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Keywords: Ankylosing Spondylitis; Quality of life; FI), qualidade de vida (HAQ, EQ-5D e VAS) e os
Health care costs; Activity; Functionality. custos, com a doença, suportados pelos doentes
com EA em Portugal; analisar a relação entre as di-
versas medidas; analisar a relação entre custos e as
Introdução medidas de actividade, funcionalidade e de quali-
dade de vida, em Portugal.
A Espondilite Anquilosante (EA) é uma doença reu-
mática sistémica inflamatória que pertence a um
grupo de patologias, designadas por espondiloar- Material e Métodos
tropatias seronegativas (EASN), que apresentam
uma série de características clínicas semelhantes, Este estudo observacional, transversal, com uma
nomeadamente forte envolvimento do esqueleto observação temporal, foi conduzido para avaliar a
axial, artrite periférica assimétrica dos membros realidade actual do impacto sócio-económico da EA.
inferiores, nomeadamente a nível das enteses, pre- A amostra do estudo incluiu todos os doentes
sença de sacroiliíte radiológica, ausência de factor que referiram ter-lhes sido diagnosticado EA e dis-
reumatóide, envolvimento extra-articular, como poníveis para entrevista em qualquer uma das re-
seja a uveíte anterior (30%), predisposição genéti- uniões promovidas pela Associação Nacional da
ca e associação com o antigénio de histocompati- Espondilite Anquilosante (ANEA), entre Fevereiro
bilidade HLA-B27, que se encontra presente entre e Junho de 2005, nos núcleos regionais mais acti-
50 a 95% dos doentes com EA.1-4 Estas doenças po- vos e com maior número de sócios (Braga, Ovar, Vi-
dem ser difíceis de diferenciar uma vez que podem seu, Cova da Beira, Leiria e Lisboa).
ocorrer simultânea ou sequencialmente.1,4 Foram recolhidos dados relativos a característi-
Dados epidemiológicos recentes referem taxas cas sócio-demográficas, consumo de recursos em
de prevalência similares entre a artrite reumatóide saúde, assistência informal ao doente por parte de
(AR) e todo o grupo das EASN (0,6-1,9%),5,6 tendo a terceiros e medidas de actividade (BASDAI), fun-
EA uma prevalência de 0,1-1,4%.7,8 Em Portugal, cionalidade (BASFI) e qualidade de vida (HAQ e
não existem dados robustos sobre a prevalência EQ-5D incluindo VAS) do doente. Estas escalas fo-
das EASN, embora a bibliografia existente aponte ram escolhidas pela sua reprodutibilidade mas
para uma prevalência de EA de 0,3%.9 também pela sua consistência interna.12-15 As esca-
O impacto económico das doenças reumáticas las BASDAI, BASFI e HAQ não estão validadas para
é uma área de estudo e de importância social cada Português.
vez mais evidente. Se o paradigma das doenças reu- A recolha dos dados foi realizada através de en-
máticas é a AR, sabe-se por alguns trabalhos reali- trevista, conduzida por estudantes de Sociologia
zados anteriormente que os custos da EA se en- da Universidade Nova de Lisboa, que se desloca-
contram próximos dos da AR10 apesar de, em ter- ram de Lisboa para essas reuniões, através de um
mos laborais, os doentes com EA apresentarem questionário especificamente desenhado para o
maior taxa de emprego que os com AR.11 estudo com questões dirigidas aos doentes e aos
Relativamente ao impacto sócio-económico fa- seus prestadores de cuidados de saúde.
la-se, em primeiro lugar, da incapacidade de man-
ter um emprego, sendo este valor monetário asso- Medidas de actividade, funcionalidade
ciado a perda de produtividade. Em segundo lugar, e qualidade de vida
surge o custo directo com a utilização de recursos BASDAI
de saúde, e por fim o impacto que a EA tem na qua- Esta escala é constituída por escalas visuais analó-
lidade de vida e bem-estar psicológico, que não gicas, pontuadas de 0 (ausente) a 10 (muito inten-
pode ser expresso em termos monetários, e que se so), para avaliar 5 sintomas major da EA («fadiga e
expressa como custos intangíveis.11 cansaço», «dor no pescoço, costas ou anca», «dor
ou inchaço nas articulações», «incómodo nas zo-
nas dolorosas ao tacto ou à pressão» e «rigidez ma-
Objectivos tinal») e a duração da rigidez matinal. A pontuação
final BASDAI varia entre 0 e 10, em que valores
Este estudo teve como objectivos: avaliar as medi- mais elevados correspondem a uma maior activi-
das de actividade (BASDAI), funcionalidade (BAS- dade da doença.12
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10%
Comer Preensão Caminhar Higiene Vestir-se e Actividades Levantar-se Alcançar
arranjar-se
Figura 1. Escala HAQ (a percentagem apresentada no topo de cada barra representa a percentagem de doentes com alguma
dificuldade, muita dificuldade ou incapaz).
tratamento da EA, durante o último ano, encon- a 0,63), registando-se a correlação mais forte
tram-se descritos na Quadro IV. O custo total mé- (r=0,820; p<0,001) entre as escalas HAQ e BASFI. A
dio/mediano, com a doença, suportado pelos VAS apresentou correlações negativas com as es-
doentes foi de cerca de 1.367 /525 . Os tratamen- calas BASDAI, BASFI e HAQ o que significa que va-
tos de fisioterapia e as deslocações para o local de lores mais elevados de VAS estão tendencialmen-
tratamento foram os recursos em saúde com maior te associados a valores mais baixos nas outras três
peso relativamente ao custo total médio suporta- escalas (Quadro V).
