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O CAMINHO DA CRUZ

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Anônimo
TÓPICOS

INTRODUÇÃO – p. 4

A UTILIDADE DO SOFRIMENTO PARA O CRISTÃO – p. 6

O SOFRIMENTO COMO UMA OPORTUNIDADE ESPIRITUAL – p. 8

SOBRE COMO EM QUALQUER LUGAR ENCONTRAMOS A CRUZ E COMO LEVÁ-LA


CORRETAMENTE – p. 9

O ATO DE ABANDONO QUE DEVEMOS REALIZAR PRINCIPALMENTE QUANDO COISAS RUINS


OU DIFÍCEIS ACONTECEREM CONOSCO – p. 11

COMO DEUS É O AUTOR REAL DE TUDO O QUE ACONTECE CONOSCO, INCLUSIVE DAS COISAS
RUINS – p. 13

QUAL O EFEITO DO SOFRIMENTO SOBRE NÓS – p. 15

COMO PASSAR DO ESTADO DE UMA MÁ PESSOA PARA O DE UMA BOA PESSOA, COMO
PASSAR RELATIVAMENTE BEM POR MOMENTOS TURBULENTOS NA VIDA – p. 16

COMO REALIZAR AS TRÊS BOAS OBRAS INDICADAS PELO CRISTO PARA SERMOS SALVOS – p.
19

SÃO CINCO OS PASSOS PARA SE PRODUZIR O PÃO – p. 20

COMO É A PESSOA QUE FAZ PÃO – p. 24

OS DOIS PRIMEIROS PEDIDOS DO PAI NOSSO E COMO TORNÁ-LOS PRESENTES NA NOSSA


VIDA – p. 25

COMO OBTER A PREFERÊNCIA DOS SANTOS – p. 29

LECTIO DIVINA E OS ESTÁGIOS DA ORAÇÃO: ATIVIDADES QUE CONTRIBUEM PARA A


DISCIPLINA DE PIEDADE E SANTIFICAÇÃO – p. 30

SÍMBOLOS E LIÇÕES NO LIVRO “O PEQUENO PRÍNCIPE” – p. 36


UM EXTRA: O PÃO E A UVA – p. 50

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INTRODUÇÃO
Esse monge anônimo, que nos apresenta em poucas páginas a essência e os três
pilares da vida interior, não pretende oferecer um tratado teológico formalíssimo
sobre a ascética cristã. Ele ensina um caminho. Quem não estiver disposto a entrar no
caminho, nada poderá fazer com esse livrinho.
Este opúsculo é um guia para aprender um caminho interior e solitário, no entanto
muito compensador. Um guia é alguém que se tem que seguir passo a passo,
resolutamente, durante muito tempo. O livrinho oferece chaves para a prática
verdadeira e autêntica da vida cristã, de acordo com a mais antiga tradição apostólica
e com os ensinamentos dos Santos Padres do Deserto. Mas não se trata de discutir os
valores teóricos. O leitor que fizer leal e repetidamente o esforço de aprender o
método aqui contido, dirá se vale a pena ou não. A prática julgará aqui como em todos
os aspectos da vida cristã.
Por isso, pedimos ao leitor que não julgue sem experimentar não só uma vez, mas
durante muito tempo.
Esta obra reúne, em essência, conhecimentos adquiridos em aula e também citações
diretas dos professores Luiz Gonzaga de Carvalho Neto e Tales de Carvalho, que estão
presentes no site www.icls.com.br (Instituto Cultural Lux et Sapientia).

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A UTILIDADE DO SOFRIMENTO PARA O CRISTÃO

“O sofrimento é a maravilha do universo” (Georges Bernanos)

O sofrimento é a maravilha do universo, ele nos dá a oportunidade de sermos fiéis a Deus, nos
mantendo sob Seu amor e sob Suas leis mesmo nos piores momentos da nossa vida. Este sim é
um grande mérito e uma vida vivida assim é digna de merecimento.

Pois de que vale o amor a Deus numa vida em que tudo transcorre ao nosso favor? Numa vida
assim, tanto o bom quanto o mau agradeceria a Deus, pois tudo lhes transcorre bem.

Por isso, na vida, pouco importa se você vai parar de sofrer ou não, mas sim o que você fará
com o seu sofrimento. Nosso dever é espiritualizá-lo carregando a cruz todo dia, imitando
assim a Cristo.

Todas as pessoas têm uma cruz para carregar. Não há homem neste mundo sem
cruz. Quem conheceu a Cristo desde a infância tem como Cruz a Cruz do nosso
Cristo. Aqueles que encontraram Jesus e se arrependeram em nome de sua vida
anterior, têm uma cruz, a cruz do ladrão bom e penitente. E aqueles que encontraram
Jesus e não O receberam, têm em sua vida a cruz do ladrão impenitente. Portanto, todos
nós temos nossa cruz. Cada um carrega sua cruz e sobe em seu próprio Gólgota (a colina
fora de Jerusalém onde Jesus foi crucificado), o Gólgota de sua vida pessoal. 

São Mateus 5,39-41

[39]Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe
também a outra.

[40]Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa.

[41]Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil.

Perdoar as faltas dos outros cometidas contra nós é o verdadeiro método para se alcançar o
perdão divino para os seus próprios pecados.

São Mateus 6,14-15

[14]Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, vosso Pai celeste também vos
perdoará.

[15]Mas se não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará.

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O SOFRIMENTO COMO UMA OPORTUNIDADE ESPIRITUAL

Se não houvesse circunstâncias adversas, como teríamos a oportunidade de provar nosso


amor e fidelidade a Deus?

Este trecho do livro Imitação de Cristo nos ensina mais sobre a perspectiva que devemos ter
diante do sofrimento:

“Não te julgues inteiramente desamparado, ainda quando, de tempos a tempos, te mando


alguma tribulação ou te privo de alguma consolação desejada; porque é este o caminho por
onde se vai ao Reino dos Céus. E isto, sem dúvida, convém mais a ti e a todos os meus servos,
serdes exercitados nas adversidades, do que se tudo vos sucedesse à vossa vontade. Eu
conheço os pensamentos escondidos, e sei que muito importa à tua salvação seres, às vezes,
privado de toda consolação espiritual, para que não te exalte o bom progresso e te desvaneças
do que não és. O que dei posso tirar, e dar de novo, quando me aprouver.

Se refletires bem e julgares as coisas segundo a verdade, não deves afligir-te tanto com a
adversidade, nem desanimar, mas, ao contrário, alegrar-te e dar-me graças. Até deve ser tua
única alegria que Eu te aflija com dores, sem poupar-te. "Assim como meu Pai me amou,
também Eu vos amo a vós" (Jo 15,19), disse Eu a meus diletos discípulos, e, entretanto, não os
enviei às delícias temporais, mas às grandes pelejas; não às honras, mas aos desprezos; não
aos passatempos, mas aos trabalhos; não a descansar, mas sim a produzir fruto copioso na
paciência. Meu filho, lembra-te destas palavras.”

Imitação de Cristo – Cap. 30, 4 e 6.

SOBRE COMO EM QUALQUER LUGAR ENCONTRAMOS A CRUZ E COMO LEVÁ-LA


CORRETAMENTE

A respeito disso, encontramos um maravilhoso discurso, também no livro Imitação de Cristo.

“Pois os que agora ouvem e seguem, docilmente, a palavra da Cruz, não recearão a sentença
da eterna condenação. 

Então, todos os servos da cruz, que em vida se conformam com CRISTO crucificado, com
grande confiança chegar-se-ão a CRISTO Juiz.

Por que temes, pois, tomar a Cruz, pela qual se caminha ao reino do Céu?

Na Cruz está a salvação; na Cruz a vida; na Cruz amparo contra os inimigos; na Cruz a
abundância da suavidade Divina; na Cruz a fortaleza do coração; na Cruz o compêndio das
virtudes; na Cruz a perfeição da santidade.

Não há salvação da alma, nem esperança de vida, senão na Cruz. Toma, pois, a tua cruz, segue
JESUS e entrarás na vida eterna.

O SENHOR foi adiante, com a Cruz às costas, e NELA morreu por teu amor, para que tu
também leves a tua cruz e nela desejes morrer.

Porquanto, se com ELE morreres, também com ELE viverás. E, se fores seu companheiro na
pena, também o serás na Glória.

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Verdadeiramente, da Cruz tudo depende e em morrer para si mesmo está tudo; não há outro
caminho para a vida e para a verdadeira paz interior, senão o caminho da Santa Cruz e da
Continua mortificação.

Vai para onde quiseres, procura o quanto quiseres e não acharás caminho mais sublime em
Cima, nem mais seguro embaixo, do que o caminho da Santa Cruz.

Dispõe e ordena tudo conforme teu desejo e parecer, e verás que sempre, hás de sofrer
alguma coisa, de bom ou mau grado teu; o que quer dizer que sempre haverás de encontrar a
cruz... Ou sentirás dores no corpo, ou tribulações no espírito. Ora serás desamparado de DEUS,
ora perseguido pelo próximo, e, o que é pior, não raro serás molesto a ti mesmo.

E não haverá remédio, nem conforto que te possa livrar ou aliviar. Cumpre que sofras quanto
tempo DEUS quiser. Pois DEUS quer ensinar-te a sofrer a tribulação sem alivio, para que de
todo te submetas a ELE, e mais humilde te faças pela tribulação.

Ninguém sente tão vivamente a Paixão de CRISTO como quem passou por semelhantes
sofrimentos.

A cruz, pois, está sempre preparada, e em qualquer lugar te espera. Não lhe podes fugir, para
onde quer que te voltes, pois em qualquer lugar a que fores, a levarás contigo, e sempre a
encontrarás em ti mesmo.

Volta-te para cima ou para baixo, volta-te para fora ou para dentro, em toda a parte acharás a
cruz; e é necessário que sempre tenhas paciência, se queres alcançar a paz da alma e
merecer a coroa eterna.

