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VIDA RELIGIOSA: UMA EXPRESSÃO MATERIAL

DAQUILO QUE A ALMA CRISTÃ DEVE SER


INTERIORMENTE

A entrevistada foi a Irmã Maria Aparecida da Santa Cruz.

Irmã: Vamos rezar pedindo aos santos anjos primeiramente,


que guiem essa nossa entrevista. Que cada palavra seja um
eco daquela única Palavra que foi pronunciada eternamente,
que é o Verbo de Deus.

[Rezam a oração do anjo da guarda]

Entrevistadora: Irmã, nós queríamos que a senhora


comentasse um pouco sobre como foi seu processo
vocacional e como a senhora deu "sim" ao chamado de
Deus.

Irmã: Bom, a história da minha vocação, do meu chamado, o


meu "sim", foi uma continuação direta da minha conversão.

Nem sempre fui, infelizmente, uma católica praticante,


embora houvesse recebido os sacramentos desde a infância.
Cheguei na adolescência e infelizmente me afastei da moral
cristã, mas como os desígnios de Deus são insondáveis,
aconteceu de então, terminando o Ensino Médio, a
Providência me levar para o oeste do estado de São Paulo
(a cidade Presidente Prudente) e lá me foram apresentadas
pessoas muito piedosas, pessoas que realmente amavam a
Deus.
Numa certa noite, depois de ter passado alguns meses ainda
afastada de Deus, eu fui à igreja, e, depois de ouvir uma bela
confissão, de um leigo, inclusive, eu fui rezar diante do
Sacrário. Naquela noite eu pedi a Nosso Senhor -- mesmo
sem saber exatamente o que era rezar -- eu pedi que meu
"sim" fosse sim, e meu "não" fosse não. Pedi isso porque eu
dava um pouco, mas não dava tudo; pretendia me entregar,
mas continuava apegada a alguma outra coisa, e isso estava
me incomodando, não estava trazendo paz ao meu coração,
então eu fiz essa oração. Pedi que Nosso Senhor
aumentasse a minha fé, confirmasse a minha fé. Não
contente com essa oração, pedi a Ele que me desse um
sinal sensível de que naquela noite Ele me atenderia. Não
poderia ser semana que vem, nem no outro mês; tinha de
ser naquela noite. E eu pedi com toda a fé que eu tinha
naquele momento. Pedi o sinal, e Ele me deu o sinal que eu
pedi; só que o mais impressionante não foi que Ele me
atendeu isso, mas que naquele momento, naquela noite,
meu coração estava transformado, e eu estava realmente
decidida a largar tudo aquilo que não O agradasse, tudo
aquilo que me impedisse de me unir a Ele.

Naquele momento também, além dessa mudança na


vontade, uma Luz brilhou. Tal como brilhou para Santo
Agostinho, tal como brilhou para Santa Maria Madalena. E
eu percebi, primeiro, que minha casa estava suja [risos].
Quando acendeu a luz, eu vi que, nossa, eu era bem ruim.
Mas também vi que eu sou um reflexo, uma imagem do
Deus que me criou e, portanto, eu não podia [me]
desconfigurar; mas eu deveria, através agora do
desenvolvimento da graça, das virtudes cristãs, refazer essa
imagem que o pecado original e os meus pecados
desfiguraram.

Então, naquele contexto onde estava na universidade (eu fui


para essa cidade para estudar), foi uma conversão contínua:
a cada semana eu ia aprendendo, ia deixando aquilo que era
ruim e aderindo àquilo que era bom. E depois de mais ou
menos seis meses da minha conversão, eu vi que era o
momento de abandonar o ambiente universitário, porque eu,
enquanto recém-convertida, eu não teria força o suficiente
para aguentar aquele ambiente: seja na própria faculdade ou
no próprio local onde eu estava morando, seja por estar
distante da minha família. Então eu decidi abandonar a
faculdade e voltar pra minha casa.

Quando eu disse que a Luz brilhou, é porque Nosso Senhor


naquele momento me deu a intuir -- depois foi clareando
mais -- mas eu já intuí que o cristianismo é um convite às
bodas do cordeiro. Claro, toda aquela conversão moral
estava me encantando, a modéstia das moças, a castidade,
tudo. Estava tudo me encantando, mas Nosso Senhor me
mostrou -- ainda que levemente -- que o cristianismo é muito
mais.
E se o cristianismo é isso, um chamado às bodas do
cordeiro, se o cristianismo é esse convite à Sétima Morada...
O que é a faculdade, o que são os meus amigos, o que é a
casa na praia, a minha carreira profissional perto disso? Não
são nada.

