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102 CADERNO TÉCNICO

NOVOS DESENVOLVIMENTOS DE
AÇOS DE ULTRA-ALTA RESISTÊNCIA
EXPOENTES DA METALURGIA APRESENTAM SUAS INOVAÇÕES

Fernando Cosme Rizzo Assunção Apesar da intensa competição que vem sofrendo há (limite de escoamento superior a 550 MPa) e novos
rizzo@dcmm.puc-rio.br várias décadas, o aço tem conseguido manter-se co- desenvolvimentos neste setor.
Departamento de Ciência dos mo o material com maior número de aplicações no O professor John Speer, da Colorado School of Mines,
Materiais e Metalurgia PUC RJ mundo atual, em virtude de sua grande versatili- apresenta o cenário atual dos aços avançados de
dade. Adicionalmente, o extraordinário leque de alta resistência para a indústria automotiva e descre-
propriedades exibido pelos diversos tipos de aços é ve uma nova rota de processamento, Q&P, que vem
conseguido por meio de simples variações de com- sendo desenvolvida para a produção de aços com
posição ou por meio do processamento, térmico ou uma adequada combinação de resistência e tena-
mecânico. cidade. Já o professor H. K. Bhadeshia, da Univer-
Para um grande número de aplicações, a resistência sidade de Cambridge, descreve as microestruturas
do material é o fator decisivo, e esta condição vem tradicionalmente utilizadas para produzir aços com
sendo responsável pela sucessiva introdução de no- alta resistência e as limitações dimensionais decor-
vos tipos de aço no mercado. rentes dos processos utilizados. Em seguida, apresen-
Essa tendência acentuou-se a partir da década de ta seu novo desenvolvimento: um aço bainítico com
1970, com a introdução dos aços de alta resistência propriedades mecânicas excelentes, que pode ser
baixa-liga (ARBL ou HSLA) e vem sendo mantida produzido a baixas temperaturas em peças de gran-
por conta, principalmente, da demanda da indústria des dimensões. São duas contribuições relevantes
automotiva por materiais mais sofisticados, que que, além do caráter inovador, fornecem uma oportu-
apresentem uma exigente variedade de proprie- na reflexão sobre o estado da arte no assunto, ofereci-
dades mecânicas. das por pesquisadores que atuam na fronteira do
Nesta edição do Caderno Técnico, procuramos conhecimento. Estou certo de que se tornarão uma
abordar o tema de Aços de Ultra-Alta-Resistência contribuição relevante para o acervo de nossa revista.
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AÇOS AVANÇADOS DE ALTA RESISTÊNCIA