Se levares a cruz de boa vontade, ela te há de levar e conduzir ao termo desejado, onde acaba
os sofrimentos, posto que não seja neste mundo. Se a levares de má vontade, aumenta-lhe o
peso e fardo maior te impões; contudo é forçosa que a leves.”

Imitação de Cristo, livro II, capítulo 12, p. 106  

O ATO DE ABANDONO QUE DEVEMOS REALIZAR PRINCIPALMENTE QUANDO COISAS RUINS


OU DIFÍCEIS ACONTECEREM CONOSCO. POR PROF. LUIZ

Abandonar-se COMPLETAMENTE em Deus e em Sua Providência sem um pingo de sentimento


de "vítima coitadinha injustiçada pelos homens" diante d'Ele. Esse abandono deve ser
atualizado o tempo todo ou, pelo menos, sempre que nos lembrarmos e especialmente
quando coisas ruins acontecerem, sejam elas exteriores ou interiores.

Nunca esquecer que os deveres para com Deus e para com o próximo devem ser realizados
com dedicação, mas que os resultados pertencem TOTALMENTE à decisão divina.

O que nos acontece de bom é por Sua bondade e o que nos acontece de ruim é por Sua justiça,
já que Ele não nos deve ABSOLUTAMENTE NADA.

Por fim, devemos pedir perdão constantemente por nossas falhas diante d'Ele e do próximo.

ESSE é o "esforço interior" necessário e a nossa parte no caminho da santidade. TODA a


ascética religiosa está a serviço disso.

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Como regra geral, a única maneira de se adquirir essa virtude espiritual é buscando a
companhia e o afeto de quem já a domina. Esse é um dos sentidos mais profundos e místicos
da intercessão e da comunhão com os santos.

“Ó meu Deus, eu não sei o que hoje me há de suceder; ignoro-o por completo; mas sei
certamente que nada poderá acontecer-me que Vós não tenhais previsto, regulado e
ordenado de toda a eternidade; e isto me basta.

Adoro os vossos desígnios impenetráveis e eternos e a eles me submeto de todo o coração.


Quero tudo, aceito tudo e uno o meu sacrifício ao de Jesus Cristo meu divino Salvador. Peço-
Vos, em seu nome e pelos seus merecimentos infinitos, paciência nas minhas penas e
submissão perfeita e inteira a tudo o que me suceder segundo o vosso divino beneplácito.

Assim seja.”

COMO DEUS É O AUTOR REAL DE TUDO O QUE ACONTECE CONOSCO, INCLUSIVE DAS COISAS
RUINS

Este trecho é de um áudio gravado pelo professor Tales de Carvalho, onde ele mostra que tudo
o que nos acontece é por obra divina. Pois como é dito na Escritura mesma: Só existe um
Senhor, e fora d'Ele não há outro.

“Todo mundo atribui a Deus a autoridade quando acontece alguma coisa boa com elas. É
muito comum ouvirmos “ah, recebi a bênção de Deus de ter um filho", “recebi a benção de
Deus de receber essa herança”, etc. Nessas horas todo mundo lembra que Deus é o agente
absoluto, é o agente primeiro daquilo ali; é fácil esquecermos as causas intermediárias quando
nos acontece uma coisa boa. No entanto, quando nos acontece alguma coisa ruim, a causa
absoluta, o agente primeiro, é Deus da mesma forma.

Se o seu filho morre, se você perde dinheiro, se você fica doente: Deus é o agente primeiro,
além das causas intermediárias.

Então a pessoa tem que recordar que TUDO o que acontece pra ela, tudo, tudo, tudo, Deus é o
agente real por trás daquilo. E não é uma questão de que as causas intermediárias não
existem; elas existem, e Deus mesmo é o criador delas, inclusive. Deus é quem dá existência às
causas intermediárias. Então Deus é o agente real de tudo em última instância; de tudo, sendo
bom ou ruim. Então devemos nos lembrar disso o tempo todo.

No entanto devemos estar atentos a respeito do que a moral religiosa nos pede para fazer em
determinados casos.

Por exemplo, se vem alguém e mata seu filho, Deus também ordena uma certa resposta moral
da sua parte, seja essa resposta mandar o cara pra cadeia ou matar ele, etc. Ou seja, a situação
exige uma resposta moral, então você tem de agir de acordo com ela, de acordo com o que
pede sua religião, mas sem esquecer que Deus é o agente daquilo. Isso é CONFORMIDADE
COM DEUS.

Quando alguém te faz algo de bom, você agradece mas se recorda de que o agente real
daquilo, o autor, é Deus.

E quando alguém te faz algo de mau, você então se protege, ou faz justiça, qualquer coisa que
a moral religiosa te exige, mas você também recorda que Deus também é o agente real

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daquilo: não aconteceria isso se Deus não quisesse. Todo bem e mal que nos acontece procede
de Deus, com exceção dos nossos pecados.

Temos de acreditar que Deus é o agente de tudo. Quando te acontece algo de bom, a resposta
da moral religiosa é a gratidão, o contentamento e etc; quando te acontece algo de ruim, a
resposta é tentar consertar, fazer justiça e se conformar, não se revoltar com aquilo.

Independente das respostas, Deus é o agente, então você nunca se revolta.

Nunca ama mais aquilo que é bom do que Aquele que deu o que é bom.

Nunca se revolta contra aquilo que é aparentemente mau pra você, porque Deus é o agente de
tudo.

Então todo bem e mal que te acontece se você ter a resposta adequada, que é gratidão e
conformidade, ambas as coisas servirão para sua felicidade eterna. Este é o sentido de “todas
as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus".

E se você tiver a resposta errada, que é amar mais a coisa boa do que Deus e se revoltar contra
o destino diante da coisa má, as duas coisas servirão como lenha pro inferno pra você.”

QUAL O EFEITO DO SOFRIMENTO SOBRE NÓS

O sofrimento é como um juízo que revela quem é bom e quem é mau.

Se uma pessoa é má e perde o filho, a família, seus bens, logo acha ser tudo uma injustiça
contra ela e começa a roubar, matar, buscar se suicidar, etc. O que no fundo é uma revolta
contra Deus. Ela baixa de nível, ela fica pior. Não porque ela se tornou uma pessoa má, mas
porque ela já era; o sofrimento só mostrou isso. Por isso o sofrimento é como um julgamento
sobre a pessoa.

O sofrimento separa os bons dos maus. É como uma espada que divide.

São Lucas 2,34-35

[34]Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: Eis que este menino está destinado a ser
uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que
provocará contradições

[35]a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações. E uma espada transpassará
a tua alma.

COMO PASSAR DO ESTADO DE UMA MÁ PESSOA PARA O DE UMA BOA PESSOA, COMO
PASSAR RELATIVAMENTE BEM POR MOMENTOS TURBULENTOS NA VIDA

Bom, para essas perguntas, Cristo nos responde de forma muito clara no Sermão da
Montanha, que é como que um resumo dos quatro Evangelhos e onde praticamente tudo está
ali.

E o que o Cristo responde? Primeiro ele faz uma comparação da nossa alma com uma casa,
dizendo:

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São Mateus 7,24-27

[24]Aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um
homem prudente, que edificou sua casa sobre a rocha.

[25]Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa;
ela, porém, não caiu, porque estava edificada na rocha.

[26]Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as põe em prática é semelhante a um
homem insensato, que construiu sua casa na areia.

[27]Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa;
ela caiu e grande foi a sua ruína.

Aqui, a tempestade e os ventos podem ser interpretados como as tribulações e os momentos


difíceis pelos quais passamos na nossa vida terrestre, e Cristo diz nessa passagem que se a
alma estiver bem edificada, construída sobre a rocha, ela não será destruída e não se
arruinará, por maior que seja essa tempestade.

E o que é essa rocha que o Cristo diz ser o lugar onde você deve edificar sua alma? São as
Palavras d’Ele; mais exatamente as que ele acabou de falar, que constituem o Sermão da
Montanha.

Se observarmos bem esse Sermão, veremos que nele se destacam três obras principais que o
Cristo manda fazer. São elas: Oração, Jejum e Esmola. E é acrescentado um requisito que hoje
em dia anda muito esquecido, que é a necessidade de fazer essas boas obras em segredo,
longe do olhar dos homens.

São Mateus 6,1-2.5-6.16-18

[1]Guardai-vos de fazer vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Do
contrário, não tereis recompensa junto de vosso Pai que está no céu.

[2]Quando, pois, dás esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas
sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade eu vos digo: já
receberam sua recompensa.

[5]Quando orardes, não façais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e
nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam
sua recompensa.

[6]Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai,
que vê num lugar oculto, recompensar-te-á.

[16]Quando jejuardes, não tomeis um ar triste como os hipócritas, que mostram um semblante
abatido para manifestar aos homens que jejuam. Em verdade eu vos digo: já receberam sua
recompensa.

Realizando essas três obras regularmente, que dentro da tradição chamamos de disciplina de
piedade, estaremos fundando e edificando nossa alma sobre a rocha. E graças a Deus isso não
é tão difícil. A religião é simples e Cristo nos explicou tudo direitinho e já mastigado.

Um outro significado para a casa edificada na rocha, que sobrevive às tempestades e


tormentas, é a alma do justo que permanece de pé mesmo depois do Juízo Final, quando o
Cristo vier para dizer pessoalmente se estaremos salvos ou condenados eternamente.

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Neste sentido o esforço do sujeito para seguir os mandamentos e realizar essas três obras
continuamente se consuma na sua salvação.

Cristo, no Sermão da Montanha, afirma que quem cumpre os mandamentos e tem sua
disciplina como ele estipulou ali, terá sua alma salva.

São Mateus 7,24

[24]Aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um
homem prudente, que edificou sua casa sobre a rocha.

