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Estrutura da Matéria – UFABC

Quadrimestre Suplementar – 2020

5. Átomos e Espectros

5.1. Modelo de Rutherford-Bohr

Prof. Dr. Francisco Silveira


Como vimos na aula anterior, até o final da primeira década do
século XX, uma enorme quantidade de informação havia sido
acumulada sobre o comportamento atômico.

Essa informação estava baseada, principalmente, em medidas


espectroscópicas e no espalhamento de raios-X.

Já se sabia que os átomos eram constituídos por cargas negativas, de


massa muito pequena, os elétrons, e por uma massa, muito maior,
positivamente carregada.

Entretanto, a maneira como esses constituintes eram distribuídos no


volume atômico ainda era desconhecida.
O primeiro modelo para a estrutura
do átomo foi proposto por
Joseph John Thomson.

O modelo de J. J. Thomson
ficou conhecido como o
“modelo do pudim de ameixas”.

Nesse modelo, os elétrons (as “ameixas”) seriam distribuídos


no volume atômico (~10−10 𝑚 = 1Å de raio), constituído por
uma distribuição uniforme de carga positiva (o “pudim”).
Os elétrons ocupariam posições de equilíbrio nessa massa de carga
positiva. No equilíbrio, a força sobre um elétron é nula, 𝐹 = 0.
Entretanto, o elétron pode ser ligeiramente deslocado de sua posição
de equilíbrio por uma pequena distância, digamos ∆𝑥 .

A carga positiva exerce uma força não nula sobre o elétron, que pode
ser aproximada por 𝐹 = −𝑘∆𝑥 , onde 𝑘 é uma constante de
proporcionalidade. O elétron, de carga negativa, é atraído pela carga
positiva e desloca-se em direção à sua posição de equilíbrio original.
Entretanto, embora a massa 𝑚 do elétron seja muito pequena, ela
não é nula. Em outras palavras, o elétron possui inércia.

Ao retornar à sua posição de equilíbrio original, o elétron “passa um


pouquinho” dela. Quando ele estiver a uma distância −∆𝑥 da posição
de equilíbrio, a carga positiva exercerá uma força −𝐹 = −𝑘(−∆𝑥 )
sobre ele. Como resultado, o elétron oscila em torno de sua posição
de equilíbrio com uma frequência angular 𝜔 = 𝑘/𝑚.
Se substituirmos os valores da massa 𝑚 do elétron e da
constante de proporcionalidade 𝑘 (que pode ser calculada a
partir da energia potencial eletrostática) para um átomo com
um único elétron, obteremos, de fato, uma frequência angular 𝜔
próxima aos valores típicos do espectro do hidrogênio.

Entretanto, essa frequência é única e, assim, o modelo de


Thomson é incapaz de explicar as várias raias presentes no
espectro do hidrogênio. Em outras palavras, é necessário
propor outro modelo para a estrutura atômica.
Hans Geiger e Ernest Marsden buscaram evidência
experimental para a proposição de um novo modelo para a
estrutura atômica.

Átomos radioativos, como o rádio, o tório e o amerício, emitem


partículas 𝛼, que são átomos de hélio duplamente ionizados,
quer dizer, com falta de dois elétrons. Em outras palavras, a
partícula 𝛼 é positivamente carregada.
Geiger e Marsden fizeram incidir um feixe colimado, quer dizer, de
pequeno diâmetro, de partículas 𝛼 em uma fina folha de ouro, de
~1 × 10−6 𝑚 = 1𝜇𝑚 de espessura. Chamando o raio atômico de 𝑅,
podemos antecipar duas situações-limites.

1. Se a partícula 𝛼 atravessar a folha de ouro a uma distância


𝑟 < 𝑅, ela será apenas ligeiramente perturbada pelos átomos da
folha, sofrendo uma força 𝐹1 = 𝑘1 𝑟, onde 𝑘1 é uma constante de
proporcionalidade que depende da massa da partícula 𝛼, como
mencionado anteriormente para os elétrons.

2. Entretanto, se a partícula 𝛼 atravessar a folha de ouro a uma


distância 𝑟 > 𝑅, ela sofrerá uma força eletrostática, 𝐹2 = 𝑘2 /𝑟 2 ,
onde 𝑘2 é uma constante de proporcionalidade que depende da
carga da partícula 𝛼.
Na situação 1, mencionada anteriormente, nenhum desvio
apreciável da direção de incidência da partícula 𝛼 deveria ser
observado numa tela, atrás da folha de ouro. Isso foi
confirmado por Geiger e Marsden.

Entretanto, na situação 2, desvios apreciáveis da direção de


incidência da partícula 𝛼 poderiam ser observados numa tela,
atrás da folha de ouro. Geiger e Marsden, de fato, observaram
tais desvios.

A questão é: o número de desvios, apreciáveis ou não, é


consistente com o modelo de Thomson? Coube a Ernest
Rutherford responder essa pergunta.
Ernest Rutherford foi um físico
neozelandês. Na Universidade McGill,
em Montreal, no Canadá, trabalhou
com decaimento radioativo,
o que lhe rendeu o prêmio Nobel de
química.