PARA APLICAÇÕES AUTOMOTIVAS
O PROCESSO “TÊMPERA E PARTIÇÃO” PROMETE ALTA RESISTÊNCIA E ALONGAMENTO

ABSTRACT Advanced high strength sheet steels are da transformação de austenita em ferrita, seguindo-se
being developed and implemented around the world. o bobinamento a uma temperatura baixa para transformar
This class of steels typically contains product like a austenita remanescente em martensita. Nas chapas
dual-phase steels, TRIP steels, and a variant called laminadas a frio, a microestrutura Dual-Phase é produzida
complex-phase steels, but may also include some por um recozimento intercrítico (com ferrita e austenita
martensitic sheet steel products and new variants presentes na temperatura de recozimento), seguido de
J. G. Speer such as “TWIP” or “LIP” steels. A novel processing um resfriamento suficientemente rápido para transformar
jspeer@mines.edu route, Q&P, and some of its distinguishing features a austenita em martensita.
Colorado School of Mines are also described. Os aços TRIP, com plasticidade induzida por trans-
formação, contêm austenita, que é metaestável à
temperatura ambiente na chapa de aço, mas que se
O desenvolvimento de diversas categorias de aços para transforma em martensita durante a deformação, seja
chapas tem sido estimulado pelo esforço dos fabricantes durante a conformação ou durante uma colisão do veí-
de automóveis para diminuir o peso, aumentar a econo- culo. A austenita retida usualmente resulta de uma
mia de combustível, melhorar a segurança dos passagei- transformação bainítica sem formação de carbonetos.
ros e reduzir o custo. Uma Conferência Internacional so- Aços do tipo Complex Phase (CP) são bastante simila-
bre Aços Avançados de Alta Resistência para Chapas foi res, mas contêm muitos constituintes na microestrutura,
realizada em Winter Park, Colorado, EUA, em junho de em razão, por exemplo, de a transformação ocorrer em
2004, onde especialistas de todo o mundo apresentaram uma larga faixa de temperaturas durante o resfriamento.
contribuições relativas às perspectivas sobre a metalur- Os aços TWIP (twinning induced plasticity), que apresen-
gia, produção e aplicações destes aços[1]. Essa conferência tam plasticidade induzida por maclação, são mais forte-
deu seqüência a uma outra similar, realizada em Gent, mente ligados (com manganês, por exemplo, um estabili-
Bélgica, em 2002, sobre aços do tipo TRIP[2], produtos zador da austenita) e essencialmente austeníticos.
de grande interesse atual para pesquisadores e fabricantes. Ao contrário dos aços TRIP, a austenita não sofre nenhuma
Algumas das microestruturas de interesse estão dispo- transformação para martensita com a deformação, mas
níveis há muitos anos, mas apenas agora estão sendo exibe um pronunciado encruamento e conformabilidade,
utilizadas em volumes maiores. Outros conceitos são em razão da deformação da austenita por maclação. Os
menos maduros e o termo “Aços Avançados de Alta Re- aços LIP utilizam um conceito similar, com o “L” identifi-
sistência para Chapas” tem evoluído para incluir uma cando a característica de baixo peso (lightweight) propor-
variedade de aços com resistência superior ou combina- cionada pelo uso significativo de elementos de liga leves,
ções de resistência/formabilidade maiores do que aquelas como o alumínio.
obtidas tradicionalmente pelo endurecimento por solução Aços DP estão sendo utilizados, amplamente, em todo
ou pelos aços de alta resistência baixa-liga (HSLA), que o mundo. A liderança na utilização comercial de aços
têm sido utilizados com sucesso por muitos anos. TRIP e CP situa-se atualmente na Europa e na Ásia, com
Os aços Dual-Phase possuem microestruturas ferríticas a filosofia de seleção destas categorias ainda se
que contêm uma certa fração de martensita. Em chapas desenvolvendo nos EUA. Aços TWIP e LIP estão em um
laminadas a quente, eles são produzidos pelo controle estágio inicial de evolução.
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Mais recentemente, um outro conceito vem sendo de- resfriamento a uma temperatura cuidadosamente se-
senvolvido para produzir chapas com muito alta resis- lecionada (entre MS e MF) para controlar as frações de
tência e boa formabilidade. Esse conceito emprega aus- martensita e austenita retida, e finalmente um tratamen-
tenita retida para prover plasticidade por transforma- to térmico que produz a partição de carbono para enri-
ção durante a deformação, mas envolve um novo pro- quecer a austenita, o que provoca sua estabilização par-
cesso para produzir o componente de austenita retida cial ou total à temperatura ambiente.
da microestrutura. Nesse processo, a austenita é formada A seqüência desse processo e as mudanças microes-
a altas temperaturas (ou por austenitização completa truturais correspondentes estão ilustradas esquema-
ou por um tratamento intercrítico), seguindo-se um ticamente na figura 1[3].

Figura 1

Ilustração esquemática do processo

Q&P para produzir microestruturas

contendo austenita. Ci, Cy, Cm

representam as concentrações de

carbono na liga inicial, na austenita

e na martensita, respectivamente.

QT e PT são as temperaturas de

têmpera e de partição[3].

