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NOVOS DESENVOLVIMENTOS DE
AÇOS DE ULTRA-ALTA RESISTÊNCIA
EXPOENTES DA METALURGIA APRESENTAM SUAS INOVAÇÕES
Fernando Cosme Rizzo Assunção Apesar da intensa competição que vem sofrendo há (limite de escoamento superior a 550 MPa) e novos
rizzo@dcmm.puc-rio.br várias décadas, o aço tem conseguido manter-se co- desenvolvimentos neste setor.
Departamento de Ciência dos mo o material com maior número de aplicações no O professor John Speer, da Colorado School of Mines,
Materiais e Metalurgia PUC RJ mundo atual, em virtude de sua grande versatili- apresenta o cenário atual dos aços avançados de
dade. Adicionalmente, o extraordinário leque de alta resistência para a indústria automotiva e descre-
propriedades exibido pelos diversos tipos de aços é ve uma nova rota de processamento, Q&P, que vem
conseguido por meio de simples variações de com- sendo desenvolvida para a produção de aços com
posição ou por meio do processamento, térmico ou uma adequada combinação de resistência e tena-
mecânico. cidade. Já o professor H. K. Bhadeshia, da Univer-
Para um grande número de aplicações, a resistência sidade de Cambridge, descreve as microestruturas
do material é o fator decisivo, e esta condição vem tradicionalmente utilizadas para produzir aços com
sendo responsável pela sucessiva introdução de no- alta resistência e as limitações dimensionais decor-
vos tipos de aço no mercado. rentes dos processos utilizados. Em seguida, apresen-
Essa tendência acentuou-se a partir da década de ta seu novo desenvolvimento: um aço bainítico com
1970, com a introdução dos aços de alta resistência propriedades mecânicas excelentes, que pode ser
baixa-liga (ARBL ou HSLA) e vem sendo mantida produzido a baixas temperaturas em peças de gran-
por conta, principalmente, da demanda da indústria des dimensões. São duas contribuições relevantes
automotiva por materiais mais sofisticados, que que, além do caráter inovador, fornecem uma oportu-
apresentem uma exigente variedade de proprie- na reflexão sobre o estado da arte no assunto, ofereci-
dades mecânicas. das por pesquisadores que atuam na fronteira do
Nesta edição do Caderno Técnico, procuramos conhecimento. Estou certo de que se tornarão uma
abordar o tema de Aços de Ultra-Alta-Resistência contribuição relevante para o acervo de nossa revista.
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ABSTRACT Advanced high strength sheet steels are da transformação de austenita em ferrita, seguindo-se
being developed and implemented around the world. o bobinamento a uma temperatura baixa para transformar
This class of steels typically contains product like a austenita remanescente em martensita. Nas chapas
dual-phase steels, TRIP steels, and a variant called laminadas a frio, a microestrutura Dual-Phase é produzida
complex-phase steels, but may also include some por um recozimento intercrítico (com ferrita e austenita
martensitic sheet steel products and new variants presentes na temperatura de recozimento), seguido de
J. G. Speer such as “TWIP” or “LIP” steels. A novel processing um resfriamento suficientemente rápido para transformar
jspeer@mines.edu route, Q&P, and some of its distinguishing features a austenita em martensita.
Colorado School of Mines are also described. Os aços TRIP, com plasticidade induzida por trans-
formação, contêm austenita, que é metaestável à
temperatura ambiente na chapa de aço, mas que se
O desenvolvimento de diversas categorias de aços para transforma em martensita durante a deformação, seja
chapas tem sido estimulado pelo esforço dos fabricantes durante a conformação ou durante uma colisão do veí-
de automóveis para diminuir o peso, aumentar a econo- culo. A austenita retida usualmente resulta de uma
mia de combustível, melhorar a segurança dos passagei- transformação bainítica sem formação de carbonetos.
ros e reduzir o custo. Uma Conferência Internacional so- Aços do tipo Complex Phase (CP) são bastante simila-
bre Aços Avançados de Alta Resistência para Chapas foi res, mas contêm muitos constituintes na microestrutura,
realizada em Winter Park, Colorado, EUA, em junho de em razão, por exemplo, de a transformação ocorrer em
2004, onde especialistas de todo o mundo apresentaram uma larga faixa de temperaturas durante o resfriamento.
