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Tradução: Fernando Xavier

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Que, por Seu Testemunho Inflexível da Verdade,
Sofreu Muitas Perseguições e Foi Queimado Vivo por Assassinos Comunistas
na Noite de 12 de Outubro de 1934.

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“Desde esse tempo, Jesus começou a mostrar aos Seus discípulos que Lhe era necessário seguir para
Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, e ser morto e
ressuscitado no terceiro dia. E Pedro chamou-O à parte e começou a repreendê-Lo, dizendo: ‘Que Deus
tenha compaixão de Ti, Senhor; isso de modo algum Te acontecerá’. Mas Ele voltou-Se e disse a
Pedro: ‘Para trás de Mim, Satanás; tu és para mim um insulto, porque não cogitas das coisas de Deus,
e sim das dos homens’.” (Mt. 16:21-23)

Essa revelação do Senhor quanto aos sofrimentos que O aguardavam, atingiu os discípulos
como um trovão vindo de um céu limpo. Anteriormente Ele lhes dissera que o caminho d’Ele
também era o caminho deles: o servo não é maior que o seu mestre. “Quem não toma a sua cruz e
Me segue não é digno de Mim” (Mt. 10:38). E nas vidas dos verdadeiros discípulos de Cristo há um
tempo de paixão sofredora em que cada um deve entrar na sua própria Jerusalém, subir o seu
Gólgota e a sua fatídica cruz e tomar o fatídico cálice — até a morte.

Até os filhos deste mundo têm o seu próprio Gólgota. Imprevisto e sem ser convidado, o
sofrimento entra na casa. Você deve sofrer, goste disso ou não. O amargo “devo”. Esse “devo” é
amargo até para o discípulo fiel de Cristo. E a cruz do sofrimento amedronta até a ele. Em sua alma,
ele ouve a voz de Pedro: “tenha piedade de si, não deixe isso acontecer, proteja-se”.

E isso não surpreende, pois, afinal, o próprio Grande Sofredor orou: “Se possível, afasta de Mim
este cálice” (cf. Mt. 26:39; Mc. 14:36; Lc. 22:42). Esse “deve” é completamente necessário e somos
impotentes para nos colocarmos contra ele. “Desde esse tempo, Jesus começou a mostrar aos Seus
discípulos que Lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas…” (Mt. 16:21).

Se o caminho do Senhor leva a Jerusalém, se o Seu destino será decidido pelos escribas, pelos
fariseus, pelos anciãos, é natural que Ele deva sofrer e ser morto. Essa Jerusalém em direção à qual
Cristo dava Seus passos não é a Jerusalém Celestial, mas uma cidade terrena cheia do espírito deste
mundo, a qual se afastara do seu Deus, não reconhecendo, não compreendendo a visitação do
Senhor.

Essa é a mesma Jerusalém que, no altar do Senhor, matava os profetas e apedrejava os que
eram enviados a ela (cf. Mt. 23:37; Lc. 11:47-51). E o mundo, irmãos, até hoje permanece sobre
aquela mesma fundação. Talvez ele não tenha a mesma aparência exterior. Hoje em dia eles não
crucificam pessoas em cruzes como fizeram com Pedro, e as pessoas não são apedrejadas como
Estêvão. As pessoas tornaram-se indiferentes demais à fé para sofrerem por ela.

O nosso caminho é menos pedregoso e todo aquele que murmura da dureza e da maldade
deste mundo deveria saber que está longe de sofrer até o sangue. Não obstante, hoje como nunca
antes as palavras do Senhor contêm uma verdade sagrada:

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“Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, por não serem vós do mundo — ao
contrário, Eu vos escolhi do mundo para Mim —, o mundo, por isso, vos odeia” (Jo. 15:19).

Não pode acontecer de outra forma.

O desejo natural do coração do homem é viver em paz com todos. Muitos corações jovens
escolhem seguir o caminho da confiança em si: “Quero me dar bem com todos; não posso me opor
a ninguém”. Mas até os que estão com as melhores intenções logo percebem que isso é impossível.
Até o mais manso cordeiro certamente encontrará no seu caminho um lobo feroz que diz: “Você é
um espinho na minha ilharga”.