O processo requer que a supersaturação de carbono da que o grau de partição de carbono entre austenita e
martensita seja removida por difusão para a austenita martensita possa ser predito sob condições de “equilíbrio”
retida, e é denominado de “têmpera e partição” (quen- ou baseado em históricos térmicos conhecidos. Uma
ching and partitioning, ou Q&P), para distingui-lo do metodologia para o design do processo foi criada para
convencional tratamento de “têmpera e revenido” (quen- guiar a seleção de temperaturas de têmpera, e, atual-
ching and tempering, ou Q&T) da martensita, no qual mente, estão sendo desenvolvidos modelos de difusão
a precipitação de carbonetos e a decomposição da aus- para aperfeiçoar ainda mais esta metodologia. Microes-
tenita retida (em ferrita mais cementita) são típicas. A truturas estão sendo cuidadosamente examinadas e ou-
adição de elementos de liga, como Si ou Al, promove tras aplicações para o processo estão sendo exploradas,
a supressão da formação de cementita. A retenção de além daquelas para chapas de aço. Futuramente serão
austenita por meio da partição do carbono da martensita publicados detalhes desses estudos.
não é um conceito novo, mas o design e o controle da Na área de chapas de aço, o conceito industrial é usar
microestrutura desta forma representam uma novidade. a martensita para aumentar o nível de resistência, com
a presença de austenita retida enriquecida em carbono,
Os fundamentos metalúrgicos relacionados com o pro- para promover o efeito TRIP. A microestrutura resultante
cesso Q&P estão sendo estudados, de modo a permitir deveria possuir resistência superior àquela observada
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em chapas de aços bainíticos TRIP convencionais, o que


estenderia a faixa de propriedades da família de aços
TRIP para maiores níveis de resistência.
Um exemplo da mistura de martensita fina com austeni-
ta retida (com alguma ferrita intercrítica para controlar Figura 2

a resistência) resultante do processo Q&P é mostrado Microestrutura de um aço TRIP ao Si

na figura 2, para uma composição contendo C-Mn-Si. para chapa com 8,4% de austenita,

Essa microestrutura contém mais de 8% de austenita processado por recozimento

retida, apesar do modesto nível de carbono no aço intercrítico (75% γ + 25%α ) seguido

(menor que 0,2%). por têmpera a 200°C e partição a

Alguns resultados que indicam propriedades mecâni- 400°C por 10s. Ataque 2% nital.

cas interessantes já foram obtidos após o processamen-


to deste aço pela rota Q&P. A figura 3 mostra combina-
ções de alongamento total (formabilidade) e resistên-
cia para uma série de aços experimentais, com dados
adicionais para outras famílias de produtos obtidas na
literatura. Observa-se que o envelope de propriedades
associado ao processo Q&P apresenta uma melhor for-
mabilidade, quando comparado com os aços marten-
síticos convencionais, assim como oferece uma faixa de
resistência superior àquela disponível entre os aços TRIP.
Pesquisa relacionada com aspectos fundamentais e
aplicados deste conceito continua em andamento.

REFERÊNCIAS
1. International Conference on Advanced High-Strength Figura 3

Sheet Steels for Automotive Applications Proceedings, Alongamento Total vs. Limite

J.G. Speer, ed., AIST, Warrendale, PA, 2004, 437 pp. de Resistência de aços para

chapa TRIP, Dual-Phase (DP),

2. Proceedings of the International Conference on martensíticos (M), e Q&P[3].

TRIP-Aided High Strength Ferrous Alloys, ed. B.C. De


Cooman, (Aachen, Germany: Wissenschaftsverlag
Mainz GmbH, 2002).