COMO REALIZAR AS TRÊS BOAS OBRAS INDICADAS PELO CRISTO PARA SERMOS SALVOS

Devemos esclarecer bem no que consiste exatamente cada um dos elementos da disciplina de
piedade, e para isso nada melhor do que apelar para uma analogia com o processo de
fabricação do pão. Só que neste caso, o que estaremos fabricando aqui é o Pão espiritual,
aquele que Deus disse a Adão que este comeria do pão com o suor do próprio rosto.

Gênesis 3,19

[19]Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado;
porque és pó, e pó te hás de tornar.

A terra a que iremos retornar, com o esforço constante de fazer o Pão, é o próprio paraíso.
Porém isto só se efetivará na nossa morte.

O suor aqui é entendido como o gesto de você se contrariar para fazer as coisas que você não
gosta da religião, é o esforço de fazer coisas que você não gosta. Sejamos sinceros, quem aqui
gosta de orar, jejuar e dar esmolas em segredo?

Quem não gosta dos três é o que está na melhor posição, pois este esforço seu de se contrariar
se tornará Pão pra você, um alimento para sua alma imortal.

SÃO CINCO OS PASSOS PARA SE PRODUZIR O PÃO

1. Primeiro temos de colher o trigo, depois moê-lo, depois adicionar água, depois bater a
massa formada e por fim colocar no forno. O ponto é: como isto se traduz em termos
espirituais? O primeiro passo, colher o trigo, significa toda vez que participamos das
atividades em grupo da igreja que tem a intenção de tornar Cristo presente, assim
como os sacramentos.

Exemplo: A missa, a leitura do Evangelho em grupo, rezar o terço em grupo, participar de


vigílias e etc.

Nessas atividades colhemos trigo, que em outras palavras se chama graça santificante. Mas
não devemos fazer como a maioria e parar por aí. Ou seja, não basta ir a missa, colher o trigo,
e não fazer mais nada. Precisamos elaborar esse material para podermos consumi-lo. A missa
também não pode ser qualquer uma, nela não deve acontecer sacrilégio, caso contrário
estaríamos envenenando o trigo colhido, e comer pão feito de trigo envenenado mata.

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2. Depois de colhido o trigo precisamos triturá-lo para virar farinha. E como fazemos
isso? Fazemos isso decidindo todo dia: Hoje vou rezar independente de como eu me
sentir; ou, hoje vou jejuar independente do quê, dar esmolas independente do quê.
Isso “tritura” os elementos contrários a Deus na nossa alma, assim como a pedra do
moinho tritura o trigo. Estudar as coisas da religião e investigar a verdade dela
também entra no esforço para moer o trigo.

3. Com o trigo tornado farinha, precisamos agora adicionar a água para ela se tornar uma
só massa. Para fazer isso em termos espirituais precisamos do jejum, pois o jejum
reúne todos os desejos em um só: o desejo de comer. Esse fazer jejum que o Cristo
fala é passar fome. Quando estamos com fome não desejamos o carro do ano, ser
promovido, ter uma namorada, etc. Não. Durante o jejum só queremos comer a
coxinha que vimos no bar da esquina. E por isso o jejum está associado ao adicionar
água à farinha para formar uma só massa, pois ele reúne todos os desejos em um só.

4. Depois de formado uma só massa, o próximo passo é bater a massa para capturar ar e
assim fazer a massa ficar macia. Para isso precisamos da oração, pois orando estamos
falando com Deus, e nessa conversa está ocorrendo uma troca de ar: inspiração e
expiração. Conversando com Deus por meio da oração é fazer algo de mim subir até
Ele e algo dEle descer até mim. Um dos significados da palavra Espírito é justamente
ar. Por isso a oração é análoga ao processo de bater a massa para torná-la macia.

5. Agora nossa massa já está feita e falta apenas a forma final, a consistência final. E para
realizarmos este último passo precisamos colocar a massa no forno. E como fazemos
isso espiritualmente? Dando esmolas. Por quê? Porque dando esmolas (dinheiro) algo
sai de nós, que são justamente aqueles desejos terrenos que acumulamos durante o
jejum. O mesmo acontece quando colocamos o pão no forno: parte da água que tinha
nele sai, e ele fica mais firme, mais sólido. A esmola também está ligada ao assar o Pão
no forno porque o que se acende em nós é o fogo da Caridade. Ela também é um fogo
que nos separa de um bem material para nos manter unidos a um bem espiritual. O
propósito da esmola é permanecermos unidos à nossa caridade.

Este é o processo para se fabricar o Pão espiritual indicado pelo Cristo no Sermão da
Montanha.

É esse Pão que nos dará força para não cair em pecado mortal e também para continuar se
empenhando nessa nossa Obra de Salvação.

Salmos 103,15

[15]e o vinho que alegra o coração do homem, o óleo que lhe faz brilhar o rosto e o pão que lhe
sustenta as forças.

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Sobre como produzir Vinho não falaremos aqui, pois esta parte se trata não da Obra de
Salvação, mas da Obra de Perfeição.

É o Pão que garantirá também que seremos salvos, pois Deus já falou que só se põe no Pão e
no Vinho.

Se fabricarmos Pão durante toda a vida, depois da morte Cristo nos dará um pouco de Vinho e
depois iremos consagrá-los juntos.

COMO É A PESSOA QUE FAZ PÃO

Retiro este trecho da aula “O Homem” ministrada pelo professor Luiz Gonzaga de Carvalho
Neto:

“Fazendo Pão a pessoa ainda não é santa, mas sua obra é. Dessas três coisas – oração, jejum e
esmola – Cristo disse que devemos fazer todas elas, e não somente uma ou duas.

Depois de uns três a cinco anos fazendo Pão, poderemos perceber alguns sinais nessa pessoa:
Ela terá paz e estará na ambiência do Espírito Santo. Os problemas da vida dela não afetarão
mais como antigamente a alma dela, ela permanecerá firme e em paz. Ela se torna firme e
estável na religião, terá um sabor delicado, não excessivo – do mesmo modo que o pão não
tem um sabor excessivo. Quando você conversar com a pessoa que tem Pão você sentirá que
os sabores que te incomodam se afastarão, você sentirá força, sentirá que ela tem uma
firmeza que não precisa se afirmar. Em suma: Ela será um Pão pra você porque ela tem Pão.

E saiba: aquele produz Pão e Vinho tem sua vida, em termos humanos, completa; ele já não
deixa nada a desejar. Essa é uma característica dessas pessoas. Elas tem uma paz que os outros
não têm. Os outros não têm paz porque a vida não está completa, tem algo que elas não
sabem se vão conseguir, não sabem se vai acontecer ou, ainda que vá, não sabem se vai ser
amanhã, ano que vem ou depois. A pessoa que tem Pão e Vinho sabe que aquilo de que o
homem precisa e aquilo que torna a sua vida deliciosa já está presente nelas.

Você quer conhecer Deus? Se você é cristão e quer conhecer a Deus só tem um jeito, e esse
jeito é universal: Pão e Vinho é o que todo mundo tem que fazer.”

OS DOIS PRIMEIROS PEDIDOS DO PAI NOSSO E COMO TORNÁ-LOS PRESENTES NA NOSSA


VIDA

Os pedidos do Pai Nosso visam nos libertar de infelicidades fundamentais. Aqui trataremos
apenas dos dois primeiros pois eles são mais urgentes e mais rapidamente realizáveis em
nossas vidas.

O PRIMEIRO PEDIDO

O primeiro pedido “Santificado seja o Teu Nome" trata a respeito da nossa relação com Deus
diante das coisas ruins que acontecem conosco. Nesse primeiro pedido pedimos para que
Deus remova das nossas vidas tudo aquilo que nos afasta de uma amizade pessoal com Ele,

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mesmo que algumas dessas coisas nos pareçam indispensáveis e muito queridas. Nesse caso
estamos pedindo para sofrer uma dor de separação entre uma coisa muito boa para nós,
porém que nos impede particularmente de ter uma amizade com Ele.

Quando essa ocasião acontecer, de perder algo muito querido por nós, porém ilícito para uma
amizade com Ele – pois é isso mesmo que estamos pedindo –, devemos ter uma atitude de
pobreza de espírito, e afirmar conosco mesmos: Talvez aquilo de que me separei não seja tão
bom assim pra mim, portanto nada sei a respeito daquilo que é bom ou mal pra mim, só Deus
sabe, e Ele governa a minha vida, portanto só me cabe ser conforme às ações dEle na minha
vida e recorrer a Ele quando algo que me parecer “bom" for tirado.

Ser pobre de espírito aqui é ser pobre de opinião a respeito do que é bom ou mau pra gente
mesmo. É saber que isso, só Deus sabe.

Executando essa atitude de pobreza de opinião nessa ocasião que pedimos a Ele, damos a
oportunidade para ser realizada em nós a primeira petição do Pai Nosso, que é o dom do
Temor de Deus, que se completa numa graça que percebemos com profunda certeza: sei
muitas coisas sobre a minha vida, mas não sei o que é realmente bom ou mau pra mim. Ao
mesmo tempo, nada sei sobre Deus, exceto que Ele é o único que pode me fazer escapar desse
vale de lágrimas e entrar no Reino dos Céus .

Essa primeira perfeição espiritual se refere a quem percebeu claramente que não sabemos o
que é a nossa vida e este mundo, mas sabemos que Deus é a única saída dessa condição e a
única cura para nossas deficiências.

“E Deus Disse: Faça-se a luz! E a Luz se fez. E Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das
trevas.”

O SEGUNDO PEDIDO

No segundo pedido, “Venha a nós o Teu Reino", estamos procurando uma firmeza para as
nossas vidas, como complemento da insegurança que obtivemos no primeiro pedido. E no que
se baseia essa segurança e firmeza que podemos obter realizando o segundo pedido? Ela se
baseia nas Leis de Deus, pois quem segue Suas Leis e sabe que as está seguindo,
conscientemente, caminha com segurança nesta vida e faz suas escolhas com muito mais
tranquilidade. Basicamente, para nós nos tornarmos, como diz a segunda bem aventurança,
herdeiros da terra, necessitamos correr atrás dessa herança que já nos foi prometida, que é
toda a tradição cristã. Ou seja, para caminharmos com segurança, sabendo que estamos
cumprindo a Lei de Deus e os exemplos contidos nas Escrituras em forma de histórias,
precisamos ler as Escrituras todos os dias para resgatarmos assim essa herança.

