Você está na página 1de 122

.... ,,~ ..

o I Biblioteca Universitária .•• -:- •• '


iJ~iIBI\\'E . •. . ---r,
I
I Joõo Leonir Ooll'Albo

OTESOURODO
MORRO DA IGREJA

o'

Seminário
EDKJ
!FC~l SãoJosé .
'I
-A,

,,, , ~~
.. •

PARTE I

o TESOURO
DO MORRO
DA IGREJA

Biblioteca Universitária
UNIBAVE
,'"
esfranhas histórias, em seus diversos livros, como é que se atreve publicar
respeito dos ainda não descobertos tesouros em minas do Sertão de Terra-Firme
em livro o que até agora não julgava de bom tom, ou pouco sério, ou mesmo
da Ilha de Santa Catarina.
achava sem valor histórico?" Respondo que de fato não tenho uma resposta
Nós que sonhamas com fortunas das loterias, lotecas ejogo do bicho, 'sonhe-
satisfatória, ou que responda exaustivamente ao quesito. Simplesmente vi-me
nws, com nossos antepassados, os sonhos dourados das minas de prata, da
na contingência de ter em mãos documentos antiquíssimos alguns, ou relatos
,!um!anha do "Taió - el Dorado", dos quarenta cargueiros, da prataria dos
de pessoas que merecem minha confiança. De inícia tudo foi apenas um acaso.
lesUltas, das arcas provindas de navios naufragados, de boiões enterrados pelos
Mas ultimamente passei a pesquisar com certo afinco. Afinal, eu que sempre
tropeiros do antiga estrado dos Conventos, de cargueiros de dobrões de prata
,gostei de pesquisar a vivência do povo humilde, descobri que há uma faixa
enterrados pelo fazendeiro que matou o escravo para que guardasse em espírito
dessa vivência que não é atingida pelas pesquisas normais. Há um submundo,
o tesouro escondido, e ouçamos rumores estranhos, e apavoremo-nos pelo Grita-
ou um sobremundo que poucos ainda pesquisaram. Talvez não seja tarefa da
dor, e deliciemo-nos com mil relatos fantásticos.
história, mas da psicologia, da sociologia ou sei lá que ramo da ciência. Não
importa. Espero que este livro seja útil nesse sentido. Nem quero que se atribua
E os jesuítas, meus sábios e veneráveis mestres da Faculdade Medianeira
no Colégio São Luiz, de São Paulo, que vão dizer do envolvimento de se~
valor científico às interpretações que, acaso, manifestarmos a respeito defenáme-
nome nas histórias fantásticas? Ah, os tesouros dos jesuítas! Fortunas imensas
nos estranhos que narramos aqui.
enterradas em tudo que é canto por onde passaram ou não passaram! O tesouro
Ao vencermos o concurso que nwtivou nossa primeira publicação no campo
de Estado da República Guarani! Senhores padres, deixem-nos sonhar! E,
da história, um professor da Universidade para o Desenvolvimento do Estado
se encontrarmos os guardados dos padres antigos fugidos d sanha perseguidora
de Santa Catarina estranhou que, tanto eu que falara sobre Orleans, c011W
de Pombal?
terceiro classificado que escreve sobre Bom Retiro, ambos nem tocássemos
E há os índios contemporâneos de nossos avós, os Xoclengues,"ou Caingan-
'no nwmentoso e fantástico relato sobre o Tesouro do Morro da Igreja. Ué,
gues, ou Botocudos. Há, não. Havia. Aqui no Sul matamo-los tolIas. Extermi-
"então essa lenda merecia inserção em livro sério de história? Nossos escrúpulos
namos uma raça. Hecatombe total. Genocídio. Mais páginas déssa história
, acabaram de sumir quando, por fortuna nossa, no Rio dejaneiro, nos embatenws
de sangue serão revelados pela primeira vez. ',,;
em documentos manuscritos dos séculos XVIII e XIX, relatanda, com certos
Nem tudo é sonho, nem tudo é so~remundo ou submundo. Há páginas
detalhes, um inquérito juramentado sobre o mesnw Tesouro do Morro da Igreja.
de história pura, há toda a fundoção de Urubici, muito sobre Bom jardim,
O fato merecera nada mais nada menos que a atenção da Corte de Portugal
Grão Pará, Orleans. .,
e depois da Corte do Rio de janeiro. São os primeiros documentos relatando
Dentro de semanas estarei longe, bem longe, no Equador. O tempo mal
sobre o "Sertão dos Bugres Brabos"~'As pesquisas ensejadaspelo roteiro possivel-
mente descobriram a existência do carvão catarinense. Os primeiros povoadores me f~i sufici~nte para apresentara livro como está, sem uma elab~~ação maior,
um z,vro maIS que tudo de entrevistas, um livro incompleto. Mas tem um aspecto
da Ilha de Santa Catarina fixaram-se nela na esperança de um dia embrenhar-se
positivo. As entrevistas estão sendo apresentadas autênticas, em sua limpidez
no Sertão de Terra-Firme, na busca das propaladas minas de prata e de ouro.
original. Podenanws torcê-las ao reelaborá-las. São documentos, creiam-me.
A própria D. Isabel, não teria escolhido suas terras patrinwniais nas nwnta-
E há uma Serra encantada, que eu quero divulgar, uma das sete maravilhas
.nhosas vertentes da Serra Geral, desdenhando asférteis planícies do Araranguá,
da natureza do Brasil: Os Aparados da Serra Geral. Meu Deus, tanta beleza
pensando que ali estaria a fantástica riqueza que fazia sonhar os homens da
Corte, conhecedores dos documentos que ali transcreverenws na íntegra? desp~rdiçada, .d~ixada só para as gerações futuras! Visões de paisagens suíças,
prátIca de alpInismo, atração turística! Trezentos quilômetros de belezas natu-
O Tesouro do Morro da Igreja foi motivo de que surgisse a pesquisa sobre
rais!
inúmeras outras histórias e estórias de outros tesouros menores. Talvez sejam
Um obrigado para meus entrevistados que estão se expondo, comigo, na
mais acessíveis estes. Talvez essas páginas sirvam de atestado das crendices
berlmda do mundo, que vai julgar-nos sonhadores de outros mundos. Mas
de uma época.
Não sem tenwr jogo meu prestígio de historiador nestas páginas. Repito, quanta gente vai sonhar conosco! E vão passar por momentos felizes. E nós
nos sentiremos felizes por isto.
porém, que fui tão verdadeiro aqui, relatando osfatos como me foram relatados,
quanto nos demais escritos que nunca foram desmentidos.
Orleans - 1987
Aos leitores que logo queiram correr aos roteiros, sempre imprecisos ,e
misteriosos, aconselho que leiam com atenção, passo a passo, notando todos, '
os detalhes da documentação. Não seremos exaustivos, mas queremos, na medida '- . .~*
do possível, transcrever o que, há mais de três séculos, vai-se escrevendo "à' :',;Jit;
;-•••
!~tt.~,,,"1".?

\:ftt&.t.. ' •.'t;F .


10 '~'F'é.",
il:J<:••• ;'I',;!"', ',.
1 - Virgílio Alberlon 79
2 - José Fernandes.. 82
3':"'- Jacó Pickler 85
4 - Gregório Brighenti 89
5 - Adolfo Durante.......................................................... 96
6 - Alfredo Anselmo................................................................... 97
7 - Regina Miranda Ricardo........................................... 98
8 - José Matias Heidemann e Joaquim Rolling 101
9 - Nereu Beltrame : 104 INTRODUÇÃO
10 - Gregório Wessler 105
11 - Vitorio Heinsen 109
12 - Sebastião Dacorreggio 114
13 - Manuel Nazário 117
14 - Redento Pirola e Dionísio e Alexandre Acordi.. 118
15 - Serra do Corvo Branco 122 uero ser honesto consigo, leitor: eu não sei onde está ofabuloso Tesouro
16 - Francisco Tives de Souza 128 do Morro da Igreja, nem outros, ainda não encontradas de que falare-
17 - Osório Silveira 140
.::,~/ 18 - Silvio Ro~riguesde Oliveira 161
Q mos neste livro. Não sei, e para manter-me no nível de pesquisa cientí-
fica que me propus, não dei um passo sequer para ir cavar qualquer dos
['H:/J
,".5"' 19 - J oão M an -','a d e Souza Costa . 171 "escondidos" de que se vai falar amplamente. Pesquisei, sim, as fontes. E não
{,~/.~ •... . 20 - Celeste-"Chisoni. 176 vou esconder nada da que pude captar em dacumentos e entrevistas. Roteiros
' ,:;; 21 - Atílio M.artign.ago 0.0 ••••••••••••••••••••••••••••• 0.0 •••••••••••••••••••••• 181 serão aqui dados com toda a verdade. Porque, se para você leitor, a meta
~"f 22 - Manuel Bruno de Mattos 183 é passar umas horas sonhando, ou mesmo seguir as trilhas até, afortunadamente,
23 - Anísio Rodrigues 187 localizar as cavemos, os baús, as panelas, os boiões e potes de esterlinas e
'~; 24 - Estácio Marinho
,~ . de Sousa 199 barras de ouro e de prata, para mim, historindar, afinalidade já foi alcançada .
.'1,., 25 - Idalina Mária da Luz 201 Pesquisei histórias de tesouros e pude escrevê-las e publicá-las. Não ê dito
';,'i:~26 -.,. Viagem ao Rio das Contas ~ 202 que depois de publicado o livro eu mesmo não me embrenhe pelas matas,
,:;"' '",.
""'"' > 27 - Vald emar.Boeira 208 não escale paredões, não promova escavações, não vasculhe cavernas. Antes
t'lJ.é, 28 - Fazenda 'das Tijucas 214 não o fiz, garanto.
~--:- "
Se existem os tesouros que as testemunhas, aqui arroladas, honestamente,
Conclusão ,. 222 pensam existir, ignoro. Possivelmente este livro vai auxiliar pessoas que já têm
outros dados, que podem consultar fontes que não me foi dado consultar,
e assim compor com mais perfeição o roteiro. Gostaria que me fosse comunicado
qualquer novidade a respeito, para podennos relatar melhor em próximas edi-
ções, e deixar os leitores a par do andamento das pesquisas. E se a fortuna
lhe sorrir, documente seu feito, para a história, por meio de relatos, fotos
etc. Participaremos assim de sua felicidade.
Não, não assumimos nenhuma responsabüidade pelos sonhos que se atearem
em sua mente, nem por suas iniciativas por danos e perdas, na tentativa de
localizar o que aqui documentamos. Nem necessariamente queremos participar
de sua sorte grande, ainda que nãojulguemos de todo improcedente a lembrança
que de nós acaso, se fizer na hora da partilha.
Agora que combinei com os sonhadores e pesquisadores de tesouros, preciso
me justificar perante os pesquisadores da História. "Como é, vão dizer-me,
que você, que se julga pesquisador sério, que até agora nem mencionara essas

9
'Bibliotiica
, Central Universitária. UNIBAVE .
Reg. ~d4+ Data J0 !O'+- @iü
Origem ~=r.";c>

Fom.Jdoador b!l: Dr~~00 OQ {)'f\1\O

Capa: foto do Morro da Igreja.


,
SUMARIO

Introd ução......... ... .. ... . .. .. ... .... ... .. ... .. .. . . .. .. 9

Parte I..... .............................................................................•.•.. 13


I ::......... 15
Dall'Alha, João Leonir, 1938 - 11 ::....... 17.
D144t O tesouro do Morro.da Igreja I João m ::<........ 19
Leonir Dall'Alha. - - Florianópolis: IV : :::,...... 19
FCC ; Orleans, SC : Seminário São José, V .. 20
1994. Vi........ 23
224p. til. VII....... 25
VIII 26
1. Orleans - História 2. Uruhici - IX 32
História X....................... 33
I. Título. ~ M
XII...... 35
CDD-981.642
981.64 Parte 11 .................................•.....•.•.•........... 41
XIII 46
1 - Frederico Tezza 51
2 - Virgínio Alherton ,............................................. 52
3 - Flávio Leharhenchon 54
4 - Moacir Crozetta Batista.......................................................... 57
5 - Case miro Paboeck 60
1994 6 - André Zanini 61
7 - Estanislau Matuchaki 62
Seminário 8 - Domingos Dehiasi 63
São José 9 - Juvêncio Alexandre 65
10 - Roteiro da Mina de Arzão 75
Av. Rio Branco, 387 Bairro Murialdo - SC-438
88015-201 - Florianópolis - se 88870-000 - Orleans - se
Fone: (0482) 24-3800 Fa" 22-0842 Fone: (0484) 66-0131 Parte li .. 77
I
primeira notícia sobre uma Sela de Arzão. Enterrada rio Orat6rio acima.
De ouro. Arreios de ouro. Ninguém conseguira localizá-Ia. A Sela de
A Arzáo fazia parte do repert6rio das hist6rias dos av6s, num halo de
lenda, juntamente com as aventuras de Pedro Malasarte. Foi assim que eu
iniciei meus contatos com aquilo que se tornaria. por acasos da vida. num
volumoso inquérito historicamente documentado.
Depois foi o conhecimento de mais de uma das tantas hist6rias dos tesouros
dos jesuítas. Lendas. Jesuítas das Missões. Jesuítas em fuga perante os massacres
dos bandeirantes. Jesuítas escondendo, nas taipas das estâncias dos Campos
de Cima da Serra, os tesouros de suas ricas igrejas, saqueadas pelo iconoclastas
paulistas. Tropilhas de mulas, tangidas por índios guaranis, carregadaS dê bruacas
de vasos sagrados, imagens, dobrões de ouro, o tesouro da República Comu-
nitária Guarani. Ouro em abundância e prata às pampas. Pois não eram de
prata pratos e baixelas não s6 dos padres mas também dos refeit6rios dos índios?
De prata. Prata colhida, ali, no centro da República, ou prata do Cuzco, trazida
pela trilha dos índios, diretamente das Minas do Peru: E tinha mais. Os padres
puseram os índios a trabalhar. Pelotas e pelotas de erva-mate desciam até
os portos do estuário do Prata, trocados por onças e onças de escudos de ouro
e libras esterlinas. Está certo: compraram armamentos, levantaram esplêndidas
Vista parcial - Serra do Corvo Branco, Urubici, SC. igrejas, o povo era atendido 'socialmente. Está certo. Mas onde foi parar o
Ouro todo de uma nação independente, fortemente centralizada, que em cento
e cinqüenta anos acumulara imensas reservaS? Fácil. Não desceria, de certo
pelos rios platinos para ser confiscado pelos agentes do Vice-Rei do Prata.
Não desceria. Para o norte, os vicentistas atacando com suas hordas de mame-
lucos. Para oeste, os Andes, intransponíveis. Esconderijos? Tentativas de embar-
que? Para leste. Para as extremas estâncias fOrtificadasdo nordeste do Continente
de São Pedro ou dos Campos da "Vacaria dei Pinar".
Na escuridão das noites frias de névoa gelada, de capão em capão, com
astúcia de índio, apagando rastos, por vales e canbadas, vem vindo a tropa
de mulas tangidas pelos índios missioneiros, comandada pelo superior dos padres