3. John G. Speer, Fernando C. Rizzo, David K. Matlock,


and David V. Edmonds, “The Quenching and Partitio-
ning Process: Background and Recent Progress”, Pro-
ceedings of the 59th Annual ABM Congress, July 19-
22, 2004, São Paulo Brazil, ABM, 2004, pp.4824-4836.
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AÇOS MUITO RESISTENTES EM
PEÇAS DE GRANDES DIMENSÕES
ATUALMENTE É POSSÍVEL PRODUZIR UMA BAINITA MUITO RESISTENTE E QUE PODE SER
FACILMENTE PROCESSADA EM PEÇAS DE GRANDES DIMENSÕES

Harry K. D. H. Bhadeshia ABSTRACT Steel with an ultimate tensile strength of próxima a 0,25. Para acomodar a deformação causada
Professor of Physical Metallurgy 2500 MPa, a hardness at 600-670 HV and toughness pela transformação, a martensita cresce na forma de fi-
Department of Materials in excess of 30-40 MPa m1/2 is the result of exciting nas placas, que minimizam a energia de deformação.
Science and Metallurgy new developments with bainite. The simple process Como a distância livre média de escorregamento em
University of Cambridge UK route avoids rapid cooling so that residual stresses uma placa é cerca de duas vezes a espessura da placa,
hkdb@cus.cam.ac.uk are avoided even in large pieces. o tamanho de grão efetivo associado com uma micro-
estrutura martensítica é menor que 0,5 µm.
Resistência é um termo que tem sido usado e abusado Todo o esforço da indústria siderúrgica para produzir
em ciência dos materiais. É comum afirmar que um novo um tamanho de grão ferrítico nesta faixa não se compara
material é tão resistente quanto o aço, sem especificar à facilidade com que a martensita alcança esta estrutura.
a natureza do aço em relação ao qual a comparação é Certamente existem outros mecanismos de endure-
feita. Algumas afirmações decorrem do desconhecimento cimento associados com a martensita, mas o refinamen-
de que é possível produzir comercialmente ferro policris- to do tamanho de grão é único, no sentido de que tam-
talino com uma resistência tão baixa quanto 50 MPa ou bém resulta num aumento da tenacidade.
tão alta quanto 5,5 GPa. Num contexto acadêmico foram A martensita é produzida em aços comerciais por um
produzidos monocristais de ferro que se comportam resfriamento relativamente rápido. Isso limita o tamanho
elasticamente até uma tensão de 14 GPa, levando-os a das peças que podem ser temperadas para produzir
uma faixa de deformação recuperável em que a lei de uma microestrutura uniforme de martensita, um fato
Hooke não se aplica. implícito no conceito de temperabilidade. O aumento
Aços com resistência na faixa de giga-pascal têm sua re- da temperabilidade requer a adição de elementos de li-
sistência baseada em microestruturas martensíticas ou ga caros. Por outro lado, o resfriamento rápido também
em perlita contendo lamelas de cementita finamente es- significa que tensões residuais indesejáveis são fre-
paçadas. Essas microestruturas podem ainda ser deforma- qüentemente induzidas em partes críticas e têm de ser
das para aumentar a resistência. Este artigo descreve consideradas na avaliação da vida dos componentes.
uma microestrutura que não é nem martensita nem per- Uma colônia de perlita se forma pelo crescimento si-
lita, não contém carbonetos, é extremamente resistente multâneo de ferrita e cementita em forma lamelar numa
no estado não-deformado, além de ter baixo custo, não frente comum com a austenita. Há um custo energético
requerer processamento termomecânico e poder ser associado com as interfaces cementita/ferrita existentes
produzida em grandes amostras. Antes de revelar seus na perlita: microestruturas mais finas são, portanto, ob-
mistérios, é oportuno colocar em contexto os aços mar- tidas promovendo-se a transformação em condições de