O efeito de quem lê bastante as Escrituras é justamente o que pedimos no segundo pedido


“Venha a nós o Teu Reino": a pessoa passa a adquirir uma firmeza na vida dela pois ela sabe
que tudo aquilo que ela escolhe pra vida dela, tudo aquilo que ela decide e toma como atitude,
já está presente na Bíblia. Ela toma como modelo de suas ações os exemplos dos santos e a
Bíblia. Assim ela antecipadamente sabe se aquela atitude é a correta ou não, pois ela sabe que
aquilo que ela decidiu já foi anteriormente, na Bíblia, querido por Deus. E sabe que,
escolhendo aquilo, seu destino é o Céu e a sua salvação.

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Com o tempo, a pessoa que busca ler as Escrituras todos os dias para realizar esse segundo
pedido do Pai Nosso, perceberá ao ler a Bíblia, que ela é como que um espelho da sua própria
vida, da sua própria rede de decisões e motivos.

Por exemplo, ao ler a história de Noé, a pessoa com o dom da Piedade, advindo desse segundo
pedido do Pai Nosso, perceberá algo assim: Ah, um dia também todos me chamaram de louco
por estar fazendo uma coisa certa e mesmo assim eu continuei, e no final todos se deram mal
e eu bem; assim como todos acharam Noé um doido por estar construindo uma arca que Deus
pediu, e depois todos se deram mal, exceto ele.

Assim, a vida do sujeito, como conjunto de atos ou ações começa a recordá-lo da Escritura, e
assim o sentido de muitas passagens é revelado de modo muito pessoal.

Aqui nesse pedido, devemos assumir o compromisso de ler a Bíblia todos os dias, para efetivar
o dom da Piedade (segundo pedido) e assim adquirir a herança da terra. Perceberemos na
conclusão desse pedido que a lei de Deus expressa nas Escrituras e nas vidas dos santos mede
e explica as circunstâncias das nossas próprias vidas, e sentiremos já neste mundo forte
segurança de estamos num bom caminho.

COMO OBTER A PREFERÊNCIA DOS SANTOS

É possível um não-santo reconhecer um santo? Sim, existe um jeito. Tem uma coisa que
antecede santidade que é possível aos reles mortais, que se chama “adquirir a preferência dos
santos". Os santos amam todos os seres humanos, mas eles preferem alguns sobre outros: e
como você faz pra adquirir essa preferência? Você tem que fazer o seguinte – é um ato de
confiança em Deus e meio às cegas, mas é a melhor coisa que uma pessoa pode fazer. Quando
você, na base da conjectura (tudo o que você já leu sobre santidade) e você identifica uma
pessoa assim, como santa (também com base na opinião de outras pessoas), você deve buscar
servir essa pessoa. Se você fizer isso e buscar servir essa pessoa, mesmo que essa pessoa talvez
não seja um santo mesmo, mas você busca servi-la porque você está de acordo com a sua
convicção, de acordo com a sua relativa certeza e você está servindo ela por ela ser um santo,
depois de um tempo servindo ela você vai adquirir uma graça, que em outras tradições, se
chama de A Preferência dos Santos. Assim, Deus irá te colocar em contato com os verdadeiros
santos, que estes por sua vez vão te dar coisas que você nem imagina – em termos de certeza
de Deus. O jeito pra você chegar a isso aí é fazendo isso: servir os que você acha que são
santos.

Você acha que o cara é santo e vai servi-lo. Servi-lo assim: Do que ele precisa? E aí, se ele for
um santo, ótimo; mas se ele não for, Deus vai te colocar em contato com os verdadeiros santos
e Deus vai fazer com que você participe das experiências místicas dos santos – os santos vão te
dar isso. E aí você vai passar a identificar todos os outros santos, não por achismo, mas por
certeza; não mais por conjectura, mas por identificação imediata.

Assim, a pessoa que faz isso, não está santa, mas está no grau da Preferência dos Santos. Os
santos gostam dela por algum motivo. Todos os santos vão falar: eu gosto de todo mundo, mas
desse aqui eu gosto mais, esse aqui é mais legal, gosto mais da companhia dele.

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LECTIO DIVINA E OS ESTÁGIOS DA ORAÇÃO: ATIVIDADES QUE CONTRIBUEM PARA A
DISCIPLINA DE PIEDADE E SANTIFICAÇÃO

Temos na tradição algumas formas de oração interessantes, como a Lectio Divina, a Liturgia
das Horas e o Pequeno Ofício de Nossa Senhora. Aqui entrarei em mais detalhes sobre a Lectio
Divina.

A Lectio Divina é uma forma, ao que tudo indica, de colher Uvas. Pois assim como ensinamos a
colher trigo e a fazer Pão, também podemos colher Uvas e fazer Vinho. A diferença é que com
as Uvas já podemos comê-las direto, diferentemente do trigo pra fazer Pão. Algumas pessoas
podem até comer trigo direto, mas essas pessoas o comem como animais, estas não estão
fazendo o que o Cristo mandou, que é pegar o talento (a Graça) e fazer render, ou seja, pegar
o trigo e elaborá-lo e torná-lo Pão, que já é um alimento consumível por seres humanos.

Abaixo coloco alguns trechos do livro Escada do Claustro, que nos indicam que realizar os
quatro passos da Lectio é, em termos espirituais, colher Uvas, degustá-las e nos saciarmos
delas:

“Eis uma palavra curta, mas cheia de suaves sentidos para o repasto da alma. Ela oferece
como que um cacho de uva”

“A leitura, de certo modo, leva à boca o alimento sólido, a meditação o mastiga e tritura, a
oração consegue o sabor, a contemplação é a própria doçura que regala e refaz.”

Bom, nesse caso, no que se resume essa colheita de Uvas que é a Lectio Divina? Como realizá-
la? A Lectio Divina se resume em quatro passos, em quatro degraus espirituais: a leitura, a
meditação, a oração e a contemplação.

Em resumo acontece o seguinte processo:

“A leitura procura a doçura da vida bem-aventurada, a meditação a encontra, a oração a pede,


a contemplação a experimenta”

No primeira passo, a Leitura, nós lemos um capítulo das Escrituras selecionado por nós – pode
ser o Evangelho do dia – e daí prestamos bastante atenção, lendo lentamente, procurando
nessa leitura o momento em que alguma parte da passagem nos fisgar a atenção sem que
façamos da nossa parte nenhum esforço ou interferência. Nesse momento em que algo da
passagem nos fisgar a atenção, nós podemos parar e seguir para o próximo passo.

O segundo passo, depois da Leitura, é a Meditação. No que consiste a meditação ou a


ruminação? Consiste em pegar aquela parte que nos chamou a atenção e ficarmos repetindo e
repetindo (daí o termo ruminando) até aquela repetição desembocar em alguma memória,
sentimento ou qualquer coisa nesse sentido. E se não acontecer nada, durante uns vinte
minutos de repetição, podemos parar por aqui. Muitas das vezes a Lectio para por aqui.

Caso acontecer de a repetição evocar alguma memória, sentimento ou desejo, então você
chegou ao terceiro passo. Nesse momento você pode ter lido “Bem aventurado os puros de
coração”, aquilo ter te fisgado a atenção, daí você foi lá e repetiu concentradamente várias
vezes, e aí, de repente aquilo evoca em você, profundamente, a seguinte certeza: Caramba,
não sou puro de coração, mas eu queria MUITO ser puro de coração. Quando chegar a esse
ponto, quer dizer que você pode partir para a Oração, o terceiro passo. Essa parte consiste em

15
orar e pedir incessantemente aquilo que você passou a enxergar com a meditação. Nessa hora
é como que se um fogo acendesse em você e você passa então a desejar ardentemente por
uma coisa.

O último passo surge naturalmente da Oração, ele acontece quando Deus responde o que você
estava pedindo e realmente te dá a experimentar aquele objeto a que você estava desejando
com a Oração.

Assim se conclui a Lectio Divina.

OS GRAUS DA ORAÇÃO

Para obtermos também um fruto da oração, já nesta vida, assim como acontece com quem
chega até o terceiro ou quarto degrau da Lectio, também podemos seguir alguns passos da
oração para se chegar até um grau em que estaremos muito mais próximos de Deus do que o
nosso habitual.

Para isso vou simplificar aqui quais são esses passos, que também são quatro:

O primeiro passo da oração é ter a intenção correta de realizá-la. No caso do Pai Nosso, por
exemplo, podemos ter a intenção básica de rezar essa oração porque ele ensinou assim ou
porque Cristo assim rezou. Desse modo, iremos iniciar a oração repetindo várias vezes o Pai
Nosso com essa intenção subentendida. O primeiro fruto desse primeiro estágio é, após um
certo tempo repetindo, e prestando atenção nos significados de cada petição, é sentirmos o
efeito de alívio e sensação de limpeza na alma.

Assim, durante a oração, quando sentirmos essa sensação de alívio e limpeza, devemos
renunciar a esse bem que recebemos, e continuar orando e prestando atenção no significado
da oração. O resultado disso é que iremos subir mais um estágio e iremos receber outro fruto,
que é a compreensão mais profunda do conteúdo da oração que estamos rezando.

Novamente, a atitude que devemos ter é a de renunciar a esse bem. Como que colocando no
banco pra render juros. A diferença é que agora nossa atenção deve estar voltada para a
origem dessas compreensões. Rezando assim, buscando a origem dessas compreensões,
iremos passar para o próximo estágio, que é o da oração de quietude.