14 15
4,


jesuítas. Ele em pessoa. Atrás os mamelucos e cafusos atacando e depredando
os "pueblos" inutilmente definidos por valentes Sepés Tiarajus. Gado e índios
11
tangidos para as fazendas paulistas. Tangidos com raiva, que o tesouro, de ocê não experimentou. É emocionante. Você escreve. Você participa
arcas e arcas. sumira no escuro. de um concurso pela primeira vez. História. Documentos inéditos.
Lá vai em silêncio, mudo o cincerro. a tropa de mulas, com carga pesada. V Fontes impensadas. Novos horizontes. Nova técnica. Resultado óbvio:
Atrás das coxilhas O fumo negro dos "pueblos" em chamas. primeiro lugar. Na frente do figurão que escreveu sobre a história da Capital.
As mangueiras das estâncias de Cima da Serra, nem mangueiras não são.' Você, desconhecido, é chamado a receber o prêmio. Me diz? Concurso sério
São fortins, fortalezas. Trincheiras. Quem viu, nem duvida. Quem não viu chilia nenhuma. Reclamação do segundo. Não importa: o primeiro lugar é
pode ir ver. Estão lá. Diversas. Estratégicas. De taipa, sim. Mas de dois metros a hist?ria de Orleans. O terceiro é de Bom Retiro. Por coincidência municí;ios
de espessura e trés dc altura. Para gado? Também para gado. Mas defesas que tem o Morro da Igreja por divisa comum. Coincidência.
das estâncias. Redutos da resistência. Ali, bem no alto da serra. Os Aparados Mas vai que o professor Sachet, lente de História, Reitor de Universidade,
descendo em abismos a pique, por trás. me vem com uma, que me deixa matutando: "Que é isso, gente? Vossos dois
E a tropa de mulas, com os vasos sagrados e arcas forradas de couro e municipios têm por fronteira comum o Morro da Igreja. Estranho que, na
repletas de ouro, bivaqueando no mato, vai subindo as nascentes do rio Pelotas. história desses municípios, nenhum dos dois premiados tenha nem ao menos
Comida? É prear gado xucro. Montarias? É lançar boleadeiras nas manadas mencionado o Tesouro do Morro da Igreja."
de éguas com livres poldros de crinas eriçadas. Em menos de hora o animal Isso ele falou. Um professor sério. Lamentou que nós, em nossas histórias,
é domado pelo indômito índio. nem tenhamos mencionado essa lenda, essa saga. Lenda? Só por que falou
Já chegou nas fortalezas da estância. O lombo esfolado das mulas descansa. em tesouro, só por que falou em jesuíta?
As quarenta bruacas estão apoiadas por dentro da taipa. O estancieiro recebe, . E fiquei com essa pulga na orelha.
à fidalga, a tropa que se fizera anunciar por prudentes batedores. Comecei a gostar de ouvir um montão de histórias do tesouro. Muitas mesmo,
Segurança? É tempo de cheias. Na certa, a bandeira, carregada de despojos po_rque_aíeu comecei a se.ntir que era uma das mais enraizadas tradições antigas.
com quatro mil índios amarrados em filas, subirá as nascentes do rio volumoso. i
I
Nao, nao era de agora. Vmha, vinha dos avósl
Prosseguir não se pode. Descer com mulas os Aparados da Serra não dá. Bem, é natural. Os imigrantes vinham para a América em busca do Eldorado.
Só trilhas a pé por lajedos e peraus, por saliências nas rochas. A Serra de Vinham para enricar logo, e voltar. Vinham em busca da fortuna, da "Cucanha".
Santa Maria é barreira e defesa, de mil metros de altura. Descer não se pode. O imigrante, apoiado no cabo da enxada, vendo o rancho de palha, os
Esconder o tesouro? É preciso, e já. O local? Referências que o povo conheça.
I
produtos sem preço, a esperança fugir-lhe, sonha. Sonha o sonho que sonhou
Afinal é o tesouro do povo. O pico mais alto? É. É o Morro da Igreja. A i no navio de velas enfunadas. O sonho dos tesouros dos mares do Sul. Ali,
rocha, em janela furada, dá impressão de ruína de fachada de igreja. É lá. nessa roça de milho; dessa terra de areião íngreme, por meio de trabalho
De noite uma onça matara uma égua. Mais onças havia por lá, e índios insano de pequeno proprietário, não ficaria rico nunca. Nunca teria "meios de
botocudos, caingangues inimigos, vindos das florestas de baixo, à cata de pinhões voltar à pátria distante. Então sonha.' A mulher doente, a família crescendo,
e macacos. as economias sumindo, então sonha. E se, de repente, encontrasse a mina
O Morro da Igreja é no Campo dos Padres. Lá embaixo a floresta, e 15 de ouro? Bem, podia ser de prata. Podia ser até de ouro metal, mas mina.
léguas além, a Laguna dos Patos. A gruta, segredo dos índios, refúgio das De carvão, não, que nem os ingleses haviam com ele eoncado. E se, de repente,
horas incertas, vai acolhendo as bruacas descidas com laços de couro. esses cristais que se fincavam na pele endurecida dos pés fossem diamantes?
>.
De volta à estância, a emboscada de duzentos cafusos guiados por cruel Afinal essa terra nunca havia sido explorada antes. Essas pedras brancas não
mameluco. Os mangueirões-fortalezas até que ajudaram. Mas a munição esgotou. ~eriam ter um valor comercial incalculável? Essa pedra não seria pedra de
Até o padre morreu. cImento? E essa batinga estéril não poderia ser um minério cobiçado pelas
O curumim da madrinha, sobrevivendo à chacina, amarrado sobre um formi- F grandes potências?
-~ !
gueiro, com as carnes lanhadas, à última hora, não agüentou a tortura, contou O colono, apoiado no cabo da enxada, sonha. Seria o início do surgir da
do tesouro. Quiseram salvá-lo, que os levasse ao lugar. Inúltil procura. Só lenda do Tesouro do Morro da Igreja? Sim. Ótimo. Boa explicação.
levaram consigo a certeza: o tesouro das Missões estava lá. É o Tesouro do Mas vai que no tesouro de documentos, encontrados nos baús e caixões
Morro da Igreja. da Empresa de Terras e ColOnização, dou com a notícia de poucas linhas.
E tem mais: o tesouro está lá. Notícia de 1882,'antes, portanto, da vinda dos imigrantes, que aqui só aparecem
em 1883. "O senhor Augostinho Liberato conseguiu do Ministério um alvará

17
, '--

d' I' - a para explorar mina de prata existente na Costa da Serra." Assegura-se
ercenç
que a mina não se encontra nos ter,renos dP"'DaldA
o atnrnomo ot os ugust os m
Príncipes, A.A. Conde e Con?essa d E.u. em anos que até parece epidemia. Vem um. vem outro, vem oufro.
Antes dos imigrantes sabra-se, POlS, desta lenda. S6 tem que ser lenda, Dois ou três às vezes. Gente do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Gente
porque o ilustre homem da Corte que requereu a mineração da prata, nunca T fina. Se hospedam no hotel. Aí vão se informando. Por baixo. Se há
localizou prata nenhuma. Lenda. Um homem da Corte convencido que haveria um marra chamado Tai6. Onde que é o Morro da Igreja. Se tem rio lá abaixo.
mina de prata em Santa Catarina? De onde lhe vinha a certeza? - Se Laguna dista quinze léguas. Se são vinte e duas léguas de Lages. Assim,
Um dia estava nas Três Barras em casa de amigos. Três Barras é a última por alto. Ajudam a fazer os cálculos, que a turma s6 pratica quilômetros e
povoação, ao pé do Morro da Igreja. Depois havia serrarias. Encantadora aldeia, braças. Daí vão se en~aminhando, bem certo, para aqueles que já andaram
em meio a píncaros alpinos. Lindo mesmo. Percorro a cavalo a famosa trilha -à cata de enterrados. E. Tem uns que têm até O aparelho. Têm, não, tinham.
dos_tropeiros, a Serra do Imaruí. Quantas hist6rias de cobras, de tigres, de É bom dizer que já passaram adiante. Andaram à cata, de noite, com vela
índios! Peraus, precipícios, grotões, onde caía um muar e nem se pensava benta, até. Chegaram a ouvir aquelas vozes penadas. E, de repente, viram
em ir recolher, no fundo da pirambeira, algum resto aproveitável. Inútil. Nada a agulha tremendo, rodando, marcando. Escavaram às pressas. Era um pedaço
sobraria. Estrada infame de íngreme, em que as mulas precisavam saltar de de ferro de cavalo, um tacho velho, ou mesmo uma lata. Porcaria!
uma pedra a outra para subir ou descer, ou deixavam.se escorregar por lajeados Mas os homens do Rio convenciam. Documentos e mapas na mão. Contra-
limosos. Vez de perder dez reses de uma s6 tropa. E os tiros de cima, e tavam. Matalotagem pronta, seguiam desengonçados, agarrados nas selas dos
os tiros de baixo, para que não houvesse encontro de tropas? E as onças desan- cavalos. Bem mansos, recomendavam. Gente de ficar acampado e campeando
cando o pescoço das mulas da tropa com única patada? E as enchentes retendo, até quinze dias. Os nossos daqui, guiando. Promessa de grandéi'-quantias.
esgotado o revirado? Fome, e frio, e medo dos bugres. E as chacinas de índios Bobo, em três dias te faço rico, com dinheiro para comprar úm'prédio de
sob o comando do delegado Machado? Copacabana! Até quinze dias campeando. Às vezes parecia estar próiimo. Dois
Pois eu estava hospedado em casa de amigos. À noite chimarreamos contando montes conferiam com o mapa. Mas e o terceiro? Havia uns que sr-i.mdavam
causas de serranos que vinham invemar o gado no Curral Falso. Mortes feias, nos rios. Deixavam que os nossos trepassem peraus nas sendas rochosas, dos
de faca e tiro. Gente homiziada neste confim de mundo, perigosas, de continuar porcos tatetes. Há lugares por lá que palmo não foi deixado sem ser vistoriado.
matando nas brigas de bodega. Depois falamosde causas de assombração. Vistas, O paredão espelhava certinho o mapa e o roteiro. Vez de ficarpendurado
com testemunhas. Reais de verdade. Apavorando sempre os outros, não o dito, numa corda e não saber nem subir, nem descer. Depois o entusiasItiõ passava.
que semp(e se houve de valente. E também de boitatás. Mas essas, fichinha, Chuva, noites dormidas no alto das penhas, fome. De repente os homens se
pois comuns mesmo. Horripilante ao invés o Gritador. Querer ouvi-lo? Tescon- somem. A pé mesmo. Não pagam O guia, nem pagam o hotel. Sorrtenr: Quantos
juro! Não há coisa mais pavorosa. E o grito vem vindo. Sempre mais perto, e quantos. .
mais forte. E não vês nada. E dás tiros, esvaziando o tambor do rev6lver. No Rio de Janeiro tem que ter gente, uma sociedade de gente, que tem
E rebentas o ar com chicote e faiscas o ar com o facão, ali, onde'a voz se acesso a documentos secretos, com m"apasdo tesouro, roteiros, descrições e
inicia. Medo. Medo, de sete homens fugirem armados, largando facão, tamancos tudo. Até falam do colégio dos jesuítas. Um dia n6s vamos lá. S6 aquilo, pelo
e garruchal De se tremer dentro de casa, o berro profundo em cima da casa. jeito não basta. Mas n6s já sabemos muita coisa daqui. Somamos. Há gente
Querer ouvi-lo? O Gritador? de Braço do Norte e de Grão Pará que também sabe. Somamos as informações,
O sono não vinha, a cuia rodando, domingo o outro dia. Algumas hist6rias dividimos o tesouro.
foram de panelas de dinheiro. Enterradas e achadas. Um tropeiro ao tilintar O mapa que a senhora copiou foi malcopiado. Por causa da pressa. O homem
da panela no ferro do cavalo, apeara, escavara com o facão. Precisou esvaziar esquecera. O que pousara ali em casa. Mas poderia voltar logo. Voltou mesmo.
o revirado dos pessuelos para enchê-lo de libras esterlinas. Pois, de onde lhe Não deu de acabar. Os nomes, nem dava de ler. S6 um monte, Tai6. É o
viera a frota de ônibus e caminhões, com que agora rodava por cima da Serral Morro da Igreja?
Era bem tarde da noite, O lampião já enfraquecendo, quando a dona de
casa, os vizinhos já se haviam retirado, mostrou-nos a cópia que fizera às pressas
de um mapa do Tesouro do Morro da Igreja.
N
oi durante a Primeira Guerra. Meu pai me contava. Ele veio ver
mesmo. Não sei se falava de jesuítas ou tudescos. Não, era de
"F jesuítas. Esses acharam o tesouro. Ficaram ali mais de mês. Abriram

18
,o' , .

uma galeria. Bem no alto do paredão. Até fizeram um patamar com os detritos
deles não eram de aço comum ou de ferro. Eram de cobre, de bronze ou
de mina. Mina, não. Era uma caverna. Meu pai viu de longe, porque era
de metal amarelo. Porque esses não produzem faíscas nas pedras. E lá na
uma gente que não falava nada com ninguém. Meu pai viu eles tra~end? as
Europa as minas têm o grisu, aquele gás que incendeia fácil. Pensavam que
caixas de ouro para fora. Iam amontoando, amontoando ... Caixas e malSCalxas.
aqui também era assim. Tem mais gente que diz ter visto a mina lacrada.
D ece rto era que as bruacas dos quarenta ca'rgueiros já estavam apodrecidas Conto s6 esta.
d d .
e eles precisaram botar em caixas. Se era uma caixa ca a, ava oite.nta CaIXas.
Um dia eu ia a Florian6polis quando entabulei conversa com meu compa-
Até parece que de lá para diante, lá perto de Brusque, consegUIram levar
nheiro de assento. Era de Lauro Müller. Agora dera em marinheiro. Cozinheiro
num c:uninhão. Sei lá." .
para melhor dizer. Mas cozinheiro de navio pesqueiro, desses que saem e
"Ali quando que foram embora, depois de uma semana, mais ain~a, po~que
s6 voltam um ou dois meses depois quando tem os porões abarrotados. Comida
não se sabia se voltavam, e era perigoso durante a guerra, meu paI conVl~OU
é peixe mesmo, mas preparada de maneira diferente cada dia. Até a marujada
utro para ir caçar lá naquelas bandas. Até mataram dois tatetes e um
um o El . h aprecia demais urna sopa especial que ele fazia de domingo. Sopa de sardinha.
macuco logo de saída. Mas O lugar da mina não se via mais: es h~ am
Mas o marinheiro contou-me urna hist6ria bem longa, quase quanto os cento
c't escorregar uma grande laje por cima. Botaram uns matlnhos. Nao se
,ela ldl' "t e oitenta quilõmetros da estrada. Eu não conto. S6 digo que ele descobriu
viu mais nada. É. Foi durante a guerra á e es. Eu, pra mIm, os JesUl as
a boca da mina lacrada. Era criança ainda e teve medo. Era no rio do Rasto,
já levaram o tesouro e não adianta m~s ir e~ busca del~." _
quase. na embocadura do rio da Vaca. Tem uns paredões por lá. Passou-se
Quem falou assim foi um polaqulnho, Já bem velhinho, lá do Chapadao,
um ano, dois, e quase que vinha a coragem de ir lá e derrubar a parede
bem, lá mais embaixo, no Morro da Palha. Até é aquele que cedeu o monjolo
de pedra e cimento e entrar na galeria. Certo, não se deve entrar em galerias
para o Museu ao ar livre. Mas falou mais: . . .
abandonadas, mas sendo a Mina dos Ingleses ... Com os outros, moita. Não
"Agora tem gente que fala que aquilo nã9 era o tesou!o. Sena mlnén~
é que um dia, no alto do paredão aparecem tratores e caçambas e vai terra
que eles precisavam para a guerra lá deles. E. Por qu~ nao se sabe ~unca,
e mais terra, pedras e pirita, folhelhos e barro, afinal todos os detritos de
nada. Podia ser até gente do governo! Eles vier:un aqUI também depOIS, até uma nova galeria.
eu ajudei. Vieram fazer sondas. Furar:un, furaram. Sonda daqui, sonda dali.'
A Mina dos Ingleses está lá, enterrada. Um dia, vai precisar remover muito
E tem uma coisa: a sonda vai furando e deixando aquele sabugo de rocba.
entulho, trator grande, carregadeira, mas certamente alguém vai querer desco-
Aí eles tiram. Tiram e botam em caixas. Tem camada de todas as cores. Quando
brir o mistério que os ingleses lacraram. Muitos dizem que é a mina de prata.
-em nas caixas vão anotando nas cadernetas. Pensa que dizem para nós o
po . M Não estavam autorizados a minerá-la, por isto lacraram.
que era? Mandavam pro Rio e s6 eles lá sabem o que é que n6s temos. as
Bem, minas de ferro e manganês têm por aí tudo. Talvez são pequenas
que tem, tem. Até tem um causo de uma sonda, bem funda, que nã~,puderam
demais. Caulim e feldspato, então, é tanto que todas as principais empresas
tirar, porque quebrou lá dentro. Fizeram de tudo. Não deu. Está lá.
de cerãmica de Urussanga e Criciúma têm grandes extensões requeridas. Todo
o município está requerido. Tanto assim que já me trouxeram duas amostras
v de minério e eu mandei desistir e ocultar, como tantos outros, porque o direito
de explorar está com outros. Para os danos das terras, s6 incômodos. Fluorita
alando de mina, me lembro daquela dos ingleses. Muito se fala de
tem. Argilas, areião, lousa, traço, granito, arenito, tudo que é material para
uma misteriosa, descoberta pelos primeiros ingleses que exploraram
construção, tem e ~bastante. Essa Serra, essa imensa falésia, deve esconder
as minas de carvão. Ninguém sabe o que tem lá dentro. Pode ser
F fábulas de minérios. O Governo e as companhias devem saber. Reserva para
ouro, pode ser prata, e tem quem diz que era um minério venenoso, talvez
o futuro. Tinha um ferreiro que de vez em quando escalava peraus e voltava
arsênico. Os ingleses cavaram, cavaram. Não deixaram nenhum dos nossos
com o estanho para seu uso. Petr61eo deve de ter. Xisto betuminoso tem um
cavar lá. Eles mesmos, até mestres e engenheiros cavaram lá.. Não se sabe
desperdício. De di:unantes só se falou em lendas. Mas tem muito cristal, ágata
quanto. O fato é que um belo dia pegaram um pedreiro, vendar:un com uma
e outras pedras semipreciosas. Carvão, então, é s6 abrir um poço.
venda bem vendada e foram levando, por quase meio-dia, floresta adentro. "
O rio Minador leva este nome de remotas eras. Quem foi o Minador? Quem
Aí desvendaram e fizeram lacrar a mina sem que pudesse saber o que ela abriu as duas galerias à beira do rio?
I I
continha. Depois vendaram de novoe conduziram de volta. Isto ainda no começo,
O Carlos Volpato, conta urna história estranha. Certa vez com outros dois
no século passado. O que tem lá dentro? Agora tem alguém que diz que eles
companheiros quiseram saber o que ocultava a galeria mais baixa, sempre cheia
guardaram lá os instrumentos deles, máquinas e coisas ~e engenheiros. E~pera-
de água. Rapazes guapos deram-se ao trabalho insano de esvaziá-Ia. Chegaram
vam voltar um dia. Porque é preciso saber que todos os Instrumentos de minerar
ao fundo e encontraram garrafas de querosene, caixas velhas, s6. Por coincidência

20
21
s6 dois dias depois vieram dois senhores de Curitiba, querem da gente que
os auxiliem a esvaziar a galeria. Muito bem. O Carlos foi, o Angelo Mazon
também, mas o outro mandou o filho. A galeria estava cheia novamente. Esvazia-
ram. Nada. Saíram todos. Mas os dois voltaram. Foram vistos depois com
duas pesadíssimas malas. Pensa-se que havia algo de lacrado nas paredes de
pedra da galeria.