tensíticos e perlíticos de alta resistência. maior sub-resfriamento. Por si só, isso não é suficiente
O crescimento da martensita ocorre sem difusão, logo para produzir aços resistentes, de modo que fios perlíti-
a mudança na rede durante a transformação da austeni- cos são deformados por trefilação até alcançar resistên-
ta é obtida pela deformação da fase matriz. Os desloca- cia na faixa de 2-2,5 GPa. Tanto o sub-resfriamento quan-
mentos atômicos associados com a transformação são to a deformação limitam a seção reta do fio produzido.
consideráveis, com uma componente de cizalhamento O produto Scifer da Kobe Steel, com uma resistência de
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5,5 GPa só pode ser produzido em fios cujos diâmetros Uma recente descoberta pode mudar radicalmente este
são medidos em micrômetros. cenário. Atualmente é possível produzir uma bainita
Seria bastante interessante produzir um aço de alta re- muito resistente e que pode ser facilmente processada
sistência que pudesse ser usado na fabricação de peças em peças de grandes dimensões.
grandes, sem requerer processamento mecânico ou Suponha que se tente calcular a temperatura mais bai-
resfriamento rápido para alcançar as propriedades de- xa em que se pode induzir o crescimento de bainita.
sejadas. Perlita e martensita não se enquadram geral- Existe hoje uma sólida teoria disponível para tratar es-
mente nesta categoria e a bainita comum não é sufi- te tipo de proposição. A figura 1a ilustra este cálculo
cientemente resistente, por conta do revenido que ocor- para um aço, mostrando como as temperaturas de iní-
re simultaneamente com a transformação. cio de formação da bainita (Bs) e início de formação da
martensita (Ms) variam em função da concentração de
BAINITA EXTRAORDINÁRIA carbono.
Em princípio, não há um limite inferior para a tempera-
Uma das características indesejáveis da bainita é a ce- tura na qual a bainita pode ser formada. Por outro lado,
mentita, que no contexto dos aços de alta resistência a velocidade de formação da bainita reduz-se dras-
ajudam a nuclear trincas e vazios. É de conhecimento ticamente à medida que a temperatura de transforma-
geral, há muitos anos, que a cementita pode ser elimina- ção diminui, como ilustrado na figura 1b. À temperatu-
da da microestrutura pela adição de cerca de 1,5% de ra ambiente, podem ser necessários centenas ou milha-
silício. A microestrutura resultante consiste então numa res de anos para produzir bainita. Em condições de inte-
mistura de apenas duas fases: ferrita bainítica e austeni- resse prático, um tempo de transformação de cerca de
ta retida enriquecida em carbono. A ausência de cemen- dez dias pode ser razoável. Mas por que se preocupar
tita, aliada a outros fatores aumenta a tenacidade. Desse em produzir bainita a uma temperatura baixa?
modo, tem sido possível alcançar uma tenacidade acima É bem sabido que a escala da microestrutura, isto é, a es-
de 130 MPam1/2 e um limite resistência de 1.600 MPa. pessura das placas de bainita, decresce à medida que a
Essa combinação de propriedades é comparável à de temperatura de transformação diminui. Isso ocorre por-
aços Maraging menos resistentes, a um preço cerca de que o limite de escoamento da austenita torna-se maior
noventa vezes menor (aços Maraging são ricos em níquel a temperaturas mais baixas, afetando, portanto, a acomo-
e molibdênio). Embora esses resultados sejam expres- dação plástica da deformação que acompanha o cresci-
sivos, uma resistência de 1.600 MPa ainda não é suficiente mento da bainita, e presumivelmente porque a taxa de
para o presente contexto. nucleação é mais rápida com maior sub-resfriamento.