Nesse estágio da oração de quietude o fruto que virá será uma satisfação imensa, muito forte.
E do mesmo modo, renunciaremos a este bem, para buscar a origem dessa satisfação. Iremos
rezar buscando a origem da satisfação.

O estágio seguinte é o da contemplação, que pode não acontecer com todos, já que nem todas
as pessoas são de tipo contemplativo. Nesse estágio chega-se à origem da satisfação imensa e
portanto chega-se até o próprio Deus. Aqui acontece a contemplação de Deus no nosso
interior.

E, chegando nesse estágio, mesmo que depois paremos de orar e paremos de contemplar a
Deus, esse quarto grau de oração deixa uma marca profunda em nós, em escala até
ontológica, de modo que colheremos um fruto que durará para sempre em nossa alma,
diferentemente do primeiro fruto, a sensação de limpeza e alívio, que praticamente dura
pouco tempo depois de pararmos de orar.

Monto um esquema para facilitar o entendimento:

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OS QUATRO ESTÁGIOS DA ORAÇÃO:

Oração verbal – requer: intenção correta – efeito: alívio/limpeza

Oração de recolhimento – requer: voltar-se para o conteúdo da oração – efeito: Compreensão

Oração de quietude – requer: voltar-se p/ origem da Compreensão – efeito: satisfação imensa

Oração de contemplação – requer: voltar-se p/ origem da satisfação – efeito: contemplação de


Deus

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Símbolos e Lições no livro “O Pequeno
Príncipe”
De te fabula narratur – A história é a respeito de ti

O CARNEIRO NUMA CAIXA

O simbolismo do carneiro.

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O Carneiro, ou cordeiro, tem a ver com o sacrifício que se realiza para oferecer a Deus.

O cordeiro foi o animal que Moisés sacrificou para agradecer pela libertação do povo
escolhido por Deus da escravidão do Egito.

Cristo, como o cordeiro enviado por Deus, se sacrificou para libertar os fiéis das
consequências últimas dos seus pecados particulares, e também para libertar a
humanidade da consequência do pecado original causado por Adão. Antes de Cristo, todos
nós merecíamos o Inferno como destino; depois de Cristo, quem o escolhe como Caminho
tem o Céu e a comunhão com Deus como recompensa. Cristo também nos libertou de
uma forma de escravidão - a escravidão do pecado.

Do mesmo modo, todos nós, como cristãos - ou seja -, como Alter Christus, temos um
sacrifício a ser realizado nas nossas vidas para oferecer a Deus. Também nós temos de
morrer no madeiro da cruz.

Assim como Cristo morreu na cruz para tirar o pecado do mundo, nós também temos de
morrer com fins à nossa purificação pessoal, para que entremos e sejamos merecedores
do Paraíso. Pois, como diz a Sagrada Escritura mesma, "se com ele morrermos, com ele
viveremos (para a vida eterna)".

Nosso Senhor Jesus Cristo nos mostrou que o caminho rumo ao Paraíso é o caminho da
Cruz, que é, no fim das contas, o auto-sacrifício por amor ao próximo e por amor a Deus
acima de tudo. Ele nos mostrou o caminho a seguir, mostrou com sua própria vida, e nos
disse no fim: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, quem crê em mim e segue as minhas
palavras não morrerá, mas terá vida eterna.

Isso significa que o Caminho é viver a vida de Cristo, que é a sequência de Vida, Paixão,
Morte e Ressurreição. Assim temos nós de Viver, Apaixonadamente Sofrer, por Ele morrer
- solitários numa cruz de santificação pessoal - e depois com ele reinar em sua Glória.

Essa jornada nenhum ser humano pode fazer por nós. Esse é o caminho solitário que o
Cristo percorreu e nos ensinou. É a estrada rumo ao Paraíso que Cristo nos abriu a porta.

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A parte da Vida é representada pelos Mistérios Gozosos do Rosário; a da Paixão e Morte
pelos Mistérios Dolorosos; e a da Ressurreição e Glória pelos Mistérios Gloriosos.

Quem está na primeira parte é iniciante ou principiante, na segunda é avançado e na


terceira é perfeito. Pois como o Cristo mesmo disse: Sede perfeitos como vosso Pai celeste
é perfeito. Então a perfeição é possível aos seres humanos. Ele mesmo nos prometeu isso.
Porém, o é unicamente àqueles que escolheram trilhar o Caminho que é Cristo, que vai
dele até ele mesmo, do início ao fim. É graça sobre graça.

O sacrifício.

Sobre o sacrifício a ser feito por nós, o próprio Deus irá nos indicar o campo onde nossa
morte ocorrerá, e nesse campo está enterrada uma Pérola, que é a nossa melhor parte.
Então a nossa melhor parte está enterrada num campo, cheio de sujeira, onde é preciso
pegarmos a pá e começarmos a cavar, até encontrarmos a prometida Pérola Evangélica.

"O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem
o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para
comprar aquele campo.
O Reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas.
Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui e a compra."

Quando você encontrar o campo onde está a Pérola, você irá ter uma indicação do
caminho do seu sofrimento particular ao qual Deus irá querer que seja oferecido a Ele de
modo privado. E descobrir isso, caso você esteja preparado para receber a Cristo, dá uma
grande alegria. Quando você descobrir isso, é como quando você descobre uma Pérola,
que é uma coisa que tem muito valor. Quando você descobre, você enterra de novo. E o
que significa esse enterrar? Significa você ocultar aos olhos dos homens esse seu sacrifício
secreto a ser oferecido a Deus. E depois de enterrado, você vai, vende tudo o que tem pra
comprar, pra possuir aquela Pérola; o que significa possuir essa sua melhor parte, que é a
sua forma santa - a sua forma de pessoa santa, perfeita, tal como Deus quer que você seja.
Essa forma é pessoal, única e particular. Para descobrir, somente trilhando o caminho do
seu sofrimento pessoal e vendendo tudo o que possui para comprar essa Pérola.

Vender aqui significa se despojar de tudo em você que não concorre, que não te leva para
essa sua melhor parte. Tudo o que for contrário a esse sofrimento pessoal, a esse caminho
rumo à Pérola enterrada, você se desliga disso, você joga fora, você vende.

"Jesus fixou nele o olhar, amou-o e disse-lhe: 'Uma só coisa te falta; vai, vende tudo o que
tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.'"

Essa sua parte que sofre são os pobres da sua alma. Essa parte é pobre porque ela, tal
como uma pessoa pobre, é totalmente dependente da misericórdia dos outros. No
entanto, a pessoa de quem essa parte pobre é dependente, é Deus. Se Deus quiser, Ele
cessa esse seu sofrimento; se Ele não quiser, Ele não cessa. Quando você descobre,
quando aparece esse seu sofrimento que Deus quer que seja oferecido a Ele, acontece

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dessa parte pobre da sua alma ficar totalmente entregue às mãos da Providência Divina, e
isso é um bom sinal, pois "O milagre aparece de maneira proporcional aos elementos do
seu ser que se entregaram à providência".

O milagre.

A promessa divina para quem está trilhando o caminho do sofrimento e da cruz que Deus
lhe enviou, é que depois desse sofrimento, haverá a Glória. Ou seja, a pessoa não irá sofrer
para o resto da vida, mas depois desse sofrimento, se ele for vivido da maneira como Deus
quer que ele seja vivido, a pessoa receberá sua recompensa, que é o Paraíso. Ou aquele
Paraíso para o qual todos nós iremos depois da morte, ou aquele terrestre, que é dado às
pessoas já em vida; e nesse caso, se a pessoa recebe o Paraíso já em vida, ela já está santa,
ela já é quem Deus quer que ela seja. Esse milagre prometido logo após o período de
sofrimento, só pode aparecer para a pessoa de maneira proporcional ao tanto que ela já
se entregou à Divina Providência. E isso não é fácil, é necessário ocorrer por meio dos
acontecimentos da vida, uma profunda transformação interior na pessoa. E isso é tarefa
dos Mistérios Dolorosos.

O porquê do carneiro estar oculto na caixa.

Então o simbolismo do carneiro tem a ver com isso, com sofrimento, com entrega, com
inocência. E por que o Pequeno Príncipe se satisfaz apenas com o carneiro dentro da caixa,
e nunca com os visíveis?

A resposta para isso é mostrada no próprio livro diversas vezes: "o essencial é invisível aos
olhos", "As estrelas são belas por causa de uma flor que não se vê", "Quer se trate da casa,
das estrelas ou do deserto, o que faz sua beleza é invisível".

Essa ênfase no invisível tem muito o que ver com o fato de o próprio Deus ser invisível, e
também com a própria natureza do sacrifício invisível e pessoal que oferecemos a Deus.

Como aconselha a Sagrada Escritura, nossos sacrifícios e obras que oferecemos a Deus
devem ser secretos, pois assim, o Deus que vê no oculto nos recompensará em segredo,

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num lugar tal que nem mesmo nós nem os demônios podemos ver - pois assim não se
corre o risco de danificarmos nem perdermos esses tesouros que Deus nos dá.

Como o carneirinho oculto dentro da caixa, nosso sacrifício pessoal a Deus -- como
orações, jejuns, esmolas e atos de amor ao próximo -- devem estar ocultos dentro da
caixa, isto é, guardados no interior de nossa alma, de modo que agradem a Deus, tal como
agradou e satisfez ao Pequeno Príncipe.

"Guardai-vos de fazer vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles.
Do contrário, não tereis recompensa junto de vosso Pai que está no céu."

"...e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á."

"Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os
ladrões furtam e roubam.
Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem nem as traças nem a ferrugem, e
os ladrões não furtam nem roubam.
Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração."

No livro também encontramos uma indicação disso: "tirando do bolso o meu carneiro,
ficou contemplando o seu tesouro"

AS SEMENTES DE BAOBÁ

As sementes más que infestavam o planeta do principezinho, representam os efeitos na


alma humana do pecado original, isto é, da Queda de Adão.