Então foi uma renúncia progressiva. Deixei a faculdade,


voltei pra família. Depois de alguns meses -- e nesse interim
eu estava rezando, estudando, lendo, ouvindo Padre Paulo
Ricardo -- eu vi que precisava dar um passo a mais, porque
o ambiente familiar me livrava daquela ocasião de pecado,
mas não me favorecia a uma oração profunda. Pois eu tinha
descoberto que Deus habita dentro e que a gente precisa
adentrar a esse Castelo Interior, e a gente adentra
justamente pela oração.

Então eu pensei comigo: eu preciso achar um lugar, um


estado de vida onde essa oração, essa vida de oração, seja
mais -- não digo fácil -- mas que colabore mais com esse
desejo, com essa realidade que eu estava procurando.

Entrevistadora: Irmã, nessa época a senhora tinha quantos


anos e fazia qual curso?

Irmã: Eu tinha acabado de fazer dezoito anos e estava


cursando Pedagogia.

A gente usa essa expressão "pensei", mas na verdade foi


Deus que foi inspirando. Pensei então: o que a gente vai
fazer da vida? Eu acho que a gente precisa ser uma monja,
pois a monja, ela vive pra Deus, ela renuncia a tudo:
renuncia a vontade própria, os bens, os prazeres. E também
tem um ambiente propício de oração, uma vida sacramental.

Então pensei: eu preciso achar um mosteiro para ir. E foi


quando a Providência, mais uma vez, sem muito trabalho me
mostrou o mosteiro redentorista, que na ocasião ainda
estava em São Fidélis (norte do estado do Rio). E para lá fui
eu, depois de onze meses de convertida, numa clausura
papal, onde não se pode nem abraçar a família, onde eu
também morei a nove, dez horas de distância da minha casa
-- meus pais iam quase que uma vez por ano.

Mas aquela coisa que eu enxerguei no começo da


conversão, voltava: se o cristianismo é um chamado às
bodas do cordeiro, o que são as riquezas, a família, os
amigos? Não são nada. Tudo passa. Nós somos peregrinos
neste mundo.

Como disse Padre Paulo Ricardo no primeiro episódio do


curso sobre Santa Teresinha: "Eu não nasci para ser padre,
você não nasceu para ser religiosa, meus pais não nasceram
para ser casados. Nós nascemos unicamente para amar a
Deus." Porque se a gente não entende que essa é a
finalidade da nossa vida, o que vai acontecer? Nós vamos
colocar todas as nossas forças e ordenar tudo (nossas
decisões e etc.) para uma finalidade falsa.

Então foi assim que eu conheci as monjas: através de uma


postagem no Facebook. Eu vi e achei interessante, vi as
fotos (e era tradicional), embora o elemento da tradição, ele
está subordinado a esta busca de Deus. Primeiro nós
entendemos que nós nascemos para amar a Deus, e não é
amá-lo de qualquer jeito, mas de todo o coração, com todas
as nossas forças. E qual é o melhor meio? É conservando
tudo aquilo que os nossos antepassados católicos deixaram:
a vida de oração, a Liturgia, o hábito religioso (no nosso
caso).

Então lá fui eu, 22 de julho de 2016. Entrei no dia de Santa


Maria Madalena. E foi providencialmente nessa data, pois
não era para eu ter entrado nesse dia. Aconteceu que meu
pai, que é caminhoneiro, se atrasou por causa de um
incidente na sua viagem e ele teve de se atrasar, então a
Providência permitiu que eu entrasse no dia de Santa Maria
Madalena, a minha mestra espiritual.

Fui e entrei no mosteiro. Comecei como postulante por um


ano, depois noviça por outro ano e fiz os votos temporários
por três anos.

