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Ao combinar todas as questões, foram selecionadas 235, seccionadas em 29

facetas, para o instrumento piloto do WHOQOL. Os critérios para a elaboração do


WHOQOL (FLECK et al, 1999b, p. 24) foram:
 Basear-se tanto quanto possível nas sugestões dos pacientes e profissionais
de saúde participantes dos grupos focais.
 Proporcionar respostas que esclareçam acerca da qualidade de vida dos
respondentes, como definida pelo projeto.
 Refletir o significado proposto pela definição das facetas.
 Cobrir em combinação com outras questões para uma dada faceta os
aspectos chaves de cada faceta como descritas na sua definição.
 Usar linguagem simples, evitando ambigüidade nas palavras e frases.
 Preferir questões curtas em relação às longas.
 Evitar duas negações.
 Serem compatíveis com uma escala de avaliação.
 Explorar um só problema por faceta.
 Evitar as referências explícitas em relação a tempo ou outro termo de
comparação (p.ex.: o “ideal” ou “antes de eu estar doente”).
 Ser aplicável a indivíduos com vários graus de disfunção.
 Ser formuladas como questões e não como afirmações.
 Refletir a tipologia das questões adotadas no projeto.

Após a aplicação do teste piloto, foram selecionadas as melhores questões


para cada faceta, de forma a estabelecer a consistência interna e validade
discriminante do instrumento. Foram selecionadas 100 questões, baseadas em 24
facetas de seis grandes domínios (FLECK et al, 1999b).
1.2.2 Escalas de respostas do WHOQOL-100
Todas as questões do WHOQOL-100 são fechadas e utilizam uma escala de
respostas do tipo Likert, compostas por cinco elementos, variando entre 1 e 5. Esses
extremos representam 0% e 100%, respectivamente. Existem quatro tipos diferentes
de escala de respostas, conforme pode ser observado no quadro abaixo:

ESCALA 0% 25% 50% 75% 100%


muito mais ou
INTENSIDADE nada bastante extremamente
pouco menos
nem satisfeito
muito
insatisfeito nem satisfeito muito satisfeito
insatisfeito
insatisfeito
AVALIAÇÃO nem ruim
muito ruim ruim bom muito bom
nem bom
nem feliz
muito infeliz infeliz feliz muito feliz
nem infeliz
muito
CAPACIDADE nada médio muito completamente
pouco
FREQÜÊNCIA nunca raramente às vezes repetidamente sempre
Quadro 1: Escalas de respostas do WHOQOL-100

A distribuição das escalas de respostas do WHOQOL-100 pode ser verificada


na figura 2:

Figura 2: Distribuição das escalas de respostas do WHOQOL-100

É perceptível o predomínio das respostas com escala de intensidade e


avaliação, enquanto as respostas com escala de capacidade e freqüência estão
presentes em menor número. Dentre as três formas de resposta previstas na escala
de avaliação, há predominância das questões relacionadas à satisfação (muito
insatisfeito - muito satisfeito) com 29 incidências, seguidas pelas questões com
enfoque absoluto na avaliação (muito ruim - muito bom) com sete incidências e,
finalizando, com uma única resposta que faz menção à felicidade (muito infeliz -
muito feliz).
1.2.3 Cálculo do escore do WHOQOL-100
Os resultados da aplicação do WHOQOL-100 são expressos através dos
escores de cada faceta e domínio. É realizado também o cálculo da estatística
descritiva de cada faceta e domínio. A OMS aconselha a utilização do software
estatístico SPSS para o cálculo dos resultados do WHOQOL-100.
Os escores dos domínios e facetas do WHOQOL-100 são realizados da
seguinte forma:
 É verificado se todas as 100 questões foram preenchidas com valores entre 1
e 5.
 Invertem-se as 18 questões cuja escala de respostas é invertida.
 Os escores das facetas são calculados a partir da média aritmética simples
das questões que compõem cada faceta, seguidos de uma multiplicação por
quatro. Serão computadas somente as facetas que possuírem pelo menos
três itens válidos.
 Calculam-se então os escores dos domínios, através da média aritmética
simples entre os escores das facetas que compõem cada domínio. O domínio
será calculado somente se o número de facetas inválidas não for igual ou
superior a dois. No caso de facetas em escala inversa (todas as questões
pertencentes à faceta são realizadas em escala invertida), realiza-se a
inversão dessa faceta para o prosseguimento do cálculo.
 Realiza-se uma contagem do total de itens respondidos por cada
respondente. São computados no cálculo somente os respondentes que
preencheram corretamente pelo menos 80 itens (80% dos itens do
instrumento).
 Por fim, é realizada a estatística descritiva de cada faceta e domínio. Os
elementos calculados são: média, desvio padrão, valor mínimo e valor
máximo.

Os resultados do WHOQOL-100 são expressos em uma escala variante entre


4 e 20 pontos. Tal escala se deve ao fato de o cálculo do escore das facetas ser
realizado pela multiplicação da média das questões que constituem cada faceta por
quatro. Como cada domínio é calculado através da média aritmética simples das
facetas que o compõem, sem ser seguido de qualquer outro parâmetro, os
resultados são expressos na mesma escala das facetas.
Embora não conste na sintaxe proposta pela equipe responsável pela
tradução e validação do WHOQOL no Brasil, o Manual do Usuário do WHOQOL
(WHOQOL Group, 1998) propõe a conversão dos resultados para uma escala de 0 a
100.
1.2.4 Inversão da escala respostas de questões e facetas
A inversão das questões é utilizada com o objetivo de padronizar todas as
respostas do instrumento, de forma que, quanto mais positiva a resposta, ela deve
se aproximar de 5. Por conseguinte, quanto mais negativa a resposta, deve se
aproximar de 1. Desta forma, todas as questões de cada faceta são convertidas para
uma mesma escala, onde o aumento gradativo da resposta equivale, na mesma
proporção, ao aumento no resultado positivo da faceta.
No caso de todas as quatro questões que constituem uma faceta serem
dispostas em escala invertida, essa mesma lógica é utilizada, mas somente no
cálculo do domínio. Ou seja, o resultado dessas facetas é expresso na escala
original, sem inversão (quanto mais próximo de 1, mais positivo é o resultado e,
quanto mais próximo de 5, mais negativo é o resultado). Entretanto, ao se calcular o
escore dos domínios nos quais tais facetas estão inseridas, o escore é invertido.
Para a inversão da escala de resposta das questões, o valor mínimo da
questão de escala invertida deve ser substituído pelo valor máximo da questão de
escala normal, assim como o valor máximo da questão de escala invertida deve ser
substituído pelo valor mínimo da questão de escala normal. Igualmente deve ocorrer
com os valores intermediários, seguindo essa lógica. Assim, o único valor que não é
alterado é o valor central que, tanto na escala normal quanto na escala invertida,
permanece o mesmo.
É preciso estar atento a esse fato, pois, ao se compararem os resultados
entre as facetas, o escore de uma faceta de escala invertida não pode ser
diretamente comparado ao escore de uma faceta de escala normal. Para a
conversão de uma questão de escala invertida para a escala normal, deve-se
subtrair a resposta da questão de seis (6) unidades. Pode se observar, no quadro
abaixo, os valores assumidos pelas respostas de questões cuja escala é invertida:
TIPO DE ESCALA 0% 25% 50% 75% 100%
Normal 1 2 3 4 5
Invertida 5 4 3 2 1
Quadro 2: Conversão de escala

Já no caso das facetas, o escore da faceta invertida deve ser subtraído de 24


unidades. Portanto, após a conversão de uma faceta negativa, os valores 4, 8, 12,
16 e 20 passam a assumir os valores 20, 16, 12, 8 e 4, respectivamente. De forma
simplificada, basta substituir os valores 1, 2, 3, 4 e 5 do Quadro 2 por 4, 8, 12, 16 e
20, nessa respectiva ordem.

1.3 Questões, domínios e facetas do WHOQOL-100


Composto por 100 questões, o WHOQOL-100 é seccionado em 24 grupos de
quatro questões cada, recebendo a denominação de “facetas”. Por sua vez, um
determinado número de facetas constitui um “domínio”. Ao contrário da composição
das facetas, os seis domínios do WHOQOL-100 não são constituídos pelo mesmo
número de facetas, podendo variar de uma a oito facetas constituintes de um
domínio. É também composto por uma faceta adicional, que não está inserida em
nenhum domínio, e avalia a qualidade de vida, do ponto de vista do respondente.
As questões que compõem o WHOQOL-100 não estão dispostas no
questionário seguindo uma seqüência lógica por domínio ou por faceta, mas
agrupadas pelo tipo de escala de respostas. Sendo assim, o respondente não está
apto a identificar o domínio ou faceta à qual pertence determinada questão. A
distribuição das facetas e domínios do WHOQOL-100 são relacionados no quadro a
seguir:

DOMÍNIOS FACETAS
1. Dor e desconforto
Domínio I - Domínio físico 2. Energia e fadiga
3. Sono e repouso
4. Sentimentos positivos
5. Pensar, aprender, memória e concentração
Domínio II - Domínio psicológico 6. Auto-estima
7. Imagem corporal e aparência
8. Sentimentos negativos
9. Mobilidade
Domínio III - Nível de 10. Atividades da vida cotidiana
Independência 11. Dependência de medicação ou de tratamentos
12. Capacidade de trabalho
13. Relações pessoais
Domínio IV - Relações sociais 14. Suporte (apoio) social
15. Atividade sexual
Domínio V - Ambiente 16. Segurança física e proteção
17. Ambiente no lar
18. Recursos financeiros
19. Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e
qualidade
20. Oportunidades de adquirir novas informações e
habilidades
21. Participação em, e oportunidades de recreação/lazer
22. Ambiente físico (poluição/ruído/trânsito/clima)
23. Transporte
Domínio VI - Aspectos
espirituais/Religião/Crenças 24. Espiritualidade/religião/crenças pessoais
pessoais
Quadro 3: Domínios e facetas dos WHOQOL-100

As questões pertencentes a cada faceta e domínio podem ser visualizadas a


seguir. Questões em que a escala de respostas é invertida são grafadas em itálico.
Os domínios compostos por todas as questões em escala invertida também são
grafados em itálico.
1.3.1 Domínio Físico
O Domínio Físico é composto por três facetas:
 Dor e desconforto (vivência de sensações físicas desagradáveis e o quanto
essas sensações interferem na vida da pessoa).
 Energia e fadiga (energia, entusiasmo e resistência que uma pessoa possui
para realizar as tarefas da vida cotidiana e outras atividades).
 Sono e repouso (quanto o sono, o repouso e problemas relacionados a eles
afetam a qualidade de vida).

As questões que compõem o domínio físico são:

Você se preocupa com sua dor ou desconforto (físicos)?


Quão difícil é para você lidar com alguma dor ou desconforto?
Dor e desconforto Em que medida você acha que sua dor (física) impede você de fazer o que
você precisa?
Com que freqüência você sente dor (física)?
Quão facilmente você fica cansado(a)?
O quanto você se sente incomodado(a) pelo cansaço?
Energia e fadiga
Você tem energia suficiente para o seu dia-a-dia?
Quão satisfeito(a) você está com a energia (disposição) que você tem?
Você tem alguma dificuldade para dormir (com o sono)?
O quanto algum problema com o sono lhe preocupa?
Sono e repouso
Quão satisfeito(a) você está com o seu sono?
Como você avaliaria o seu sono?
Quadro 4: Facetas e questões do Domínio Físico

1.3.2 Domínio Psicológico


O Domínio Psicológico engloba cinco facetas:
 Sentimentos positivos (vivência de sentimentos positivos de satisfação,
equilíbrio, paz, felicidade, esperança, prazer e aproveitamento das coisas
boas da vida).
 Pensar, aprender, memória e concentração (capacidade de pensar, aprender,
memorizar, se concentrar e a habilidade de tomar decisões).
 Auto-estima (como as pessoas se sentem com relação a si mesmas).
 Imagem corporal e aparência (como a pessoa enxerga o seu próprio corpo).
 Sentimentos negativos (vivência de sentimentos negativos, como desânimo,
culpa, tristeza, choro, desespero, nervosismo, ansiedade e falta de prazer na
vida).

As questões que constituem o Domínio Psicológico são:

O quanto você aproveita a vida?


Sentimentos Quão otimista você se sente em relação ao futuro?
positivos O quanto você experimenta sentimentos positivos em sua vida?
Em geral, você se sente contente?
O quanto você consegue se concentrar?
Pensar, aprender, Quão satisfeito(a) você está com a sua capacidade de aprender novas
memória e informações?
concentração Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de tomar decisões?
Como você avaliaria sua memória?
O quanto você se valoriza?
Quanta confiança você tem em si mesmo?
Auto-estima
Quão satisfeito(a) você está consigo mesmo?
Quão satisfeito(a) você está com suas capacidades?
Você se sente inibido(a) por sua aparência?
Imagem corporal Há alguma coisa em sua aparência que faz você não se sentir bem?
e aparência Você é capaz de aceitar a sua aparência física?
Quão satisfeito(a) você está com a aparência de seu corpo?
Quão preocupado(a) você se sente?
Quanto algum sentimento de tristeza ou depressão interfere no seu dia-a-
Sentimentos dia?
negativos O quanto algum sentimento de depressão lhe incomoda?
Com que freqüência você tem sentimentos negativos, tais como mau
humor, desespero, ansiedade, depressão?
Quadro 5: Facetas e questões do Domínio Psicológico

1.3.3 Domínio Nível de Independência


O Domínio Nível de Independência é constituído por quatro facetas:
 Mobilidade (habilidade de se locomover de um local para outro, de se
movimentar em sua residência ou em seu local de trabalho).
 Atividades da vida cotidiana (capacidade de realizar as atividades habituais
do dia-a-dia).
 Dependência de medicação ou de tratamentos (dependência de medicação
ou tratamentos alternativos ou para sustentar o bem-estar físico e
psicológico).
 Capacidade de trabalho (o consumo de energia para a realização do trabalho
ou qualquer atividade com que a pessoa está comprometida).

As questões do Domínio Nível de Independência são:

Mobilidade Quão bem você é capaz de se locomover?


O quanto alguma dificuldade de locomoção lhe incomoda?
Em que medida alguma dificuldade em mover-se afeta a sua vida no dia-a-
dia?
Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de se locomover?
Em que medida você tem dificuldade em exercer suas atividades do dia-a-
dia?
Quanto você se sente incomodado por alguma dificuldade em exercer as
Atividades da vida
atividades do dia-a-dia?
cotidiana
Em que medida você é capaz de desempenhar suas atividades diárias?
Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de desempenhar as
atividades do seu dia-a-dia?
Quanto você precisa de medicação para levar a sua vida do dia-a-dia?
Quanto você precisa de algum tratamento médico para levar sua vida
Dependência de
diária?
medicação ou de
Em que medida a sua qualidade de vida depende do uso de medicamentos
tratamentos
ou de ajuda médica?
Quão dependente você é de medicação?
Você é capaz de trabalhar?
Capacidade de Você se sente capaz de fazer as suas tarefas?
trabalho Quão satisfeito(a) você está com a sua capacidade para o trabalho?
Como você avaliaria a sua capacidade para o trabalho?
Quadro 6: Facetas e questões do Domínio Nível de Independência

1.3.4 Domínio Relações Sociais


O Domínio Relações Sociais contém três facetas:
 Relações pessoais (percepção do companheirismo, amor e o apoio das
pessoas próximas).
 Suporte/apoio social (percepção do comprometimento, condições e
disponibilidade do auxílio recebido da família e de amigos).
 Atividade sexual (impulso e desejo de manter relações sexuais, e até que
ponto lhe é possível expressar e satisfazer apropriadamente seus desejos
sexuais).

As questões do Domínio Relações Sociais são:

Quão sozinho(a) você se sente em sua vida?


Quão satisfeito(a) você está com suas relações pessoais (amigos,
Relações
parentes, conhecidos, colegas)?
pessoais
Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de dar apoio aos outros?
Você se sente feliz em sua relação com as pessoas de sua família?
Você consegue dos outros o apoio de que necessita?
Suporte (apoio) Em que medida você pode contar com amigos quando precisa deles?
social Quão satisfeito(a) você está com o apoio que você recebe de sua família?
Quão satisfeito(a) você está com o apoio que você recebe de seus amigos?
Quão satisfeitas estão as suas necessidades sexuais?
Você se sente incomodado(a) por alguma dificuldade na sua vida sexual?
Atividade sexual
Quão satisfeito(a) você está com sua vida sexual?
Como você avaliaria sua vida sexual?
Quadro 7: Facetas e questões do Domínio Relações sociais

1.3.5 Domínio Ambiente


O Domínio Ambiente é o domínio mais complexo, e se constitui de oito
facetas:
 Segurança física e proteção (sensação de viver em um ambiente seguro e
segurança com relação a danos físicos).
 Ambiente do lar (local onde a pessoa vive e o quanto ele influencia em sua
vida).
 Recursos financeiros (até que ponto os recursos financeiros correspondem às
necessidades para se levar um estilo de vida saudável e confortável).
 Cuidados de saúde e sociais (disponibilidade e qualidade dos serviços de
saúde e assistência social).
 Oportunidade de adquirir novas informações e habilidades (oportunidade e
anseio de aprender novas habilidades e adquirir novos conhecimentos).
 Participação em oportunidades de recreação/lazer (oportunidade e disposição
para participar em atividades de lazer, passatempos e descanso).
 Ambiente físico (percepção sobre o ambiente, incluindo o ruído, poluição,
clima e aspectos gerais do ambiente que podem influenciar na qualidade de
vida).
 Transporte (o quanto é disponível ou fácil para se encontrar e fazer uso de
serviços de transporte).

As questões constituintes do Domínio Ambiente são:

Quão seguro(a) você se sente em sua vida diária?


Você acha que vive em um ambiente seguro?
Segurança física
e proteção O quanto você se preocupa com sua segurança?
Quão satisfeito(a) você está com a sua segurança física (assaltos,
incêndios etc.)?
Quão confortável é o lugar onde você mora?
O quanto você gosta do lugar onde você mora?
Ambiente no lar Em que medida as características de seu lar correspondem às suas
necessidades?
Quão satisfeito(a) você está com as condições do local onde mora?
Você tem dificuldades financeiras?
Recursos O quanto você se preocupa com dinheiro?
financeiros Você tem dinheiro suficiente para satisfazer suas necessidades?
Quão satisfeito(a) você está com sua situação financeira?
Quão facilmente você tem acesso a bons cuidados médicos?
Cuidados de
Quão satisfeito(a) você está com o seu acesso aos serviços de saúde?
saúde e sociais:
disponibilidade e Quão satisfeito(a) você está com os serviços de assistência social?
qualidade Como você avaliaria a qualidade dos serviços de assistência social
disponíveis para você?
Quão disponível para você estão as informações de que precisa no seu dia-
a-dia?
Oportunidades de Em que medida você tem oportunidades de adquirir informações que
adquirir novas considera necessárias?
informações e Quão satisfeito(a) você está com as suas oportunidades de adquirir novas
habilidades habilidades?
Quão satisfeito(a) você está com as suas oportunidades de obter novas
informações?
Participação em, O quanto você aproveita o seu tempo livre?
e oportunidades Em que medida você tem oportunidades de atividades de lazer?
de Quanto você é capaz de relaxar e curtir você mesmo?
recreação/lazer Quão satisfeito(a) você está com a maneira de usar o seu tempo livre?
Quão saudável é o seu ambiente físico (clima, barulho, poluição, atrativos)?
Ambiente físico Quão preocupado(a) você está com o barulho na área em que você vive?
(poluição/ruído/ Quão satisfeito(a) você está com o seu ambiente físico (poluição, clima,
trânsito/clima) barulho, atrativos)?
Quão satisfeito(a) você está com o clima do lugar em que vive?
Em que medida você tem problemas com transporte?
O quanto as dificuldades de transporte dificultam sua vida?
Transporte
Em que medida você tem meios de transporte adequados?
Quão satisfeito(a) você está com o seu meio de transporte?
Quadro 8: Facetas e questões do Domínio Ambiente

1.3.6 Domínio Espiritualidade/religião/crenças pessoais


O Domínio Espiritualidade/religião/crenças pessoais é formado por uma única
faceta, que recebe o mesmo título do domínio As questões relativas a esse domínio
abordam o quanto tais fatores influenciam na qualidade de vida da pessoa,
conforme consta no quadro a seguir:

Suas crenças pessoais dão sentido à sua vida?


Espiritualidade/ Em que medida você acha que sua vida tem sentido?
religião/crenças Em que medida suas crenças pessoais lhe dão força para enfrentar
pessoais dificuldades?
Em que medida suas crenças pessoais lhe ajudam a entender as
dificuldades da vida?
Quadro 9: Facetas e questões do Domínio Espiritualidade/religião/crenças pessoais

9.3.7 Qualidade de vida global e percepção geral da saúde


O WHOQOL-100 possui uma faceta que não está inserida em nenhum
domínio. Esta faceta, nomeada “Qualidade de vida global e percepção geral da
saúde” (WHOQOL Group, 1998), aborda uma auto-avaliação da qualidade de vida,
em que o respondente expressa o seu ponto de vista de satisfação com a sua vida,
saúde e qualidade de vida. As questões da 25ª faceta são:

Quão satisfeito(a) você está com a qualidade de sua vida?


Qualidade de
Em geral, quão satisfeito(a) você está com a sua vida?
vida do ponto de
vista do avaliado Quão satisfeito(a) você está com a sua saúde?
Como você avaliaria sua qualidade de vida?
Quadro 10: Questões sobre a qualidade de vida do ponto de vista do respondente

1.4 Ferramenta para tabulação e cálculo dos resultados do WHOQOL-100


Embora o Grupo WHOQOL recomende a utilização da sintaxe SPSS para os
cálculos dos escores e a estatística descritiva dos domínios e facetas dos seus
instrumentos, tal escolha é livre, desde que sejam seguidos os mesmos
procedimentos pré-estabelecidos.
Nessa perspectiva, objetivou-se a disponibilização de uma ferramenta para
tabulação e resultados do WHOQOL-100, através do software Microsoft Excel. A
escolha de tal software justifica-se pelo fato de ser o software no estilo “planilha
eletrônica” mais utilizado no mundo. Embora não se tenha encontrado nenhuma
fonte precisamente confiável que confirme tal afirmação, é claramente perceptível
que a grande maioria de aplicações que utilizam cálculos e gráficos são realizadas
pelo Microsoft Excel.
A ferramenta proposta neste estudo realiza automaticamente todos os
cálculos propostos pelo Grupo WHOQOL, sendo que o pesquisador que utilizá-la
precisa apenas preencher as respostas concedidas pelos respondentes nas células
especificadas. Para o cálculo do escore das facetas, utilizam-se os mesmos critérios
de exclusão de respondentes propostos pelo WHOQOL:
 Caso algum respondente tenha deixado de responder 20 ou mais questões, o
pesquisador será instruído para excluir tal respondente.
 Caso alguma resposta tenha sido preenchida com algum valor que não
conste entre o intervalo de 1 a 5, o número de respostas inválidas será
notificado ao pesquisador, e as respostas inválidas estarão em destaque.
 As questões de escala invertida são devidamente convertidas.
 Caso somente três questões tenham sido respondidas corretamente, a faceta
será calculada através da média das respostas dessas questões.
 Se duas ou mais questões de uma mesma faceta não forem respondidas, ou
tenham sido respondidas com um valor que não conste no intervalo de 1 a 5,
o escore de tal faceta não é calculado.
 Se duas ou mais facetas pertencentes ao mesmo domínio não tiverem sido
pontuadas (em virtude do tópico anterior), o escore desse domínio não será
calculado.
 É calculado um escore “Total” do respondente. Proposto pelo autor, tal escore
consiste no cálculo da média aritmética simples dos escores das 25 facetas.
 A estatística descritiva de cada questão, faceta, domínio e “Total” são
calculados. Os valores apresentados na estatística descritiva são: média,
desvio padrão, valor máximo, valor mínimo, coeficiente de variação e
amplitude (os dois últimos foram adicionados pelo autor).
 As médias dos escores das facetas são convertidas em uma escala de 0 a
100 e são exibidas em um gráfico.
 As médias dos escores dos domínios são convertidas em uma escala de 0 a
100 e são exibidas em um gráfico.

Após a inserção dos dados, para a utilização dos resultados de sua pesquisa,
o pesquisador poderá copiar os escores individuais de cada respondente, os
resultados da estatística descritiva e os gráficos; entretanto, não pode modificar tais
resultados. A única área que lhe é permitida a inserção e edição de valores é a da
tabulação das respostas dos respondentes. Também é permitida a exclusão de
linhas para remover os respondentes que não preencheram devidamente o
questionário.
O requisito para a utilização da presente ferramenta é um computador ou
notebook com o software Microsoft Excel instalado. O download da ferramenta pode
ser realizado através da URL: http://www.brunopedroso.com.br/bpwhoqol-100.xls
que também pode ser solicitada através do envio de um e-mail para o autor.

1.5 Considerações finais


A crescente preocupação com a qualidade de vida tem instigado
pesquisadores de diversas áreas a estudar esse fenômeno. Inúmeros instrumentos
de avaliação da qualidade de vida, direcionados para os mais variados contextos,
têm sido desenvolvidos. Entretanto, o WHOQOL-100 foi o primeiro instrumento a
avaliar a qualidade de vida como um todo, de forma global.
O WHOQOL é o instrumento de avaliação da qualidade de vida proposto pela
OMS e representa o resultado de estudos realizados em 15 centros de pesquisa
distintos, seguindo uma metodologia rígida que visou garantir-lhe o maior
cientificismo possível. Sua difusão já ultrapassa 50 idiomas, e sua utilização
permanece em grande escala.
Nessa perspectiva, o presente estudo objetivou a disponibilização de uma
ferramenta gratuita, de fácil acesso, desenvolvida em uma plataforma amplamente
difundida, simples de manusear e que permite realizar aplicações do WHOQOL-100
sem necessitar a utilização da sintaxe SPSS.

1.6 Referências
FLECK, M. P. A. O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização
Mundial da Saúde (WHOQOL-100): características e perspectivas. Ciência e Saúde
Coletiva. Vol. 5, n.1, p.33-38, 2000.
FLECK, M. P. A. et al. Aplicação da versão em português do instrumento de
avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100).
Revista de Saúde Pública. Vol. 33, n. 2, p. 198-205, 1999a.
FLECK, M. P. A. et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de
avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Revista Brasileira de
Psiquiatria. Vol. 21, n.1, p.19-28, 1999b.
FLECK, M. P. A. et al. Problemas conceituais em qualidade de vida. In: A avaliação
de qualidade de vida: guia para profissionais da saúde. Porto Alegre: Artmed, 2008.
Grupo WHOQOL. Versão em português dos instrumentos de avaliação da qualidade
de vida (WHOQOL) 1998. Disponível em <http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol1.html>.
Acesso em 13 abr. 2008.
UNIVERSITY OF BATH. About the WHO Field Centre for the Study of Quality of Life.
Disponível em: <http://www.bath.ac.uk/whoqol/about.cfm>. Acesso em 13-abr-2008.
WHOQOL Group. WHOQOL User Manual. Geneva: 1998.
2. PROCEDIMENTOS NO PLANEJAMENTO DE AMOSTRAS
EM PESQUISAS SOBRE QUALIDADE DE VIDA

Luciana da Silva Timossi


Antonio Carlos de Francisco
Guataçara dos Santos Junior

2.1 Introdução
Atualmente, percebe-se uma abordagem diferenciada relacionada à
Qualidade de Vida (QV) das pessoas, apontando a uma valorização de fatores
inerentes ao ser humano, como grau de satisfação, realização tanto profissional
como pessoal, bom relacionamento com a sociedade e acesso à cultura e ao lazer
como exemplos reais de bem-estar.
Pesquisas em vários países, incluindo o Brasil, mostram que o estilo de vida
coloca-se como um dos fatores mais importantes e determinantes da QV e saúde de
indivíduos, grupos e comunidades (NAHAS, 2001). Devido à influência do estilo de
vida e da atividade física na saúde das pessoas e principalmente dos trabalhadores,
este assunto se torna preocupação, pois baixos níveis de saúde e bem-estar podem
provocar conseqüências tanto para o indivíduo quanto para a organização de
trabalho (DANNA; GRIFFIN, 1999).
Desta forma, a análise da QV em colaboradores tem se mostrado de grande
importância quando se buscam melhorias no ambiente de trabalho e no setor
produtivo. Isso possibilita uma gestão da saúde do colaborador com uma visão mais
abrangente, valorizando um estilo de vida mais saudável, que adicione grande parte
dos fatores essenciais para alcançar e, principalmente, manter uma boa QV dentro e
fora do ambiente laboral. A utilização dessas informações pode melhor direcionar e
fundamentar programas de promoção da saúde de colaboradores, proporcionando,
assim, condições ao indivíduo de utilizar todo o seu potencial produtivo.
É consenso entre as empresas, que investem na saúde de seus
trabalhadores, o fato de que eles não se tornam ou permanecem saudáveis por
acaso, mas que deve haver um comprometimento delas para que isso aconteça
(HUNNICUTT, 2001).
Para Ferriss (2006, p. 117), a QV é o resultado de duas forças - endógenas e
exógenas. “As endógenas incluem forças mentais, emocionais e respostas
fisiológicas do indivíduo para com a sua vida. As forças exógenas incluem a
estrutura social, cultural, social psicológica e influências do ambiente social que
afetam o indivíduo, grupo e a comunidade”. De forma generalizada, a investigação
em QV está intimamente relacionada a fatores como: estado de saúde, longevidade,
satisfação no trabalho, salário, lazer, relações familiares, disposição, prazer e
espiritualidade dos indivíduos, sendo este conceito diferente de pessoa para pessoa
e mudando ao longo da vida (NAHAS, 2001).
Em pesquisas sobre QV, quando se busca obter resultados com significância
expressiva, seja analisando quantitativamente ou qualitativamente, a definição da
seleção da amostra é de grande importância. Um dos primeiros obstáculos que se
encontra é o tamanho mínimo da amostra necessário que se deve obter para iniciar
o trabalho de coleta dos dados. Na aplicação dos instrumentos de pesquisa que
avaliam a QV, como saber quantos indivíduos da população alvo da pesquisa devem
ser escolhidos? A determinação do tamanho da amostra é um problema de grande
relevância, porque amostras demasiadamente pequenas podem levar a resultados
não confiáveis e amostras desnecessariamente grandes levam a desperdícios de
tempo e dinheiro.
Os principais erros originados pelo não planejamento do tamanho mínimo
necessário da amostra são: a pesquisa pode mostrar-se enganosa, inviável,
coletam-se dados de tamanho aleatório e insuficiente, os erros nas conclusões
podem atingir grandes amplitudes levando à conclusão errônea e não condizente
com a realidade daquela população em estudo. Por isso mesmo, quando se propõe
analisar a QV em colaboradores de uma determinada empresa, um procedimento
bem delineado deve ser seguido. Esse é o principal objetivo deste trabalho, ou seja,
propor um procedimento com dimensão adequada da amostra, para que se possa
avaliar com segurança estatística a QV de colaboradores de uma empresa qualquer.

2.2 Instrumento de pesquisa utilizado na avaliação da qualidade de vida


Para fornecer os indicadores da Qualidade de Vida, foi selecionado o
Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida proposto pela Organização Mundial
da Saúde (OMS), o WHOQOL-100. Ao todo são 100 questões, envolvendo seis
domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio
ambiente e espiritualidade/crenças pessoais. Esses seis domínios são subdivididos
em 24 facetas específicas, cada qual composta por quatro perguntas. Há ainda
quatro perguntas que não fazem parte das 24 facetas e se referem às questões
gerais sobre QV e saúde (FLECK, 1999).
De acordo com Fleck (1999, p. 19) “o instrumento de avaliação de Qualidade
de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100) apresenta condições
para aplicação no Brasil em sua versão original em português”. A avaliação dos
resultados é feita mediante a atribuição de escores para cada questão, os quais
podem ser transformados numa escala de zero (0) a cem (100), onde zero
corresponde a uma pior QV, e o cem, a uma melhor QV. Cada domínio pode ser
analisado separadamente ou de forma conjunta. A tabela 1 apresenta os domínios e
as facetas presentes no instrumento WHOQOL-100.

Domínios e facetas do WHOQOL-100


Domínio I – Domínio Físico Domínio IV – Relações sociais
1. Dor e desconforto 13. Relações pessoais
2. Energia e fadiga 14. Apoio social
3. Sono e repouso 15. Atividade sexual
Domínio II – Domínio psicológico Domínio V – Ambiente
4. Sentimentos positivos 16. Segurança física e proteção
5. Pensar, aprender, memória e 17. Ambiente no lar
concentração
6. Auto-estima 18. Recursos financeiros
7. Imagem corporal e aparência 19. Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e
qualidade
8. Sentimentos negativos 20. Oportunidade de adquirir novas informações e
habilidades
4. Sentimentos positivos 21. Participação em oportunidades de recreação/lazer
Domínio III – Nível de independência 23. Transporte
9. Mobilidade
10. Atividades da vida cotidiana Domínio VI – Aspectos espirituais /crenças pessoais
11. Dependência de medicação ou 24. Espiritualidade/religião/crenças pessoais
tratamento
12. Capacidade de trabalho
Fonte: Fleck, et al. (1999, p.22)
Tabela 1 - Domínios e facetas do WHOQOL-100

Para as respectivas respostas aos questionamentos são usados quatro tipos


de escalas de respostas: intensidade, capacidade, avaliação e freqüência, todos
representados na tabela 2 abaixo.

Escala 0% âncora 25% 50% 75% 100% âncora


muito nem satisfeito
insatisfeito insatisfeito nem satisfeito muito satisfeito
Avaliação insatisfeito
muito ruim ruim nem ruim bom muito bom
nem bom
muito infeliz infeliz nem feliz feliz muito feliz
nem infeliz

Capacida nada muito completament


de pouco médio muito e
Freqüênci nunca
a raramente às vezes repetidamente sempre
Fonte: Adaptado de Fleck, et al. (1999, p.27)
Tabela 2 - Escala de respostas para as escalas de avaliação, capacidade e freqüência

A interpretação desse instrumento pode ser feita de modo individual ou


coletivo. Usualmente em empresas as análises são apresentadas por setores de
produção.