Porque Adão pecou e caiu, nossa alma agora produz e gera novas inclinações ao pecado na
forma de: maus pensamentos, maus desejos e etc. Tudo isso acontece sozinho, sem que
façamos força. Isso é o movimento da Queda que ocorre na nossa alma de maneira
automática.

Precisamos combatê-lo por meio do movimento contrário fornecido pela ascese. Isso são
as nossas sementes de baobá que temos de arrancar todos os dias sem falta; caso
contrário, nossa alma cai no Inferno, racha, se parte - ou seja -, se destrói.

Como arrancar as sementes de baobá.

Arrancamos as sementes más realizando a feitura do Pão espiritual indicada pelo Cristo no

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Sermão da Montanha.

Disse Deus a Adão: "Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de
que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar.”

Isso significa que o Pão representa aqui as disciplinas ascéticas de Oração, Jejum e Esmola
em segredo, que reproduzem na nossa alma o efeito contrário da Queda. Essas disciplinas
são desagradáveis ao ser humano, elas nos fazem suar. Elas também moem a nossa alma
fazendo-a virar um pó fino, tal como a pedra do moinho mói o trigo e o transforma em
farinha. A cada vez que não estamos afim de rezar ou jejuar, e dizemos não aos
pensamentos preguiçosos e reproduzimos aquela pratica, nesse momento é como se
estivéssemos moendo na nossa alma tudo aquilo que é contrário a Deus, transformando a
graça (o trigo) em um alimento trabalhado pelas mãos humanas.

Ninguém come trigo direto, todo mundo trabalha ele, re-elabora ele, para depois comer.
Assim fazemos também com a graça que recebemos. Nós devemos trabalhá-la e
transformá-la num produto humano (O Pão). No entanto, muitas pessoas não fazem isso,
elas só recebem a graça dos sacramentos e depois disso não rezam, não jejuam, não dão
esmolas, não fazem nada. Então é como se essas pessoas estivessem comendo o trigo
direto, como os animais fazem.

Não é isso o que o Cristo indica para quem quer seguir o caminho da salvação.

Sobre arrancar os baobás, nos disse o principezinho: "É uma questão de disciplina. É
preciso que a gente se conforme em arrancar regularmente os baobás logo que se
distinguem das roseiras, com as quais muito se parecem quando pequenos. É um trabalho
sem graça, mas de fácil execução."

O joio (a semente do pecado) são os baobás, o trigo (a graça) são as roseiras - esse temos
de cultivar, de trabalhar em cima.

Esse processo de cultivar e elaborar a graça acontece quando nos submetemos a uma
disciplina piedosa regular (fazer O Pão) todo dia. Nesses momentos, quando vamos rezar
ou fazer qualquer outro ato religioso, nos vem aquele pensamento: "Rezar hoje de novo?
Que coisa ruim! Não precisa desse negócio de rezar todo dia, estou com preguiça! Rezar
com preguiça não vale!"

Esses pensamentos representam o joio, os baobás que crescem espontaneamente na


nossa alma. Nessa hora precisamos ir contra esse movimento de Queda na nossa alma e
rezar mesmo assim, todo dia igual.

Isso representa o processo de limpeza dos baobás no planeta do principezinho, que é o


processo de limpeza da nossa alma das sementes geradoras de pecado.

E lembre-se: Se você não rezar todo dia, não jejuar e dar esmolas sempre, todo dia igual,
como forma de disciplina, os baobás vão crescer no seu planeta e vão tomar conta dele, o

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pecado vai tomar conta da sua vida.

Se você não quer ser vítima do movimento de queda, iniciado por Adão, você deve fazer O
Pão todo dia. Não há outra solução além dessa nos ensinamentos do Cristo. Contra os três
inimigos da alma -- o mundo, o diabo e a carne -- existem três boas obras - oração, jejum e
esmola. Quem tem dúvidas disso deve ler o Sermão da Montanha. Nele o Cristo fornece
tudo o que o cristão precisa saber para fundar a sua casa na Rocha.

"Aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um
homem prudente, que edificou sua casa sobre a rocha."

Disse isso o Cristo após ter ensinado sobre as três boas obras.

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Um extra: O Pão e a Uva
Modos de se aproximar de Deus

Se aproximar de Deus.

É muito pertinente se perguntar: O que posso fazer de concreto, da minha parte, para me
aproximar de Deus?

Bom, para isso existem duas categorias de coisas: atos formais de religião e atos informais.
Com atos formais quero dizer a oração, o jejum, a esmola, o cumprimento de todos os 15
mandamentos (5 da Igreja), e incluindo neles, a participação contínua e freqüente dos
sacramentos. Principalmente a comunhão freqüente e a confissão freqüente.

Com atos informais quero dizer o amor ao próximo, amar o próximo de acordo com sua
natureza original (edênica), estudar sobre a religião - procurar saber mais sobre a sua
religião, aprender continuamente sobre ela, alargar seu círculo de consciência a respeito
dela -, se abandonar em Deus e em Sua Providência, etc. E mais tantas outras coisas, que
são atos cotidianos nossos, mas que nem por isso deixam de ser - quando realizados com a
consciência certa - atos de religião, atos que nos religam a Deus.

Os atos formais de religião tem um destaque especial porque são eles que vão nos dar
força para realizarmos os atos informais. São eles que vão vivificar a religião em nós para
podermos exercitá-la durante a nossa vida cotidiana. Eles têm uma função hormonal, são
como uma seiva em nós.

O que podemos oferecer.

Não é difícil para as pessoas que procuram sinceramente estar dentro da religião, que
procuram fazer tudo certo, de acordo com os mandamentos, se pegarem tendo
pensamentos assim: "Nossa, como eu queria oferecer alguma coisa pra Deus nesse
momento" ou "Sinto que não ofereço nada para Deus, apesar de minha vida ser tão boa
graças a Ele".

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Esse é o momento perfeito para nos comprometermos com alguma disciplina piedosa, seja
de oração, seja de jejum ou de esmola. O motivo é muito simples: porque essas são coisas
CONCRETAS, meios CONCRETOS que Deus nos concedeu para podermos nos aproximar
d'Ele e ter algo que oferecer a Ele.

A prática de oração, jejum e esmola também funciona como uma medição para quando
nos vêm aqueles pensamentos sentimentalistas de: "Ah, como eu amo a Jesus Cristo,
como eu amo a Deus; eu sou uma pessoa exemplar que ninguém reconhece!". Pois nesses
momentos podemos fazer o seguinte contra-ponto a esse pensamento: Quanto estou
rezando, quanto estou jejuando e dando de esmolas? Esse tempo dedicado a essas boas
obras condiz com o quanto eu digo amar a Deus, com o tanto que eu acho que sou o
bonzão não reconhecido?

Para um sentimentalismo ilusório, precisamos de um contra-peso concreto e material.

Vencer os pecados mortais e seguir os mandamentos com certa leveza .

Se Deus que nos deu os mandamentos, na pessoa de Cristo nos disse que seu fardo é leve
e seu julgo suave, porque seguir esses mandamentos é tão difícil e penoso para a maioria
das pessoas? De modo que até mesmo a maioria ache que, ao seguir os mandamentos,
estamos mais nos privando do que nos libertando; mais nos restringindo do que nos
abrindo para o infinito que é o Bem Absoluto?

A resposta é muito simples: essas pessoas ainda não chegaram no grau de piedade em que
lhes é possível seguir os mandamentos com certa leveza, como se estivessem correndo
livremente num campo, sem obstáculo algum.

O primeiro grupo de pessoas.

O remédio para o primeiro grupo de pessoas, isto é, as que acham difícil seguir os
mandamentos, é realizar com muita dedicação os atos formais de religião - oração, jejum e
esmola. Pois são meios que o próprio Deus nos deu para entrarmos na vida da fé e aí
permanecermos, persistentemente até o fim.

Para entrar na vida da fé e continuar nela até a morte é como andar de bicicleta: você tem
de aprender a pedalar, e quando começar a pedalar você não para, senão vai cair.

Do mesmo modo, pra entrarmos na vida da fé, é preciso aprendermos a viver dela com a
prática das boas obras acima mencionadas, e com a nossa participação frequente nos
sacramentos oferecidos pela Igreja. Assim que aprendidos esses exercícios piedosos e
depois de estabelecidos na nossa vida, nunca devemos parar, porque senão vamos cair. E
caímos mesmo, caímos em pecado mortal atrás de pecado mortal caso paremos com
nossas disciplinas piedosas.

O efeito de estarmos alimentados com a nossa prática de religião é que teremos força
para continuar seguindo esse caminho até a nossa morte. O efeito de estarmos

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alimentados é força, força para seguir e continuar lutando.

Na tradição cristã encontramos justamente a analogia desse processo de realizar os


exercícios piedosos, com a feitura do Pão. A graça sendo o trigo; a repetição constante
sendo a terra; a oração sendo o ar; o jejum sendo a água; e a esmola sendo o fogo. O trigo
como o material; a terra moendo o trigo para virar farinha; a água se aderindo à farinha
para uní-la numa só massa; o ar entrando na massa para torná-la macia; e o fogo
aquecendo a massa para torná-la firme. Isso é a oração, o jejum e a esmola numa
repetição cíclica até o fim da vida. É o Pão sendo feito: que nos alimenta, que nos dá força,
que nos permite seguir os mandamentos com firmeza e propósito firmes. Sem esse Pão
somos molengas, de barriga vazia, sem propósito, sem estrutura para conseguir seguir os
mandamentos sem falhar, incapazes de persistir até o fim.

Como é dito na Sagrada Escritura: O pão é que dá forças, o vinho é que aquece. É desse
Pão que as Escrituras estão se referindo.

O segundo grupo de pessoas.