VI
ois, quando fui me convencendo da importância da hist6ria do Tesouro
do Morro da Igreja, dei em perguntar mais. Até riam de mim. Isto,
P -a gente mais séria. Não mais séria. aqueles que não acreditam nestas
coisas. Mas os outros até me contaram outros casos. Muitos casos. De achados.
de enterrados, de sonhos, de aparições. Você não sabe, mas têm tesouros que
s6 com vela e água-benta a gente pode arrancar. Têm outros que tem que
ser inocente de todo pecado." Confissão é bom, mas se vai lá um inocente,
esse cava e encontra. Tem outros que precisaria que fosse lá o padre. Se o
padre não vai tu vais lá uma noite, duas noites, três noites e nada. Não encontras
porque o padre não está junto. De outros se disse que s6 quem tem o dom.
Médium espírita, benzedeira, esses todos. E tem diversos que estão aí aguar-
dando para serem achados. É s6 conseguir a presença deles.
Tem casos de arrepiar. Tesouro que se preze s6 se deixa encontrar de
noite. Mas não é assim! Tu ouves barulhos, vês enxames de abelhas, és malhado
por mil patas de cavalos, perdes a mem6ria, ficas doente e podes áté morrer.
É. É preciso cuidado. As velas se apagam, vêm pedras na gente;;"chuvas e
granizo. Aparições mais horrendas não pode haver. Não, quem se"bota nisto
tem que ter tutano. Sonhas, recebes avisos, te pedem rezas e missas. É cumprir
o que pedem. Depois, sim. A gente vai e escava. Agora tem o problema com
os vivos. Quanto tesouro ficou enterrado por causa dos atuais donos dos terrenos!
Ficam feras. Tu já estás, às vezes, ali, na camadinha de carvão, na última
laje, no tlim-tlim da panela. Vem o dono com cachorros, espingardas e tudo.
Se tu tens amor à vida...
Agora tem um recanto desses que eu aprecio demais. Mesmo porque ainda
espero ... É que é ali, bem pertinho, no terreno do Seminário. Vou até entregar
Dia ck neve, Urubici, se. mais. Ali, pouco acima do Museu ao Ar"Livre. Têm aqueles grotões, não tem?
Pois ali já houve desperdício de escavações. Foi gente com vela benta e com
instrumento de minerar. Seu Zé Cachoeira cansou de encontrar escavações
: e mais escavações. "De começo eu até pensava que era tatu, dizia, mas _não
era. Eram esses que"sonhavam. E sonham. Aí vinham de noite. Vi gente procurar
de dia. Agora de dia não adianta."
Dona Nêta diz que, ao casar, via tanta bola de fogo subindo por lá, ao
anoitecer, que, de medo, passou a nem mais olhar para lá. Que tem coisa,
tem. E é por isto"que eu quero contar o que se contou deste caso.
Ainda agora terreno se chama "Terra da Russa", por ali onde está o Museu
o
22 23
e a Febave. Pois, era tudo mato ali no final do século passado. Era ali a linha
Miranda, inícios, de um lado, da grande Sesmaria ~os Mira~das e pelo outro, mandado os escravos levar as arcas para os fundos do terreno, e, nas grot~,
do patrimônio dotal da Princesa Isabel. A Sesmana dos Mlrandas ficara em entre as pedras, cavar funda cova. Lá dentro teria depositado as arcas de o~ro.
matas. Que eles não trabalhavam mesmo. Quando precisava.m, trocavam um Só as arcas? E os corpos dos negros? E se os negros tivessem voltado, com
gordas gorjetas, para sua Laguna?
terreno por uma peça de tecido, por um cavalo. por um bOI, ou mesmo por
um corote de cachaça. Faziam isto. Uns latifúndios que se perderam em nada. D. Nêta ainda hoje confirma: os fogos eu vi. E os netos do russo, com
Acabaram pobres mesmo, os Mirandas. o segredo das letras da tampa de cimento, guardado na mente, andaram cavando
Mas é isto. Enquanto na extrema do patrimônio começou a derrubada pelos e com eles outra gente, em buscas inúteis. A grande fortuna estaria num tanque
de cimento enterrado no chão.
imigrantes em 1883, a Sesmaria Miranda ficava intacta, somente cortada na
São ditos do povo. Mas quem sabe ...
cabeceira pela estrada de ferro Dona Teresa Cristina. • .
Era por volta de 1895. Deve ter havido algu~.a revolta ?ra~a na RUSSla Alguém confundiu, ao contar-me que este seria o famoso tesouro. Não é.
do Czar. Sei lá. Perseguiçáo houve. E teve um mUJlque ou pnnclpe daqueles, Este é outro. O Tesouro do Morro da Igreja é bem outro, bem maior: quarenta,
não quatro, cargueiros de arcas de ouro.
um rico proprietário de terras que teve de fugir. Nem foi bem fugir. Mas
a perseguição era tanta que vendeu suas terras, seus trigais e vinhedos, suas
florestas suas casas e vilas inteiras de servos da gleba, vendeu, transformou vn
, . .
tudo em dinheiro de ouro, em vasos, em cruzes, em lcones precIOSOS, em
baixelas de prata. Botou nos baús e tocou-se para cá. Para o Brasil, que ninguém osé Alexandre era caçador. Não era que não gostasse de trabalhar. Traba-
o seguisse. E no Brasil, lá no fundo, no fundo do mato. De Laguna as arcas lhava. Mas era ter uma folga, acolherava os seis cuscos, e, COm munição
vieram pela estrada de ferro; Se os carregadores se queixavam do peso tremendo, de boca e de anna, partia a cavalo para a costa da Serra. Em meio à
é ferro, dizia, vou trabalhar de ferreiro, vou mer instrumentos para os colonos.
Ioresta passava até dias. Mata virgem imensa, ~cobrindo profundos grotões e
Mas recompensava bem. Até que era generoso. serras perdidas~ declives e aclives, o sol se ocultando, chuva, cerraçáo, noite
Na estação de Orleans, fim da linha, descarregou os muitos baús e, disfarçado escura, nada lhe tolhia a orientação. Sabia sempre onde se encontrava, onde
em colono, quis logo comprar terras da Empresa. Pagava a vista. Mas o Etiene estava o cavalo, qual a direçáo a seguir.
não estava ocupado em medir terrenos para outros russos no RIONovo. Que Medo não tinha nenhum. Nem dos índios. Com eles caçava. Para eles
esperasse. O galpão dos imigrantes tinha pulgas, pio~os, e b.ichos-de;Pé: mas deixava um quarto do veado, ou macuco pendurado na forquilha da vereda.
era abrigo. Mas não, não podia esperar. Ningué~ maISv~ndia terras. Nao... Eles vinham, invisíveis. Às vezes era ele estirar um tatete com tiro certeiro
Espera. O velho Miranda. Vai lá na bodega. FOI. NegócIOna hora, o melhor e um índio roubar-lhe a caça em risada de grande alegria. Enfrentara até onças
negócio feito até então. Uma fortuna. Todos tomaram de graça, até tarde da e matara um leão baio. Uma jaguatirica postara-se sobre um tronco para, à
noite. Todos, não. O Russo, não. Até parece que nem tomava mesmo. Nesse sua passagem, lançar-se sobre ele. Na última hora a visão, e um tiro. Até
dia deixou o Miranda e correu para a estaçáo. Um carro de boi mal conseguiu de tatete precisara precaver-se. Eram tantos, retalhando Com longas presas
levar todos os sete baús à foz do rio Belo. o que encontrassem ao alcance. Mais vezes vira seus cães por eles retalhados.
À beira da matá descarregou sua fortuna ajudado por dois negros, ex-escravos, Uma onça ferida, a arma descarregada, ainda tentara alcançá-lo. Foi uma luta
que contratara em Laguna. Donniram ali, num toldo de lona tirado de um de faca e algum arranhão. Nada temia. Afeito ao frio e ao calor, dormia nas
dos baús. alturas dos alcantis; na espera do veado arisco ou do porco-do-mato. Preparava
E aqui começa a história que ninguém conta bem. Até.se fala de escravos. assados nas brasas, fazia, de ramos, um abrigo contra a enxurrada imprevista.
Mas escravos não eram que a lei da Princesa Isabel aIfornara a todos. Talvez Se molhado, secava, no corpo, a roupa, mesmo em dias de geada. A mata
ficara o costume. Eram negros. Ninguém mais os viu. Nem quatro das arcas. era seu chão. Cuidava da arma, tratava bem de seus cães. Voltava revitalizado
Disfarçado em pobre, trocara de nome? Construiu sua. casinha. Fe~raria não das grandes caçadas; especialmente quando em companhia dos amigos. Era
botou. Botou foi tafona. A mulher viera com ele? Cnou na estreIleza uma um caçador do sertão de OrIeans.
boa família. Levou para a cova o segredo das arcas e dos negros escravos. Um dia voltou triste da caça. Que é que é isso, manol Hoje era o dia
São ditos do povo. Um dos filhos ainda viu que o pai velhinho prepara, da caça. Vai, te reanima com um gole de cana. De noite deu até em tremer.
em cimento, uma tampa de tanque) com letras misteriosas gravadas em cima. Maleíta? Sezões? Mas não havia por aí. Era febre mesmo. Os chás não resolve-
Depois a tampa não mais foi vista. .. . ram. Muito triste, em poucos dias consumia-se em febre. Que tens mano velho?
Eu não sei não. Tem más-línguas que dizem que o russo mUJlque tena Afinal, vendo as coisas piorarem dia a dia, contou. Contou tudo. Contou seu
grande segredo.
24
, ", ,

N"o não era maleita. nem doença, nem nada. Simplesmente, em meio de Santa Catarina. Ali soube da existência de dois brancos, náufragos da expe-
à caçad~, perseguindo tatetes, chegara à caverna. do teso~ro, nas viradas do , dição de Solis, moradores mais ao sul, que teriam conseguido colher duas
M da Igre]'a. Nunca se interessara por tal cOisa. Ouvira falar. Bobagem. arrobas de prata. Estariam eles morando com os carij6s na Laguna dos Patos,
=
Mas aquele dia, correndo quatro ou cinco tatetes, pe nh ascos aCIma, . .
OUVIra Porto de Viaça, ou Biaça, ou M'Biaça ou Embiaçu, ou Ibiaça ou Embiaça ou
m cachorro acuando num lance do perau. A custo subiu. Em sua frente um Porto de Santo Antônio, a que finalmente se deu o nome de Santo Antônio
::"chorro preto, gigante, quase o dobro de um policial. Uma fera de fúria. dos Anjos de Laguna. Diário de navegação de Pedro Lopes de Sousa, escrito
Um tiro. Dois. Troca de cartucho. Três tiros. No peito, na cabeça. Quatro durante a expedição de Martim Afonso de Sousa em 1530:
tiros. Ué? Esse bicho não morre! Mais dois tiros. A fera nem sente, num "Aos cinco dias do mês de fevereiro (1531)entrou neste porto de São Vicente
furor de mil diabos. Que que é isso! Seria assombração? Medo? Não. Vamos a Caravela Santa Maria do Cabo, que o Capitam I tinha mandado ao porto
ver de perto. Desembainha O facão e avança subindo nas rochas. Mas agora dos Patos buscar a gente de um bergantim, que aí se perdera. E achou que
o negro animal vai se retirando, sempre mais, sempre mais, até ocultar.se tinha feito outro bergantim, com a ajuda de 15 homens castelhanos, que no
atrás de um rochedo. Mas olha que coisa! Teria sido um cachorro de índio? dito porto, havia muitos tempos que estavam perdidos. E estes castelhanos
Mas agüentar tantos tiros? Bem. Fugira. Era bom estar de sobreaviso não deram novas ao Capitam I, de muito ouro e prata, que dentro do sertam havia,
viessem os bugres. Nunca estivera nesse patamar. Que bela visão! Uma escada e traziam mostras do que diziam e afirmavam ser muito longe ... "
escavada na pedra. Subiu. No alto, uma capela de rara beleza. Mas que coisa! Em 1532 Martim Afonso de Sousa recolhe outros náufragos em Laguna
Não entrou. Olhou, fixou bem o lugar. Voltaria com outra gente. Desceu, que lhe apresentaram algumas amostras de ouro e prata colhidas no interior.
preocupado com sua matilha. Medo nenhum, sensação de bem-estar. Emoção, Em 1723 Zacarias Dias Cortes partiu da vila de Curitiba para os sertões
s6 um pouco. Seria o famoso tesouro? Era. A capela estava forrada de barras do sul, com intenção de alcançar os Campos da Vacaria para trazer gad~' vacum
de ouro. Ouro iluminado, amarelo, brilhando. A matilha perdera o rasto dos e muar. Infiltrou-se, para melhor conhecimento da região, pelas ce;~as do
tatetes e ladrava para cima, em direção do cão negro. S6 isso. Seria f.l.cilvoltar. planalto e adjacências do litoral catarinense. Aqui descobriu e exploroit"ás Minas
Marcou bem o lugar. E desceu. Sensação de mal-estar, agora. Chegara em de Inhanguera. Também descobriu e explorou O Morro ou Serra N~ira, pela
casa com febre. Vira o tesouro. Doença era isto. Conseguira abrir o coração, língua da terra "Bituruna", o qual referido morro ia "Afocinhar sobre o rio
revelara o segredo. Uma ânsia infinda o oprimia. Precisava ir lá. Ao menos Uruguai".".
até embaixo. Precisava indicar. Sua doença era isto. Que o levassem. Na volta, Das minas de Inhanguera que ficava no sertão da Enseada das Garoupas
viria por conta, garantia. Carregaram na branda. A febre aumentando. Chegaram e Ilha de Santa Catarina, retirou mil oitavas de ouro. >

lá embaixo, Falava sozinho. Não mais atinava. Voltaram. Em pouco a febre O descobrimento do ouro muito interessou o Governador de sã~Paulo.
" Logo enviou à cãmara de Curitiba, 'em 17 de dezembro de 1724;~~ ofício
levou-lhe a vida de jovem.
Mais uma vítima do tesouro. Quantos haviam morrido por causa dele através em que pedia esclarecimento e a elaboração de planta e roteiros descritivos.
dos séculos? I Zacarias Dias Cortes elaborou, de fato, o mapa e o encaminhou ao Governador
Os outros irmãos depois foram na pista. Encontraram caverna com vários de São Paulo. O historiador Varnhagen menciona este mapa, que teria existido
degraus. Não viram capela. nos arquivos da Secretaria do Governo até meados do século passado, de onde
Não temos notícias de outros que vissem a estranha visão. foi retirado. Mas o roteiro foi conservado e foi difundido na Revista do Instituto
A velha Oxéria, serrana rica, morreu procurando. Hist6rico e Geográfico Brasileiro, vaI. 69, págs. 241 a 243.
Meu irmão: até aqui a lenda, o folclore. Mas e a Hist6ria? Pois vamos Ê um roteiro muito vago. Além disso, é preciso lembrar que Zacarias foi
à hist6ria, que é longa, de séculos. dos primeiros civilizados a percorrer esse sertão. Não havia estradas, nem povoa-
çôes. Não havia mapas e os lugares não tinham nomes ou tinham nomes indígenas
vm que não foram conservados depois. Mas além dessa dificuldade parece ter sido
elaborado com o propósito de confundir, não de orientar. Afinal quem encontra
capitão-mor João Caboto, marinheiro veneziano, pôs-se a serviço do um tesouro ou uma mina não gosta de entregá-los facilmente ao Governo.
rei da Espanha, Carlos V. Em 1526 organizou uma armada com destino "Roteiro do sertão e Minas de Inhanguera, vindo da Vila de Coritiba para
O às famosas Malucas. Mas, para desviar-se das calmarias, aportara ao Elias."
Brasil. Aqui lhe falaram que, no interior do rio da Prata, havia um rei que "Partindo de villa de Coritiba, passando-se o Rio Grande (Iguaçu) da dita
explorava uma serra lotada de minério de prata: foi o que bastou para desviá-lo. povoação, se vai logo buscar no Rio Grande pequeno, que é o que chamão
da rota e colocar os lemes nessa direção. Em 19 de outubro chegou à l1ha de 19uaçu-merim (Rio da Várzea), e passando este rio irá alongando mais para