Então porque eu me tornei religiosa? Foi um chamado de


Deus. Mas foi uma consequência direta da minha conversão.
Hoje o nosso tempo é muito iludido, as vocações são muito
iludidas, por causa de diversos filmes sobre a vida dos
santos. As pessoas enxergam algo muito romântico.
Colocam lá um filme sobre Santa Teresinha e começam a se
imaginar no mosteiro. Isso é muito perigoso, porque quando
vem a provação, quando vem a realidade da vida claustral,
da vida ascética, cai o castelo de areia da pessoa; pois
nesses casos a pessoa não fundamentou a sua vida
espiritual e sua vocação sobre a Rocha firme que é Cristo.

Entrevistadora: Parece haver hoje em dia uma certa aversão


à vida religiosa, até mesmo entre os fiéis católicos. A
senhora poderia explicar um pouco, agora já vivendo dentro
da clausura há um tempo?

Irmã: Claro. Mas devo admitir que ainda sou muito


inexperiente, tenho apenas cinco anos aqui e convivo com
irmãs que já fizeram jubileu de diamante [risos]. Mas, pelo
pouco que eu pude observar, o que causa uma certa
repugnância aos jovens (e até mesmo entre aqueles
católicos piedosos) à vida religiosa, é justamente não estar
decidido ou não ter enxergado que nós somos convidados a
uma união íntima, à perfeição da caridade, à Sétima Morada,
ou como queira chamar; por não enxergar isso, elas acham
que as exigências da vida religiosa são por demasiado
rigorosas. Mas veja, se nós começássemos realmente a
buscar a Deus na vida de oração, ler a vida dos santos, o
que os santos escreveram, ou a ler o Evangelho, a gente
perceberia a exigência do amor divino. Nosso Senhor não
se une a uma alma que divide o seu coração com as
criaturas. Não se dá. Santa Teresa disse: "Deus não se dá
todo, àquele que não se dá a si mesmo completamente a
Ele. É preciso dar tudo pelo Tudo."

Então, como essa visão romântica faz com que a parte do


sacrifício seja encoberta, as pessoas acham que a clausura
é algo desnecessário ou fora de época. A obediência, a
pobreza, a castidade e os outros elementos da vida ascética
[fogem do interesse das pessoas]. É justamente por causa
dessa visão romântica da vida religiosa. É preciso ter um
coração indiviso.
Como Nosso Senhor mesmo disse no Sermão da Montanha,
somente os puros de coração verão a Deus. O nosso
coração não está puro quando ele está dividido com as
criaturas.

Veja, na química, por exemplo, nós aprendemos que o ouro


não está puro quando ele está misturado com a prata ou
com o bronze. Então, na nossa vida espiritual, o nosso
coração é dito como impuro quando ele se divide entre Deus
e o mundo. E com mundo não quero dizer o pecado, mas o
apego à família, o apego à vontade própria, etc. Tem gente
que faz apostolado, mas, assim, "sou EU que faço, não
Deus". É como disse um grande amigo meu: é o complexo
do pavão [risos]. A pessoa não prega para Cristo, mas para
si mesma, é para se aparecer.
Então esses diversos apegos com as próprias coisas de
Deus, não permite que a alma se una perfeitamente a Deus,
pois a exigência do amor divino é absoluta.

São João da Cruz diz: se o passarinho está preso com uma


corda, ele não voa. O nosso coração não voa pra Deus se
ele tiver algum apego.

Então porque os jovens de hoje tem uma certa aversão?


Porque não querem verdadeiramente amar a Deus.

Entrevistadora: Irmã, o que a senhora, que está dentro da


clausura, daria de conselho para as pessoas que estão fora,
para se unir a Nosso Senhor?

Irmã: Em Oseias está escrito que Deus o conduziu à solidão


para falar-lhe ao coração.

A gente começa com uma solidão material primeiro,


começamos nos afastando do ambiente, das pessoas que
nos afastam de Deus. Se a gente realmente quer buscar a
Deus, o mínimo que a gente pode fazer é romper os
obstáculos mais próximos, mais evidentes. No meu caso eu
tive de abandonar a faculdade, mas, às vezes, pra quem
está ouvindo pode ser o trabalho, ou uma amizade, enfim.
Começa com uma solidão material. Depois, comece a
meditar sobre livros -- ou, nesse caso, capítulos, mais
propriamente falando -- como os Graus de Oração, que está
na Teologia da Perfeição Cristã, do Royo Marín. Comece a
perceber que você tem de adentrar ao Castelo Interior,
porque Deus habita no centro.