2.3 Procedimento de coleta de dados


Verifica-se que, em grande parte das avaliações de QV, incluindo também o
WHOQOL-100, os indivíduos são pontuados dentro de uma escala. Com esse
resultado parcial é contabilizado um valor médio por indivíduo, podendo até se obter
um valor médio único para a população alvo da pesquisa. Logo se está trabalhando
com estimativas de médias populacionais. Como se utilizam amostras, as
estimativas médias obtidas não são isentas de erros. Todas as estimativas médias
obtidas para os respectivos domínios de QV apresentam erros e estes também
podem ser estimados. Sabendo disso pode-se pensar em procurar eliminar tais
erros. Porém, não é possível eliminar todos os erros presentes, mas ao menos é
possível minimizar tais erros.
No planejamento da pesquisa, o tamanho mínimo da amostra necessária para
a sua realização, que neste caso é uma estimativa de médias populacionais,
depende da variação dos dados que compõem a população, ou pelo menos de uma
estimativa dessa variação, da margem de erro máxima com a qual se pretende
estimar as médias populacionais, além do grau de confiança em que se pretende
trabalhar, normalmente se utiliza 95% ou 99%. Desta forma, pode-se pensar: e o
tamanho da população alvo da pesquisa não influencia no tamanho da amostra a ser
adotado?
A resposta para esse questionamento está na diferença em se trabalhar com
população considerada de tamanho infinito ou de tamanho finito. Quando a
população alvo da pesquisa é muito grande, o cálculo do tamanho da amostra não é
influenciado. Mas, quando a população é considerada relativamente pequena, este
tamanho da população é considerado no cálculo do tamanho da amostra. Outro
questionamento pode surgir: o que é uma população de tamanho infinito ou finito?
Essas definições não são bem claras e precisas. Porém um bom critério que pode
ser adotado para diferenciar população de tamanho infinito de população de
tamanho finito é considerar que toda população em que seja composta de mais de
cem mil elementos ou indivíduos seja considerada como infinita e abaixo desse
número seja considerada finita.
De acordo com TRIOLA (2005), quando se deseja trabalhar com populações
de tamanhos infinitos com objetivo de se estimarem médias populacionais, o
tamanho da amostra mínimo necessário para se fazer tal estimativa é calculado pela
seguinte equação:

2
§ zD / 2 .V ·
n ¨ ¸ (1)
© E ¹
Equação 1 – Equação para estimar o tamanho da amostra em populações infinitas
Fonte: Triola (2005)

Quando o tamanho da população alvo da pesquisa é considerado finito, o que


realmente acorre na grande maioria dos casos quando se trabalha com a
investigação de QV em empresas, o tamanho mínimo da amostra necessário para
se estimarem as médias populacionais é obtido com o auxílio da equação:

2
NV 2 zD / 2
n (2)
N  1 E 2  V 2 zD / 2 2
Equação 2 – Equação para estimar o tamanho da amostra em populações finitas
Fonte: Triola (2005)

Em ambas as equações, (1) e (2), Z D / 2 é o valor crítico, o qual está


relacionado com o grau de confiança adotado no planejamento da pesquisa. Como é
comum trabalhar com 95% ou 99% de confiança, os valores críticos realcionados a
eles são, respectivamente, 1,96 e 2,575. Na equação 2, por se trabalhar com uma
população dita finita quanto ao seu tamanho, N indica o tamanho da população alvo
da pesquisa. Logo, N deve ser conhecido. No planejamento do tamanho da amostra,
como já mencionado, é necessário adotar a margem de erro E máxima que se
deseja trabalhar nas estimativas das médias populacionais. Percebe-se também,
nas equações 1 e 2, que n é dependente também do desvio-padrão populacional,
indicado nas duas equações por V . A adoção de uma margem de erro E
conveniente é muito importante e essa escolha será mais próxima da ideal quanto
maior for a experiência do pesquisador no tema tratado. É importante ressaltar que,
à medida que se aumenta o valor de E, o tamanho da amostra mínimo necessário
para se realizar a pesquisa diminui sensivelmente e vice-versa.
Um obstáculo na utilização das equações 1 e 2 é o valor a ser adotado para
V . Este indica o desvio-padrão dos dados populacionais. Quando os dados
populacionais não são conhecidos e não se tem ao menos uma amostra, como
atribuir um valor para V ? Para o V ser conhecido, seria preciso conhecer os dados
populacionais. Mas nesse caso não seria necessária a pesquisa, pois já se
conheceria o comportamento da população. Então, como obter um valor para V
confiável e o mais próximo da realidade? Segundo DEVORE (2006), existem três
possibilidades de se obter uma estimativa para o V . A primeira é adotar um valor
para V supondo que este é conhecido. Isto é possível se for adotado um valor
obtido de trabalhos anteriores relativos à mesma população alvo da pesquisa. Mas
esse procedimento é muito raro de acontecer. Sendo V não conhecido, e é o mais
plausível de acontecer, têm-se duas possibilidades. Quando se tem uma estimativa
do menor e maior valor que ocorrem na população alvo da pesquisa pode-se utilizar
a amplitude dividida por quatro como estimativa para V . Essa sugestão é
equacionada como segue:

amplitude maior valor - menor valor


V| (3)
4 4
Equação 3 – Equação para estimar o V
Fonte: Devore (2006)
Entretanto, o mais indicado é realizar uma sondagem na população alvo da
pesquisa, ou seja, realizar um estudo piloto com uma amostra no mínimo composta
de 31 elementos ou indivíduos. O número 31 vem do fato de que, para estimativas
de médias populacionais, este número indica uma grande amostra, o que justifica a
utilização da distribuição normal para se estabelecer o valor crítico Z D / 2 adotado.
Com a amostra obtida desse estudo piloto se obtém uma estimava para V . Logo,
este deve ser usado no cálculo de n nas equações (1) e (2).
Pode haver o questionamento de quanto de confiança pode ser depositado
nessa estimativa de V obtida neste estudo piloto, cuja resposta pode-se obter
através do cálculo de um intervalo de confiança para o V estimado. De acordo com
a abordagem de estimativas de médias populacionais supõe-se que a população
tenha valores distribuídos normalmente. Quando isso não ocorre, os danos
causados pelos devios apresentados quanto à normalidade não são muito sérios.
Entretanto, quando se trabalha com estimativas de variâncias e conseqüentemente
de desvios-padrão e com populações não-normais, podem-se obter sérios erros. Isto
significa que podem ocorrer inferências enganosas sobre a variância populacional
ou sobre o desvio-padrão populacional se a população não segue uma distribuição
normal.
De acordo com (LEVINE, 2005), as variâncias amostrais s 2 tendem a centrar-
se no valor da variância populacional V 2 . Por isso diz-se que s 2 é um estimador não
tendencioso de V 2 , ou seja, os valores de s 2 tendem para o valor alvo de V 2 .
Contudo, o mesmo não ocorre com o desvio-padrão amostral s e o desvio-padrão
populacional V , porque s é um estimador tendencioso de V . Mas essa
tendenciosidade em s de sobreestimar ou subestimar V pode ser muito pequena
quando se utiliza uma grande amostra. Com isso, pode-se utilizar s com uma boa e
razoável estimativa para V quando se trabalha com uma grande amostra.
Enquanto que, para estimativas de médias populacionais os valores críticos
são obtidos da distribuição Z padronizada ou t de Student, para estimativas de
variâncias ou desvios-padrão populacionais utiliza-se a distribuição Qui-Quadrado.
As propriedades da distribuição da estatística Qui-Quadrado podem ser consultadas,
por exemplo, em TRIOLA ( 2005, p. 268).
De acordo com LEVINE (2005), com a equação 4 se pode obter um intervalo
de confiança para a estimativa de V :

n  1 s 2 V 
n  1 s 2 , (4)
F D2 F E2
Equação 4 – Equação para estimar o V
Fonte: Levine (2005)

O n denota o tamanho da amostra utilizado, s 2 representa a variância


amostral calculada com os dados amostrais, F E2 e F D2 se referem aos valores
críticos obtidos, respectivamente, da extrema esquerda e extrema direita da tabela
da distribuição Qui-Quadrado. Portanto, com a equação 4 se obtêm os limites,
inferior e superior, do intervalo de confiança para V . Salienta-se que os valores
críticos F E2 e F D2 estão ligados ao número de graus de liberdade n  1 e ao grau de
confiança adotado.
Para exemplificação da aplicação do procedimento acima delineado foram
avaliados 49 colaboradores, 33 homens e 16 mulheres, de uma organização federal,
incumbida de controlar a arrecadação tributária da União e realizar o controle
aduaneiro das importações e exportações brasileiras do interior do Paraná. Tais
colaboradores foram investigados quanto a QV, seguindo o instrumento de pesquisa
WHOQOL-100 e metodologia, citados neste trabalho.

2.4 Resultados e discussão


A seguir, na figura 1, são ilustrados os valores médios amostrais obtidos no
estudo piloto.

Físico

Psicológico

Nível de independência

Relações sociais

Meio ambiente

Espiritualidade
12 24 36 48 60 72 84 96
Médias

Figura 1 – Médias amostrais obtidas para os domínios referentes à qualidade de vida


Fonte: Dados do estudo, 2007.
Com auxílio da figura 1 é possível visualizar a variabilidade dos dados dentro
de cada domínio investigado. É possível observar também que o domínio
espiritualidade é o que apresenta maior dispersão dos dados entre si. Na tabela 3 é
apresentado o resumo dos dados coletados.

Desvio-
Domínios Média Mínimo Q1 Mediana Q3 Máximo
padrão
Físico 58,94 12,26 35,00 52,00 58,00 67,00 90,00
Psicológico 66,88 12,81 33,00 58,50 66,00 75,00 95,00
Nível de
75,00 10,87 50,00 66,50 75,00 82,00 97,00
independência
Relações sociais 72,06 12,67 44,00 66,00 73,00 79,00 96,00
Meio ambiente 65,31 9,42 44,00 59,50 65,00 70,00 91,00
Espiritualidade 77,22 19,60 13,00 69,00 75,00 94,00 100,00
Fonte: Dados do estudo, 2007
Tabela 3 – Resumo dos dados coletados referente à QV

Na tabela 3, além das medidas amostrais, média aritmética e desvio-padrão


dos domínios investigados, têm-se as estimativas da mediana, Q1 (primeiro quartil),
Q3 (terceiro quartil) e os valores máximo e mínimo obtidos na amostra. Com essas
estimativas é possível obter o boxplot dos dados para melhor visualização do
comportamento dos dados quanto à variabilidade dos mesmos. A seguir tem-se
ilustrado o boxplot dos dados.

100

80

60
DADOS

40

20

0
o co s
sic gi cia cia
i
en
te
a de
Fí ló ên so bi l id
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P p õe r it
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e
in
R el M E
ld
ve

Figura 2 – Boxplot dos dados de QV do estudo piloto


Fonte: Dados do estudo, 2007.

Como é possível verificar, a variação dos dados representados pelos desvios-


padrão expostos na tabela 3 está de acordo com a ilustração dada na figura 2.
Porém os desvios-padrão estão influenciados pelos valores extremos, o que não
acontece com a variação apresentada pelos diagramas em caixa da figura 2. Esses
valores extremos estão marcados por um asterisco na figura 2.
A variabilidade dos dados dentro de cada domínio é diferente quando
comparados todos entre si. Quantificando essas variações dos dados calculando o
desvio-padrão amostral, têm-se cinco resultados diferentes para o desvio-padrão,
um para cada domínio (tabela 3). Entretanto, necessita-se da estimativa de um
desvio-padrão para que seja possível, com o auxílio da equação (2), determinar o
tamanho mínimo da amostra necessário para realizar a pesquisa propriamente dita.
Adotando o valor do desvio-padrão obtido para o domínio meio ambiente
corre-se o risco de estar planejando uma pesquisa com uma amostra de tamanho
insuficiente, pelo motivo de esse desvio-padrão em particular ser o menor dos
obtidos e apresentados na tabela 4. Poder-se-ia pensar em trabalhar com um
desvio-padrão médio. Esta é uma possibilidade. Porém, o mais coerente é trabalhar
com o maior desvio padrão obtido. Nesse caso, o escolhido é o desvio-padrão
obtido para o domínio espiritualidade, ou seja, V = 19,60. Como este valor é uma
estimativa proveniente, neste caso, de um estudo piloto com amostra de tamanho
49, há a necessidade de obter um intervalo de confiança para o mesmo. Com o
auxílio da desigualdade (4) obtém-se tal estimativa intervalar. E esta é dada por
16,4  V  24,5 . Portanto, tem-se 95% de confiança que o verdadeiro V para o
domínio espiritualidade está dentro desse intervalo de confiança. Desejando estar
pecando por excesso no planejamento da determinação do tamanho mínimo da
amostra necessário para se realizar a pesquisa, adota-se V 24,5 , ou seja, igual ao
limite superior do intervalo de confiança.
Na tabela 5, a seguir, apresenta-se o planejamento para a obtenção do
tamanho da amostra para se realizar uma pesquisa sobre o tema qualidade de vida
de colaboradores de um determinado setor cuja população total contempla 1600
colaboradores. Os valores apresentados na tabela 4 são obtidos fazendo uso da
equação 2.

Tamanho da população alvo da ValorZD / 2


Tamanho da
pesquisa crítico V E
amostra n
Número de colaboradores com D 0,05
N = 1600 1,96 24,5 1 945
N = 1600 1,96 24,5 2 424
N = 1600 1,96 24,5 3 221
N = 1600 1,96 24,5 4 133
N = 1600 1,96 24,5 5 88
Fonte: Dados do estudo, 2007
Tabela 4 – Planejamento do tamanho mínimo da amostra necessário

Como se pode observar nos resultados apresentados na tabela 4, o tamanho


da amostra é sensivelmente afetado pela margem de erro adotada. Fixando o
desvio-padrão e variando a margem de erro, tem-se que, quanto menor a margem
de erro que se deseja trabalhar, maior será o tamanho mínimo da amostra
necessário para se realizar a pesquisa. Por exemplo, supondo que a pesquisa foi
definitivamente realizada e, como resultado, em um dos domínios investigados sobre
QV, obteve-se como estimativa média para os colaboradores um valor igual a 82,
este valor poderá estar afetado, no máximo, por um erro de uma unidade ou cinco
unidades, dependendo da margem erro adotada no planejamento do tamanho da
amostra.
A escolha da margem de erro mais apropriada fica a critério do pesquisador,
pois, dependendo da escolha, o tamanho da amostra mínimo necessário será menor
ou maior. No exemplo citado poderá ser no mínimo 88 e no máximo 945. Portanto,
tal escolha irá depender do tempo disponível para se realizar a pesquisa como
também do seu custo. Há a possibilidade de se querer trabalhar com 99% de
confiança nos resultados em lugar dos 95%. Neste caso os tamanhos das amostras
citados na tabela 5 se alteraram, conforme descritos abaixo:

Tamanho da população alvo da Valor ZD / 2


Tamanho da
pesquisa crítico V E
amostra n
Número de colaboradores com D 0,01
N = 1600 2,575 24,5 1 1142
N = 1600 2,575 24,5 2 614
N = 1600 2,575 24,5 3 347
N = 1600 2,575 24,5 4 216
N = 1600 2,575 24,5 5 145
Fonte: Dados do estudo, 2007
Tabela 5 – Planejamento do tamanho mínimo da amostra necessário

Com os resultados apresentados na tabela 5, entende-se que, planejando a


pesquisa com uma amostra de tamanho 145, por exemplo, tem-se 99% de confiança
que os valores médios estimados para os domínios estarão afetados por um erro de
no máximo 5 unidades para mais ou para menos. A probabilidade desse erro ser
maior que 5 unidades é de 1%.

2.5 Conclusão
De acordo com o objetivo deste estudo em propor um procedimento no
planejamento do tamanho mínimo necessário da amostra para que se possa avaliar
com segurança estatística a QV de colaboradores de uma empresa, os resultados
analisados indicaram que na variação dos dados representados pelos desvios-
padrão expostos - 12,26; 12,81; 10,87; 12,67; 9,42; 19,60 - que o mais coerente é
trabalhar com o maior desvio padrão obtido. Nesse caso, o escolhido é o desvio-
padrão obtido para o domínio espiritualidade, ou seja, V = 19,60. Em sequência há a
necessidade de obter um intervalo de confiança. Neste estudo, este intervalo é dado
por 16,4  V  24,5 . Portanto, tem-se 95% de confiança que o verdadeiro V para o
domínio espiritualidade está dentro desse intervalo de confiança. Logo, adota-se
para o planejamento da pesquisa V 24,5 , ou seja, igual ao limite superior do
intervalo de confiança.
Outro fator decisivo para a definição do tamanho da amostra em pesquisas de
QV é a margem de erro adotada, pois o tamanho da amostra é sensivelmente
afetado por esta. Assim, fixando o desvio-padrão e variando a margem de erro, tem-
se que, quanto menor a margem de erro que se deseja trabalhar, maior será o
tamanho mínimo da amostra necessário para se realizar a pesquisa. Ressalta-se
que a escolha da margem de erro mais apropriada fica a critério do pesquisador,
pois, dependendo da escolha, o tamanho da amostra mínimo necessário será menor
ou maior. No exemplo citado, com 95% de confiança, poderá ser no mínimo 88 e no
máximo 945.
Deste modo, é possível concluir que, no planejamento da pesquisa, o
tamanho da amostra mínimo necessário para se realizar a pesquisa, que nesse caso
é a estimativa de médias populacionais envolvendo dados de QV, depende
fortemente da variação dos dados que compõem a população ou, pelo menos, de
uma estimativa dessa variação e da margem de erro máxima que se pretende
estimar as médias populacionais, além do grau de confiança em que se pretende
trabalhar.
Deve-se ressaltar que, no planejamento da coleta de dados amostrais de QV
para inferências sobre a população alvo da pesquisa, deve-se considerar-se também
o tipo de amostragem. Além de se determinar com segurança o tamanho mínimo da
amostra necessário para se realizar a pesquisa, o como coletar os dados também é
de vital importância. Neste caso deve-se sempre usar as técnicas disponíveis e as
mais aconselháveis e, claro, o bom senso.
As inferências realizadas sobre dados amostrais de QV são generalizadas à
população alvo da pesquisa. Para que essas inferências realmente retratem com
fidedignidade a população, essa preocupação com o planejamento da amostra
realmente é necessária.

2.6 Referências
DANNA, K. & GRIFFIN, R. W. Health and well-being in the workplace: a review and
synthesis of the literature. Journal of Management, v.25, n. 3, p. 357-84, 1999.
DEVORE, J. L. Probabilidade e estatística para engenharias e ciências. São Paulo:
Pioneira Thomson Learning, 2006.
FERRISS, A. L. A Theory of Social Structure and the Quality of Life. Applied
Research in Quality of Life, n. 01, p. 117-123, 2006.
FLECK, M. P. A.; et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de
avaliação da qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Revista Brasileira de
Psiquiatria, v. 21, n.1, p.19-28, 1999.
HUNNICUTT, D. Discover the power of wellness. Business and Health, Montvale, v.
19, n. 3, p. 40-45, 2001.
LEVINE, D. M.; et al. Estatística: teoria e aplicações usando Microsoft Excel em
português. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2005.
NAHAS, M. V. Atividade física, saúde e qualidade de vida: conceitos e sugestões
para um estilo de vida ativo. 2. ed. Londrina: Midiograf, 2001.
TRIOLA, M.F. Introdução à estatística. 9. ed. Rio de Janeiro, 2005.
3. LQOL-70: UM INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DA
QUALIDADE DE VIDA COM BASE NO LAZER

Bruno Pedroso
Luiz Alberto Pilatti
João Luiz Kovaleski
José Roberto Herrera Cantorani
Marcelo Edmundo Alves Martins

3.1 Introdução
A preocupação com a qualidade de vida tem se tornado crescente nas últimas
décadas. A visão holística do homem como um ser biopsicossocial passa a ganhar
espaço, inclusive no ambiente empresarial. Essa reflexão se fortalece pela
percepção de que o desempenho dos trabalhadores está fortemente relacionado
com a sua qualidade de vida.
Não obstante o processo dessas reflexões, é também fortalecido o
entendimento de que as atividades de lazer constituem um fator de influência direta
na qualidade de vida. Contudo, factível também é o entendimento de que tais
atividades vêm se extinguindo do cotidiano do trabalhador, sobretudo nesta
sociedade que pode ser definida como a sociedade do conhecimento. Com base em
tais prerrogativas o presente estudo propõe-se à criação de um instrumento para a
avaliação da qualidade de vida das pessoas, sobretudo dos trabalhadores. Este
instrumento terá em sua base a relação entre o lazer e a qualidade de vida,
compreendido em seus aspectos sociais, psicológicos e fisiológicos.
Ao contrário do que pode parecer, a preocupação com o estilo de vida é muito
antiga e aparece desde Sócrates por volta de 400 a.C. (ANDUJAR, 2006). No
entanto, o termo “qualidade de vida” foi mencionado pela primeira vez por Lyndon
Johnson, em 1964. Presidente dos Estados Unidos na ocasião, afirma que os
objetivos de uma nação não podem ser mensurados através do balanço bancário,
mas, sim, da qualidade de vida proporcionada às pessoas (FLECK et al, 1999).
Desde então, pesquisadores das mais variadas áreas de conhecimento têm
concentrado seus estudos nessa área. Ainda que não seja possível definir a
qualidade de vida em um único conceito, percebe-se que os autores são unânimes
no que diz respeito aos aspectos da subjetividade, multidimensionalidade e a
existência de dimensões positivas e negativas da qualidade de vida (MION et al,
2005).
Dessa forma, pode-se afirmar que não existe um conceito absoluto de
Qualidade de Vida, mas sim, a visão diferenciada de pesquisadores de diversas
áreas. De acordo com Gaspar (2001, p. 47), pode-se definir qualidade de vida como
“um conjunto subjetivo de impressões que cada ser humano possui, sendo
simultaneamente um produto de diversos fatores que o afetam e um processo que
ele experimenta a cada momento”.
A afirmação anterior evidencia que a qualidade de vida varia de indivíduo
para indivíduo e provém do resultado da variedade de experiências presenciadas
por ele mesmo. Já para Santos (2002), uma boa qualidade de vida deve oferecer
condições para que as pessoas venham a desenvolver o máximo de suas
potencialidades, em todas as suas atividades.
Sob essa ótica, é expressa a idéia de que a qualidade de vida se relaciona
diretamente ao prazer pessoal e que sofre interferência da vida cotidiana em todos
os seus aspectos. Tal idéia conduz à compreensão de que Mion et al estavam
corretos ao apontar a qualidade de vida como um fator diretamente dependente da
satisfação do indivíduo, bem como dos ambientes com os quais este tem contato.
Partindo dessa premissa, é perceptível que diversos são os fatores
influenciáveis na qualidade de vida no trabalho. Desta forma, a avaliação da
qualidade de vida no trabalho pode ser vista como o resultado de pequenos detalhes
que, ao acumularem determinado nível de enfermidades (físicas ou mentais), pode
resultar na queda do desempenho do colaborador e, por conseqüência, numa
deficiência na cadeia produtiva da empresa.
A presente investigação justifica-se pelo fato de que a qualidade de vida e as
atividades de lazer possuem alta correlação; entretanto, na sociedade
contemporânea essas atividades não vêm sendo contempladas como em épocas
anteriores. Através deste estudo, pretende-se diagnosticar o quão prejudicial vem
sendo a carência de atividades de lazer no contexto “qualidade de vida” dos
colaboradores vinculados ao ambiente produtivo.
A presente pesquisa possui como objetivo o desenvolvimento de um
instrumento de avaliação da qualidade de vida com base no lazer, sustentado pela
teoria de Norbert Elias e as categorias do tempo livre. Partindo do preceito de que o
homem é um ser biopsicossocial, tal instrumento foi fundado em três grandes
esferas: fisiológica, psicológica e sociológica.

3.2 Qualidade de vida no trabalho


Embora as discussões a respeito da qualidade de vida no trabalho sejam
recentes, esta preocupação já data de séculos anteriores, podendo-se mencionar a
lei das alavancas, instituída por Arquimedes, em 287 a.C., a qual visava diminuir o
esforço físico dos trabalhadores. (FRANÇA JÚNIOR; PILATTI, 2004).
O termo Qualidade de Vida no Trabalho teve origem por volta de 1950,
quando surgiram as preocupações iniciais com a relação homem-trabalho no
ambiente empresarial. Essa preocupação se expandiu durante o período da
revolução industrial, quando os operários passam a reivindicar por melhores
condições de trabalho, menores jornadas e salários mais justos. Assim, ficou
evidenciado que a mão-de-obra necessária para produzir é movida por um homem
com sentimentos e realizações pessoais, e que o estado emocional pode acarretar
sérios agravantes na produção.
Na década de 50, na Inglaterra, Eric Trist e sua equipe desenvolveram uma
abordagem técnica da organização do trabalho, visando satisfazer o trabalhador em
seu ambiente de trabalho. Porém, apenas na década de 60, foi dada ênfase aos
programas de qualidade de vida no trabalho, tais como pesquisas para se
diagnosticarem melhores formas de realização do trabalho e também sobre a saúde
e bem-estar dos trabalhadores.
A partir de então, a qualidade de vida no trabalho passa a ser objeto de
pesquisa em diversos países. No Brasil, de acordo com o que revelam os estudos
de Ayres et al (2004), uma especial atenção acerca desta área teve início somente
na década de 80.
A pressão por melhores resultados, a insatisfação financeira e o estresse
proveniente do ambiente de trabalho vêm a ocasionar redução na produtividade dos
trabalhadores do ambiente empresarial. É nessa perspectiva que a empresa deve
procurar oferecer atividades que, em contrapartida a esses fatores, venham
proporcionar melhor bem-estar aos seus colaboradores, compensando o seu esforço
pela produção na empresa.
O ponto de vista empresarial da atualidade prevê que o verdadeiro diferencial
das empresas são os recursos humanos nela presentes, e não mais a tecnologia
empregada. A tecnologia é fundamental, mas o que difere uma empresa comum de
uma empresa líder no mercado é o capital intelectual, conforme defende Cavalcanti
(apud FRANÇA JÚNIOR; PILATTI, 2004, p.05-06):
A tecnologia, no fundo iguala as empresas; as pessoas é que fazem a
diferença. E a nova economia exige uma nova forma de gestão, tanto das
pessoas quanto da tecnologia. Não mais aquela empresa hierarquizada,
onde manda quem pode e obedece quem tem juízo, mas uma empresa que
valoriza a criatividade e compartilhamento de idéias, uma empresa que
aprende com seus colaboradores, parceiros e clientes.
Partido dessa perspectiva, pode-se afirmar que uma projeção do mercado do
futuro promete cada vez mais privilegiar o colaborador dentro da empresa, com o
objetivo de lhe propiciar as melhores condições possíveis de trabalho e, dessa
forma, obter um maior rendimento de seu desempenho e desenvolver o melhor de
suas potencialidades.

3.3 Atividades de lazer


Na ótica de Elias e Dunning (1992), o lazer é definido como uma atividade
praticada livremente e sem remuneração, que acarreta uma sensação agradável e
prazerosa ao indivíduo praticante. Seguindo a distinção do lazer e tempo livre de
Elias e Dunning, para melhor especificar, pode-se mencionar o lazer como “cultura
compreendida no seu sentido mais amplo vivenciada (praticada ou fruída) no tempo
disponível”. (MARCELINO apud REIS; SOARES, 2006, p.02).
A denominação “lazer” já perdura de longa data e, no transcorrer dos séculos,
o lazer apresentou distintas concepções, variando não somente ao longo do tempo,
mas também de sociedade para sociedade, sendo caracterizado em cada situação
com suas respectivas particularidades. Particularidades que, com as devidas
alterações, se ajustam e formam hoje a concepção de lazer adequada para a
especificidade de cada universo social.
O significado pleno do lazer não se limita apenas à utilização do tempo livre,
mas, sim, na realização dos anseios do ser humano. Desta forma pode-se afirmar
que
As práticas de lazer não são apenas rituais de pausas antes de retomar a
vida prática ou o trabalho, e sim devem existir com raízes que mergulham
nas profundezas antropológico-histórica as quais referem-se ao ser humano
em sua natureza, mantendo como eixo central discutir, sistematizar e
produzir conhecimento [...]. Na realidade, nosso contexto social, impregnado
pela violência, exclusão, desemprego e preconceitos tem marginalizado
toda e qualquer possibilidade de viver práticas de lazer em sua plenitude.
(FRANÇA; CAVALCANTI, 2002, p.06).
Seguindo essa linha de raciocínio, Almeida e Gutierrez (2005) percebem o
lazer como uma forma de alívio às tensões ocasionadas pelo estilo de vida
contemporâneo, tornando-o um componente essencial para se viver em sociedade.
Entende-se que a busca pelo lazer nas distintas sociedades, é caracterizada
por fatores limitantes impostos pela própria sociedade, os quais explicam os
diferentes hábitos de prática de lazer.
Na antiguidade, os povos romanos e gregos fundamentavam o lazer em
competições e jogos. As classes mais nobres se portavam como espectadores de
competições entre lutadores ou gladiadores que batalhavam até a morte. Na
atualidade ainda existem traços dessa cultura, mesmo que em uma versão menos
devastadora. É o que se pode perceber, por exemplo, nas rinhas e nas touradas
(STURION; CABRAL, 2007).
Cabe ressaltar que, naquela época, o lazer era privilégio de uma parcela da
sociedade, ou seja, a minoria que dispunha de alto poder aquisitivo. Esta situação é
mantida durante séculos, até que um fato marcante inicia uma revolução, não
apenas tecnológica, mas também cultural: a revolução industrial. Durante o período
da revolução industrial, as longas e exaustivas jornadas de trabalho forçaram os
trabalhadores a reivindicar por melhores condições de trabalho, expondo desta
forma a necessidade da prática de atividades com caráter de lazer (PILATTI, 2007).
No Brasil, a constatação da necessidade humana pela prática de atividades
de lazer ocorreu durante o governo de Getúlio Vargas, mas a expansão da
acessibilidade a essas atividades se concretiza somente no governo de Juscelino
Kubitschek. As classes alta e média ocupam o seu tempo livre com teatros e
apresentações musicais e os clubes esportivos, enquanto a classe operária busca
entretenimento através da prática de esporte em espaços públicos, circos e
comemorações festivas. Assim o lazer passa a compor o cotidiano dos operários e
da classe média (ALMEIDA, 2005).
Dentro desse contexto, é perceptível que apenas uma pequena parcela da
população apresenta condições para desfrutar das atividades de lazer, em virtude da
acessibilidade destas estar vinculado à disponibilidade de um local apropriado,
tempo disponível e situação monetária condizente.
No sistema de produção capitalista, o ser humano é visto exclusivamente
como um agente de produção, excluindo-se as suas características pessoais, como
os sentimentos, desejos e necessidades. Tal fato ocasionou, e continua a
proporcionar, uma profunda transformação social no estilo de vida da sociedade
(ALMEIDA; GUTIERREZ, 2005). Entretanto, na sociedade moderna Na sociedade
moderna o lazer se apresenta como uma alternativa de quebra da rotina, em que o
homem “busca ansiosamente transformar o resultado do seu trabalho árduo em algo
que lhe traga compensações prazerosas” (STURION; CABRAL, 2007, p.01).
Nos dias atuais, o lazer pode ser percebido como uma forma de aproveitar o
tempo liberto de atividades laborais, para compensar o estresse e as preocupações
oriundas do ambiente de trabalho, de forma que tais atividades proporcionem uma
sensação de realização e prazer pessoal.
3.4 Tempo livre e tempo disponível
Erroneamente, as atividades de tempo livre e lazer são postas como
sinônimos; no entanto, trata-se de conceitos distintos. Pode-se considerar tempo
livre como o tempo liberto das ocupações de trabalho. Contudo, nem todo o tempo
livre representa lazer, ou melhor, somente parte do tempo livre é voltado para as
atividades de lazer (ELIAS; DUNNING, 1992).
Uma melhor classificação do aspecto do tempo foi abordada por Gebara
(1994), quando afirma que o tempo livre trata-se de um tempo individual enquanto o
tempo disponível é considerado como um tempo social. Com relação ao
entretenimento, o tempo é utilizado na dimensão do tempo disponível.
Assim, evidencia-se e se confirma que nem todo tempo livre pode ser
considerado lazer, porém todas as atividades de lazer são atividades realizadas
durante o tempo livre. Elias e Dunning (1992) classificam as atividades de tempo
livre em cinco categorias distintas: trabalho privado e administração familiar;
repouso; provimento das necessidades biológicas; sociabilidade; atividades
miméticas ou de jogo. As atividades pertencentes a cada uma dessas categorias,
podem ou não se enquadrar como atividades de lazer, como elucidado a seguir:
 trabalho privado e administração familiar: engloba as atividades da família e a
provisão da casa, tais como a orientação dos filhos, a estratégia familiar, a
transação de finanças e planos para o futuro. Por se tratar de um trabalho que
precisa ser realizado, de forma prazerosa ou não, dificilmente poderá ser
denominado como atividades de lazer;
 repouso: refere-se às atividades que não representam nada em particular ou
específico, os devaneios, as futilidades, tais como fumar, tricotar ou, até
mesmo, dormir. Apesar de diferirem das demais, estas atividades também
podem ser consideradas como atividades de lazer;
 provimento das necessidades biológicas: envolve as todas as necessidades
biológicas próprias do nosso organismo, tais como se alimentar, fazer higiene
corporal, fazer amor e dormir. Tais atividades estão habitualmente submetidas
à rotina, mas podem acentuar determinado prazer, ao produzirem algum tipo
de satisfação de forma não rotineira, como por exemplo, comer fora de casa.
Além disso, algumas dessas atividades se irradiam, especialmente para a
categoria da sociabilidade;
 sociabilidade: não é trabalho, porém envolve atividades que se relacionam
com o trabalho, como visitar amigos ou sair em uma excursão (entre os
trabalhadores), e envolve também atividades não relacionadas com o
trabalho, como se deslocar a um bar, clube, restaurante ou festa, na presença
de outras pessoas;
 atividades miméticas ou de jogo: representam aquelas como praticar
esportes, assistir à televisão, ir ao cinema, pescar, dançar. Tais atividades
apresentam caráter de lazer, proporcionado tanto pela participação como ator
ou espectador de tais atividades, desde que não se caracterizem como
atividades profissionais em particular.

Com base nessa classificação, fica evidenciado que um indicador para se


fazer a distinção entre o lazer do tempo livre é o grau de rotina – ou a quebra da
rotina, propriamente dita – podendo, desta forma, proporcionar prazer nas atividades
que caracterizam o lazer, o que torna compreensível a idéia de que a satisfação
proporcionada pelas atividades de lazer tende a ser considerada como um meio de
permitir o alívio das tensões e de melhorar as capacidades das pessoas. (ELIAS;
DUNNING, 1992, p.140).

3.5 O instrumento proposto


A partir das categorias do tempo livre de Elias e Dunning (1992) e com base
no instrumento WHOQOL, o instrumento desenvolvido neste estudo é composto por
75 questões. Destas questões, 5 são para o conhecimento da amostra e 70 são
divididas em três grandes esferas: fisiológica, psicológica e sociológica. Essas
esferas são compostas por aspectos, e dentro desses aspectos foram distribuídas
as questões. As respostas das questões são baseadas na escala de Likert.
As questões para conhecimento da amostra estão dispostas no início do
questionário e fazem referência aos seguintes itens: idade, sexo, renda mensal
familiar, estado civil e escolaridade. Já as questões das esferas fisiológica,
psicológica e sociológica estão intercaladas entre si no interior do questionário. A
distribuição das questões pertencentes a cada uma das esferas e aspectos está
disposta da seguinte forma:
 Esfera fisiológica:

Q4.7 21 Quão facilmente você fica cansado(a)?


Energia Q4.8 22 O quanto você se sente incomodado(a) pelo cansaço?
1
e fadiga Quão desgastante – do ponto de vista físico e emocional – você considera
Q5.6 31
as suas atividades profissionais e do cotidiano?
Q2.1 8 Você tem alguma dificuldade com o tempo para dormir?
Sono e
2 Quão satisfatório é o seu tempo para repouso? (o não fazer nada em
repouso Q4.2 16
particular)
Quadro 1: Aspectos e questões da esfera fisiológica
Fonte: Autoria própria (2008)

 Esfera psicológica:

Q6.1 33 O quanto você experimenta sentimentos positivos em sua vida?


Q3 11 Quão satisfeito(a) você está com o seu tempo para lazer?
Quão satisfeito(a) está com o seu tempo livre? (tempo restante após
Q4 14
o sono e o trabalho profissional)
Q8.8 56 O quanto você gosta do local onde mora?
Sentimentos
3 Em que medida as características de seu lar correspondem às suas
positivos Q8.9 57
necessidades?
Q9 60 Quão satisfeito(a) você está com sua qualidade de vida?
Q10 61 Quão satisfeito(a) você está com sua vida?
Q11 62 Quão satisfeito(a) você está com sua saúde?
Q2 7 Quão satisfeito(a) você está com o seu período de sono?
Avaliação Como você avalia o seu envolvimento com as atividades de trabalho
4 Q4.4 18
de situações privado e administração familiar?
de vida Como você avalia o seu envolvimento com as atividades de
Q4.6 20
sociabilidade?
Como você avalia o seu envolvimento em atividades físicas e/ou
Q4.10 24
esportivas de lazer?
Q6 32 Como você classifica a sua vida?
Como você classifica o tempo de deslocamento de casa para o
Q5.2 27
trabalho e/ou outras atividades?
Q6.4 36 Em que medida você avalia o grau de rotina em sua vida?
Q8 48 Como você classifica a sua qualidade de vida?
Q5 25 Como você classifica o seu ritmo de vida?
Q1 1 Você se preocupa com sua saúde?
Q1.1 2 Quão importante é para você um bom período de sono?
5 Auto-estima Quão importante é para você um período para repouso? (o não
Q1.2 3
fazer nada em particular)
Q1.3 4 Quão importante é para você um tempo para lazer?
Em que medida a sua qualidade de vida depende do uso de
Indepen- Q8.3 51
6 medicamentos ou de ajuda médica?
dência
Q12 63 Quão satisfeito(a) você está com suas capacidades?
Q2.3 10 O quanto algum problema com o sono lhe preocupa?
Quão estressante você considera as suas atividades profissionais e
Q5.4 29
do cotidiano?
Quão rotineiras você considera as suas atividades profissionais e do
Q5.5 30
cotidiano?
O quanto você sente falta de atividades físicas de satisfação motora
Q6.5 37
e emocional?
Q6.6 38 O quanto você sente falta de atividades de lazer?
Você sente falta de atividades que proporcionem a quebra da
Q6.7 39
rotina?
Sentimentos Você sente falta de atividades que proporcionem satisfação motora
7 Q6.8 40
negativos e emocional?
Você sente falta de atividades que proporcionem experiências
Q6.9 41
diferentes daquelas vividas em seu cotidiano?
Você sente falta de vivenciar atividades em que o controle e a
Q6.10 42
previsibilidade não estejam tão presentes?
Quão preocupado (a) você está com o ambiente em que vive? (e/ou
Q7.2 45
trabalha)
As condições em que vive acarretam sentimentos de tristeza e
Q7.3 46
depressão?
Q7.4 47 Sentimentos de tristeza e/ou depressão interferem no seu dia-a-dia?
Q8.6 54 O quanto você se preocupa com sua segurança?
Quadro 2: Aspectos e questões da esfera psicológica
Fonte: Autoria própria (2008)

 Esfera sociológica:

Trabalho e Envolve-se com trabalho privado e administração familiar?


Q4.3 17
Atividades (rotinas familiares, provisão da casa)
8
da vida
Q15 66 Quão satisfeito(a) você está com as condições de trabalho?
cotidiana
Q1.4 5 Você tem tempo disponível para aproveitar a vida?
Q4.1 15 O quanto você aproveita o seu tempo livre?
Ritmo de Em que medida a sua qualidade de vida depende do ritmo de vida
9 Q8.1 49
vida a que está inserido(a)?
Quão satisfeito você está com a maneira de usar o seu tempo
Q18 69
livre?
10 Atividades Q1.5 6 O quanto você aproveita a vida?
de Lazer e Q3.1 12 Você desfruta de um tempo para lazer?
Recreação Em que medida você tem oportunidades de praticar atividades de
Q3.2 13
lazer?
Q4.9 23 Você desfruta de atividades físicas e/ou esportivas de lazer?
Q6.2 34 Em que medida estão presentes em sua vida atividades de lazer?
Em que medida estão presentes em sua vida atividades físicas de
Q6.3 35
satisfação motora e emocional?
Q8.1 Em que medida você tem oportunidades de praticar atividades de
58
0 recreação?
Relações Envolve-se com atividades de sociabilidade (manutenção de boa
11 Q4.5 19
Sociais relação com vizinhos, parentes e profissionais)?
Você tem alguma dificuldade com ambiente satisfatório para
Q2.2 9
dormir?
Q7 43 Como você classifica as condições em que vive?
Quão saudável é o seu ambiente físico? (clima, barulho, poluição,
Q7.1 44
atrativos)
12 Ambiente Em que medida a sua qualidade de vida depende das condições
Q8.2 50
em que vive?
Quão satisfeito(a) você está com as condições do local onde
Q14 65
mora?
Quão satisfeito(a) você está com seu ambiente físico? (poluição,
Q19 70
clima, barulho, atrativos)
Segurança Q8.4 52 Quão seguro(a) você se sente em sua vida diária?
13 física e Q8.5 53 Você acha que vive em um ambiente seguro?
proteção Q13 64 Quão satisfeito(a) você está com sua segurança?
Recursos Q8.7 55 Quão confortável é o lugar onde você mora?
14
financeiros Q17 68 Quão satisfeito(a) você está com sua situação financeira?
Q5.1 26 Em que medida você tem problemas com transporte?
Q5.3 28 O quanto os problemas com transporte dificultam a sua vida?
15 Transporte
8.11 59 Em que medida você tem meios de transporte adequados?
Q16 67 Quão satisfeito(a) você está com as condições de transporte?
Quadro 3: Aspectos e questões da esfera sociológica
Fonte: Autoria própria (2008)

3.6 Metodologia
A presente pesquisa, de natureza aplicada, pautou-se pela construção de um
instrumento de avaliação da qualidade de vida com base no lazer a partir das
categorias do tempo livre da teoria de Norbert Elias, seguindo os moldes do
WHOQOL e fundado em três grandes esferas: fisiológica, psicológica e sociológica,
pois parte-se do preceito de que o homem é um ser biopsicossocial.
O WHOQOL é o instrumento de avaliação da Qualidade de Vida da
Organização Mundial da Saúde. A versão em português é disponibilizada pela
FAMED-Universidade Federal do Rio Grande do Sul/HCPA, no site
http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol1.html.
As questões do WHOQOL são formuladas por escalas de respostas do tipo
Likert, com uma escala de intensidade (nada - extremamente), capacidade (nada -
completamente), freqüência (nunca - sempre) e avaliação (muito insatisfeito - muito
satisfeito; muito ruim - muito bom).
Partindo do material empírico levantado, são adotados os seguintes
procedimentos, que são os mesmos do instrumento original. Os procedimentos, de
acordo com o Grupo WHOQOL, são:
 Definição das palavras âncoras para cada uma das escalas (intensidade,
capacidade, freqüência e avaliação).
 Seleção de 15 palavras com significados intermediários entre os dois pontos
âncoras através de dicionários, literatura e outros instrumentos psicométricos
(p.ex. escala de intensidade: âncora 0% = nada; âncora 100% =
extremamente; palavras selecionadas: quase nada, levemente, pouco,
ligeiramente, nem muito nem pouco, moderadamente, razoavelmente etc.).
 Confecção de uma escala visual analógica de 100 mm para cada uma das
palavras selecionadas.
 Aplicação das escalas, relativa a lazer, em 20 indivíduos representativos da
população que atua no setor industrial.
 Seleção das palavras que tiveram média entre 20 - 30 mm (25%), entre 45 –
55 mm (50%) e entre 70 - 80 mm (75%). Se mais de uma palavra ficou com
média entre as faixas acima, seleciona-se a de menor desvio padrão.
 Verificação da característica ordinal da escala em 10 indivíduos que ordenam
as palavras sorteadas entre as duas palavras âncoras.