Figura 1

(a) Temperaturas de início de

transformação (calculadas) para um

aço Fe-2Si-3Mn em função da

concentração de carbono.

(b) Tempo necessário (calculado) para

início da formação de bainita.


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A resistência da microestrutura aumenta com o inverso ferrita bainítica, respectivamente. Essa última fase possui
da espessura da placa, provendo uma ótima forma de uma concentração de carbono relativamente baixa, em-
se conseguir resistência sem comprometer tenacidade. bora bem maior que a solubilidade de equilíbrio da ferrita.
Figura 2 Experimentos consistentes com os cálculos apresenta- Voltando aos aspectos práticos, o que tem gerado grande
Fe-0,98C-1,46Si-1,89Mn-0,26Mo- dos na figura 1 demonstraram que em um aço Fe-1,5Si- interesse na indústria são as propriedades. Limites de
1,26Cr-0,09V %, transformado a 2Mn-1C%, a bainita pode ser produzida em uma tem- resistência de 2.500 MPa em tração têm sido obtidos
200°C por 5 dias. peratura tão baixa quanto 125º C, que é tão baixa que a rotineiramente, com tenacidade acima de 30—40 MPa
(a) Micrografia Ótica distância de difusão de um átomo de ferro durante o tem- m1/2, em aços preparados por fusão ao ar, contendo,
po do experimento corresponde a inconcebíveis 10-17 m. portanto, inclusões e poros. Todos usando um simples
O que é ainda mais admirável é que as placas de bainita tratamento térmico, no qual uma grande peça de aço é
possuem apenas 20—40 nm de espessura. Essas finas removida do forno de austenitização (~ 950ºC), trans-
placas de bainita ficam dispersas em uma austenita esta- ferida para um forno na temperatura de tratamento (por
bilizada pelo enriquecimento em carbono, a qual, com exemplo, 200 ºC) e mantido nele por cerca de dez dias
sua estrutura cúbica de face centrada, amortece a propa- para gerar a microestrutura. Não há resfriamento rápido,
gação de trincas. A microestrutura resultante, observada de modo que as tensões residuais são evitadas e grandes
peças podem ser produzidas.
O tamanho da amostra pode ser grande porque o tempo
para atingir 200 ºC a partir da temperatura de austeni-
tização é muito menor do que aquele requerido para
iniciar a formação de bainita. Esta é uma vantagem
comercial significativa.
A reação inicial da indústria foi de que os tempos de
transformação são muito longos. O que esta reação de-
monstra é que não foi dada a devida atenção ao fato de
ser muito barato tratar termicamente peças em tempe-
raturas normalmente usadas para assar pizzas, quando
comparadas com os tratamentos térmicos comerciais
comuns. Caso necessário, seria possível implantar-se
Figura 3 uma linha de operação com fornos apropriados, de
Elemento de volume tridimensional mostrando as modo que a produção não seja limitada pelo tempo da
posições dos átomos de carbono transformação.

por microscopias ótica e eletrônica de transmissão, é Supondo que haja realmente necessidade para um tra-
(b) Micrografia mostrada na figura 2; além da significância metalúrgica, tamento térmico mais rápido, a transformação pode ser
Eletrônica de por confirmar os cálculos teóricos, ela possui uma estética acelerada para completar o processamento em horas
Transmissão agradável, que é mantida em todos os níveis de resolução. (em vez de dias), pela adição controlada de pequenas
A microestrutura foi caracterizada, tanto química quanto quantidades de solutos ao aço, de modo a aumentar a
espacialmente, ao nível de resolução atômica, como ilus- variação de energia livre da transformação austenita/ferrita.
tra a figura 3. Ela mostra um elemento de volume tridi- Existem essencialmente duas opções: alumínio e cobalto,
mensional indicando as posições de átomos de carbono. em concentrações menores que 2% podem acelerar a
Cada ponto representa um átomo de carbono. As regiões transformação na forma descrita. Ambos são efetivos,
ricas e pobres em carbono correspondem a austenita e agindo isoladamente ou em conjunto.
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A maior parte da resistência da microestrutura vem da