Na Inglaterra, na Universidade de Manchester, baseando-se


nos resultados experimentais de Geiger e Marsden, seus
alunos, descobriu, em 1911, a estrutura nuclear do átomo.
Geiger e Marsden mostraram que, embora o ângulo médio de
espalhamento das partículas 𝛼 pela folha de ouro fosse consistente com
aquele esperado pelo modelo de Thomson, o número de partículas
espalhadas em ângulos grandes era muito maior que aquele previsto pelo
modelo.

De fato, para espalhamentos com ângulo ≥ 90° , uma partícula era


espalhada para cerca de 8000 incidentes. Entretanto, a fração prevista pelo
modelo de Thomson era de uma partícula espalhada para cerca de 103500
incidentes, um número absolutamente gigantesco!

Em 1911, com base nesses resultados, Rutherford propôs um novo modelo


para o átomo. Nesse modelo, a carga positiva está concentrada num
pequeno volume, de diâmetro de cerca de 10−14 𝑚 = 10−4 Å, ou seja,
aproximadamente dez mil vezes menor que o diâmetro do átomo!

Finalmente, em 1913, Rutherford deduziu uma expressão para a


distribuição angular das partículas espalhadas. A validade dessa expressão
foi plenamente confirmada por experimentos detalhados, realizados, uma
vez mais, por Geiger e Marsden.
No outono de 1911, Niels Bohr foi à
Inglaterra, para uma visita científica.
Inicialmente, encontrou-se com Joseph
John Thomson, no Laboratório Cavendish.
Posteriormente, foi à Universidade de
Manchester, onde trabalhou com Ernest
Rutherford e seus alunos, Hans Geiger e
Ernest Marsden. Embora fosse um físico
teórico, Bohr acompanhou de perto os
trabalhos de Geiger e Marsden, assim
como o desenvolvimento do modelo do
átomo nuclear, proposto por Rutherford.
Cerca de dois anos depois, em 1913, Bohr propôs um modelo
para o átomo de hidrogênio, que incorporava tanto as ideias de
Rutherford, como aquelas originadas no trabalho de Planck para
o corpo negro (a quantização da energia dos osciladores
mecânicos) e no trabalho de Einstein para o efeito fotoelétrico (a
quantização da energia da radiação eletromagnética).
A energia total 𝐸 do elétron no átomo de hidrogênio é dada
pela soma da sua energia cinética 𝐾 com sua energia
potencial 𝑈. Se o elétron possui massa 𝑚 e velocidade 𝑣,
sua energia cinética é 𝐾 = 𝑚𝑣 2 /2. Se −𝑒 é a carga do
elétron (como o átomo de hidrogênio é eletricamente
neutro, seu núcleo deve ter carga 𝑒) e se 𝑟 é a distância
entre o elétron e o núcleo, a energia potencial é dada por
𝑈 = −𝑒 2 /(4𝜋𝜖0 𝑟), onde 𝜖0 é uma constante denominada
permissividade elétrica do vácuo. Como resultado,
1 1 𝑒2
𝐸= 𝑚𝑣 2 − . (1)
2 4𝜋𝜖0 𝑟
A força 𝐹𝑒 de atração entre o elétron e o núcleo é de
natureza eletrostática. Bohr postula que o elétron gira em
torno do núcleo numa órbita circular. Logo, essa força
eletrostática é uma força centrípeta, 𝐹𝑒 = 𝐹𝑐 . A força
eletrostática é dada pela lei de Coulomb, 𝐹𝑒 = 𝑒 2 /(4𝜋𝜖0 𝑟 2 ).
A força centrípeta é dada pela fórmula 𝐹𝑐 = 𝑚𝑣 2 /𝑟. Como
resultado,
1 𝑒2 𝑣2
= 𝑚 𝑟. (2)
4𝜋𝜖0 𝑟 2

Multiplicando ambos os membros de (2) por 𝑟, temos


1 𝑒2
4𝜋𝜖0 𝑟
= 𝑚𝑣 2 . (3)
Substituindo (3) em (1), obtemos
1 2 2 1
𝐸= 𝑚𝑣 − 𝑚𝑣 = − 2 𝑚𝑣 2 . (4)
2

Energias totais negativas são características de sistemas,


cujas partes interagem entre si. Em física, eles são
chamados de “sistemas ligados”, e a energia
correspondente, “energia de ligação”. Um átomo de
hidrogênio “isolado”, quer dizer, aquele cujos elétron e
núcleo interagem apenas entre si, encontra-se em um
estado chamado de “estado fundamental”. A energia do
elétron no átomo de hidrogênio em seu estado
fundamental é −13,6𝑒𝑉.
De acordo com a teoria eletromagnética clássica, uma carga
acelerada irradia energia. Assim, devido à aceleração
centrípeta, o elétron, rapidamente, colapsaria no núcleo.

