhol ou


católico, e ela jamais freqüentou uma escola ou igreja católica, exceto algumas vezes
como convidada de casamento. Onde, então, ela adquiriu o conhecimento detalhado e os
sentimentos intensos de práticas católicas da Espanha do século XVI? Passei muito
tempo tentando descobrir se quando criança L.D. foi exposta a fontes de informação
sobre o período e locais que figuram na vida de Antônia. Infelizmente, ela e sua mãe
eram as únicas pessoas vivas em condições de comentar esse assunto. Seu pai tinha
morrido, e ela não tinha irmãos mais velhos, apenas uma irmã 11 anos mais jovem.
Durante os primeiros 20 anos de sua vida, L.D. havia se mudado nada menos do que 16
vezes, e não consegui saber de outros parentes ou amigos de infância que poderiam ter
auxiliado em minha investigação.
L.D. e sua mãe lembram que nos anos pré-escolares ela era precoce e se
ressentia de ser tratada como criança, alegando ter experimentado a vida como um
adulto. Neste momento alusões de personalidades mencionadas anteriormente surgiram,
mas seus pais atribuíram isto a uma imaginação fértil, e ela aceitou essa explicação. Por
volta dos seis anos ela mostrou um interesse excessivo por roupas, armas, construções e
artefatos do século XVI. Seu presente favorito de todos os tempos foi um que ela tinha
procurado por dois anos e recebeu em seu sétimo natal: um par de floretes de esgrima.
Ela não gostava de história na escola, porque “os professores a contavam de um
jeito sem graça, nada parecido com o que realmente aconteceu.” Esse preconceito
continuou no colégio e na faculdade, onde ela não fez nenhum curso de história, exceto
a história dos EUA que era um requisito, e não estudou espanhol, como os registros de
sua escola e da faculdade mostram. Na faculdade o diploma obtido foi em educação,
com cursos de inglês, alemão, e várias ciências.
Além das entrevistas mencionadas, pedi a L.D., sob hipnose (sem regredi-la à
vida de Antônia), que procurasse em sua memória e me dissesse os nomes de todos os
livros que ela tinha lido fora da escola sobre assuntos relacionados à história. Sua
memória sob hipnose era boa, mas dificilmente fotográfica. Ela relatou que, quando
trabalhava como designer de figurino teatral, tinha lido vários livros sobre figurinos
históricos obtidos a partir da principal biblioteca pública de Chicago. Vários desses
livros tinham esboços biográficos dos personagens históricos retratados. Mais tarde, ela
tinha lido alguns livros sobre Lutero e a Reforma Protestante, que obteve na Biblioteca
Pública Evanston, quando estava escrevendo a peça Reformation Day para o Conselho
de Igrejas Evanston. Ela descreveu os livros e seus conteúdos, nomeou alguns, forneceu
os autores de alguns, mas não pôde dizer os editores ou as datas de publicação dos
livros.

324
Eu chequei todos os livros com as datas de publicação anteriores a 1955, tanto
na Biblioteca Pública de Chicago quanto na de Evanston (a leitura havia sido feito entre
1948 e 1955), mas fui capaz de verificar apenas oito livros com certeza. (Para o leitor
interessado, cinco estão na lista de referências: Davenport, 1948; Fosdick, 1952; Grevel,
1907; Lea, 1954; Norris, 1924-1940) Nem estes nem os outros livros que poderiam ter
sido lidos nessas bibliotecas continham quaisquer dos obscuros fatos pertinentes
relatados. Alguns livros descreveram bem o período de 50 anos antes da vida de
Antônia, e os conflitos da época, mas todos eles apresentavam os pontos de vista
protestantes da Inquisição e as controvérsias.
A partir da adolescência, ela afirma não ter lido romances, históricos ou não,
limitando a sua leitura a não-ficção. Ela confessou uma predileção por filmes históricos
e admitiu ver tudo o que podia e observar tais peças e filmes na televisão. Não tenho
conhecimento de nenhum filme produzido por Hollywood, filmes britânicos ou
especiais de televisão que forneçam quaisquer dos fatos obscuros da vida de Antônia.
Consciente de que experiências de “vidas passadas” muitas vezes podem ser rastreadas
até levarem a algo que o sujeito tenha lido, visto ou ouvido e posteriormente esquecido,
eu não confiava na memória de L.D. completamente, então verifiquei seis índices de
ficção histórica dedicados ao período (Baker, 1914; Hotchkiss, 1972; Husband, 1982;
Logasa, 1964; McGarry & White, 1973; Yaakov & Bogart, 1981). Todos os livros
listados não estavam relacionados à época ou lugar, mas fiz o registro de 24 que soavam
como se pudessem ter algumas das informações fornecidas por Antônia. Apenas seis
deles estavam disponíveis em qualquer biblioteca da área de Chicago. Eu li esses seis,
mas novamente não encontrei nada que se assemelhasse à história de Antônia, ou
quaisquer dos obscuros fatos significantes relatados por ela. Como L.D. nunca tinha
usado uma biblioteca fora da área de Chicago, eu não busquei outros livros, já que as
chances deles revelarem alguma coisa era muita pequena.
Eu também consultei um autor que é particularmente bem informado sobre
ficção histórica obscura, mas ele não me indicou nada que pudesse ter servido de base
para a vida de Antônia narrada por L.D.
Seguindo o método de Dickinson (1911), no caso Poynings Blanche, perguntei a
L.D., sob hipnose, se ela se lembrava de qualquer fonte possível para o material relatado
sobre a vida de Antônia e se havia algum lugar que ela poderia pensar em verificar a
informação. Ela negou com a cabeça. Quanto a se ela já tinha lido, visto ou ouvido
alguma história que lembrasse ou fornecesse algum dos fatos relatados, ela respondeu:
“Não, eu realmente não lembro.” Pressionei ainda mais e perguntei quando foi a
primeira vez que ela tinha se interessado pelo conflito do século XVI entre a Espanha e
a Inglaterra. Ela respondeu imediatamente: “Quando eu tinha oito ou nove anos eu vi o
filme The Sea Hawk, que começava em 1584, justamente quando Antônia foi para a
Espanha. Mas o filme não se passava na Espanha absolutamente, toda a ação ocorreu no
mar, na Inglaterra... e, nas selvas do Panamá. O herói era um corsário inglês, e a heroína
era uma sobrinha meio-inglesa, meio-espanhola do embaixador da Espanha na
Inglaterra. Seu nome era Alvarez de Córdoba. Ninguém no filme e nada do que
aconteceu tinham qualquer coisa a ver com a vida de Antônia. Antônia teria desprezado
Dona