26 27
o campo Iargo , por não ir rompendo matos pOr cima da serra." d da villa de Coritiba Francisco Xavier Pizarro, e muitos outros, em busca das
"D ' começarão a buscar o rio Negro (negro mesmo), chama o Una, que
Minas de Inhanguera (rio que era do diabo),
éno. da,. e)ana,g da por ser fundo. Passando-se este rio, caminhando
'h' I pelo rumo _ Francisco de Sousa Faria, o construtor do primeiro caminho da Mata, seguIu
de sudoeste encontrarão um ribeirão. que cortando um pm eua a to passarao
este roteiro para seu "Caminho do Sertão", "Estrada Viamão-Sorocaba," ou
por c~ma . dele' • o qual ribeirão foi agoada do gentio Gabelhudo
.•• (índios cabeludos)
"Estrada dos Conventos."
e o rio, pela língua da terra, Inhanguera (rio Hercílio). ..
"Logo passarão outro ribeirão pequeno, chamado Itupeba, (no Canomhas) Este roteiro deu aso a muitos estudos e intrigas na questão do Contestado
e por ocasião da fixaçãodas fronteiras com a Argentina, na região do Chapecó,
vistarão logo uma serra que corre para o poente, não alta, que pode estar
por se pensar ser esse rio o Inhanguera. .
~:Sviada de nossa Serra do Mar duas léguas, pouco mai~ ou menos (S~rra
Muitos e muitos continuaram, através de quase três séculos, seguir este
do Espigão). Pela ponta desta serra passarão e darão com fachmha dos sertomstas
roteiro brumoso e incerto, tentando localizar em todo .o território de Santa
de tempo dos gentios, chamada Garcelhos, e logo avistar~o o ~orro Negro,
chamado pela língua da terra, Bituruna, o qual morro VaJafocmhar sobre o Catarina, desde os Campos de Palmas ou na atual região de Taió, o famoso
morro do ouro. Veremos que não está fora desta visão indefinida o nosso Arzão,
rio Uruguai (Serra do Marari)," .. •
ao entrar a sudoeste da enseada das Garopabas. Ele mesmo diz que deixou
"Este campo tem um campo ao pé, muito gran~e.mUI ~o. e co~ IDmt.ls-
simos veados, muitas emas, muitos cervos, e mUltos bot.lás. que dao mUlta de interpretar ao pé da letra este roteiro e veio dar ao Sertão dos Bugres
Brabos, ao pé do Morro da Igreja, no município de Orleans.
e boa farinha, e por baixo dos botiás tem muita erva mimosa. Desta Serra
Em 1776 diz-se que há sertanistas procurando o morro do Taió, que distaria
Negra caminho de leste não poderão errar o morro chamado TAIJÓ, que
20 léguas de Florianópolis.
é o q~e se vai buscar (Taijó, Tayó, ou .Itaiog,. Significa pedra g~an~e, ou casa
Moradores da vila de Lages também fazem diligências neste sentido. Em
de pedra. Pelo roteiro, não é O atual TaIó. Sena o Morro do Fuml), .
1791, Miguel Gonçalves Santos, da Armação de São Domingos esteve explorando
"pelo pé da Serra Negra corre um ribeirão que vai buscar as cabeceiras
o sertão até as Vacarias. Encontrou, no Caminho da Mata, o Capitão Antônio
do dito morro do Taió, o qual morro é baixo e redondo e agudo com sua
Marques Arzão, que lhe contou ter possivelmente encontrado o Grande Taió.
campina ao pé e tem este feitio (?), Tem também sua campina da banda norte,
Em 1820.
d banda sul mato grosso carrasquenho. Pelo pé deste morro podem buscar
"Em 1820 a Corte Portuguesa está superinteressada nas notícias dos grandes
~ur~. E quando se queiram alongar pelos matos do mar, nãbose!a peladPardte
tesouros e minas de Santa Catarina, Pelos avisos régios de 30 de setembro
d osu, I se)'a pela parte do nordeste, que dali manam h as ca" eceIras to as o de 1820, e 02 de outubro do mesmo ano, incumbe-se o sargento-mor João
Pajay-merim (ItajaJ'), que não poderão deixar de ac_ar ouro. .
"E tas são as chamadas Minas de Inhanguera, tao afamadas como as anhgas, da Silva Machado, Barão de Antonina, para a exploração do Taió. Nessa época
Miguel Gonçalves Santos propõe seus serviços ao Governador de São Paulo
e ficams no sertão da Enseada das Garoupas e Ilha de Santa C'" atarm~,
para ir nessa expedição, escrevendo o seguinte: Na exploração que fiz em 1791
"A serras da costa do mar vão acabar e afocinhar perto a um no chamado
Taram:ndy (TramandaQ, o qual está abaixo da Laguna, 40 léguas, pouco mais encontrei-me com o capitão Marques Arzão, que me comunicou que naqueles
Sertões havia um monte, aonde foram por acaso pernoitar, que de certo modo
ou menos , de donde acabam estas serras para adiante se nãoh tem " mais terras seria o grande Taió, que diziam ter os jesuítas sacado bastante prata pela parte
altas, nem serra alguma, até o dito Rio Grande e sua Campan a,
"Na dita paragem onde acabarão estas serras do mar é que se sobe, por das Missões; porque, fazendo fogode noite para sua comida cozida, e servindo-se
de três pedras para formar uma trempe para sua marmita, tendo chovido naquela
t nos dificuldades de chegar ao campo, no qual se dará com pinheirais,
er me d fa - dil' _ , noite, vira que pela manhã as pedras estavam brancas pelas faces de dentro,
e na dita paragem vindo mais para as bandas e Laguna rao Igenclas por
e que, levando as que pôde ao seu capitão-lllOr, este o remetera com elas
umas pedras toscas, as quais chamam pedra de coco, estas arrebentam como
à viIIa de Laguna, donde fora enviado ao Governador de Santa Catarina, que
o sol e do âmago lhe saem umas pedras toscas, outras lisas, umas cor de ba~o
então era o Brigadeiro Francisco de Barros Moraes Araujo Texeira Homen, o
de romã, outras roxas e outras brancas como cristal, e todas estas pedras sao
qual mandando fundir uma das ditas pedras pelo Juiz do ofício da prata, Luís
finas, depois de lavradas." . . .
Corrêa, este viera dizer que era prata finíssima,pelo que lhe mandou o Governador
"Para se descobrir e entrar para as mmas de Inhanguera é maIS fácl1 e
dar quartel e 4.000 réis, para prato enquanto não voltassesoluçãode sua Majestade,
mais perto entrar por este caminho, onde acabam as serras do mar, como
a quem dava parte pelo Vice-Reido Estado, que então era o Exmo. Sr. Vasconcelos
fica dito, do que pela villa de Coritiba."
de Sousa, e que tendo a solução demorado, e aquele tendo sua família de cuidar,
Este é o famoso roteiro do Morro do Taió.
se retirava com licença do Governador, com obrigação de voltar sempre que
Além de Zacarias Dias Cortes, o descobridor, logo viriam o capitão-mor
fusse chamado; o que ainda não tinha ácontecido."

28
29
,
,
Até aqui notícias já publicadas em livro, especialmente no "A Conquista
do Planalto Catarinense," de Cyro Ehlke, da editora Laudes, 1973. Teremos
ocasião de falar mais, tanto do Marquês de Arzão, como de Miguel Gonçalves
Santos, em relat6rios inéditos que publicaremos adiante.
Cremos que todas as pesquisas foram inúteis porque se concentraram nas
cabeceiras do rio ltajaí, onde, aliás, já se fàiscou ouro, mas sempre em quanti-
dades pouco comerciáveis.
Ao capitão Antônio Marques Arzáo e ao sertanista Antônio José Costa con-
fiou-se abertura do caminho Florian6polis - Lages em 1788.
a famoso roteiro do Morro do Tai6 poderia ser interpretado como roteiro
para o Morro da Igreja?
Como vimos, o roteiro é sumamente impreciso. Dos campos de Palmas,
às cabeceiras do ltajaí, um territ6rio imenso foi devassado com bases nas brumo-
sas indicaçâes oferecidas por ele. Porque não poderia esse territ6rio abranger
alguns quilômetros mais ao sul, onde está o Morro da Igreja? Ali estão as
Q~beceiras do rio Uruguai. Tem campinas ao norte e matos carrasquenhos.
Casa de Pedra, ltaog, não seria a Janela Furada, a que se deu o nome de
Morro da Igreja, por parecer o portal de uma ruína jesuíta? Há ali serras
que partem da Serra Geral. a Pejaí Merim poderia ser o Pelotas ,.';que dali
manam as cabeceiras todas. E fica na Enseada das Garoupas e Ilha de Santa
Catarina." Não quereriam dizer estas indicaçôes que o ouro não se.acha em
cima da serra, mas na região da "baixa", na floresta marítima, nos "matos do
mar"? A indicação de que é melhor entrar pelo sul não traria a idéia de que
o famoso morro deveria ser procurado bem mais ao sul, em frente a Laguna?
a caminho do Sertão passa nas imediações do Morro da Igreja. Se o construtor
desse caminho seguiu o roteiro da Mina de Inhanguera; por que não localizá-Ia
à beira desse caminho? Nem há dificuldade de ver na Serra Gerala "Serra
Negra" ou "Bituruna". Tem um ribeirão que vai buscar as cabeceiras do dito
morro. Visto de cima do planalto, o morro é baixo e redondo na base e agudo,
com sua campina ao pé. Não, não há total coincidência.
Mas, o que se quer desejar mais de um documento que foi exigido pela
autoridade e com o qual mais se quer despistar do que orientar? a fato é
que muitos sertanistas aqui aportaram conduzidos por este mesmo roteiro.
Teremos ocasião de seguir os passos de um destes sertanistas.
a construtor do primeiro caminho de tropas ou "Estrada dos Conventos"
em seu relat6rio de 1729, dá notícias de que as 200.000 cabeças de gado existentes
na "Vacaria dei Pinar" foram lançadas naqueles sítios pelo Tapes das aldeias
dos padres jesuítas no ano de 1712. Fala também da construção de "grande
rancharia" nas Tijucas, talvez a atual e antiga fazenda de Tijucas. Diz também
que, seguindo "o roteiro que levava, dos sertanistas antigos" chegou a um
Gruta,fe Nossa Senlwra de Lourdes, na lncalidade de Santa Tereza, Urubici, se. morro que julgou ser o rico e sempre procurado morro Tai6. "Bons desejos
tive de o socavar, mas a fome e a miséria em que nos víamos obrigou-nos
todos a deixar o morro e até a serra do mar, pela muita aspereza com que
um e outro nos ameaçava. E assim, fugindo à morte e abrindo caminhos por

30 31
matos grossos, distância de quatro léguas, s.;rmos com não pouco trabalho nas nhecidas por nós. Se a fonte dn Rio de Janeiro pode ter sido os documento,
primeiras cabeceiras do rio Uruguai, e passamos nel~s com duas ~raças de da família imperial, que aqui publicamos, os paulistas vêm munidos de mapas
largo." O relatório é datado por Francisco de Sousa Fana, Porto do Rio Grande que nós não conseguimos ainda. Não é dito, pois, que tenhamos a intenção
de São Pedro, 21 de fevereiro de 1738. de dizer a última palavra. É uma contribuição para a história e, tomara que
Mesmo não sendo o Morro da Igreja, o Taió a que se refere, vimos que fosse, para a redescoberta da grande mina de ouro ou de prata, que já incendiou
ele tenta localizá-lo nas imediações de sua estrada. mentes de reis, de imperadores, de príncipes, de grandes do Reino e do Império,
de nossos governadores e de inúmeros nossos compatriotas.
IX As teses que a gente levanta, e não chega a provar, têm o valor de pistas.
Talvez, percorridas até o fim, conduzem an mesmo resultado sensacinnal do
morro do Taió-Eldorado e as notícias sobre minas de ouro e de prata roteiro das minas de Inhanguera.
em Santa Catarina interessaram vivamente ã Corte Portuguesa desde E tem mais. Se já é belo sonhar sem base nenhuma, quanto mais se escudados
O 1766, pelo menos. Em seguida aparece em documento de 1787,1791, em sólidos documentos de duzentos e mais anos.
e 1820. Passam-se mais uns anos e o interesse pelo relato de possíveis minas Não saberei classificar este livro, se uma novela em busca do tesouro da
auríferas ou argentárias transfere-se ã Corte Brasileira, já que, em 1846, é verdade, se história com muitos ingredientes novelísticos. Não inventamns.
feito um inquérito oficial para recolher notícias precisas sobre as propaladas Além dos documentos valorizamos a tradição oral. Para justificar a tradição
riquezas do Estado de Santa C~tarina. oral basta que eu diga ter bem 26 fichas que fàlam do tesouro, numa pesquisa
Já vimos que o traçado da primeira estrada do sul foi feito sobre o roteiro para a história de Orleans. Se o povo mente, minto com o povo. Fumaça
das Minas do Inhanguera. há. Se há fogo... Não creio em tesouros, mas...
À procura destas minas deve-se, sem sombra de dúvidas, a descoberta do
lençol carbonífero de Santa Catarina.
A fundação das povoações de Desterro e Santo Antônio dos Anjos da Laguna x
estão intimamente ligadas ã missão de descobrir as minas que teriam feito povoamento do Estado de Santa Catarina está intimamente ligado
a riqueza dos povos missioneiros.
às minas de prata, constatação muito bem sublinhada por Moacyr
Cremos também poder afirmar que a princesa D. Isabel tinha orientado Domingues em "A Colônia do Sacramento e o Sul do Brasil", de
a escolha de suas terras patrimoniais nos terrenos acidentados do costão da
Serra Geral, em vez das já medidas léguas nas férteis planícies de Araranguá,
o
onde tiramos amplas citações: "Em 1646, por primeira vez, Salvador Correia
de Sá e Benevides requereu ao Rei de Portugal a concessão de uma capitania
movida pelos documentos que localizavam as minas de prata nesses territórios. que queria povoar, nas terras onde chamam Ilha de Santa Catarina, começando
O Visconde do Rio Branco valeu-se do roteiro da mina famosa para rechaçar nela, partindo a metade para a banda norte, e a outra metade para a banda
as pretensões fronteiriças da Argentina. Roteiro elástico esse que permite locali- sul... cem léguas ... " .
zar o morro famoso em todo o território catarinense' O Conselho Ultramarino, em 04 de janeiro de 1647 opina favoravelmente,
Não fosse por outros, os motivos acima mais que justificam um estudo para O serviço de Deus e do Rei, seja por sua fertilidade, seja pela possibilidade
sobre o tema, que poderia ser apenas folclórico, mas que pode ter tido uma de se reabrir o comércio com Buenos Aires, "por ficar muito perto e haver
ressonãncia bem mais ampla do que se pode imaginar. ocasião de se meter prata neste Reino, de que tanto carece."
O assunto foi tratado com erudição por Moacir Domingues, em "A Colônia O Rei não chegou a deferir o pedido. Só muitos anos depois, em 1671,
do Sacramento e o Sul do Brasil" e por Ciro Ehlke em "A Conquista do Planalto Martim Correia de Sá e João Correia de Sá, filhos de Salvador conseguem
Catarinense. " a donataria. Mas devido a problemas de medição, só em 1675o Príncipe Regente
Creio ter conseguido alguma pista a mais com documentos que já perten- concede as terras pedidas, já para os netos e bisnetos do primeiro suplicante.
ceram ã fàmília imperial e especialmente por ter vivido por muitos anos no A donataria tinha 75 léguas de costa, a começar do Cabo de Santa Marta.
município de Orleans, onde as histórias do .grande tesouro de Arzão fàzem Salvador Correia de Sá, tutor dos donatários, envia uma expedição coloni-
parte da radicada tradição. A isto acrescentam-se os inúmeros pesquisadores zadora que devia formar duas povoações, nos portos de Laguna e de Rio Grande.
que munidos de antiqüíssimos mapas e roteiros, vindos de São Paulo e do Era chefiada pelo Sargento-Mor Manuel Jordão da Silva, que se associara ao
Rio de Janeiro, embrenham-se por esses grotões, ã cata do já infindo tesouro Capitão Domingos Peixoto de Brito. Nesta mesma época, D. Manuel Lobo
dos jesuítas. partiu para fundar a Colônia do Sacramento, já fora das terras dos Correias
A presença de aventureiros cariocas e paulistas faz-nos crer em fontes desco- de Sá. Jordão da Silva naufragou, perde-se uma sumaca de Peixoto de Brito,