3.6.1 Aplicação piloto do instrumento


O instrumento, elaborado pelas três facetas de lazer (fisiológica, sociológica e
psicológica) balizadas através do modelo teórico de Norbert Elias, foi testado na
aplicação e re-teste nos 26 colaboradores de uma indústria multinacional, fabricante
e revendedora de matérias-primas para a indústria fabricante de bens de consumo,
localizada na cidade de Ponta Grossa – PR, o que garantiu o universo dessa
amostra.
O plano de análise desses dados foi a análise da validade de construto das
facetas e domínios propostos, a seleção das melhores questões para cada faceta e
o estabelecimento da consistência interna e validade discriminante do instrumento.
3.6.2 Validação do instrumento
O presente instrumento foi validado a partir do teste de consistência de
Cronbach. Desenvolvido por Lee J. Cronbach em 1951, o coeficiente alfa de
Cronbach é uma ferramenta estatística que avalia a confiabilidade através da
consistência interna de um questionário que tenha sido aplicado em uma pesquisa.
É importante que todos os respondentes do questionário sejam indagados utilizando
a mesma escala de medição. (FREITAS; RODRIGUES, 2005).
O alfa de Cronbach é obtido a partir da variância dos componentes individuais
e da variância da soma dos componentes de cada avaliado, buscando investigar
possíveis relações entre os itens, através da seguinte equação:
k
§ ·
¨ ¦ S i2 ¸
§ K · ¨
D ¨ ¸ * 1  i 1 2 ¸¸
© K 1¹ ¨ St
¨ ¸
© ¹
Onde: K – Número de itens do questionário; S i2 – Variância de cada item; S t2
– Variância total do questionário.
Com relação à verificação da consistência do instrumento, será tomada como
base a classificação de Freitas e Rodrigues (2005), os quais sugerem a seguinte
escala para análise do coeficiente alfa de Cronbach:
Confiabilidade Muito Baixa Baixa Moderada Alta Muito Alta
Valor de D D ” 0,30< D ” 0,60< D ” 0,75< D ” D >0,90
Quadro 4: Escala de confiabilidade (FREITAS; RODRIGUES, 2005)

É importante salientar que, mesmo sendo amplamente utilizado em diversas


áreas do conhecimento, ainda não existe um consenso quanto a sua avaliação.
Algumas literaturas consideram satisfatório um instrumento de pesquisa que
obtenha D =0,70. (FREITAS; RODRIGUES, 2005).

3.7 Resultados e discussão


Em sua aplicação piloto, o instrumento proposto apresentou o coeficiente alfa
de Cronbach de valor D =0,8032. No re-teste do instrumento, o valor do coeficiente
de Cronbach foi D =0,8357. No que diz respeito à estatística descritiva do bloco de
questões, foram analisados a média, desvio padrão, coeficiente de variação, valores
máximos e mínimos e a amplitude de cada questão.
Foi verificado que apenas quatro perguntas apresentaram pontuação média
maior ou igual a 4,0 e três perguntas apresentaram pontuação média menor ou igual
a 2,0. Muitas perguntas tiveram uma amplitude muito alta (4,0), ou seja, as
respostas variaram desde a pior situação até a melhor situação.
Com relação ao quesito “idade”, a população respondente apresentou média
de aproximadamente 37 anos, em uma distribuição de idade de 20 anos até
aproximadamente 60 anos, de forma que a variável idade se aproximou de uma
distribuição normal.
Quanto à avaliação da Qualidade de Vida em função do Lazer, esta foi
realizada em dois momentos: com enfoque nos aspectos que compõem cada esfera
e com enfoque nas esferas que compõem o instrumento em sua totalidade.
Em se tratando dos aspectos, tal pontuação foi calculada obtendo-se as
médias aritméticas simples de cada questão individualmente, que em seguida foram
convertidas em uma escala de 0 a 100. No caso da escala ser invertida (quando
menor a média, melhor o resultado), este valor é subtraído de 100, fazendo com que
todas as questões apresentem a mesma escala de medição. Por fim, realizou-se a
média aritmética simples das questões que compõem cada aspecto. Esta média é o
valor atribuído ao aspecto.
Com relação aos aspectos foi obtido o seguinte resultado:
ASPECTOS

Energia e fadiga 51,60


Sono e repouso 61,54
Sentimentos positivos 61,97
Avaliação de situações de vida 67,31
Auto-estima 65,14
Independência 74,04
Sentimentos negativos 46,61
Trabalho e Atividades da vida cotidiana 71,62
Ritmo de vida 50,22
Atividades de Lazer e Recreação 46,84
Relações Sociais 57,69
Ambiente 61,38
Segurança física e proteção 55,45
Recursos financeiros 57,21
Transporte 71,63

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Figura 1: Aspectos da Qualidade de Vida


Fonte: Pesquisa de campo (2008)

Percebe-se que os aspectos “Sentimentos negativos” e “Atividades de Lazer


e Recreação” apresentaram as piores médias, distanciando-se consideravelmente
dos demais aspectos. Por sua vez, os aspectos “Independência”, “Transporte” e
“Trabalho e Atividades da vida cotidiana” apresentaram a melhor média, também se
distanciando sensivelmente dos demais aspectos.
Com relação às esferas, compostas pela associação de “n” aspectos, o
procedimento utilizado para atribuir tal pontuação foi o mesmo utilizado na atribuição
de valores aos aspectos, ou seja, a média aritmética simples das questões que
compõem cada esfera. Portanto, cada questão possui o mesmo peso, independendo
do número de questões ou aspectos pertencentes a cada esfera. O mesmo
procedimento foi utilizado para o resultado global do instrumento, em que os valores
obtidos em cada esfera ou aspecto não foram utilizados no cálculo global e cujo
resultado é a média aritmética simples de todas as questões do instrumento. Dessa
forma, obteve-se o seguinte resultado:
ESFERAS

Fisiológica 55,58

Psicológica 58,63

Sociológica 57,42

GERAL 57,91

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Figura 2: Esferas da Qualidade de Vida


Fonte: Pesquisa de campo (2008)

É notável uma proximidade nos resultados das três esferas. Por conseguinte,
nenhuma delas se distancia significativamente do resultado global. A avaliação da
Qualidade de Vida com base no Lazer da empresa, objeto de estudo, apresentou um
índice próximo de 58% de satisfação. Ainda que não seja possível comparar com
outros estudos, percebe-se um índice de insatisfação razoavelmente elevado (42%).

3.8 Considerações finais


O desenvolvimento do LQOL-70 fundamentou-se na necessidade de
abordagens condizentes com os estilos de vida da sociedade hodierna. O tema
colocado em exame - qualidade de vida e, mais especificamente, qualidade de vida
no trabalho - sempre teve como norte o homem comum, que trabalha e vive na
Sociedade do Conhecimento, que está em permanente expansão.
A estrutura do LQOL-70, que mensura o fator “Qualidade de Vida”, tem em
sua concepção questões relacionadas com atividades de Lazer e atividades
cotidianas, que não deixam espaço para decisões a respeito de fazê-las ou não, em
função de vontade ou gosto do indivíduo.
O objetivo de validar um domínio que demande pouco tempo para seu
preenchimento e com características psicométricas satisfatórias, adaptado ao
WHOQOL-100, foi atingido. O coeficiente alfa de Cronbach de valor D =0,8032
alcançado no teste e de D =0,8357 no re-teste indica que o instrumento apresenta,
com base na classificação proposta por Freitas e Rodrigues (2005), elevada
consistência interna.
Assim, com base na validação do LQOL-70, pode-se inferir que a qualidade
de vida apresenta uma proximidade muito grande das esferas sociológica,
psicológica e fisiológica. O índice de insatisfação, de 42%, pode ser considerado
elevado. É perceptível, também, que o aspecto “Atividade de lazer e recreação”
apresenta, juntamente com o aspecto “Sentimentos negativos”, o pior dos escores
do instrumento, com um índice de insatisfação superior a 53%. Em contrapartida, o
aspecto “Independência”, com seus 26% de insatisfação, apresenta o melhor dos
escores, seguido pelos aspectos “Transporte” e “Trabalho e atividades da vida
cotidiana”, ambos com um índice de insatisfação de 28%.
Com a ferramenta foi possível a realização do cálculo dos resultados e
análise estatística do LQOL-70, através do software Microsoft Excel. Tal ferramenta
realizou automaticamente todos os cálculos de resultados dos escores das esferas e
aspectos, além de efetuar a estatística descritiva das questões, aspectos e esferas
do instrumento. Dessa forma, o LQOL-70 não necessita da utilização da sintaxe
SPSS, proposta pelo Grupo WHOQOL para o cálculo dos resultados dos
instrumentos desenvolvidos.
De forma adicional, pode-se inferir que, mesmo se tratando de um
instrumento de base quantitativa, a sua estrutura é pensada de forma que permita
uma análise também qualitativa, ainda que este não seja um objetivo presente na
proposta.

3.9 Referências
ALMEIDA, M. A. B. de. Desenvolvimentismo e lazer. Revista Lecturas. Vol. 10, n.
87, 2005.
ALMEIDA, M. A. B. de.; GUTIERREZ, G. L. A busca da excitação em Elias e
Dunning: uma contribuição para o estudo do lazer, ócio e tempo livre. Revista
Lecturas. Vol. 10, n. 89, 2005.
ANDUJAR, A. M. Modelo de qualidade de vida dentro dos domínios bio-psico-social
para aposentados. 2006. 206 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) –
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis.
AYRES, K. V.; SILVA, I. P. Stress e Qualidade de Vida no Trabalho: a percepção de
profissionais do setor de hotelaria. In: Fórum Internacional de Qualidade de Vida no
Trabalho, 4., 2004, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: ISMA-BR, 2004.
ELIAS, N.; DUNNING, E. A Busca da Excitação. Tradução Maria Manuela Almeida e
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Disponível em: <http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol.html>. Acesso em: 25 ago. 2007.
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FRANÇA JÚNIOR, N. R.; PILATTI, L. A. Gestão de qualidade de vida no trabalho
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FREITAS, A. L. P., RODRIGUES, S. G. A avaliação da confiabilidade de
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GEBARA, A. O Tempo na Construção do Objeto de Estudo da História do Esporte,
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pressão arterial no Brasil: a qualidade de vida e a terapêutica anti-hipertensiva.
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STURION, L.; CABRAL, S. G. O Lazer após a revolução industrial. Disponível em:
<http://www.faculdade.nobel.br/?action=revista&id=32>. Acesso em 31 jul. 2007.
4. AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO:
UMA ADAPTAÇÃO DO MODELO DE WALTON

Luciana da Silva Timossi


Bruno Pedroso
Antonio Carlos de Francisco
Luiz Alberto Pilatti

4.1 Introdução
O cenário contemporâneo retrata que, cada vez mais, as empresas estão
buscando acompanhar as modificações ocorridas no ambiente empresarial que,
conseqüentemente, concentram grande parte dos seus esforços na tentativa de
possuir um diferencial, para garantir vantagem competitiva no mercado. Assim,
algumas empresas começaram a perceber que focar os indivíduos que compõem a
organização pode ser uma boa estratégia empresarial.
A mobilização e a valorização das pessoas em suas atividades têm se dado,
ultimamente, em conseqüência das mudanças de conceitos e alterações de práticas
gerenciais ocorridas nas organizações. As empresas, ao invés de investirem
diretamente em produtos e serviços, estão investindo nas pessoas que os
entendem, sabem como criá-los, desenvolvê-los e melhorá-los (ZANETTI, 2002).
Dessa forma, a investigação em Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), o
desenvolvimento e a aplicação de programas que incrementem melhorias no
ambiente de trabalho podem trazer benefícios para a empresa nas relações com
seus trabalhadores e, como conseqüência, na qualidade de seus produtos,
tornando-os, assim, mais competitivos no mercado. Uma abordagem diferenciada no
que diz respeito à Qualidade de Vida (QV) das pessoas, apontando a uma
valorização de fatores inerentes ao ser humano, como o grau de satisfação,
realização tanto profissional como pessoal, bom relacionamento com a sociedade e
acesso à cultura e ao lazer, como exemplos reais de bem-estar, é o que se percebe
atualmente no universo empresarial.
A discussão sobre a QVT não é recente. Após uma investigação no Banco de
Teses da Capes, foram encontradas dissertações e teses na área de Administração
a respeito da QVT a partir de 1989 e, após 1996, na área de Engenharia de
Produção. Em geral as pesquisas em torno da questão da QVT visam à
compreensão a respeito de situações individuais dos trabalhadores em seus
ambientes laborais, incluindo aspectos comportamentais e de satisfação individuais
(LIMONGI-FRANÇA, 2004). Para avaliar a QVT, os modelos mais freqüentemente
encontrados nas literaturas são de Hackman e Oldham (1975), Westley (1979),
Wether e Davis (1983), Walton (1975) e Fernandes (1996). No Brasil o modelo de
Walton (1975) é um dos mais aceitos e utilizados por pesquisadores da QVT.
Durante o desenvolvimento de alguns estudos relacionados a QVT e após
várias aplicações do modelo de Walton para avaliação da QVT, notou-se o fato de
que alguns colaboradores, quando submetidos à avaliação de QVT, apresentaram
dificuldades em interpretar e entender a forma original do modelo, em virtude da
utilização de termos e expressões mais cultas. Outro ponto de dificuldade foi em
relação à ausência de perguntas diretas e específicas para a definição de cada
critério. Com base nessa perspectiva, verificou-se a necessidade de um instrumento
de fácil compreensão para atender a colaboradores com um menor nível de
escolaridade.
Nesse contexto, o objetivos deste estudo foram:
 adaptar o modelo de avaliação da QVT proposto por Walton em 1975 em uma
linguagem mais simples e direta, permitindo sua aplicação em indivíduos com
baixo nível de escolaridade;
 apresentar o desenvolvimento da versão adaptada, ressaltando que este
estudo não objetivou a criação de um novo modelo de avaliação da QVT, mas
visou adequá-la a um modelo já existente e amplamente utilizado.

4.2 Qualidade de Vida no Trabalho


O trabalho, em sua finalidade e também em seu conceito, evoluiu ao longo do
tempo. Deixou de ser um simples instrumento ou meio de subsistência para um
processo multifatorial, no qual o ser humano coloca-se como centro motriz.
Acompanhando essa evolução do trabalho surgiu a QVT, cujo foco está centrado no
indivíduo, procurando oferecer ao trabalhador boas condições laborais para que ele
desenvolva sua tarefa com satisfação e bem-estar.
De acordo com Walton (1975), a QVT vem recebendo destaque como forma
de resgatar valores humanos e ambientais, que vêm sendo negligenciados em favor
do avanço tecnológico, da produtividade e do crescimento econômico. Para
Fernandes (1996, p.43), a QVT abrange a “conciliação dos interesses dos indivíduos
e das organizações, ou seja, ao mesmo tempo em que melhora a satisfação do
trabalhador, melhora a produtividade da empresa”. Cole et al. (2005, p. 54) afirma
que “A qualidade de vida no trabalho inclui largos aspectos do ambiente do trabalho
que afetam o colaborador em sua saúde e seu desempenho.”
Com a tecnologia ao alcance de todos, as empresas começaram a investir na
transformação do ambiente laboral, procurando adequá-lo às necessidades físicas,
psíquicas e sociais do seu trabalhador, como um meio para impor seu diferencial
perante o mercado. De acordo com Limongi-França (2004, p. 10),
[...] quando esta visão está consolidada, o empresário deixa de ver o
dinheiro que aplica em melhores condições de vida no trabalho como gasto,
mas sim como investimento, que certamente lhe trará retorno num círculo
virtuoso, onde a qualidade de vida no trabalho representa a qualidade de
seus produtos, produtividade e consequentemente maior competitividade.
Dentro dessa perspectiva, é factível afirmar que, ao passo que a tecnologia
deixa de ser um diferencial na empresa, são as pessoas nela inseridas que
promovem, ou não, o sucesso desta. Assim, intensifica-se a preocupação com a
saúde, o bem-estar e, conseqüentemente, a QTV dos colaboradores.
4.2.1 Modelo de Walton para avaliação da qualidade de vida no trabalho
Para a adaptação à realidade do trabalhador, proposta deste trabalho, foi
selecionado o modelo proposto por Walton (1975), o qual entende serem oito
dimensões que influenciam diretamente o trabalhador. A escolha desse modelo se
justifica pois os oito critérios abordados abrangem com uma boa amplitude aspectos
básicos das situações de trabalho, de ser um instrumento amplamente utilizado em
avaliação de QVT no Brasil.
Os critérios enumerados que compõem o modelo de Walton (1975) não estão
em ordem de prioridade, por isso podem ser rearranjados de maneira distinta para
assumir outras importâncias, de acordo com a realidade em cada organização. A
tabela 1, a seguir, indica os critérios e subcritérios presentes no modelo de Walton
(1975).

Critério de avaliação da QVT –modelo de Walton (1975)


1. Compensação justa e adequada 5. Integração social na organização
Remuneração justa Discriminação
Equilíbrio salarial Relacionamento interpessoal
Participação em resultados Compromisso da equipe
Benefícios extras Valorização das idéias
2. Condições de trabalho 6. Constitucionalismo
Jornada semanal Direitos do trabalhador
Carga de trabalho Liberdade de expressão
Tecnologia do processo Discussão e normas
Salubridade Respeito à individualidade
Equipamentos de EPI e EPC 7. O trabalho e o espaço total de
vida
Fadiga Influência sobre a rotina familiar
3. Uso e desenvolvimento de Possibilidade de lazer
capacidades
Autonomia Horário de trabalho e descanso
Importância da tarefa 8. Relevância social do trabalho na
vida
Polivalência Orgulho do trabalho
Avaliação do desempenho Imagem institucional
Responsabilidade conferida Integração comunitária
4. Oportunidade de crescimento e Qualidade dos produtos/ serviços
segurança
Crescimento profissional Política de recursos humanos
Treinamentos
Demissões
Incentivo aos estudos
Fonte: Detoni (2001), adaptado de Walton (1975)
Tabela 1 – Critérios e subcritérios de qualidade de vida no trabalho

4.3 Metodologia
Este estudo desenvolveu-se em quatro contextos diferenciados:
primeiramente no contexto da literatura acadêmica atual sobre o assunto QVT e
seus modelos de avaliação; em seqüência na investigação sobre a consistência
interna de questionários. Após essas etapas foi realizada a organização e a
adaptação das questões e, finalmente, seguiu-se a aplicação propriamente dita do
instrumento e a análise dos coeficientes encontrados por critério e, de maneira geral,
do instrumento como um todo. A descrição mais detalhada das etapas é
apresentada a seguir.
4.3.1 Desenvolvimento das perguntas
O processo de desenvolvimento das perguntas e a adaptação dos termos
técnicos para termos mais simples e usuais sem, no entanto, alterar o seu
significado envolveu alguns passos:
a) Aplicação do instrumento em sua forma original e a identificação dos termos que
seriam adaptados. Alguns destes termos estão indicados na tabela 2 a seguir:
Termos originais Termos adaptados
remuneração justa salário
benefícios extras alimentação, transporte, médico, dentista
etc.
salubridade condições de trabalho
fadiga cansaço
polivalência possibilidade de desempenhar vários
trabalhos
constitucionalismo respeito às leis e normas
Fonte: Dados do estudo, 2008
Tabela 2 – Exemplos de alguns termos alterados e adaptados no instrumento

b) Elaboração de um conjunto de perguntas envolvendo os termos âncoras e os


termos adaptados.
c) A permanência do termo âncora original do instrumento, entre parênteses na
pergunta, ao lado do termo que corresponde ao seu sinônimo alterado, conforme
representado na figura 1.
d) Padronização do questionário envolvendo os oito critérios propostos por Walton
(1975) e 35 subcritérios, cada qual sendo representado por uma questão.
e) Formulação de uma escala de resposta equivalente para todas as questões,
conforme ilustração a seguir.

Figura 1 – Exemplo da questão presente no instrumento


Fonte: Dados do estudo (2008)

4.3.2 Desenvolvimento das escalas de respostas


Para a identificação da percepção do colaborador em relação à sua QVT foi
utilizada uma escala do tipo Likert, polarizada em cinco pontos. A proposta dessa
escala, exemplificada na tabela 3, é verificar a satisfação do colaborador em relação
ao critério indicado, levando em conta suas necessidades e anseios individuais.

Escala 0% âncora 25% 50% 75% 100% âncora


Avaliação
nem satisfeito
do nível
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito muito satisfeito
de
insatisfeito
satisfação
Grau
1 2 3 4 5
numérico
Fonte: Adaptado de Fleck (1999)
Tabela 3 – Escala de níveis de satisfação

Essa escala fundamentou-se no modelo de resposta utilizado pela


Organização Mundial da Saúde no instrumento WHOQOL-100. Para facilitar a
compreensão e padronizar as respectivas respostas aos questionamentos, foi
utilizada apenas uma escala de resposta referente à avaliação da intensidade de
satisfação para todas as perguntas.
4.3.3 Verificação da consistência do instrumento
Para garantir a consistência interna do presente instrumento utilizou-se do
coeficiente alfa de Cronbach. Desenvolvido por Lee Cronbach em 1951, o
coeficiente alfa de Cronbach é uma ferramenta estatística que avalia a confiabilidade
através da consistência interna de um questionário. Para a utilização do coeficiente
alfa de Cronbach, é requisito que todos os itens do instrumento utilizem a mesma
escala de medição. (FREITAS; RODRIGUES, 2005).
O alfa de Cronbach é obtido a partir da variância dos componentes individuais
e da variância da soma dos componentes de cada avaliado, buscando investigar as
possíveis relações entre os itens. Dessa forma, as variáveis utilizadas no cálculo do
coeficiente de Cronbach são as seguintes: o número de questões do instrumento
(K), a variância de cada questão ( S i2 ) e a variância total do instrumento ( S t2 ). O
coeficiente alfa de Cronbach pode ser calculado através da seguinte equação:
k
§ ·
¨ ¦ S i2 ¸
§ K · ¨ i 1 ¸
D ¨ ¸* 1
© K 1¹ ¨ S t2 ¸
¨ ¸
© ¹
Equação 1 – Cálculo do coeficiente alfa de Cronbach
Fonte: Freitas e Rodrigues (2005)

É importante salientar que, mesmo sendo amplamente utilizado em diversas


áreas do conhecimento, ainda não existe um consenso quanto à avaliação do
coeficiente alfa de Cronbach. Algumas literaturas consideram satisfatório um
instrumento de pesquisa que obtenha D =0,70. Entretanto, cabe ao pesquisador
decidir qual o valor mínimo de confiabilidade aceitável para o seu respectivo
instrumento. (FREITAS; RODRIGUES, 2005).
Com relação à verificação da consistência do instrumento, tomar-se-á como
base a classificação proposta por Freitas e Rodrigues (2005), que sugerem a
seguinte escala para análise do coeficiente alfa de Cronbach:

Valor de D Confiabilidade
D ” Muito baixa
0,30< D ” Baixa
0,60< D ” Moderada
0,75< D ” Alta
D >0,90 Muito alta
Fonte: Freitas e Rodrigues (2005)
Tabela 4 - Escala de confiabilidade do alfa de Cronbach

De acordo com Freitas e Rodrigues (2005), os fatores que podem influenciar


na confiabilidade de um questionário são o número de itens, o tempo de aplicação
do questionário e a amostra de avaliadores.
 Número de itens: um questionário com um extenso número de itens pode
ocasionar respostas impulsivas e relapsas, além de tender a aumentar o número
de itens sem resposta.
 Tempo de aplicação do questionário: limitar um intervalo de tempo pré-
estabelecido também pode ocasionar os mesmos problemas descritos no item
anterior. É comumente observado que, devido à falta de tempo para o
preenchimento do questionário, as últimas questões não sejam respondidas.
 Amostra de avaliadores: aplicar um questionário a uma amostra muito
semelhante deve reduzir a confiabilidade de um questionário, pois, quanto mais
homogênea a amostra, a variância tende a se tornar nula.
Em se tratando dos itens anteriores, pode-se afirmar que nenhum deles
sofrem alteração na presente pesquisa, visto que este estudo não se pautou em
criar um novo instrumento, mas, sim, em facilitar o entendimento e compreensão dos
itens de um instrumento já existente e validado.
4.3.4 Aplicação do instrumento
Para testar a consistência interna do presente instrumento, utilizou-se de uma
aplicação em uma amostra de 99 respondentes. Procurou-se utilizar, quanto ao nível
educacional, uma amostra o mais heterogênea possível, para que se possibilite e
exeqüidade do instrumento de forma a ampliar a compreensão das questões e da
escala de respostas. Assim sendo, a distribuição da amostra com relação à
escolaridade se configura da seguinte forma:

Figura 2 - Escolaridade dos respondentes


Fonte: Dados do estudo (2008)

4.4 Resultados e discussão


A aplicação do coeficiente alfa de Cronbach, com o intuito de testar a
consistência interna da adaptação do instrumento, apresentou os seguintes
resultados quanto aos oito critérios de QVT propostos por Walton (1975):

Critério Valor de D
Compensação justa e
adequada 0,86
Condições de
trabalho 0,84
Uso das capacidades 0,86
Oportunidades 0,79
Integração social 0,66
Constitucionalismo 0,88
Trabalho e vida 0,84
Relevância social 0,81
TOTAL 0,96
Fonte: Dados do estudo (2008)
Tabela 5 - Coeficiente alfa de Cronbach do instrumento adaptado

Com base na classificação dos valores de alfa, proposta por Freitas e


Rodrigues (2004), pode-se afirmar que o critério “Integração social” é o único que
apresenta consistência moderada, enquanto os demais critérios são classificados
com uma consistência alta. Por sua vez, o alfa do total do instrumento foi calculado
em 0,96, o que garante uma consistência interna muito alta na adaptação proposta
neste estudo.
Dessa forma, os resultados obtidos com a aplicação da versão adaptada do
modelo de Walton indicaram que a adaptação proposta apresenta elevada
consistência interna, o que a torna, assim como o modelo original proposto por
Walton (1975), adequada para subsidiar pesquisas na área da QVT.
Na avaliação dos escores obtidos com a aplicação da versão adaptada do
modelo de Walton, foi estabelecido que os critérios cuja média fosse acima do
escore 3, que corresponde a 50% na escala de 1 a 5 pontos, foram considerados
positivos ou fatores de satisfação no ambiente de trabalho. Os critérios que
indicassem média abaixo de 3 seriam classificados como negativos/insatisfatórios na
QVT. A figura 3 apresenta os resultados de acordo com os oito critérios
investigados.
3,80 3,82
3,69
3,60 3,64 3,64
Insatisfação l Satisfação

3,38
3,30
Justa e Adequada

Integração Social

Relevância Social
Trabalho e Vida
Condições de

Constitucionalismo
Capacidades

Oportunidades
Compensação

Uso das
Trabalho

Figura 3 - Nível de satisfação dos indivíduos avaliados com os critérios de QVT


Fonte: Dados do estudo (2008)

De acordo com a figura acima, todos os critérios apresentaram um nível de


satisfação superior a 50%. O fator “compensação justa e adequada” (3,3)
apresentou o menor índice de satisfação adotado, podendo estar interferindo
negativamente na QVT. Os critérios: “oportunidades” (3,38), “condições de trabalho”
(3,60), “trabalho e vida” (3,64) e “integração social” (3,64) apresentaram índices
acima de 3, porém muito próximos ao limite de insatisfação, o que pode estar
indicando relações de conflito entre estes fatores e aquilo que seria representado
como ideal pelos colaboradores, considerando especificamente o item “trabalho e
vida” (3,64), já que este avalia a influência do trabalho sobre a vida geral do sujeito,
abordando questões como a influência do trabalho sobre a vida familiar, lazer e
descanso. A tabela 6 apresenta a estatística dos critérios de QVT:

Nível de Satisfação
Critérios Desv. Coef.
Média
Pad. Variação
1. Compensação justa e adequada 3,30 0,9 3,66
2. Condições de trabalho 3,60 0,71 5,07
3. Uso e desenvolvimento de 0,65 5,85
capacidades 3,80
4. Oportunidade de crescimento e 0,83 4,08
segurança 3,38
5. Integração social na organização 3,64 0,62 5,87
6. Constitucionalismo 3,69 0,79 4,67
7. O trabalho e o espaço total de vida 3,64 0,76 4,79
8. Relevância social do trabalho na vida 3,82 0,58 6,59
Fonte: Dados do estudo (2008)
Tabela 6 - Média, desvio padrão e coeficiente de variação dos critérios de QVT.

Neste estudo, encontram-se classificados como indicadores de satisfação os


critérios “constitucionalismo” (3,69), “uso das capacidades” (3,80) e “relevância
social” com o maior escore (3,82). Com esses resultados em mãos é possível
orientar a tomada de decisão da empresa na busca por melhores condições
laborais. Como salienta Lima (2004), no atual ambiente competitivo, as organizações
necessitam de uma força de trabalho saudável, motivada e preparada para a
competição. E acrescenta uma importante observação a respeito da QVT, frisando
não ser única e exclusiva responsabilidade da empresa, mas que o próprio indivíduo
deve ter a consciência de sua importância neste processo ou, então, a organização
deve ter o compromisso de incentivá-lo ou instruí-lo para tal.
Pode-se então pensar que uma boa QVT irá existir se o indivíduo atentar para
o seu comportamento em relação à sua saúde e QV em geral, procurando eliminar
ou reduzir seus hábitos negativos que podem comprometer seu bem-estar. Para
tanto, as empresas precisam ter uma visão holística e mais humanizada em relação
ao trabalhador, pois o indivíduo fora da empresa e o funcionário dentro dela são a
mesma pessoa.

4.5 Conclusão
É perceptível o fato de que a gestão das organizações vem sofrendo
alterações. A busca pela qualidade, antigamente direcionada apenas aos aspectos
organizacionais e produtivos, agora também é voltada para a QV dos colaboradores.
Tornou-se de conhecimento público que, assim como o trabalho é uma necessidade
do ser humano, a satisfação provinda dele representa também uma necessidade.
Dessa forma, os gestores têm sustentado o preceito de que, melhorando a QV dos
colaboradores, estar-se-á melhorando a organização como um todo.
O objetivo de propor um instrumento com características psicométricas
satisfatórias, adaptado ao modelo de Walton, foi atingido. O coeficiente alfa de
Cronbach de valor =0,96 alcançado na aplicação do instrumento indica que este
apresenta, com base na classificação proposta por Freitas e Rodrigues (2005),
consistência interna muito alta.
Dessa forma, pode-se afirmar que a adaptação do modelo de Walton,
proposta neste estudo, permite, através de questões mais esclarecidas e uma
escala de resposta mais objetiva, a sua aplicação em pessoas com baixa
escolaridade, garantindo a obtenção de resultados fidedignos sem alterar critérios e
objetivos do instrumento original.

4.6 Referências
DETONI, D. J. Estratégias de avaliação da qualidade de vida no trabalho: estudos
de casos em agroindústrias. Florianópolis, 2001. 141f. Dissertação (Mestrado em
Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina.
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ZANETTI, E. M. S. P. Gerenciamento de recursos humanos: o caso das micro e
pequenas indústrias de confecções do município de Colatina-ES. Florianópolis,
2002. 133 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade
Federal de Santa Catarina.

Agradecimento
Os autores agradecem o apoio concedido pela Capes através do suporte financeiro
recebido à elaboração da pesquisa.

ANEXO
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO SEGUNDO O
MODELO DE WALTON

ESCALA DE AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO


Instruções
Este questionário é sobre como você se sente a respeito da sua Qualidade de Vida no Trabalho.
Por favor, responda a todas as questões. Se você não tem certeza sobre que resposta dar em uma
questão, por favor, escolha entre as alternativas a que lhe parece mais apropriada. Nós estamos
perguntando o quanto você está satisfeito(a), em relação a vários aspectos do seu trabalho nas
últimas duas semanas. Escolha entre as alternativas e coloque um círculo no número que melhor
represente a sua opinião.

Em relação ao salário (compensação) justo e adequado:

1.1 O quanto você está satisfeito com o seu salário (remuneração)?


muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

1.2 O quanto você está satisfeito com seu salário, se você o comparar com o salário dos seus colegas?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

1.3 O quanto você está satisfeito com as recompensas e a participação em resultados que você recebe
da empresa?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

1.4 O quanto você está satisfeito com os benefícios extras (alimentação, transporte, médico, dentista
etc.) que a empresa oferece?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

Em relação às suas condições de trabalho:

2.1 O quanto você está satisfeito com sua jornada de trabalho semanal (quantidade de horas
trabalhadas)?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

2.2 Em relação à sua carga de trabalho (quantidade de trabalho), como você se sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5
2.3 Em relação ao uso de tecnologia no trabalho que você faz, como você se sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

2.4 O quanto você está satisfeito com a salubridade (condições de trabalho) do seu local de trabalho?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

2.5 O quanto você está satisfeito com os equipamentos de segurança, proteção individual e coletiva
disponibilizados pela empresa?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

2.6 Em relação ao cansaço que seu trabalho lhe causa, como você se sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

Em relação ao uso das suas capacidades no trabalho:

3.1 Você está satisfeito com a autonomia (oportunidade tomar decisões) que possui no seu trabalho?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

3.2 Você está satisfeito com a importância da tarefa/trabalho/atividade que você faz?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

3.3 Em relação à polivalência (possibilidade de desempenhar várias tarefas e trabalhos) no trabalho,


como você se sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

3.4 O quanto você está satisfeito com a sua avaliação de desempenho (ter conhecimento do quanto
bom ou ruim está o seu desempenho no trabalho)?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

3.5 Em relação à responsabilidade conferida (responsabilidade de trabalho dada a você), como você se
sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

Em relação às oportunidades que você tem no seu trabalho:

4.1 O quanto você está satisfeito com a sua oportunidade de crescimento profissional?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

4.2 O quanto você está satisfeito com os treinamentos que você faz?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5
4.3 Em relação às situações e à freqüência em que ocorrem as demissões no seu trabalho, como você
se sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

4.4 Em relação ao incentivo que a empresa dá para você estudar, como você se sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

Em relação à integração social no seu trabalho:

5.1 Em relação à discriminação (social, racial, religiosa, sexual etc.) no seu trabalho, como você se
sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

5.2 Em relação ao seu relacionamento com colegas e chefes no seu trabalho, como você se sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

5.3 Em relação ao comprometimento da sua equipe e colegas com o trabalho, como você se sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

5.4 O quanto você está satisfeito com a valorização de suas idéias e iniciativas no trabalho?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

Em relação ao constitucionalismo (respeito às leis) do seu trabalho:

6.1 O quanto você está satisfeito com a empresa por ela respeitar os direitos do trabalhador?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

6.2 O quanto você está satisfeito com sua liberdade de expressão (oportunidade dar suas opiniões) no
trabalho?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

6.3 O quanto você está satisfeito com as normas e regras do seu trabalho?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

6.4 Em relação ao respeito à sua individualidade (características individuais e particularidades) no


trabalho, como você se sente?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

Em relação ao espaço que o trabalho ocupa na sua vida:

7.1 O quanto você está satisfeito com a influência do trabalho sobre sua vida/rotina familiar?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

7.2 O quanto você está satisfeito com a influência do trabalho sobre sua possibilidade de lazer?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5
7.3 O quanto você está satisfeito com seus horários de trabalho e de descanso?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

Em relação à relevância social e importância do seu trabalho:

8.1 Em relação ao orgulho de realizar o seu trabalho, como você se sente?


muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

8.2 Você está satisfeito com a imagem que esta empresa tem perante a sociedade?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

8.3 O quanto você está satisfeito com a integração comunitária (contribuição com a sociedade) que a
empresa tem?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

8.4 O quanto você está satisfeito com os serviços prestados e a qualidade dos produtos que a empresa
fabrica?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5

8.5 O quanto você está satisfeito com a política de recursos humanos (a forma de a empresa tratar os
funcionários) que a empresa tem?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito satisfeito muito satisfeito
nem insatisfeito
1 2 3 4 5
5. A ERGONOMIA E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO: UMA
ANÁLISE TEMÁTICA A PARTIR DAS PUBLICAÇÕES DO
ENEGEP ORIENTADA PARA O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL

Maria Helena Bessa Barros


Luis Mauricio Resende

5.1 Introdução
A evolução contínua da tecnologia em engenharia sobrepujou um aspecto
fundamental: os fatores humanos no ambiente de trabalho. Pode-se inferir que a
evolução humana encontra seu notório desempenho quando o homem teve de
adaptar-se, bem ou mal, às condições impostas pelos maquinismos que, por sua
vez, impeliam a uma resposta física ou cognitiva àquele que operava.
Para entender todo o complexo característico humano nas suas atividades
laborativas, surge uma nova ciência que tem por objeto de estudo a interface entre o
homem e os sistemas que ele utiliza. Esta nova ciência é a Ergonomia e nasce com
o propósito de resolver problemas práticos do homem no seu ambiente de trabalho.
É a partir desta forma de atuação que esta ciência encontra-se sob o jugo de dois
tipos de avaliação: a avaliação sob critérios científicos acerca de suas modelagens e
formulações de problemas do trabalho e a avaliação sob critérios econômicos e
sociais de valor de suas propostas de soluções. (VIDAL, 2002)
Portanto os critérios científicos da Ergonomia frente à realidade da indústria
de manufatura constituem o objeto de estudo desta pesquisa. Para a sua
caracterização, como área do conhecimento, torna-se primordial entender o que
determina uma situação em ser precursora de problemas científicos em Ergonomia e
de que modo esta nova “visão” sobre a realidade do trabalho permite a continuidade
do ciclo de criação, organização e difusão do conhecimento à prática e o
desenvolvimento industrial.
Para Tenopoir e King (2001), os artigos científicos passam a fomentar o
conhecimento específico sobre determinada ciência. Em razão desta função de
geração de informações novas que determinam uma verdade provisória sobre um
assunto, há uma considerável controvérsia e ambivalência no que diz respeito a sua
importância. Muitas vezes o artigo científico constitui o meio para obtenção das
primeiras informações sobre descobertas importantes.
Bufrem et al. (2006) entendem que a análise das produções científicas se
justifica pela necessidade sentida pelos pesquisadores a respeito das fontes que
determinam o domínio de uma “verdade” ainda que provisória da literatura de sua
área e dos meios existentes para a sua divulgação de suas próprias pesquisas.
Uma vez que a realidade serve como instrumento balizador na tomada de
decisão, torna-se primordial compreendê-la a partir uma perspectiva tanto do
passado quanto do presente. É inquestionável o papel crítico e observador que todo
pesquisador possui na responsabilidade de provedor do conhecimento perante o
embate científico que desponta entre o crescimento de produções científicas e o
crescimento nos aspectos arbitrários em relação à subjetividade dos periódicos que
divulgam a informação científica. Esse caráter subjetivo refere-se à respeitabilidade
e prestígio dos diferentes meios de divulgação (eventos científicos, meios
eletrônicos, anais de congresso, revistas etc.). (STRHEL E SANTOS, 2002)
Desta forma, este estudo pretende refletir sobre o papel da Ergonomia como
instrumento de aplicação prática das pesquisas geradas no meio acadêmico no
âmbito industrial e governamental e também como meio de contribuição para o
desenvolvimento sustentável das organizações. Tal reflexão origina-se do seguinte
questionamento: qual a contribuição do conhecimento científico em Ergonomia para
o desenvolvimento sustentável da indústria brasileira?
A construção da resposta compreende a sistematização e articulação dos
conceitos referentes à Ergonomia, como ciência e desenvolvimento sustentável,
bem como a análise de 311 títulos da base de dados dos anais eletrônicos do
ENEGEP, entre o período de 2002 a 2007, na área de Ergonomia e Segurança do
Trabalho, de modo a delinear o contexto da contribuição ergonômica no campo da
engenharia de produção.