325
Maria (a heroína), porque ela virou as costas para o seu próprio país (Espanha) em favor
da Inglaterra.” Ela sorriu com a lembrança. “Eu tinha uma queda pelo capitão Thorp,
mas Antônia o teria odiado porque ele era um inimigo da Espanha.”
Eu vi as reprises do filme na televisão, e L.D. estava certa, não há semelhança
entre a história de Antônia e The Sea Hawk. Mesmo o nome do embaixador espanhol
era diferente. O do filme era fictício, Antônia estava correta.
Eu também perguntei a L.D., sob hipnose, quando foi a primeira vez que ela
ouviu falar sobre a Inquisição espanhola. Ela respondeu que quando ela tinha cerca de
20 anos viu o filme Captain from Castile. A Inquisição desempenhou um papel
importante na história do filme, mas o tribunal foi em Jaen. Cuenca nunca foi sequer
mencionada. Além disso, ocorreu no início do século XVI, muito antes de Antônia ter
nascido, portanto nenhum fato poderia ter sido tirado deste filme. De acordo com
Antônia, não houve sequer um tribunal do Santo Ofício em Jaen. Para o período de
Antônia isso estava correto, mas tinha havido um lá na época em que o filme se
passava. Na primeira vez que ela viu o filme, teve a vaga impressão de que a
representação da Inquisição estava errada, mas ela não sabia o porquê. Muitos anos
mais tarde, após o surgimento da personalidade de Antônia, ela viu as reprises na
televisão e sabia o que estava errado. Ela enumerou alguns fatos básicos. Obviamente,
também não foi dessa história que ela obteve suas idéias. Não eram apenas os fatos em
todas as histórias que ela relatou que estavam errados, mas também os personagens e os
sentimentos. Todas as histórias sobre a Espanha e Inglaterra do século XVI que ela
nomeou, e que eu encontrei, retratavam os espanhóis como os vilões e a inquisição
espanhola na luz mais odiosa. A própria Antônia sofreu com isso. Ainda assim, ela a
descreve com respeito e reverência, mostrando ter compreensão sobre a posição da
Inquisição na sua época. Por quê? Por que uma mulher sem um passado espanhol ou
católico exibe tão intenso patriotismo e fervor religioso para com eles? Como foi
destacado, as minhas conclusões e o parecer dos historiadores qualificados indicam que
pelo menos metade dos detalhes de Antônia se encontram apenas em fontes antigas
publicadas em espanhol, e alguns só podem ser encontrados nos arquivos espanhóis.
Como é que alguém com o passado de L.D., que não fala espanhol, que nunca foi à
Espanha ou se correspondeu com arquivistas, obtém estas informações?
Restava uma possibilidade remota. Quando nem a não-ficção ou a ficção em
quaisquer de suas formas podem ser apontadas como as possíveis fontes das
informações reveladas nos relatos de vidas passadas, muitos insistem que o sujeito deve
tê-las obtido através da comunicação com outra pessoa viva—talvez há muito tempo—
talvez alguém que já foi esquecido. Para o século XX—ou mesmo o século XIX—essa
explicação seria razoável, mas para o século XVI, parece altamente improvável.
Quantas pessoas sabem quem eram os seus antepassados há 400 anos se eles não eram
pessoas famosas? Mesmo aqueles raros indivíduos que podem saber os nomes de seus
antepassados de árvores genealógicas antigas não são suscetíveis de saber quem são os
amigos e inimigos desses ancestrais, ou indicar o nome de cidades e funcionários da
igreja naquele tempo.
Foi sugerido que L.D. pode ter conhecido algum espanhol ou judeu

326
cujos antepassados sofreram com a Inquisição e sabiam essa informação. Isso pode ser
verdade para alguns outros tribunais na Espanha, mas não para Cuenca, na época de
Antônia. Os inquisidores que ela conheceu parecem ter sido bastante moderados.
Durante a sua vida eles nunca enviaram uma pessoa viva para a fogueira, apenas
queimaram duas que já estavam mortas. Mesmo a segunda mais severa sentença, a da
prisão perpétua e o confisco de propriedade, raramente foi imposta. Antônia disse isso
algumas vezes, e os registros da Inquisição confirmam. Sendo assim, mesmo a idéia de
que alguém tenha nutrido um rancor de família por 400 anos contra a Inquisição em
Cuenca a partir do período da vida de Antônia é altamente improvável. Após a morte de
Antônia, o Tribunal de Cuenca se tornou muito mais severo.
Ao se investigar tal caso, nada deve ser negligenciado. Então, por mais
improvável que eu considerasse a possibilidade de tal pessoa ter existido e de que L.D.
tivesse conhecido essa pessoa, eu tive muitas sessões com ela, com e sem o uso da
hipnose, recolhendo informações sobre todas as pessoas que ela havia conhecido em
cada um dos 21 lugares onde ela viveu nos primeiros 45 anos de sua vida. Eu tenho 42
páginas de anotações sobre seus colegas, amigos, vizinhos e pessoas que ela conheceu
nas instituições que freqüentou (escolas, clubes, igrejas, organizações sociais,
recreativas e políticas). Eu tenho os nomes, fotos, nacionalidades, grau de instrução, e
os interesses especiais que L.D. compartilhou com eles. Também há dados sobre as
atividades de L.D., seus interesses, talentos especiais, hobbies, empregos (cerca de 24
antes dos 22 anos de idade), as escolas, os assuntos que estudou tanto dentro como fora
da escola, e preferências em relação a livros, shows, músicas, filmes, rádio, televisão e
todas as outras atividades nas quais ela esteve envolvida.
Depois de avaliar toda essa informação, eu estou convencida de que ela não
conhecia nenhum espanhol, ninguém cujos antepassados sofreram com a Inquisição, e
ninguém com quem ela alguma vez tenha falado espanhol. Em suma, ninguém pode ter
contribuído para qualquer um dos fatos que L.D. relatou como Antônia. Para o leitor
interessado eu tenho essa informação resumida em poucas páginas no Apêndice II.

A OBSESSÃO DE L.D. PELA VIDA DE ANTÔNIA E OS ESFORÇOS TERAPÊUTICOS PARA


MUDAR ESSE QUADRO

Dizer que L.D. estava fascinada pela “vida” de Antônia seria um eufemismo.
Apesar das lembranças de “outras vidas”, algumas mais duradouras, mais felizes e mais
bem-sucedidas, ela se tornou obcecada pelo loucamente erótico mas profundo amor
espiritual de Antônia, cuja vida foi interrompida de forma tão trágica. A atração era
compreensível, mas indesejável. Ela obrigou-se a uma busca inútil por este amor
perdido, contra o qual todas as outras experiências perdiam importância. Ela começou a
negligenciar as pessoas e as atividades de sua vida atual, e passou a considerá-las
maçantes e inúteis. Ajudá-la a desenvolver uma atitude mais saudável foi a minha
principal razão para aceitar o caso, mas devo admitir que fiquei intrigada com a história
que ela me contou.
Uma maneira de convencê-la a abandonar a sua obsessão seria fazê-

327
la acreditar que a história de Antônia era pura fantasia, que um amor como o que ela
acreditava que Antônia tinha vivido era o produto dos sonhos, e não correspondia à
realidade. Acreditei que apontando erros, imprecisões e discrepâncias no que Antônia
relatou com certeza fariam com que ela percebesse o que estava acontecendo. Embora
eu tenha passado centenas de horas pesquisando, não encontrei nenhum erro. Um outro
método teria que ser encontrado para que ela pudesse se livrar da obsessão. Partindo do
raciocínio lógico de que se Antônia tivesse vivido uma vida normal, o êxtase da
excitação teria amadurecido e gerado um amor muito menos emocionante, procurei
fazer L.D. viver a parte inacabada da “vida” de Antônia em sua imaginação, esperando
que, em seguida, ela pudesse deixá-la ir embora.
Isto não somente serviria de terapia para L.D., mas também mostraria um
contraste interessante entre os dois diferentes grupos de instruções em hipnose. No
primeiro ela foi instruída a tentar recapturar impressões de uma possível “vida passada”.
No segundo, foi instruída a tentar fantasiar uma vida da melhor maneira que pudesse.
Isto foi explicado para ela e ela concordou. Em transe, ela foi informada que o filho de
Antônia não tinha sido morto, mas apenas ferido. Mais tarde ele se recuperou
completamente e agora estava feliz e saudável. Em segundo lugar, foi-lhe dito que,
depois de quase ter-se afogado, o seu amante a havia ressuscitado e lhe dado uma filha
saudável. Todos os três foram resgatados e retornaram à Espanha, onde viveram felizes
até a morte de seu amante quase 20 anos depois. Em seguida ela foi instruída a terminar
a sua vida em ótimas condições, criando os seus dois filhos até a idade adulta com
sucesso. Ela não conseguiu aceitar a idéia de que todos eles tinham sobrevivido, mas lhe
foi dito que era desnecessário imaginar como a sua vida teria sido se eles tivessem
sobrevivido. Após algumas sessões, o objetivo foi alcançado.
A história fantasiada era de uma qualidade totalmente diferente da original.
Nenhum fato novo podia ser produzido. Nenhuma aventura nova aconteceu. Embora ela
e seu amante tenham se mantido fiéis até o fim, eles nunca se casaram, e se encontraram
cada vez menos, já que ambos mantinham-se ocupados com suas próprias carreiras. A
maioria das descrições era menos viva e faltava a emoção da narração original, exceto
pela morte de seu amante. L.D. passou a ser capaz de deixar Antônia ir e renovou o
interesse pela sua própria vida, a qual ela admitiu que na maioria dos aspectos era
melhor do que a de Antônia. Ela não expressou o desejo de fazer novas regressões. Eu
concordei que esta era uma decisão sábia.

