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MUNDO EM DESCONTROLE:
o que a globalização está fazendo de nós
De Anthony Giddens
Rio de Janeiro : Record, 2000. 108 p.
sumo despótico contribui para aprofundar a confusão dos Assim, na visão de Giddens o mundo em descontrole
espíritos, já que cria inseguranças que sustentam o ciclo é um fenômeno natural e tudo que podemos fazer para
vicioso da busca do dinheiro, resultando em uma perver- amenizar a situação é aprimorar a imprecisa condução do
sidade sistêmica caracterizada pelas crescentes desigual- “Carro de Jagrená”. Dividindo seus opositores entre os
dades sociais. que acreditam e duvidam da globalização, Giddens argu-
Milton Santos acredita que essa evolução perversa tem menta que o fenômeno é novo e revolucionário, abran-
limites e afirma que há possibilidade de uma outra globa- gendo para além de aspectos econômicos, fatores políti-
lização. Na sua visão, não se trata apenas de uma utopia, cos, culturais e tecnológicos.
pois os fatos não estão sustentando o globaritarismo, e Ao contrário de Milton Santos, Giddens não admite a
há processos paralelos que sinalizam a transição para hegemonia do econômico e afirma que a globalização é
um novo período histórico. A emergência de contra- apenas parcialmente ocidentalizada, uma vez que estaria
racionalidades que buscam soluções centradas no homem se tornando cada vez mais descentralizada, não estando
comprova a existência de condições objetivas e intelectu- submetida ao controle de nenhum grupo de nações ou
ais para superar a tirania do dinheiro e da informação. empresas. O sociólogo reconhece que as estatísticas são
As opiniões de Santos são ponderadas, lúcidas e, den- desalentadoras, mas não atribui a culpa aos países ricos e
tro dos limites possíveis, otimistas. Argumentando que alerta para a necessidade de reconhecer a “contramão” da
um projeto alternativo nacional baseado nas mesmas téc- ocidentalização, como a “colonização inversa” presente
nicas hoje utilizadas pelo capital viabilizariam uma glo- na latinização de Los Angeles.
balização mais humana, o autor convida o leitor para um Por outro lado, Giddens enfatiza as mudanças cultu-
debate civilizatório, evidenciando que temos controle rais causadas pela globalização, principalmente no que
sobre o nosso mundo e que a globalização perversa não é se refere à família, com destaque para as transformações
irreversível. no campo da sexualidade e dos relacionamentos. Tam-
A obra do inglês Anthony Giddens é constituída por bém faz uma longa referência à questão da tradição, que
manuscritos revisados das conferências Reith realizadas estaria sendo vivida de uma maneira cada vez menos tra-
para a BBC em 1999. A leitura é mais inteligível para dicional, ou seja, as tradições hoje tendem a prevalecer
quem conhece sua trajetória intelectual, uma vez que não para justificar uma crença, mas na medida em que se
Giddens retoma superficialmente várias idéias defendi- justificam como válidas.
das em outras obras suas. Além disso, o leitor que busca Na sua concepção, o principal embate da globaliza-
uma visão abrangente do sociólogo sobre a globalização ção é a batalha entre o fundamentalismo, que se baseia na
pode se decepcionar, já que os capítulos não estão articu- “tradição tradicional” e a tolerância cosmopolita, guiada
lados e a elucidação dos argumentos deixa a desejar. por valores morais universais. A seu ver, a tolerância cos-
Para Giddens, o mundo em descontrole e a velocida- mopolita tende a vencer essa contenda, pois demanda a
de das mudanças atuais são verdades incontestáveis, de democracia e essa, apesar de seus limites, vem se espa-
forma que a realidade está desmentindo a concepção mar- lhando por toda parte.
xista de que a ciência e a tecnologia poderiam tornar o As opiniões de Giddens geram inquietações pelo
mundo mais estável e ordenado. Essas duas constatações eurocentrismo e pelo modo como ele escapa à discussão
são suficientes para demonstrar que suas visões são opos- crítica se valendo de relativizações. Em primeiro lugar, o
tas ao pensamento de Milton Santos, já que o geógrafo seu tom otimista é pouco convincente tendo em vista que
questiona o descontrole e argumenta que a democratiza- suas considerações minimizam as conseqüências huma-
ção e a humanização das técnicas transformariam o mun- nas da globalização. Além disso, o autor assume a vitória
do que nos cerca. do cosmopolitismo sem avaliar conflitos, escolhas éticas
A posição de Giddens é congruente com um argumento e obstáculos para essa transição histórica. Giddens ainda
central que orienta o seu pensamento: nunca seremos se- enfatiza que as mudanças culturais são produto da globa-
nhores de nossa própria história. Em As conseqüências lização, quando também derivam de um processo históri-
da modernidade (São Paulo, Unesp, 1991), Giddens con- co secular e de lutas sociais.
testou a metáfora marxista da modernidade como um “pro- O livro não se destina ao público acadêmico, o que
jeto inacabado”, um “monstro” que pode ser domado pe- talvez justifique o insuficiente aprofundamento de algu-
los seres humanos, afirmando a modernidade como um mas questões, mas os argumentos desenvolvidos por
“Carro de Jagrená”, uma máquina de enorme potência Giddens são coerentes com sua produção e posição inte-
que podemos conduzir coletivamente até certo ponto, mas lectual. O desconcertante é que o seu pragmatismo pode
que ameaça escapar das nossas mãos, impossibilitando o parecer ao leitor mais ilusório que a utopia defendida por
controle do caminho e do ritmo da viagem. Milton Santos.