5.2 Ergonomia e Desenvolvimento Sustentável


Como ciência, a Ergonomia é relativamente nova. Muito embora o homem
tenha, desde civilizações antigas, procurado adaptar as ferramentas e utensílios de
uso cotidiano, a origem e evolução foram marcadas pelas transformações sócio-
econômicas e, sobretudo, tecnológicas que vêm ocorrendo no mundo do trabalho.
(IIDA, 1990). É datado de 1949 o batismo da Ergonomia como ciência, uma vez que
esta se caracteriza como campo de saber específico com objetivos próprios e
particulares.
A perspectiva histórica da evolução ergonômica permite fundamentar os
princípios que a definem. Moraes e Mont’alvão (2000) entendem que a Ergonomia
tem a sua ação pela interação entre os fatores humanos e o tecnológico. Enquanto
ciência, procura fornecer as bases para adaptar o homem aos meios e métodos de
produção e resolver os conflitos da relação entre a inteligência natural e artificial.
Esta abordagem sistêmica aplica-se tanto a um posto de trabalho com um operador,
quanto às instalações complexas com vários trabalhadores.
A literatura científica apresenta diversas definições para este campo do saber.
Entretanto, todos esses conceitos apresentam em comum o propósito da adaptação
das condições de trabalho às características do homem a fim de atingir por meio de
critérios como segurança, eficiência, satisfação e bem estar dos trabalhadores a
modificação do relacionamento com os sistemas produtivos.
Desta forma, a Ergonomia atualmente se propõe a produzir um entendimento
fundamentado cientificamente de modo a torná-lo aplicável e viável na produção
industrial. É esta combinação entre ciência e aplicabilidade que revela o seu caráter
útil por tratar eficientemente problemas onde outras abordagens têm deixado a
desejar; científico por configurar no cruzamento interdisciplinar de várias disciplinas;
prático, pois busca soluções adequadas aos usuários; e aplicado por trazer os
resultados para a concepção dos sistemas de produção. (Vidal, 2002).
A evolução industrial tem determinado uma abrangência maior da
responsabilidade organizacional. Isto é, se antes os esforços das empresas
limitavam-se aos fatores internos das corporações como produtividade e diferencial
competitivo, atualmente as empresas vêem-se compelidas a repensarem o seu
papel econômico, social e ambiental no meio em que atuam.
Assim o crescimento tão almejado pelas empresas cede lugar a uma nova
linguagem: o desenvolvimento. Não basta gerar riquezas, tem de distribuí-las sob a
ótica da eqüidade, promover qualidade de vida de toda a população e permitir que
as gerações futuras tenham recursos naturais para a sua sobrevivência.
Quelhas e Rodriguez (2007) entendem o desenvolvimento sustentável como a
triangulação de três macrotemas, como os aspectos ambientais, sociais e
econômicos, os quais, quando valorizados, conseguem promover níveis mínimos de
acidentes e doenças, concomitantemente aos benefícios econômicos, sociais e
ambientais.
Cabe ressaltar que o bem-estar é resultado tanto da atuação ergonômica
quanto do desenvolvimento sustentável. A primeira considera o bem-estar do
trabalhador como um dos fatores resultantes de sua aplicação e o último prima pelo
bem-estar de toda uma sociedade. No entanto, ambos tratam de um dos pontos de
vulnerabilidade das organizações: o fator humano - seja como meio do processo
produtivo para a Ergonomia ou como consumidor direto ou indireto deste processo
perante o desenvolvimento sustentável.
No entanto, a consolidação de uma estratégia de sustentabilidade torna-se
viável quando ou se o homem no contexto do trabalho tem suas capacidades e
limitações garantidas no ambiente produtivo pois, no mundo corporativo de
globalização, flexibilidade, vantagem competitiva, o fator humano da produção tem
impacto direto na viabilidade econômica e social de toda organização.

5.3 A Ergonomia e a Ciência


A Ergonomia, como ciência, busca consolidar os conhecimentos obtidos com
a sua práxis. Tal proposição justifica a atuação ergonômica, que nasceu, segundo
Wisner (1994), para dar respostas às situações de trabalho insatisfatórias, com o
objetivo de gerar melhorias no ambiente de trabalho conforme as capacidades e
limitações humanas. Desta forma, a aplicação deste conhecimento de interface entre
o humano, tecnológico e ambiental deve ser construída pela ótica de métodos de
investigação que permitam corroborar ou aceitar uma verdade prévia ou pressuposto
não testado ainda.
Alves (2000), a partir do pensamento de Marx, coloca que o pesquisador deve
procurar o invisível ou a natureza das coisas, que é aquilo que elas possuem de
verdadeiro e permanente, pois a experiência só capta a superficialidade das coisas.
O invisível a que o autor se refere é a situação problema, a geradora do
conhecimento. Entretanto, o invisível em Ergonomia provém da interface entre o
homem e o trabalho - situações abstratas em que o fenômeno se manifesta a partir
da realidade do trabalho ou do constrangimento físico ou psíquico do trabalhador
perante a atividade laboral – de modo que o aprofundamento nesta realidade
problemática exige do pesquisador um conhecimento acurado a respeito de dois
paradigmas: o antropológico e o administrativo produtivo.
Ainda segundo Alves (2000), o conhecimento científico inicia-se com a
tomada de consciência de que houve uma anormalidade que interrompe uma
determinada ação. A partir dessa tomada de consciência busca-se a solução de
problemas para que se retorne a ordem desta determinada ação. Esse é o processo
de construção do modelo ideal de funcionamento sem o erro e que se aplica a
qualquer situação de desvio da normalidade. Uma vez identificado o erro e
restabelecida como seria a ordem normal elabora-se a causa que gerou o “defeito” e
finaliza-se com as simulações ideais das possíveis causas. Assim define-se o
método de pesquisa.

5.4 O Método Científico


Muitas são as definições e controvérsias sobre a unidade de métodos nas
diversas ciências.
Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004) discutem que o método utilizado nas
ciências naturais não cabe nas ciências sociais. Isso porque o objeto de estudo nas
ciências sociais, o comportamento humano, quando avaliado pelas ciências naturais,
“deixa de lado aquilo que caracteriza as ações humanas: as intenções, significados
e finalidades que lhe são inerentes”. (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER
2004, p. 100).
A transformação de paradigmas dessas duas formas de ciências questiona a
objetividade do conhecimento, se os valores do cientista interferem no seu estudo e
se estes conhecimentos gerados não são falíveis, assim como os critérios para
distinguir o que é e o que não é ciência ao longo da história.
Considerando a ausência de um consenso, os autores propõem não um
método científico acabado para um determinado tipo de ciência, mas a adoção do
modelo adequado ao que se pretende estudar. Como a Ergonomia insere-se nestes
dois campos de ciência, é necessário apreendê-los a fim de formar uma crítica
daquilo que se produz enquanto conhecimento ergonômico.
Os autores explicam que, há alguns anos, o conhecimento proveniente das
ciências sociais era calcado no empirismo lógico cujo cunho científico
fundamentava-se em fenômenos observáveis testados empiricamente para a
validação ou refutação. Era a construção indutiva da teoria que permitia o progresso
da ciência por meio da acumulação do conhecimento de maior poder explicativo e
preditivo.
O método indutivo, para Alves (2000), parte da observação dos fatos, e a
verdade resultante não provém de uma dedução, mas sim da repetição de um
hábito. O raciocínio indutivo é tido então como uma forma de ampliação do saber em
que o passado é conhecido pela experiência e o futuro é conhecido pela teoria
balizado pela crença de que esta verdade irá continuar se repetindo.
Na visão de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004) a produção de
conhecimento social pelo método indutivo corroborou frente a sua forma de
validação. Isto porque para que haja a validação de tal método deve-se haver a
repetição de hábitos e que a verdade continuará se repetindo. E no conhecimento
social aquele composto pelo comportamento humano, suas intenções e significados
não são passíveis de uma repetição padrão ou que se aplique a todas as pessoas
ou mesmo que todas as pessoas sempre tenham os mesmos padrões de respostas.
Alves-Mazzotti (2004) afirma que tanto as ciências naturais quanto as ciências
sociais apresentam em comum uma característica essencial: o objetivo de explicar
os fenômenos e não apenas descrevê-los. Ambas as ciências são consideradas
tanto explicativas quanto interpretativas e, nesta última, as ciências sociais utilizam
métodos e procedimentos diferentes das ciências naturais à medida que são válidos
os mesmos instrumentos e procedimentos para a característica explicativa.
É colocado por esta autora que o atual panorama nas pesquisas sociais é
demasiadamente complexo. Buscar alternativas que se adaptem às necessidades e
propósitos deste campo do saber tem resultado em uma multiplicidade de
procedimentos, técnicas, pressupostos, lógicas de investigação e principalmente a
ambigüidades e questionamentos.
A cientificidade de um fato deve vir acompanhada por sua reflexão e não
somente pelo acréscimo de fatos novos. “O que o cientista deseja não é o rol dos
fatos, mas a sua integração num esquema teórico explicativo” (ALVES, 2000, p.141).
A ciência é identificada pelo método utilizado, conforme Lakatos e Marconi
(2001). Desta forma, Alves (2000) também entende que a ciência é definida pelo seu
método e não em função do seu conteúdo. Portanto, a cientificidade de um estudo é
balizada pela maneira como se trabalham as idéias do pesquisador e da forma como
ele constrói o seu caminho. Muitas vezes a pesquisa científica foge do rigor
metodológico de concepção das idéias.
Equívocos são cometidos na interpretação daquilo que realmente é ciência
quando as idéias são embasadas pelas evidências. Alves (2000) afirma que toda
visão carece de fundamentos, e que uma nova teoria ou nova realidade podem ser
testadas por métodos a fim de que se chegue a uma nova conclusão: verdade ou
falsidade.
O autor justifica a verificabilidade de uma teoria com base nos argumentos de
Popper, pelos quais defende que uma teoria não se justifica pelo processo de
construção. Ou seja, a indução não existe como credencial para a ciência, e os
únicos testes possíveis são aqueles evidenciados pela experiência e que podem
demonstrar a falsidade de seus enunciados. Isto significa que, se tida como falsa,
não quer dizer que eventualmente não possa ser corrigida pela experiência, e sua
aceitação depende de sua capacidade de previsão dos fatos de modo a reduzir o
desconhecido ao conhecido.

5.5 A qualidade do conhecimento científico e sua interface com o mercado de


trabalho
Qualidade, para Strehl e Santos (2002), é avaliada sob duas formas distintas:
a forma absoluta e a forma relativa. Segundo esses autores, os critérios absolutos
seriam baseados na presunção de que trabalhos de boa qualidade são aqueles que
incorporam a verdade científica ou na prática representados pela possibilidade de
melhor compreensão dos fenômenos empíricos. A qualidade de uma contribuição
científica só poderia ser medida a partir de uma retrospectiva histórica. O modo
relativo, por outro lado, utiliza uma definição social e tem como base o ponto de vista
filosófico, segundo o qual a verdade absoluta não existe. Assim, a qualidade de um
trabalho é definida como o que está sendo útil para a comunidade em um dado
momento.
Ainda, segundo os autores é extremamente complexa a tarefa de avaliar a
qualidade de um trabalho científico de acordo com a perspectiva histórica, com
exceção dos trabalhos clássicos e já consagrados.
De maneira também complexa, o modo relativo aponta para um indicador de
qualidade socialmente e mundialmente aceito pela comunidade científica: o número
de citações que um trabalho publicado recebe. Na maioria das vezes, há uma forte
correlação entre o número de citações e a qualidade de um artigo científico. Porém o
fato de um conjunto particular de trabalhos ser momentaneamente ou
temporariamente ignorado não significa baixa qualidade. “Assim, a relevância de um
trabalho científico pode ser indicada pelo número de pesquisadores interessados no
problema.” (STREHL; SANTOS, 2002, p.36)
Para Demo (1992) a avaliação do trabalho científico pode ser avaliado pela
sua qualidade política e pela sua qualidade formal. Qualidade política refere-se
fundamentalmente aos conteúdos, aos fins e à substância do trabalho científico.
Qualidade formal diz respeito aos meios e formas usados na produção do trabalho.
Também se refere ao domínio de técnicas de coleta e interpretação de dados,
manipulação de fontes de informação, conhecimento demonstrado na apresentação
do referencial teórico e apresentação escrita ou oral em conformidade com os ritos
acadêmicos.
Garvey (1979) descreve duas formas de construção do conhecimento
científico e tecnológico: os canais informais, que têm a função de disseminação da
informação entre os pares (pesquisadores) e os canais formais que realizam a
comunicação oficial dos resultados da pesquisa. A publicação passa então a
proporcionar o controle de qualidade de uma área, conferir o reconhecimento da
prioridade ao autor e possibilitar a preservação do conhecimento, como estar em
atividade de pesquisa e participar de um processo permanente de transações e
mediações comunicativas.
O conhecimento quando analisado pela perspectiva da realidade do mercado
de trabalho delimita outra visão. Este outro olhar é entendido por De Ferranti (apud
SCHWARTZMAN, 2005) como oriundo do desenvolvimento da sociedade do
conhecimento que, por sua vez, alimenta-se diretamente da expansão do ensino
superior.
Assim, a competência técnica tem sua base no conhecimento científico
gerado pela formação da força de trabalho em centros universitários com acesso a
pesquisas. Schwartzman (2005) corrobora a idéia de que, quanto maior a
qualificação da mão-de-obra, maiores são as condições de participação de um
mercado internacional competitivo.
Tal realidade vem sendo demonstrada, ainda segundo Schwartzman (2005),
pela postura adotada por países desenvolvidos e em desenvolvimento que elevam o
mais possível a capacidade técnica e profissional para competir internacionalmente
em termos de eficiência e qualidade de produtos. É entendimento para estes países
que a competitividade internacional não depende somente da qualidade dos
produtos, que se articulam diretamente com a capacitação de recursos humanos,
mas também nos custos da mão-de-obra.
Ainda segundo o autor, as situações de alta competitividade são mantidas por
investimentos contínuos na formação e qualificação dos recursos humanos, cujos
altos custos são compensados pela conquista de mercados diferenciados em
qualidade. Tem-se então uma situação de equilíbrio mais elevada, isto é, os
produtos de mercadorias de maior valor agregado geram mais riqueza e melhor
distribuição de renda.
5.6 Metodologia
A análise qualitativa da produção científica em Ergonomia foi realizada
através de uma pesquisa exploratória, em um recorte de 311 artigos referentes ao
período de 2002 a 2007 dos anais eletrônicos do ENEGP, com o objetivo de
identificar a contribuição do conhecimento científico para a indústria brasileira, nos
últimos seis anos, pelo ENEGEP e verificar as transformações deste conhecimento
no período.

5.7 Análise e discussão dos resultados


Até o ano de 2005, as áreas temáticas foram divididas em subáreas
permitindo uma primeira conclusão sobre o objeto de estudo em Ergonomia e
Segurança do Trabalho. A classificação dos estudos no ano de 2006 e 2007 não
contemplou a classificação por subáreas sendo todos os artigos científicos
classificados sob uma área temática: Ergonomia e Higiene e Segurança do
Trabalho. Esta última classificação prevê mais um campo do saber, a Higiene do
Trabalho.
A tabela seguinte demonstra a estruturação dos artigos segundo a produção
total em cada ano e em cada subárea de pesquisa:
ANO
SUBÁREA
2002 2003 2004 2005 2006 2007
Organização do Trabalho 6 13 5 5
Ergonomia do Produto 2 4 6 2
Ergonomia do Processo 3 9 3 4
Psicologia do Trabalho 1 6 7 13
Segurança do Trabalho 12 11 13 14
Biomecânica Ocupacional / 3 4 4
Gerência de Riscos 4 4 3 3
Outros em Ergonomia e Segurança do Trabalho 9 11 / /
TOTAL 37 51 41 53 59 70
Tabela 1 – Número total de publicações por ano
A tabela acima aponta para uma realidade já verificada por Strehl e Santos
(2002) em relação ao número total de publicações por ano: o aumento da
quantidade de publicações sugere o aumento da quantidade de pesquisadores. Isto
também se deve ao caráter interdisciplinar da Ergonomia, que pode ser utilizada a
partir da perspectiva que o objeto de estudo de uma área lhe confere.
O objeto de estudo mais pesquisado pela Ergonomia, segundo o número total
de publicações, refere-se à Segurança do Trabalho. Tanto que no último ano
sobrepujou como tema de pesquisa a Higiene do Trabalho junto à área principal de
Ergonomia e Segurança do Trabalho. Isso evidencia que a Ergonomia no Brasil
possui como principal área de trabalho a Segurança do Trabalho. No tocante a esta
subárea, percebe-se que os estudos abordam principalmente as condições
ambientais, os acidentes de trabalho, os fatores de risco no ambiente de trabalho, as
condições de segurança e os modelos e normatizações em segurança.
É mister frisar que os temas abordados nas publicações analisadas possuem
uma diversidade de variáveis, impossibilitando, assim, de organizá-los em grupos
específicos de acordo com os temas estudados. Dentro de cada área, um mesmo
tema é abordado de diferentes formas, e a tentativa de sistematizá-lo acaba por
descaracterizá-lo, perdendo o referencial que demandou a pesquisa.
A qualidade de vida no trabalho é um tema que passou a ser destacado nas
publicações do ENEGEP a partir de 2003. Os artigos produzidos evidenciam os
aspectos do trabalho que podem contribuir para fragilizar a saúde física e psíquica
dos funcionários assim como a produtividade das empresas.
Entretanto, o foco constante da delimitação da situação problema é a
organização do trabalho. A organização do trabalho tem se demonstrado patológica
em todos os setores da economia, conforme demonstrado em estudos de diversas
áreas assim como as condições ambientais tem sido identificado como deletérias
para o fator humano das empresas.
Ainda são incipientes os estudos sobre mobiliário e demais produtos
utilizados no ambiente de trabalho que garantam melhor usabilidade pelos
trabalhadores dos vários tipos de trabalho (predominantemente físico, cognitivo ou
ambos). Este dado evidencia a ausência de uma característica fundamental para
qualquer ciência: a falta de inovação tecnológica. A isto se podem relacionar várias
hipóteses: falta de perfil empreendedor e tecnológico dos pesquisadores em
Ergonomia, falta de tecnologia para as empresas, falta de incentivo para as
universidades, entre outros, frente a uma demanda crescente de novos usuários no
ambiente de trabalho.
O enfoque centrado nas atividades, tarefas e na organização do trabalho
demonstra uma visão brasileira da Ergonomia à luz da Ergonomia européia, na qual
se estudam os aspectos cognitivos do trabalho. Este aspecto ratifica o dado
encontrado anteriormente referente ao desenvolvimento de novos produtos, a falta
de inovação tecnológica para desenvolver postos de trabalho em função das
capacidades e limitações humanas, assim como desenvolver pesquisas em áreas
como biomecânica ocupacional.
Os estudos sobre as características físicas do trabalhador têm surgido
pontualmente a cada ano. A antropometria é primordial na concepção e adaptação
de postos de trabalho. Portanto é forçoso conhecer a população para a qual os
postos são adaptados.
A principal característica encontrada nos artigos é o método de construção do
conhecimento científico. Verifica-se o método indutivo como o principal recurso de
elaboração do conhecimento, em que os autores partiram de uma realidade
específica para a sua generalização como conhecimento. Percebe-se a repetição de
fatos, experiências e utilização de ferramentas já validadas pela ciência, ocorrendo o
que Alves (2000) define como raciocínio indutivo para a ampliação do saber.
O estudo confronta duas situações antagônicas na geração do conhecimento
em Ergonomia: por um lado tem a explicação de fenômenos que geraram os
problemas de pesquisa e, de outro lado, tem-se a repetição de fatos. Isto é, a maior
parte das publicações refere-se à análise ergonômica do trabalho como ferramenta
para diagnóstico de uma situação problema. Alves (2000) coloca que a ciência não
se faz pelo acréscimo de fatos novos e que o mais importante é o método e não o
seu conteúdo. A cientificidade de um estudo deve ser balizada pela maneira como
as idéias do pesquisador são trabalhadas e da forma como ele constrói o seu
caminho.
No período entre 2002 a 2005 prepondera uma Ergonomia construída para
“corrigir” diversas situações geradoras de problemas em vários ramos econômicos.
Em 2006 e 2007, tem-se uma publicação mais abrangente e que não se limita à
correção de problemas específicos, mas à aplicação e reflexão do conhecimento
ergonômico sobre a realidade multifatorial, que acompanha as transformações
tecnológicas, gerenciais e o contexto em que este trabalho se desenvolve.
Porém não se verifica a articulação das pesquisas ergonômicas com
conceitos de desenvolvimento sustentável. A ênfase dada por tais pesquisas baliza
a Ergonomia pelos critérios sociais como bem-estar e segurança dos trabalhadores.
O estado da arte ergonômica, segundo as pesquisas analisadas, refere-se a
uma realidade que visa à correção das inadequações ergonômicas, seja no
ambiente industrial, seja no ambiente governamental. A aplicação ergonômica
mostra-se tímida no campo da prevenção, situação confrontada pelo exíguo número
de propostas de modelos, instrumentos ou metodologias que objetivem o
gerenciamento dos fatores humanos do trabalho à luz da administração da
produção. As metodologias encontradas buscam o gerenciamento das condições de
saúde e segurança pelas ferramentas gerenciais em uso e difundidas pelos sistemas
de certificação da qualidade.
A análise da publicação em Ergonomia pelo evento científico ENEGEP reflete
o que Streahl e Santos (2002) colocam como critério de qualidade em ciência: a
expressão da verdade científica pela compreensão dos fenômenos empíricos.
Devido ao caráter de interface da Ergonomia e sua aplicabilidade a partir das
situações práticas de incompatibilidade entre o ser humano e o ambiente produtivo,
as pesquisas partem de situações problemas reais dos diversos setores da
economia (produtivo, prestação de serviço e governamental) a fim de contribuir para
a comunidade que utiliza os sistemas de produção. Esta comunidade é delimitada
pelos usuários desses sistemas, os trabalhadores, e pelas indústrias, governo etc.
As publicações do evento também são descritas como critério de qualidade
por si só. Essa afirmação se fundamenta nos argumentos de Garvey (1979), que
defende ser a própria publicação um meio de controle de qualidade de uma área,
pois permite a prioridade ao autor e a preservação do conhecimento em meio ao
processo permanente de transações e mediações, pela comunicação oficial dos
resultados da pesquisa e da divulgação do conhecimento entre os pesquisadores.

5.8 À guisa da conclusão


Discutir pesquisa científica é uma tarefa complexa que exige de quem o faz
um senso crítico a despeito daquilo que se estabelece como qualidade em ciência.
Verificar se os temas pesquisados em uma determinada área do conhecimento são
relevantes requer conhecimento apurado desta área.
Os assuntos abordados nas pesquisas durante os últimos seis anos no
evento em discussão revelam que os temas abordados buscam por soluções de
problemas vivenciados no cotidiano das empresas. Esta constatação demonstra que
o conhecimento produzido e divulgado tem como característica o acréscimo de fatos
novos, porém de qualidade, como demonstrado por Strehl e Santos (2002).
Isso é ratificado ao considerar que o conhecimento científico em Ergonomia,
segundo o ENEGEP, ser de boa qualidade, uma vez que as afirmações produzidas
são úteis tanto para a indústria quanto para o trabalhador ao proporcionar medidas
que visam desde a proteção da capacidade psicofisiológica do indivíduo no seu
ambiente laboral até os riscos e os benefícios que as empresas podem agregar ao
seu negócio pela adoção de tais medidas.
Ao considerar a construção do conhecimento ergonômico pelo raciocínio
indutivo, pode ocorrer a invalidação da indução. Esta constatação é explicada pelo
fato de que o raciocínio indutivo em Ergonomia demonstra-se pela definição que
toda situação de trabalho com fatores de risco ergonômicos (como, por exemplo,
força, repetitividade, postura inadequada) são situações de comprometimento para a
saúde do trabalhador.
No entanto, Couto (2000), em sua pesquisa, irrompe tal forma de raciocínio
metodológico científico. O autor demonstra que condições ergonômicas
inadequadas não são suficientes para desenvolver um processo de adoecimento do
trabalhador ou condição de segurança insuficiente. É necessário considerar
questões gerenciais e a presença de mecanismos regulatórios e compensatórios
adotados pelos trabalhadores. Isto infere que mesmo a condição de trabalho
apresentada como risco ergonômico pode não ser fonte geradora de não
conformidades ergonômicas.
Em relação ao perfil dos pesquisadores, delimita-se uma característica de
retentores de conhecimentos prévios do que produtores ou geradores de
conhecimentos novos. Isto quer dizer que, se a produção científica atual possui
como característica principal a modelagem e formulações dos problemas
assentadas em bases científicas já consolidadas, como psicologia, fisiologia,
biomecânica etc., verificam-se na prática industrial os desajustes entre o humano e o
tecnológico.
A Ergonomia pode ser utilizada tanto pelas ciências naturais quanto pelas
ciências sociais, já que ela se apresenta de forma multifacetada que ora coloca os
aspectos humanos como objeto de estudo e ora coloca os aspectos físicos ou
ambientais como ponto central de discussão.
Infere-se que, devido aos critérios sociais e econômicos que a balizam no
campo científico, a Ergonomia deve ter o seu papel ampliado ao contexto econômico
da indústria. Isto é, no desenvolvimento sustentável que atua como norteador das
ações industriais verificam-se fundamentos ergonômicos. Assim, a pesquisa
ergonômica deve voltar-se para ampliação de sua atuação tanto nas estratégias das
empresas quanto meio primário para o desenvolvimento de políticas sociais que
garantam, além da qualidade de vida do trabalhado, mecanismos de incentivo desta
qualidade de vida no âmbito governamental. Em suma, a evidência de seu caráter
útil e aplicado na realidade organizacional.
Pode-se entender o processo de evolução do conhecimento científico em
Ergonomia pela perspectiva do evento científico de maior respeitabilidade e prestígio
- o ENEGEP - no campo da engenharia de produção nacional. Tal condição de
qualidade das publicações desse evento fundamenta-se na constatação de que as
informações produzidas servem para uma melhor compreensão dos fenômenos
empíricos e que estão sendo úteis para a comunidade neste dado momento.
Verifica-se, pela análise realizada neste estudo, que a Ergonomia vem
cumprindo a sua finalidade científica e social ao propor soluções para os conflitos
entre a inteligência natural e artificial. Porém deve-se considerar qual o impacto do
benefício social na conjuntura econômica das organizações. A resposta deste
questionamento pode contextualizar a Ergonomia no escopo da administração
estratégica das organizações, de modo a contribuir efetivamente para o seu
desenvolvimento sustentável.
Entretanto, cabe aos pesquisadores agregar novos conhecimentos sobre
métodos e técnicas que minimizem as perdas humanas e produtivas. A situação
problema delimita-se de forma clara, objetiva e amplamente verificada; porém o que
se mostra aquém do conhecimento científico é o dissenso entre a prática de
pesquisa e a sua validação num contexto teórico–metodológico que permita a
evolução dos paradigmas do conhecimento ergonômico articulada ao conceito de
desenvolvimento sustentável.

5.9 Referências
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Edições Loyola, 2000.
ALVES-MAZZOTTI; A. J. & GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências
naturais e sociais: pesquisa qualitativa e quantitativa. 2 ed. São Paulo: Thompson,
2004.
BUFREM, L.S de; SILVA, H. F. N; FABIAN, C. l. S. e M; SORRIBAS, T. V.
Produção científica da informação: análise temática em artigos de revistas
brasileiras. Perspectivas em Ciência da Informação. Vol. 12, n. 1, p.38-49, 2007.
COUTO, H. DE A. As Novas Perspectivas na Abordagem Preventiva das LER/DORT
– Fenômeno LER/DORT no Brasil: Natureza, Determinantes e Alternativas das
Organizações e dos demais atores Sociais para Lidar com a Questão. Belo
Horizonte: UFMG/FACE, 2000.
DEMO, P. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 1992.
IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgar Blücher Ltda, 1990.
LAKATOS, E. M. & MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 4 ed.
São Paulo: Atlas, 2001.
MORAES, A. & MONT’ALVÃO, C. Ergonomia: conceitos e aplicações. 2 ed. Rio de
Janeiro: 2AB, 2000.
QUELHAS, A. & RODRIGUEZ, M.V.R. A gestão de segurança e saúde ocupacional
alinhadas ao conceito de sustentabilidade. In: ENCONTRO NACIONAL DE
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO – ENEGEP, XXVII, 2007. Foz do Iguaçu. Anais. Foz
do Iguaçu, 2007. CD-ROM.
SCHWARTZMAN, S. A expansão do ensino superior, a sociedade do conhecimento
e a educação tecnológica. Disponível em: <htpp://WWW.iets.org.br> Acesso em: 25
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STREAHL, L. & SANTOS, C. A. Indicadores de qualidade da atividade científica.
Revista Ciência Hoje. Vol. 31, n 186, p.34-39, 2002.
TENOPIR, C. & KING, D. A importância dos periódicos para o trabalho científico.
Revista de Biblioteconomia de Brasília. Vol. 25, n. 1, p.15-26, 2001.
VIDAL, M.C.R. Ergonomia na empresa: útil, prática e aplicada. 2 ed. Rio de Janeiro:
Editora Virtual Científica, 2002.
WISNER, A. A inteligência no trabalho: textos selecionados de ergonomia. São
Paulo: Fundacentro, 1994.
6. A TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTOS E
TECNOLOGIA À AGRICULTURA FAMILIAR PARA O
CULTIVO DE OLEAGINOSAS: UMA EXPERIÊNCIA NO
SETOR DE BIOENERGIA

Adriane Carla Anastácio da Silva


Maria de Fátima Tondelli
Antonio Carlos de Francisco
João Luiz Kovaleski

6.1 Introdução
A busca pelo desenvolvimento sustentável é uma preocupação mundial,
gerada, entre outras razões, pela necessidade de utilização dos recursos disponíveis
valendo-se da preservação ambiental e da inclusão social, para a viabilização de um
mundo justo e economicamente possível, que integre as nações e promova
crescimento em todos os níveis.
A preocupação com as condições ambientais, atuais e futuras, reflete o
estado crítico no qual o planeta se encontra em relação a suas reservas de energia,
pois aproximadamente 80% delas são de origem fóssil e não renovável, além de
emitirem gases, causadores do efeito estufa. O Brasil, buscando o desenvolvimento
sustentável, vislumbrou a oportunidade de utilizar e promover estudos quanto a
fontes alternativas de energia limpa e renovável.
Uma das oportunidades vislumbradas é o incentivo ao uso e produção de
biocombustíveis, etanol e biodiesel, como atitude gradativa de substituição do óleo
diesel na matriz energética nacional e mundial, representando uma alternativa de
mitigação da dependência dos derivados do petróleo.
A utilização do biodiesel oferece vantagens consideráveis uma vez que, além
de ser uma fonte de energia renovável e ter um balanço positivo de CO2, é agente
promotor de crescimento regional sustentado e viabiliza a expansão da
agroindústria. Além disso, incrementa a produtividade nacional e aprimora os
processos produtivos e, ainda, incentiva e valoriza as culturas de fontes alternativas
renováveis, aproveitando ao máximo as potencialidades regionais, ao transferir
tecnologia às culturas tradicionais  soja, mamona, girassol, amendoim - e às novas
 pinhão manso, nabo-forrageiro, pequi, dentre outras - na grande variedade que
ainda requer P&D&I, destacadas pelo Governo Federal, que provê condições para a
inclusão da agricultura familiar neste processo.
O mercado promissor e emergente oferecido pelo Brasil, o setor de
biocombustíveis e a posição que o país ocupa na fronteira tecnológica da sua
produção atraem os investimentos nacionais e estrangeiros para o setor, que são
utilizados para a aquisição e construção de unidades industriais. Essas empresas
que atendem a critérios do Governo Federal, descritos no Programa Nacional e
Produção e Uso do Biodiesel  PNPB, recebem incentivos para produção de
biodiesel. Os critérios do programa visam incentivar a inclusão dos agricultores
familiares na cadeia produtiva do biodiesel, por isso obrigam as indústrias a
comprarem parte da matéria-prima utilizada na sua produção, estimulando-as a
investir e acreditar na competência dos agricultores familiares nesta tarefa,
promovendo o aumento de renda para esta parcela de agricultores.
Assim, o objetivo deste artigo é apresentar um estudo de caráter exploratório,
com abordagem qualitativa, realizado em uma indústria do setor de bioenergia,
traduzindo as ações de transferência de conhecimentos e tecnologia aos
agricultores familiares, colaboradores da cadeia produtiva do biodiesel, dos estados
do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, onde a empresa atua.

6.2 O Biodiesel na Matriz Energética Brasileira


O Brasil, em busca do desenvolvimento sustentável, vislumbrou a
oportunidade de utilizar e promover estudos quanto a fontes alternativas de energia
limpa e renovável, aproveitando suas condições favoráveis e seu potencial de
produção de biocombustíveis, etanol e biodiesel, como atitude gradativa de
substituição do óleo diesel na matriz energética brasileira.
Uma das ações foi a adição do biodiesel à matriz energética brasileira, a partir
do marco regulatório, instituído pela Lei Federal 11.097/2005, que estabelece
valores percentuais mínimos de mistura de biodiesel ao diesel  de 2% neste ano,
5% em 2013 e de 10% a partir de 2020 (BRASIL, 2005).
A Agência Internacional de Energia – IEA estima que a matriz energética
brasileira é a mais limpa do mundo, com um índice de 35,9% de energia renovável,
em comparação com os 13,5% do mundo, observados na Tabela 1, de percentual
de energia renovável, considerando os dados de 2004 (BRASILB, 2006).

Tabela 1. Percentual de energia renovável.