DISCUSSÃO

Dos muitos fatos recônditos relatados por L.D. com tanta certeza sobre a vida de
Antônia, como pode ser visto na Tabela, muitos foram quase unanimemente
considerados pelos professores de história e por mim mesma estando disponíveis apenas
em fontes antigas, obscuras, freqüentemente em espanhol, enquanto alguns parecem
existir apenas em documentos manuscritos do século XVI encontrados em arquivos
espanhóis. L.D. não lia em espanhol, e ela nunca tinha ido à Espanha ou se
correspondido com os arquivistas. Portanto, é difícil entender como ela poderia

328
ter adquirido todos os detalhes relatados para a “vida” de Antônia de fontes normais.
Mesmo alguns materiais de bibliotecas americanas teriam sido difíceis para ela
obter. Os livros não eram apenas antigos, raros, altamente especializados, e em uma
língua que L.D. não lia, mas também continham muitas citações espanholas do século
XVI que representam um problema para o nativo espanhol comum e até mesmo para os
professores de espanhol que consultei. Nem havia apenas alguns livros do tipo, mas sim
cerca de 30, cada um contribuindo com alguns fatos. É preciso um grande esforço de
imaginação para acreditar que uma pessoa que não fala nem lê espanhol iria para uma
universidade à qual ela não era afiliada e estudaria atentamente sete grandes e antigos
volumes em espanhol para encontrar algumas linhas sobre uma faculdade em Cuenca
(Tabela, item 1).
É verdade que o livro de um século de idade, com as informações sobre o Peru
(ver Tabela, itens 8-12) foi encontrado na biblioteca da Universidade Northwestern,
alma mater de L.D., mas como foi apontado na seção anterior, este livro não poderia ter
sido lido anteriormente já que quando o consultei as páginas nunca tinham sido
separadas.
Quando L.D. viu o prédio que foi erroneamente relatado na Espanha como sendo
o local do tribunal da Inquisição, ela ficou surpresa. Todos os presentes observaram sua
dramática mudança de humor de ansiosa antecipação a uma profunda depressão. Ela
não fez nenhuma tentativa de conciliar a descrição de Antônia com este edifício. Nunca
lhe ocorreu questionar as autoridades. Resignada, ela disse que toda a sua história deve
ter sido imaginação, porque esta construção não era nada parecida com o edifício que
havia desempenhado um papel tão importante na vida de Antônia. Como este foi o
único ponto em que houve real divergência, eu continuei a minha investigação.
Finalmente encontrei o obscuro livro espanhol (Lopez, 1944) (ver Tabela, item 23), que
contém a informação correta no apêndice na Newberry Library, que não circula livros e
mantém um registro de todos os que visitam. L.D. nunca tinha estado em Newberry,
ainda assim o livro indicou que LD estava correta e as autoridades erradas.
Mesmo a informação que eu fui capaz de encontrar com relativa facilidade
depois que L.D. me deu nomes e fatos (para exemplos, ver Tabela, item 6) seria muito
difícil de encontrar sem os nomes, como alguém que estivesse inventando uma história
teria que fazer. Finalmente, há os mínimos e íntimos detalhes sobre os inquisidores, aos
quais se pode ter acesso através da leitura dos registros da Inquisição, mas, novamente,
só é possível descobrir essas informações se alguém souber o que procurar com
antecedência, como, por exemplo, a declaração sobre fornicação. Parece inconcebível
que ao longo de vários anos alguém pudesse pesquisar os registros de julgamentos da
Inquisição em um lugar obscuro como Cuenca para então poder inventar essa história,
ainda sim a análise sustenta a história de Antônia perfeitamente.
Quando se considera o número e a obscuridade das fontes e a dificuldade de
extrair informações pertinentes das mesmas, parece improvável que L.D. teria lido todas
elas. Acrescente a isso os fatos que só poderiam ser obtidos através da leitura dos
arquivos municipais e diocesanos, na

329
cidade de Cuenca, e nos aproximamos do reino da impossibilidade de alguém que nunca
tenha ido à Espanha e nada lê de espanhol.
Outro fator que torna improvável a busca por informações, e então relatá-las, é a
ordem com que L.D. as apresentou. Não apenas alguns dos fatos mais obscuros foram
relatados muito cedo, mas fatos sobre a mesma pessoa ou incidentes da mesma fonte
foram relatados em momentos espaçados, às vezes separados por um intervalo de anos.
Se as informações estivessem sendo consultadas em fontes muito difíceis que não
podiam ser verificadas fora das bibliotecas que as abrigavam, parece mais provável que
todas as informações de uma dessas fontes seriam fornecidas mais ou menos na mesma
época. Em vez disso, cada fato de uma determinada fonte foi relatado, um de cada vez,
misturado com fatos de outras fontes, com meses ou mesmo anos de intervalo. (Por isso
o leitor deve consultar a tabela, os itens 2, 8-12, 18, 19, 23 e 24.)

CONCLUSÕES

Os leitores familiarizados com a literatura estão bem cientes das numerosas


teorias já propostas para explicar os casos deste tipo. Correndo o risco de ser
redundante, vou resumir 14 dessas teorias e acrescentar algumas palavras sobre o quão
bem cada uma se encaixa neste caso.
1. Fatores psicodinâmicos sempre foram a minha primeira escolha de explicação
para experiências de vidas passadas. Eu considero que elas sejam fantasias motivadas
pelas necessidades inconscientes do sujeito. Duas coisas apoiavam esta teoria, no caso
de L.D. Primeiro, ela tem uma imaginação muito ativa, com grande capacidade de
fantasiar. Em segundo lugar, seu conto é extremamente aventureiro, romântico e
erótico. Sua própria vida tinha bastante do segundo ponto (ver Apêndice II) com suas
atividades de gangues de adolescente e do romance com um prisioneiro de guerra
alemão aos catorze; saiu de casa aos 15 anos para viver sozinha a 2.000 milhas de casa e
da família; o seu envolvimento no show business e amizade com pessoas que aspiravam
ser artistas, boêmios na idade de 19 a 20 anos; a sua turnê pelo país para apresentar-se
em shows dos 20 aos 21 anos. Ainda assim, é possível que ela não tenha conseguido
suprir todas as suas necessidades através dessas experiências. A psicodinâmica poderia
explicar o surgimento da personalidade Antônia, mas não a grande quantidade de
material factual obscuro e preciso que ela relatou. Outra teoria é necessária para dar
conta disso.
2. Fraude é a idéia defendida pela maioria das pessoas quando ouvem falar do
caso, especialmente quando o sujeito tem a tendência de fantasiar romances e aventuras.
Mas mesmo que L.D. quisesse perpetrar uma farsa, muitas das informações que ela
informou ela simplesmente não poderia ter obtido. E por que ela desejaria fazê-lo? O
que ela ganharia com isso? Fama? L.D. não quer nada disso. Ela se recusa a permitir
que o seu nome verdadeiro seja publicado. Seria uma vergonha para ela, que seus
amigos, vizinhos, empregadores e colegas de trabalho soubessem que a sua identidade
está relacionada a este caso. Dinheiro? Seria muito mais lucrativo para ela escrever
ficção. Nenhum dinheiro é pago aos autores, e certamente não para os sujeitos dos
artigos publicados. Mesmo que o artigo fosse vendido para uma revista que pagasse