32
33
. . d S to é arrasada. Salvador Correia de Sá morre. A primeira menta. Encontraram prata em diversos cerros, como Ibaratinga, Iguaputabu,
a Colôma o acramen b I
. d .' árias J'esuítas e franciscanos de esta e ecer-se nas terras Ibetu, Cuapuasaba. Neste havia uma pedra mais negra, de que não se havia
tentativa os rmsslOn d • V' E d
• fo eJ'udicada pelos escravagistas e Sao !Cente. sta segun a feito experiência. Onde localizar estas serras? Talvez muito no interior. Talvez. , .
de Sant Ana ra pr
tentativa acabou tragicamente. . .. Cremos que assim teria nascido a duradoura lenda da existência das minas
Em 1683 reocupa.se a Colônia e, só em 1686, Laguna fOIdefiml1vamente ?e prata naquelas bandas, cuja busca viria a se constituir num dos principais
ocupada por Domingos Peixoto de Brito. • mcentivos para que o Capitão Domingos Peixoto de Brito, tempos depois,
Em 1678 é o Tenente.General Jorge Soares Macedo que e encarrega.do levasse a cabo a conquista e o povoamento da Laguna. A afirmação é de Moacyr
por "Sua Alteza" dos descobrimentos da mina ~e ouro e d~ prata, dos se.rtoes Domingues. A pedra mais negra não seria carvão? Fala-se em distãncia de
da capitania de São Paulo até o rio de Buenos Aires. O paulista Brás Rodngues 50 léguas entre os cerros. Pensa-se que foram até O Taquari. Seria a distãncia
de Arzão é o chefe militar da bandeira. • . • . aproximada do Morro da Igreja ...
Francisco Dias Velho participa com 80 índios. E uma expedlçao grandiosa, . Em 1679 Jordão da Silva parte para o Sul. Naufraga duas vezes, mas consegue
de sete sumacas. muitas provisões, muitos soldados e muitos í~~iOS. . mtenlar a finalidade da expedição: "mandei lrinla homens a procurar ouro,
Na mesma ocasião o poderoso D. Rodrigo Castelo Branco dmge-se às mmas de que o Genlio fazia chumbadas e encontrando com os Charruas malaram
de prata de Paranaguá, de Iguape, de Cananéia e de Coritiba. vinte e sete homens e escaparam só Irês." "Se os indios faziam ~humbadas
A prata é movente da movimentação para o Sul. de ouro para suas redes ou suas boleadeiras, o ouro devia ser mesmo abundante.
Mas a expedição de 1679, de Jorge Macedo Soares não teria vida facilitada. Domingos de Brito Velho eslá na expedição. O qual no ano seguinle volta,
Uma tormenta quase destroça três das sumacas, que conseguem chegar à Ilha mas encontra povoadas as minas dos castelhanos por um Padre da Companhia
de Santa Catarina. Quatro desgarraram-se e, em destroços, voltam a Santos. e pelos Charruas. Falava-se muilo das Minas de PraIa do Padre Francisco
Seus ocupantes vindo a saber que as outras três estão na 1Iha,corajosa e decidida- Caslelhano. Esla mina eslaria a oito dias de viagem de Araranguá. Um outro
mente empreendem a viagem a pé, tendo à frente o brioso Tenente-Mestre-de- documento fala de um dia de viagem da derradeira povoação que é Laguna.
Campo-General Jorge Soares de Macedo. Após a to~menta e nau~gi~ d~ ~ma Onde estariam eslas minas de praIa a oito dias de viagem de Áraranguá
das sumacas, muitos homens fugiram e outros foram dISpensadospor mdlSclplina. e a um dia de viagem de Laguna?
Na própria viagem a pé há revoltas e prisões. Francisco Dias Velho fixa-se A entrada por Araranguá supomos ler por motivo a maior facilidade para
na Ilha, em que já fizera plantações em 1675. alcançar a serra, sendo grande parte do rio navegável. Lembramos cque mais
Macedo prossegue a viagem. Naufraga, é preso pelos índios missioneiros. tarde não é de Laguna, subindo o rio Tubarão, que se abre a estiada para
Estes, comaudados pelos espanhóis, atacam a Colônia do Sacramento e dizimam- a Serra, mas pelo Araranguá, a eslrada dos Conventos. Nosso Morrocda Igreja
estaria quase dentro destas distãncias. "C,
lhe os ocupantes.
Ver, para o caso, o livro de Moacyr Domingues, nas págs. 139 e seguintes.
XI Por que alé agora nenhum aulor tenlou ao menos ver a localização das minas
no Morro da Igreja?
-, m 1647 o Capitão Antônio Nunes Pinto, vindo de uma entrada n.o
--4 sertão do Tibicuary. de uns morros e terras cujos nomes não sa~ia~-;
~ entrega à Cãmara de São Paulo amostras de pedras, em que, fundidas.
XII
~a Casa dos Quintos, se achou prata. Voltou ao cerra Taurá, donde retirol\ inalmente, os documenlos, que eu julgo inéditos, e que poderáo, quem
três arrobas de pedras que foram fundidas em "Santos, por duas vezes, co~ sabe, trazer os elementos que faltam nos quebra-cabeças que são oulros
Oficiais Reais (... l, de que se retirou prata conhecidamente e de grande rendI- F roteiros e mapas. Escavei-os ao consultar o Arquivo da Família Imperial,
mento." ha . em Petrópolis. Será bom lê-los na íntegra, para sentir a mesma emoção que
Em 1653 o Administrador-Geral das Minas, reunindo homens que v. eu senli ao decifrá-los, manuscritos, após descobri-los entre outros papéis. Estão
participadõ desta expedição, organizou nova entrada com setenta índios e ".d calalogados com os números: M. 109, D. 5365, do Arquivo do Museu Imperial
ou doze homens brancos, inclusive um franciscano conhecedor de fu,?du;ãQ de Petrópolis:
de metais, "em um navio que fretei, tudo à custa de minha fazenda ;-,Nos
primeiros dias de janeiro partiram de Laguna para o sertão, em viage!1'.9~ 11m:e Exm: Sr.'
demoraria uns quatro meses entre a ida e a volta, sob o comando. de AntôDJ
Nunes Pinto. Desentenderam-se os chefes. O frade tenta iãzer-se dono do descob "Tendo-se-me comunicado por ordem de V. Ex~,a pedido meu, pela Secre-

34 35
R erimento e mais papéis em que João Marcos
taria do Estado a seu carg~, o equ g de Diretor-Geral dos índios da Província tempo que se ocupava desta empresa, curou desvelado, mas em vão, de descobrir
dos Santos Betencourt ~e ~ o e;:v:ern: para apresentar amo~tras de prata de. a tão desejada Mina; um seu filho, porém, José Antônio da Costa Trade, que
de São Pedro, e aux~lOs o o Termo da Vila de Lages na Província em 1837 fora encarregado de reparar, e dar melhor direção a esta estrada,
M. cuja situaçao ao que parece n . d .
uma ma,. 'o retendente que' só ele conhece, por ser segre o deparando nas fraldas da Serra, e na situação, (ilegível) mais ou menos, indicada
de Santa Catanna, asseve; J eu pai Miguel Gonçalves dos Santos; li por Marinho e Arzão, com grande quantidade de pedras, nas quais à primeira
que. lhe revel~ra, n~:t:s pa:éi/:~t:irado do que eles contêm, peço lic~n?, vista, se distinguiam pontos brancos brilhantes, julgou ter realizado as esperan-
o d,to requenmd.e lhe o que se sabe por documentos oficiais e. por trad,çao ças, e coligindo porção dessas pedras, se apresentou com elas aqui no ano
a V Ex' para Izer- . .
. . . - . d . as de prata em Santa Cala1jna.._-'~=-------- de.1838, recomendado ao Governo Geral pelo da Província. As pedras foram
acerca da eXlstenC,. e !".!n é por descobridores de prata nativa remetidas ao Sr. Francisco Custódio Alves Serrão, que procedeu a decomposição
O . têm sido os que at agora passam .
OIS_ . ente da referida Província; o primeiro, o Capitão José delas, resultando da operação uma .substância betuminosa, mas nem uma só
nO Sertao dhoColntm de (?). e o segundo o Capitão Antôoio Marques Arzão partícula metálica: isto mesmo foi participado naquele ano, pelo Sr. Vasconcelos,
Luís Marin o pe os anos. , d R . t
b d d berta do primeiro consta o equenmen o, então Ministro do Império ao Presidente de Santa Catarina; remetendo-lhes
em 1775. O ,;.,u~se sa ;i;do por seu filho José Marinho Betenc(,lUrt, cópia do relatório sobre o processo da decomposição. Não obstante, o mencionado
incluso por pia em . 'al 1824 e é que dois tios de José Luís Costa Trade ainda está persuadido de que, se as pedras que apresentou não
~o:i
hoje falecido, ao Governo mlpenrt_em ca;' do' Morro-Taió _ el Dourado contíriham prata, outras do mesmo" lugar a devem cont.er; e por isso é que,
M . h entranhando-se pe o se ao em I
ann o, ._ _ d com ele mas sim com um campo que ju gavam ascendendo aos seus desejos, o Sr. Deputado Jerônimo Francisco Coelho, o
destas reglOes, nao epararam d" s~rros para o irem explorar, Thes foram recomendou em 1842 ao .GJlYernoJmperial-para-se-lhe-forpecereilnneios-de
ser aurífero; que _vo~~ndo a pe dos descobridores, e depois o outro, quando co.ntjp.uar.as .suas exploraçiies,~nãoJió_para a deséoberta de. prata como de outros.
negados; que enta? ecera u~ora -o' ue o filho deste último, o mencionado' _llli,!'eraiscpoisfoi este cidadão eminentemente ativo, empreendedor, e habi.tuado
se prepa;ava p~rahlr f,;"e~: :~ido ~c~:ça do Governador de Santa Catarina ao trabalho e serviço dos nossos matos, que primeíro mostrou carvão-de-pedra,
José LUIS Mann o, en presa partindo do Cubatão,' e seguindo que ~descobriu::-eíÍ,..:abl1l1dâiiCia
..nQL!errenos_que..atra\'e.s.!ó!La"_reJeri!'l.a~!rada
F . o de Sousa Meneses para a em , ó .
ranclscd O t d'sta-ncia de 25 léguas, descobriu um campo pr pno de Lage~, e no lill~~!!!~:'..lJaralel-º--ºª.Mip.a
do Tubar~
rumo e es e, na I oh .
a . _ a se unda 'ornada a este campo observou que um n erro Eis aqui o que sabe geralmente em Santa Catarina acerca da existência
para a ~~:~:~)s:v~~olav; em ;ua corrente alguns seixos que lhe parece~a:n de prata nativa naquela Província; mas João Marcos dos Santos Betencourt
que o alo e 'untando alguns apresentou-os ao Governador Pedro Antomo assevera: 1: - que no ano de 1820, a primeira autoridade da Província enviara
ao respectivo Ministro de Estado um Termo Judicial de declaração que fez,
da Gama rei as, e a
conter metF '~tU J o General Antônio Carlos Furtado de Mendonça, que
d . fundir se disse serem prata. pouco antes de falecer, o descobridor de uma extensa mina de prata, de "que
ma~~not~c;:: ~;::::'~:~a~o, que ao que parece só foi dada ao Gov~rno do Rio -'~' ....." Miguel Gonçalves dos Santos, seu pai, eia o único a quem havia dado por
segredo do achado: 2: - que a mina demora em ponto remoto, e de diflcil
d Janeiro
. em ou t ub ro de 1783, sempre mereceu alguma atençao, pOISpor d
acesso, por ser percorrido pelos indígenas, e que os jesuítas que fundaram
OeaciOdo Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Souza ~cópi~ n: 2) ao Gove~a J:r
ta Catarina Francisco de Barros de MOrals TeIxeira Homem, S e as Missões nas margens do Uruguai a exploraram, e a ela deveram o fausto
de San. 'ssa de duas a seis arrobas desses seixos; mas quando est'\ com que viveram, e Ornaram seus hospícios e igrejas. Quanto à primeira asserção
determma a reme . . b . s notarei que na Seéretaria do Governo de Santa Catarina não há constância
ordem chegou, era já falecidoré L~í~~~~:~a q~ qd::~á ~e ~:a: ::t::~~o: do fato, e que o Termo a que alude João Marcos, talvez não seja outro, que
ão consta que a outrem se esse a In . h T
en d descobridor Antônio Marques Arzão, ac a-se no ermo o que junto O N: 3. Pratiquei muito com Miguel Gonçalves dos Santos, pai.
quanto ao segun o I' 3 de J'unho de 1789 aqui junto por cópia N: de João Marcos, já em 1819 quando voltei do Pará, já em 1821 quando seguia
d d I ção que e e lez em , b
3e E:t~ a'::severa que os seixos continham prata, que dela ~~dira ~ma arra, para Lisboa, e com quanto esse ancião fosse assaz comunicativo, e me falasse
ao Governador Francisco Antomo VeIga longamente das suas digressões pelos sertões, e das riquezas que eles ocultam,
e . que a . d era ao Man"esto
ll' d G Cabral.
o nunca me disse que era o possuidor do segredo sobre o lugar onde devia
Ignoro se depois desta declaração se deu.mais algu~ passo, ff: ~arte o o~::i;
para verificar-se a verdade da asserçao, mas nao t~m a. a o quem,.
achar.se a mina de prata, que aliás cria existir. Não será, porém, mui dificil
ue rr.e.UJJ...hoato_deste._achad9,
_açredite~.que.a.mIDa-&iste~lln-'lue;- verificar-se a verdade do fato; era em 1820 a primeira autoridade da Província
q~ 1790 o Capitão-Mor Antônio José da Costa, que contratara a abertura de Santa Catarina o Governador João Vieira Tovar de Albuquerque, e Ministro
d~a:m~ :~rada na direção Oeste, entre a Vila São José e a de Lill~-ªº..IIIesmo....::J dos N eg6cios, Dom Reinom Tomás Antônio de Vilanova Portugal, e a correspon-
dência entre eles há de achar-se na Secretaria do Império. Quanto à segunda:
36
tem-se visto que ambos os pretensos, ou reais descobridores concordam em
que acharam as pedras que julgaram argentíferas na direção de leste para oeste,
ou de oeste para leste nas abas da serra para a parte do mar; o primeiro' na
distância de 26 léguas a rumo de oeste partindo do Cubatão; O segundo, vindo,
de Lages a rumo leste, depois de 15 léguas, uma légua depois de ter descido
a Serra. Outra posição, porérr., marca a Mina o referido João Marcos, dando
a entender que ela jaz além da Serra para o Oeste de Lages. Ora, nesta direção
acham-se os vastos terrenos que vão entestar com o Paraná, hoje trilha dos
Tropeiros, e em muita parte colonizados por 'moradores da Província de São
Paulo; ali se acham os Campos Novos, os de Palma; aí se encontram muitos
vestígios de estabelecimentos de jesuítas, mas ainda não se encontrou, que
se saiba minas de prata, e os paulistas sabem procurá-las. Concluindo as minhas
observações nesta parte, não deixarei de ponderar, que é muito para maravilhar
que, tendo João Marcos ido ver suas propriedades em Lages, a uma (... )
igualmente abunda em prata nativa; tendo lugar (... ) examinar a mina; decla-
rando que nas galerias dela se encontra considerável cabedal em calbaus de
prata nativa, não trouxesse logo, ao menos as amostras do metal, 'que agora
é que quer ir procurar. _,'
Tendo em vista relatado a V. Ex: quanto sei sobre o assunto, acrescentarei
que, para desvanecer qualquer escrúpulo sobre se Marinho e Armo acharam,
ou não, prata, pois que do primeiro se refere que as pedras que trouxera
se mandaramfundir, e se disse serem prata, e o outro declara expressamente
que mandaram fundir as pedras, e do que elas produziram fizeram uma barra
de prata que deram ao Governador; ainda se pode lançar mão de um recurso,
e é o de consultar a correspondência havida nessas épocas entre os Vice-Reis
do Rio de Janeiro, e os Governadores de Santa Catarina. Ao Arquivo desta
última Província é inútil recorrer, porque o que nele existia na' ôcasião da
invasão dos Espanhóis em 1777, dispersou-se então, e nada ou quase nada
resta, e posteriormente a esse secesso, como não havia naquele Governo Secre-
tário, nem Secretaria regularmente organizada, cada Governador, quando se
retirava levava consigo os Registros, a até as ordens que recebia, sendo por
isso que, até o ano de 1822, bem pouco se acha da correspondência oficial.
Devendo porém existir completo aqui o arquivo da Secretaria dos Vice-Reis,
nele se pode fazer buscas que se julgarem precisas, e para as fàcilitar mencionarei
o tempo em que governaram os Governadores citados nos três documentos
~~, que apresento a V. Exa.:
..
':1(.' ;
..y
..•., .;p,. 1: - Francisco de Souza Meneses - governou desde 12 de julho de 1765
,~
~,
até 5 de setembro de 1775.
Cascata da Marra da Igreja, Urubici, SC.
2: - Pedro Antônio da Gama Freitas - governou desde 5 de setembro de
1775até 7 de março de 1777 em que os espanhóis ficaram de posse da ilha.

3: - Francisco Antônio da Veiga Cabral - desde 1: de março de 1778 até

38
5 de junho de 1779.

4: _ Francisco de Barros de Morais Teixeira Homem - desde 5 de junho.


de 1779 até 7 de junho de 1786.
5: - José Pereira Pinto - desde 7 de junho de 1786 até 17 de janeiro de
1791.

Desejando que V. Ex: fosse informado de algumas circunstâncias, que se


não acham no Requerimento e mais papéis que lhe apreseotou João Marcos
dos Santos Betencourt, lhe hei feito esta longa e, talvez fastidiosa exposição;
e esperando que V. Ex:, em favor do motivo, me desculpe; tenho a honra
de renovar.lhe os protestos da profunda veoeração com que me prezo ser.