Para as pessoas que, mesmo seguindo os mandamentos com firmeza e estabilidade, ainda
acham que aderir a esse corpo de leis estabelecido por Deus e pela Igreja é se diminuir, é
se prender ou restringir a sua liberdade pessoal, a resposta para eles é a Uva. Assim como
existe trigo para fazer o Pão na religião, tem a Uva para fazer o Vinho.

A Uva.

E porque a Uva é a resposta? Pois ela alarga a gama de possibilidades do homem. A Uva é
a primeira coisa que mostra ao homem que a vida espiritual pode ser agradável, pode ser
prazerosa. Até mais, muito mais prazerosa do que a vida na terra com as coisas que este
mundo oferece.

O segundo grupo de pessoas acha que seguir os mandamentos é se limitar, é se restringir


demais, é perder sua liberdade. A Uva, que são as consolações espirituais advindas dos
exercícios da feitura dO Pão, vem pra dar o antegosto do Paraíso ao homem. Isto é, quem
faz seu Pão bem feito e começa a seguir os mandamentos todo dia igual, por anos a fio,
começa a, de vez em quando, sentir algumas doçuras espirituais que alargam o nosso
peito. Essas Uvas são como uma indicação de que estamos no caminho certo - é Deus nos
conduzindo.

A pessoa que experimenta a doçura da Uva - que mais tarde será usada para fabricar o
Vinho espiritual - percebe que essa delícia que vem de dentro dela, de dentro do peito
dela, é muito maior do que as delícias oferecidas pelas coisas deste mundo - e então ela
tem a oportunidade de, se quiser, se privar de todas as coisas boas deste mundo, com fins
a se concentrar somente nas delícias do outro, nos bens que o outro mundo oferece.

Então esse é o exemplo que vemos tanto na vida dos santos, onde eles abriram mão de
todas as riquezas que tinham, para abraçar a vida da oração contínua, para passar horas a

27
fio rezando, jejuando e ajudando os pobres.

Eles sentiram o gosto da Uva, gostaram tanto que decidiram vender tudo, dar aos pobres e
seguir a Cristo.

Para essas pessoas, seguir os mandamentos de Cristo tem um gosto, tem um sabor. A
essas pessoas damos o nome de 'devotos'. Estão num grau acima da pessoa que é apenas
piedosa, ou seja, que apenas possui Pão.

Os graus da vida de piedade em analogia com os atributos da Virgem na oração Ave-


Maria

Ave-Maria, cheia de Graça: É a pessoa que largou a vida voltada para este mundo e que
agora procura voltar sua vida para o Céu. A essa pessoa é dada a Graça Santificante por
meio dos sacramentos e a pessoa fica cheia dela, é preenchida por essa graça, já que não
mais pertence a este mundo.

Na medida com que vamos largando o pecado e o amor por este mundo, e vamos nos
esvaziando dele, somos preenchidos pela graça divina. Em Maria isso é totalmente pleno,
pois ela é imaculada desde a concepção, ela é livre até mesmo do pecado original; por isso
na oração diz: Cheia de Graça.

Então esse primeiro atributo refere-se à pessoa que mudou completamente de vida, que
largou esta vida para procurar a Deus, onde quer que ele se encontre - pois a pessoa nesse
estágio não sabe de muita coisa, só que este mundo é um vale de lágrimas e que a outra
vida é nossa salvação.

Nesse primeiro estágio é onde a pessoa recebe a notícia da religião, mas ainda não está
dentro dela. Ela deseja estar dentro, mas ainda está fora.

O Senhor é convosco: Esse atributo refere-se à pessoa que iniciou-se na religião, isto é, a
pessoa que passou para dentro da religião e que agora o Senhor está com ela - como é
dito no segundo atributo da Virgem. Nesse estágio a pessoa aprende as práticas da feitura
do Pão espiritual e procura regularmente os sacramentos da Igreja, e nessa etapa ela
cumpre firmemente os mandamentos do Cristo. Essa é a pessoa considerada piedosa, que
faz O Pão.

Bendita sois vós entre as mulheres: Nessa etapa é quando o sujeito passa de piedoso para
devoto, isto é, quando ele recebe um antegosto do Paraíso já nesta vida, e é a primeira vez
que ele percebe o sentido da afirmação bíblica "O Reino dos Céus está dentro de vós".
Agora Deus aparece de dentro dele, e não fora. Antes disso Deus era apenas o agente de
fora que me permitia ou proibia fazer certas coisas, e que eu não entendia direito o
porquê. Já agora, Deus aparece de dentro como uma benção que você não quer deixar
escapar ou que você não quer deixar ofender pelos seus atos. É essa sua melhor parte, que
está em contato com o Céu, que é ‘bendita’. Muitas vezes a Bíblia fala do nosso mundo interior
como se fosse o exterior.

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A família de Zacarias.

A família de Zacarias representa um ternário interessante.

Zacarias representa a intenção de cada ato religioso que temos, pois, como conta a
Escritura, ele desejava ter um filho e pediu isso a Deus, ou seja, ele teve essa intenção para
com Deus; já Santa Isabel, que era dona de casa, representa o que fazemos
concretamente em direção a Deus, como recheamos a nossa religião. Tal como a dona de
casa enfeita e enriquece seu lar, nós devemos enfeitar e enriquecer nossa religião, seja
com novas devoções, seja com novas maneiras de pensá-la e encará-la, etc. E João Batista
representa justamente a resposta de Deus que você recebe, aquela que você intencionava
antes de realizar o ato. João Batista significa "Deus se lembrou". Assim como Zacarias ficou
muito feliz quando Deus se lembrou dele e lhe deu o filho que ele esperava e que tinha
pedido, nós também ficamos extremamente felizes quando Deus se lembra da gente. Isso
é significado pela Uva, já que ela possui essa doçura que nos traz felicidade.

Devemos nos lembrar que João Batista era um asceta extremo e, portanto, ele representa
aqueles dias em que praticamos a religião de maneira excepcional, de maneira perfeita.
São aqueles dias em que nossa prática de religião foi especial, ou seja, aconteceu algo de
especial nela e que trouxe um sabor no ar.

Não é difícil acontecer com quem pratica a religião todo dia, de ter dias em que essa
pessoa percebe: "Nossa, hoje foi um dia especial, diferente". Isso é representado por João
Batista, é quando "Deus deu algo inesperado e desproporcional aos nossos méritos" - o
que é simbolizado pela Uva.

Então o ternário fica:

Zacarias: Ter a intenção correta - que Deus se lembre de nós.


Santa Isabel: Realizar o ato várias vezes, zelar por ele, enriquecer o ato de diferentes
maneiras, nutri-lo
João Batista: A resposta de Deus para aquele ato, a recompensa, a doçura da Uva.

Podemos observar que Zacarias é a intenção do resultado e da finalidade da religião, que é


Deus se lembrar de nós como algo que Ele criou, nos dando aquela doçura; que Santa
Isabel é a prática de fazer O Pão; e que João Batista é o que resulta desta prática, que é a
Uva - quando Deus se lembra de nós e nos renova.

Resumo do significado de cada um dos cinco Mistérios Gozosos.

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O que acontece em cada um dos Mistérios:

1° Mistério: A Santíssima Virgem recebe a Anunciação do anjo a respeito de ela ser a mãe do
Messias.

2° Mistério: Maria visita sua prima Santa Isabel, que também teve uma maternidade
excepcional por ser muito velha e mesmo assim ter se tornado mãe.

3° Mistério: Nascimento do Menino Jesus na Gruta de Belém.

4° Mistério: A Santíssima Virgem e o Menino Jesus passam por um rito judaico de purificação,
onde encontram São Simeão e Santa Ana, que eram muito velhinhos. Eles tinham recebido a
promessa de conhecer o Menino Jesus.

5° Mistério: Santíssima Virgem e São José perdem Jesus na Festa da Páscoa e, quando o
encontram, acham-no em meio aos doutores, ouvindo-os e interrogando-os, e eles se
maravilhavam das respostas que ouviam do Menino. Encontraram o Menino Jesus e ele disse
que “estava ocupado com as coisas do Pai", e ao ouvir isso, a Virgem, por um segundo, se
esquece de que ele estava falando do seu Pai celeste, e não de São José, que é apenas o pai
adotivo do Menino Jesus.

OS CINCO PASSOS DOS MISTÉRIOS GOZOSOS NO QUE SE REFERE À RELIGIÃO EM SI

1° Mistério: É a Anunciação da religião, a mudança total do rumo da vida e a nova tarefa a


ser feita - cuidar do bebê.

2° Mistério: É ir até as pessoas piedosas, que já tem a religião consolidada (Santa Isabel).
Elas irão te receber e irão te ensinar o que você tem de fazer pra estar dentro da religião,
para ter religião - como cuidar do bebê.

3° Mistério: É quando a religião nasce concretamente, você carrega ela como um bebê
(Menino Jesus) que agora você tem de cuidar e nutrir. Nasce em você a Inteligência, a
Pérola, que é seu discernimento espiritual. Ela te dá um senso do que é bom e mau dentro
de você, nos seus processos internos. Ela é, como o Menino Jesus, causa de queda e
soerguimento dentro de você, no universo que é você. Ela é ruína e ressurreição para seus
processos interiores. Julga as partes da sua alma.

4° Mistério: É o propósito que você deve ter na religião - uma intenção a ser alcançada na
sua prática de religião. Ela deve forçar os limites da sua alma, de modo que você busque a
religião original tal como Deus a criou. Isso serve pra que você não fique bitolado na sua
religião, que pode ficar completamente distorcida com o tempo. Essa é a razão de ter essa
intenção na prática da religião. E esse propósito pode ser uma aspiração, uma dúvida ou
uma promessa. Esse propósito significa São Simeão. Você deve lutar para chegar à
realização desse propósito. São Simeão teve a promessa de Deus de que um dia ele iria ver
o Messias, e ele viu; Motovilov queria saber qual é o propósito da religião, e com a ajuda
de um santo ele descobriu; São Francisco queria viver a vida do Evangelho o tempo todo, e

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ele conseguiu. Esses objetivos constituem nossa tarefa do Quarto Mistério. Devemos
carregar um propósito desse tipo e não restringir a nossa religião às práticas de oração,
jejum e esmola apenas. Quer dizer, não devemos almejar ficar fazendo os atos de religião
mecanicamente para o resto da vida, é preciso de algo mais. O propósito serve para você
capturar a religião tal como Deus a criou.

