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Gastos do Governo e Política Fiscal

Prof.a Dr.a Roseli Silva

Objetivos desta aula: compreender os princípios da tomada de decisão do go-


verno, considerando que ele opere sob um regime de sustentabilidade fiscal.

A proposta aqui não é discutir detalhadamente o papel econômico do governo em


uma economia, apenas delinear os princípios da sua tomada de decisão. Apesar de saber que
a maioria das decisões de um governo se dá por motivos políticos, aqui serão representados
apenas os aspectos econômicos dessa tomada de decisão.
É necessário ressaltar que o componente de gasto presente na demanda agregada diz
respeito aos gastos correntes, que são os gastos para manutenção da máquina pública, gasto
com pessoal, com matéria-prima, com todo o funcionamento do governo, em seus diversos
níveis, Municipal, Estadual e Federal, mas também estamos falando de gastos do governo em
investimentos produtivos, os chamados gastos de capital.
Da perspectiva do orçamento público, gastos e receitas precisam ser considerados. As
receitas basicamente advêm da arrecadação de tributos, que podem ser divididos em três tipos:
os impostos, as contribuições, e as taxas e tarifas. A cada período de tempo, esses gastos e
receitas são contabilizados e produzem um resultado. A diferença entre gastos (G) e receitas
(R) fiscais é do que chamamos de resultado primário. Quando o governo adota uma meta de
superávit primário, significava que o governo objetiva arrecadar mais do que gasta em termos
de orçamento fiscal. Porém, podem ocorrer também déficits primários, ou seja, resultados em
que os gastos são maiores que a arrecadação de tributos líquidos de subsídios.

Resultado primário = G − T > 0 ==> Déficit primário

Resultado primário = G − T < 0 ==> Superávit primário

Embora a fonte original de arrecadação de receitas do governo sejam os tributos, even-


tualmente, os governos antecipam receitas futuras nos mercados financeiros por meio da emis-
são de dívida. A emissão de dívida hoje, nada mais é do que a antecipação do tributo que o

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I NTRODUÇÃO À A NÁLISE M ACROECONÔMICA 2

governo pretende arrecadar amanhã. Então, é possível obter recursos emitindo títulos de dívida
nos mercados financeiros, que terão de ser devolvidos em uma certa data, em 10 anos, 15 anos,
em 5 anos, que é o prazo de maturidade desses títulos.
Então, de certa forma, estamos transferindo para gerações futuras o pagamento das
dívidas, ou das necessidades de financiamento do governo de hoje. Essas necessidades de
financiamento não são compostas apenas pelo resultado primário. Assim como o governo pode
emitir dívida hoje, para financiar a sua necessidade de financiamento hoje, ele pode ter feito
isso em outros momentos do passado e, portanto, em geral os governos têm já um estoque de
dívida em mercado.
E esse estoque de dívida requer que o governo remunere os ofertantes de recursos
financeiros informando-os sobre essa remuneração no momento em que essas dívidas (Bt ) são
colocadas a mercado. Então, ao longo do tempo, a emissão de dívidas no passado (Bt−1 )
vai produzindo a necessidade de pagamento de juros ao longo dos períodos futuros. Quando
consideramos esse fluxo de pagamento de juros que o governo precisa fazer e somamos esse
fluxo ao resultado primário, temos um outro conceito muito importante em Finanças Públicas
que é o resultado nominal, também chamado de necessidade de financiamento do setor
público - NFSP, medida em um período (mês, trimestre, ano).