DeV. Ex:
PARTE II
Muito atento e obrigado criado
Rio, 17 de novembro de 1846

José da Silva Mafra,"

O TESOURO DO
MORRO DA IGREJA
NA DOCUMENTAÇÃO
ORAL

. 40
,
\ N: I
"Senhor, diz José Marinho de Betencourt, da Província de S•.nta Catarina,
morador no Cubatão na Enseada de Brito, que julga de seu dever, como bom
cidadão e amante da propriedade do Império, declarar a V.M.I. o seguinle:
que o Sargento-Mor Carlos Marinho e André Marinho de Moura, seus segundos
tios, e ambos descobridores, que, tendo entrado pelo Sertão, na pretensão
de descobrirem o Morro do Taió, segundo o roteiro que lhes havia dado o
" , Padre José de Anchieta da Companhia de Jesus, o qual Morro não descobriram
i
por terem seguido erradamente o rumo de sudoeste, devendo seguir o de
noroeste; porém encontraram, ao dito rumo de sudoeste, um campo que demons-
trou, pelas experiências que fizeram. haver nele ouro, e como naquela ocasião
não tinham o necessário para dar principio ao trabalho, deixaram naquele campo
as ferramentas, e voltaram a Santa Catarina a pedir ao Governo os precisos
socorros, os quais foram negados. Nesta ocasião morreu Moura; e o Sargento-Mor
Marinho tentou passar as Minas para arranjar meios de poder voltar ao dito
campo, e dar principio ao trabalho, e, seguindo a sua viagem, faleceu nesta
Corte do Rio de Janeiro, sem que concluísse os seus intentos. Porém o Capitão
José Luis Marinho, sobrinho dos ditos, e pai do suplicante, estando bem ao
fato de tudo, pediu licença ao Governador daquela Província, Francisco de
Souza Meneses, para poder ir procurar o dito campo, e nele as ferramentas;
obtida a licença seguiu a jornada do Cuba tão para a parte do oesle, em vez
Igreja Matriz N. Sra. Mãe das lIomens, Urobici. se.
(Foto Orquiso R. de Oliveira)
de seguir a de sudoeste, onde fica o dito campo; à distância, porém, de 25
léguas, pouco mais ou menos, ao dito rumo de oeste. achou um campo, em
domingo de Espírito Santo, que denominou campo Alto Alegre do Espírito
Santo; deste campo avistou para o noroeste, quarta de norle e Morro do Taió;
reconheceu então que estava enganado e que aquele não era o campo que
procurava, e passou a participar ao dito Governador Meneses a descoberla
deste campo. Foi então, pelo mesmo Governador, incumbido de voltar ao
dito campo na companhia de um prático da Vila de Lages, conhecedor de
lerras, para com ele indagar se o dito campo seria criador, o qual foi reconhecido
bom, e capaz de criar, talvez 7.000 reses; observaram no decurso de oito dias

42 43
que gastaram neste reconhecimento que um corgo (sic) d'água que atravessava possíveis diligências, a fim de se conhecer sua existência, não s6 porque na '
a mesmo campo e corre ao rumo de leste a oeste, e que parece ter sua nascente ordem geral de qualquer descobrimento, toda e qualquer indagação é indispensa-
na Serra Geral levava na sua corrente, e tinha pelas suas margens vários seixos velmente precisa, mas ainda porque no gênero e classe de raridade se faz
para eles desconhecidos; julgou o dito pai do suplicante ser metal, e para melhor necessário aplicar todo o esforço para se conseguir tudo o que tem, ou pode
fazer sua experiência trouxe alguns dos ditos seixos. Sucedendo então no Governo ter semelhança, e analogia com o iroportante objeto da História natural, conforme
daqu~la Província, Pedro Antônio da Gama Freitas, sendo General Antônio as_ord:ns de sua Majestade. Mas como os meios próprios para uma experiência
Carlos Furtado de Mendonça, ao qual deu conta do estado do dito campo nao sao os mesmos que se devem dispor, quando há conhecimento local e
e dos ditos seixos, e mandando este fazer as averiguaçôes necessárias, e fundir, físico do que se pretende; mas apareceu que nem se apliquem todos os que
deu ser prata, que de tudo deu conta o mesmo General ao Governador do aponta o dito Capitão Marinho, nem deixe de se fàcilitaros que forem necessários
Rio de Janeiro, que era o Marquês do Lavradio, o qual mandou depois o para aquele fim. Por isso bastando por ora para a dita experiência de duas
dito Governador de Santa Catarina, que era Francisco de Barros Morais Araújo a seis arrobas daquelas pedras, V. S: dará as providências, e todos os auxílios
Teixeira Homem, perguntasse ao dito Capitão M,arinhoquantos eram necessários correspondentes para se apanharem, e transportar semelbante quantidade, reco-
para irem buscar 6 arrobas dos ditos seixos. A cuja pergunta o dito Capitão mendando ao dito Capitão que procure adquirir naqueles sítios e ribeiros o
satisfez pontualmente por escrito, por assim lhe ser pedido quando o Governo que encontrar de raridades para me ser tudo remetido sem a menor demora
do Rio de Janeiro deliberou se procedesse na diligência da dita condução, na primeira ocasião que se oferecer. '
e as ordens chegaram a Santa Catarina, já o dito pai do suplicante era falecido. De toda a despesa que se fizer a este respeito, me dará V. S: uma conta
E desde então até o presente se não cuidou em semelhante negócio, e como separada para lhes mandar satisfazer prontamente, pois não desejo carregar
este metal foi descoberto assim como o dito campo examinado à custa do Estado, sobre:", débeis forças dessa Provedoria encargos que ela não pode sustentar;
por conseqüência, é pertencente à Nação, que parece o deve utilizar. Este •
advertmdo, porém, que o dito Capitão não deve perceber estipêndio algum
o motivo porque o suplicante se delibera vir manifestá-lo a V.M.I., oferecen- em conseqüência deste trabalho, porque semelbantes diligências são ossos do
do-se, sendo do seu imperial agrado, para ir ao dito sítio ver se com efeito ofício a que está sujeito qualquer pessoa que em razão de seu posto, ou ofício
acha o dito metal, e trazer alguma porção para, por meio das averiguações, público, tem obrigação de executar o que pelos seus SUperioreslbe for determi-
se conhecer sua qualidade, e julgando V. M.I. ser útil o préstimo do suplicante nado. V. S:, porém, sem de todo o desaminar, o encarregará da dita diligência,
para o dito fim, se digne mandá-lo acompanhar por alguns homens da Vila e conforme o seu desvelo e pronta satisfàção dela, verei se o devo contemplar
de Lages, práticos no Continente dos Bugres Brabos, que haja naqueles sítios, com alguma gratificação; e se ele ainda conservar a cópia da derrota que fez
fugidos da Província de São Paulo, e os mais auxílios necessários para o dito àqueles campos, V. S: procure havê-Ia a si para me remeter com tudo o que
fim, visto que o suplicante não pode fazer esta despesa à sua custa - Por puder descobrir a este respeito.
tanto - Pede V.M.I. se digne deferir como for justo - B.R.M."
N:3
Despacho: ' .. Termo da declaração que fez o Capitão Antônio Marques de Arzão do desco-
brimento da prata que fez nos Sertões da terra firme da Ilba de Santa Catarina.
As circunstâncias atuais não permitem o proceder-se agora à tentativa pro- Aos três dias do mês de junho de 1789 anos, nesta Provedoria da Real Fazenda
posta pelo suplicante, que será feita em tempo competente. Rio de Janeiro, da Ilba de Santa Catarina, apareceu presente o Capitão Antônio Marques Arzão,
31 de maio de 1824 - Fonseca. a quem eu, Escrivão abaixo nomeado, lbe li e intimei a Portaria do Sr. Gover-
nador José Pereira Pinto, remetida a esta Provedoria, que se acha no Arquivo
N:2 dela, cujo o seu teor é o seguinte: O Provedor da Fazenda Real, fará declarar,
Extrato de um Ofício do Vice-Rei Luís Vasconcelos e Souza, dirigido ao por Termo, ~o Capitão Antônio Marques Anão o descobrimento da prata, que
Governador de Santa Catarina, em data de 29 de dezembro de 1783, relativo fez, nos Sertoes da terra firme desta ilha, que deu ao manifesto ao Governador
à descoberta das Minas de prata feita pelo Capitão José Luís Marinho. , que esteve nesta ilha Francisco Antônio da Veiga Cabral; o lugar, o tempo
Vendo o que V. S: me refere na sua carta que me dirigiu, sem número, ,," em que o fez, a quantidade da amostra que tirou, todas as mais circunstâncias
""\"
na data de 09 de outubro próximo precedente, que trata da notícia que lh~';.~ a esse respeito, de cujo Termo me apresentará Certidão dele. Desterro 30
deu o Capitão José Luís Marinho a respeito do descobriroento das pedras" . de maio de 1789. Com a rubrica. Por virtude do que foi dito e declarado
, .,
que, segundo as infurmações do Padre Francisco Rodrigues Xavier Prates, mo~- pelo dito Capitão que no ano de 1775 entrara para os Sertões da terra firme
tram ser metálicas; devo dizer a V. S: que não se devem desprezar todas'~ desta ilha, com cinco pessoas a descobrir ouro, por notícia que havia dos antigos
"':

44
, d~quee:am Sertões ricos, em cujo descobrimento andara nove meses; e descen- seus tios-avós, o sargento-mor Carlos Marinho e André Marinho de Moura
do da Vila de Lages para baixo a rumo de leste, e no espa~ de 15 léguas, partindo com um roteiro do Morro do Taió-El-Dorado, teriam descobert~
e de is de descer a serra obra de uma légua, encontrara mUltas pedras, nas ouro. Não, não seria o Morro fabuloso. que o roteiro o indicava a noroeste.
quai~e achava, pelas experiências que em difere.!!tes partes fizera, prata cravada Eles embrenharam-se nos matos a caminho do sudoeste. Descobriram ouro
nas mesmas pedras, até que encontrando uma pedra solta,. redonda de feitio num campo. Com poucos meios, deixaram lá os ínstrumentos e foram pedir
de uma bola de jogar, muito pesada, fazendo-a queimar ajuntara pelo meio ao Governo o auxílio necessário. Logo morre André Marinho. Carlos Marinho
dela dois veios da grossura de um dedo, a qual deixara no mesmo lugar e segue até à Corte, mas morre por lá mesmo. O magno segredo está agora
desenganado de que era prata, e que neste lugar, que ocupara duas léguas, com o sobrinho dos descobridores, Capitão José Luís Marinho, que pede autori-
pouco mais, ou menos, encontrara pelas experiências, que fez, a mesma prata, zação ao Governador para ir procurar o dito campo aurífero, marcado pelos
já em pedras, e já em granitos; de que para o fim, ajuntando uma pequena instrumentos que lá ficaram. Mas novamente muda de rumo. Não vai a sudoeste.
porção, trazendo-a para fora, a fizera fundir por um ourives, e fazendo uma mas a oeste. Ali descobre um campo limpo e julga ter visto, ao longe, o Morro
pequena barra, por onde se conhecia a finura dela, e dera ao manifesto nesta do Taió. Ao campo deu o nome de Campo Alegre do Espírito Santo. Voltou
ilha ao Sr. Governador Francisco Antônio da Veiga Cabral, que tudo fizera e contou ao Governador Meneses a descoberta do Campo para a criação de
ciente ao Ilm~ Sr. Marquês do Lavradio, Vice-Rei então do Estado, ficando gado, capaz de 7.000 reses. Ali, num córrego que vem da Serra Geral e que
ele nesta ilha sustido, até decisão do mesmo senhor, oito meses e não vindo corre para o poente encontra pedras que. fundidas, deram em prata. O fato
no decurso do dito tempo, se retirou para a Vila das Lages onde é morador. foi comunicado ao Governador do Rio de Janeiro, Marquês do Lavradio. Este
E por não ter mais circunstãncias que declarar sobre o dito descobrimento mandou buscar seis arrobas dos ditos seixos, mas, quando a ordem chegou
fiz este Termo, em que o dito Capitão assinou comigo Manuel José Ramos, a Florianópolis o Capitão José Luís Marinho falecera. Agora o rot~iro está
Escrivão da Fazenda Real que o fez. Manuel José Ramos. Antônio Marques com José Marinho de Bitencourt, filho de José Luís. Este, de certó sem meios
Arzão. próprios, decide manifestá-lo ao Imperador do Brasil. Pede que se lhç' mande
alguns homens da Vila de Lages, práticos do Sertão dos Bugres Brabos. Onde
seria este Sertão dos Bugres Brabos? Em cima ou embaixo da Serra?
xm São duas as descobertas que se nos deparam: uma no sertão que está a
1~Documento: Análise sudoeste de Cubatão, e esta bem poderia ser a região do Morro da: Igreja,
. iguel Gonçalves Santos, de Armação de São Domingos, em 1791 onde foram deixados os instrumentos dos primitivos explorados. Outra, num
esteve explorando o Planalto Catarinense até Vacaria. Na ocasião córrego a oeste de Cubatão, em meio a um campo, tendo a noroeste', quarta
N . o Capitão Antônio Marques de Arzão tinha empreitado a construção de norte o morro do Taió, a umas vinte e cinco léguas da praia. Poderia ser
do caminho Florianópolis a Lages por nove contos de réis. Miguel já trabalhara o Campo dos Padres. Perto do rio. Rufino, em Urubici, há uma localidade
com Arzão na recuperação do caminho da mata, que passava logo por cima chamada Espírito Santo. Virá este nome do antigo Campo Alegre do Espírito
da Serra, a Serra Geral, às vezes chamada Serra do Mar, ou Serra de Santa Santo? Rio Rufino seria coruptela de rio Ouro Fino? O "corgo", vindo de leste
Maria. Na ocasião tornara-se amigo de Anão e. ao encontrar.se com ele, em para oeste, nascendo na Serra Geral, poderia ser o Canoas, ou seu afluente
1791, recebeu uma notícia estritamente confidencial: ele, Arzão, encontrara o rio João Paulo, em Bom Retiro, ou mesmo O Lava Tudo e o Pelotas. As
mina de prata, num monte, possivelmente o grande Taió-el-Dorado. Este imenso coxilhas de Santa B~bara são ainda hoje um campo grande, que pode muito
segredo de amigo, antes de morrer, é passado para o filho João Marcos dos bem criar 7.000 cabeças de gado.
Santos. É este que, agora em 1846, pede para ser nomeado Diretor:Geral Não temos, por este documento maiores indicações do campo da prata.
dos índios da Província de São Pedro e também pede um auxílio para organizar Somente sabemos que estaria a sudoeste de Cubatão. Poderia indicando os
uma expedição ao morro famoso e trazer amostras de prata. arredores do Morro da Igreja. .
O ministro, ou outra autoridade do Império, ao receber o pedido manda Resumindo: Car!ós Marinho e André Marinho de Moura descobrem minério
que se faça detalhado inquérito para saber o que há de realidade sobre as de ouro a sudoeste de Cubatão, talvez antes de 1775.
propaladas minas de prata. É José da Silva Mafra quem fez e assinou o relatório José Luís Marinho, em 1783, pede autorização para explorar a descoberta.
desta pesquisa. A autorização é dada para que vá buscar de duas a seis arrobas de minério.
Nosso inquiridor constata inicialmente que Arzão não é o primeiro desco-... Jl Morre antes de cumprir a missão.
bridor de minas de prata, mas que, segundo um requerimento apresentado " .•'t., Em 1824 José Marinho de Bitencourt, detentor do roteiro, pede autorização
pelo Capitão José Luís, em 1824, morador de Cubatão, na Enseada do Brito,." 'lli?;1\!:. e meios para ir procurar as minas descobertas por seus tios-avós. mas os meios
1;
46 "<',y,'1-- 47
lhes são negados. Não sabemos se houve outrns tentativas por esta parte.
Vejamos o roteiro do capitão Antônio Marques Arzão: . José Luís Marinho tirara prata no sertão da Vila de São José e a fizera fundir
naquela capital."
Em 1775 parte para o sertão de terra firme, declara em .1789, com cmco
homens, em busca de ouro, já que os antigodàlavam que haVIa ouro em abun- José Francisco Tomas do Nascimento requereu uma légua para explorar
dância nesses ricos sertões. Nove meses dura sua excursão. Da Vila de Lages minas nos costões, em duas áreas. Que minas? Prata. Chegou a medir e tomar
posse?
rumo ao nascente. Depois de 15 léguas ou aproximadamente 180 quilôme-
vem
tros desce a serra. Caminha mais uma I'égua, ou SeiS qu il'orne t ros e pouco. Antônio Martins Tourinho obteve do Governo Imperial por Decreto n?1.961,
Ali ~ncontra prata, seja em pedras, seja em granitos. Traz amostras que manda de 29/1211880, pennissão para explorar minas de prata e outros metais no mesmo
fundir. Entrega uma barra ao Governador Francisco Antônio da Veig.a Cabral. . município de Tubarão. Pennissão válida por dois anos. Teria havido engano?
Seria pirita e carbonato de ferro. (Manuscrito do Museu Conde d'Eu)
Este certifica o Vice-Rei, Marquês do Lavradio. Anão aguarda por 01:0 meses
a resposta, no Desterro, quando pede autorização para voltar para Junto da Ainda dos manuscritos do mesmo museu colhemos o seguinte: Antônio José
Martins Tourinho obteve do Governo Imperial, por Decreto n? 1.964, de
familia em Lages.
Miguel Gonçalves dos Santos, como ficou dito, é que foi o detentor deste , 29/12/1880, pennissão para explorar prata e outros metais no município de
Tubarão, até 29/12/1882.
roteiro.
As indicações deste é que nos levam a crer que o grande terreno argentífero Nas terras da Colônia Grão Pará houve grande euforia logo ao iniciarem-se
é nossa costa de Serra Geral, no sopé do Morro da Igreja, no Município de as primeiras entradas e pesquisas em 1882. Descobrira-se mina de prata. Mas
o rebate era falso. O minério não passava de pirita ou carbonato de potássio.
Orleans.
Em 1790 o capitão-mor Antônio José da Costa, empreiteiro da construção Em outra anotação dos manuscritos do Museu Conde d'Eu: na beira do
Salto Grande, que se acba na linha limítrofe entre os lotes 82 e 83, deve
da estrada São José - Lages, procurou em vão, descobrir a Mina. Seu filho
existir uma mina de ferro ou de níquel.
José Antônio da Costa Trade, em 1838, que contratara a ~etificação.da mesma . , Os terrenos do município de Orleans já estão todos requeridos. Mesmo
estrada, seguindo mais ou menos os roteiros dados por Mannho e A,:,,?, recol~e
perto da cidade tudo já está reservado para grandes finnas que pretendem,
pedras que julga ser prata. Feitas fundir manifestam ser ape!,as pmta. ASSIm
no futuro, ali minerar carvão, caolim, feldspato, fiuorita e dezenas de outros
mesmo continua acreditando que se as pedras apresentadas nao eram de prata,
minérios cuja existência é guardada mais ou menos em segredo. Também os
outras a podem conter. Em 1842 o deputado Jerônimo Coelh? recomenda
terrenos de todo o Vale do Braço do Norte foram requeridos para mineração.
se lhe dê meios para continuar as pesquisas. Ele é que tena descoberto
Fala-se muito do xisto betuminoso, de onde se extrai petróleo, no rio Minador
~::rvão-de-pedra, ao menos nos terrenos atravessados pela estrada de Lages.
< i e Chapadão, especialmente nas terras do Dr. Bica, médico de Lages.
No inquérito, além destes roteiros há a declaração de João Marcos dos
I No rio Minador há umas galerias bastante misteriosas para os moradores
S tos Bittencourt; diz que seu pai, Miguel Gonçalves dos Santos fora o detentor
atuais, mesmo porque, abandonadas desde épocas remotas e estando à beira
doanroteiro de Anão. A mina estaria num ponto remoto e d e d'Ril 1 c acesso.
do rio Minador, foram entulhadas pelas enchentes. Carlos Volpato e outros
por ser percorrido pelos indígenas. Os jesuítas das Missões já a exploraram
foram contratados, certa vez, por um desconhecido para desentulharem as gale-
e a ela deveram o fausto com que viveram.
rias. Nada encontraram. Mas dias depois o desconhecido saiu de lá com duas
Esta última assertiva faria crer que a mina estaria talvez nas barrancas
malas pesadíssimas. Desconfia-se que houvesse algo de lacrado lá dentro. O
do Uruguai, a oeste de Lages. Mas outras notícias dão 25 léguas de Cubatão
agrimensor Drill afinna que as galerias foram abertas no inicio do século por
e 15 léguas de Lages, ao pé da Serra.
mister Gordon, para a Companhia de Mineração. Teriam localizado carvão
João Marcos dos Santos Bittencourt deve ter declarado que entrara nas
ou ferro. Os trabalhos pararam porque o inglês se desentendeu com a Com-
galerias dessa mina e que vira calhaus de prata. Por que não trouxe? panhia.
Decididamente, só estes roteiros não nos levam ao Tesouro. Mas estamos
"Em Orleans deve haver um arroio cuja água escorre em cima de calhaus
a caminho e somando mais declarações e mesmo documentos aproximar-nos-
de ouro", contaram.me em Bom Jardim. Lá também falam da Mina de Arzão.
emos mais da verdade.
Aliás, diz-se ali que Arzão seria um jesuíta, um padre que aparece em sonhos
Da "Descrição do Município de São José da Província de Santa Catarina, dizendo que há grandes fortunas num banhado.
manuscrito de 1887, colhemos o seguinte: segundo antigas tradições existe tam-
Mentiriam os nossos sertanistas ou teríamos nós perdido os conhecimentos
bém uma mina de prata no sertão desta cidade, cujas tradições são corroboradas
para descobrir a prata existente até em nossos rios? Que se estudem os docu-
por um oRcio da Câmara Municipal da Capital, datado .de 25 de setem~~o
mentos, que se lhe ajuntem outros, que se façam pesquisas de campo. Até
de 1829, dirigido ao Governo da Província, dando notícia de que o capltao
agora não se encontrou nem ouro. nem prata, em quantidade. Mas...