330
Muito bem e ela dividisse os lucros, ainda assim seria um pagamento muito escasso
para a quantidade de trabalho envolvido. A minha própria experiência e os relatórios
dos professores de história indicam que, se isso pudesse ser feito, o que é duvidoso,
teria levado anos de tediosa pesquisa, além do aprendizado secreto de algumas línguas
estrangeiras, e algumas viagens clandestinas ao exterior para reunir todos os fatos e
unificá-los em uma só história. E se eu levei anos verificar os fatos, como mencionei
anteriormente, levaria muito mais tempo para encontrar as centenas de fatos para criar a
história em questão. Como a vida de L.D. parece ter sido bastante atarefada, quando ela
teria tido tempo para fazer tudo isso? Fraude parece muito pouco provável neste caso.
3. Criptomnésia, em que o sujeito foi exposto às informações ou à história
através da leitura, cinema, televisão, ou em conversas com outras pessoas,
posteriormente, esquecendo-se disso, e muitos anos mais tarde se lembra da história
como uma experiência de vida passada, de fato explica alguns casos semelhantes e foi
oferecida como uma explicação para outros (ver Stevenson, 1983). Mas parece
improvável que poderia explicar este caso. Ela não pode ser refutada decisivamente para
cada fato relatado, mas considerando o grande número de fontes obscuras, a maioria em
uma língua desconhecida para L.D., parece altamente improvável que ela poderia ter
lido todas elas e posteriormente esquecido. Nenhuma obra de ficção parece ter sido a
fonte. Tampouco há evidência de que ela conhecia alguém que poderia ter dado a
informação a ela. De fato, como vimos anteriormente, é muito improvável que essa
pessoa exista.
4. Encenação é tida por muitos como sendo coerente com a hipnose, que
desencadeou a “vida” de Antônia. A imaginação é um dos principais fatores utilizados
por muitos hipnotizadores, inclusive por mim, para induzir o sujeito a um transe
hipnótico. L.D., que tem uma imaginação muito boa, poderia facilmente ter agido sob
sugestões hipnóticas para criar a personalidade imaginária Antônia. Mas imaginação e
fantasia não poderiam produzir a grande quantidade de material factual correto que L.D.
relatou como Antônia. Se ela não procurou pelo material de forma deliberada, o que,
como vimos, é pouco provável, então uma grande quantidade de criptomnésia deve estar
envolvida, o que é igualmente improvável para todos os fatos em questão. Portanto,
embora a encenação possa estar envolvida neste caso, ela não pode ser usada como
resposta para todos os aspectos do mesmo. Ela explica o personagem, mas não explica
os fatos.
5. Dissociação ou personalidade múltipla, patológica quando levada ao extremo,
é considerada por alguns como sendo latente em um grau menor em muitos, senão na
maioria dos indivíduos normais. Em alguns casos, um transe hipnótico parece liberar
essas personalidades alternativas que podem então assumir o papel de uma vida anterior
ou encarnação do sujeito. No caso típico, a personalidade alternativa é completamente
diferente daquela manifestada pelo sujeito normalmente, e costuma apresentar-se de
forma inconsciente ou antagônica em relação à outra personalidade. L.D. e Antônia são
essencialmente a mesma pessoa, com as mesmas características e gostos, interesses,
habilidades e talentos. O caráter de L.D. é basicamente idêntico ao de Antônia antes de
ela ser influenciada pelo seu amante poderoso e dominante. Depois disso, a
personalidade e atitudes de Antônia foram fortemente alteradas por ele. Mas quem pode
dizer que se L.D. estivesse

331
sob a influência de um homem, ela não teria sido alterada da mesma forma? L.D. está
perfeitamente ciente da personalidade Antônia, ela gosta e se sente confortável com ela.
Não há nenhuma indicação de que Antônia está ciente de L.D. É improvável que a
dissociação possa ser usada para explicar o caráter de Antônia, e impossível que possa
explicar o aspecto factual deste caso.
6. Memória genética é por vezes proposta como uma forma de explicar a
aquisição de conhecimentos históricos não aprendidos por meios normais. Isto pode não
ser tão impossível quanto parece. Sabe-se que a estrutura e composição química do
cérebro são alteradas pela aprendizagem e a memória desse aprendizado pode ser
transferida para outro organismo, pelo menos em planárias, via transferências químicas;
originalmente pensou-se nos DNA ou RNA (material genético), mas posteriormente
proteínas relacionadas pareceram estar implícitas no processo. Infelizmente, as
experiências não parecem ser aplicáveis a outras espécies e, a julgar pela literatura, as
experiências parecem ter sido encerradas logo depois de terem sido relatadas. Mas
mesmo que a transferência genética de memória fosse possível, ela não seria aplicável
neste caso porque Antônia não tinha descendentes sobreviventes. A morte de seu filho
precedeu a morte dela, e a sua filha bebê sobreviveu apenas por algumas horas. L.D.
não poderia sequer ser um descendente de um parente próximo dela porque ela era filha
única, e os únicos irmãos de ambos os pais não tinham filhos.
7. Memória racial é um fenômeno relacionado usado pelos seus defensores para
explicar o conhecimento, atitudes e sentimentos sobre os acontecimentos históricos que
foram tão influentes e penetrantes que parecem ter sido impressos em populações
inteiras ou culturas, tornando-se “memórias populares”, ou parte do “desejo
inconsciente coletivo” de Jung. Isto não parece se aplicar a fatos específicos sobre um
indivíduo.
8. Clarividência, a capacidade de sentir ou perceber de algum modo informações
que existem em outro lugar, mas que não podem ser percebidas pelos sentidos comuns,
às vezes é proposta como um meio através do qual indivíduos em casos como este
poderiam obter suas informações. Isso implicaria o aspecto paranormal do caso, mas
não tem nada a ver com a preexistência. Para a clarividência explicar o conhecimento de
L.D. isso exigiria que ela fosse capaz de acessar informações de livros fechados e
mesmo lacrados em línguas que ela não sabia, em estantes de bibliotecas e arquivos,
alguns em terras estrangeiras. Dos cerca de mil estudantes de parapsicologia que tenho
ensinado e testado, alguns tinham a capacidade de clarividência, mas nenhuma chegou
perto desta. Na verdade, eu nunca sequer li sobre alguém que pudesse fazer uma coisa
dessas. Destaca-se que a clarividência de L.D. foi testada de várias maneiras e ela não
mostrou qualquer habilidade.
9. Precognição também tem sido proposta como uma explicação para o
conhecimento de eventos passados. Esta é, em minha opinião, uma das teorias menos
prováveis. Ela sugere que o sujeito pode antever a verificação do material e assim
perceber a informação antes de ela ser fornecida. Isso também exigiria que o sujeito
obtivesse informações em línguas que ele não entende, e parece ser uma hipótese mais
remota do que a clarividência.
10. Retrocognição é um método proposto que possibilita que alguns indivíduos
recebam informações particulares sobre os acontecimentos passados. Que seja de meu
conhecimento, tais episódios somente