Se eu quero chegar de Formosa à Goiânia, primeiro eu


preciso saber qual é o meu destino. É como um GPS,
primeiro eu coloco meu local de destino e depois ele me dá o
comando. Olha, você vira aqui, depois ali, e etc.

Então depois que você rompeu com os obstáculos mais


evidentes, comece a se perguntar o que é, qual é a
finalidade do cristianismo. O que Jesus veio trazer à terra?
Comece a perguntar pra Deus, comece a buscar nos livros,
nos cursos, enfim. Bata, que Nosso Senhor abre.

Qual é a finalidade última da nossa vida? Nosso Senhor


disse que veio trazer um fogo à terra, disse à Samaritana
que do seio daqueles que cressem nele, jorrariam rios de
água viva. É preciso se perguntar: que rio é esse, que água
viva é essa, que fogo é esse? É preciso fazer como Santo
Agostinho. Ele lia as Sagradas Escrituras buscando seu
sentido mais profundo: O que é que Nosso Senhor veio
trazer?

Depois, quando você começa a fazer isso com sinceridade,


para buscar a Deus, uma Luz vai brilhando, você vai
encontrando verdades e mais verdades presentes nas
Sagrada Escrituras e nos escritos dos santos.
Depois que você fizer isso, vai chegar um momento onde
você vai perceber que aquela Luz que brilha, quando você
enxerga uma verdade mais profunda, era o Verbo, era
aquele que São João fala no prólogo do seu Evangelho: Ele
era a luz do mundo, ele veio ao mundo para iluminar a todos.

Se ele, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, é a Luz


que brilha para eu enxergar a verdade mais profunda, o que
eu vou fazer então? Eu vou migrar da oração de meditação
para a oração afetiva, quer dizer, eu estarei na presença de
uma pessoa divina, aquele a quem eu amo, aquele a quem
eu busco. Então eu permaneço na presença dele pela fé.

Agora, o elemento da clausura, por exemplo. Muitas pessoas


acham extremamente rigoroso, principalmente no nosso
tempo, onde se fala muito de liberdade. A Fé, como virtude
teologal, deve ser, na vida espiritual de cada cristão, aquilo
que a clausura material é na vida de uma monja. O que é a
clausura material? É uma ruptura, uma separação da monja,
do mosteiro, para o mundo, para as pessoas do mundo:
temos quatro grandes muros com apenas uma abertura para
o céu. Isso justamente porque nós morremos para as coisas
do mundo e buscamos as coisas do alto - como diz São
Paulo.

Então, se vocês não têm vocação para ser monja, vocês


devem ter interiormente esse elemento na sua vida
espiritual. E qual é, interiormente, o elemento que representa
a clausura material das monjas? É a virtude teologal da Fé.
Pela virtude teologal da Fé, eu não deixo o mundo, o
demônio e o meu próprio ego me corroer. É pela Fé que se
adquire aquela pureza que Nosso Senhor deseja para se
unir com a alma, e para alma poder ver a Deus. É pela Fé
que se inicia em nós a vida eterna, como diz São Tomás de
Aquino na Suma Teológica.

O que é o Céu? O Céu é a visão beatifica. Quer dizer, a


visão beatífica dá lugar, substitui a Fé. Se a gente inverte os
termos, a visão beatífica aqui na terra é a Fé. Então é
preciso começar pela Fé. E Nosso Senhor, evidentemente,
sabia muito bem disso, e nos três anos da sua vida pública
ele insiste nisso. Vocês podem ler o Evangelho de São João.
Do capítulo primeiro até a última ceia, Nosso Senhor insiste
sobre a fé. "Ó, homens de pouca fé", ou elogia a fé da
Cananeia, ou diz: "Se tiverdes fé como um grão de
mostarda..." Então é uma insistência constante, porque é
pela Fé que a gente se une a Deus. E justamente a gente
aprende no Catecismo que as três virtudes teologais tem
Deus por objeto; as virtudes morais ordenam as nossas
paixões, mas as virtudes teologais nos unem com Deus.