4S
49
,
,
E o tesouro dos jesuítas? Já os sertanistas antigos atribuíram o primeiro
roteiro ao Pe. José de Anchieta. Roteiro de mina, porém. Hoje já se fula do
tesouro do Estado semi-independente da República dos Guaranis, ou mais
simplesmente o tesouro dos jesuítas. Este é um mito.
E o que dizem os contemporâneos? Entrevistamos pessoas que foram pesqui-
sar ou por si, ou seguindo as orientações de outras, ali chegadas com estranhos
roteiros. E alguns, perante a Serra intransponível, garantem que não foram
os jesuítas que não puderam descer a Serra que esconderam o fabuloso tesouro.
Foram marujos espanhóis, naufragados no "Cemitério dos navios" que era a
costa de Santa Catarina, a levar até o sopé da serra, com muares, a carga
de prata de um inteiro navio.
Com o Tesouro do Morro da Igreja estamos descobrindo novo mundo, sub-
mundo ou sobremundo de aspirações, de magia e mistério, o mundo dos tesou-
ros.

1- FREDERICO TEZZA
.~

,'H á treze anos passados, em 1968, chegaram dois casais de São


Paulo, de Ourinhos, sendo um dos homens. chamad.o Miguel Vaz,
perguntando onde ficava o Morro da Igreja. Eu tmha'ponto de
táxi em frente à prefeitura, por isso me procuraram. Ficaram satisfeitos com
as informações. Depois de uma hora de conversa mostraram um mapa que
tinham. Mapa antigo, pequeno, de uns quinze por vinte e cinco centímetros,
escrito em espanhol. Tinham outros documentos também, dizendo que existia
um grande tesouro de ouro e prata. Tinha sido dos jesuítas das Missões. Ao
serem expulsos, esconderam o tesouro, fizeram o mapa e partiram de navio.
E o navio naufragou. Mas os documentos deles estavam dentro de um,(garrafa.
Muitos anos depois vieram dar nas praias de Rio Grande onde foram encontrados.
Eles tinham em mãos o original destes documentos. Não era papel, não era
nada. Era pergaminho.
Estiveram aqui aproximadamente um mês. Depois de uns dois ou três dias
pagaram-me a corrida de táxi e quiseram que os acompanhasse até a base
Vista parcial de Urubici em dia de neve. do Morro da Igreja. Lá procuramos o Aníbal Ribeiro, o Nico Macalossi e outros.
(Foto Orquiso R. de Oliteiro) Fomos acampar embaixo da costa da serra. Estava também o Matias Ribeiro,
o Moacir Ribeiro, então ainda criança. Procuramos diversos dias. Usamos os
dois caminhos: as nossas indicações que vinham das visões do José Alexandre
e as indicações do mapa.
Segundo o mapa de um lugar no campo, através da Janela Furada avistar-se-ia
Laguna. Esse é o ponto básico do mapa. Dali a tal distância, a tantos graus
estaria escondido o fumoso tesouro.
Aí, com um deles e o Lauro Crozetta, fomos em cima da Serra, na fazenda
de Santa Bárbara. Aí conseguimos cavalos e fomos até o Morro da Igreja. Estavam
conosco também o Carlos Hanoff, secretário de obras da prefeitura e o Flávio

50 51
Lebarbenchon, com aparelho de localização de minérios. Ficamos quatro dias
cheio de ouro, agulhas pontiagudas embaixo, brancas, e barras de ouro na~
lá O Morro da Igreja fica a uns quinhentos metros além da Janela Furada.
por . uito grande por lá Lá em cima é importante a gente ver: laterais. 'Ele se contou-se mario'. Achou que era um rancho dos índios. E
Há um campo m . I á ' 'd não era. Não apareceu mais nada e o cachorro também desapareceu. Fiéou
é tudo banhado. Está tão perlo das nuvens que aqui o est sempre um! o,
bastante tempo lá, mais de quinze minutos. Mas não tocou em nada. Quis
sempre molhado. . . I
convencer a irmã para ir buscar o tesouro. Ficou doente. Veio se tratar, no
Não tivemos muito tempo de procurar. Mas tentamos nos gUIar pe o mapa,
tempo do Dr. Mussi, em Orlea>!s.
procurando aquela posição inicial, em frente à Janela Furada, em frente a
Quando melhorou um pouco, o tenente Oscar foicom ele, masnão conseguiu
La a No mapa havia o desenho da Janela Furada. chegar até o local, porque ficou muito mal.
.
~.Por desgraça apareceu um gado selvagem por lá e lIvemos que corre r~
Uma irmã que foi com ele noutra vez, sentiu-se mal e voltaram da metade
as árvores e para as taipas. Teve uns dois que foram até a Janela Furada.
da viagem. Foi se tratar em Braço do Norle e veio a mOrrer lá.
Eu não fui. Era um trecho muito perigoso.
O mapa só falava em Laguna, Campo dos Padres e Morro da Igreja. E O José sempre me falava: ''Virgínia, eu achei. É lá, em tal lugar. É só
ir lá e buscar". Um dia, eu, o Samuel Bell, o Flávio Lebarbenchon, o Afonso
trazia o desenho da Janela Furada. ..
A1berton, o Juvêncio, inclusive, fomos lá procurar. Fomos numa quinta-feira
As condições do mapa coincidiam bastante com as daqUI. Um pouco melO
e voltamos na outra quinta-feira. Ficamos oito dias lá procurando. Ao cabo
confuso. r h de oito dias voltamos de novo. Voltaroos numa quarta.feira e ficamos lá até
Nós tinhamos as indicações do José Alexandre, um rapaz 10rle que c .eg~u
a outra quarta-feira. Procuramos de noite. Porque ele dizia que saía uma tocha
a ver o tesouro, por isso adoeceu e veio mesmo a morrer. Estava lá o lTffiaO
de fogo de um morro a oulro. Mas não vimos nada.
dele, o Juvêncio. Todo mundo crente que.nós íamos encontrar o tesouro, porque,
Ao cabo de três dias que nós estávaroos lá, só apareceu uma ave bem grande,
ali nas Três Barras, estão seguros que eXiste em algum lugar na encosta.
bem mal, parecia ser atirada, numas árvores baixas, que se debatia muito.
Lá em cima tínhamos de fato conseguido ver Lagun~ através .da Janela
Mais adiante se ouvia um bando de macacos. Mas não se via nada e nem
Furada. Mas o mapa trazia outros dados técnicos, que eu nao conheCia naquela
0
árvores havia. Todos ouviram.
época. Distância, graus ao norte, e ao sul. .. Não sei se era 40 graus ao
No dia seguinte, eu subi por uma espécie de escada daquelas e encontrei
norte ou ao sul. . . . b' Lá uma caverna.
Ficamos procurando uns quinze ou vinte dias sempre aqu~ em aIXO ..
Parecia bem o quadro da poria que ele tinha achado. Mas uma casa de
na Janela Furada encontraram umas gravações nas rochas. Mas nao tenho mUIto
marimbondos tapava tudo. Até uns favos daqueles atirei e joguei para o compa-
conhecimen.to disto. Letras, algarismos. ...
O ouro seria dos índios. Mas os padres jesuítas foram os pnmelros a callvar nheiro que estava mais embaixo. Já ia para dezesseis dias, contando a pri1Jleira
vez, que nós estávamos lá procurando. Não tinha abelhas. Peguei uma vara,
os índios e a se apropriarem do ouro. Na hora da expulsão esconderam e fizer~m
mas logo atrás senti pedras.
o mapa. E stes diziam que eram quarenta cargueiros de ouro . e 'dprata. Entao,
Quando o José achou, o mato ainda não tinha queimado. Depois deve ter
quarenta cargueiros sendo umas cinco m:~obascada cargueIrO, VaI ar um mon-
caido uma barreira e tapou.
tante de três mil quilos de ouro e prata.
Procuramos a água que diz que saía de dentro, luminosa igual a ouro.
Não en~ntramos água nenhuma, nem jeito de ter água.
2 - VIRGÍNIO ALBERTON Um dia desistimos daquele lugar. Procuramos outra costa, mas não achamos
nada.
12 de fevereiro de 1981 Lá dentro, dizia-me o José, tinha ouro e uma coisa branca luminosa. Achou
que era diamante, porque iluminava tudo. E de lateral a lateral, ao redor,
açador famoso, na sala tem sete ou oito couros de veados como tapetes,
assim era tudo ouro, em barras bem grossas.
seguindo a tradição de todos os caçadores.
Contou-se mario. Achava que os índios iam matá-lo. Por que achava que
O' José Alexandre era companheiro de caçadas, por isso uma grande
era uma casa de índios. E o cachorro, pensava que fosse o deles, mas não
C
amizade os ligava. Quando no hospital, falou.lhe do que vira no Morro da
era. Era um cachorro preto. Não, não me contou se deu tiros no cachorro.
Igreja. d r. b' d Ele não tirou nada, porque achou que ia voltar com a irmã para tirar aquilo.
"Pensando que fosse o cachorro dele que estava acua0 o. 101 su lO o ?S
Ele achou que a irmã era mais conveniente que os outros irmãos.
peraus. Chegou lá. Era um cachorro preto. Quando ele se deu conta, VIU
Outros vieram procurar. Veio um de São Paulo procurando o José Alexandre,
uma cabana. Pensou estar no rancho dos bugres. Mas logo viu que estava
o caçador que mais caçava nas Três Barras. Mas o José tinha morrido.