332
dizem respeito a um breve e específico incidente, e não a uma longa série de eventos
que inclui muitos anos na vida de um indivíduo. Além disso, esses episódios são
geralmente relatados por médiuns ou sensitivos, e L.D. não é nenhum dos dois. Se ela
tivesse apresentado qualquer habilidade desse tipo, por causa da maneira que a sua
história se desenvolveu, em uma série de episódios sem qualquer ordem cronológica, eu
poderia dar algum crédito a essa teoria como uma possível explicação para este caso.
Como ela não apresentou, eu não acredito que a retrocognição seja uma resposta
provável.
11. Telepatia também tem sido proposta como uma explicação. Isso requer que o
sujeito leia a mente, pensamentos, sentimentos, etc. de uma outra pessoa que tenha
conhecimento das informações relatadas. Isto significa que uma pessoa deve ter as
informações. Por razões já discutidas (p. 326), duvido que tal pessoa viva exista. Mas
mesmo que isso seja verdade, não descarta totalmente a telepatia. Há ainda a
possibilidade de que uma personalidade desencarnada de 400 anos atrás tenha
comunicado as informações a L.D. Esta poderia ter sido Antônia ou possivelmente o seu
amante, que foi um personagem histórico real. Embora longe de ser famoso, há registros
de sua existência, e ele poderia possuir todas as informações que Antônia relatou.
Embora L.D. não tenha mostrado nenhuma outra habilidade telepática, pode ser que ela
fosse receptiva a uma personalidade tão forte como a dele, de acordo com a descrição de
Antônia. Combinada com fatores psicodinâmicos mais a capacidade de fantasiar de LD,
esta poderia ser a explicação para a personalidade de Antônia, que, por sua vez, poderia
ser uma resposta totalmente fictícia a esta comunicação telepática, assim como
explicaria todas as informações, idéias e atitudes expressas.
12. Mediunidade é comparada à telepatia entre uma pessoa viva e uma
personalidade desencarnada, mas este fenômeno geralmente é mais do que apenas
comunicação entre tal par. A personalidade desencarnada realmente fala através do
médium. L.D. não é médium—certamente não no sentido que é aceito de modo geral.
Também não tenho conhecimento de nenhum médium que estabelecesse contato apenas
com personalidades desencarnadas de uma época muito limitada e apresentasse apenas
itens referentes à vida de um indivíduo. Devo admitir que houve momentos em que as
atitudes e os sentimentos transmitidos foram mais os do amante de Antônia do que os
dela própria. Ela admitiu que ele poderia dominá-la completamente e incutir-lhe todas
as idéias dele. Ele poderia possuí-la não só fisicamente, mas mentalmente e
espiritualmente também, e ela sente prazer dos três modos. Assim, Antônia poderia ter
comunicado as idéias dele, ou ele poderia ter comunicado as informações diretamente a
L.D. Segundo a história de Antônia, ambas as possibilidades não seriam possíveis,
porque eles foram proibidos de existirem juntos no mesmo plano para todo o sempre.
Nunca, em nenhuma das sessões, a personalidade dele chegou a aparecer.
13. Possessão é um outro método através do qual um indivíduo pode trazer à
tona uma personalidade sobrevivente do passado. Neste caso, a personalidade
sobrevivente não só se comunica por meio de, mas na verdade possui e controla a
pessoa viva por diferentes períodos de tempo durante os quais a pessoa perde o controle
de sua própria vida. A maioria das pessoas tem medo dessa situação. L.D. não. Para ela
ser possuída pela personalidade Antônia não representa nenhum problema. Elas são
totalmente compatíveis, se não idênticas. L.D. considera e

333
fala de Antônia tanto quanto fala de fases anteriores de sua própria vida. Ela não
concebe ter sido possuída por Antônia mais do que concebe ter sido ela própria bebê,
criança, adolescente. Ao passo que ela admite que pode ter sido possuída pelo amante
de Antônia. Ele era um homem muito forte, assertivo, poderoso, com uma consumada
habilidade de manipular os pensamentos, crenças, sentimentos e comportamentos dos
outros. Houve momentos na vida de L.D. que ela sentiu que seria vantajoso ser capaz de
possuir essas características. Nesses momentos, ela convidaria o espírito dele a se
apossar dela, geralmente com sucesso. Ela disse que isso a ajudou em diversas ocasiões,
por exemplo, ajudou a controlar o comportamento de certos desafiantes e
indisciplinados alunos do interior da cidade. Isto não é o que geralmente seria
considerado como possessão. Não segue o padrão usual. Era sempre a pedido de L.D.,
servia apenas para ajudá-la, e acabava quando ela desejava, exatamente como o amante
de Antônia teria feito para agradar Antônia. Uma explicação mais lógica para o que foi
dito acima é a possibilidade de que L.D. estivesse tão familiarizada com o personagem
dele, de forma real ou fictícia, que ela poderia desempenhar esse papel sempre que lhe
for conveniente. Se a possessão está envolvida neste caso, provavelmente é um tipo
peculiar e seletivo de possessão que envolve o amante de Antônia. Pelo menos temos a
certeza de que ele existiu, e na história de Antônia foi interposto várias vezes que
mesmo antes de ela tê-lo conhecido, ele conhecia cada detalhe da sua vida, até mesmo
alguns que ela própria não conhecia, por exemplo, que seu tio era o Inquisidor Juan
Ruiz de Prado.
14. Reencarnação é a teoria que L.D. aceita. Ela realmente acredita e sente que a
sua alma existia na terra entre novembro de 1555 e março de 1588 no corpo de uma
mulher chamada Antônia Michaela Maria Ruiz de Prado. Antes do surgimento de
Antônia, ela teve sentimentos vagos de que ela pode ter vivido antes, mas nunca levou a
sério. Este caso a convenceu. Para ela, isso definitivamente é a reencarnação (direta) de
uma pessoa em outra, não uma mistura de idéias de Antônia com sua própria
personalidade. Ela tem as mesmas características, talentos e interesses de Antônia
porque ela é a reencarnação de Antônia. O seu corpo contém a alma de Antônia,
modificada pelo acréscimo de experiências. Naturalmente, a crença de L.D. nada
contribui para validar esta teoria. Ainda assim, é a única que, por si só, pode explicar a
personalidade, sentimentos e atitudes de Antônia, bem como todos os obscuros fatos
históricos relatados, de forma simples e razoável. Portanto, a minha tendência é
concordar com L.D.

CONCLUSÕES

Admito que a “vida” de Antônia soa como uma novela romântica tórrida e
aventureira. Partes dela podem ser apenas isso, derivadas de uma imaginação vívida.
Mas não parece razoável descartar toda a narrativa como sendo somente isso, em
virtude da grande quantidade de informações recônditas e precisas reveladas. Se todas
as informações e explicações possíveis forem consideradas, parece coerente com o
princípio da parcimônia sugerir que L.D. mostrou conhecimento de detalhes obscuros
sobre a Europa e América do século XVI que ela não aprendeu por meios normais.

334
Embora a reencarnação pareça explicar esse caso melhor do que as teorias
concorrentes, a explicação mais simples nem sempre é a correta. Outra teoria plausível é
a de comunicação telepática com uma personalidade desencarnada somada a fatores
psicodinâmicos. Uma terceira teoria menos provável que se aplica a este caso é o tipo
peculiar de possessão descrito acima. Para este caso, eu acredito que as outras teorias
discutidas podem ser descartadas. Isso não significa que para outros casos semelhantes
elas não possam ser válidas.

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2527 Bel-Air Drive


Glenview, Illinois 60025

Apêndice I
ELABORAÇÃO DA COLUNA 1 DA TABELA: ALGUMAS CITAÇÕES DA PERSONALIDADE
DE ANTÔNIA COM BREVES EXPLICAÇÕES

1. L.D. regrediu a agosto de 1584: “De tempos em tempos muitos dos professores e
alunos do colégio se juntavam ao nosso jantar e grupos de discussão nas noites
de quarta-feira.”
2. As citações da primeira convocação de Antônia pela Inquisição no início de
dezembro de 1584 são muito numerosas para serem listadas aqui. Ela mencionou
o esboço autobiográfico, as perguntas feitas pelo notário, os métodos de
interrogatório, o conteúdo das admoestações, orações que ela era obrigada a
recitar, e o jeito que ela deveria fazer o sinal da cruz.
3. Um ponto contra ela era o seu desconhecimento do conteúdo do Édito da Fé que
todos eram obrigados a ouvir uma vez por ano para que eles pudessem saber
quais palavras e ações evitar e o que denunciar sobre o comportamento de outras
pessoas. “O Inquisidor Arganda explicou ao seu colega que não foi por minha
culpa que eu não tinha ouvido falar do Édito da Fé; deixei Hispaniola em 1569 e
este só foi publicado em 1571.”