E porque começa pela Fé? A Caridade é a mais sublime,


está escrito. Mas sem a Esperança não há Caridade, e sem
a Fé não há Esperança.
Então é preciso começar pela Fé. E é por isso que quando
chega na última ceia, Nosso Senhor fala: "Agora dou-vos um
mandamento novo". É um mandamento novo para os
Apóstolos, pois já existia o mandamento do amor ao próximo
no Antigo Testamento, mas Nosso Senhor não deu o
mandamento antes porque eles precisavam entender que a
verdadeira caridade para com o próximo consiste em levar
Deus para o próximo. Não é levar Deus, assim, num sentido
básico, mas é conduzir as almas ao Caminho da Vida. É
como Santa Teresa falou: olha, gente, existe um Castelo, e
vocês precisam adentrar nesse Castelo. E como que você
adentrar nesse Castelo? Pela oração.

Veja, o convite que Nosso Senhor faz é muito sublime.

Primeiro você rompe com os obstáculos mais evidentes,


depois você começa a se questionar e pedir a luz do Espírito
Santo para entender qual é o fim último do cristianismo.
Depois, você começa a entender que para você chegar a
esse fim último, você precisa começar crendo, exercendo a
virtude teologal da Fé. E Nosso Senhor -- vai chegar um
momento -- depois de você passar pelos graus de oração
(vocal, meditativa, afetiva), no final da oração de
simplicidade, você vai perceber, se você permanecer na sua
Caridade que o Espírito Santo vai infundindo, você vai
começar a perceber que vai começar a jorrar um rio de água
viva. É aí que começa a vida mística, como dizem os
teólogos modernos (de trezentos anos para cá).
Então, quem busca esse Caminho, busca a Vida. Como dizia
também um amigo meu: felicidade é santidade, e só quem a
busca é feliz.

As jovens, se querem ser felizes, busquem a Deus, mas


busquem desse modo. E não tenham medo de deixar tudo.

Papa Bento XVI, no seu discurso, no início do seu


pontificado, disse aos jovens: "Não tenham medo de deixar
tudo por Jesus, porque quem ganha Jesus, quem tem Jesus,
tem TUDO."

Entrevistadora: Irmã, agora nós gostaríamos que a senhora


comentasse um pouco, explicasse um pouco sobre a
espiritualidade redentorista e sobre a fundadora, Madre
Maria Celeste.

Irma: Madre Maria Celeste nasceu no mesmo ano que Santo


Afonso, apesar de Santo Afonso ter vivido bem mais. Não
posso falar tão detalhadamente [por causa do tempo], irei
tentar ser o mais breve possível para contar só o essencial.

Entrevistadora: Faça só o essencial e a gente te convida


para um episódio só sobre ela.

Irmã: Ótimo. Então falarei só o essencial mesmo.


Madre Celeste primeiramente foi carmelita. Ela foi levar uma
irmã no Carmelo e a Madre perguntou se ela queria ficar e
ela acabou ficando mesmo. Era uma época bem diferente da
nossa geração... Ela leva a irmã no Carmelo, a Madre
pergunta e ela fica.

Depois de alguns acontecimentos relacionados à senhora


feudal, que era dona do mosteiro, que o sustentava, aquele
Carmelo teve de ser desfeito. Foi então que ela foi para
[inaudível], num conservatório de [inaudível], que também
estava surgindo naquele momento.

Nesse interim, a vida espiritual dela já estava muito intensa,


pois desde a infância ela já era católica e seus pais, muito
piedosos, já a tinham ensinado a rezar. Ela teve uma
pequena conversão aos nove anos, aproximadamente, onde
ela quase se desviou, por influência das empregadas da
casa, mas ela teve essa graça da conversão dela.

Quando ela se converteu e decidiu se afastar dessas


empregadas, ela foi buscar um diretor espiritual para
também aprender a oração mental. E ela pede para seu
diretor que ensinasse ela esse tipo de oração, porque ela,
como ela mesma disse, entendia que a oração mental era o
máximo [que se podia chegar], era aquilo que os santos
faziam.

Então seu diretor deu dois livros pra ela e disse pra que ela
lesse o ponto da meditação e pra que ela fizesse um ato de
fé na presença de Deus. Ela adquiriu seus dois livros e foi
para casa fazer sua oração mental como o padre a havia
ensinado.