contribuições relativas às perspectivas sobre a metalur- Os aços TWIP (twinning induced plasticity), que apresen-
gia, produção e aplicações destes aços[1]. Essa conferência tam plasticidade induzida por maclação, são mais forte-
deu seqüência a uma outra similar, realizada em Gent, mente ligados (com manganês, por exemplo, um estabili-
Bélgica, em 2002, sobre aços do tipo TRIP[2], produtos zador da austenita) e essencialmente austeníticos.
de grande interesse atual para pesquisadores e fabricantes. Ao contrário dos aços TRIP, a austenita não sofre nenhuma
Algumas das microestruturas de interesse estão dispo- transformação para martensita com a deformação, mas
níveis há muitos anos, mas apenas agora estão sendo exibe um pronunciado encruamento e conformabilidade,
utilizadas em volumes maiores. Outros conceitos são em razão da deformação da austenita por maclação. Os
menos maduros e o termo “Aços Avançados de Alta Re- aços LIP utilizam um conceito similar, com o “L” identifi-
sistência para Chapas” tem evoluído para incluir uma cando a característica de baixo peso (lightweight) propor-
variedade de aços com resistência superior ou combina- cionada pelo uso significativo de elementos de liga leves,
ções de resistência/formabilidade maiores do que aquelas como o alumínio.
obtidas tradicionalmente pelo endurecimento por solução Aços DP estão sendo utilizados, amplamente, em todo
ou pelos aços de alta resistência baixa-liga (HSLA), que o mundo. A liderança na utilização comercial de aços
têm sido utilizados com sucesso por muitos anos. TRIP e CP situa-se atualmente na Europa e na Ásia, com
Os aços Dual-Phase possuem microestruturas ferríticas a filosofia de seleção destas categorias ainda se
que contêm uma certa fração de martensita. Em chapas desenvolvendo nos EUA. Aços TWIP e LIP estão em um
laminadas a quente, eles são produzidos pelo controle estágio inicial de evolução.
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Mais recentemente, um outro conceito vem sendo de- resfriamento a uma temperatura cuidadosamente se-
senvolvido para produzir chapas com muito alta resis- lecionada (entre MS e MF) para controlar as frações de
tência e boa formabilidade. Esse conceito emprega aus- martensita e austenita retida, e finalmente um tratamen-
tenita retida para prover plasticidade por transforma- to térmico que produz a partição de carbono para enri-
ção durante a deformação, mas envolve um novo pro- quecer a austenita, o que provoca sua estabilização par-
cesso para produzir o componente de austenita retida cial ou total à temperatura ambiente.
da microestrutura. Nesse processo, a austenita é formada A seqüência desse processo e as mudanças microes-
a altas temperaturas (ou por austenitização completa truturais correspondentes estão ilustradas esquema-
ou por um tratamento intercrítico), seguindo-se um ticamente na figura 1[3].
Figura 1
representam as concentrações de
e na martensita, respectivamente.
QT e PT são as temperaturas de
têmpera e de partição[3].
O processo requer que a supersaturação de carbono da que o grau de partição de carbono entre austenita e
martensita seja removida por difusão para a austenita martensita possa ser predito sob condições de “equilíbrio”
retida, e é denominado de “têmpera e partição” (quen- ou baseado em históricos térmicos conhecidos. Uma
ching and partitioning, ou Q&P), para distingui-lo do metodologia para o design do processo foi criada para
convencional tratamento de “têmpera e revenido” (quen- guiar a seleção de temperaturas de têmpera, e, atual-
ching and tempering, ou Q&T) da martensita, no qual mente, estão sendo desenvolvidos modelos de difusão
a precipitação de carbonetos e a decomposição da aus- para aperfeiçoar ainda mais esta metodologia. Microes-
tenita retida (em ferrita mais cementita) são típicas. A truturas estão sendo cuidadosamente examinadas e ou-
adição de elementos de liga, como Si ou Al, promove tras aplicações para o processo estão sendo exploradas,
a supressão da formação de cementita. A retenção de além daquelas para chapas de aço. Futuramente serão
austenita por meio da partição do carbono da martensita publicados detalhes desses estudos.
não é um conceito novo, mas o design e o controle da Na área de chapas de aço, o conceito industrial é usar
microestrutura desta forma representam uma novidade. a martensita para aumentar o nível de resistência, com
a presença de austenita retida enriquecida em carbono,
Os fundamentos metalúrgicos relacionados com o pro- para promover o efeito TRIP. A microestrutura resultante
cesso Q&P estão sendo estudados, de modo a permitir deveria possuir resistência superior àquela observada
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na figura 2, para uma composição contendo C-Mn-Si. para chapa com 8,4% de austenita,
retida, apesar do modesto nível de carbono no aço intercrítico (75% γ + 25%α ) seguido
Alguns resultados que indicam propriedades mecâni- 400°C por 10s. Ataque 2% nital.