Quem crê, deve confessar a sua fé. Quem deseja servir a Deus neste mundo deve agir de
acordo com a sua fé. Mas toda confissão suscita, inevitavelmente, oposição, e toda ação certamente
encontrará hostilidade. Ver que a sua persuasão e o seu esforço sinceros não são reconhecidos pelo
mundo; que as suas boas obras encontram oposição em toda parte; que onde ele planta só amor,
deve colher o mal — isso é, obviamente, muito doloroso para o seguidor de Cristo. E ele muitas vezes
está pronto para perguntar, junto com o Mestre: “Que mal foi feito contra ti? Ou como ofendi a
ti?” [1]

A verdade que você proclama e confessa e que o mundo não pode negar, ou a justiça
manifestada na sua vida que reprova o mundo silenciosamente, ou a paz do Senhor escrita no seu
rosto que o mundo não pode perdoar, ou a espiritualidade celestial do seu comportamento que
envergonha e acusa o estilo de vida terreno deles: é assim que você ofendeu o mundo. E o mundo
lhe perdoaria antes dez vícios e crimes que colocam você no nível das outras pessoas, do que uma
boa obra que o coloca acima delas.

Por que Caim assassinou Abel? Porque as ações de Caim eram más e as ações de Abel eram
boas e justas (cf. 1Jo. 3:12).

Por que os escribas e fariseus condenaram o Salvador? Porque Ele era a Luz e as trevas não
suportam a luz (cf. Jo 3:16-21).

Então, não fiquem espantados, queridos irmãos, se o mundo odeia vocês. Isso é esperado.
Isso não é nada incomum.

Não permita que as zombarias malignas e o ódio perverso dos que fazem o mal o desviem.
Siga pela estrada reta com o nome do Senhor pelo mundo, que jaz no mal, e pense consigo: “Eu
devo…” e o mundo não pode agir de outro modo. Ele não seria o mundo, se não preferisse as
mentiras dos erros à verdade; o egoísmo ao amor; a preguiça ao zelo por Deus; a vaidade mundana
à retidão. Não sou um discípulo de Cristo, nem Seu soldado, se o que faço é agradar a todos, se sigo
pelo caminho largo junto com a multidão em vez de me manter no caminho estreito onde há poucos
viajantes.

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Assim, avancemos no nome do Senhor tendo a consciência de que “Eu devo”.

Há um outro aspecto desse “Eu devo”. Quando o Filho do Homem disse aos discípulos que
devia ir para Jerusalém e lá sofrer muito e morrer, Ele tinha consciência de que isso era necessário
até para Ele.

Por ter sido obediente até a morte, e morte na cruz, Deus O exaltou e deu-Lhe um nome acima
de todo nome (Fp. 2:8-9).

Se o Pai Celestial desejou que até o Seu Filho unigênito bebesse do cálice do sofrimento,
devemos nós, pecadores que somos tão imperfeitos, evitar esse cálice do sofrimento, essa escola
do sofrimento, quando estamos tão distantes da perfeição e temos tanto a aprender para nos
tornarmos discípulos dignos do Grande Sofredor?

Alguns pensam: “Eu serviria ao meu Senhor com muito mais fervor e disposição se o caminho
da minha vida fosse mais fácil, se ele não estivesse tão coberto de pedras pontiagudas”. Ao dizer
isso, você mesmo obviamente não sabe quem e o que você é, o que lhe é benéfico e o que lhe é
prejudicial, do que você precisa e do que não precisa. É verdade quando dizem que o que o homem
menos tolera é o seu bem-estar. Dias de felicidade, dias de sucesso, quando tudo corre segundo a
própria vontade, quantas vezes esses dias teceram uma rede fatal que captura a alma? Que
dissolução cresce no coração do homem, como ferrugem na lâmina de uma espada de batalha que
não é usada, ou como um jardim que cresce demais se não for cuidado pela tesoura do jardineiro!

Diga-me, cristão, o que o protege da soberba, que tão facilmente penetra até nos mais fortes
corações, até nos corações dos discípulos de Cristo? Não é a cruz do sofrimento?