Fonte: PNA (BRASILB, 2006)
Os dados apresentados demonstram o potencial e a importância das fontes
de energia renováveis para o Brasil e o mundo. Neste contexto, o setor industrial,
centros de pesquisa e sociedade promovem iniciativas visando desenvolver e gerar
inovações que aproveitem este potencial e consolidem a posição ocupada pelo país
no cenário mundial.
Outra ação que o Governo Federal desenvolveu foi o Programa Nacional de
Produção e Uso do Biodiesel  PNPB (BRASILA, 2005), definindo políticas de apoio
à produção de biodiesel, incentivando a integração de agricultores familiares à sua
cadeia produtiva e contribuindo para o fortalecimento destes atores, ao aumentar
sua competência na geração de renda, por meio do cultivo de oleaginosas, em
alguns casos de ordem majoritária, utilizadas em produção.
O PNPB deu origem ao Plano Nacional de Agroenergia 2006-2011, que
objetivava “organizar uma proposta de pesquisa, desenvolvimento, inovação e
transferência de tecnologia para a área de agroenergia” (BRASILA, 2006, p. 32).
Essa proposta visa a sustentabilidade, competitividade e menor desigualdade entre
os atores da cadeia da agroenergia, em consonância com as diretrizes políticas do
programa.
Algumas dessas diretrizes políticas recebem destaque neste estudo, como o
desenvolvimento e a expansão da agroenergia, a promoção do desenvolvimento
tecnológico no setor agrícola e industrial e a geração de emprego e renda no campo
(BRASILB, 2006), pois oferecem benefícios econômicos, ambientais e sociais ao
mercado de agroenergia.
Os benefícios econômicos atraem investimentos internos e externos ao setor.
Os investimentos estrangeiros vislumbram uma oportunidade para a aquisição e
construção de unidades industriais, motivados pelo desenvolvimento e a expansão
do setor de agroenergia no país, alicerçada por políticas de incentivo e valorizada
pela posição de destaque na fronteira tecnológica da produção de biocombustíveis.
O desenvolvimento tecnológico nos setores agrícola e industrial pode ser
observado com os investimentos em P&D&I, traduzidos em benefícios ambientais,
originados das culturas com fins energéticos e produção dos biodiesel, criando
novas oportunidades de emprego e renda no campo (BRASILB, 2006).
Os benefícios ambientais podem ser observados considerando o ciclo
fechado de carbono estabelecido na produção e uso do biodiesel (HOLANDA, 2004).
Os óleos vegetais utilizados na produção do biodiesel são extraídos de oleaginosas,
fonte de energia que absorve o CO2 durante o período de crescimento e o libera no
processo de combustão do motor, promovendo uma melhora na qualidade do ar,
reduzindo os impactos ambientais e mitigando, assim, a emissão de gases
causadores do efeito estufa (GEE).
Os benefícios sociais da produção de biodiesel, considerados um dos
objetivos deste estudo, serão abordados a seguir e tratarão da oportunidade
oferecida pelas empresas do setor aos agricultores familiares para participarem da
cadeia produtiva do biodiesel, em níveis competitivos, atendendo à política do
PNPB.

6.3 O Biodiesel e seus benefícios sociais


Como já mencionamos, a produção do biodiesel gera vantagens econômicas
e cria oportunidades e ampliação da renda no campo, inserindo os agricultores
familiares devido ao cultivo das matérias-primas, insumos de sua cadeia produtiva.
A inclusão do agricultor familiar na cadeia produtiva de biodiesel atende às
políticas de inclusão social do Governo Federal. O Ministério de Desenvolvimento
Agrário  MDA, órgão participante da definição dessas políticas, tem um papel
fundamental neste processo posto que, dentre suas responsabilidades, está a
concessão do Selo Combustível Social.
O Selo Combustível Social  SCS concede aos produtores de biodiesel a
habilitação para operar na sua produção e comercialização, dando-lhes o direito de
participar dos leilões de compra de combustível, a isenção parcial ou total de tributos
federais e a possibilidade de usá-lo como certificado para diferenciar a origem/marca
do biodiesel no mercado (BRASILA, 2005). Todavia, para que isto ocorra, os
produtores de biodiesel são obrigados a adquirir a matéria-prima da agricultura
familiar.
Segundo o MDA, o percentual mínimo para aquisição da matéria-prima dos
agricultores familiares enquadrados no Programa Nacional da Agricultura Familiar 
PRONAF e com situação regular no Sistema de Cadastramento Unificado de
Fornecedores  SICAF é de 50% no Nordeste e Semi-Árido, de 10% nas regiões
Norte e Centro Oeste e de 30% nas regiões Sudeste e Sul (BRASILC, 2005). A
compra de matéria-prima originada da agricultura familiar promove a integração de
agricultores familiares à oferta de biocombustíveis, promovendo oportunidades a
esta parcela agricultores do país.
Outro requisito para a concessão do SCS aos produtores de biodiesel é o
estabelecimento, em seus contratos com os agricultores, dos prazos, das condições
de entrega da matéria-prima, dos preços e da assistência técnica, própria ou
terceirizada, a ser prestada (BRASILC, 2005).
Os contratos entre as empresas e os agricultores familiares promovem
parcerias econômicas, formalizam compromissos de responsabilidade técnica,
tecnológica, ambiental e social, gerando empregos e incrementando a renda,
diversificando as culturas e aproveitando o potencial agrícola da região. Preservam,
assim, a biodiversidade.
A diversificação de cultura aproveitando o potencial agrícola da região
beneficia o uso de matérias-primas alternativas, pouco empregadas na produção de
biodiesel, conforme citam Abramovay e Magalhães (2007): “a mamona e o dendê,
[são] conhecidos pela eficiência energética e por sua compatibilidade com os
sistemas produtivos característicos da agricultura familiar” (ABRAMOVAY;
MAGALHÃES, p.19, 2007). Ou seja, o aproveitamento do potencial agrícola da
região é uma das responsabilidades das empresas de biodiesel.
Considerando as empresas instaladas no Centro-Oeste, região de cerrado,
este estudo destaca as culturas potenciais de oleaginosas, com fins energéticos,
como alternativas para a agricultura familiar dessa região brasileira.

6.4 O Biodiesel no cerrado brasileiro


O PNA indica o potencial do cerrado que, com uma considerável extensão de
terras disponíveis e agricultáveis, boa topografia e ótima regularidade climática, é
favorável para o cultivo de oleaginosas com fins energéticos. A matéria-prima na
produção do biodiesel, consolidando um novo negócio para a agricultura familiar em
pequenas e médias propriedades, promove, assim, o desenvolvimento desta região
(BRASILB, 2006).
Apesar de o cultivo de matérias-primas, oleaginosas, utilizadas na produção
de biodiesel ser estimulado em muitas regiões do país, o potencial oferecido pelo
cerrado atrai muitas empresas para a região Centro-Oeste, como é o caso da
Agrenco Bioenergia, Granol, Brasil Ecodiesel, entre outras.
Siqueira (2007) apresenta, em seu estudo, o potencial de expansão agrícola
no país, confirmando a indicação do PNA de que o cerrado brasileiro, com mais de
90 milhões de hectares disponíveis, pode ser utilizado para a agroenergia, com
produção da maioria das matérias-primas utilizadas pelas empresas de biodiesel,
como podemos observar na Tabela 2, referente a áreas do cerrado brasileiro.

Tabela 2. Áreas do cerrado brasileiro.


Fonte: adaptado de Siqueira (2007)
O cultivo das oleaginosas é beneficiado nessa região pelas alternativas
potencias para a produção com fins energéticos. Neste estudo são abordadas
aquelas adaptáveis a pequenas propriedades de agricultores familiares,
considerando as características do cerrado.

6.5 Matérias-primas alternativas para agricultores familiares do cerrado


Segundo Sluszz e Machado (2006), há muitas alternativas de cultivo de
oleaginosas que viabilizam a inclusão da agricultura familiar na cadeia produtiva do
biodiesel, considerando as características de cada região.
As características do cerrado e a grande quantidade de pequenas
propriedades de agricultores familiares, localizadas nesta região (IBGE, 2008),
oferecem a oportunidade de cultivo de oleaginosas com fins energéticos nestas
áreas, promovendo a inserção destas propriedades na cadeia produtiva.
Kucek (2004) destaca as oleaginosas mais indicadas para cultivo no cerrado,
avaliadas suas características e viabilidade: soja, mamona, algodão, girassol, milho
e nabo-forrageiro. Contudo, nem todas são viáveis ao sistema de produção da
agricultura familiar. Sluszz e Machado (2006) apresentam as oleaginosas mais
viáveis à agricultura familiar, nesta região, para produção de matéria-prima para o
biodiesel: a mamona, o girassol, o algodão e o pinhão manso, considerando
principalmente sua forma de manejo e o custo de produção, fator importante para a
geraçã de renda.
A mamona pode ser considerada a principal oleaginosa para a produção de
biodiesel, pois seu cultivo facilitado, a um custo baixo, e sua enorme resistência à
seca (BRASILD, 2008) oferecem a oportunidade de cultivo aos agricultores
familiares, que ainda podem utilizá-la consorciada a outras culturas, aproveitando
ainda mais sua pequena propriedade.
O girassol é adaptado ao cultivo de safrinha e pode fornecer uma alternativa
aos pequenos agricultores, uma vez que seu aproveitamento é quase total,
considerando a utilização de hastes e folhas na adubação e como ração animal. No
cerrado ele pode ser plantado aproveitando as ultimas chuvas de verão (SLUSZZ;
MACHADO, 2006).
O algodão fornece variados produtos, mas o óleo do caroço, ainda que seja
utilizado na produção de biodiesel, é ainda uma alternativa pouco divulgada
(BRASILD, 2008). No entanto, a Embrapa Algodão desenvolveu alguns cultivares
adaptados ao cerrado, indicados aos produtores familiares, de alta resistência a
doenças, trabalhados a custos baixos, rusticidade e que podem ser colhidos
manualmente (SLUSZZ; MACHADO, 2006).
O pinhão manso é uma oleaginosa com alta produtividade e teor de óleo, de
50% a 52%. O alto índice de produtividade e facilidade de manejo, além de sua
resistência a doenças e insetos, oferece à agricultura familiar uma oportunidade de
cultivo (PINHAO MANSO, 2008).
A Tabela 3 apresenta as características de culturas de oleaginosas para
cultivo no cerrado, desconsiderando-se o porte da propriedade.

Tabela 3 Características das oleaginosas adaptáveis ao cerrado


Fonte: adaptado BRASILB (2006), PINHAO MANSO (2008), TECBIO (2008), BRASILE (2007)
Segundo o MDA, a mamona é o principal produto da agricultura familiar para
a produção de biodiesel. Na região Centro-Oeste representa 46% da área plantada
(ha), junto com 15% de girassol e 39% de soja, perfazendo o universo de matéria-
prima com fins energéticos para a venda às empresas produtoras de biodiesel.
Avaliando esses números consideramos que as culturas alternativas ainda poderão
ser exploradas nesta região do país.
As empresas produtoras de biodiesel cumprem os compromissos adquiridos
na habilitação pelo SCS, adquirindo a matéria-prima da agricultura familiar e
valorizando o potencial agrícola da região onde estão instaladas. Outro
compromisso se refere à prestação de assistência técnica aos agricultores; uma
responsabilidade técnica que requer, em alguns casos, a transferência de tecnologia
como meio de viabilizar a preparação da terra, plantio e colheita das oleaginosas.
A transferência de tecnologia  TT, para produção de oleaginosas com fins
energéticos, é um dos objetivos do PNPB (BRASILA, 2004) que inclui ainda P&D&I e
TT em agroenergia, que permitam desenvolver e transferir conhecimento e
tecnologias, contribuindo para a produção sustentável e para o uso racional da
energia renovável, ampliando a competitividade do agronegócio brasileiro e o
suporte às políticas públicas.
Abramovay e Magalhães (2007) consideram que a abordagem dada pelo SCS
às empresas produtoras de biodiesel está próxima das dimensões sociais
estratégicas do contexto competitivo, buscando aumentar seu nível de
competitividade por meio de mudanças no contexto social em que está instalada,
explorando novas oportunidades de negócio e ampliando sua eficiência produtiva.

6.6 Metodologia
Para atingir o objetivo proposto para este estudo exploratório, foi realizada
uma revisão bibliográfica sobre o tema e a empresa pesquisada; entrevistas semi-
estruturadas com o coordenador da agricultura familiar nos estados, técnicos,
agrônomos e agricultores familiares, visando relatar a experiência da empresa como
agente de transferência de tecnologia para os agricultores familiares na produção de
oleaginosas com fins energéticos e relatando as ações da empresa, considerando
sua responsabilidade na produção de biocombustível através das fontes alternativas
de energia limpa e renovável, ambientalmente sustentáveis.
A escolha do caso em estudo é justificada pelas seguintes razões: (1) é uma
empresa do setor de bioenergia, localizada no cerrado mato-grossense; (2) oferece
recursos de transferência de tecnologia aos agricultores familiares durante o
processo de produção das oleaginosas, matéria-prima na produção de biodiesel; (3)
está dentro de um contexto para o estudo exploratório; (4) permitiu livre acesso ao
ambiente.
As entrevistas semi-estruturadas focaram os seguintes aspectos: escolha das
regiões de atuação na agricultura familiar; quantidade de contratos; estimativa de
safra; características da assistência técnica; logística; treinamentos; formas de
acesso à informação técnica dos cultivares; tecnologias utilizadas no plantio; ações
sustentáveis da empresa.
Os dados apresentados nas tabelas explicitam as fontes de energia
renováveis utilizadas no Brasil e em alguns países, a área potencial agricultável do
cerrado e as características das oleaginosas viáveis à agricultura familiar. Foram
coletados do material pesquisado, em alguns casos adaptado ao contexto abordado,
bem como ilustram as fontes de evidências, sugeridas por Yin (2005) para se obter
um bom estudo de caso, documentação, registro em arquivos e entrevistas.

6.6.1 Caracterização da organização


O complexo industrial de bioenergia é uma das empresas de um grupo
multinacional, que opera no Brasil desde 1997, com 15 anos de atuação no
mercado, especializada no fornecimento de soluções, integrada e personalizada,
para toda a cadeia do agronegócio. O grupo está construindo mais duas indústrias
de biodiesel no Brasil, uma no Mato Grosso do Sul, com capacidade de
esmagamento de 450 mil t/ano de soja e outra no Paraná, com a mesma
capacidade, com inauguração prevista para este ano de 2008.
Inaugurado em março deste ano, o complexo industrial está localizado no
Mato Grosso, na cidade de Alto Araguaia, e possui a capacidade de recebimento de
900 mil t/ano de soja, 180 mil t/ano de caroço de algodão, 120 mil t/ano de semente
de girassol, entre outras oleaginosas. Sua planta industrial está construída em uma
área de 32 hectares, possui tecnologia flex, capaz de produzir diversos tipos de
farelos, óleo comestível, biodiesel, glicerina e energia elétrica. A produção estimada
é de 630 mil t/ano de farelo de soja super-hipro (SHP), um produto inovador, 42 mil
t/ano de farelo de semente de girassol, 88 mil t/ano de farelo de semente de caroço
de algodão, 180 mil t/ano de óleo de soja, 180 mil t/ano de óleo refinado e/ou
biodiesel, 26 mil t/ano de óleo de caroço de algodão e 48 mil t/ano de óleo de
girassol, produzindo ainda 200 mil MW h/ano de energia elétrica, utilizadas para
consumo próprio e venda do excedente à concessionária.
Trata-se da primeira usina brasileira dedicada ao biodiesel, cuja produção,
contratada no regime turn-key de uma única vez no Brasil, é integrada ao
recebimento e ao processamento de soja até a produção de óleo. Com maior
capacidade de produção, está distribuída em quatro unidades, sendo uma de
esmagamento de soja, a seguinte para prensagem de oleaginosas - como girassol,
caroço de algodão, amendoim, pinhão manso -, outra para a produção de óleo
vegetal refinado e/ou biodiesel B-100, com padrão europeu e norte-americano, e a
última para cogeração de energia elétrica e térmica.

6.6.2 A transferência de tecnologia para os agricultores familiares


A organização tem como meta tornar-se a maior processadora da América
Latina de sementes alternativas. Um exemplo é o incentivo à produção de
oleaginosas, em parceria com os agricultores familiares, com investimento capaz de
elevar a área plantada desses cultivares. O projeto da agricultura familiar está
amparado no tripé de sustentabilidade: economicamente viável, socialmente justo e
ecologicamente correto. A empresa mantém parcerias neste projeto com os
agricultores familiares, os sindicatos de trabalhadores rurais de cada município, a
Federação dos Trabalhadores  FETAGRI  de cada estado, a Confederação
Nacional dos Trabalhadores  CONTAG, em Brasília, e MDA.
A parceria com os agricultores familiares para a produção de oleaginosas
atendeu às condições previstas para a habilitação do SCS, que a empresa possui
desde abril deste ano, e possibilitou a sua participação em um primeiro leilão, com
venda de 39.000.000 de litros de biodiesel. Os contratos realizados com as famílias
de agricultores, com prazo de três anos, garantem a compra de 100% da produção
para a safra deste ano, com a garantia de preço mínimo por quilo acima do preço de
mercado de R$ 0,75 para a mamona, R$ 0,60 para o girassol e de R$ 1,00 para a
soja. A assistência técnica é gratuita, em no mínimo seis (6) fases. Os acordos
prevêem a doação de até 2 toneladas de calcário por hectare para até 5 hectares,
sem frete incluso, doação da semente certificada para até 5 hectares, doação de
25% do frete para transporte da produção e disponibilização gratuita de debulhadora
de mamona e pinhão manso. Constam também dos contratos alguns itens, como a
elaboração da proposta de crédito, o adiantamento com pagamento na colheita de
insumos agrícolas  adubo, uréia, fungicida  e o adiantamento de pagamento na
colheita por serviços da patrulha agrícola terceirizada para as propriedades que não
possuem estrutura de preparação do solo, em áreas em que não é possível o plantio
direto.
Os números fornecidos pela empresa garantem o sucesso inicial do projeto e
abrangem os três estados pesquisados. A empresa firmou aproximadamente 1200
contratos com os agricultores familiares para esta safra e tem a perspectiva de
aumentar em 100% este número na próxima safra. Os critérios adotados para
selecionar a região de atuação na agricultura familiar são os de melhor logística:
quantidade de agricultores interessados e áreas adequadas ao cultivo de
oleaginosas. Na atualidade, a área de atuação abrange vinte municípios, sendo dois
em Goiás ( Doverlândia e Santa Rita do Araguaia), dez no Mato Grosso ( Alto
Araguaia, Pedra Preta, São José do Povo, Tabaporã, Itanhangá, Campo Verde,
Dom Aquino, Campo Novo do Parecis, Várzea Grande e Ipiranga do Norte) e oito no
Mato Grosso do Sul (Caraapó, Mundo Novo, Itaquiraí, Juti, Amambaí, Naviraí,
Eldorado e Ponta Porã).

A seleção da oleaginosa para o plantio em uma determinada região considera


as condições adequadas de solo, topografia, clima e logística. A estimativa de safra
para este ano é apresentada de acordo com a cultura: 3 t/ha para a soja, 1,5 t/ha
para o girassol, 2 t/ha para a mamona, 1 t/ha para o pinhão manso e 2 t/ha para o
amendoim. O acompanhamento técnico é realizado por três engenheiros agrônomos
e sete técnicos agrícolas que visitam as áreas através de alguns critérios: a partir da
escolha da área de plantio; na distribuição de insumos, sementes e fertilizantes; no
pré-plantio; no plantio; na fase de condução e de colheita. Todas as fases são
observadas de maneira a evitar a infestação de doenças que possam comprometer
a produtividade, e a cada visita é elaborado um laudo técnico.

Na fase de planejamento e entrega de insumos, cada agricultor familiar


recebe-os pessoalmente ou por meio de associações e/ou cooperativas de
agricultores familiares que estejam trabalhando na parceria. A transferência de
tecnologia e conhecimento na empresa é valorizada e considerada uma ação
diferencial no sucesso da execução do projeto. As ações são focadas nos atores do
processo  o pessoal técnico e os agricultores familiares. Aos primeiros se oferecem
capacitação e aperfeiçoamento técnico, como treinamentos, cursos, palestras, dias
de campo com especialistas nas oleaginosas, que estão sendo trabalhadas pela
empresa, e ainda disponibiliza equipamentos e materiais impressos que oportunizam
a busca de novas informações e são utilizados na preparação de instruções
entregues aos agricultores, durante as diversas etapas do processo. Aos
agricultores familiares são oferecidas palestras, cursos e/ou treinamentos sobre as
oleaginosas que estão sendo cultivadas naquela localidade, utilizando materiais
audiovisuais e impressos, além da entrega de instruções técnicas para a execução
do cultivo da oleaginosa, consideradas fundamentais pelos agricultores, pois muitos
não têm experiência no cultivo da variedade de oleaginosa com as quais estão
trabalhando.
Outra ação é a oportunização de equipamentos, como a debulhadora de
mamona e pinhão manso, visando ao maior rendimento e rapidez no processo,
comparado ao processo manual, tanto para a empresa quanto para o agricultor
familiar, e a disponibilização de recursos, quando necessário, para contratar tratores
e implementos utilizados na preparação do solo. O plantio e a adubação, na maioria
dos casos, é manual, utilizando matracas, como permite a cultura. O transporte da
colheita será realizado por terceirizados, quando os agricultores não tiverem outra
opção. A totalidade da produção será entregue à empresa nos seus galpões
espalhados nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. As cidades de
Goiás entregarão no Mato Grosso, devido à proximidade do armazém.
As preocupações com sustentabilidade e redução dos impactos ambientais
são marcas registradas da empresa, como podemos observar nas seguintes ações:
instalação do complexo industrial, preservando 12 dos 32 hectares; conformidade
com padrões mundiais de poluição ambiental; produção de energia limpa e
renovável; redução da emissão de CO2 no ambiente, já que a queima da biodiesel
na atmosfera, na maioria das vezes, é compensada pela absorção no plantio da
oleaginosa; venda de créditos de carbono ao mercado; reutilização da água utilizada
na caldeira; incentivo a plantio direto, utilização de oleaginosas alternativas, que
requeiram menos mecanização, entre outras.

O sistema de gestão ambiental do grupo do qual o complexo faz parte é


orientado à valorização da vida e pelo compromisso da empresa em apresentar uma
atuação socialmente responsável, ambientalmente correta e economicamente viável
 princípios do desenvolvimento sustentável – que podem ser observados pelas
alternativas criadas, as quais, quando convertidas em ações, consideram estes
princípios e a valorização do potencial agrícola da região, a recuperação de terras
degradadas, a utilização de fontes de energia renováveis, a utilização de resíduos
do processo produtivo, a reutilização da água das caldeiras, a valorização do cultivo
de plantio direto e a geração de novos empregos.

6.7 Considerações Finais


O estudo realizado contribui para destacar as ações de transferência de
conhecimento e tecnologia de uma empresa multinacional aos agricultores
familiares, viabilizando o cultivo de oleaginosas, alternativas para a produção de
biodiesel. As ações realizadas não são inovadoras, contudo ilustram a importância
desses atores para sua cadeia produtiva e reconhecem sua contribuição para um
setor estratégico do país  o setor de biocombustíveis  e podem ser praticadas com
o mesmo fim por outras empresas localizadas que venham a investir nesta região do
país, o cerrado mato-grossense.
A produção de biodiesel, a partir de oleaginosas alternativas, incentiva e
valoriza o potencial dos agricultores familiares e aproveita o potencial agrícola da
região. A diversificação da produção gera uma nova fonte de renda, agregando mão-
de-obra da própria família na atividade primária de produção, recupera áreas de
pastagens degradas, potencializa o consórcio destas oleaginosas com outras
culturas e evita o êxodo rural. Além do que, o cultivo de matéria-prima para biodiesel
viabiliza uma renda alternativa extra aos agricultores familiares, que resulta em um
incremento bastante importante na sua renda familiar.
Os princípios de desenvolvimento sustentável norteiam a empresa
pesquisada e orientam seu compromisso, com o ambiente, a sociedade e a vida, de
produzir bens ambientalmente corretos e economicamente viáveis.

6.8 Referências
ABRAMOVAY, R., MAGALHÃES, R. Acesso dos agricultores familiares aos
mercados de biodiesel, parceria entre as grandes empresas e movimentos sociais.
Texto de discussão n° 6. FIPE. São Paulo, 2007.
BRASIL. Lei n° 11.097, DOU de 13 de janeiro de 2005, Brasília, 2005. Disponível
em: <https://planalto.gov.br/ccivil06/2005/Lei/L11097.htm>. Acesso em: 22 abr.
2008.
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Uso do Biodiesel. Brasília, 2004. Disponível em : <http//www.biodiesel.gov.br >
Acesso em: 23 abr. 2008.
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Acesso em: 23 abr 2008.
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e nº 02, de 2005. Brasília, 2005.
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YIN, R. K. Estudo de Caso: planejamento e método. Porto Alegre: Bookman, 2005.
7. A PERCEPÇÃO DOS MESTRANDOS EM ENGENHARIA DE
PRODUÇÃO DA UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA
FEDERAL DO PARANÁ (UTFPR) - CAMPUS PONTA
GROSSA - SOBRE A EXISTÊNCIA DE AMBIENTES DE
CRIAÇÃO DO CONHECIMENTO

Lucyanno Moreira Cardoso de Holanda


Hélio Gomes de Carvalho
João Luiz Kovaleski

7.1 Introdução
O atual contexto organizacional é caracterizado pela mutação constante,
concorrência cada vez mais acirrada e a necessidade de as organizações buscarem
os mecanismos e ações mais adequadas para o alcance de maior competitividade.
Nessa perspectiva, o novo parâmetro para análise organizacional tem sido o
conhecimento, o qual pode ser gerenciado, buscando a sua adequação para a
estrutura, formas de funcionamento e as estratégias empresariais.
Este estudo pautou-se em responder a seguinte hipótese inicial: como facilitar
a emergência de contextos favoráveis ao processo de criação e compartilhamento
de conhecimento? Para responder à essa hipótese, os autores Nonaka e Takeuchi
(2002) enfatizam que as condições favoráveis para criação do conhecimento
organizacional passam pelo processo denominado SECI (Socialização,
Externalização, Combinação e Internalização) e necessitam de um contexto físico,
virtual e mental, que os japoneses denominam de Ba. A partir dele o conhecimento é
criado, compartilhado e utilizado.
Diante disso, o presente artigo tem por objetivo identificar os quatro tipos de
contextos (originating ba, dialoguing ba, systemizing ba e exercising ba) e apontar
seus benefícios para a criação e o compartilhamento de conhecimentos, através da
percepção dos mestrandos dos cursos de Engenharia de Produção da UTFPR,
campus Ponta Grossa, de acordo com a metodologia proposta por NONAKA,
TOYAMA E KONNO (2002). O artigo caracteriza-se como um estudo de caso, com a
utilização de técnicas qualitativas para coleta e análise dos dados.
Além dessa parte inicial, que contextualiza a Gestão do Conhecimento e a
necessidade da criação do conhecimento, são abordados no referencial teórico os
conceitos principais de Gestão do Conhecimento, o modelo SECI (socialização,
externalização, combinação e internalização) e os espaços de criação do
conhecimento Ba (Originating ba, Dialoguing ba Systemizing ba e Exercising ba).
Em seguida são explicitados os procedimentos metodológicos para coleta e análise
dos dados. Depois disso, são apresentados os resultados da pesquisa. E,
finalmente, são feitas as considerações finais, mencionando a necessidade da
realização de outros estudos para confirmar base conceitual e conhecer como, em
outros contextos organizacionais, são aplicados os mecanismos da Gestão do
Conhecimento.
7.1.1 Gestão do Conhecimento
A Gestão do Conhecimento é um conceito que surgiu no final da década de
80, com o objetivo de promover (“gerenciar”) o conhecimento como um recurso
organizacional para obtenção de vantagem competitiva. É um tema que vem
ganhando espaço tanto no campo acadêmico quanto no organizacional, pois
transforma o conhecimento individual em conhecimento organizacional, inserindo-o
em produtos e serviços.
Existem várias formas de abordagens conceituais para a Gestão do
Conhecimento, com destaque para as seguintes:
x Abordagem de Wiig (1993), baseada nas práticas de exploração do
conhecimento e sua adequação a partir de práticas de gestão específicas.
x Abordagem de Leornard-Barton (1995), foco em atividades que envolvem: 1)
busca de soluções criativas, de forma compartilhada; 2) implementação e
integração de novas metodologias e ferramentas nos processos atuais; 3)
prática de experimentos, a partir de protótipos e projetos piloto para
desenvolvimento de competências; 4) importação e absorção de
metodologias e tecnologias externas.
x Abordagem de Nonaka e Takeuchi (1997), baseada na transformação do
conhecimento explícito em conhecimento tácito e vice-versa, a partir das
práticas de socialização (tácito p/ tácito), externalização (tácito p/ explícito),
combinação (explícito p/ explícito) e internalização (explícito p/ tácito).
x Abordagem de Barclay e Murray (1997), com ênfase em aspectos culturais e
de redefinição de processos.
x Abordagem de Von Krogh, Ichijo e Nonaka (2001), baseada nos
capacitadores do conhecimento: (1) instilar a visão do conhecimento; (2)
gerenciar conversas; (3) mobilizar os ativistas do conhecimento; (4) criar um
contexto adequado; (5) globalizar o conhecimento local. Além disso, os
autores explicitam a necessidade de haver solicitude entre as pessoas e
estratégias focadas para o conhecimento.
x Abordagem de Nonaka, Toyama e Konno (2002): ênfase nas condições
favoráveis para criação do conhecimento organizacional, essas condições
necessitam de um ambiente físico, virtual e mental, a que os japoneses
denominam Ba.
x Abordagem de Probst, Raub e Romhardt (2002): aplicação de gestão do
conhecimento com base na abordagem de “elementos construtivos”.
x Abordagem de Choo (2003), baseada na organização do conhecimento a
partir do uso estratégico da informação.
Este estudo envolve a identificação dos espaços organizacionais mais
adequadas para a Gestão do Conhecimento e, especificamente, capazes de criar e
potencializar o uso mais intensivo das informações e do conhecimento.
Deste modo, optou-se pela abordagem de Nonaka, Toyama e Konno (2002),
considerando que os autores exploram de forma mais específica os espaços e os
processos de criação do conhecimento.
7.1.2 O modelo SECI (Socialização, Externalização, Combinação e
Internalização)
O conhecimento organizacional é constituído por dois componentes
principais: as formas de interação do conhecimento e os níveis de criação do
conhecimento (NONAKA; TAKEUCHI, 1997). Essas formas de interação entre o
conhecimento tácito e conhecimento explícito e entre indivíduo e organização
resultarão em quatro processos de conversão que constituem o modelo SECI
(espiral do conhecimento), de acordo com a figura 1:

Figura 1: O modelo SECI (a espiral do conhecimento)


Fonte: Nonaka e Takeuchi (1997)

Socialização (tácito para tácito): é o processo de compartilhamento de


experiências que resulta na criação do conhecimento tácito, como modelos mentais
ou habilidades técnicas compartilhadas. Sem alguma forma de experiência
compartilhada, é quase impossível uma pessoa interpretar o raciocínio do outro
(NONAKA; TAKEUCHI, 1997).
Externalização (tácito para explícito): baseia-se na formulação do
conhecimento explícito pelo compartilhamento do conhecimento tácito. Este é
traduzido para explícito através do uso de palavras e/ou imagens, diálogo, reflexão
coletiva, metáforas, analogias e hipóteses, além da dedução, indução e abdução.
Segundo Nonaka e Takeuchi (1997), dentre os quatro modos de conversão do
conhecimento esta fase é a mais importante, pois cria conceitos novos e explícitos
para as organizações.
Combinação (explícito para explícito): o conhecimento é fundamentado na
análise do conhecimento codificado em documentos, memorandos, redes de
comunicação computadorizadas, conversas ao telefone, banco de dados etc. É um
processo de estruturação de conceitos em um sistema de conhecimento. Envolve a
combinação de conjuntos diferentes de conhecimento explícito. Ocorrem troca e
combinação de conhecimentos através de meios como documentos, reuniões ou
redes de comunicação computadorizadas.
Internalização (explícito para tácito): é o processo de incorporação do
conhecimento explícito no conhecimento tácito. É intimamente relacionada ao
“aprender fazendo”. Quando são internalizadas nas bases do conhecimento tácito
dos indivíduos sob a forma de modelos mentais ou know-how técnico compartilhado,
as experiências através da socialização, externalização e combinação tornam-se
ativos valiosos. Esse conhecimento tácito acumulado precisa ser compartilhado com
outros membros da organização, iniciando assim uma nova espiral de criação do
conhecimento.
7.1.3 Espaços para a criação do conhecimento
Nonaka, Toyama e Konno (2002) definem Ba como um espaço compartilhado
para as relações emergentes, podendo ser um espaço físico (um escritório, espaço
de negócios redes etc.), virtual (um e-mail, uma teleconferência etc.), mental (das
experiências compartilhadas, das idéias, dos ideais) ou uma múltipla combinação
deles, ou seja, um espaço compartilhado que serve de base para a criação de
conhecimento, seja individual ou coletivo.
O que diferencia as empresas que utilizam o Ba daquelas que não o utilizam
e dispõem apenas de interações normais humanas é o seu conceito de criação de
conhecimento, uma vez que o Ba não trata somente de simples interações entre os
indivíduos, mas também disponibiliza uma plataforma para o conhecimento
individual/coletivo avançado para a criação de conhecimento.
Nonaka e Konno (1998) ainda propõem que o Ba seja construído de
“informação necessária” à criação de conhecimentos, tanto individuais quanto
coletivos, sendo as interações, desse modo, condicionadas por esse contexto rico
em conhecimentos. As trocas de dados, de informação, de opinião, de colaboração
e de uma mobilização sobre um projeto, confrontados às necessidades e ao
desconhecido convergem ao Ba dentro das organizações (FAYARD, 2003).
O Ba é fundamentalmente subjetivo e relacional, envolvendo os atores pelo
fato de ser orientado pelo interesse e por não existirem fortes conflitos nos
relacionamentos humanos (FAYARD, 2003). Deste modo, o papel dos dirigentes e
executivos dentro das organizações é disponibilizar o Ba para a criação de
conhecimento, e sua tarefa é gerenciar a emergência do conhecimento. O Ba não
vem à realidade por decreto, não é produzido pelo modelo do command and control
próprio da gerência piramidal tradicional; ao contrário, é ajustado por atores
voluntários dentro de um ambiente energize and stimulate com atenção ao respeito
mútuo.
7.1.3.1 Os quatro Ba preconizados por Nonaka, Toyama e Konno (2002)
Dentro do processo de criação de conhecimento, Nonaka, Toyama e Konno
(2002) apresentam quatro tipos de Ba: originating ba, dialoguing ba, systemizing ba
e exercising ba, cujas características são descritas na figura 2.

Figura 2: Os quatro tipos de Ba


Fonte: Nonaka, Toyama e Konno (2002)
Originating ba é o espaço em que o conhecimento é originado por meio da
interação face a face, em que os indivíduos compartilham sentimentos, emoções,
experiências e modelos mentais. É o primeiro ba no qual se inicia o processo de
criação de conhecimento e é associado ao processo de socialização do
conhecimento tácito. Experiências e habilidades transmitidas diretamente entre os
indivíduos é a chave para converter conhecimento tácito em conhecimento tácito. É
um espaço onde emerge o amor, a confiança, o comprometimento e forma a base
para a criação de conhecimento entre indivíduos. O originating ba é responsável
pela emergência de ativos de conhecimento como habilidades, know-how
(NONAKA, TOYAMA E KONNO, 2002).
Dialoguing ba é mais conscientemente construído em relação ao originating
ba. Através do diálogo, indivíduos compartilham suas experiências e habilidades
convertendo-as em termos e conceitos comuns. O dialoguing ba funciona como uma
plataforma para o processo de externalização do conhecimento em que o
conhecimento tácito é tornado explícito. Ele promove a criação de ativos de
conhecimento como, por exemplo, conceitos de produtos, design e cenários futuros.
Systemizing ba é definido como uma interação coletiva ou virtual e oferece
um contexto para a combinação de novo conhecimento explícito gerado às bases de
conhecimento existentes na organização. Nesta fase do processo, as tecnologias de
informação, como redes on-line, groupware etc, podem exercer um papel relevante
para a sistematização do conhecimento explícito gerado. Ele é responsável pela
emergência de ativos de conhecimento como database, documentos,
especificações, manuais, patentes e licenças.
Exercising ba é definido como o espaço e momento em que o conhecimento
que foi socializado, combinado e sistematizado é novamente interpretado e
internalizado pelo sistema cognitivo dos indivíduos. Neste tipo de ba ocorre a
transformação de conhecimento explícito em conhecimento tácito, ou seja, o
conhecimento criado é internalizado em forma de novos conceitos e práticas de
trabalho. Nesse ba são criados ativos de conhecimento como know-how, rotinas
organizacionais e novos padrões de comportamento.
7.1.4 A Universidade Tecnológica do Paraná, campus Ponta Grossa -
UTFPR PG
O Campus Ponta Grossa da Universidade Tecnológica Federal do Paraná -
UTFPR foi inaugurado dia 20 de dezembro de 1992 pelo Ministro de Educação e
Desporto Murilo de Avellar Hingel - portaria nº 1559, de 20 de outubro de 1992, na
gestão do então Prefeito Municipal, Engenheiro Pedro Wosgrau Filho.
(www.pg.cefetpr.br/?pag_id=6)
O Campus Ponta Grossa da UTFPR, antiga Unidade do Centro Federal de
Educação Tecnológica - Cefet-PR, iniciou suas atividades em 15 de março de 1993.
As atividades educacionais iniciaram com a oferta dos Cursos Técnicos em
Alimentos e Eletrônica. A partir de 1995, passou a ofertar também Curso Técnico em
Mecânica. Em 1999, pautado na LDBE, passou a ofertar os Cursos Superiores de
Tecnologia, uma forma de graduação plena, com o objetivo de formar profissionais
focados em tecnologia de ponta. Atualmente, os cursos ofertados são: Curso
Superior de Tecnologia em Alimentos, Curso Superior de Tecnologia em Análise e
Desenvolvimento de Sistemas, Curso Superior de Tecnologia em Automação, Curso
Superior de Tecnologia em Fabricação Mecânica. (www.pg.cefetpr.br/?pag_id=6)
Aprovada no final de 2003, a Pós-graduação Stricto-Sensu iniciou suas
atividades em 2004, com a oferta do Curso de Mestrado em Engenharia de
Produção com duas linhas de concentração – Gestão do Conhecimento e Inovação
e Gestão da Produção e Manutenção. Em 2008 foi aprovado o mestrado profissional
em En s i n o d e C i ê n c i a e T e c n o l o g i a c o m d u a s l i n h a s d e
c o n c e n t r a ç ã o - Ciência e Tecnologia no Contexto do Ensino-Aprendizagem e
Construção do conhecimento no ensino de ciência e tecnologia.
(www.pg.cefetpr.br/?pag_id=6)

7.2 Aspectos Metodológicos


7.2.1 Tipo de estudo
A pesquisa realizada evidencia-se como descritiva, pois se desejou fazer uma
análise e reconhecimento das características dos fatos ou fenômenos pertinentes ao
objeto de trabalho, apresentando um fenômeno ou circunstância, de acordo com um
estudo feito em determinado espaço de tempo, no qual se efetivou um levantamento
de dados por tabulação e análise dos dados coletados (MARCONI; LAKATOS,
2003).
A pesquisa descritiva procura descobrir, com a precisão possível, a
freqüência com que um fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua
natureza e características, além de buscar conhecer as diversas situações e
relações que ocorrem na vida social, política, econômica e demais aspectos do
comportamento humano, tanto do individuo tomado isoladamente como de grupos e
comunidades mais complexas.
Outras fontes de informação também foram utilizadas para compor e
fundamentar ainda mais o estudo. Entre elas se encontram as pesquisas
bibliográficas por fontes secundárias através da leitura de livros, revistas, internet e
documentos oficiais, e também fontes primárias através do contato direto por meio
da pesquisa de campo, tabulação e análise dos dados obtidos.
O trabalho em questão também é um estudo de caso. O estudo de caso é um
dos vários modos de realizar uma pesquisa sólida. Em geral, estudos de casos
se constituem na estratégia preferida quando o "como" e/ou o "por que" são as
perguntas centrais, tendo o investigador um pequeno controle sobre os eventos, e
quando o enfoque está em um fenômeno contemporâneo dentro de algum contexto
de vida real. Estudos de caso podem ser classificados de várias maneiras,
porém o presente trabalho refere-se a um "estudo de caso qualitativo".
7.2.2 Universo e amostra
O universo ou população é o conjunto de seres animados ou inanimados que
apresentam pelo menos uma característica em comum, e a amostra é a porção ou
parcela convenientemente selecionada de um universo (MARCONI E LAKATOS,
2003). Sendo assim, tem-se neste caso o universo como sendo os 100% dos
estudantes do mestrado da Universidade Tecnológica do Paraná, campus Ponta
Grossa, formado por 79 alunos (referentes a alunos ingressos nos anos de 2007 e
2008), e a amostra foi feita por acessibilidade: os estudantes foram contatados e
convidados a responderem ao instrumento de pesquisa, por livre e espontânea
vontade. Entre eles, apenas 58 (73%) dos estudantes responderam ao questionário.
A amostragem utilizada foi do tipo não probabilística, ou seja,que se refere
àquela em que a seleção dos elementos da população que são usados para compor
a amostra depende ao menos em parte do julgamento do pesquisador ou do
entrevistador no campo.
7.2.3 Técnica de coleta de dados
O instrumento de pesquisa utilizado foi o questionário sugerido por Balestrin,
Vargas e Fayard (2005), e adaptado para aplicação junto às pessoas que
compuseram a amostra. É composto por sete questões que buscam identificar os
quatro tipos de espaços organizacionais (originating ba, dialoguing ba, systemizing
ba e exercising ba) e apontar seus benefícios para a criação de conhecimentos, de
acordo com o quadro 1.

