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UNIFEMM

Centro Universitário de Sete Lagoas


Pós-Graduação em Psicanálise: Teoria, Clínica e Extensão

Sidney Stefani Ramos Souza

Direção do tratamento na neurose: A influência da


palavra no sujeito

Sete Lagoas
2021
Sidney Stefani Ramos Souza

A influência do uso da palavra na teologia e na


psicanálise

Trabalho de Pós-Graduação apresentado à


Pós-Graduação em Psicanálise: Teoria, Clí-
nica e Extensão, como parte dos requisitos
necessários à obtenção de avaliação da disci-
plina “Direção do Tratamento na Neurose.

Orientador: Profa. Thais Limp

Sete Lagoas
2021
Todos tropeçamos de muitas maneiras.
Se alguém não tropeça no falar, tal
homem é perfeito, sendo também
capaz de dominar todo o seu corpo.

Carta de São Tiago 3:2


A influência do uso da palavra na teologia e na
psicanálise

Esse trabalho tem como objetivo central registrar a hipótese do impacto do


enunciado na vida do sujeito. Para esse fim recorrerei aos recursos da teologia e
posteriormente relacionar com a psicanálise. A questão que tentarei responder é
: Qual a influência do uso da palavra na teologia e na psicanálise?
Na teologia vários escritores deixaram registrado o poder que há na palavra
não somente na vida dos sujeitos mas também na criação do universo. Moíses,
por exemplo, descreva que a existência da luz virá à existir a partir de um
verbalização do Criador: - Haja luz!

E disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa
a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus
chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a
manhã, o primeiro dia.
Genesis 1:3-5

Registro nessa primeira cena o poder da criação através do enunciado em


que algo veio a existir após a verbalização do enunciado. No decorrer do relato
bíblico a relação palavra x efeito irá ocorrer durante todo processo da criação. Em
salmos 33:6, escrito por Davi entre os nos de 1000 a 500 a.c reforçam o processo
registrado em Gênises:

Mediante a palavra do Senor foram feitos os céus e os corpos


celestes, pelo sopro de sua boca.
Salmos de Davi 33:6

O autor à carta aos Hebreus, ano 65 DC utiliza o significante fé para reforçar


o processo do uso da palavra de Deus na criação: - “Pela fé entendemos que o
universo foi criado pela palavra de Deus”. Até esse momento a ideia é marcar o
poder da palavra na criação do universo. Poderia explorar outros textos mas a
idéia não é esgotar o assunto nesse trabalho. Avançando no tema podemos agora
marcar algumas advertências quanto ao uso das palavras. Em provérbios temos
o seguinte registro:

Há palavras que ferem como espada, mas a língua dos sábios


traz a cura. Provérbios 12:18

O significante espada faz muito sentido pois foi esse texto foi escrito por
Salomão, filho do rei Davi em um periodo e cultura monárquico. Palavras que
ferem poderia hipoteticamente trazer registro de sangue derramado, domínio de
terrítorio, vitorias ou derrotas. Não é possível dizer ao certo o que cada sujeito
interpretava, porém, são algumas possíveis referências aos significantes. Usando
o significante “ferir” podemos pensar em como a teologia já advertia quanto ao
cuidado na transmissão das ideias e do perigo acerca de como alguém poderá ter
um futuro com traumas a partir do que é transmitido. Ao mesmo tempo, as
palavras podem trazer cura. Falaremos sobre esse ponto no decorrer do trabalho.
Salomão deixou registrado em Provérbios 18:21ª que "A morte e a vida
estão no poder da lingua". As palavras tem poder de vida e morte. Quando é
transmitido de pais para os filhos significantes do tipo você não vale nada, você é
um perdido, você é um miserável, não sei pra que você nasceu, você não é
desejado, você é feio, não queria um menino (a), você deveria ter morrido, você é
burro, você não faz nada direito... são exemplos de uma construção, segundo a
bíblia, de morte. Segundo Couto (2011), em seu trabalho intitulado “O FRACASSO
ESCOLAR E A FAMÍLIA: O que a clínica ensina?” Alguns casos clínicos de fracasso
escolar têm como ponto de partida o relacionamento entre pais e filhos. No caso
clínico de Roberta, como exemplo, ela cita:

Roberta tem sete anos e foi encaminhada para a clínica de


psicologia por causa de sua dispersão e agitação em sala de aula
que prejudicavam seu rendimento escolar, principalmente, sua
leitura. Segundo a mãe, além de ser dispersa é canhota. Diz que
a filha herdou tudo do pai: o jeito de conversar, o gênio e o lado
fraco. Segundo ela, o pai não sabe ler. Dela, a filha herdou
apenas os olhos e o nariz. Segundo o discurso materno, a filha
de certa forma, representa tudo de ruim que o pai tem. Foram 11
sessões com a criança e duas entrevistas com a mãe.