O que humilha as inclinações apaixonadas da carne, que tão rápida e facilmente se espalham
em tempos de bonança e prosperidade, como insetos num pântano num dia ensolarado?

O que o ensina a evitar essa sujeira? Não é o cajado dos infortúnios e das tristezas?

O que o levanta do sono da auto-confiança, embalado para dormir como somos tão
facilmente em tempos de felicidade? Ou, o que leva a uma rotina de preguiça mais do que os dias
serenos, despreocupados, de prosperidade?

Nesses momentos uma tempestade só pode ser considerada uma bênção.

O que o tirará do perigoso estado de insensibilidade? Não serão as tristezas? Não será a
enfermidade?

O que nos afasta dos nossos apegos mundanos, do amor ao mundo e a tudo o que está nele?
Não é a necessidade e os infortúnios?
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As provações não nos ensinam a levar a vida com mais seriedade? As tristezas não nos
ensinam a estarmos preparados para a morte?

Os arbustos espinhosos do coração não podem ser arrancados sem as podas do Jardineiro
Celestial e o bom fruto da verdade e da justiça não crescerá sem a chuva das lágrimas e tristezas.

Não há melhor lugar para a verdadeira obediência ser testada do que o cálice amargo das
dores, quando só é possível dizer:

“…não a minha vontade, mas a Tua seja feita, Pai” (cf. Mt. 26:39; Mc. 14:36; Lc. 22:42).

E a submissão à vontade de Deus nunca se manifesta tão claramente como nos dias e horas
de tempestade, quando, em meio às ondas ameaçadoras e assustadoras, o cristão se entrega
totalmente às mãos d’Aquele cuja própria mão contém essas ondas e tempestades.

Quando podem ser melhor demonstradas a firmeza, a coragem e a força de um soldado de


Cristo do que quando as provações e obstáculos precisam se converter em obras, do que na guerra
contra o mal ou nos momentos de perigo? Toda a nobre força da alma cristã, do caráter cristão,
brilha com mais intensidade em tempos de angústia, infortúnios e sofrimentos. Todos os milagres
da graça de Deus ficam mais evidentes nos momentos em que as águas das aflições e dos
infortúnios inundam a nossa alma e somos forçados a reconhecer a nossa impotência, a nossa
fraqueza, e a obter do Deus Onipotente toda a força e entendimento.

Ou, quando o próprio Deus puni-lo e o chamá-lo para prestar contas, você perguntará “para
quê” e “por quê”? Ou, quando o Senhor enviá-lo para a escola da cruz, você dirá: “Não preciso dos
ensinamentos da escola da cruz”? Antes, você deve dizer: “Preciso disso; devo ir para essa escola da
cruz; devo sofrer com Cristo para ser ressuscitado com Ele” (cf. Rm. 6:3-8; 2Tm. 2:11-12). Quando o
Senhor me pune, devo pensar e me sentir como uma criança punida pela destra amorosa do Senhor,
como uma videira sob a tesoura de poda do jardineiro, como ferro sob o martelo do ferreiro, como
ouro no fogo purificante.

Esse “Eu devo” vem de Deus e não posso me furtar a ele.

Se vocês, meus amigos, concordam com o que digo, aqui na casa de Deus, então apeguem-se
a esse princípio quando forem visitados pela aflição, e o seu se tornará o caminho da cruz. Essas são
verdades básicas que devem ser repetidas diante de cada leito de doença e para cada estudante
entrando na escola das tristezas. Pastores sabem disso. Quem pregou essas verdades mil vezes a
outras pessoas deve repeti-las para si mesmo em todas as situações. Tu, Senhor, ajuda-nos a
entender mais plenamente e a plantar profundamente dentro de nós essa lição do “Eu devo” divino.

Até os gregos antigos e outros povos se curvavam diante da vontade divina, diante da sagrada
obrigação, diante do destino imutável, da dependência do homem da Providência. A submissão da

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vontade própria diante desse “Eu devo” divino, o cumprimento exato dos decretos divinos — nos
sábios isso era chamado de sabedoria; nos heróis, era coragem; nos justos, santidade.