Resultado nominal = (G − T ) + Montante de juros pagos

Então, aí temos já o quadro completo, temos tanto aquilo que o governo precisa porque
ele gastou mais do que arrecadou, quanto aquilo que ele precisa pagar de juros (r) sobre as dí-
vidas que ele já emitiu no passado. Então, este resultado nominal, em sendo deficitário, requer
a emissão de novas dívidas, ou seja, a venda de novos títulos de dívidas hoje, que vão produzir,
lá na frente, mais necessidade de pagamento de juros. Então, ao fim, ao cabo, podemos dizer
que, em algum momento, teremos que ter uma reversão desse processo por meio de elevação
de tributos ou de diminuição de gastos. Estas são as variáveis de ajuste que devem produzir, ao
longo do tempo, um processo tal que o governo mantenha a sua sustentabilidade fiscal, que
significa que ele tem uma maneira de gerenciar as suas necessidades fiscais, que em certos mo-
mentos produz resultados deficitários e em outros momentos produz resultados superavitários,
de tal forma que a relação da dívida com o comportamento da economia como um todo, que
chamamos de relação dívida-pib, seja estável. Podemos descrever essas relações da seguinte
maneira, conhecida com Restrição Orçamentária Intertemporal do Governo1 :

Bt − Bt−1 (G − T ) r ∗ Bt−1
= +
P IB P IB P IB
1
Essa restrição intertemporal descreve o comportamento ao longo do tempo da relação dívida-pib como uma
equação em diferenças finitas de primeira ordem, cuja solução mostra a trajetória da dívida-pib
D ISPÊNDIO D OMÉSTICO – PARTE II 3

Quando a relação dívida-pib está crescendo muito, significa que a dívida está crescendo
mais do que o PIB. Se a dívida está crescendo mais do que o PIB, é sinal de que o governo
vem, ao longo dos últimos períodos, necessitando buscar financiamento junto aos mercados
financeiros para cobrir seu resultado nominal deficitário.
Essa estratégia de decisão do governo, a partir da perspectiva da teoria macroeconô-
mica moderna, é uma estratégia intertemporal, que não leva em conta só o ano corrente, ou seja,
não é necessário que o governo produza resultados superavitários ou sempre nulos, ou seja,
equilíbrio, em todos os momentos do tempo. O que é necessário é que haja um processo tal
que, se houve uma sequência de déficits, que em seguida haja uma sequência de superávits, de
tal forma que ao longo do tempo a relação dívida-pib não exploda.
Nesse sentido, podemos entender que a relação entre gastos e tributos no contexto da
demanda agregada pode produzir déficits em situações em que a economia esteja crescendo
pouco, em situações em que a economia esteja num processo de crescimento abaixo do seu
potencial ou em recessões. Em situações como essa, seria possível que o governo utilizasse o
seu instrumento fiscal, a sua política fiscal, estimulando a demanda agregada gastando mais e,
eventualmente, produzindo um resultado nominal deficitário, buscando fontes de financiamento
em mercado financeiro, que em períodos seguintes pudessem ser compensadas por resultados
nominais superavitários. O instrumento fiscal entendido como um elemento que pode gerar
uma estabilização da demanda agregada tanto no boom quanto no textitbust do ciclo econômico,
minimizando as flutuações.
O governo que tem um instrumento fiscal disponível, significa um governo que produz
resultados negativos, déficits, em certos momentos e superávits em outros. Então, seria de
se esperar que, quando o ciclo da economia se reverter, seria o momento em que o governo
reverteria a sua ação, diminuindo seus gastos ou elevando os seus impostos para recompor a sua
estrutura fiscal e manter estável a relação da dívida do governo com a capacidade de gerar bens
e serviços da economia, que é o PIB.
Do ponto de vista da lógica do governo, no contexto da macroeconomia moderna, essa
é a ação esperada do governo em termos de gestão de política fiscal. Essa ação afeta diretamente,
como estamos averiguando nesse momento, a dinâmica da demanda agregada na economia: se
o governo tributa mais, obviamente sobra menos renda disponível, e as famílias consomem
menos. Ao consumirem menos o processo multiplicador, que já analisamos anteriormente, leva
a economia para um nível de produto menor que o anterior ao longo dos próximos 2, 3 anos.
Então, um processo dinâmico que vai atuar tanto na minimização do pico do ciclo, quanto na
minimização do vale do ciclo da economia, um instrumento bastante útil e muito importante,
que, se bem gerenciado, pode auxiliar a estabilização da macroeconomia e melhorar o ambiente
de tomada de decisão em geral para todos os agentes.

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