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Poul Antz As
Poul Antz As
1 Introdução
•
Cléber da Silva Lopes, mestrando em Ciência Política pelo IFCH/Unicamp
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1
Nicos Poulantzas. O Estado, o poder e o socialismo. 4º ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 149.
2
Ibid., p. 34.
3
Ibid., p. 41.
3
ser entendido como uma relação. Deriva daí uma das teses centrais do livro de Poulantzas,
que irá definir o Estado capitalista não como....
[...] uma entidade intrínseca mas, como aliás é o caso do ‘capital’, como uma
relação, mais exatamente como a condensação material de uma relação de forças
entre classes e frações de classe, tal como ele expressa, de maneira sempre
específica, no seio do Estado”. [...] [Desse modo], o Estado é o lugar de
organização estratégica das classes dominantes em sua relação com as classes
dominadas. É um lugar e um centro de exercício do poder, mas que não possui
poder próprio. 4
4
Ibid., p. 130 e 150.
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Essa divisão dos aparelhos de Estado diferencia Poulantzas de L. Althusser, que dividi o Estado apenas em
aparelhos repressivos e ideológicos.
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O conceito de “bloco no poder” é usado para indicar as várias classes e/ou frações de classe, organizadas sob a
hegemonia de uma delas, que compõem o poder numa situação concreta. Esse conceito permite explicar as
classes no poder referindo-se às formações sociais (real-concreto) e não apenas aos modos de produção (geral-
abstrato). Assim, um bloco no poder pode ser formado tanto pela classe dominante (e suas frações) do modo de
produção predominante (burguesia, no caso do modo de produção capitalista), quanto pela classe dominante
proveniente de outros modos de produção (caso da aristocracia rural, por exemplo).
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conceitos. Na teoria política poulantziana, como em boa parte da teoria política marxista, o
poder, a violência (repressão) e o Estado aparecem estritamente relacionados. A coerção e
ameaça sobre o corpo são, segundo Poulantzas, condições para a existência e manutenção do
poder nas sociedades modernas. O poder e o domínio moderno baseiam-se na violência física,
embora ela não transpareça no cotidiano. Nas formas de poder e domínio das sociedades
modernas os vários procedimentos de criação de consenso (produzidos em grande parte pelos
aparelhos ideológicos) desempenham o papel principal, mas a violência física continua a ser o
elemento central e determinante do poder político. Segundo Poulantzas...
7
Ibid., p. 79.
5
Feita essas observações, volto ao debate: por que Poulantzas considera a via
processual a mais adequada para transitar de maneira democrática para um socialismo que
também deve ser democrático? A proposta de Poulantzas de transição para o socialismo
decorre, naturalmente, de sua própria concepção de Estado, que pretende se opor a duas outras
formulações, a do Estado-coisa e a do Estado-sujeito, cujos desdobramentos políticos levaram
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(levante revolucionário) numa situação de duplo poder. Poulantzas, no entanto, não acredita
que esta seja a melhor via para o socialismo. Segundo ele, a concepção de Estado que orienta
essa estratégia é a do Estado-coisa, instrumento de dominação burguesa, daí a proposta de sua
destruição-substituição por um segundo poder popular, paralelo e exterior ao Estado. Para
Poulantzas, os riscos de estatismo dessa via seriam consideráveis, já que o segundo poder
poderia facilmente transformar-se num Estado proletário centralizador e controlado de cima
pelo partido revolucionário único.
o modelo da Comuna de Paris e aquele sugerido por Lênin; ou ainda uma combinação dos
dois formatos. Na única passagem em que trata do assunto, Poulantzas se resume a dizer que:
10
Poulantzas, O Estado, o poder, o socialismo, cit, p. 287.
11
Id. A crise das ditaduras: Portugal, Grécia e Espanha. 2º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 82.
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contradições no interior dos aparelhos repressivos podem assumir a forma de lutas violentas.
E isso não apenas porque tais aparelhos, particularmente o exército e as polícias, detêm as
armas de fogo, mas também porque apresentam uma materialidade própria - são organizados
de maneira hierárquica, centralizada, unitária e com uma ideologia própria - que os leva a
punir sumariamente qualquer espécie de “motim” ou divergências que possam ameaçar a
unidade interna, de modo que os acirramentos dos conflitos em seu interior têm grandes
possibilidades de se converterem em confrontos sangrentos e, nos casos mais graves, em
guerra civil. A materialidade institucional desses aparelhos apresenta-se, desse modo, como
um obstáculo considerável à alteração das relações de força no seu interior. Nesse sentido, as
considerações feitas por Poulantzas na segunda parte do livro, onde debate a questão do
“pessoal do Estado”, parecem bastante oportunas para o caso dos militares e policiais. Em
algumas passagens Poulantzas diz que as revoltas protagonizadas pelo pessoal de Estado são
vividas nos termos da ideologia dominante - cuja função é construir o cimento interno dos
aparelhos de Estado e da unidade de seu pessoal - tal como ela se cristaliza na estrutura do
Estado. Assim, tais revoltas não colocariam em questão a reprodução da divisão social do
trabalho nos aparelhos de Estado e nem dariam importância à divisão política dirigentes-
dirigidos próprias ao Estado. Além do mais, o lugar que o pessoal de Estado ocupa na divisão
social do trabalho, personificada pelo Estado, tende a levá-los a uma aproximação das massas
apenas sob a condição de uma determinada continuidade que sustente o Estado 12 .
12
Id. O Estado, o poder, o socialismo, cit., p. 156-163.
13
Ibid., p. 269.
10
meados dos anos 70, quando um grupo de oficiais (capitães) das Forças Armadas (o
Movimento das Forças Armadas/MFA) derrubou, de maneira pacífica e com o apoio maciço
da população, a ditadura salazarista e deu início a um movimento revolucionário-socialista, a
“Revolução dos Cravos”. Poulantzas chega a citar o caso de Portugal para dizer que os
aparelhos repressivos de Estado são de fato atravessados pelas lutas populares, e assim
corroborar sua proposta de transição para o socialismo. O que não cita é que a experiência
revolucionária de Portugal, após um breve êxito, fracassou. Evita assim de analisar as causas
que levaram ao fracasso da “Revolução dos Cravos”, que terminou justamente com um golpe
deferido por setores do Exército leais à burguesia interna, com o apoio do imperialismo
internacional 14 . Se o caso de Portugal de fato mostrou que os aparelhos repressivos de Estado
são atravessados pelas lutas populares, mostrou também que, a pretexto de manter a
hierarquia interna, as Forças Armadas tendem a agir de maneira conservadora.
14
Segundo Secco, a Revolução dos Cravos chega ao fim quando o sexto governo provisório, chefiado pelo
almirante Pinheiro Azevedo, intervém na base área de Tancos, a pretexto de conter uma sublevação de
paraquedistas, e expurga das Forças Armadas os militares comprometidos com a Revolução. (Lincoln Secco.
“Trinta anos da Revolução dos Cravos”. Revista Adusp, nº 33, out. 2004, p. 12).