Bohr postulou que as únicas órbitas permitidas para o elétron


são aquelas em que seu momento angular 𝐿 é um múltiplo
inteiro da chamada constante de Planck normalizada
ℏ = ℎ/(2𝜋) , onde ℎ é a constante de Planck. Em outras
palavras, 𝐿 = 𝑛ℏ, onde 𝑛 é um número inteiro positivo.

O momento angular de uma partícula, com massa 𝑚, que


descreve uma órbita circular de raio 𝑟, com velocidade 𝑣, é
𝐿 = 𝑚𝑣𝑟. Portanto, em uma órbita permitida para o elétron,

𝑚𝑣𝑟 = 𝑛ℏ. (5)


A partir de (3), concluímos que

1 𝑒2
𝑟= . (6)
4𝜋𝜖0 𝑚𝑣 2

Substituindo (6) em (5), obtemos

𝑚𝑣 𝑒 2
= 𝑛ℏ. (7)
4𝜋𝜖0 𝑚𝑣 2

Podemos explicitar 𝑣 a partir de (7),

1 𝑒2
𝑣= . (8)
4𝜋𝜖0 𝑛ℏ

Finalmente, substituindo (8) em (4), obtemos


2 2
1 1 𝑒2 𝑚 𝑒2 1
𝐸𝑛 = − 𝑚 = − . (9)
2 4𝜋𝜖0 𝑛ℏ 2 4𝜋𝜖0 ℏ 𝑛2
Em (9), incluímos o índice 𝑛 à energia 𝐸 (quer dizer,
escrevemos 𝐸𝑛 ), para explicitar que a energia do elétron,
em uma órbita permitida no átomo de hidrogênio, depende
de quantas vezes o momento angular 𝐿 do elétron é maior
que ℏ.

Por exemplo, 𝐿 = 2ℏ e 𝐿 = 3ℏ descrevem momentos


angulares possíveis para o elétron no átomo de Bohr,
entretanto, 𝐿 = 2,5ℏ não é um momento angular possível
para o elétron no átomo de Bohr.
De fato, (9) pode ser interpretada de maneira muito simples.
Definindo a quantidade

2
𝑚 𝑒2
𝐸0 = − 2 4𝜋𝜖 ℏ (10),
0

podemos reescrever (9) na forma

𝐸
𝐸𝑛 = 𝑛02. (11)

Interessantemente, se substituirmos os valores numéricos das


constantes físicas em (10), encontraremos, exatamente, o valor
𝐸0 = −13,6𝑒𝑉, que, como vimos, é a energia do elétron no átomo de
hidrogênio em seu estado fundamental!
A partir de (11), vemos que a energia do elétron no átomo de
hidrogênio em seu estado fundamental pode ser obtida,
simplesmente, pondo 𝑛 = 1, quer dizer, 𝐸1 = 𝐸0 /12 = 𝐸0 . Já
quando 𝑛 = 2, obteremos 𝐸2 = 𝐸0 /22 = 𝐸0 /4. Além disso, para
𝑛 = 3, obteremos 𝐸3 = 𝐸0 /32 = 𝐸0 /9. No limite em que 𝑛 tende
a infinito, 𝐸𝑛 tende a zero, e o elétron é dito um “elétron livre”.

De acordo com (8), à medida em que 𝑛 aumenta, a velocidade 𝑣


do elétron diminui, e, de acordo com (6), à medida em que 𝑣
diminui, o raio 𝑟 da órbita circular permitida do elétron no
átomo de hidrogênio aumenta. No limite em que 𝑛 tende a
infinito, 𝑣 tende a zero, e, no limite em que 𝑣 tende a zero, o raio
𝑟 da órbita tende a infinito. Nesse limite, como vimos, o elétron
está livre.
Finalmente, Bohr postulou que, quando o elétron “salta” de
uma órbita com energia inicial 𝐸𝑖 para outra, de energia
final 𝐸𝑓 , radiação eletromagnética, de frequência angular
𝐸𝑖 −𝐸𝑓
𝜔 = ℏ , pode ser emitida (se 𝐸𝑖 > 𝐸𝑓 ), ou absorvida (se
𝐸𝑖 < 𝐸𝑓 ), ambas na forma de um “fóton”.

Por exemplo, se 𝐸𝑖 = 𝐸2 e 𝐸𝑓 = 𝐸1 , um fóton de frequência


𝐸2 −𝐸1 𝐸0 /4−𝐸0 3 𝐸0
angular 𝜔 = = = é emitido. Agora, se
ℏ ℏ 4ℏ
𝐸𝑖 = 𝐸1 e 𝐸𝑓 = 𝐸2 , um fóton de frequência angular
𝐸1 −𝐸2 𝐸0 −𝐸0 /4 3 𝐸0
𝜔= ℏ
= ℏ
= 4ℏ
é absorvido. Mas esse será o
assunto da próxima aula!

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