337
4. “Sabíamos que seria difícil conseguir passagem para a Tierra Firma, porque
nenhuma frota viaja este ano (1587). Somente alguns navios têm permissão para
ir, o resto está sendo preparado para a Armada.”
5. “Eu sabia que era ilegal, mas não vi mal em evitar os impostos que eu não podia
pagar devido às minhas dívidas. Nunca tendo estado na Espanha ou na França
antes, eu não tinha conhecimento das hostilidades com os huguenotes na
fronteira e, certamente, não tinha idéia que o comércio de alguns cavalos e um
pouco de aço de Toledo poderia ser considerado traição e heresia!”
6. “A maioria foi executada em dezembro [de 1581]. Ainda tínhamos esperança de
que o Pe. Cottam seria poupado, mas em maio ele foi arrastado e esquartejado
após ter sido terrivelmente torturado.”
7. Apenas uma citação de um conteúdo de várias páginas é reproduzida aqui: “Para
nossa consternação, descobrimos que o nosso dinheiro da passagem só nos dava
direito a biscoitos e água. A tripulação teve uma alimentação muito melhor,
incluindo carne seca, peixe, legumes e arroz. Diferentemente de nós, a maioria
dos passageiros teve tempo para estocar suprimentos de muitos alimentos secos
e conservados e até mesmo animais para carne fresca.”
8-10. O amante dela está explicando por que eles deveriam ir para Lima: “Ele disse
que tantas queixas foram apresentadas contra o Inquisidor Ulloa que a Suprema
mandou um Visitador para investigá-lo, e esse não era outro senão o Inquisidor
Juan Ruiz de Prado, o irmão mais jovem do meu pai! Finalmente eu poderia
encontrá-lo.”
11, 12. “Tudo corria maravilhosamente bem até o final de novembro (1587), quando o
Padre Antônio (Ulloa) e o tio Juan comemoraram um Auto-da-Fé. Eu estava
decidida a encarar a situação de acordo com as minhas convicções e nesse
aspecto eu fui bem até o fim. Então, quando eu vi que o flamengo3 a ser relaxado
[queimado] parecia o tio Karl, não só na aparência, mas nas idéias, bem, eu
chorei copiosamente em público para a mortificação extrema do tio Juan”.
13. “Depois de uma ineficaz e vacilante conversa em árabe, o Bey perguntou se ele
[o amante] podia falar italiano melhor, dizendo que era a sua língua nativa.”
14, 15. “Adentramos Las Palmas em 20 de julho [de 1587]. Os inquisidores nos
cumprimentaram muito cordialmente e insistiram que fôssemos os seus
convidados por alguns dias para que pudéssemos desfrutar do Auto-da-Fé que
iriam celebrar em dois dias. Eles disseram que deveria ser interessante para nós
porque as heresias aqui eram diferentes daquelas prováveis de ser encontradas
no centro da Espanha; mais parecido com o que veríamos no tribunal do meu tio,
em Lima Eles estavam punindo uma dúzia de ingleses e um deles seria
relaxado.”
16, 17. “Aquele marrano4 maldito, de Mora, é poderoso demais para mim ou para
qualquer um dos meus amigos. O Bispo Zapata está em dívida com ele e ele diz
ser um bom amigo do Corregedor Jeronimo de la Batista.”
18, 19. Seguem cinco citações. É interessante notar que a primeira, nomeando um
Inquisidor, e as três últimas, com dados biográficos sobre o

3
Durante o período da Inquisição cristã, muitas famílias, principalmente as de origem judaica, precisaram
esconder-se para escapar à perseguição do catolicismo. A princípio, os perseguidos obtiveram abrigo em
Amsterdã, na Holanda, e muitos partiram para a região semidesabitada de Flandres, na Bélgica atual.
Com o passar do tempo, as famílias que se estabeleceram em Flandres iniciaram uma comunidade quase
que independente e passaram a ser denominados flamengos. (N. T.)
4
Significa porco em espanhol. (N. T.)

338
segundo, foi dada no início das sessões A, enquanto que a segunda citação,
nomeando os outros Inquisidores, não foi apresentada até perto do fim das
sessões B: “Eu perguntei ao meu benfeitor, hesitante: ‘Você conhece o
Inquisidor?’ Ele pareceu se divertir com a minha ansiedade e respondeu: ‘Joguei
xadrez muitas vezes com o Inquisidor Ximenes de Reinoso’” “Ele disse
friamente: ‘A razão pela qual eu estou tão intimamente associado com o
Inquisidor Reinoso é que ele é meu colega, eu sou o Dr. Francisco de Arganda,
Inquisidor de Cuenca, e você está sob grave suspeita.’” As linhas a seguir se
aplicam a Arganda muito antes de ela ter citado o nome dele: “Ele disse que
quando era um cânone na Catedral em Alcala ele deu algumas palestras na
universidade local.” “Ele não sabia de má conduta lasciva do meu pai com
Isabela porque ele foi enviado para o Tribunal de Valência por dois anos e tinha
acabado de voltar poucos meses antes de eu chegar.” “Os funcionários da Casa
do Comércio foram muito corteses e diligentes, porque ele era conhecido deles,
após ter atuado como Fiscal no Tribunal de Sevilha”.
20. O Supremo Senhor Inquisidor me garantiu que ele já tinha provas mais do que
suficientes para prender [Francisco] de Mora, mas, para garantir que o marrano
asqueroso não iria escapar, ele não agiria até que o conjunto de provas fosse tão
grande que impedisse qualquer sentença exceto a de relaxamento.
21. “Àquela altura Andres e Maria de Burgos se tornaram meus melhores amigos...
Depois que a maioria dos convidados tinha ido embora, sem saber que Ramon e
Carlos eram familiares, Andres descreveu um de seus experimentos, condenando
a si mesmo e na frente deles eu nada ousei dizer para avisá-lo. Ele foi preso no
dia seguinte e Maria alguns meses depois.”
22. Antônia nunca disse que o padre jesuíta Fernando Mendoza foi preso, mas ela
disse que havia rivalidade entre ele e Arganda, mencionou os avisos que
Arganda lhe deu sobre associar-se a Mendoza, e as informações fornecidas por
seus servos de que a Inquisição estava coletando evidências contra ele. O nome
dele está nos registros da Inquisição.
23. Antônia, em Londres, antes de vir para a Espanha, lê a carta do pai de janeiro de
1584: “... Cuenca é a sede do Tribunal do Santo Ofício, que acabou de ser
transferida, mais apropriadamente, ao castelo que fica acima e domina toda a
região.” Mais detalhes sobre o assunto estão espalhados ao longo de sua carta.
24. Depois que um dos inquisidores informa Antônia que ela será sua amante, ela
oferece inúmeras objeções, sendo que nenhuma delas o faz mudar de idéia.
“Finalmente eu decidi apelar para sua honra como um Inquisidor escrupuloso:
‘Você pode sinceramente acreditar que um pecado intencional e deliberado não
irá alterar as suas decisões como Inquisidor?’ Eu perguntei friamente. Ele
suspirou: “Eu suponho que de alguma forma já tenha alterado. Ao rever meus
casos, recentemente, notei que eles indicam uma visão muito mais branda da
fornicação desde que decidi eu próprio entregar-me a ela. Para mim, a
liberalidade foi tão marcante, que eu temia que pudesse levantar suspeitas na
Suprema. Suponho que eu terei que voltar aos meus julgamentos severos.”

339
Apêndice II
NOTAS SOBRE OS PRIMEIROS 45 ANOS NA VIDA DE L.D: RESIDÊNCIAS,
CONHECIMENTOS, ESTUDOS, LEITURA, INTERESSES E FILIAÇÕES