Elemento conceitual Objetivo da pesquisa Variáveis da pesquisa

1) Você como aluno (a) identifica algum


espaço de criação do conhecimento na
UTFPR-PG e quais seus benefícios?
2) Você como aluno (a) utiliza esses espaços
de criação do conhecimento com que
freqüência de tempo?
3) Esses espaços identificados referem-se a
espaços de criação do conhecimento
formalizados pela UTFPR-PG ou são
informais?
Identificar emergência 4) Quais tipos e quantidades de espaços (ba)
de contextos dedicados à SOCIALIZAÇÃO do
Contexto capacitante
favoráveis ao conhecimento na UTFPR-PG? - Originating
(ba) e criação do
processo de criação ba
conhecimento
de conhecimento 5) Quais tipos e quantidades de espaços (ba)
dedicados à EXTERNALIZAÇÃO do
conhecimento na UTFPR-PG? - Dialoguing
ba
6) Quais tipos e quantidades de espaços (ba)
dedicados à COMBINAÇÃO do
conhecimento na UTFPR-PG? - Systemizing
ba
7) Quais tipos e quantidades de espaços (ba)
dedicados à INTERNALIZAÇÃO do
conhecimento na UTFPR-PG? - Exercising
ba
Fonte: Balestrin, Vargas e Fayard (2005) [adaptado]
Quadro 1: Operacionalização das variáveis da pesquisa

A importância do questionário, segundo Roesch (1999), é que ele não é


apenas um formulário ou um conjunto de questões listadas sem muita reflexão, mas
representa um instrumento de coleta de dados que busca mensurar alguma coisa.
Para tanto, requer esforço intelectual de planejamento, com base na conceituação
do problema de pesquisa e do plano da pesquisa, e algumas pesquisas
exploratórias preliminares.

7.4 Apresentação e Análise dos Resultados


A pesquisa junto aos alunos do mestrado em Engenharia de Produção da
UTFPR-PG possibilitou observar o funcionamento de ambientes no que diz respeito
à criação e disseminação do conhecimento.
Os quadros de 2 a 8 apresentam os resultados obtidos da pesquisa junto aos
alunos da UTFPR-PG sobre a existência de Ba (físico, mental e virtual) e seus
benefícios para a criação e disseminação dos conhecimentos.

Identificação de algum espaço de criação do


TOTAL %
conhecimento na UTFPR-PG
Nunca 0 0
Algumas vezes 19 32
Freqüentemente 29 50
Sempre 10 17
TOTAL 58 100,00
Fonte: Pesquisa de Campo
Quadro 2: identificação dos Ba pelos alunos na UTFPR-PG

Diante dos dados observados é possível inferir que 100% dos respondentes
identificam os espaços de criação do conhecimento na UTFPR-PG, sendo que 32%
identificam algumas vezes, 50% freqüentemente e 17% sempre.
Alguns dos principais Ba identificados foram reuniões, confraternizações,
viagens e visitas, cursos, palestras etc.
O principal benefício apontado pela identificação dos Ba foi o
compartilhamento de informações e de conhecimentos entre os alunos. As
informações compartilhadas que mais trouxeram benefícios estão relacionadas à
criação e desenvolvimento de artigos, seminários, qualificação e defesa da
dissertação. Já a maior dificuldade em relação a sua identificação está no fato de
alguns Ba serem informais e/ou limitados a algum período de tempo e espaço.
Em relação à freqüência de tempo da utilização dos Ba identificados, o
quadro 3 apresenta os resultados.
Freqüência de tempo da utilização desses
espaços de criação do conhecimento TOTAL %

Nunca 4 7
Algumas vezes (1 vez por semana) 39 67
Freqüentemente (2 a 5 vezes por semana) 13 22
Sempre (todos os dias) 2 4
TOTAL 58 100,00
Fonte: Pesquisa de Campo
Quadro 3: freqüência de tempo da utilização dos Ba pelos alunos

Diante dos dados observados é possível inferir que 93% dos respondentes
utilizam algum dos Ba identificados na UTFPR-PG, sendo que 67% utilizam algumas
vezes (1 vez por semana), 22% freqüentemente (2 a 5 vezes por semana) e 4%
sempre (todos os dias).
No entanto, 7% dos alunos não utilizam esses espaços nenhuma vez por
semana. Entre os motivos relatados para a sua não utilização, estão os seguintes:
estar trabalhando e a empresa só liberar os espaços nos dias das aulas, residirem
em outras cidades e de acharem que os espaços não trazem informações
importantes para o seu interesse.
Os principais benefícios para os 93% dos alunos que afirmam estar usando
pelo menos uma vez na semana os Ba são: o contato direto com os alunos e
professores que ajudam a diminuir as dúvidas, aumentar as informações e
conseqüentemente o conhecimento.
Já o quadro 3 ilustra os dados obtidos sobre a formalização ou informalização
dos Ba no mestrado da UTFPR-PG.

Ba formais ou informais na UTFPR-PG


TOTAL %
(Questão de múltipla escolha)
Formalizados 40 58
Não formalizados 29 42
TOTAL 69 100
Fonte: Pesquisa de Campo
Quadro 4: Tipos de Ba – formais ou informais

Os dados demonstram que 58% das respostas referem que os Ba são


formalizados e 42% que não são formalizados. Esses dados evidenciam que
existem ambientes formais, estruturados e visíveis aos alunos dentro do mestrado. A
formalização de Ba pelo mestrado da UTFPR-PG proporciona mais interação entre
os alunos e entre os professores, aumentando os níveis de confiança e criando
redes de relacionamento.
Além desses, existem ambientes informais que os alunos também buscam
para esclarecer suas dúvidas e trocar informações. Devido ao fato de serem
informais, grande parte dos alunos sente-se mais solícito em colaborar com seus
colegas e conversar com outros professores.
Já os quadros de 5 a 8 estão relacionados aos tipos de Ba proposto pelo
modelo de Nonaka, Toyama e Konno (2002). O quadro 5 refere-se ao primeiro Ba, a
socialização do conhecimento.

Originating ba
TOTAL %
(Questão de múltipla escolha)
Confraternizações 28 36
Visitas à indústria 15 19
Demais encontros informais 36 45
Outros 0 0
TOTAL 79 100
Fonte: Pesquisa de Campo
Quadro 5: O Originating ba – socialização do conhecimento

As respostas obtidas sobre os Ba de socialização do conhecimento são: 36%


confraternizações, 19% visitas a indústria, 45% a demais encontros informais.
As confraternizações, que normalmente são churrascos na associação dos
servidores da UTFPR-PG, são importantes momentos para solidificar as relações de
confiança entre os alunos e professores e oportunizar, também, conversas informais
sobre as oportunidades, os desafios e o futuro deles no mestrado.
As visitas à indústria sempre são inclusas no calendário dos mestrandos da
UTFPR-PG. Elas dão aos alunos a oportunidade de conhecer outras realidades e
refletir conjuntamente sobre seus temas e observar a sua aplicabilidade.
Os demais encontros informais são os espaços de socialização naturalmente
ocupados pelos alunos: os encontros na hora do almoço, no laboratório e na sala de
estudo. Nesses ambientes informais os alunos tentam conversar usando metáforas,
gestos, desenhos para explicar sua(s) idéia(s) para seu(s) colega(s).
Para o segundo espaço de criação do conhecimento, externalização, o
quadro 6 apresenta os resultados.

Dialoguing ba
TOTAL %
(Questão de múltipla escolha)
Reuniões formais 36 63
Processo de tomada de decisão coletiva 0 0
Reuniões de planejamento 14 25
Outros 7 12
TOTAL 57 100
Fonte: Pesquisa de Campo
Quadro 6: O Dialoguing ba – externalização do conhecimento

As respostas obtidas sobre os Ba de externalização do conhecimento são:


63% reuniões formais, 25% reuniões de planejamentos e 12% outros.
No que diz respeito às reuniões formas, este Ba é sempre o primeiro contato
do aluno com seu orientador. Elas acontecem em espaços onde os alunos e
professores (principalmente os orientadores) compartilham suas experiências,
emoções e sentimentos por meio da interação formal.
As reuniões de planejamento acontecem normalmente a cada semestre, e o
seu principal objetivo é esclarecer regras e procedimentos, assim como fornecer
informações sobre o andamento do mestrado.
Os outros Ba de externalização identificados pelos alunos, foram os
seminários, que acontecem sempre em disciplinas do mestrado e têm por objetivo
principal apresentar as idéias que serão desenvolvidas. Essas idéias são fruto de
entendimento das opiniões dos alunos e professores para confecção de futuros
artigos.
Sobre o terceiro espaço de criação do conhecimento – combinação - , o
quadro 7 apresenta os resultados.

Systemizing ba
TOTAL %
(Questão de múltipla escolha)
Comunicação Eletrônica 45 76
Documentos Formais 14 24
Sistema de Gestão Compartilhado 0 0
Outros 0 0
TOTAL 59 100,00
Fonte: Pesquisa de Campo
Quadro 7: Systemizing ba – combinação do conhecimento

As respostas obtidas sobre os Ba de combinação do conhecimento são 76% -


comunicação eletrônica - e 24% - documentos formais.
A utilização de recursos eletrônicos como e-mail e telefone também foram
observados na dinâmica de criação e disseminação do conhecimento. Deve-se
destacar que o uso dessas tecnologias apresenta um papel importante para a
comunicação e sistematização de conhecimento explícito. Os alunos utilizam os
recursos eletrônicos para solicitar aos colegas informações sobre aulas e algum
material (artigos, resumos, entre outros) que possam ser combinados com o que já
estão disponíveis para sua pesquisa.
Documentos formais existem e sempre são solicitados pelos alunos. Vale
destacar o uso das dissertações já defendidas por outros alunos dos mestrados,
livros dos seus professores e artigos. Esses documentos estão disponíveis na
biblioteca do campus ou na página do programa do mestrado na internet.
O quadro 8 apresenta os resultados sobre o último espaço de criação do
conhecimento - internalização:

Exercising ba
TOTAL %
(Questão de múltipla escolha)
Novos Conceitos 26 45
Novos Produtos e/ou novos serviços 0 0
Outras ações de aplicação do conhecimento 32 55
Outros 0 0
TOTAL 58 100,00
Fonte: Pesquisa de Campo
Quadro 8: Exercising ba – internalização do conhecimento

As respostas obtidas sobre os Ba de internalização do conhecimento são:


45% - novos conceitos - e 55% - outras aplicações do conhecimento.
O Ba de internalização novos conceitos acontece de forma inicial quando os
alunos conseguem aprovar os artigos que escreveram nas disciplinas. A partir dessa
internalização de conhecimentos, eles aproveitam os novos conceitos para usar em
suas dissertações.
Outras ações de aplicação do conhecimento: é o Ba de internalização mais
usado. Por um período mínimo de um e máximo de dois anos, os alunos adquirem
inúmeros conhecimentos que vão compor sua base cognitiva. Devido a esses novos
conceitos eles vêem a possibilidade de inúmeras aplicações e vinculações com
outras áreas do conhecimento, podendo utilizá-los também para um futuro ingresso
em empresas ou num programa de doutorado.
Na Figura 3 é retomado o modelo de Nonaka, Toyama e Konno (2002) na
tentativa de classificar outros tipos de ba (Originating ba, Dialoguing ba, Systemizing
ba e Exercising ba) identificados na dinâmica de criação de conhecimento pelos
alunos do mestrado na UTFPR –PG.

Figura 3: Classificação dos diferentes tipos de ba


Fonte: Pesquisa de campo

Na UTFPR-PG, o originating ba é formado por diversos espaços, como, por


exemplo, workshops, em que os alunos adquirem diretamente novas idéias advindas
de renomados palestrantes. Existem também grupos de estudos e a aula inaugural
em que os alunos e professores compartilham suas experiências, emoções e
sentimentos por meio da interação formal e informal.
O espaço de criação de conhecimento, denominado de dialoguing ba, ocorre
também nos corredores e no café. Essas atividades informais na UTFPR-PG servem
de plataforma para os alunos, por meio do diálogo e reflexão coletiva,
compartilharem suas idéias, experiências, modelos mentais convertendo-os em
termos e conceitos comuns.
O systemizing ba é um contexto que permite aos alunos integrarem novos
conhecimentos explícitos aos conhecimentos existentes. Na UTFPR-PG, a utilização
da biblioteca e do campus virtual (ferramenta que proporciona trocas de documentos
e interação direta via chat ou indireta por e-mail) é um exemplo, apesar de a
ferramenta campus virtual ainda estar em fase de implementação, o que acarreta a
não acessibilidade de algumas funções.
A última fase do processo de criação do conhecimento – exercising ba – na
qual o conhecimento é internalizado e aplicado em termos de novas práticas
acadêmicas, apresentou resultados concretos no mestrado da UTFPR-PG, como,
por exemplo, a publicação de artigos e dissertação.

7.5 Considerações Finais


O presente estudo teve como principal objetivo buscar a compreensão da
dinâmica de criação e utilização do conhecimento. A perspectiva de análise –
denominada pela expressão japonesa de Ba - foi referente ao contexto ou espaço
físico, virtual e mental, dentro do qual o conhecimento é criado e utilizado.
Partindo do princípio das dificuldades de criação do conhecimento, torna-se
necessária a identificação dos meios que as organizações devem utilizar para
conseguir “gerenciar” o conhecimento que é criado e potencializá-lo de forma que
dele se criem inovações. Em função disto, a formação dos Ba organizacionais
constituem-se em mecanismos capazes de potencializar a criação e disseminação
do conhecimento.
Os resultados demonstram que o uso de Ba proporciona, para o mestrado em
Engenharia de Produção da Universidade Federal Tecnológica do Paraná, campus
Ponta Grossa, condições favoráveis a uma dinâmica ativa aos processos de criação
e ampliação de seus conhecimentos.
O surgimento de alguns espaços formais e informais oferece aos alunos
possibilidades de compartilhamento de suas habilidades, experiências, emoções e
know-how, devido à comunicação face a face e compartilhamento e disseminação
de conhecimento tácito, sendo que as características desse tipo de conhecimento
são consideradas essenciais para a sustentabilidade das vantagens competitivas.
Deve-se destacar que o conceito de Ba é de relevante importância para se
entender a verdadeira natureza do processo de criação de conhecimento junto às
organizações japonesas. No entanto, as teorizações e evidências apresentadas não
têm a pretensão de serem definitivas e sim visam estimular o debate e a crítica
sobre os conceitos de criação de conhecimento e Ba junto à comunidade acadêmica
brasileira.
7.6 Referências
BARCLAY, R. U. e MURRAY, P. What is Knowledge Management. In: A Knowledge
Praxis. 1997.
BALESTRIN, A. VARGAS, L. M.; FAYARD, P. Ampliação interorganizacional do
conhecimento: o caso das redes de cooperação. Revista eletrônica de
administralçao – READ, Vol. 11, n.1, jan-fev 2005.
CHOO, C. W. A organização do conhecimento: como as organizações usam a
informação para criar significado, construir conhecimento e tomar decisões. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2003.
FAYARD, P., Le concept de ba dans la voie japonaise de la création du savoir,
Rapports d’Ambassade, Ambassade de France au Japon, Juin 2003.
HISTÓRIA DO CAMPUS PONTA GROSSA, UTFPR-PG.
(www.pg.cefetpr.br/?pag_id=6). Acesso abril 2008.
LEONARD-BARTON, D. Wellsprings of Knowledge. Boston: Harvard Business
School Press, 1995.
NONAKA, I.; TAKEUCHI, H., The knowledge-creating company: how Japanese
companies create the dynamics of innovation. New York: Oxford University Press,
1997.
MARCONI, M. de A,; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa, 5 ed. São Paulo:
Atlas, 2003.
NONAKA, I., KONNO, N., The Concept of “Ba”: Building a Foundation for
Knowledge Creation, California Management Review, vol 40, n. 3, spring, 1998.
NONAKA, I.; TOYAMA, R. E KONNO, N. SECI, ba and leadership: a unified model
of dynamic knowledge creation. In: Managing knowledge an essential reader.
London, Sage Publications, 2002.
PROBST, G.; RAUB, S.; ROMHARDT,K. Gestão do Conhecimento: os elementos
construtivos do sucesso. Tradução Maria Adelaide Carpigiani. Porto Alegre:
Bookman, 2002. Tradução de: Managing knowledge: building blocks for success.
VON KROGH, G.; ICHIJO, K.; NONAKA, I. Facilitando a criação do
conhecimento: reinventando a empresa com o poder da inovação contínua. Rio de
Janeiro: Campus, 2001.
ROESCH, S. M. A. Projetos de estágio e de pesquisa em administração: guias para
estágios, trabalhos de conclusão, dissertações e estudos de casos. 2 ed. São Paulo:
Atlas, 1999.
WIIG, K.M. Knowledge Management Foundations: thinking about-how people and
organizations create, represent, and use knowledge. Arlington, Texas: Schema
Press, 1993.
8. A COGERAÇÃO DE ENERGIA DO CAPIM BRACHIARIA:
UM CASO DE INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA DE BIOENERGIA

Adriane Carla Anastácio da Silva


Antonio Carlos de Francisco
Luciano Scandelari

8.1 Introdução
A crise energética iniciada no país desde o apagão de 2001, e as
preocupações ambientais de caráter mundial, como o efeito estufa, o aquecimento
global, o desmatamento de áreas nativas, a extinção de algumas espécies de
animais e de plantas, o aumento da poluição ambiental, entre outras, levantaram a
necessidade de se desenvolverem fontes de energia renováveis, que resultem de
um processo limpo e sustentável.
A geração da energia elétrica através de fontes renováveis vem se
estabelecendo como uma alternativa cada vez mais importante, incorporando-se à
matriz energética brasileira. Essa tendência é percebida em trabalhos de
cenarização, que apontam a biomassa como uma das principais fontes de energia
do século XXI, capaz de fornecer energia elétrica, térmica e mecânica.
O potencial das fontes de energia renovável levou a um processo de inovação
tecnológica forte no setor agrícola. O tipo de inovação sofre variação de acordo com
as tecnologias empregadas no desenvolvimento de variedades de plantas ou nas
técnicas aplicadas à agricultura, como na mecanização, na adução, na semeadura,
no controle de pragas e na colheita, sendo um de seus objetivos a redução dos
impactos ambientais na produção destes cultivares.
O processo de cogeração de energia, combinando calor (energia térmica) e
potência (energia elétrica), a partir da biomassa, constitui tema de estudo em
diferentes centros de pesquisa do país. O CENBIO-USP/SP e NIPE-UNICAMP
centram suas pesquisas no capim como fonte de energia, considerando o seu alto
potencial energético e sua eficiência na fixação de CO2 atmosférico durante o
processo de fotossíntese.
Considerando o objetivo deste estudo, combinar a sustentabilidade, a
cogeração de energia limpa e renovável do capim brachiaria, analisaremos a
experiência inovadora de um complexo industrial do setor de bioenergia, localizado
no cerrado mato-grossense.

8.2 A biomassa e sua participação na matriz energética


A biomassa em geral, considerada como fonte renovável e limpa, é capaz de
fornecer diversos vetores energéticos, desde os tradicionais, como lenha e carvão
vegetal, até alguns mais recentes que possam substituir derivados de petróleo,
como é o caso do etanol, do biogás e do biodiesel, entre outros (PASCOTE, 2007).
A utilização de fontes renováveis para a geração de energia se apresenta na
matriz energética como uma alternativa importante e pode ser percebida em
trabalhos de cenarização, que apontam a biomassa como uma das principais fontes
de energia do século XXI.
Na composição matriz energética, foram utilizados pelo estudo do BRASILB
(2008) os dados mundiais do IEA, ano base 2005 e, do Brasil, os dados do MME, de
2007, apresentados na Tabela 1, considerando a participação majoritária das fontes
de carbono fóssil, com 81%, destes 35% de petróleo, 25,3 % de carvão e 20,7% de
gás natural. Felizmente, o Brasil conta com uma elevada participação das fontes
renováveis em sua matriz, destacando sua posição em relação às economias
industrializadas mundiais.

Tabela 1- Composição da matriz energética


Fonte: adaptado do BRASILB (2008)
O destaque do Brasil na produção de energia deve-se a alguns fatores, como
uma bacia hidrográfica favorável, com vários rios de planalto, essencial à produção
de eletricidade, no interior da qual representa 14,9%, e o fato de ser o maior país
tropical do mundo, o que lhe confere um diferencial para a produção de energia a
partir da biomassa de 30,9%.
O Brasil, valorizando este potencial, lançou um Plano Nacional de
Agroenergia (PNA), com ações previstas para o setor até o ano de 2011. Nesse
plano, a biomassa aparece como a maior e a mais sustentável fonte de energia
renovável, composta por 220 bilhões de toneladas de matéria seca anual, disponível
para uso energético (BRASILA, 2006). O mesmo estudo considera que este tipo de
energia tem potencial técnico para atender grande parte da demanda incremental de
energia do mundo, independente da origem (eletricidade, aquecimento ou
transporte).
Segundo estimativas da Agência Internacional de Energia (IEA, 2004), a
matriz energética brasileira é a mais limpa do mundo, com um índice de 35,9% de
energia renovável, em comparação com os 13,5% do mundo, observados na Tabela
2, de Suprimento Mundial de Energia, considerando os dados de 2004.
Tabela 2 - Suprimento Mundial de Energia.
Fonte: IEA (2004)
Os dados apresentados demonstram o potencial e a importância das fontes
de energia renováveis. Neste contexto, o setor industrial, centros de pesquisa e
sociedade vêm realizando iniciativas, visando desenvolver e gerar inovações que
aproveitem este potencial e consolidem a posição ocupada pelo país no cenário
mundial.

8.3 A inovação tecnológica aplicada à geração de energia


O potencial e a importância das fontes de energia renováveis do Brasil
resultam em um esforço que pode ser observado no nível de inovação, decorrentes
de pesquisas na área. As estruturas industriais e o comportamento competitivo do
setor agroindustrial, procurando inovar em todos os elos da cadeia produtiva,
influenciam consideravelmente a geração de novos produtos, processos e padrões
de produção, o que, em muitos casos, determina um importante fator: a
sustentabilidade.
Para que isto ocorra, e a inovação se torne possível, devemos considerar a
afirmação de Schumpeter (1982) quando diz que existem diversas possibilidades de
inovação e que podem estar relacionadas a diferentes fatores, condicionados a um
novo insumo, a um novo mercado. Referenda-se, assim, a idéia de Santini et al.
(2006), quando se referem à geração de uma inovação pela oferta de uma nova
fonte de matéria-prima.
A oferta de matéria-prima, a biomassa capim, quando utilizada na cogeração
de energia, demonstra um caso de inovação nesta área. A afirmação é resultado de
estudos de centros de pesquisa, como o CENBIO-USP/SP e NIPE-UNICAMP, que
figuram entre os mais relevantes do país quanto a pesquisas para geração de
energia por biomassa (CARMEIS, 2003).
Alguns projetos estão em andamento no país. Citamos o Projeto Integrado de
Biomassa (PIB), envolvendo o IPT, a EMBRAPA-RJ, o RECOPE e UNICAMP, o qual
tem o propósito de estudar a viabilidade do uso da gramínea, capim elefante, como
fonte de energia renovável e limpa, observando aspectos, tais como: a interação
bacteriana para a fixação do nitrogênio do ar visando diminuir o uso de fertilizantes,
a queima direta, o seu potencial de carvoajamento e gaseificação, além da criação
de um equipamento para colher o capim, um exemplo claro de inovação.
O PNA (BRASILA, 2006) apresenta outros exemplos de inovação que ilustram
nosso estudo, como a utilização da biomassa como matéria-prima, fonte para a
geração de eletricidade a partir do sistema de gaseificação, acoplada a turbinas a
gás (IBGT), turbinas de ciclo combinado gás/vapor (GTCC), cama de circulação
fluidizada (CFB), a gaseificação integrada de ciclos combinados (IGCC) e a
cogeração. Nesse aspecto, são considerados como inovação a melhoria de
processos de produção, a armazenagem e o processamento de biomassa.
As inovações na área de cogeração de energia são muitas e resultarão na
identificação da viabilidade técnica e econômica das fontes renováveis de energia,
permitindo a exploração comercial, o ganho de escala e a redução de custos
(BRASILA, 2006). Os resultados das pesquisas geradoras de inovações, o potencial
agroenergético do país e a preocupação com a redução dos impactos ambientais,
que afetam diretamente o efeito estufa são estímulos para constantes pesquisas e,
em conseqüência, haja maior capacitação no trato do processo de valorização da
vida no planeta.
Neste estudo, destaca-se a inovação da biomassa para a geração e
cogeração de energia, ressaltando o potencial energético da gramínea, o capim, em
suas diversas variedades.

8.4 O capim utilizado com fins energéticos


Inicia-se este tópico valorizando o resultado de uma década de pesquisas
sobre uma variedade de gramínea, o capim-elefante; tais pesquisas renderam-lhe o
título de campeão em biomassa energética ao Brasil. A afirmação é da Embrapa
Agrobiologia, segundo a qual a pesquisa indica o alto potencial energético da
gramínea, capaz de produzir de 30 a 40 toneladas de biomassa seca por hectare ao
ano, sem adubação nitrogenada, podendo ser uma alternativa para solos pobres
(OSAVA, 2007).
As pesquisas anteriores, do mesmo órgão, afirmam que a cultura do capim
elefante é altamente eficiente na fixação de CO2 , durante seu processo de
fotossíntese, e que ele pode ser aproveitado para obter o carvão vegetal usado na
produção de ferro gusa, depois do cumprimento de algumas exigências (EMBRAPA,
2004).
Segundo o pesquisador Mazzarella, técnico do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas (IPT), esta variedade continua sendo objeto de pesquisa, o que um
dos desafios é melhorar o potencial de secagem da gramínea, pois a biomassa
verde não seca na natureza, sendo necessário para isso um processo de secagem e
compactação (MAZZARELLA, 2007).
A extensão de terras do cerrado brasileiro e seu potencial agrícola
apresentam uma oportunidade para o cultivo de biomassa para fins energéticos. O
potencial de geração de energia do capim pode ser observado na Tabela 3,
quantidade de energia produzida, em comparação a outras fontes renováveis.
Tabela 3 - Energia produzida por algumas fontes renováveis
Fonte: adaptado de Vilela (2007, p.5)
Hall et al. (2005) afirmam que um fator determinante para produzirmos a
biomassa energética está na escolha do local do plantio e da espécie a ser plantada
de maneira ambientalmente sustentável, envolvendo as pessoas da região, em
todas as etapas do projeto. Assim, o setor que pretende utilizar a biomassa para
gerar energia deve considerar as características e as potencialidades de cada
região, fatores determinantes, segundo o mesmo autor, do sucesso da utilização da
biomassa como fonte de energia renovável e sustentável.
As fontes de energias renováveis a partir da biomassa podem ser convertidas
em diferentes tipos de energia. Consideramos, no próximo tópico, a cogeração de
energia elétrica resultante das energias térmicas e mecânicas.

8.4.1 O processo de cogeração de energia a partir da biomassa


A Agência Nacional de Energia Elétrica (BRASIL, 2006, p. 01) define
cogeração de energia como “o processo de produção combinada de calor útil e
energia mecânica, geralmente convertida total ou parcialmente em energia elétrica,
a partir da energia disponibilizada por uma fonte primária”. A energia elétrica
convertida é utilizada para movimentar os equipamentos, em alguns casos a planta
completa de uma indústria.
Outros autores, como Oddone (2001), compartilham da mesma linha
conceitual, considerando a cogeração de energia como o processo de
transformação de uma forma de energia em energia útil, como a energia mecânica,
utilizada para movimentar máquinas, e a energia térmica, utilizada para geração de
vapor, frio ou calor.
A conversão energética da biomassa pode ser realizada por meio de
diferentes processos. Segundo Nogueira et al. (2003), são eles: físicos, que resultam
em briquetes e pelletes, aparas e óleo vegetal; biológicos, que resultam em etanol e
biogás; e termoquímicos, resultando em calor, gases, altas temperaturas. O
resultado final do processo é a produção de combustíveis intermediários ou de
energia.
Destacam-se os processos termoquímicos citados por Nogueira et al. (2003),
como a queima direta (combustão), gaseificação, pirólise e liquefação. O processo
de conversão energética, a partir de biomassa, mais utilizado é o processo de
combustão direta, em caldeiras, em ciclos a vapor, podendo gerar 40 GW em
unidades médias com potência de 20 MW, em escala mundial (THORPE, 2002).
A tecnologia das caldeiras para o incremento de vapor requer temperaturas e
índices de pressão elevados. Neste caso, a indústria brasileira conta com caldeiras
de alta pressão, equipamento fundamental para usinas de cogeração de energia, e
que operam acima dos 100 Kgf/cm2, com temperaturas de mais de 500°, gerando
energia elétrica na ordem de 215 MW (Canal D, 2007).
A cogeração de energia é uma alternativa utilizada por diversos segmentos do
mercado. Neste contexto, abordaremos a seguir o cenário atual das indústrias que
utilizam esse processo a partir da biomassa vegetal.

8.5 Um cenário industrial de cogeração de energia a partir da biomassa


No setor industrial, a cada dia é mais comum a utilização de biomassa para a
cogeração de energia térmica e elétrica, com garantias de sustentabilidade.
Segundo Nogueira et al. (2003), a biomassa, como fonte de energia renovável, não
depende apenas do vetor energético, mas fundamentalmente do contexto de sua
utilização, da relação oferta e demanda existente.
No Brasil, o processo de cogeração de energia a partir da biomassa, no setor
industrial, é visto como uma oportunidade em alguns segmentos, devido à
quantidade de resíduos gerados pelos seus próprios processos industriais. O fato é
abordado em diversos trabalhos científicos, os quais valorizam a utilização de
insumos, como, por exemplo, o bagaço da cana, no sucroalcooleiro (COELHO;
1999; GUARDABASSI, 2006), os resíduos florestais, casca de madeira, raízes, entre
outros, no setor de madeira (NOGUEIRA et al, 2003), a casca de arroz (COELHO et
al, 2003) e os resíduos gerados no setor de papel e celulose (VELÁZQUEZ, 2000).
Outra iniciativa que merece destaque é a utilização da gramínea, capim
elefante, como fonte de energia, pela primeira termoelétrica brasileira em construção
na Bahia, unidade cujo início das operações está previsto para o final de 2008
(LAMUSSI, 2007). A gramínea, insumo desse processo, é considerada como a
fonte de maior potencial energético entre as fontes renováveis de energia, como já
mencionado neste estudo.
O setor sucroalcooleiro é o que tem maior representação na utilização de
fontes de energia renováveis, daí o uso do bagaço de cana-de-açúcar configurar
com maior representação na matriz energética brasileira, sendo responsável pelo
suprimento de energia térmica, mecânica e elétrica das unidades de produção de
açúcar e álcool do país (GUARDABASSI, 2006).
Para as empresas que pretendem utilizar a biomassa com fins energéticos, o
autor Wiltsee (1999) apresenta alguns conselhos que viabilizam a inserção nesta
atividade. São eles: quanto à localização, é necessário encontrar-se próxima da
fonte geradora, apresentando o menor custo possível; quanto ao manuseio e a
estocagem da biomassa, devem ser considerados alguns fatores, como o mau
cheiro, a umidade, o crescimento de pragas e fungos; quanto à sazonalidade dos
produtos agrícolas, é necessário dispor de alternativas.
O mesmo autor considera que o custo da biomassa pode se tornar muito alto,
caso a cultura se localize a mais de 30 km, chegando a ser proibitivo para distâncias
acima de 150 km. O mesmo fato é abordado na Agenda Elétrica Sustentável, com
cenarização até 2020, em que os custos de coleta e transporte também são
considerados como fatores importantes para a redução de custos da biomassa,
independentemente da tecnologia utilizada no processo (WWW- Brasil, 2007).
Desse modo, a curta distância entre a usina e a lavoura é fundamental para garantir
a viabilidade na utilização de qualquer tipo de biomassa.
O caso apresentado neste estudo ilustra a iniciativa inovadora de cogeração
de energia a partir da biomassa, a gramínea Brachiaria Brizantha cv MG5 Xaraés,
de uma empresa do setor de bioenergia.

8.6 Metodologia
Para atingir o objetivo proposto deste estudo exploratório, foram realizadas,
além da revisão bibliográfica sobre o tema e a empresa pesquisada, entrevistas
semi-estruturadas com o gerente e o técnico responsáveis visando relatar a
experiência na produção da biomassa capim, nas variedades citadas, e as ações da
empresa, considerando suas responsabilidades na produção de energia
ambientalmente sustentável.
A escolha do caso em estudo é justificada pelas seguintes razões: é uma
empresa do setor de bioenergia, localizada no cerrado mato-grossense; utiliza fontes
renováveis para a geração de energia; está dentro de um contexto rico para o
estudo exploratório; permitiu livre acesso ao ambiente.
A entrevista semi-estruturada focou os seguintes aspectos: escolha da
biomassa; processo de produção da biomassa; características de transporte;
tecnologia utilizada no processo de produção, transporte e conversão da biomassa;
ações sustentáveis da empresa.
Os dados apresentados nas tabelas ilustram a situação das fontes de energia,
no Brasil e no mundo, e foram coletados do material pesquisado, em alguns casos
com adaptações para o contexto abordado, ilustrando as fontes de evidências,
sugeridas por Yin (2005), para se obter um bom estudo de caso, documentação,
registro em arquivos e entrevistas.

8.7 Caracterização da organização


O Complexo Industrial de Bioenergia é uma das empresas de um grupo
multinacional, que está no Brasil desde 1997, especializada no fornecimento de
soluções integrada e personalizada para toda a cadeia do agronegócio.
Localizado em Alto Araguaia, MT, o complexo foi inaugurado em março de
2008. Trata-se da primeira usina brasileira dedicada ao biodiesel, com a produção
de biodiesel já integrada ao recebimento e ao processamento de soja até a
produção de óleo. Possui a maior capacidade de produção contratada no regime
turn-key de uma única vez no Brasil. Sua planta industrial está construída em uma
área de 32 hectares, possui tecnologia flex, capaz de produzir diversos tipos de
farelos, óleo comestível, biodiesel, glicerina e energia elétrica. A sua estrutura de
produção está distribuída em quatro unidades, sendo uma de esmagamento de soja,
prensagem de caroço de algodão, girassol e cambre, produção de óleo vegetal
refinado e/ou biodiesel B-100,com padrão europeu e norte-americano, e cogeração
de energia elétrica e térmica.