Somente após um trabalho de reconstrução dos laços paternos que foi possível
reestabelecer os passos para um rendimento escolar. A mãe depreciava o pai para a
filha e essa situação trouxe grandes problemas para Roberta ao mesmo tempo que a
comparava com o pai. Poderíamos citar diversos casos clínicos em que o manejo com
as palavras gravou significantes que perpetuam inconsciente na vida dos sujeitos.
CASTANET (2019), em Para Compreender Lacan, cita o artigo de Lacan
denominado “Função e campo da palavra em psicanálise” descrevendo que: “Que ela
se ponha por agente de tratamento, de formação ou de sondagem, a psicanálise tem
apenas um médium: a fala do paciente”. Na página 31, ele irá dizer que “é necessário
que a fala seja ouvida por alguém no lugar onde ela não podia sequer ser lida por
ninguém”. Essa fala do paciente através da livre associação deverá ser ouvida com
atenção flutuante.
Miller, em O osso de uma análise ira falar acerca de paciente/analisando chega
na análise perguntando por onde ele começa: nessa livre associação ele começa a
contar alguns pontos fixos, pois por mais que ele queira, não tem como dizer tudo.
Porém existe uma repetição no que o sujeito está trazendo em suas repetições. A
repetição são eventos diferentes que obedecem a mesma estrutura. A aplicação da
formula da redução é usada como forma de retirar da amplificação os pontos mais
importantes para análise. A relação com o Outro tem que ser avaliada nesse ponto da
livre associação. Qual o redizer desse paciente. Tenho relação com análise a mesma
relação que tinha com os pais, com o parceiro, com o trabalho. Os eventos repetidos
obedecem uma mesma estrutura.
São diferentes exemplos e é muito importante marcar o que está pulsando na
fala desse sujeito. Segundo Miller, a redução é a essência da análise.
Miller (1998), no mesmo livro irá falar acerca da operação de redução chamada
convergência. E esse é o ponto de ligação com a primeira parte desse trabalho onde
hipótese da palavra de vida e de morte retorna como marcas nos sujeitos. O que Miller
irá trazer nesse ponto tem relação com anotações importantes durante a entrevista
preliminar e demais sessões. Mesmo que o analista não lembre de todas as palavras
do paciente tem que estar marcado os significantes mestres de destino. Como
exemplo, a mãe falava de tal jeito, o pai falava de tal jeito. Termos como: jogado,
traído, largado, abandonado. Até mesmo em alguma mentira que depois foi retornada
na análise. Esse segundo mecanismo, após a repetição, foi denominado convergência
(p.48):
“A cura faz, com efeito, parecer que os enunciados do sujeito
convergem para um enunciado essencial. Falar em enunciado é
uma simplificação, pois pode haver vários enunciados essenciais
em uma análise. Pode acontecer que este enunciado essencial
se destaque, na própria análise, e o sujeito mencione alguma
coisa que lhe foi dita e que jamais esqueceu, que se inscreveu
para todo sempre e que, em relação a isso, ele se determinou em
todos os desvios e percalços de sua existência. Foi uma coisa
dita que, para ele, pode ter tomado o valor de um oráculo, seja
porque dedicou toda existência a verifica-la, para torna-la
verdadeira, seja porque o precipitou por desmenti-la”.

Fazendo um paralelo entre a teologia e o texto de Miller temos uma hipótese


de que marcas dolorosas podem ser gravadas no sujeito uma vez que uma
rejeição na expectaviva do sexo do bebê onde os pais esperavam menina e
nasceu um menino por exemplo poderão afetar a vida desse sujeito para sempre.
Essa transmissão do desejo dos pais seja por palavras ou atitudes serão o modus
operandi do sujeito. Num testemunho de passe, uma mulher com 38 anos de
idade, relatou sobre a dificuldade em usar trajes feminimos como vestidos, saias,
sapatos de saldo, usar maquiagem – por simples que seja, arrumar o cabelo. Ela
relata que quando nasceu, o pai ficou decepcionado pois queria um menino para
poder levar no campo de futebol, jogar baralho e ser um parceiro em jogos. Mesmo
assim ela reinventou sua trajetória e atualmente está casada, relacionamento
heterossexual, mas relata sobre a luta em se olhar no espelho e se arrumar para
ela mesmo e para seu marido.
Por fim, gostaria de dizer que aprendi muito com essa disciplina. Tenho um
percurso de apenas 10 meses na psicanálise e a didática e habilidade no controle
das aulas foram muito importantes. Continuarei com as leituras e pesquisas sobre
o tema e o desejo é deixar-me ensinar e em breve atender meu primeiro paciente.
Referências Bibliográficas

BÍBLIA, A. T. Provérbios. In: BÍBLIA. Sagrada Bíblia -Antigo e Novo Testamentos.


Tradução: João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil

Couto, Margareth Pires – O fracasso escolar e a família – O que a Clinica ensina? Pag.
132 - https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-
8M3FXD/1/o_fracasso_escolar_e_a_famila_o_que_ensina_a_clinicarevisada.pdf - Acesso em
03/10/2021

Castanet, Hervé – Para comprender Lacan. Editora Puc Minas 1ª Edição (1 jan 2019).

Miller, Jacques Alain – O osso de uma análise – Editora Brasileira de Psicanálise – Bahia
(1988) pag. 46 – 48

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