Com muito mais boa vontade nós, cristãos, devemos cumprir a nossa obrigação quando
sabemos que não estamos sendo guiados por uma fé cega, mas pela boa vontade do Pai, que levou
até mesmo Cristo ao Gólgota e à Cruz, mas, por meio do Gólgota e da Cruz, à gloriosa Ressurreição.
E, assim, devemos pôr a nossa fé e confiar n’Ele mesmo quando não conseguimos compreender o
sentido da direção. A humanidade teria sido privada de tamanha bondade, de tal glória e bem-
aventurança, se o Salvador tivesse escutado a voz de Pedro: “Defenda-se”.

Que cada alma se curve diante do “Eu devo” divino; porque a vontade de Deus é boa, perfeita,
conduz todos os homens à salvação.

E você, filho do pó e da corrupção, curve o seu pescoço debaixo da mão onipotente d’Ele,
diante da qual a sua força não é nada.

Confie na sabedoria divina, diante da qual a sua luz não é senão uma sombra escura.

Entregue-se à direção paternal d’Aquele que deseja não inimizade e tristezas, mas paz e bem-
aventurança para toda a humanidade.

Quando você submeter os seus pensamentos e a sua vontade ao pensamento e à vontade


d’Ele, nenhum cálice será amargo demais para você, e nenhuma cruz pesada demais. Você
conseguirá suportar. Tal é a vontade de Deus.

Se o seu cônjuge, os filhos, os amigos e todos os que o amam o rodearem; se tentarem


persuadi-lo a ter pena de si mesmo, não se destrua — não olhe para as lágrimas deles, não ouça as
súplicas deles. Aponte para os Céus e diga: “Não sobrecarreguem o meu coração; assim é agradável
a Deus, e eu devo. Vocês estão raciocinando segundo a sabedoria dos homens, não a de Deus”. E,
se do seu próprio coração clamar a voz da carne e do sangue e ela começar a persuadi-lo: “…isso
não pode acontecer com você, defenda-se…” — rejeite esse conselho do seu coração e siga aquele
que glorifica a Deus.

Conseguimos suportar as nossas aflições mais facilmente se mantivermos em mente o


exemplo do Salvador. Veja com que paz e com que santa determinação Ele vai para a Sua Paixão, e
então siga-O pelo caminho da cruz até que com o Seu último suspiro você ouça dos lábios d’Ele as
palavras divinas: “Está consumado” (Jo. 19:30). E então pergunte a si mesmo: você não se inspira
neste exemplo? Você não entende agora o mandamento: “…quem quiser Me seguir, negue-se a si
mesmo, tome a sua cruz e siga-Me (Mt. 16:24; Mc. 8:34; Lc. 9:23)? Você não partilha da convicção
daquele discípulo que disse: “Não consigo usar uma coroa de rosas quando meu Salvador está
usando uma coroa de espinhos”? Na cruz de Cristo até as almas mais sofredores entre nós podem
encontrar consolo. Eu sofri, e mesmo agora sofro muito, mas o meu Divino Salvador sofre ainda
mais.

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E, se você achar esse exemplo muito altivo, leia o que diz o santo Apóstolo Paulo:

“Três vezes fui açoitado com varas; uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite
e um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de águas, em perigos de salteadores,
em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em
fadiga e angústia, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejuns muitas vezes, em frio e
nudez” (2Co. 11:23-30).

Veja o que ele sofreu por Cristo, quantas vezes foi açoitado, apedrejado, preso, e compreenda
o quanto estamos longe dele.

Em toda parte, a cruz é o sinal do Cristianismo. Um cristão não pode estar sem a sua cruz.
Amém.

[1] Dos hinos da Grande e Santa Sexta-feira da Semana da Paixão.

Tradução: Fernando Xavier

https://cristianismoortodoxo.wordpress.com/2021/09/11/a-cruz-e-o-sinal-do-
cristianismo-um-cristao-nao-pode-estar-sem-a-sua-cruz-sao-joao-de-riga/

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São João, Arcebispo e Hieromártir de Riga

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ícone de São João de Riga

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cristianismo-um-cristao-nao-pode-estar-sem-a-sua-cruz-sao-joao-de-riga/

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