8.7.1 Um caso de inovação no setor de bioenergia


Consideramos neste estudo a unidade de cogeração de energia elétrica e
térmica na ordem de 200 mil MWh /ano, equipada com caldeiras flexíveis, projetadas
para queimar qualquer tipo de biomassa. A capacidade de geração de energia
elétrica é suficiente para abastecer uma cidade de 600 mil habitantes. A quantidade
de energia utilizada para o funcionamento completo da planta é apenas 30% do total
gerado, sendo o excedente comercializado junto às concessionárias da região. A
viabilização do processo de cogeração do complexo oferece uma redução em 50%
do custo da energia elétrica e evita a derrubada das árvores do cerrado para a
utilização como biomassa nesse processo.
A opção da indústria em utilizar o capim brachiaria brizantha - Xaraés MG5,
como biomassa no processo, traduz uma inovação para o setor. Os motivos que
levaram à escolha desta gramínea são a sua capacidade de secar na natureza, em
um prazo relativamente curto, 3 a 5 dias, e a sua alta produtividade, chegando a 25
t/ano. O estoque inicial da empresa é de 100 mil toneladas de biomassa, estimando-
se a necessidade de 900 t/dia.
No processo de produção desta biomassa, estão envolvidos
aproximadamente 300 empreiteiros, um gerente e um técnico agrícola. Algumas das
competências técnicas exigidas para esta prática são a preparação do solo, escolha
dos implementos, análise de sementes, escolha das áreas de plantio. Quanto à área
total plantada, são 15 mil hectares, divididos em oito propriedades próximas à
indústria, não ultrapassando 30 km, com estimativa de ampliação da área para 20
mil hectares, no próximo plantio. As propriedades arrendadas recebem toda a infra-
estrutura necessária à produção. A etapa inicial do processo é a análise de solo,
realizada nos laboratórios da região; a próxima, é a preparação do solo, com o uso
de grades, carretão, link, catação de raiz e tocos, prática muito comum em solo de
cerrado; durante o plantio, o adubo é aplicado junto com a semente, por decisão da
equipe, utilizando-se 7 kg de sementes e 200 kg de adubo por hectare, em plantio
convencional e plantio direto, este último em áreas limpas, com um período de
utilização do solo de cinco a seis anos; entre os períodos de poda, é necessário
aplicar uma cobertura de adubo. A próxima etapa é o corte, realizado por cortadeiras
adaptadas às colheitadeiras convencionais. A quantidade de cortes no ano sofre
variação, devido ao tempo de utilização do solo, sendo três cortes para áreas de
primeira vez, e dois nas outras áreas, estimando um corte de 100 hectares/dia;
depois que a biomassa estiver seca, o que leva de três a cinco dias, ela é enfardada,
utilizando-se enfardadeiras de tecnologia holandesa, em fardos retangulares de 450
kg.
A produção armazenada na lavoura é de 300 toneladas e de 900 toneladas
na indústria. O transporte da lavoura até a indústria é feito por seis carretas, com
capacidade de 35 a 40 toneladas, previamente preparadas para este fim. Vale
destacar que a empresa investe inclusive na manutenção das estradas, oferecendo
uma melhor condição de tráfego. Sua meta é recuperar 300 km das estradas da
região, ampliando sua largura para 5 metros e, em algumas delas, montando pontos
de carregamento no percurso da lavoura até a indústria.
O processamento da matéria-prima, a biomassa, utiliza uma tecnologia
integrada para a cogeração de energia, fornecida por uma empresa de base. O tipo
de caldeira utilizada para a queima da gramínea, instalado no complexo, é o primeiro
da empresa com esta tecnologia, integrando a produção de óleo e/ou biodiesel,
gerando energia elétrica e térmica, produzindo 150 toneladas/hora de vapor, com
pressão de operação de 65 kgf/cm², e operando com temperatura próxima a 500ºC.
A empresa vem produzindo, em fase experimental, outros tipos de gramínea,
como o capim-elefante, com uma área de 100 hectares, e o colonião, em 30
hectares. Essas experiências criam novas possibilidades de cultivo de outros tipos
de gramíneas, valorizando as características do solo do cerrado.
As preocupações com sustentabilidade e redução dos impactos ambientais
são marcas registradas da empresa. Como podemos observar nas seguintes ações:
instalação do complexo industrial, preservando 12 dos 32 hectares; conformidade
com padrões mundiais de poluição ambiental; produção de energia limpa e
renovável; utilização de terras desgastadas, pobres, para o plantio da biomassa;
redução da emissão de CO2, no ambiente, já que a queima da biomassa na
atmosfera, na maioria das vezes, é compensada pela absorção no plantio da nova
biomassa; venda de créditos de carbono ao mercado; utilização dos resíduos
produzidos pela queima, como adubo para o próximo plantio da gramínea;
reutilização da água utilizada na caldeira; redução do uso de herbicidas, já que o
plantio das gramíneas ocorre a cada 5 ou 6 anos, entre outras.
O sistema de gestão ambiental do grupo do qual o complexo faz parte é
orientado à valorização da vida e pelo compromisso da empresa em ter uma
atuação socialmente responsável, ambientalmente correta e economicamente viável,
princípios do desenvolvimento sustentável.

8.7.2 Resultados
A cogeração de energia pelo capim brachiaria brizantha - Xaraés MG5 reduz
a emissão de gases de efeito estufa, produzindo energia de uma forma
ambientalmente sustentável, devido a fatores, como: substituição da energia
disponível na rede elétrica, contribuindo para mitigar o uso dos recursos naturais
convencionais; redução da emissão de CO2, no ambiente, já que a queima da
biomassa é compensada pela absorção da biomassa no período de plantio; redução
do uso de fertilizantes convencionais, incorporando as cinzas, resíduos da
conversão de energia, ao solo, como parte do processo de adubação; preservação
das árvores do cerrado.
A empresa utiliza alternativas que favorecem o desenvolvimento sustentável,
convertidas em ações, considerando os seguintes princípios de sustentabilidade:
valorização do potencial agrícola da região, recuperação de terras desgastadas;
utilização de fontes de energia renovável, utilização de resíduos do processo
produtivo, reutilização da água das caldeiras, valorização do cultivo de plantio direto,
geração de novos empregos, recuperações das estradas, entre outras ações a
serem abordadas em futuros trabalhos.
8.8 Considerações Finais
O estudo realizado contribui para destacar o uso do capim brachiaria, fonte de
energia renovável, na cogeração de energia elétrica e térmica, como uma ação
inovadora quanto ao tipo de biomassa, por uma empresa do setor de bioenergia. A
inovação pode ser utilizada por outros setores localizados em regiões que viabilizem
o cultivo desta gramínea, com fins energéticos, como o cerrado mato-grossense.
A experiência apresentada combina medidas de eficiência energética,
considerando a oferta e a demanda. A possibilidade oferecida por uma fonte
renovável de energia, para utilização com fins industriais, compõe um cenário
energético ambientalmente sustentável.
Neste novo cenário, a redução ou mitigação na emissão de CO2 deve ser
considerada como uma alternativa para os impactos ambientais graves, gerados no
processo de queima da biomassa: o CO2 é absorvido pela gramínea, no processo de
plantio, mantendo sua concentração inalterada, quase que anulando seus efeitos ao
meio ambiente.
Dessa forma, a cogeração de energia pela biomassa, capim brachiaria,
apresenta-se como uma oportunidade para empresas que pretendam aumentar as
vantagens competitivas, contribuindo, de forma efetiva, para evitar danos ao meio
ambiente e destacando sua marca, por meio de ações ambientalmente corretas e
economicamente viáveis de cogeração de sua própria energia.

8.9 Referências
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Oficial de 22 de novembro de 2006.
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9. PERFIL INTRAEMPREENDEDOR DAS LIDERANÇAS
EMPRESARIAIS EM AGLOMERADOS PRODUTIVOS: UMA
ANÁLISE NO SETOR DE MÓVEIS DE METAL E SISTEMA
DE ARMAZENAGEM E LOGÍSTICA DE PONTA GROSSA-
PR

Simone Cristina Silva Moraes


Luis Maurício Resende
Luiz Alberto Cardoso dos Santos
Regina Negri Pagani
Dayane Zdebski

9.1 Introdução
O aumento da produtividade, da qualidade e da diferenciação ou inovação de
valor na produção de bens e serviços tornaram-se premissas fundamentais com a
abertura dos mercados. O acirramento da competitividade é fenômeno
compartilhado pelas economias dos países, em especial as chamadas economias
emergentes. Portanto, a competitividade ampliou-se de forma irrestrita à inserção
num contexto econômico cada vez mais globalizado, expondo setores e regiões à
forte concorrência por fatias de mercado, não apenas o interno, mas também
externo (LAGES; TONHOLO, 2006).
Em vista dessa conjuntura, muitos países estão dinamizando e articulando
parte de sua política industrial em aglomerações produtivas. Esses modelos
econômicos apresentam, a princípio, uma possibilidade em impulsionar pequenas e
médias empresas, tornando-as mais competitivas nos mercados, quando se
propõem a agirem de maneira coordenada e articulada. Para tanto, percebe-se a
necessidade de que internamente essas empresas busquem desenvolver
competências e capacidades gerenciais, fundamentais para que possam agir de
maneira integrada e em rede.
O estímulo ao empreendedorismo interno (intraempreendedorismo) possibilita
que as empresas sejam mais dinâmicas em seus processos, produtos e serviços,
assim como impulsiona o ambiente empresarial a ser mais estimulante, impelindo-o
à inovação, criatividade, abertura à mudança, expansão de mercados, assumindo
riscos e impulsionando a prática do networking, dentro e fora das empresas
(DORNELAS, 2007). Para Pinchot e Pellman (2004), o intraempreendedorismo é o
uso pela empresa do talento criativo dos líderes e colaboradores para
desenvolverem produtos e serviços inovadores. Chiavenato (2005) afirma que isso
acontece através de uma coleção de competências. Portanto, nas aglomerações
produtivas, esses aspectos intraempreendedores são desafiados à prática a cada
momento através de uma liderança holística e sistêmica.
Desta forma, o fomento da gestão da produção de maneira cooperativa é
essencial. Possibilita dinamizar a relação entre gestão, cooperação e
competitividade, de maneira a assegurar o crescimento da empresa e sua
contribuição para a sustentabilidade regional, derivada da agilidade empreendedora
(BASTOS, 2006). É claro que muito disso dependerá da qualidade das lideranças
empresariais e de sua equipe de colaboradores em relação à competitividade das
empresas.
Este artigo se propõe a uma análise das condições ambientais para o
desenvolvimento do perfil intraempreendedor das lideranças empresariais em
aglomerações produtivas, sendo campo de estudo o Setor de Móveis de Metal e
Sistema de Armazenagem e Logística de Ponta Grossa-PR. Utilizou-se então, para
tal, uma proposta metodológica através da qual se analisaram aspectos de
competitividade, tais como inovação, cooperação, estratégia de mercado, interação
com clientes e fornecedores, qualificação da mão-de-obra, comunicação interna,
normatização, liderança (externa e interna às empresas) e resiliência organizacional.
Neste artigo, a ênfase no intraempreendedorismo estará sendo norteada por esses
atributos. Sendo assim, percebe-se que aproveitar todas as oportunidades
estratégicas para se posicionar com mais eficiência e eficácia nos mercados flexíveis
e arrojados do mundo global é questão de sustentabilidade diante dos embates
vivenciados nas aglomerações empresariais.

9.2 Desafios de competitividade em aglomerados produtivos pelo viés da


gestão intraempreendedora
Em virtude de o principal objetivo da formação dos APLs ( Arranjos Produtivos
Locais) ser o de fomentar a competitividade em mercados cada vez mais acirrados e
ao mesmo tempo globalizados, faz-se necessária a percepção de suas fragilidades.
Para Ramacciotti et al. (2006), os entraves ou gargalos, como deficiência na
articulação empresarial e/ou institucional para a implementação de estruturas de
governança participativas, fraco adensamento dos pequenos negócios nas suas
cadeias produtivas, fragilidades na capacitação empresarial e profissional, baixo
nível de difusão tecnológica, inexistência de cultura de cooperação, baixas
externalidades dos empreendimentos de pequeno porte quanto à inserção
internacional, baixa escala de produção, defasagem de máquinas e equipamentos e
limitado processo de aprendizagem e geração de conhecimento entre os
colaboradores estão impossibilitando maior desenvoltura competitiva nas empresas.
Portanto, nesse contexto, é importante a implantação de estratégias concorrenciais
que possam promover mudanças radicais na estrutura das empresas. Sendo assim,
ações intraeempreendedoras têm sido consideradas um efetivo recurso no conceito
de competitividade, pois está relacionado com o maior ativo empresarial: o potencial
humano.
No contexto da inovação, é preponderante envolver a participação de todos
os colaboradores, percebendo que o aspecto inovador não está atrelado somente ao
produto, mas a qualquer ponto na organização. Na competição global, não é
suficiente um grupo comportar todo o contingente por demanda que requer a era do
conhecimento. Isso é produto da interação de todos na empresa (PINCHOT;
PELLMAN, 2004; DORNELAS, 2007; HASHIMOTO, 2007). Segundo Hashimoto
(2007, p. 34) “engana-se quem acha que a inovação só pode existir onde está o
produto. Equivoca-se quem acredita que a inovação significa somente novos
produtos, novas funcionalidades nos já existentes ou melhorias e correções nesses
produtos. A inovação tem espaço em qualquer lugar na empresa”.Outro item
importante de força nas empresas modernas é a inovação tecnológica. Para Reis
(2004), é o principal agente de mudança no mundo atual.
Em estruturas de aglomerados produtivos de empresas, é imprescindível a
fonte de inovação em rede, envolvendo as internas (colaboradores) e externas
(clientes, fornecedores, distribuidores, entre outros) às empresas (HASCHIMOTO,
2007). Um fator diferencial passa a ser o papel desempenhado pelos
relacionamentos, formais e informais, entre as empresas e os agentes públicos e
privados envolvidos. Evidencia-se que as relações interempresarias e multilaterais
são estratégias importantes em toda a cadeia produtiva, na qual a cultura da
cooperação é primordial. Para vários autores (Schimitz, 1998; Casarotto, 2001;
Maximiano, 2006), a cooperação afeta diretamente a produtividade do setor e, por
isso, deve haver uma interdependência entre diversos atores, produtores e usuários
de bens, serviços e tecnologias através de ação conjunta, ganhando assim eficiência
estratégica. Todos esses fatores geram sinergia e ganho de custo entre as diversas
empresas do aglomerado.
A estratégia de mercado desempenha um item crucial para as empresas
serem competitivas. Quanto à precificação dos produtos e serviços oferecidos ao
cliente, Kim e Mauborgne (2005) salientam que se faz necessário aplicar a
estratégia de inovação de valor (diferenciação e menor custo concomitantemente), o
que, segundo Souza (2008), gera fidelização ao cliente, principalmente numa era em
que a aspiração maior é a sua conquista. No aspecto da comercialização nas
aglomerações produtivas, Porter (2001), Garcia (2006) e Pagani (2006) abordam
que o marketing conjunto é essencial nas empresas, pois possibilita obter uma
melhor imagem do produto e cobertura melhor de mercado; sendo relevante também
uma integração com os fornecedores, os quais incrementam competitividade através
de máquinas, matéria-prima, equipamentos e outros serviços.
A questão da normatização tem se demonstrada relevante no atual momento
em que as empresas, principalmente as de pequeno porte, têm a possibilidade de se
mostrarem com mais desenvoltura ao mercado externo. Segundo França (2007), o
uso das normas é um meio de se organizar o mercado interno e instrumento de
inserção no mercado externo. Para Camargo (2007), a estratégia de
internacionalização eleva a escala de produção, desenvolve relações duradouras
com os clientes e impulsiona cada vez mais a produção de produtos diferenciados.
No entender de Krugman (1998), um dos elementos fundamentais que explicam as
vantagens competitivas das firmas está em obterem constante participação no
comercio internacional.
Quanto ao item qualificação da mão-de-obra nas empresas, Porter (2001)
afirma que a falta desse investimento prejudica grandemente a competitividade dos
aglomerados produtivos. Da mesma forma, Chiavenato (2005) enfatiza que as
empresas devem ser transformadas em agências de aprendizagem, em decorrência
direta de os colaboradores estarem integrados no desenvolvimento organizacional.
Garcia (2006) salienta que a qualificação da mão-de-obra representa diminuição de
custos de desperdícios na produção e serviços. Isso ocasiona um melhor
aproveitamento dos recursos.
Na análise da comunicação interna nas empresas, Pinchot e Pellman (2004)
preconizam que as empresas inovadoras são aquelas em que as informações fluem
livremente com os colaboradores e seus líderes. Segundo Drucker (2005), quando a
direção se aproxima dos liderados, ouvindo suas aspirações e escutando o que eles
têm a contribuir, aumenta a interação entre eles. Para Skora (2008), os líderes
empresariais devem “vender” as idéias aos seus colaboradores, tornando-os, assim,
aliados da organização e preocupados em apresentar idéias, sugestões,
conquistando parceiros na gestão de negócios.
No item motivação interna, Hunter (2006) salienta que os fatores
motivacionais estão estritamente relacionados com o sentimento de crescimento do
indivíduo, de reconhecimento profissional e de suas necessidades de auto-
realização. Isso se interliga com o processo impulsionador da criatividade nos
ambientes empresariais, caracterizando-se em um suporte para compensar
deficiências em outras competências. Por isso, afirma Quin et al.(2003) que se deve
oferecer um ambiente seguro para o fluxo de idéias dos colaboradores. No entender
de Hoover e Valenti (2006), é importante plantar a noção de tensão criativa entre
eles, permitindo tolerância a erros e falhas, pois, como afirmam Pinchot e Pellman
(2004), o segredo para desenvolver produtos econômicos é não evitar erros. No que
diz respeito à qualidade de vida no trabalho, Friedman et al.(1998) e Moeller (2002)
salientam que se deve possibilitar equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, sendo
essas instâncias complementares e não concorrentes em termos de prioridades.
A liderança nas aglomerações produtivas é de extrema importância, pois os
líderes precisam saber conduzi-la tanto do lado de “fora das empresas” com
fornecedores, clientes, comunidades, governo, dentre outros, assim como
internamente entre os colaboradores. Fonseca et al.(2006) se posicionam de modo
contundente salientando que o líder deve ser um ativador de rede, ou seja, um ator
com habilidades de relacionamento junto a grupo de referência, dinamizando e
compartilhando informações, para a construção de um processo inovador por toda a
empresa. Para Hunter (2006), um dos fatores que mais contribui para o sucesso de
uma empresa é a integração do líder e a qualidade de sua equipe, pois liderança
não é sinônima de gerência, mas de influência, e nisto está a força de sua atuação.
Por fim, um atributo extremamente relevante para a competitividade das
empresas é o fator resiliência. Para Grotberg (2005, p. 15), a definição de resiliência
na área das ciências humanas é “a capacidade para enfrentar, vencer e ser
fortalecido ou transformado por experiências de adversidades”. Esse atributo tem
potencializado as pessoas a serem mais empreendedoras diante dos flexíveis
mercados atuais. Segundo Moeller (2002) e Drucker (2005), o fator resiliência está
atrelado à mudança e ao compromisso de se estar na dianteira dos desafios,
sempre guiado pelas oportunidades, possuindo uma visão clara do que se deseja
alcançar, mantendo foco capaz de se orientar em quaisquer circunstâncias adversas
por que passam as empresas.

9.3 Procedimentos metodológicos


Para atingir o objetivo proposto neste trabalho, foi utilizado o método indutivo.
Do ponto de vista da sua natureza, trata-se de pesquisa aplicada. Em função dos
seus objetivos, a pesquisa é quantitativa, pois esta abordagem considera que tudo
pode ser quantificável, traduzindo em números, opiniões e informações a fim de
classificá-las e analisá-las (SILVA; MENEZES, 2005).
O método do procedimento aplicado foi o levantamento (Survey) e de
entrevistas. A amostra utilizada foi a não probabilística por acessibilidade, realizada
junto a 15 empresas, sendo 05 de porte médio e 10 de porte menor, das dezoito que
compõem o setor. A coleta de dados foi realizada in loco, com 15 proprietários,
sócios-gerentes. O instrumento utilizado na coleta de dados foi um questionário com
perguntas estruturadas sobre as características intraempreendedoras dos líderes
empresariais em aglomerados produtivos. Baseando-se nesse instrumento, foi
calculada a pontuação do perfil intraempreendedor dos líderes de cada empresa.
Logo após, foi calculada a pontuação do perfil intraempreendedor do setor produtivo
em geral no que concerne às suas lideranças.
Para as respostas dos questionários, utilizou-se a Escala proposta por Likert,
com cinco opções para os respondentes, em intensidade de pontos variando de 4, 3,
2, 1 e 0 pontos. Depois de respondidos os questionários pelas empresas, os valores
foram tabulados e depois lançados em uma planilha, sendo tirada a média aritmética
por empresa, sendo aplicadas aplicadas 23 perguntas. Para se calcular o perfil
intraempreendedor dos líderes por empresa, a pontuação máxima pode chegar até
92 (noventa e dois pontos), que são os 100% em cada empresa. A Tabela 1 ilustra a
Escala de Likert demonstrando as intensidades e pontuações em que o perfil
intraempreendedor dos líderes por empresa foi calculado.

,Sempre Freqüentemente Raramente Não sabe Nunca


4 (quatro) pontos 3(três) pontos 2 (dois) pontos 1 (um) ponto 0 (zero)
4 x 23 = 92 3 x 23 = 69 2 x 23 = 46 1 x 23 = 23 0 x 23 = 0
Fonte: os autores, dados da pesquisa (2008)
Tabela 1 – Escala de Likert: perfil intraempreendedor dos líderes por empresa

A Tabela 2 ilustra os intervalos de pontos pelos quais foi avaliado o perfil


intraempreendedor dos líderes em cada empresa e suas devidas características.

Intervalo Características
A empresa já possui uma liderança intraempreendedora, pois as características
comuns do empreendedorismo corporativo (intraempreendedorismo) aplicadas à
69 a 92
gestão em empresas que compõem aglomerações produtivas estão inseridas no
ambiente empresarial. Logo, tem tudo para se diferenciar como empresa.
A empresa possui líderes com características de lideranças intraempreendedoras,
46 a 68
porém deve melhorar ainda mais, equilibrando os pontos fracos com os fortes.
A empresa não possui liderança intraempreendedora. Precisa urgentemente
Menos de 46
reavaliar suas estratégias de liderança empresarial em aglomerados produtivos.
Fontes: os autores, dados da pesquisa (2008)
Tabela 2 – Intervalo de Pontos: características do perfil intraempreendedor dos líderes por empresa

Entretanto, para avaliar o perfil intraempreendedor das lideranças do setor no


geral, a pontuação máxima poderá chegar até 1380 pontos, que é o somatório dos
100% do perfil intraempreendedor das lideranças no setor, sendo que para cada
intensidade foi multiplicado pelas 15 empresas analisadas, conforme a Tabela 3
ilustra.

Sempre Freqüentemente Raramente Não sabe Nunca


92 (pontos) 69 (pontos) 46 (pontos) 23 pontos 0 (zero)
92 x 15 = 1380 69 x 15 = 1035 46 x 15 = 690 23 x 15 = 345 0 x 15=(zero)
Fontes: os autores, dados da pesquisa (2008)
Tabela 3 – Escala de Likert: perfil intraempreendedor das lideranças do setor geral

A Tabela 4 ilustra os intervalos de pontos para avaliar o perfil


intraempreendedor dos líderes do setor (geral) e suas devidas características.

Intervalo Características
O setor já é intraempreendedor, pois seus líderes possuem as características
1035 a 1380 comuns do empreendedorismo corporativo ou intraempreendedorismo, aplicadas a
aglomerações produtivas.
O setor apresenta características intraempreendedoras, pois possui líderes com
690 a 1034
pontos fortes e outros deficientes em termos de perfis intraempreendedores. Deve,
porém, fortalecer cada vez mais suas fragilidades na gestão empresarial para
poder aproveitar as oportunidades de se tornar um Arranjo Produtivo Local (APL)
competitivo.
O setor não é intraempreendedor, pois seus líderes (todos ou a maioria) não são
intraempreendedores. Se continuarem assim, não aproveitarão os recursos e apoio
Menos de 690 que os APLs proporcionam, impossibilitando as empresas de crescerem
econômica, social e regionalmente de maneira integrada e em rede.nos mercados
flexíveis e arrojados do mundo global.
Fonte: os autores, dados da pesquisa (2008)
Tabela 4 – Intervalo de Pontos: características do perfil intraempreendedor das lideranças do setor
geral

9.4 Apresentação dos dados


Em relação à pontuação total do setor em todos os blocos de perguntas, os
resultados sobre o perfil intraempreendedor, sob a ótica dos líderes empresariais,
estão ilustrados na Tabela 5.

Pontuação Pontuação Porcentagem


Blocos Média Geral
Máxima por Adquirida no Adquirida por
(1- 10) por Bloco (%)
Bloco* Bloco Questão (%)
1.1) 58,25%
1- INOVAÇÃO 120= (15x4x2) 74 61,66%
1.2) 65,00%
2.1) 08,33%
2- COOPERAÇÃO 120=(15x4x2) 24 20,00%
2.2) 31,67%
3.1) 43,33%
3-ESTRATÉGIA DE
180=(15x4x3) 92 3.2) 63,33% 51,11%
MERCADO
3.3) 46,67%
4.1) 18,33%
4-NORMATIZAÇÃO 120=(15x4x2) 20 16,67%
4.2) 15,00%
5.1) 56,67%
5- CLIENTES 120=(15x4x2) 59 49,16%
5.2) 41,67%
6-COMUNICAÇÃO 6.1) 41,67%
120=(15x4x2) 46 38,33%
INTERNA 6.2) 35,00%
7.1) 11,65%
7-FORNECEDORES 120=(15x4x2) 25 20,83%
7.2) 30,00%
8- QUALIFICAÇÃO 8.1) 50,00%
120=(15x4x2) 58 48,33%
MÃO-DE-OBRA 8.2) 46,67%
9.1) 20,00%
9-LIDERANÇA
180=(15x4x3) 97 9.2) 68,33% 53,89%
INTERNA
9.3) 73,33%
10.1) 81,67%
10-RESILIÊNCIA 180=(15x4x3)
140 10.2) 78,33% 77,88%
ORGANIZACIONAL
10.3) 73,33%
Total (Setor)Ź/,' 1380 635 46, 01%
* 15 = nº. de empresas; 4 = pontuação (sempre); 3 ou 2 = nº de questões.
Fonte: Os autores, dados da pesquisa (2008)
Tabela 5 – Resultado do perfil intraempreendedor do setor sob a ótica das lideranças empresariais

A Figura 1 abaixo ilustra o perfil intraempreendedor dos líderes do Setor de


Móveis de Metal e Sistema de Armazenagem e Logística-PR em relação à sua
gestão intraempreendedora nesse aglomerado de empresas.
Inovação 61,66%
Cooperação 20,00%
Estratégia de Mercado 51,11%
Normatiz. 16,67%
Clientes 49,16%
Comunicação Interna 38,33%
Fornecedores 20,83%
Qualificação da Mão-de-Obra 48,33%
Liderança Interna 53,89%
Resiliência Organizacional 77,88%

Fontes: os autores, dados da pesquisa (2008)


Figura 1 – Perfil intraempreendedor sob a ótica dos líderes

9.5 Análise e discussão


A partir dos dados apresentados nas Tabelas 5 e Figura 1, será feita uma
análise no perfil intraempreendedor do Aglomerado de Empresas do Setor de
Móveis de Metal e Sistema de Armazenagem e Logística do Paraná.
No aspecto da inovação, o setor apresentou um percentual médio de 61,66%
ou 74 pontos. Um equivalente a 58,25% afirmou ser a inovação algo abrangente
dentro das empresas envolvendo a participação de todos. Entretanto, na entrevista
se percebeu que, naquelas de porte menor, é mais comum os sócios, diretores ou
encarregados estarem envolvidos com o processo de inovação, pois são empresas,
na maioria, incrementais. Em algumas de médio porte (MP), observou-se um
direcionamento freqüente das equipes de técnicos da área de pesquisa e
desenvolvimento e área gerencial projetarem novidades ao mercado, pois atuam
mais nas inovações tecnológicas, o que Reis (2004) salienta ser a força das
empresas modernas. Entretanto, preconiza Dornelas (2003; 2007) que não é mais
suficiente um departamento na empresa ou um grupo apenas de pessoas comportar
todo o contingente de demanda por novidades e melhorias que requer a era do
conhecimento, mas deve ser produto da interação entre todos os colaboradores na
empresa. Para Pinchot e Pellman (2004) é questão de competência estratégica
envolver todos os colaboradores no processo de inovação.
A inovação para a maioria das empresas está relacionada apenas ao produto,
alcançando um percentual de 65,00%. Nesse aspecto, aborda Hashimoto (2007, p.
34) que “engana-se quem acha que a inovação só pode existir onde está o produto.
Equivoca-se quem acredita que a inovação significa somente novos produtos, novas
funcionalidades nos já existentes ou melhorias e correções nesses produtos. A
inovação tem espaço em qualquer lugar na empresa”. Para esse autor, crescer e
prosperar exige que cada colaborador faça alguma coisa e melhor a cada dia no
ambiente empresarial. No tocante às aglomerações produtivas, é imprescindível a
fonte de inovação em rede, ou seja, aquelas derivadas de fontes internas que são os
seus próprios recursos, englobando colaboradores e departamentos; assim como,
as fontes externas envolvendo clientes, fornecedores, distribuidores, prestadores de
serviços, universidades, centro de pesquisa, agências de fomento, governo, dentre
outros (HASCHIMOTO, 2007).
Assim sendo, a cooperação deve ser premissa para a inovação. Entretanto,
no setor, a relação interempresarial e multilateral se encontram incipientes, atingindo
um percentual médio de 20,00% ou 24 pontos. Grande parte das empresas atua de
modo muito independente, prejudicando a competitividade do aglomerado, já que a
maioria (10 empresas) é de pequeno porte. Somente 8,33% cooperam
complementando a atividade de inovação entre as empresas, e 31,67% têm
parcerias externas com fornecedores, clientes, consultores, universidades, agências
de fomento, centro de pesquisa e outras instituições de apoio. Nas aglomerações
produtivas é de extrema importância os líderes saberem liderar tanto “fora das
empresas” quanto internamente. Fonseca et al.(2006) se posicionam de modo
contundente salientando que o líder deve ser um ativador de rede, ou seja, um ator
com habilidades de relacionamento junto a grupo de referência, dinamizando e
compartilhando informações, construindo, assim, um processo inovador. Para
Shimitz (1998), Casarotto (2001) e Maximiano (2006), a cooperação afeta
diretamente a produtividade do setor, por isso deve haver uma interdependência
entre diversos atores, produtores e usuários de bens, serviços e tecnologias, através
de ação conjunta, ganhando eficiência estratégica.
No aspecto da interação com os fornecedores, o setor atingiu pontuação
média de 20,83%, ou 25 pontos. Observou-se um índice extremante deficitário com
as bases de fornecimento nas empresas. Um percentual de 11,65% tem parcerias
com fornecedores especializados de bens e serviços situados na mesma região, e
30,00% das empresas praticam inovações com fornecedores, gerando soluções
diferenciadas no mercado. Na visão de Garcia (2006), os fornecedores são
responsáveis por incrementarem a competitividade, através de máquinas, matéria-
prima, equipamentos e outros serviços. Para Souza (2008), deve-se ter uma
conexão eficiente entre fornecedor e empresa, pois através dessa interação pode-se
atender melhor o cliente, que é, acima de tudo, o elemento principal de todo o
processo
Com relação à interação com clientes, a média percentual foi de 49,16% ou
59 pontos. Na questão de fidelização dos consumidores, o setor pontuou 56,67%.
Segundo Souza (2008), na era da conectividade, a maior aspiração do
empreendimento é conquistar e fidelizar os clientes, oferecendo-lhes soluções
integradas. No setor, mais da metade das empresas desenvolve seus custos de
produção sem a interferência do que realmente o mercado (consumidor) pode pagar.
Somente 41,67% se inserem nessa estratégia competitiva. Para Kim e Mauborgne
(2005), os preços que os consumidores estão dispostos a pagar é que definem os
custos de produção – posição defendida também por Souza (2008). No fator
comercialização, a característica mais incipiente foi o fato de os empresários não
participarem de exposições em feiras e marketing conjunto, o que Porter (2001),
Garcia (2006) e Pagani (2006) salientam ser essencial, pois são ações que
possibilitam obter uma melhor imagem do produto e maior cobertura de mercado.
Não se pode desconsiderar o fato de que a verdadeira imagem do produto é feita
pelo cliente – o alvo de todo o processo. O cliente é, para Souza (2008), o grande
vendedor dos produtos e serviços, e não apenas o comprador, pois não existe “um
mercado”, mas “o cliente”, cada um específico e único.
O item estratégia de mercado atingiu um percentual médio geral de 51,11%
ou 92 pontos. Na questão sobre a precificação dos produtos ou serviços atrelado a
equilíbrio entre diferenciação (inovação) e baixo custo, o setor atingiu 63,33%.
Entretanto, nas entrevistas, percebeu-se que, para um grande número de empresas,
a estratégia de preço (isoladamente) ainda é marca de competitividade. Para atingir
o cliente, que é o alvo de toda a empresa, faz-se necessária estratégia de inovação
de valor (diferenciação e menor custo concomitantemente), pois isso gera salto de
valor ao cliente (KIM e MAUBORGNE, 2005). Em relação à política de explorar
mercados além da concorrência, o setor atingiu 43,33%, sendo que 46,67% das
empresas afirmaram terem suas estratégias próprias de competitividade. Elas
(empresas) não esperam o que os líderes no setor estão fazendo para depois
definirem as suas ações. Percebeu-se, assim, que mais da metade das empresas
estão com estratégia da reação. Segundo Maximiano (2006), isso pode
comprometer as empresas pela inovação dos concorrentes, fazendo-as perder
competitividade.
Quanto ao uso das normas, o setor apresenta uma posição desfavorável
perfazendo um percentual médio de 16,67% ou 20 pontos. De acordo com Pagani
(2006), o controle de qualidade dos produtos, na maioria das empresas, é feito
informalmente. Segundo dados da pesquisa, 18,33% estão utilizando as normas
como padrão de qualidade, e 15,00% têm estratégia de internacionalização. De
acordo com França (2007), o uso das normas é um meio de se organizar o mercado
interno e instrumento de inserção no mercado externo. Para Camargo (2007),
possuir estratégia de internacionalização eleva a escala de produção, desenvolve
relações duradouras com os clientes e também impulsiona cada vez mais a
produção de produtos diferenciados. Corrobora Krugman (1998),ao salientar que um
dos elementos fundamentais que explicam as vantagens competitivas das firmas
está em uma constante participação no comercio internacional.
Em relação à qualificação da mão-de-obra, verificou-se um percentual médio
de 48,33% ou 58 pontos, o que sinaliza um item a ser aprimorado no setor. Um total
de 50,00% das empresas ainda não estimula o aperfeiçoamento contínuo dos
colaboradores, e somente 46,67% promovem o aumento da qualificação na
contratação da mão-de-obra ao longo dos anos. Porter (2001) aborda que a falta de
investimento em qualificar os colaboradores prejudica grandemente a
competitividade dos aglomerados produtivos. Para Chiavenato (2005) e Garcia
(2006), as empresas devem ser transformadas em agências de aprendizagem, em
decorrência direta de os colaboradores estarem integrados no desenvolvimento
organizacional. Isso representa diminuição de custos de desperdícios na produção
de produtos e serviços. A noção de tensão criativa é essencial ser incorporada na
mente dos colaboradores, validando com tolerância a erros e falhas (HOOVER E
VALENTI, 2006). Para Pinchot e Pellman (2004), o segredo para desenvolver
produtos econômicos é não evitar erros.
Na análise da comunicação interna das empresas, o setor atingiu um
percentual médio de 38,33% ou 46 pontos. Quando se perguntou aos líderes se as
decisões empresariais são tomadas em ação conjunta com a participação dos
colaboradores, o índice atingido foi de 41,67%. Segundo Drucker (2005), quando a
direção se aproxima dos liderados, ouvindo suas aspirações e relevando as suas
possíveis contribuições, aumenta a interação entre eles. Para Skora (2008), os
líderes empresariais devem partilhar idéias aos seus colaboradores, tornando-os,
assim, aliados da organização e preocupados em apresentar idéias, sugestões,
conquistando parceiros na gestão de negócios. Entretanto, pôde-se perceber, na
pesquisa, um índice relativamente baixo (35,00%) quanto ao aspecto da
disseminação de informações livremente sobre mudanças, clientes, fornecedores e
tecnologia nos ambientes internos das empresas. Para Pinchot e Pellman (2004), as
empresas mais inovativas e empreendedoras são as que possibilitam que as
informações fluam livremente entre todos os seus participantes.
No tocante à qualidade de vida no trabalho, evidenciou-se um ambiente
amistoso dos líderes e colaboradores nos ambientes internos das empresas,
envolvendo companheirismo, amizade, respeito e prestatividade. Maximiano (2006)
salienta que, quanto maior for o grau de satisfação dos colaboradores, mais alta é a
qualidade de vida no trabalho e mais positivo o clima organizacional. Para David
(2004), a qualidade de vida no trabalho não deve ser somente do ponto de vista
técnico, mas também humano. Segundo Friedman et al.(1998), deve haver equilíbrio
entre trabalho e vida pessoal, pois essas instâncias são complementares e não
concorrentes em termos de prioridades. Autores como Moeller (2002) e Chiavenato
(2005) enfatizam que qualidade de vida no trabalho também está estritamente
relacionada com desenvolvimento pessoal e profissional do colaborador. Nesse
aspecto, o setor se encontra numa situação ainda deficitária de acordo com os
índices analisados anteriormente.
Na análise sobre o aspecto liderança interna, envolvendo a posição dos
líderes e dos colaboradores, o setor atingiu pontuação média geral de 53,89% ou 97
pontos. Na visão dos líderes, somente 20,00% afirmaram que permitem intercâmbio
de informações e centros de aprendizagem aos colaboradores, 68,33%
proporcionam condições para que se manifestem o potencial de liderança e 73,33%
proporcionam oportunidades e articulações até obterem informações relevantes com
os funcionários. Percebe-se que o índice mais fragilizado é o de a liderança
proporcionar maior capacitação aos colaboradores. Filion (2004) aborda que o líder
deve possibilitar treinamentos contínuos nos liderados, valorizando a oportunidade
de crescerem com a empresa. Já no aspecto relacional, percebeu-se que o setor se
encontra em situação mais favorável, conforme a pesquisa de campo. Para Hunter
(2006), um dos fatores que mais contribui para o sucesso de uma empresa é a
integração do líder e a qualidade de sua equipe, pois liderança não é sinônima de
gerência, mas de influência e nisto está a força de sua atuação.
Os índices gerais mais altos atingidos pelo setor foram em relação ao aspecto
resiliência organizacional, com 77,88% ou 140 pontos. Para os líderes, 81,67%
afirmaram que têm a capacidade de transformar o insucesso numa fonte de
aprendizagem, 73,33% promovem cultura de não evitar as mudanças e 78,33%
promovem hábitos de escutar os colaboradores insatisfeitos. Esses percentuais
podem sinalizar que existe um bom equilíbrio das tensões emocionais nas
empresas, sendo resilientes diante das adversidades. Entretanto, para Moeller
(2002) e Drucker (2005), o fator resiliência está atrelado também ao compromisso de
se estar na dianteira dos desafios, sempre guiados pelas oportunidades, possuindo
uma visão clara do que se deseja alcançar, mantendo foco capaz de se orientar aos
desafios. Nesse aspecto, evidenciou-se, através das entrevistas, que ainda há
resistência em se inserir num Arranjo Produtivo Local. Nessa situação, perdem-se
oportunidades cruciais de competitividade tanto no mercado interno como externo,
além de mais desenvolvimento econômico e regional. Aí se encontra uma lacuna
resiliente a ser preenchida pelo setor.
9.5.1 Pontuação do perfil intraempreendedor das lideranças do Setor de
Móveis de Metal e Sistema de Armazenagem e Logística de Ponta Grossa – PR
Antes de se analisar a pontuação do setor, far-se-á uma breve alusão ao perfil
intraempreendedor das lideranças empresariais de um modo generalizado. O
resultado está ilustrado na Tabela 7, de acordo com os dados e o cálculo para se
analisar o perfil intraempreendedor dos líderes de cada empresa.