Quando ela fez o ato de fé na presença de Deus (tenho aqui


o livro para retirar este trecho): "Logo lhe vem um
extraordinário recolhimento, arrebatada interiormente por um
grande amor. Não pôde prestar atenção à meditação que
havia lido no livro e, passada meia hora, dela não se
lembrava nada. Depois, acreditando não ter feito nada (nada
de bom), tornava a ler a meditação, e também assim lhe
sucedia. Então ela se recordou do que o padre lhe havia dito:
que se ela não se desse bem com uma meditação, lesse
uma outra. E assim andava lendo, ora uma, ora outra; mas
sempre assim lhe acontecia. Consumia duas ou três horas
nesse exercício. Nem ela entendia a causa desta coisa. É
verdade que durante o dia se encontrava sempre recolhida,
ia para um quarto solitário, que estava no terraço da casa,
porque lhe incomodava o falar e a convivência com as
criaturas, mas ela não entendia o que fosse isso."

Isso é muito impressionante, pois, como eu havia dito, ela já


tinha uma vida muito pura quando criança, ela apenas teve
uma tentação -- por influência das empregadas -- a ter uma
vida "relaxada". Mas isso nem se compara ao relaxado da
nossa época.
E quando ela faz o ato de fé na presença de Deus, ela diz
que veio "um extraordinário recolhimento, arrebatada por um
grande amor".
Madre Celeste, nesse momento, encontrou a Pérola
escondida, o Tesouro escondido de grande valor de que fala
o Evangelho. Ela entendeu mais claramente que Deus, o
Verbo Encarnado e toda a Santíssima Trindade, habita em
nós. E é por isso que eu falei da fé. É preciso, se a gente
quer buscar a Deus, começar pela fé.

Como disse São Pedro, a vida do cristão é como a luz da


aurora, que vai se iluminando aos poucos, vai de fé em fé,
até que brilhe o sol do meio-dia, que é quando a gente
realmente contempla a Face do Senhor, ou, em outras
palavras, até que a gente chegue à contemplação infusa.

Então, Madre Celeste fundamentou a sua doutrina espiritual


e, consequentemente, a espiritualidade redentorista sobre
essa Rocha firme que é a fé em Cristo. É o que aconteceu
com São Pedro, naquela passagem em que Cristo perguntou
aos Apóstolos: uns diziam que ele era profeta, São João
Batista, Elias; e ele perguntou então a Pedro: e pra você,
Pedro, quem sou eu? E Pedro responde: tu és o Cristo, o
Filho de Deus vivo (com artigo definido).

Os Apóstolos, se a gente lê com atenção o Evangelho,


tinham dificuldade de entender que Jesus era o Cristo, o
Filho de Deus vivo. Eles achavam que Jesus era um profeta,
que iria restaurar o reino de Israel. Porém Pedro enxergou
que ele era o Cristo, Filho de Deus vivo. E na nossa vida
espiritual precisa cair essa ficha, que foi o que aconteceu
com Madre Celeste. Embora, me parece, que nesse caso já
estava um pouquinho mais avançado, talvez, na oração do
recolhimento infuso.

Mas é preciso cair a ficha de que o Verbo Encarnado habita


em nós. Aliás, quando a gente reza no rito tridentino o último
Evangelho: "o Verbo Divino se fez carne e habitou entre nós"
que significa, o Verbo de Deus se fez carne e fez em nós o
seu tabernáculo. Quer dizer, nós somos o templo de Deus
vivo. É por isso que os religiosos desde o início ensinaram
aquela oração constante, o "laus perene", é não sair da
presença de Deus, é fazer do nosso coração um altar onde a
gente possa oferecer sacrifícios espirituais contínuos a Deus,
é entender que ele habita em nós. E como é que a gente
entra em contato com Ele? Pela Fé. Porque Jesus, ao morrer
na cruz, não só conseguiu o perdão dos nossos pecados,
mas se tornou causa eficiente da graça. É pela humanidade
de Cristo que a graça chega até nós. E como que a gente vai
receber essa graça? Contatando com ele. E como a gente
toca o Cristo? Pela fé.

Então a Madre Celeste, como eu dizia, fundamentou toda a


vida espiritual dela e toda a espiritualidade redentorista sobre
essa Rocha firme que é Cristo. Porque, a partir daí, vai
acontecer aquilo que eu falei anteriormente, virá o Espírito
Santo, pois nosso Senhor disse que se a gente
permanecesse com ele, se a gente permanecesse em
oração no cenáculo, ele enviaria o Espírito Santo. E o
Espírito Santo é o santificador, ele é o nosso diretor
espiritual; os outros, daqui da terra, nos ajudam a identificar
essa [inaudível] fonte do Espírito Santo [acho que ela disse
isso: "fonte"], mas é ele que nos dirige, é ele que nos
transforma, é ele o Divino Artista que vai pintando a imagem
do Cristo na nossa alma. Nós, devemos ter memórias vindas
de Cristo, é isso que diz o prólogo da nossa regra primitiva.