espessura muito pequena das placas de bainita. Do total
de 2.500 MPa, cerca de 1.600 MPa podem ser atribuídos
à fina escala das placas. O restante decorre das florestas
de discordâncias, da resistência mecânica da rede de fer-
ro e da restrição ao movimento de discordâncias pro-
movido pelos átomos de soluto. Esse último aspecto é
muito interessante. Como há criação de muitos defeitos
durante o crescimento da bainita, uma grande concen-
tração de carbono permanece presa à ferrita bainítica.
Usando técnicas com resolução atômica e de raios-X,
esta concentração foi estimada em 0,3%, valor muitas
ordens de grandeza maior que a solubilidade de equilí-
brio do carbono em ferrita na temperatura de trans- Figura 4
formação. Adicionalmente, este carbono resiste à preci- Comparação de resistência ao revenido
pitação mesmo após um revenido prolongado, porque
é mais favorável permanecer aprisionado em defeitos
do que formar cementita. CONCLUSÕES REFERÊNCIAS
Muito embora a ênfase deste artigo tenha sido dada à
resistência do material, é oportuno registrar que a dureza Muitos adjetivos têm sido usados para se referir à 1. F. G. Caballero, H. K. D. H.
da microestrutura é a maior já registrada para bainita, microestrutura bainítica descrita acima: Bhadeshia, K. J. A. Mawella,
entre 600—670 HV. A dureza também é extremamente Bainita Fria (Cold-bainite) por causa da baixa temperatura D. G. Jones and P. Brown,
estável ao revenido em temperaturas tão altas quanto em que ela cresce; Materials Science and
500 ºC por uma hora, apesar da decomposição da aus- Bainita Dura (Hard-bainite) porque a dureza da Technology, 18, 2002, 279-284.
tenita retida de alto carbono em uma mistura de ferrita microestrutura (600-650 HV) quase alcança aquela das 2. C. Garcia-Mateo, F. G. Caballero,
e cementita. Na verdade, a resistência ao revenido desta mais duras martensitas não-revenidas; H. K. D. H. Bhadeshia, Journal
extraordinária bainita é um pouco melhor que aquela Bainita Resistente (Strong-bainite) por conta do limite de Physique Colloque,
observada em aços comparáveis exibindo endurecimen- de resistência observado (limite de resistência à com- 112, 2003, 285-288.
to secundário ou aços martensíticos com a mesma con- pressão acima de 4,5 GPa); 3. C. Garcia-Mateo, F. G. Caballero,
centração de silício. Bainita Rápida (Fast-bainite) para as variantes conten- H. K. D. H. Bhadeshia, ISIJ
A figura 4 compara a resistência ao revenido da liga do alumínio e cobalto que se transformam mais rápido; International, 43, 2003, 1238-1243.
acima mencionada com a de um aço martensítico Fe- Super Bainita (Super-bainite), um termo não-apropriado 4. C. Garcia-Mateo, F. G. Caballero,
0,5%C-1,3Si% temperado e revenido e um aço com cunhado na indústria. H. K. D. H. Bhadeshia, ISIJ
endurecimento secundário (Fe-0,34C-5,08Cr-1,43Mo- Como sempre, existem muitos parâmetros que necessi- International, 43, 2003, 1821-1825.
0,92V-0,4Mn-1,07Si %). Para fins de comparação, a du- tam ser caracterizados, como por exemplo as proprie- 5. M. Peet, C. Garcia--Mateo, F. G.
reza em cada caso foi normalizada com relação à diferença dades de fadiga e corrosão sob tensão. Apesar disso, já Caballero and H. K. D. H.
entre os valores máximo e mínimo. existem aplicações para as quais este material vem sendo Bhadeshia, Materials Science and
Esse comportamento nada usual é uma característica da testado, mas que ainda permanecem confidenciais. Technology, 2004, in press.
resistência das finas placas de bainita ao coalescimento. 6. M. Peet, S. S. Babu, M. K. Miller
De fato, a intensa precipitação de cementita nos contornos and H. K. D. H. Bhadeshia, Scripta
da placa, quando a austenita se decompõe, é um fator O autor agradece à Millenium Steel pela autorização Materialia, 50, 2004, 1277-1281.
adicional que se contrapõe ao coalescimento das placas. para publicar este artigo.

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