REFERÊNCIAS
1. International Conference on Advanced High-Strength Figura 3
Sheet Steels for Automotive Applications Proceedings, Alongamento Total vs. Limite
J.G. Speer, ed., AIST, Warrendale, PA, 2004, 437 pp. de Resistência de aços para
Harry K. D. H. Bhadeshia ABSTRACT Steel with an ultimate tensile strength of próxima a 0,25. Para acomodar a deformação causada
Professor of Physical Metallurgy 2500 MPa, a hardness at 600-670 HV and toughness pela transformação, a martensita cresce na forma de fi-
Department of Materials in excess of 30-40 MPa m1/2 is the result of exciting nas placas, que minimizam a energia de deformação.
Science and Metallurgy new developments with bainite. The simple process Como a distância livre média de escorregamento em
University of Cambridge UK route avoids rapid cooling so that residual stresses uma placa é cerca de duas vezes a espessura da placa,
hkdb@cus.cam.ac.uk are avoided even in large pieces. o tamanho de grão efetivo associado com uma micro-
estrutura martensítica é menor que 0,5 µm.
Resistência é um termo que tem sido usado e abusado Todo o esforço da indústria siderúrgica para produzir
em ciência dos materiais. É comum afirmar que um novo um tamanho de grão ferrítico nesta faixa não se compara
material é tão resistente quanto o aço, sem especificar à facilidade com que a martensita alcança esta estrutura.
a natureza do aço em relação ao qual a comparação é Certamente existem outros mecanismos de endure-
feita. Algumas afirmações decorrem do desconhecimento cimento associados com a martensita, mas o refinamen-
de que é possível produzir comercialmente ferro policris- to do tamanho de grão é único, no sentido de que tam-
talino com uma resistência tão baixa quanto 50 MPa ou bém resulta num aumento da tenacidade.
tão alta quanto 5,5 GPa. Num contexto acadêmico foram A martensita é produzida em aços comerciais por um
produzidos monocristais de ferro que se comportam resfriamento relativamente rápido. Isso limita o tamanho
elasticamente até uma tensão de 14 GPa, levando-os a das peças que podem ser temperadas para produzir
uma faixa de deformação recuperável em que a lei de uma microestrutura uniforme de martensita, um fato
Hooke não se aplica. implícito no conceito de temperabilidade. O aumento
Aços com resistência na faixa de giga-pascal têm sua re- da temperabilidade requer a adição de elementos de li-
sistência baseada em microestruturas martensíticas ou ga caros. Por outro lado, o resfriamento rápido também
em perlita contendo lamelas de cementita finamente es- significa que tensões residuais indesejáveis são fre-
paçadas. Essas microestruturas podem ainda ser deforma- qüentemente induzidas em partes críticas e têm de ser
das para aumentar a resistência. Este artigo descreve consideradas na avaliação da vida dos componentes.
uma microestrutura que não é nem martensita nem per- Uma colônia de perlita se forma pelo crescimento si-
lita, não contém carbonetos, é extremamente resistente multâneo de ferrita e cementita em forma lamelar numa
no estado não-deformado, além de ter baixo custo, não frente comum com a austenita. Há um custo energético
requerer processamento termomecânico e poder ser associado com as interfaces cementita/ferrita existentes
produzida em grandes amostras. Antes de revelar seus na perlita: microestruturas mais finas são, portanto, ob-
mistérios, é oportuno colocar em contexto os aços mar- tidas promovendo-se a transformação em condições de
tensíticos e perlíticos de alta resistência. maior sub-resfriamento. Por si só, isso não é suficiente
O crescimento da martensita ocorre sem difusão, logo para produzir aços resistentes, de modo que fios perlíti-
a mudança na rede durante a transformação da austeni- cos são deformados por trefilação até alcançar resistên-
ta é obtida pela deformação da fase matriz. Os desloca- cia na faixa de 2-2,5 GPa. Tanto o sub-resfriamento quan-
mentos atômicos associados com a transformação são to a deformação limitam a seção reta do fio produzido.