E pra encerrar esse ponto sobre a espiritualidade


redentorista, eu irei retornar com o prólogo da nossa regra,
pois o Eterno Pai revela a Madre Celeste e diz assim:

"Com desejo ardente, desejei dar ao mundo meu Espírito e


comunicá-lo às minhas criaturas racionais, para viver com
elas e nelas, até o fim do mundo. Dei-lhes o meu unigenito
Filho, com infinito amor, e por essa razão lhes comuniquei o
meu Divino Espírito consolador para deificá-los na vida,
justiça e verdade, e para estreitá-las todas na minha direção,
neste Verbo, Filho de amor. E por isso, toda difusão de
minha graça, justiça e verdade, e por ele, a vida eterna.
Portanto, para que minhas criaturas se recordem de minha
eterna caridade, aprouve-me escolher este (inaudível)
[parece dizer "título"] para que seja uma viva memória para
todos os homens do mundo, de tudo quanto se aprouve o
meu Filho unigenito realizar por sua salvação, pelo espaço
de trinta e
três anos em que ele habitou no mundo como homem
(inaudível)."

Quer dizer, o Eterno Pai diz 'com desejo ardente, desejei dar
ao mundo meu Espírito'. O que é a caridade? Deus nos
amou primeiro. É preciso entender isso, senão nós não
vamos amar a Deus como Ele deseja. É nisso que consiste a
caridade: Deus nos amou primeiro. Se a gente não deixa
Deus nos amar, o que vai acontecer? A gente vai pegar as
nossas orações, as nossas penitências, os nossos terços,
vamos chegar a Ele e dizer: olha Deus, fiz tudo isso; agora
me ame.

Não, Deus não quer isso. Deus não precisa disso. Deus quer
nos amar com o amor d'Ele. "Com desejo ardente desejei
dar o meu Espírito". E ele deu o seu Filho, pra mostrar o
caminho de volta.

O que foi o pecado original? A gente foi expulso do Paraíso.


E o que é a vida da Graça? É retornar ao Paraíso. Como é o
caminho? É o próprio Jesus. É ele que nos levará de volta ao
Paraíso, à Sétima Morada.

Madre Celeste entendeu muito bem isso, porém a


Providência deixou que ela ficasse praticamente trezentos
anos escondida. E acreditem se quiser, mas esse prólogo
que eu acabei de ler, que não está completo, ainda tem mais
uma parte; ele praticamente foi desconhecido pelas próprias
redentoristas durante quase trezentos anos. Um padre
redentorista, depois da Segunda Guerra mundial, foi ao
mosteiro onde ela recebeu as regras, para saber mais sobre
a Madre Celeste, pois ele teve acesso aos escritos dela e,
inclusive, estava tudo datilografado. Ele ficou impressionado,
foi lá e disse às monjas "Então, me fala mais sobre a Madre
Celeste", no que as monjas responderam "Quem é Madre
Celeste?" -- acreditem se quiser.

Então, para finalizar, a espiritualidade redentorista -- e não é


por ser redentorista que eu estou falando isso -- é tão
sublime quanto a do Carmelo ou a de São Bento e etc. O
Eterno Pai disse [...] O que é amar ao próximo? É desejar
Deus para o próximo. Aqui o Eterno Pai está falando "para
que minhas criaturas se recordem de minha Eterna
Caridade, aprouve-me escolher este instituto para que seja
uma viva memória", quer dizer, nós redentoristas só vamos
recordar ao mundo a Eterna Caridade, com a qual Deus nos
amou (amou a humanidade toda), é nós nos transformarmos
numa memória viva, e a memória viva só acontece se a
gente permanece unido com Cristo, porque ele nos mandará
o Espírito Santo. E como a gente vive unido com o Cristo?
Pelas virtudes teologais.