do pelo doente. A medicação para a EA foi o recur- Relativamente à correlação entre custos e esca-
so em saúde que registou maior peso relativamen- las, verificou-se existir uma correlação estatistica-
te ao custo total mediano suportado pelo doente. mente significativa entre o custo total, com a doen-
Os valores médios e medianos dos custos ana- ça, suportado pelo doente e BASDAI (r=0,257;
lisados apresentaram-se consideravelmente dife- p=0,004) e entre o custo total e HAQ (r=0,229;
rentes, verificando-se valores medianos iguais a p=0,010).
zero na maioria dos consumos de recursos em saú- Considerando-se apenas o custo da medicação
de. Tal deve-se ao facto de muitos dos doentes te- para a EA, verificou-se a existência de uma corre-
rem referido não suportar nenhum custo para al- lação estatisticamente significativa entre este cus-
guns desses recursos e muitas das necessidades to e HAQ, BASFI e BASDAI (respectivamente,
básicas do tratamento da EA se encontrarem em r=0,297, r=0,275 e r=0,276; p<0,010).
grande parte comparticipadas pelo Sistema Na- Estes resultados apontam no sentido de que um
cional de Saúde. pior estado de saúde do doente se traduz num cus-
to mais elevado suportado pelo doente.
Correlação entre escalas e custos
Verificaram-se correlações estatisticamente signi-
ficativas entre as escalas BASDAI, BASFI, HAQ e Discussão
VAS (p<0,001). As escalas BASDAI, BASFI e HAQ
foram as que apresentaram correlações mais ele- A maioria dos doentes incluídos era do sexo mas-
vadas (com coeficientes de correlação superiores culino, verificando-se uma elevada percentagem
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Cuidados pessoais Ansiedade/Depressão Mobilidade Actividades habituais Dor/Mal estar
Figura 2. Escala EQ-5D (a percentagem apresentada no topo de cada barra representa a percentagem de doentes com al-
guns problemas ou problemas graves)
de doentes no grupo etário dos 35 aos 44 anos. Este dificar a sua actividade profissional por causa da
perfil mostra-se semelhante ao referido em outros EA.22 Um outro estudo, realizado no mesmo país,
estudos. Nesta amostra de doentes, verificou-se mostrou que 31% dos doentes apresentavam inca-
um atraso médio no diagnóstico de 10 anos. Este pacidade laboral e 15% teve de modificar a sua ac-
valor mostra-se superior ao documentado em ou- tividade.23 Em quatro países (EUA, Holanda, Fran-
tros países, o que poderá ter implicações futuras na ça e Bélgica), a percentagem de doentes com inca-
incapacidade destes doentes.17-19 pacidade laboral variou entre 9 e 41%, com um ní-
Em termos laborais, embora aproximadamen- vel médio de absentismo de 6 a 19 dias por ano.24,25
te metade dos doentes se encontrasse empregada, No estudo em análise, o custo total médio/
20,6% necessitaram modificar a sua actividade (e.g. /mediano anual suportado pelo doente foi de
tipo de função, horas de trabalho) e 29,1% deixa- 1.367 /525 . Os tratamentos de fisioterapia re-
ram de trabalhar devido à EA. Sabe-se que o aban- presentaram o maior encargo (37,6%) seguido das
dono laboral é progressivo com a evolução da deslocações para os tratamentos (23,3%) e a assis-
doença, verificando-se que 33% dos doentes dei- tência domiciliária por conta própria (18,2%). A
xam de trabalhar 20 anos após o diagnóstico da medicação só foi responsável por 5,5% dos custos
doença.20 O impacto desta doença no contexto la- directos com a doença. Os valores médios e medi-
boral é porventura mais elevado do que em outras anos dos custos analisados apresentaram-se con-
doenças reumáticas sistémicas uma vez que os sideravelmente diferentes, verificando-se valores
doentes com EA encontram-se maioritariamente medianos iguais a zero na maioria dos consumos
no seu período de vida activa. Alguns estudos de recursos em saúde. Tal deve-se ao facto de mui-
apontam para a existência de diferenças, entre paí- tos dos doentes terem referido não suportar ne-
ses, relativamente à incapacidade laboral devido à nhum custo para alguns desses recursos.
EA. Num estudo realizado na Finlândia, cerca de Dado que os tratamentos de fisioterapia são o
10 a 15% dos doentes apresentaram incapacidade encargo com maior peso para os doentes, conclui-
laboral.21 Num outro estudo realizado no Reino -se que as necessidades básicas do tratamento da
Unido, verificou-se que 41% necessitaram de mo- EA (consultas de reumatologia, exames comple-
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HD - Hospital de dia.
*Apenas um doente referiu o número de horas por semana.
Quadro IV. Custos suportados pelo doente devido à EA, no último ano
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Fax: 21 382 54 52 Spondylitis Functional Index. J Rheumatol
E-mail: m.joaoqueiroz@eurotrials.pt 1994;21:2281-2285.
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