5° Mistério: Esse eu não sei, mas talvez seja quando você atinge o seu objetivo do Quarto
Mistério e você percebe que é diferente do que você imaginava, você salta em
compreensão. Mas não sei se é isso - só arriscando.

OS CINCO PASSOS DOS MISTÉRIOS GOZOSOS NO QUE SE REFERE AOS ATOS DE RELIGIÃO
ESPECÍFICOS E ÀS ÁREAS DA NOSSA VIDA QUE DEVEM SER PREENCHIDAS DE RELIGIÃO,
DE NASCIMENTOS DO MENINO JESUS

1° Mistério: Você recebe uma inspiração, uma Anunciação acerca de como é bom praticar
certo ato de religião, como rezar o Rosário, por exemplo. Você vai lá, reza, e o sentido de
tudo é muito nítido pra você, tudo uma novidade e é tudo uma maravilha no final. Você
recebe uma verdade de maneira passiva e sensitiva. Essa é a inspiração inicial que
preenche toda a parte passiva da sua alma de religião - no que se refere àquele ato
específico de religião que é rezar o Rosário. Essa primeira etapa talvez seja como a Lua,
que recebe passivamente a luz do Sol sem precisar fazer nada. Nessa etapa não há esforço
próprio para receber a luz. E também se parece um pouco com Vênus, pois de certo modo,
esta primeira etapa também oferece certo prazer.

2° Mistério: Passa o período de novidade daquele ato e você está na secura, na noite, e
lutando com muito esforço para realizar seu Rosário - é um fardo, vira só uma chatice.
Nesse momento você tem a chance de resgatar o sentido original que antes você recebeu
na sua forma passiva (de modo sensitivo), porém agora você vai resgatar de maneira ativa,
com o esforço de criar ativamente a memória daquela inspiração inicial, daquela verdade,
da luz que te conduziu até aqui. Então você procura rezar o Rosário recriando a memória
da inspiração inicial toda vez. Você cava motivos, toda vez, para recitar o Rosário - até o
fim das suas forças. E acredito que buscar aprender mais sobre o Rosário em geral e sua
história, só faça bem pra passarmos por esse estágio. Você pode buscar aprender em livros
ou com pessoas piedosas, perguntando pra elas sobre ensinamentos a respeito do Rosário.
Nesse esforço você está preenchendo de religião a parte ativa e combativa da sua alma.
Essa etapa tem tudo a ver com o planeta Marte e Mercúrio. Assim como São José e a
Santíssima Virgem esgotaram suas energias procurando um lugar para o nascimento do
Menino, nós também esgotamos nossas forças realizando um ato de religião, que nesse
caso é recitar o Rosário. Nós vamos até o fim das nossas forças.

3° Mistério: Fazendo isso, o natural é acontecer o Nascimento do Menino Jesus nessa sua
prática, que será uma compreensão mais profunda e concreta do sentido de rezar o
Rosário. Ao invés de ser uma inspiração passiva e sensitiva, dessa vez é uma compreensão

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consciente de ordem intelectiva. É uma graça que se recebe. Se parece com o Sol, pois
dessa vez você adquiriu como posse sua a intuição original que antes você havia recebido
como que por empréstimo, de maneira acidental. A partir de agora você tem uma luz
própria, uma verdade que você pode usar para vivificar os outros, para dar luz aos outros.

4° Mistério: O quarto passo é você embrulhar e guardar essa graça que você recebeu, essa
compreensão concreta. E você faz isso buscando na tradição (antiga) da religião um
correspondente dessa graça que você recebeu que é nova e atual. Por exemplo, quando
você atingir essa compreensão acerca do sentido de rezar o Rosário, você vai lá e dá uma
olhada na tradição da religião e encontra essa mesma compreensão só que dita pelo Cristo
em outras palavras, e aí você afirma: "Ah! Foi isso que o Cristo quis dizer então quando ele
falou isso!" E então você vai lá e reza o Rosário com essa intenção, com essa compreensão
- tanto em sua forma atual (graça recebida) como em sua forma velha e antiga (tradição). E
aí acontece então de você embrulhar essa graça e preservar ela, como se você estivesse
guardando um alimento na geladeira. Isso é embrulhar a graça e preservar ela das dúvidas
da sua alma - pois essa compreensão já foi expressa na tradição, então você fica tranquilo,
em paz, quanto a origem dessa compreensão que nasceu em você no Terceiro Mistério. A
parte de achar essa graça expressa na tradição da religião também pode acontecer com
você encontrando, na vida de um santo, o fato de que ele estava passando pelas mesmas
coisas que você. Essa etapa se parece com os planetas Júpiter e Saturno: a graça nova e a
tradição antiga.

Quando, posteriormente, muito tempo depois você reza o Rosário, pode acontecer de
você  desembrulhar aquela graça e ela retornar pra você com mais força ainda, tal como é
dito na parábola do semeador: a semente divina dá frutos, é plantar e colher a cento por
um ou a trinta, sessenta e cem por um. Você colhe multiplicado.

5° Mistério: Não sei como se encadeia o quinto passo a partir daqui, mas é mais ou menos
aquele negócio de "saltar em compreensão", e "quebra da analogia entre o que você
pensava e o que a coisa é na verdade".

Nota: Dei o exemplo do processo que acontece quando a gente recebe a inspiração inicial
de rezar o Rosário, mas esse processo acontece com tudo da religião e com tudo da sua
vida, como por exemplo ir à Missa, com seus estudos, com seu trabalho e etc.

OS PROCESSOS DOS MISTÉRIOS GOZOSOS COMO A FEITURA DO PÃO ESPIRITUAL

1° Mistério/Trigo: É o receber a Graça Santificante, o Espírito Santo, que é a matéria para


fazer o Pão. É a Anunciação passiva que Nossa Senhora recebe. Recebemos o trigo.

2° Mistério/Moagem: É o triturar o trigo para virar farinha. No Segundo Mistério


aprendemos as disciplinas, as práticas piedosas que vão sustentar a nossa religião e que
são os seus pilares. Aprendemos o que é ter religião e como fazer para cuidar dela. Essas
práticas piedosas servem para triturar os elementos da nossa alma que são contrários a
Deus e criar nela uma espécie de impassibilidade santa.

3° Mistério/Água: No Terceiro Mistério é quando Nasce o Menino Jesus em nós, depois de

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nosso esforço na direção de manter a nossa prática de religião e de procurar conviver com
os piedosos e aprender com eles sobre a religião. Nesse momento nasce uma coisa
especial em nós, que é o discernimento do bem e do mal no nosso mundo interior, que é a
Pérola. Esse nascimento do Menino Jesus em nós congrega em volta dele todas as partes
do nosso ser, que nesse caso, é a adição da água na farinha para que ela vire uma só
massa, uma coisa só.

4° Mistério/Capturar Ar Na Massa: É quando escolhemos um propósito na religião que irá


nos guiar e nos direcionar na religião. Escolhemos um fruto que iremos querer "pegar" da
religião, que iremos querer perseguir e perseverar até alcançarmos ele. Isso faz a nossa
prática ficar especial, pois ela não mais será só uma repetição mecânica dos atos de
religião apenas, ela será uma busca daquele propósito, que no final das contas é resgatar
um pedaço da religião original, criada por Deus. Essa busca desse propósito servirá de
medição para as nossas práticas: se estamos chegando perto ou não. E essa busca pela
captura da religião original, tal como Deus a criou é o capturar o ar na massa. Estaremos,
na busca de alcançar esse propósito, capturando cada vez mais da religião original.

5° Mistério/Fogo Que Dá a Forma Final: Não sei bem descrever no que consiste o Quinto
Mistério, mas talvez ele seja uma decorrência natural do Quarto Mistério bem feito, que
seria quando a pessoa alcança em alguns momentos, ou definitivamente, o propósito que
ela escolheu para si. O Gugu diz exatamente isso na aula: que se fizer o Quarto Passo bem
feito, se perseverar muito, o Quinto é decorrência. Foi o que ocorreu com Motovilov. O
Quinto Mistério, enfim, como que dá uma forma, pois é quando você atinge o seu
propósito e ocorre aquela quebra da analogia entre o que você pensava e o que Deus
pensa; entre a sua religião, e a religião tal como foi instituída por Deus. Antes você estava
sob o domínio de uma verdade convencional, e aí Deus te lembra da verdade última, te
mostra ela. E isso é como o fogo, pois ele dá uma forma, ganha uma forma. Seu propósito
era uma coisa mental, convencional, e aí Deus te mostra o real, a verdade última -- sem
convenções -- daquilo.

NOSSO GÓLGOTA PESSOAL

Estamos todos caminhando rumo ao nosso sacrifício pessoal a ser oferecido a Deus, rumo à
nossa Cruz; e a chegada à finalização desse sacrifício, seu cume, depende do quanto estamos
dispostos a doar de nós mesmos. Quanto mais e mais inteiramente nos doarmos, mais
rapidamente chegaremos à Glória que procede da Cruz – por mais que às vezes essa Glória só
se manifeste a nós mesmos, secretamente, no nosso íntimo. Seja nessa vida, seja na outra.

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"O milagre aparece de maneira proporcional aos elementos do seu ser que se entregaram
à providência".

Luiz Gonzaga de Carvalho.

"Aceita tudo o que te acontecer. Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência.
Sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, espera com paciência, a fim de que no
derradeiro momento tua vida se enriqueça."

(Eclesiástico, 2)

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