Então é isso, é isso que Santa Teresinha entendeu depois


da graça do Natal. Ela viu aquela estampa de Jesus
crucificado, e via o sangue caindo das suas mãos, que --
como ela disse nos seus manuscritos -- eram abundantes.
Porém, quem vê a
imagem original (aquele santinho) vê que, ao contrário, tem
apenas alguns pingos de sangue. Mas ela teve uma intuição
espiritual. Esse sangue precioso que é derramado e que
ninguém recolhe "para os merecidos pecadores" [não tenho
certeza se ela disse isso]. Então a redentorista é convidada a
fazer isso, transformando numa viva memória do Cristo.

Entrevistadora: Irmã, a senhora poderia comentar (porque o


hábito chama bastante atenção), a senhora poderia
comentar um pouco sobre as cores e se o corpo da Madre
Maria Celeste está incorrupto. Pois, segundo o que
pesquisamos, o corpo dela está incorrupto.

Irmã: Sim. Como eu dizia, a nossa regra toda foi revelada


por Deus a Madre Celeste na ação de graças, depois da
comunhão. Então, toda a regra é dita em primeira pessoa,
ora o Eterno Pai falando, ora o Cristo. E quando chega na
parte das vestimentas, Jesus diz o significado de cada cor,
que, justamente é o que mais chama atenção, a túnica toda
vermelha, que é para recordar a Caridade de Deus por nós,
essa Eterna Caridade que Deus tem por toda a humanidade.
A princípio não tinha o escapulário (isso vai ser tema de uma
outra conversa), mas o manto azul que nós usamos é
justamente para lembrar as coisas celestes, ou as coisas do
alto, como diz São Paulo. O véu branco é a pureza, e o véu
preto, que também usamos por cima do branco, é a
mortificação, a morte ao mundo. Temos o nosso cinto com o
Rosário, pois não poderia faltar ela, a Virgem Maria. Que,
aliás (é preciso sempre ver esse detalhe), que, no Cenáculo,
Nosso Senhor disse: "Subam para Jerusalém." Ou seja,
subam para o Espírito, para a região da nossa alma onde a
Graça se comunica, e permaneçam em oração. E quem
estava lá? Nossa Senhora.

Se nós queremos entrar no Reino dos Céus -- que é como a


Sagrada Escritura designa a Vida Mística -- nós precisamos
passar por aquela que é a Porta do Céu, a Virgem Maria.
Então é esse o significado evidente do cinto com o Rosário
grandão, que só o redentorista tem desse tamanho [risos].

Já sobre o corpo incorrupto da Madre Celeste, sim, ele está


numa cidade vizinha de onde está o Padre Pio, no norte da
Itália. E é muito curioso (isso me lembra de duas cenas, de
dois acontecimentos), primeiro que todo ano as irmãs trocam
os hábitos delas para poder servir de relíquia, como o Padre
Pio mesmo. E uma dessas vezes, a irmã fraturou o braço ou
o ombro da Madre Celeste, e depois de duzentos e
cinquenta anos ainda corria sangue vivo, escorreu sangue. E
um outro acontecimento, mais impressionante ainda (se eu
não me engano, em 1940 e alguma coisa), foi da
transladação do mosteiro antigo para o novo, em Pódia na
Itália. Estavam em procissão com a urna da Madre Celeste
e, o Bispo que os acompanhava, deu uma ordem mental (em
nome da obediência) pra Madre Celeste, para que ela
fizesse o sinal da cruz. Naquele momento em que ele deu a
ordem mentalmente, ela fez, na frente de todo mundo, o
sinal da
cruz.

Isso são coisas que Nosso Senhor permite para que a gente
veja que a morte não tem poder sobre Ele, e o mesmo
acontece também, de certa forma, nos seus santos.

Informações: O mosteiro redentorista da monja está


localizado em Formosa, no estado de Goiás. O site para
quem quiser perguntar qualquer coisa é:
mosteirodasantapaz.com
Eles tem Instagram, tem email, tem telefone. Tudo está
informado e organizado no site, de forma que podemos
entrar em contato da maneira que desejarmos.

Irmã: Soror Maria Aparecida da Santa Cruz, OSsR

Mensagem final da Irmã: "A gente precisa fazer eco da


única Palavra, que é o Verbo de Deus, porque se nós não
formos esse eco da Palavra de Deus, não vai tocar, não vai
transformar, não vai ensinar. Mas quando Deus fala, as
coisas ganham vida."

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