consideráveis, com uma componente de cizalhamento O produto Scifer da Kobe Steel, com uma resistência de
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5,5 GPa só pode ser produzido em fios cujos diâmetros Uma recente descoberta pode mudar radicalmente este
são medidos em micrômetros. cenário. Atualmente é possível produzir uma bainita
Seria bastante interessante produzir um aço de alta re- muito resistente e que pode ser facilmente processada
sistência que pudesse ser usado na fabricação de peças em peças de grandes dimensões.
grandes, sem requerer processamento mecânico ou Suponha que se tente calcular a temperatura mais bai-
resfriamento rápido para alcançar as propriedades de- xa em que se pode induzir o crescimento de bainita.
sejadas. Perlita e martensita não se enquadram geral- Existe hoje uma sólida teoria disponível para tratar es-
mente nesta categoria e a bainita comum não é sufi- te tipo de proposição. A figura 1a ilustra este cálculo
cientemente resistente, por conta do revenido que ocor- para um aço, mostrando como as temperaturas de iní-
re simultaneamente com a transformação. cio de formação da bainita (Bs) e início de formação da
martensita (Ms) variam em função da concentração de
BAINITA EXTRAORDINÁRIA carbono.
Em princípio, não há um limite inferior para a tempera-
Uma das características indesejáveis da bainita é a ce- tura na qual a bainita pode ser formada. Por outro lado,
mentita, que no contexto dos aços de alta resistência a velocidade de formação da bainita reduz-se dras-
ajudam a nuclear trincas e vazios. É de conhecimento ticamente à medida que a temperatura de transforma-
geral, há muitos anos, que a cementita pode ser elimina- ção diminui, como ilustrado na figura 1b. À temperatu-
da da microestrutura pela adição de cerca de 1,5% de ra ambiente, podem ser necessários centenas ou milha-
silício. A microestrutura resultante consiste então numa res de anos para produzir bainita. Em condições de inte-
mistura de apenas duas fases: ferrita bainítica e austeni- resse prático, um tempo de transformação de cerca de
ta retida enriquecida em carbono. A ausência de cemen- dez dias pode ser razoável. Mas por que se preocupar
tita, aliada a outros fatores aumenta a tenacidade. Desse em produzir bainita a uma temperatura baixa?
modo, tem sido possível alcançar uma tenacidade acima É bem sabido que a escala da microestrutura, isto é, a es-
de 130 MPam1/2 e um limite resistência de 1.600 MPa. pessura das placas de bainita, decresce à medida que a
Essa combinação de propriedades é comparável à de temperatura de transformação diminui. Isso ocorre por-
aços Maraging menos resistentes, a um preço cerca de que o limite de escoamento da austenita torna-se maior
noventa vezes menor (aços Maraging são ricos em níquel a temperaturas mais baixas, afetando, portanto, a acomo-
e molibdênio). Embora esses resultados sejam expres- dação plástica da deformação que acompanha o cresci-
sivos, uma resistência de 1.600 MPa ainda não é suficiente mento da bainita, e presumivelmente porque a taxa de
para o presente contexto. nucleação é mais rápida com maior sub-resfriamento.
Figura 1
concentração de carbono.
por microscopias ótica e eletrônica de transmissão, é Supondo que haja realmente necessidade para um tra-
(b) Micrografia mostrada na figura 2; além da significância metalúrgica, tamento térmico mais rápido, a transformação pode ser
Eletrônica de por confirmar os cálculos teóricos, ela possui uma estética acelerada para completar o processamento em horas
Transmissão agradável, que é mantida em todos os níveis de resolução. (em vez de dias), pela adição controlada de pequenas
A microestrutura foi caracterizada, tanto química quanto quantidades de solutos ao aço, de modo a aumentar a
espacialmente, ao nível de resolução atômica, como ilus- variação de energia livre da transformação austenita/ferrita.
tra a figura 3. Ela mostra um elemento de volume tridi- Existem essencialmente duas opções: alumínio e cobalto,
mensional indicando as posições de átomos de carbono. em concentrações menores que 2% podem acelerar a
Cada ponto representa um átomo de carbono. As regiões transformação na forma descrita. Ambos são efetivos,
ricas e pobres em carbono correspondem a austenita e agindo isoladamente ou em conjunto.
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