Durante os primeiros seis anos de sua vida, L.D. se mudou apenas uma vez. Seus
amigos e vizinhos eram ou imigrantes ou americanos de primeira geração. Havia 12
diferentes nacionalidades: italianos, alemães, irlandeses, gregos, suíços, suecos,
noruegueses, ingleses, judeus, polacos, chineses e uma família de Appalachia. Nenhum
deles era espanhol ou latino-americano. A maioria tinha uma educação deficiente e não
conhecia outra língua além da sua própria e inglês. Assim, L.D. nunca ouviu uma
palavra em espanhol aqui.
Seu pai era o único no bairro com uma educação universitária. Só sabia falar
inglês. Vivia com eles e lia para L.D. diariamente. Aos cinco anos de idade, ela já
conhecia todos os contos de Anderson e Grimm, a maioria dos contos do livro Mil e
Uma Noites, vários livros de mitologia grega e romana, Rei Arthur e os Cavaleiros da
Távola Redonda, e os Contos da Cantuária.
Quando L.D. tinha seis anos, o seu avô morreu, e ela e a sua mãe viveram em
Dresden, na Alemanha, durante seis meses. Elas não visitaram a cidade vizinha de
Leipzig, onde supostamente Antônia havia passado alguns anos na sua adolescência. Foi
lá que ela foi apresentada pela primeira vez aos edifícios e artefatos dos séculos XV ao
XVIII graças aos muitos palácios e castelos transformados em museus. Eles a
fascinavam. Ela não era uma criança para correr por um museu tentando tocar e mexer
em tudo, mas ficava impressionada por horas, olhando e estudando os prédios, móveis,
arte, armas, armaduras, roupas, jóias e utensílios de eras passadas.
Quando ela voltou para Chicago, ela falava alemão quase tão bem quanto o
inglês, mas ela ficou para trás na escola primária. Dois meses de estudo extra
colocaram-na tão à frente de seus colegas que ela pulou duas séries; isto aconteceu
outras três vezes no ensino fundamental. No começo ela não gostava de ler, porque a
sua capacidade estava muito abaixo de sua compreensão. Após as histórias que ela tinha
ouvido antes do jardim de infância, “Dick e Jane” ou “The Little Train That Could” não
conseguiam prender o seu interesse.
Ela raramente participava das brincadeiras das crianças normais, mas entretinha
seus colegas com os contos de um passado distante e longínquo, deuses, monstros,
magos e bruxas, príncipes e princesas, cavaleiros e dragões, e brincava de RPG. Ela
muitas vezes sentia que tinha realmente experimentado as situações fingidas antes.
Com os adultos ela nunca expressou o seu interesse nessas coisas por medo de
ser considerada uma “criança estranha”. Com eles ela só travava conversas “sensíveis”
sobre a escola, trabalho doméstico, jardinagem, culinária, o preço de alimentos,
transporte local, política, etc. Adultos sempre a consideraram sensível, inteligente,
responsável e confiável, tanto que

340
muitas vezes permitiram que seus próprios filhos, 2 a 3 anos mais velhos que L.D.,
fossem a certos lugares apenas quando L.D. os acompanhasse. Ela tinha certeza de que
o elevado respeito dos adultos seria perdido se eles soubessem sobre suas fantasias ou
experiências do tipo de vidas passadas. Este foi o resultado de suas tentativas pré-
escolares de discutir essas lembranças com sua própria família.
Aos seis anos começou a ler livros de culinária simples, um interesse que
persistiu ao longo de sua vida. (Cozinhar foi um dos grandes talentos de Antônia.) Por
volta dos oito anos, ela começou a ler os livros da série Oz. Ela também amava os
animais e leu algumas histórias de animais, muitas das quais, queixava-se,
antropomorfizava os animais, o que considerou bobagem, então ela passou a ler os
livros factuais sobre a vida selvagem e os cuidados com animais, que ela gostava. Após
a série de Oz, ela parou de ler ficção de uma vez por todas.
Desde a infância ela freqüentava as aulas na escola dominical na igreja luterana
local, e aos 11 teve aulas de crisma. Foi nessa época que ela pegou emprestado o cartão
da biblioteca de seu pai para que ela pudesse ler livros adultos. Ela leu Darwin e Huxley
e alguns livros sobre religião comparativa. Isso a levou a ter fervorosos debates com o
seu pastor. Dominando tudo o que era necessário, ela se recusou a ser crismada, dizendo
para toda a classe ouvir que o fundamentalismo dogmático a havia convertido ao
ateísmo.
Sua mãe pertencia a um clube alemão e levou L.D. às reuniões, onde ela fez
amizade com outras crianças germano-americanas, atuou em peças de teatro, e por três
anos cantou músicas folclóricas alemãs em uma estação de rádio alemã. Quando os
EUA entraram na Segunda Guerra Mundial, a estação de rádio fechou.
Aos 12 anos ela se formou na oitava série e se mudou para cerca de dois
quilômetros de sua antiga casa. Naquele verão, ela trabalhava como garçonete. (Ela
aparentava 16 anos, mentiu sobre sua idade.) Agora, ela poderia ter seu próprio cartão
de biblioteca para adultos, e usou-o com paixão, lendo Shakespeare, Milton, um grande
volume de poesia, mas nenhuma outra ficção. A maior parte de sua leitura era de não-
ficção: arte, arqueologia, antropologia, exploração, fauna, etc.
Embora ainda com 12 anos, ela começou a escola secundária, continuando a
trabalhar meio período, e deu continuidade aos seus interesses solitários, sem ter
ninguém com quem discuti-los. Este foi um momento solitário para L.D. Quanto mais
ela estudava e aprendia, menos tinha em comum com seus colegas. Quanto mais tempo
ela passava estudando e trabalhando, menos tempo ela tinha para socializar. Seus
amigos liam histórias em quadrinhos; ela lia os clássicos. Eles gostavam de Frank
Sinatra, ela gostava de ópera. Eles gostavam de jogar bola, ela gostava das palestras do
museu. Nenhum de seus professores gostava muito dela. Ela estudava apenas o que lhe
interessava, não o que eles achavam que ela deveria estudar. No trabalho, ela conheceu
uma estudante universitária oito anos mais do que ela, com quem tinha algo em comum.
A moça era uma estudante de sociologia de ascendência judaica russa e foi a sua única
amiga por cerca de um ano. Ela nunca antes havia conhecido ninguém da Espanha,
América Latina, ou com interesse em história, fosse na vizinhança, na escola ou no
trabalho.
Após um ano e meio, ela mudou-se novamente por alguns meses, e mudou de
escola por um semestre. Os verões dos seus 13 e 14 anos foram passados trabalhando
em uma fazenda como voluntária do programa victory farm volunteer. Não havia
nenhuma espanhola entre

341
as meninas. Elas foram alojadas em uma escola católica para meninas supervisionada
por freiras, mas ela se recusou a participar de todos os serviços religiosos enquanto
permaneceu lá, imaginando que os católicos eram provavelmente piores do que os
luteranos. Perto da escola havia uma prisão para prisioneiros de guerra alemães que
trabalhavam nos campos adjacentes àqueles em que as meninas trabalhavam. Uma
confraternização era estritamente proibida, mas essas proibições não são sempre
eficazes quando meninas adolescentes e jovens rapazes estão em estreita proximidade.
Neste caso elas foram eficazes na maior parte do tempo porque os homens não sabiam
falar nada em inglês, e L.D. era a única menina que falava alemão. Enquanto as outras
meninas tinham que competir em chances de cinco para um para alguns poucos meninos
de fazenda locais, L.D. tinha os alemães basicamente só para ela. Ela teve um romance
com um deles, e eles se encontravam clandestinamente entre as altas fileiras da
plantação de milho. Houve uma conversa sobre fugir, mas nunca aconteceu. O final do
verão foi a última vez que ela o viu.
Aos 14 anos, em seu terceiro ano do ensino médio, ela se mudou novamente,
desta vez do bairro de classe média tranqüilo de moradias de famílias simples com lotes
abandonados cheios de flores selvagens espalhadas para um apartamento transitório de
um bairro de classe baixa com gangues de rua. Os vizinhos eram, principalmente, do
tipo “lixo branco pobre” que tinham vindo do sul para Chicago em busca de empregos
que pagassem mais em fábricas de armas e munições em tempos de guerra. Havia
também muitos orientais, principalmente japoneses, que alegavam ser filipinos, mas que
não tinham sobrenomes espanhóis nem falavam espanhol como a maioria das pessoas
das Filipinas. Não havia espanhóis, e até mesmo os latino-americanos não vieram para
este bairro até 10 anos depois, muito depois de L.D. ter partido. Ela odiava aquele lugar
e as pessoas que viviam ali, mas logo decidiu que “se você não pode lutar contra eles,
junte-se a eles”, então ela se juntou a uma gangue de rua. No início, a garota quieta e
intelectual de um bairro “bom” não foi bem recebida, mas logo ela provou que poderia e
iria lutar por seus próprios direitos contra qualquer pessoa, e ela tornou-se o “cérebro”
da quadrilha, porque ela podia planejar os “trabalhos” com mais criatividade e mais
sucesso do que qualquer outro membro da gangue. Ela aprendeu jiu-jítsu, e se tornou
muito habilidosa com o longo canivete que ela sempre carregava, sem que seus colegas
e professores soubessem. Eles a consideravam uma estudante modelo.
No entanto, isso não era vida para ela, e ainda com 15 anos, ela saiu de casa
sozinha para ir para Los Angeles onde estudou na então afluente Holly High. Embora
houvesse muitos mexicanos-americanos em Los Angeles, ela não conheceu nenhum
deles. Vi fotos de seus amigos lá. Nenhum deles tinha nomes ou aparência que sugerisse
ascendência espanhola. Todos eles eram do tipo “anglo” de pele clara com nomes
condizentes. A escola em tempo integral e o trabalho quase em tempo integral não lhe
deixavam tempo para a leitura extra-curricular ou lazer.
Para freqüentar a faculdade ela voltou para casa. Ela estudava, trabalhava e
conseguia se sustentar, mas não ganhava o suficiente para a mensalidade e os livros da
universidade. Seus pais pagariam por isso apenas se ela vivesse na casa deles. Naquele
verão, ela trabalhou em uma fábrica em Chicago, onde conheceu e fez amizade com
uma colega do México. Esta foi a primeira vez em sua vida que ela conheceu alguém
que falava espanhol ou tinha um sobrenome espanhol.

