Você está na página 1de 2

214 Livros

escola de liberdade interior num processo coloca em algumas páginas iniciais. Se não
de libertação jamais acabado. O capítulo 17 o foi no sentido dos grandes arrebatamen-
é dedicado à reflexão sobre cada uma das tos ou êxtases, foi-o certamente na tensão
invocações do «Pai nosso», sob o signo da mística de todo o seu élan vital de homem,
relação filial. O último capítulo apresenta, de pensador e de crente. E o que é mais
como ficou já referido, um guia prático admirável é que Agostinho foi um contem-
sobre os caminhos da vida interior: onde e plativo na acção, um bispo com imensas
quando rezar; dar tempo («durer») ao face preocupações e tarefas e um homem de
a face consigo mesmo e com Deus; erros oração em toda a sua actividade. O autor
frequentes a evitar; componentes da me- seleccionou dez palavras que servem para
ditação; etapas do caminho interior: con- descrever como era a oração deste grande
versão ou via purgativa, iluminação pelo convertido. A cada uma delas dedica um
conhecimento de Cristo; via unitiva que capítulo próprio.
leva à intimidade com o mesmo Cristo. A primeira delas é a palavra «dom».
Este livro pode considerar-se um Doutor da graça, sabemos quanto o santo
excelente manual de teologia espiritual, doutor desconfiava das próprias forças es-
ao mesmo tempo que um rico texto para pirituais e quanto, como S. Paulo, atribuía
leitura espiritual. tudo o que em nós é bem ao dom gratuito
de Deus todo bondoso e todo poderoso,
Raul Amado
que gosta de dar-nos o que necessitamos,
desde que diante dele nos apresentemos
de coração humilde.
Eguiarte Bendímez, Enrique A.,
A segunda palavra é «procura». Ideia-
OSA, El clamor del corazón. 10 Pala- mestra em todo o pensamento agostiniano,
bras sobre la oración en san Agustín, a procura tem fundamento evangélico, na-
Editorial Agustiniana, Guadarrama quilo que Jesus disse: «Procurai e achareis»
(Madrid), 2012, 340 p, 210 x 125, ISBN (cf. Mt 7, 7). A oração é procura porque é
978-84-92645-25-1. o clamor do coração, de um coração ena-
morado.
Santo Agostinho foi «mestre do Oci- A terceira palavra é «fé». É a fé que
dente» durante muitos séculos e, para sustém a oração. Já assim era também com
muitos homens e mulheres cristãos, os que, aflitos, se aproximavam de Jesus
continua ainda a sê-lo. Mestre do pensa- buscando diversas formas d salvação. E
mento e, por ele, modelador da cultura. é conhecida a resposta deste: «A tua fé te
Em particular do pensamento teológico salvou». Eguiarte Bendímez sublinha em
e filosófico. Mas foi-o e ainda é, também Agostinho a necessidade de orar com três
no campo da espiritualidade, não fosse verbos: chamar, procurar, pedir.
um dos seus lemas «Deum et animam scire Quarta palavra: «conversão». A con-
cupio. Nihil amplius». Ele foi também ho- versão, em Agostinho, não foi apenas um
mem do coração, facto que, como é sabido, acontecimento da sua vida. Tornou-se em
se perpetua na memória dos séculos na todo o seu pensamento uma categoria fun-
própria iconografia. damental, muito inspirada na epistrophê de
Este livro, escrito por um dos monges Plotino. A vida só é vivida com sentido e
seus discípulos, tem isso bem presente. Se colheita de felicidade se for um contínuo
foi um místico ou não, é problema que este voltar-se para o supremo Bem. Isso tem

THEOLOGICA, 2.ª Série, 47, 1 (2012)


Resenhas 215

particular aplicação na oração, que exige o de Deus»: deixar-se conduzir por Deus
esvaziamento de si mesmo para se encher porque somos um sonho de Deus.
(dos dons) de Deus. Segue a «ordo amoris», Agostinho sempre apaixonou grandes
esse «erótico» (platonicamente) deixar-se homens e mulheres. Apaixonante é tam-
atrair pelo Bem e pela Beleza divinas. bém este livro para quem se disponha a
Quinta palavra: «humildade». O autor aprender dele, mestre para todos os tem-
sublinha a propósito o dito de Agostinho: pos, o jeito de orar como se deve orar.
«A Deus há que dar tudo». E ainda: «A Raul Amado
soberba é o pecado capital». E ainda a in-
vectiva de Paulo aos Coríntios: «Que tens
que não tenhas recebido?» (1 Cor 4 7).
Pacot, Simone, ¡Vuelve a la vida!,
Sexta palavra: «Espírito Santo». Lembra
col. «Espiritualidad», Narcea S. A. de
de novo S. Paulo: «O próprio Espírito ora
em nós com gemidos inenarráveis» (Rm Ediciones, Madrid, 2011, 237 p., 210 x
5, 5). Se o homem é fraco, o Espírito Santo 135, ISBN 978-84-277-1806-7.
lhe dá força. Para acolher é preciso seguir
o caminho indicado, segundo consta, na Simone Pacot, advogada honorária do
trilogia inscrita no frontispício do antigo Tribunal de Apelação de Paris, tem uma
convento dos Agostinhos Recoletos de longa experiência de participação ativa
Talavera: «Mane, tace, quiesce» (Permanece, em sessões de cura interior, no âmbito da
faz silêncio, descansa). associação francesa Bethasda. Trata-se de
Sétima palavra: «Recolhimento-reco- uma associação constituída por um grupo
lecção». O recolhimento é, em Agostinho, ecuménico de cristãos que organiza sessões
a primeira atitude no «caminho da con- sobre a evangelização das profundidades
versão». O seu conselho a quem procure do ser humano, através do acolhimento da
a verdade, como a quem procure Deus e a misericórdia de Deus na verdade da pes-
felicidade, é: «Entra dentro de ti, pois é no soa. Serve-se do contributo da palavra de
interior do homem que habita a verdade» Deus e de recursos das ciências humanas.
(in interiori homine habitat veritas) (De vera Neste livro, num tempo em que há
religione, 39, 72). Só depois desta volta do tanta gente infeliz por causa da sua desa-
exterior para o interior, pode o homem gregação espiritual e existencial, em escrita
transcender-se a si mesmo na direcção do muito simples e muito prática, Simone
que lhe é superior. Pacot, na base de uma larga experiência
Oitava palavra: «Amor». Outra cate- acumulada, oferece o seu contributo a
goria mestra em Agostinho: o amor. «O quantos andem à procura da unidade inte-
meu amor é o meu peso. Para onde quer rior na sua vida e, com isso, de se sentirem
que vá, é ele quem me leva» (Conf. XI, 9). felizes na mesma vida.
Eguiarte Bendímez dedica a esta palavra A sua experiência levou-a a descobrir
uma extensa reflexão., em que, entre outras cinco leis de vida, inscritas no nosso co-
coisas, refere o amor do Cântico dos cânticos ração, que importa que cada um saiba,
e fala da fuga da Babilónia terrestre para a por sua vez, descobrir também e pôr em
Jerusalém celeste. prática: 1) Eleger a vida, isto é, renunciar
A nona palavra é «Diálogo amoroso»: a à conivência com a morte; 2) Aceitar a con-
oração faz-se com o clamor do coração e os dição humana e reconhecer a filiação com
gemidos do espírito. E a décima «Vontade um Deus que nos ama; 3) Deixar emergir a

THEOLOGICA, 2.ª Série, 47, 1 (2012)

Você também pode gostar