Total de empresas que possui Total de empresas que Empresas que possuem
líderes com características possui líderes com a líderes com insuficientes
intraempreendedoras maioria das características características
essenciais intraempreendedoras Intraempreendedoras
01 empresa 05 empresas 09 empresas
Fonte: Os autores,dados da pesquisa (2008)
Tabela 7 – Perfil Intraempreendedor das empresas do setor

Concluiu-se que o setor adquiriu uma pontuação de 635 no perfil das


lideranças, conforme Tabela 5. De acordo com a Tabela 4, o setor não é
intraempreendedor, o que poderá atravancar o crescimento sustentável e duradouro,
principalmente das pequenas empresas que tanto necessitam de competências
técnicas e organizacionais para a sua sobrevivência. A técnica do
intraempreendorismo pode acelerar o dinamismo nas empresas e minimizar suas
fragilidades internas concorrenciais.

9.6 Conclusão
O presente artigo estabelece a importância do intraempreendedorismo como
um fator de competitividade na gestão empresarial em aglomerações produtivas e
evidencia as constatações de que investir no desenvolvimento desses aspectos é
questão fundamental. A maior competitividade empresarial atualmente se encontra
no potencial humano: qualificado, motivado, aberto à mudança, comprometido,
criativo, com habilidades de relacionamento interpessoal, visão estratégica, holística
e sistêmica, foco em resultados; liderança, proativo, resiliente, dentre outros, e isso
engloba a liderança e seus colaboradores no ambiente empresarial.
O setor analisado, conforme metodologia aplicada, apresentou um perfil ,
segundo o qual a maioria das empresas (09) não possui lideranças
intraempreendedoras. Atributos como resiliência organizacional, inovação e
liderança interna apresentaram os maiores índices, apesar de, conforme revisão de
literatura, todos necessitarem de aprimoramentos substanciais. Entretanto, atributos
com índices incipientes como cooperação, normatização, interação com
fornecedores, foco nos clientes, comunicação interna e, principalmente, qualificação
da mão-de-obra necessitam de ações estruturantes mais agressivas para que
possam se desenvolver com mais competitividade.
Percebeu-se também que, no perfil intraempreendedor do setor, apesar de,
em termos proporcionais, este ser um dos maiores aglomerados de empresas em
beneficiamento de aço no Brasil e presença no mercado há quase duas décadas
para a maioria das empresas, está faltando mais visão holística e sistêmica, dentre
outros fatores, por parte das lideranças empresariais.
Nos desafios competitivos dos APLs, alcançar a competitividade é formular
estratégias concorrências duradouras e sustentáveis. Através da inserção de
características intraempreendedoras nos aglomerados produtivos, pode-se auxiliar,
modificar ou controlar as fragilidades internas das empresas, impulsionando-as a
serem mais dinâmicas, ganhando espaço cada vez maior nos mercados.

9.7 Referências
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10. SELEÇÃO DE TÉCNICAS DE MANUTENÇÃO PARA
PROCESSO DE ARMAZENAGEM ATRAVÉS DO MÉTODO
DE ANÁLISE HIERÁRQUICA

Jaime André Ramos Filho


Maurício João Atamanczuk
Rui Francisco Martins Marçal

10.1 Introdução
Atualmente, estão entre as atividades mais rentáveis a agricultura e a
agroindústria nacionais, em cujos segmentos se destaca a soja como a cultura de
maior importância econômica. Em um contexto histórico, deste a década de 1970
quando a soja passou a ter importância para o Brasil, até o ano de 2007 houve um
crescimento da produção, segundo Dall’agnoll et al (2007, p. 03) “superior a 55
milhões de toneladas”. Consonante a isso, a Companhia Nacional de Abastecimento
- CONAB (2007, p. 06) prevê que “a safra entre os anos de 2007 e 2008 pode
ultrapassar 60 milhões de toneladas”.
O complexo agroindustrial da soja brasileira provê muitos benefícios ao longo
de sua cadeia produtiva, desde a plantação até o beneficiamento, contribuindo para
a movimentação da economia do país e garantindo o sustento de centenas de
milhares de pessoas.
Tecnologia, conhecimento e inovação são apontadas como responsáveis por
este crescimento histórico da produção de aproximadamente 260 vezes em quatro
décadas. Porém tal avanço não se refere somente à forma de plantio ou melhorias
na qualidade da semente, entre outros avanços específicos na cultura da soja, mas
também diz respeito à mecanização e posterior automação dos maquinários e
equipamentos empregados em atividades de armazenagem e beneficiamento de
grãos de soja.
A utilização de equipamentos mecanizados e automatizados nesta cadeia
produtiva conduz para a necessidade de execução de tarefas atribuídas à função
manutenção, devido principalmente a dois fatores: aumento da complexidade dos
equipamentos e necessidade por disponibilidade e confiabilidade nos longos
períodos de tempo nos quais transcorrem as safras.
Nas unidades agroindustriais designadas ao acondicionamento da soja,
principalmente naquelas ligadas ao produtor rural, a gestão e organização da
manutenção são praticamente inexistentes, refletidas na ausência de controle e na
utilização de apenas uma única técnica de manutenção, a corretiva. Entretanto,
apesar da carência na organização e gestão da função manutenção, é necessário
considerar, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA
(2007), que os custos de manutenção figuram entre os mais onerosos para as
pequenas e médias unidades agroindustriais de armazenagem bem como para o
produtor rural que certamente contribui para o pagamento desta conta.
Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo a seleção das técnicas
de manutenção adequadas para cada sistema ou etapa do processo de
armazenagem, desencadeando um processo para gestão e organização da
manutenção, que, sobretudo, é necessário. Tal seleção toma como base as
características específicas dos sistemas, expressas por descrições e parâmetros
selecionados a partir de observações e da literatura. É necessário atentar que o
estudo ora apresentado não pretende apontar que em determinado sistema haja
controle de temperatura ou vibração, mas decidir qual técnica possui melhor
aplicação em cada um dos sistemas. A ferramenta utilizada para o cumprimento do
objetivo é o Método de Análise Hierárquica – MAH, que foi utilizado em trabalhos
importantes da área industrial nos últimos anos, em ambientes onde se faz
necessária a tomada de decisão em situações complexas, como é de costume na
manutenção industrial, além de aplicado com sucesso em outras áreas do
conhecimento, auxiliando pesquisadores em suas decisões.

10.2 O Método de Análise Hierárquica


O Método de Análise Hierárquica – MAH, concebido originalmente por
Analytic Hierarchy Process – AHP, foi desenvolvido no fim da década de 1960 por
Thomas Saaty (1991) e procura reproduzir o raciocínio humano em situações que
envolvem complexidade e subjetividade, através da comparação de elementos de
um conjunto baseando-se na percepção de analistas. É utilizado, sobretudo, em
situações onde obter a solução exige o conhecimento das conseqüências mais
relevantes, dos objetivos mais importantes e as alternativas adequadas para
aplicações práticas. Como resultado, o Método de Análise Hierárquica atribui pesos
numéricos a objetivos e alternativas estipulados anteriormente.
Vaidya e Kumar (2006) observam que, desde a sua concepção, o Método de
Análise Hierárquica é uma das ferramentas mais utilizadas quando se trata de
decisões multi-critério. Entre as publicações realizadas nos últimos anos ocorreram
aplicações em diferentes campos da ciência como o industrial, o educacional, o
social, o pessoal, entre outros. Variados também são os objetivos propostos, como,
por exemplo, planejar, selecionar a melhor alternativa, alocar recursos, resolver
conflitos e otimizar processos.
Para obtenção dos resultados e conseqüente resolução dos problemas a que
se propõe, o Método de Análise Hierárquica é segmentado em etapas que, de
acordo com Saaty (1991), são as seguintes: estruturação e decomposição do
problema, julgamentos comparativos e síntese das prioridades. De outra forma,
Ribeiro e Costa (1999, p. 08) apontam as tarefas a serem realizadas durante o
procedimento de análise:
 especificação do objetivo geral que se espera atingir com a classificação;
 identificação de alternativas viáveis para a priorização;
 seleção dos julgadores e definição dos métodos para a realização dos
julgamentos paritários (par a par) ou binários, nos quais são avaliados cada
parâmetro e o desempenho de cada alternativa;
 síntese dos dados levantados nos julgamentos, calculando-se a prioridade de
cada alternativa em relação ao foco principal.

Na primeira etapa da segmentação do procedimento de análise, Saaty (1991)


observa que no Método de Análise Hierárquica o problema é estruturado como uma
hierarquia, que pode ser definida como um sistema de níveis estratificados, em que
cada nível consiste de determinados elementos ou fatores. Esta hierarquia se forma
pela reunião de objetivos - para cujo cumprimento podem ser utilizados tantos níveis
quantos forem necessários - parâmetros e alternativas encontradas em uma
situação.
No nível mais alto localiza-se o objetivo, no nível posterior os objetivos
específicos ou intermediários, no seguinte observam-se os parâmetros utilizados na
tomada de decisão e, no nível inferior, são colocadas as alternativas ou atividades
através das quais se pretende alcançar o objetivo, compreendendo a etapa de
estruturação e decomposição do problema. A figura 1 representa uma estrutura
hierárquica básica conforme a descrição.

OBJETIVO

PARÂMETRO 1 PARÂMETRO 2 PARÂMETRO N

ALTERNATIVA 1 ALTERNATIVA 2 ALTERNATIVA N

Figura 1 – Estrutura hierárquica básica.

Partindo da árvore hierárquica correspondente ao problema proposto são


estruturadas matrizes de comparação, nas quais cada nível e cada elemento da
árvore são comparados entre si, par a par. Esta etapa é chamada de julgamento
comparativo e, para que seja realizada, faz-se necessária uma escala de
comparação desenvolvida por Saaty (1991), como explicitada no quadro 1 abaixo.
Intensidade
da Definição Explicação
importância
Duas atividades contribuem igualmente
1 A tem igual importância que B.
para o objetivo.
Experiência e julgamento favorecem
3 A levemente mais importante que B. ligeiramente uma atividade em relação à
outra.
Experiência e julgamento favorecem
5 A mais importante que B. fortemente uma atividade em relação à
outra.
Uma atividade é fortemente favorecida e
7 A muito mais importante que B.
sua dominância é demonstrada na prática.
A extremamente mais importante A evidência favorecendo uma atividade
9
que B. sobre a outra é a mais alta ordem.
Quando é necessário maior compromisso
2, 4, 6, 8 Valores intermediários.
entre julgamentos sucessivos.
Fonte: SAATY (1991).
Quadro 1 – Escala de comparação proposta por Saaty.

Saaty (1991) limita as comparações em nove alternativas de escolha. Este


limite, que representa 7±2 alternativas, é reconhecido como limite psicológico, mais
especificamente é o número de comparações pareadas ou par a par, que permite a
tomada de decisão com relativa margem de segurança.
Na terceira e subseqüente etapa, as matrizes de comparação utilizadas são
manipuladas matematicamente para a obtenção de um vetor de pesos para cada
objetivo, parâmetro e alternativa. Esse vetor é relativo à sua contribuição para o
alcance do objetivo principal. Por fim, na etapa de síntese de prioridades, os
objetivos, parâmetros e alternativas são ordenados segundo as prioridades do
processo, estipuladas a partir das características refletidas em determinada situação
(SAATY, 1991).

10.3 O Método de Análise Hierárquica aplicado ao processo de armazenagem


Previamente, antes mesmo de iniciar o procedimento de análise na
estruturação da hierarquia que configura a primeira etapa do referido trabalho, foram
realizadas observações com vistas a levantar informações no que diz respeito ao
funcionamento do processo de armazenagem, como, por exemplo, suas
características gerais. Tais observações contribuíram para evidenciar o objetivo
geral do presente estudo, isto é, para a necessidade de selecionar técnicas de
manutenção adequadas aos sistemas distintos do processo de armazenagem, uma
vez que se tornou explícita a ausência do controle da manutenção, bem como a
utilização de somente uma técnica de manutenção, a corretiva.
Ademais, as referidas observações auxiliaram na divisão dos sistemas do
processo de armazenagem, além de contribuírem para o reconhecimento deste
processo de armazenagem, representado neste trabalho como os objetivos
intermediários (recebimento, limpeza, secagem, ensilagem, carregamento), os quais
são discorridos posteriormente no tópico que lhes é atribuído. Situação distinta
ocorreu com os parâmetros e alternativas necessários ao procedimento de análise,
que foram levantados a partir da bibliografia disponível.
As observações em campo e o levantamento bibliográfico possibilitaram a
estruturação da hierarquia do processo de armazenagem para o presente estudo,
em conformidade com o que propõem Saaty (1991), Ribeiro e Costa (1999), ou seja,
hierarquia formada por quatro níveis, representada graficamente na figura 2 abaixo e
posteriormente explicitada.
NÍVEL 1: NÍVEL 2: NÍVEL 3: NÍVEL 4:
OBJETIVO OBJETIVOS ESPECÍFICOS PARÂMETROS ALTERNATIVAS

SEGURANÇA

PROUTIVIDADE

QUALIDADE
RECEBIMENTO
FREQUÊNCIA DO PROBLEMA

TAXA DE OCUPAÇÃO

MANTENABILIDADE

SEGURANÇA

PRODUTIVIDADE

QUALIDADE
LIMPEZA
FREQUÊNCIA DO PROBLEMA
MANUTENÇÃO
CORRETIVA
TAXA DE OCUPAÇÃO

MANTENABILIDADE

SEGURANÇA
MANUTENÇÃO
PRODUTIVIDADE PREVENTIVA

SELEÇÃO DE TÉCNICAS QUALIDADE


DE MANUTENÇÃO PARA
SECAGEM
O SISTEMA DE FREQUÊNCIA DO PROBLEMA
ARMAZENAGEM.
TAXA DE OCUPAÇÃO MANUTENÇÃO
BASEADA EM
MANTENABILIDADE CONDIÇÃO

SEGURANÇA

PRODUTIVIDADE
MANUTENÇÃO
PREDITIVA
QUALIDADE
ENSILAGEM
FREQUÊNCIA DO PROBLEMA

TAXA DE OCUPAÇÃO

MANTENABILIDADE

SEGURANÇA

PRODUTIVIDADE

QUALIDADE
CARREGAMENTO
FREQUÊNCIA DO PROBLEMA

TAXA DE OCUPAÇÃO

MANTENABILIDADE

Figura 2 – Hierarquia do processo de armazenagem.

10.3.1 Os objetivos intermediários: processo de armazenagem


O processo de armazenagem é bem mais complexo do que se supõe, uma
vez que não consiste simplesmente no desembarque de grãos de soja de
caminhões ou trens e dispô-los em armazéns e silos. Ou seja, para o cumprimento
do objetivo que é acondicionar os grãos de soja nos silos, ocorre uma série de
etapas, aqui chamados sistemas, em que são obtidas características ótimas para a
armazenagem da soja. Ainda existem grandezas a serem controladas no período em
que os grãos de soja ficam acondicionados em silos e armazéns, em um período
que pode ultrapassar cinco meses. Assim, o processo de armazenagem é
fracionado nos seguintes sistemas: recebimento, limpeza, secagem, ensilagem e
carregamento, além de sistemas auxiliares da ensilagem, a aeração e a transilagem,
como pode ser visualizado na figura 3, que representa o fluxo do processo de
armazenagem.
CHEGADA DA SOJA

CLASSIFICAÇÃO DA SOJA

RECEBIMENTO

NÃO
SOJA ESTÁ
LIMPEZA LIMPA?

SIM

NÃO
SOJA ESTÁ
SECA? SECAGEM

SIM

ENSILAGEM

LEITURA DE
TEMPERATURA

SIM
TEMPERATURA
CARREGAMENTO DENTRO DOS
LIMITES?

NÃO
FIM DO PROCESSO
AERAÇÃO

SIM
TEMPERATURA
DENTRO DOS
LIMITES?

NÃO

TRANSILAGEM

Figura 3 – Fluxograma do processo de armazenagem da soja.

O primeiro sistema no fluxo do processo é o recebimento, para cuja


efetivação faz-se necessária a classificação da soja no instante da sua chegada à
unidade de armazenagem, configurando-se um momento em que a soja é avaliada
por técnicos que observam a umidade, granulometria e impureza nos grãos,
direcionando, então, o processo para diferentes etapas ou sistemas do processo de
armazenagem. De acordo com a classificação dos grãos de soja, despontam as
seguintes possibilidades: acondicionamento dos grãos nos silos, realização da
limpeza, realização de secagem, realização de limpeza e secagem e o descarte dos
grãos, ou seja, não aquisição da carga de soja. Somente após a classificação
procede-se o recebimento, que é efetuado com o auxílio de tombadores, que são
plataformas dotadas de atuadores hidráulicos que tornam mais rápido o
procedimento. Além dos tombadores, o sistema de recebimento é formado por
moegas, transportadores de correia, transportadores de corrente e elevadores de
canecas. A capacidade do sistema é estipulada em 600 toneladas por hora.
Imediatamente posterior ao recebimento é o sistema de limpeza. A principal
função deste sistema é a redução de particulados (pós e cascas) e corpos estranhos
(pedras, por exemplo) misturados aos grãos de soja. Esta atividade é realizada nas
máquinas de limpeza por meio de peneiras graduadas dotadas de movimentos
vibratórios e longitudinais e contribui para o aumento da qualidade da soja e redução
do risco de incêndio e, em decorrência, evita possíveis acidentes. O sistema de
limpeza também é formado por transportadores de corrente, transportadores de
correia e elevadores de canecas, com capacidade aproximada de 600 toneladas por
hora.
Havendo grãos de soja classificados e limpos, entra em funcionamento o
terceiro sistema do processo de armazenagem, a secagem, com capacidade de 200
toneladas por hora. O sistema de secagem, assim como a limpeza, tem o objetivo de
prover condições de acondicionamento para os grãos de soja. O secador, principal
equipamento do sistema em questão, utiliza um fluxo de calor oriundo de fornalhas
para obter a secagem dos grãos em níveis tecnicamente aceitáveis. O calor é o
grande fator crítico deste sistema, de modo que é controlado através de leituras de
temperatura e nível de grãos no interior do equipamento. Falhas nas leituras ou nos
componentes de controle (medidores de temperatura e nível) podem ocasionar o
não aproveitamento dos grãos de soja e até incêndios.
Após a realização da limpeza e secagem, os grãos de soja já se encontram
em condições adequadas para o acondicionamento, desencadeando assim a etapa
ou sistema de ensilagem, com capacidade de armazenagem para aproximadamente
220 mil toneladas de soja. No referido sistema, os grãos de soja são conduzidos
através de transportadores de correia e elevadores de canecas até silos e
armazéns. O que há de crítico na ensilagem não é o manejo da soja até os silos e
armazéns, mas conservar a soja em condições ótimas, pois o acondicionamento é
dificultado principalmente por condições meteorológicas, que tendem a reduzir a
qualidade dos grãos armazenados. Então, quando é detectada pelos
termorresistores a elevação de temperatura ou umidade, aciona-se o sistema
auxiliar de aeração, do qual provê um fluxo de ar oriundo de ventiladores que
atravessa entre os grãos de soja reduzindo a temperatura e umidade. Ressalte-se,
entretanto, que essa atividade é lenta e onerosa.
Quando a aeração não consegue equilibrar a temperatura e umidade, o
sistema de ensilagem conta com um segundo sistema auxiliar, que recebe o nome
de transilagem. A transilagem é uma operação de remanejamento dos grãos de soja
no processo e armazenagem, caracterizando-se pelo uso de transportadores de
correias e elevadores de canecas para mover o produto no interior de silos e
armazéns, deixando expostos à aeração os grãos de soja situados em áreas
centrais dos armazéns, onde o fluxo de ar proveniente dos ventiladores não é eficaz.
Enfim, mantidos os grãos de soja acondicionados nos silos e armazéns pelo
tempo desejado ou determinado, é possível e normalmente necessário o
carregamento. O sistema derradeiro de todo o processo de armazenagem, que têm
capacidade de carregamento de 600 toneladas por hora, é formado por
transportadores de correias, elevadores de canecas, mas principalmente pela tulha,
construção responsável por armazenar os grãos e realizar efetivamente a operação
de carregamento. É quando, então, se utiliza a balança que determina o peso de
carga suficiente para cada veículo.
10.3.2 Os parâmetros
Parâmetro, na sua forma mais simples, segundo Luft (2000), é “o conceito
que serve de norma para julgamento” ou ainda “aquele que quando relacionado em
uma situação recebe um conceito particular e distinto”. Tecnicamente, para Kardec,
Flores e Seixas (2002, p. 45), parâmetro “é todo elemento cuja variação no valor
modifica a solução de um problema sem lhe modificar a natureza”. Assim, tornou-se
mais claro o foco do levantamento bibliográfico para determinação dos parâmetros
que são, afinal, os principais elementos para a decisão, pois partindo de suas
diferentes formatações ou valores atribuídos, altera-se a solução, ou seja, o
resultado aponta para uma alternativa distinta.
Triantaphyllou et al.(1997), através de métodos de decisão multi-critérios,
selecionam alguns parâmetros selecionados na literatura, como custo,
mantenabilidade, disponibilidade e confiabilidade, destacando e concluindo que a
importância relativa de cada um depende, principalmente, da situação que se
apresenta.
Tsang (2002), desenvolvendo uma extensa pesquisa, apontou as quatro
dimensões estratégicas da manutenção. São elas: opções de serviço, organização e
estrutura do trabalho, métodos de manutenção e sistemas de suporte. Estas
dimensões ou parâmetros consideram de forma geral itens como especialização da
função manutenção, relacionamento com fornecedores, terceirização, qualificação
da mão-de-obra, foco na escolha do método de manutenção correto, até utilização
de sistemas de informação e ênfase no comportamento e clima do departamento.
Tsang (2002) destinou sua pesquisa aos aspectos gerenciais da função
manutenção, enquanto que no estudo ora apresentado os parâmetros encontram-se
inseridos no contexto operacional da função.
O foco gerencial é encontrado em grande parte dos trabalhos pesquisados,
como ocorre, por exemplo, com Jonsson (1997), Cholasuke, Bhardwa e Antony
(2004), que pesquisam o panorama da manutenção em seus países de origem,
Suécia e Reino Unido, respectivamente.
Bevilacqua e Braglia (2000), na busca por técnicas de manutenção
adequadas para uma refinaria, utilizaram sua experiência na gestão de outras
unidades de refino e determinaram seis parâmetros importantes: segurança,
importância do equipamento para o processo, custos de manutenção, freqüência de
falha, tempo de equipamento em reparo e condições de operação. Tais parâmetros
desdobram-se em adicionais doze parâmetros, que são utilizados quando se
necessita de análises mais aprofundadas e específicas para determinado
equipamento. São exemplos (BEVILACQUA; BRAGLIA, 2000, p.74): “disponibilidade
de equipamento reserva, tipo do equipamento, disponibilidade de componentes
sobressalentes e propagação da falha”. Os autores enfatizam que a utilização de
muitos parâmetros não provê maior precisão na decisão. Neste sentido, fazer uso de
um número reduzido de parâmetros contribui para a redução da complexidade na
análise e posterior decisão.
Assim, os parâmetros importantes para o estudo ora apresentado configura o
que foi apreendido no levantamento bibliográfico, além de transpor os parâmetros e
respectivos conceitos para a realidade do processo de armazenagem aqui
focalizado. Os parâmetros adotados são:
 Segurança: ênfase na conservação da vida humana, suas capacidades além de
itens construtivos, como equipamentos, instalações e ambiente na eventual
ocorrência de falha (BEVILACQUA; BRAGLIA, 2000; KARDEC, FLORES E
SEIXAS, 2002).
 Produtividade: é defina por Maximiano (2000, p. 116) como “a razão entre os
recursos utilizados e os resultados obtidos”. Porém, no presente trabalho, este
parâmetro tem por objetivo indicar os efeitos de parada e redução de velocidade
no processo, ocasionadas por falha em determinado sistema, ou, ainda, o reflexo
das falhas na produtividade do processo de armazenagem.
 Qualidade: apesar da existência de inúmeras definições de qualidade, Maximiano
(2000, p. 118) a observa como “a relação entre o volume de produção em
conformidade com as especificações e o volume total de produção”. Todavia, este
parâmetro refere-se à manutenção da qualidade dos grãos de soja
acondicionados em unidades de armazenagem e no decorrer do processo,
preocupa-se em apontar os decréscimos de qualidade oriundos de falhas nos
sistemas. Em outras palavras, indica o quão severos são os efeitos de uma falha
no que diz respeito à qualidade.
 Freqüência do problema: período de tempo após o qual ocorre alguma falha.
Diretamente relacionado ao TMEF – Tempo Médio Entre Falhas (BEVILACQUA;
BRAGLIA, 2002).
 Taxa de ocupação: indica o espaço de tempo em que o sistema encontra-se
efetivamente em funcionamento. Possui relação com a disponibilidade que, sob a
ótica de Kardec, Flores e Seixas (2002, p. 79) é “a probabilidade de um sistema
usado sob determinadas condições em operar satisfatoriamente por um período
de tempo específico”. Algumas definições de disponibilidade, porém, também
consideram o tempo ocioso do sistema ou equipamento.
 Mantenabilidade: é a capacidade de um item ser mantido ou recolocado em
condições de executar suas funções requeridas, sob condições determinadas e
mediante procedimentos e meios prescritos ou previamente determinado. Neste
sentido merecem atenção: existência de sobressalentes, mão-de-obra disponível
e qualificada, tempo gasto, custo de manutenção, entre outros aspectos (VIANA,
2002; KARDEC, FLORES E SEIXAS, 2002).

10.3.3 As alternativas: técnicas de manutenção


Garg e Deshmukh (2006) realizaram uma ampla revisão de literatura acerca
da função e indicam como técnicas de manutenção: manutenção corretiva,
manutenção preventiva, manutenção baseada na condição e manutenção preditiva.
Conseqüentemente as referidas técnicas aparecem como alternativas ao presente
trabalho. Para as técnicas de manutenção são adotados os conceitos constantes na
listagem a seguir:
 Manutenção corretiva: possui como característica principal a realização de
intervenções somente quando ocorre alguma falha em determinado equipamento
ou sistema (BEVILACQUA; BRAGLIA, 2000). É a atuação para a correção da
falha ou do desempenho menor que o esperado. Acarreta altos custos, uma vez
que a quebra inesperada implica perdas de produção, perda da qualidade do
produto e elevados custos indiretos de produção (PINTO; XAVIER, 2000).
 Manutenção preventiva: para Garg e Deshmukh (2006, p. 214) a manutenção
preventiva “consiste na realização de inúmeras tarefas realizadas com base no
tempo, volume de produção ou ainda, baseado na vida útil de componentes”,
também conhecida “como manutenção preventiva por tempo”, conforme Tavares
(1996, p. 36). Bevilacqua e Braglia (2000) enfatizam que a manutenção preventiva
toma por base a vida útil dos sistemas, equipamentos e componentes, geralmente
determinada pelos seus fabricantes. Este tipo de informação torna possível
analisar o comportamento de um componente qualquer, o que permite definir um
planejamento periódico de manutenção para os sistemas. Sobretudo, determina
verificações, substituições e revisões em componentes. Possui como limitações,
segundo Pinto e Xavier (2000, p.41), “incidência de falha humana, falha de
sobressalentes, ocorrência de danos durante partidas e paradas e falhas nos
procedimentos de manutenção”.
 Manutenção baseada na condição: autores como Tavares (1996) a reconhecem
como manutenção preventiva por condição; entretanto, distintamente da
preventiva tradicional é caracterizada por leituras de variáveis e grandezas que
possuem limites pré-determinados e então, quando não é possível sustentar o
equipamento em níveis toleráveis de operação, realiza-se a intervenção (GARG;
DESHMUKH, 2006). Bevilacqua e Braglia (2006) ressaltam que a manutenção
baseada na condição possui como pré-requisito a disponibilidade de sistemas de
aquisição de informação e medição para realizar efetivamente o monitoramento
do desempenho em tempo real. Dessa forma, o levantamento contínuo das
condições de trabalho torna claro e fácil a detecção de situações anormais.
Permite, portanto, realizar o controle ou, se necessário, parar o equipamento
antes da ocorrência da falha. Suas limitações são as mesmas que aquelas
atribuídas à manutenção preventiva.
 Manutenção preditiva: diferentemente da manutenção baseada na condição, a
aquisição de informações e realização de leitura de variáveis e grandezas de
controle ocorre para que seja encontrada uma tendência no comportamento de
determinado sistema. Assim, tal análise torna possível estender e até exceder os
valores limite. Observa-se ainda que os controladores procuram manter o sistema
em condições aceitáveis de funcionamento (BEVILACQUA; BRAGLIA, 2000).
Algumas situações são previamente viáveis para aplicação da manutenção
preditiva, como, por exemplo, “aspectos relacionados com a segurança pessoal e
operacional, redução de custos pelo acompanhamento constante das condições
dos equipamentos evitando intervenções desnecessárias, manter os
equipamentos operando com segurança por mais tempo” (PINTO; XAVIER, 2000,
p. 42).

10.4 Resultados
Depois de explicitados na hierarquia do processo de armazenagem o objetivo
principal, objetivos intermediários, parâmetros e alternativas, foram realizadas as
comparações através da escala proposta por Saaty (1991) que foi representada
anteriormente no quadro 1. Sobretudo se procurou observar a importância de cada
parâmetro para os respectivos objetivos intermediários (sistemas do processo de
armazenagem), no que diz respeito à manutenção, bem como o desempenho de
cada alternativa (técnicas de manutenção) em relação aos parâmetros. Assim, foram
estruturadas as matrizes de comparação, como exemplifica a figura 4 abaixo,
referente aos julgamentos do sistema de ensilagem.
1 7 1 5 1/ 3 3
1/ 7 1 1/ 7 1/ 3 1/ 9 1 / 5
1 7 1 5 1/ 3 3
Ensilagem
1/ 5 3 1/ 5 1 1/ 7 1/ 3
3 9 3 7 1 5
1/ 3 5 1/ 3 3 1/ 5 1
Figura 4 – Matriz de comparação para o sistema de ensilagem.

Com as matrizes estruturadas, é possível realizar a síntese de prioridades,


que resultou na atribuição de pesos aos objetivos intermediários, parâmetros e
alternativas (técnicas), determinando então sua importância relativa para o processo
de armazenagem. As prioridades das alternativas em relação aos sistemas podem
ser visualizadas no quadro 2.
Manutenção
Manutenção Manutenção Manutenção
Baseada na
Corretiva Preventiva Preditiva
Condição
Recebimento 5,48% 16,94% 30,07% 47,51%
Limpeza 5,24% 16,81% 28,41% 49,53%
Secagem 5,03% 21,97% 24,47% 48,53%
Ensilagem 4,93% 19,66% 24,81% 50,60%
Carregamento 5,19% 16,14% 26,74% 51,94%
Fonte:Autores.
Quadro 2 – Prioridades das alternativas para cada sistema, expressas em porcentagem.

É possível observar no quadro acima a predominância da técnica preditiva


para todos os sistemas. A superioridade é justificada segundo as características da
técnica, a qual busca através de equipamentos de controle evitar a realização de
operações de manutenção, que ocorre mediante a correção de anormalidades com
o sistema em funcionamento. Ou seja, a intervenção não é intrusiva, como ocorre
com as outras técnicas de manutenção, e é recomendada em situações onde há
riscos de segurança do pessoal e patrimonial.
Contudo, não é possível a implantação da técnica no decorrer de todo o
processo de armazenagem, devido ao alto custo de aquisição e implantação dos
equipamentos de controle, bem como necessidade de elevada qualificação para sua
operação e manutenção. Portanto, para selecionar as técnicas adequadas fez-se
necessário recorrer às prioridades no nível dos objetivos intermediários (sistemas) e
parâmetros, conforme os quadros 3 e 4, respectivamente.

Recebimento Limpeza Secagem Ensilagem Carregamento

7,37% 19,52% 46,24% 19,52% 7,37%


Fonte:
Autores.
Quadro 3 – Prioridades para cada sistema, expressas em porcentagem.

Recebimento Limpeza Secagem Ensilagem Carregamento


Segurança 17,99% 8,17% 25,70% 20,03% 6,35%

Produtividade 17,99% 8,17% 9,96% 2,76% 15,98%

Qualidade 3,42% 8,17% 25,70% 20,03% 3,27%


Freqüência do
9,40% 3,57% 2,99% 5,08% 15,98%
problema
Taxa de
25,57% 51,01% 25,70% 42,28% 42,44%
ocupação
Mantenabilidade 25,64% 20,89% 9,96% 9,81% 15,98%

Fonte: Autores.

Quadro 4 – Prioridades dos parâmetros para cada sistema, expressas em porcentagem.

Auxiliado pelo quadro 3, observa-se a relevância da secagem (46,24%) para o


processo de armazenagem, enquanto que, no quadro 4, segurança (25,70%),
qualidade (25,70%) e taxa de ocupação (25,70%) revelam-se prioridades para o
referido sistema. Entretanto, a segurança apresenta-se como mais crítica, uma vez
que um mau funcionamento ocasiona riscos ao pessoal, equipamentos e
conseqüentemente compromete a qualidade da soja em processo no sistema, além
da taxa de ocupação certamente prejudicada por tais falhas de segurança e
qualidade. Esses argumentos justificam a implantação da técnica preditiva, pois
contribui para redução dos riscos à segurança (ocorrência de incêndios), qualidade e
taxa de ocupação em virtude de mau funcionamento.
Para o sistema de ensilagem (19,52%) com importância relativa menor,
porém com efeitos de mau funcionamento prejudiciais à taxa de ocupação (51,01%),
segurança (20,03%) e qualidade (20,03%). No sistema de ensilagem indica-se a
utilização da manutenção preventiva uma vez que tal técnica enfatiza o
planejamento, programação e realização de verificações e revisões periódicas, isto
é, baseadas no tempo, A técnica preventiva adquire maior conveniência no que diz
respeito à qualidade, já que não aguarda decréscimos de desempenho em
equipamentos para intervir. Tais decréscimos de desempenho na situação
apresentada reduzem a qualidade da soja em processo ou acondicionada. Portanto,
a técnica preventiva contribui para a conservação da qualidade da soja e da taxa de
ocupação nos períodos posteriores à intervenção preventiva.
O sistema de limpeza (19,52%) possui importância relativa igual à ensilagem,
mas apresentou diferentes prioridades, sendo elas: taxa de ocupação (42,28%) e
mantenabilidade (20,89%). A prioridade no parâmetro mantenabilidade conduz ao
uso da manutenção baseada na condição, devido à possibilidade de observar
tendências no comportamento do sistema através de controle, apontando então o
momento de realização de intervenção quando os componentes defeituosos são
substituídos ou revisados. A manutenção baseada na condição não faz uso dos
equipamentos de controle, como a técnica preditiva, bem como não intervém em
equipamentos e componentes do sistema que não apresentam desempenho abaixo
do esperado, como técnica preventiva, reduzindo custo e tempo de execução,
contribuindo, assim, para a mantenabilidade do sistema e ainda não prejudica a
ocupação do sistema.
O sistema de recebimento (7,37%) apesar da sua relevância reduzida
apresenta prioridades nos parâmetros mantenabilidade (25,64%), segurança
(17,99%) e produtividade (17,99%). A manutenção do principal equipamento do
sistema de recebimento, o tombador, tem intervenções realizadas pelo próprio
fabricante, o que justifica a relevância da mantenabilidade. Este mesmo
equipamento possui funcionamento hidráulico que somado à sua construção e
movimentação durante o funcionamento ocasionam riscos à segurança. Neste caso,
visando melhorar a mantenabilidade do sistema, foi indicada a manutenção baseada
na condição, buscando informações acerca das condições ideais de desempenho
com o fabricante, possibilitando o controle do referido equipamento e, ainda, utilizar
serviços de manutenção terceirizada somente quando o mau funcionamento ou falha
atingir determinada complexidade ou quando este serviço não provocar prejuízos à
produtividade.
Também com relevância reduzida em relação aos demais sistemas, o sistema
de carregamento (7,37%) tem como prioridades os parâmetros taxa de ocupação
(42,44%) e freqüência do problema (15,98%). As características do sistema não
apontam para a utilização das técnicas preditiva, preventiva ou baseada na
condição, mesmo havendo funcionamento contínuo e problemas freqüentes, pois
estes últimos têm resolução rápida e de baixo custo não afetando a utilização do
sistema (taxa de ocupação), portanto foi considerada como técnica mais adequada
para o sistema de carregamento a manutenção corretiva.

10.5 Conclusão
É evidente a necessidade de prosseguir nesta pesquisa enfatizando
diferentes equipamentos de cada sistema para apontar uma técnica de manutenção
a cada componente, segundo suas características e necessidades ou, ainda, utilizar
novos parâmetros, reformulá-los, substituí-los, agregar outras técnicas de
manutenção e tendências relativas à função manutenção, mediante uso do Método
de Análise Hierárquica.
O trabalho ora apresentado contribuiu para desencadear a organização e
gestão da manutenção do processo de armazenagem de soja através da seleção de
técnicas adequadas para cada sistema do referido processo. Esta pesquisa
provocou instabilidade nas pessoas integrantes unidade de armazenagem onde foi
realizada, impelindo-as na busca por novas informações, gerando questionamentos
sobre planejamento e programação e manutenção, gestão de sobressalentes, bem
como outras atividades relacionadas à função manutenção.

10.6 Referências
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