342
Esta menina havia abandonado a escola secundária e nada sabia sobre a Espanha
ou história, exceto, possivelmente, um pouco da história do México. (O México não faz
parte da história de Antônia.) Dois meses depois, L.D. pediu demissão e nunca mais viu
a menina novamente. Ela nunca havia tentado falar espanhol com ela ou aprender o
espanhol dela.
Quando L.D. tinha 16 anos, sua família mudou-se para Evanston, e ela entrou na
Escola de Educação da Universidade Northwestern. Um ano depois, eles se mudaram
para outra casa em Evanston. Ela não conheceu espanhóis ou pessoas de língua
espanhola na escola ou no bairro, não fez cursos de história ou espanhol, e nunca
conheceu um professor que ensinasse esses cursos. Seus melhores amigos eram dois
colegas de ascendência polaca. Antes de sua formatura, sua família mudou-se para uma
pequena cidade (população com menos de 300 habitantes) no Vale do Rio Grande, no
Texas. Ela foi morar em um quarto na casa de uma família judaico-alemã em Evanston.
Como ela fez o curso de quatro anos em três anos e continuou a trabalhar, ela teve
pouco tempo para fazer amigos, lazer, ou ler. Seus esportes na N.U. eram esgrima, arco
e flecha e tiro de fuzil.
Aos 19 anos ganhou seu B.S.5 em educação e foi morar com uma família
judaico-russa em Chicago. Como ela não conseguiu encontrar um emprego de
professora em dois meses, ela acompanhou essa família ao Texas. Havia duas famílias
coloniais mexicanas, que viviam no bosque do seu pai, mas eles eram analfabetos e não
falavam inglês. Como ela não falava espanhol, nunca falou com eles. Nos três meses
que ela esteve lá, não conheceu espanhóis ou mexicanos que soubessem qualquer coisa
sobre a Espanha, e nada aprendeu em espanhol. Não havia nenhuma biblioteca na
pequena cidade.
Ela retornou para Evanston, onde morou numa pensão que pertencia a uma
mulher irlandês-canadense. Ela não socializou com os outros inquilinos. Ela se tornou
uma professora substituta em Chicago, logo foi designada como substituta para uma
escola, e se mudou para um quarto próximo à sua escola em um bairro judeu da cidade.
Ninguém que ela soubesse era um judeu espanhol ou sabia qualquer coisa sobre a
Espanha ou a Inquisição. Ela começou um programa de leitura independente, desta vez,
principalmente sobre filosofia, religião e ocultismo. Sua família mudou-se para a área
do Parque Lincoln de Chicago, e ela voltou a morar com eles.
Ela conseguiu um emprego como maquiadora e figurinista teatral. Isto a
fascinou, e ela conheceu muitos tipos boêmios interessantes: atores esforçados,
escritores, artistas, músicos, etc. e se relacionou quase exclusivamente com eles nessa
época. Com o incentivo de seus novos amigos, ela também cantou em boates. (O canto
foi outro talento de Antônia.) No ano seguinte ela se juntou a uma companhia de teatro
ambulante com a qual fez uma turnê e se apresentou em diversos estados do sudeste.
Em todas as suas associações e viagens ela ainda não tinha encontrado ninguém de
ascendência espanhola ou qualquer pessoa que fosse uma boa conhecedora de história.
Aos 22 anos ela voltou a morar com a sua família, mais uma vez, em Evanston,
conseguiu o seu primeiro emprego permanente, se tornou muito ativa na comunidade e
em organizações sociais, e entrou para a Igreja Metodista. Em menos de um ano, sua
família se mudou de volta para uma vizinhança transitória, em Chicago. Ela mudou-se
com eles, mas três meses depois, ela comprou a sua própria casa, em Evanston, onde
continuou a viver por 17 anos. Durante esse tempo ela se juntou ao coro da

5
Bacharel em Ciências. (N. T.)

343
igreja, foi solista diversas vezes (ela tinha uma boa voz, mas nunca estudou música),
produziu e dirigiu algumas peças para sua igreja e a maior Primeira Igreja Metodista, e
escreveu e dirigiu uma peça para a Evanston Counsil of Churches. Ela também fundou
uma companhia de teatro comunitário, em Evanston, e foi um membro ativo dos Young
Republicans. Poucos anos depois de se mudar para cá, ela conheceu e se casou com seu
marido e teve dois filhos. Quando seus filhos chegaram à idade escolar, tornou-se ativa
no P.T.A. O tempo todo ela continuou a trabalhar.
De todas as organizações às quais pertenceu e pessoas que ela conheceu nesses
17 anos, nenhuma era de ascendência espanhola, nem particularmente interessada em
história, embora ela de fato tenha acrescentado esse assunto a sua biblioteca, que
contém livros sobre a vida animal, antropologia, arqueologia, arte, biografia, culinária,
vestuário, artesanato, teatro, educação, jardinagem, geologia, alemão, história, joalharia,
literatura, maquiagem, mitologia, história natural, ocultismo, ópera, filosofia, plantas,
poesia, psicologia, religião, sociologia, esportes, viagens. As únicas obras de ficção que
ela tem são alguns dos clássicos.
Em 1970, ela e sua família se mudaram para outro subúrbio de North Shore, que
é onde ela vivia quando entrou para os clubes dos hipnotizadores. Ela ainda lecionava
em Chicago, e continuou a acrescentar novos livros à sua biblioteca. Os únicos três
livros sobre história da Espanha que ela possui foram adquiridos após o surgimento da
personalidade Antônia. Apenas um deles contém alguns dos fatos relatados por Antônia.
Nenhum contém qualquer coisa sobre Cuenca; nem mesmo os seus livros de viagens.
Ela nunca havia conhecido um espanhol, até que ela passou uma semana nas Ilhas
Canárias em 1978, depois de ter terminado a primeira série de regressões. Foi nessa
viagem que ela tentou falar pela primeira vez na língua espanhola, quando ela usou um
livro de frases em espanhol para turistas. Ela logo descobriu que o livro era
desnecessário porque, além de alguns nativos da ilha falarem inglês, muitos falavam
alemão, idiomas que ela usou para se comunicar por lá.
Considerando todos os detalhes que reuni sobre cada etapa da vida de L.D
através de várias sessões de hipnose, estou convencida de que ela não conhecia ninguém
de quem ela poderia ter obtido as informações reveladas pela personalidade Antônia, e
de que ela nunca leu ou falou espanhol antes daquela experiência, e que ela não poderia
ter obtido essas informações através da leitura.

344

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