52
c a porto Alegre comprar um aparelho para procurar. Mas com sete degraus naturais, irregulares.
Aí, "n óS 10m os _'
"
b ém não deu" Era meio pesado e nao dava de subir os peraus. Em cima chega-se a um patamar maior de uns dois hectares de terra. Terreno
esse apareIh o tam d
O que seria esse tesouro? Bem, eles achavam que era um guardado os de planta. Uma maravilha. Árvores baixas, bastante limpo, já imitando o ca';'po.
~resJesu'
. ítas daquele tempo Ele calculou que era muita coisa. Muito mesmo. . No fundo há o paredão. Terreno de planta, dizia o José. Terreno de arado.
d
Um dia fomos lá na serra procurar um tesouro desses, lá na terra do Aménco Logo em cima da escada encontrou uma gruta, constituída de um matacão
Amaral. Diziam que tinha um tesouro enterrado. Fomos lá, o Afonso, o J~vêncio, redondo, uma laje apoiada no barranco e numa árvore, a uma altura do chão
e o Flávio. Procuramos mas o aparelho não indicava nada. Mas, aquilo, Jogavam de um metro e meio, por outro tanto de comprimento. Um córrego passando
pedras. Tinha uma coisa que jogava pedra. Pert~ d~sse Flávio jog?U ~ma pedra por baixo.
bem grossa, até. Ia ver, não se achava nada. Nao tinha pedra, nao tinha nada. No mapa do seu Flávio a gruta está à esquerda.
Era tarde da noite. Daí viemos embora. Chegamos na metade da serra do O José teria visto o esplendor dos metais e aproximou-se da entrada, temendo
Cabo Aéreo, lá tem uma furna, uma toca numa pedra, bem grande. Lá existe s,:r alguma coisa dos índios, que talvez estivessem tocaiando. Debruçou-se,
muitos cascos de arreios, com chapas desse metal branco. Baixamos a procur.a.r. nao mexeu em nada, temendo estar sendo vigiado. Olhou, viu as"barras de
Ficamos um dia lá procurando. E o aparelho nada de acusar. Não deu nada. ouro e o resto. Aí saiu, pensando que voltaria para buscar isto, quando casasse.
Não tinha pressa, nem receio porque o lugar era quase inacessível. O que
viu seriam barrinhas de ouro de uns vinte centímetros colocadas tudo em volta.
3 - FLÁVIO LEBARBENCHON A água também parecia de ouro.
A pedra redonda tem uns três metros de diâmetro. A mesa que cobre
lávio Lebarbenchon tem a sensa?ã? da procura de ~esouros e dinh~iro a gruta parece uma laje trabalhada. O arroio passa por dentro e desce pelos
escondido como um esporte, o umco a que se dedIca. Com os amIgos patamares até cair no afluente da Janela Furada. .
F Samuel Bett, Virgínia A1berton, Angelo A1berton, Juvêncio Alexandre. Isto é descrito pelo Flávio, que na segunda ou terceira subida conseguiu
Além de participar em muitas explorações, comprou um pequeno aparelho localizar essa gruta, muito correspondente ao que José descrevia. Numa das
para a cata de metais. Pretende investir bom capital para a aquisição de um expedições, estando todos os colegas de pesquisa juntos, chegaram ao campo
de maior alcance. Está decidido a voltar para diversos lugares onde já passou. de planta, para a direita, e sentaram para sestear, tomar um aperitivo, fumar,
Para manter esse seu entusiasmo deve ter já localizado algum pequeno tesouro, descansar: "Era tudo árvores baixas, de dois ou três metros. Árvores de campo.
mas têm muitos casos a contar de tesouros que ainda não foram encontrados. Estávamos sentados, quando um pássaro muito grande começou a fazér evoluções
E são esses que nos pode ainda interessar. em cima de nossas cabeças. Pelo bater das asas era um pássaro grande. Naquela
O Flávio preparou-se para a entrevista desenhando um mapa em que localiza hora todo mundo puxou o revólver tentando ver e atirar no pássaro. Ninguém
a gruta famosa, vista cheia de ouro, prata, e diam.antes pelo José Alexandre. viu. E estava sobre as nossas cabeças. No que terminou aquilo, aquelas evoluções,
O mapa traça O rio que desce da Janela Furada. A direita, no alto, a janela. ouvimos uma vara muito grande de macacos, tinha que ser uma vara de uns
Nas cabeceiras do rio, o paredão, à esquerda de um córrego que faz barra mil macacos. Começaram a berrar. Aí espalhou todo o mundo que correu atrás
com a Janela Furada, quase perpendicular a ele. Perto da barra há uma árvore dos bichinhos, para caçá-los. Saímos correndo, era pertinho, uns vinte metros,
de maria-mole. Sobe-se por ali, um paredão constituído de sete degraus e mais ou menos. Pelo barulho deviam ser muitos macacos. Pois não vimos um
patamares. Degraus altos, de dois a três metros e patamares mais estreitos, macaco que msse: E todos tinham ouvido. Nenhum esperou pelo outro. Saiu
onde se pode andar à vontade. Alguns são de difícil acesso, especialmente correndo para caçar os bichinhos. Depois andamos por aí e não vimos nem
o último. encontramos nada. Ficava tarde, a subida era difícil, eram duas horas de cami-
A primeira vez esteve lá, por volta de 1956, com os amigos acima. Foram nhada. Descemos. Eram duas horas de sofrimento, sempre de pedra em pedra,
subindo pelo rio e antes de chegar às cascatas, bastante abaixo ainda, dobraram no leito do rio, ou trepando em rocha viva. Nas primeiras vezes que fomos
à esquerda, no pé da maria-mole. Aí começaram a subir os degraus. precisávamos de cordas para escalar os peraus. Depois já estávamos mais tarimba-
O José Alexandre foi conduzido para lá pelos latidos do cac~orro.. Caça.dor, dos. Do rio até em cima tem pouco mais de cem metros.
sempre pensava que esse estivesse localizando um tatete. Por ISSO fOIsubmdo Na primeira vez já vasculhamos quase toda a área até o paredão, mas
patamar após patamar. No último, diz o Flávio, logo que chegou viu uma não localizamos a gruta.
escada, até parece por um acaso extraordinário, porque, a não ser aquela escada, Fizemos várias expedições lá. Depois eu descobri isso aqui, a gruta. Chamei
o perau é a pique e não permite a escalada a não ser com cordas ou com os outros. Era tudo conforme ao que dizia o falecido José. A pedra apoiada
escadas improvisadas, como fizeram algumas vezes. Essa escada também tem por cima não parecia muito segura, por isso nem quis entrar lá dentro. Estávamos
até. decididos a derrubar essa pedra. Mas aí não fomos mais. Alguma co~sa ! ter caído, ficando fora do raio de ação do aparelho. Mas não tivemos muito
de diferente havia por ali. Não sei se por causa do local... Para fazer pesqUIsa tempo. A explosão em meio à noite chamou muito a atenção. Seu Celeste
erá preciso no mínimo escorar a laje. Derrubar não se deve. no' dia seguinte prometia cadeia para os invasores de suas terras. Eu estou
s Fomos lá com aparelho que compramos em sociedade. Mas antes de chegar pensando em voltar para lá. Mas será com autorização do dono.
lá queimou o transformador. Hoje, depois de muitos ano.' estou querendo adqui- Pouco mais abaixo do local,. mas mais acima da represa, o bugre Marcelo
rir noVOaparelho mais poderoso para fazer outra tentatIva. disse haver algo oculto nas margens. Fomos lá também. Alguém viu fogo se
Uma vez em que fomos com o Meni Debiasi ele viu um clarão estando movendo, outros ouviram uma voz cavernosa: "Eles estão ali". Todos fugiram.
lunda aqui perto da maria-mole. Até, naquele dia, isso o deixou transtornado. Eu tentava subir o barranco e seu Pedro se agarrava em mim, de modo que
O Meni morava ali perto e tinha ido lá a meu pedido para me acompanhar. _ escorregamos duas ou três vezes antes de conseguir. Ficou célebre entre n6s
A idéia é de ir lá para a inspeção definitiva. Mas nunca dá certo: um nao aquela corrida.
pode outro não pode ... No Morro da Igreja tem ainda algo que até nem queria contar. Numa
A~éagora encontramos o lugar, mas nada mais. Até. uma irmã do Juvên.ci.o, das vezes que subimos eu me atrasei um pouco. Os outros pararam para descan-
que consultou um deputado de Porto Alegre, que tinha uns poderes eSpeCIaIS, sar, uns sessenta metros antes de chegar à maria-mole. Quando eu estava che-
disse que sendo tesouro dos jesuítas, s6 poderão retirá-lo se for um padre gando partiram, mas ali eu é que parei. Foi então, que, olhando para a esquerda,
junto. Com auxílio de um padre será possível tirá-lo. Até agora padre nenhum vi uma espécie de capelinha branca e um padre andando de cá pra lá, assim
não foi lá. como os padres fazem, em retiro. As vestes não eram pretas, mas marrom.
Muitos outros vão procurar. Pelo lado de cima da serra, o morador que Vi claramente. Mas os outros se afastaram e eu a contragosto, fui seguindo
mora mais perto, a uns seis quilômetros, diz que aquilo ali é uma romaria a turma. Na volta não pude ver nada. Mas um dia fui com máquina fotográfica
contínua. Vem gente de São Paulo, do Rio, de Porto Alegre, de Minas, de e uma lente. Consegui uma foto muito nítida, tanto que o fot6grafo se admirou,
tudo quanto é Estado. especialmente quando relatei o modo como a conseguira. Na foto aparece um
Até a casa do serrano, vai carro. Depois, só a cavalo. O terreno é u~ paredão com um musgo branco que poderia ter sido o que me deu a impressão
imenso planalto que poderia servir para campo de aviação, mas tudo banhado. da igrejinha. E o padre? Talvez é uma indicação que se deva procurar mais
Que se fale de outro lugar, não sei. Mas muitos ~rocura~ lá na Jan.ela para baixo. Ainda vou lá".
mesmo. Mas não tenho esperança que tenha alguma COIsalá. Nao me palpIta,
não. Não me palpita. Para mim s6 pode estar lá na escada.
Por onde teriam levado esse tesouro para lá? Pelo paredão direito? S6 descen- 4 - MOACIR CROZETTA BATISTA
do com cordas. Poderiam ter descido pela Janela Furada, ou vieram de baixo,
talvez. "H á uns dez anos ou mais veio um casal de Porto Alegre, ele já
Na serra do Avencal, pertinho de Urubici tentamos arrancar um escondido com cinqüenta anos, mas dizendo estar em lua-de-mel. Chegou
que há lá perto do cemitério, nas terras do Celes~e ~hisoni . .o apare~o deu nas Três Barras com o Papi. Foi pagando diversas gentes para
sinal. Fica bastante acima da represa, num paredaozmho. FUI lá a pedIdo do ir com ele. Dizia chamar-se Francisco. Estava nadando na Lagoa dos Patos,
Pedro Fernandes, um madeireiro de SãoJoaquim. Um irmão dele tinha sonhado. no Rio Grande do Sul, quando viu uma garrafa boiando. Pegou a garrafa e
Veio para que eu emprestasse o aparelho. Não emprestei. Disse para ele que no hotel quebrou-a: Dentro achou um mapa, um pergaminho.
este é meu esporte e não iria perder uma ocasião dessas para praticá-lo. Afinal Veio dizendo que o mapa falava do Morro da Igreja. Então veio procurando.
levou o aparelho sob a palavra de honra que se encontrasse algo não tocaria S6 trazia consigo uma fotocópia. Tive muito em mãos essa fotocópia. Me lembro
sem me avisar. À noite foi lá, constatou e de madrugada já apareceu lá em mais ou menos de umas passagens com O sentido seguinte, já que o manuscrito
casa. Era certo. O aparelho dava sinal. era em espanhol; em um subterrâneo do verdadeiro Morro da Igreja de pedra
Fomos lá. De noite, porque o Celeste não permitia. O Pedro levou um se encontra uma porta secreta que leva ao tesouro seguro.
índio manso consigo, o Marcelo, que andava no mato de noite, como se fosse Outra frase dizia mais ou menos isto: são três entradas.
na estrada de dia. Nunca vi daquilo! Na primeira noite que eu fui vi que Outra frase: tem que ter muito cuidado: foram mortos sete padres jesuítas.
era precis~ desviar a água da cascata. O aparelho acusava de ~onge. Viem~s', Outra: este ouro foi transportado da Espanha até grande porto lagunar depois,
outra noite com canos e dinamite. Explodimos. Ai o aparelho nao acusOUmaIS em "ca1hosticas" até o grande rio de las Canoas.
nada. Tento dar uma explicação. Haveria uma cavidade atrás .da cascata. O O tesouro teria vindo para ali em 1623.
escondido devia estar pendurado, por causa da umidade. Com a explosão dev~. Outra: aqui se encontram quatrocentos cargueiros de barras de ouro, fora

56 57
as pratas espanholas. Quanto aos cargueiros não se sabe se era em cavalos
ou carga de gente.
Falava-se de dois piratas, um deles chamado Luís. Talvez os que teriam
matado os padres jesuítas. Eles também disfarçados de jesuítas.
Falava-se de lua, de graus ... de três pólos ao norte ...
Ficamos por lá vinte e cinco dias. Procuramos sempre embaixo, mais ou
menos no local indicado pelo falecido José.
Estávamos em sete, procurando. O Francisco era um homem meio velho
e gostava de andar sempre comigo, que era rapazinho novo. Queria me dar
um par de botas. Mas no fim desapareceu. Disse que ia para São Joaquim
buscar os aparelhos dele. Não apareceu mais. Deixou dívida no Hotel Brasil.
Estávamos lá procurando, o Lauro Crozetta, o tio de Laércio, o Papi, eu,
ele e o cunhado dele.
Um dia o tio Lauro andava conosco num perau. Escorregou e foi caindo
perau abaixo. E era muito alto ali. Na metade conseguiu agarrar uns carás.
Ficou pendurado. Aí jogamos uma corda e puxamos ele para cima.
Todo ano vem gente ali. Vem de Porto Alegre, vem de São Paulo, mais
mesmo é de Porto Alegre. Nunca ninguém diz de onde pegou os dõcumentos.
Veio também um cunhado de Francisco. Era de Marília. Esse foi com Lauro
e o Papi, por cima.
Os Borges, de Criciúma, vieram porque nós chamamos. Trouxeram aparelho.
Fomos lá, mas choveu. Nem armamos o aparelho. Viemos embora.
São muitos os que foram explorar. Mas até agora não foi ninguém equipado
em condições de explorar.
Tem muito morro igual por lá. Quem não conhece bem aquilo se desorienta
facilmente. .
Meu avõ, Marcos Ribeiro, dono de Calhamboras, já contava esSa tradição
do Tesouro do Morro da Igreja.
Acampávamos lá no mato mesmo, logo ao pé das subidas mais fortes.
Há um caso que meu avô sempre contava e que meu pai saberia muito
bem: houve uma serrana chamada Oxéria que muito procurou esse tesouro.
Ela e o filho. Até a descida, por onde ela descia a pé, ainda hoje se chama
Serra da Oxéria. Pois, tanto ela como o filho, morreram na busca desse tesouro.
Ela procurava na outra vertente, mais à esquerda.
Nunca se fala de tesouro guardado no campo, sempre embaixo. Também
nunca encontramos inscrições.
Meu pai encontrou uma estatueta de ouro, um Santo Antõnio. Estava no
rio. Mas alguém deve ter perdido, e depois da enchente. Porque a estatueta
está dentro de um vidro. A enchente teria quebrado o vidro. É uma estatueta
Cascata do Rio dos Bagres, Urobici, SC. muito pequena, de uns quatro centímetros apenas.
Meu avõ, o Marcos Ribeiro, diz que um dia estava com um empregado,
o falecido Crespim, que morreu em Três Barras, seguindo uma vaca muito
braba que tinha escapado, linha até descido uns peraus da Serra. Desceram
também, e lá no meio do mato viram uma canastra. Meu avô ainda bateu
com o bastão nela. Mas não abriu, dizendo que precisava seguir a vaca. Mas Tem por aí uma pedra azul com bolinhas amarelas. Há uma pedra, com
era porque o empregado estava junto. Depois voltou lá e não pôde mais locali- veios amarelos, mas também azul, que tirada mais do fundo tem um forte
cheiro de petróleo. .
zá-Ia.
A Mina de Arzão estaria na plataforma dos Quinze Dias. Petróleo tem no terreno de Antônio Lichenski. Agora o centro do xisto
.0 pai de Antônio Barbosa, um rapaz de Três Barras, pode contar que na betuminoso é no terreno encostado a ele, do Dr. Bica, médico de Lages. Ouviu
fazenda deles têm ainda grutas com muitos ossos. falar de petróleo em Orleans e mandou o Oscar de Brida para pesquisar. Comprou
Quanto à aparição e coisas assim eu não acredito. Até tem aquele acuar dois lotes de vinte e cinco hectares cada um, que estão lá, tudo em mata.
que se ouve à noite. Isto eu ouvi. Mas é acuar de cachorro só para quem
tem medo. Os caçadores sabem que aquilo é o pio do macuco.
6- ANDRÉ ZANINI
Quanto à Mina de Arzão, teve um velho que andou procurando muito
Nascido em 1921
lá na Serra dos Quinze Dias, na metade da descida da Serra do Imaruí. Procurou
tanto que ficou meio fraco da idéia. Nos últimos tempos enchia sacos de pedras as três Barras havia um caçador que s6 vivia no mato e gostava demais
e dizia serem da Mina de Arzáo. Era o Velho Católico". de caçar. Um belo dia estava caçando, tendo consigo só um dos veadei-
O Modestino Crozetta Batista, irmão do Moacir, cansado de ouvir falar N ros. Estava bem na encosta da Serra, ao pé dum perau que parecia
em tesouro que não se acha, mas com espírito de descobridor, foi conseguir inacessível. Ali apareceu um cachorro que começou a brigar com o dele. Deu.lhe
carteirinha de garimpeiro no rio Madeira-Mamoré, na divisa da Bolívia com dQ.istiros. O cão desapareceu. Mas caminhando um pouco mais começou a ouvir
o Brasil: "Há ouro lá, do mais puro, 26 quilates. Ouro muito fino misturado os acuas de cachorro bem em cima do paredão. Procurou uma subida e encontrou
à areia. Em seis meses conseguiu juntar setecentas gramas só. Mas trabalhou uma escada, escavada na pedra, que subia até o lugar donde pro~inham os
pouco. É que por lá chove durante seis meses. Depois precisa esperar mais latidos. O caçador subiu. Chegou a um lugar onde era plano. Viu um córrego
três meses para que as águas baixem e apareçam as ilhas, ali a gente vai reco- que descia pelo paredão. Só então notou ali perto uma igrejinha. Assustou-se.
lhendo o material onde depois vai extrair o ouro. Mas acontece que de vez Pensou estar em terras de índios, que havia na região. Poucos; mas havia.
em quando o rio enche de novo, por causa da neve derretida nos Andes. Aí Mas não aparecendo ninguém, criou coragem e foi investigar o que estava
tem que esperar mais um mês ... De modo que em sete meses não conseguiu vendo. O córrego não era de água. Era pó de ouro brilhando. A igrejinha
trabalhar mais que quinze dias. Deu de pagar as despesas. Tudo é muito caro estava cheia de pontas de piões, no assoalho. As paredes com barras de ouro
por lá. Comida, é farinha seca, mas caça-se e pesca-se bastante. Peixes de pregadas nelas. Não tocou em nada, ainda com algum receio. Decidiu marcar
trezentos quilos, jacarés de sete metros: E come-se de tudo. Gostosa mesmo o lugar bem, ir para casa, chamar outra gente. Convidou o tio. Foram mas,
é carne de macaco. Há uns dez mil garimpeiros fichadospor lá". ao pé do morro, deram com uma vara de tatetes e o instinto de caçador venceu.
É a região de Porto Velho, muito rica em todos os minérios. Perseguiram os porcos-do-mato muito tempo, mataram alguns e ... a subida
ao local da igrejinha ficou para outro dia. Pouco depois foi com o irmão. Quase
no mesmo lugar dos tatetes deram com um bando de jacutingas. Nem é preciso
5 - CASEMIRO PAHOECK dizer que foi uma bela caçada, mas ... Já não dava mais tempo para escalar
as pirambeiras. O mistério da igrejinha ficol1para ser desvendado noutro dia.
. avia contínuas notícias de uma mina de ouro no morro do Garrafão. Nesse meio tempo aparece um cara do Rio de Janeiro à procura deste
Um dia decidiram e foram em diversos cavar. Cavaram bastante. Num caçador, José Juvêncio. O rio estava enchendo e não era fácil chegar até a
f • • certo momento desmoronou um pouco de terra e pôs a descoberto casa do caçador. Por isto o recém-chegado pegou alguém da casa do Sr. Jacondo
uma grande bola amarela. Bortolo Mattei gritou, gritou de contentamento: Crozetta, de Três Barras .para chamá.lo. Ele veio. O cara do Rio de Janeiro
se eu conseguir esta bola estou feito na vidal Mas não teve nem tempo de perguntou.lhe se de fato tinha localizado o tesouro. Negou. Não era tanso
se mover e já veio enorme barreira soterrando-o. Conseguiram tirá-lo de lá, de entregar aquela fortuna a um desconhecido. O cara logo pensou que o
todo machucado. Foi trazido numa branda até a casa de Antônio Pahoeck. caçador o levaria, mas era para outro monte, e não para o lugar verdadeiro.
Dali seguiu para a casa em carro de boi. Médico? E quem pensava em médico, Pensou e disse. José Juvêncio ficou brabo: u_ Se sabes tanto porque não
então? Salvou-se em casa mesmo. Isto em 1941. vais sozinho lá?" "- Sem ti eu não posso ir lá. Mas olha, te dou o prédio
Naquele tempo andava muito com isto. Quer ver o Pedro e o João Gaidzinski mais alto e mais bonito de São Paulo, se vais comigo. Com o tesouro que
como andaram pelos peraus do Chapadãol ~ tem lá dá para comprar São Paulo inteira". O caçador não quis ir.
De certo encontraram muita coisa. Mas cada um mantinha segredo. Tempos depois, antes de fazer nova expedição começou a adoecer. Antes

60 61
eram os bugres. Deu um tiro. Olha, tinha a roça de milho. Pois eles fizeram
de morrer explicou o lugar ao irmão. Este foi e não encontrou.
Em Três Barras todos sabem que lá aparecem jesuítas, cachorros uivando, um estrafego de tanto que correram. Eram bugres, que os bugres são mais
brabos, os índios são bem mansos.
enxames de abelhas, formam-se tempestades de repente ...
Eu uma vez corri dos bugres. Nós éramos crianças, eu e meus primos, ~
Isto há 20 anos, na Janela Furada, na Vaca..Mora...
gostávamos de caçar de bodoque. Num domingo de tarde fomos até perto
do costão. Matávamos de tudo: macuco, inhambu, aracuã. Mas aí ouvimos
7- ESTANISLAU MATUCHAKI os bugres tocando os instrumentos deles. Não vimos. Olha, perdemos bodoque,
perdemos chapéu, meu primo tinha facão, perdeu o facão. Corremos. Viemos
61 anos - 1979
embora. Era medo! Medo do bugre! Medo, que barbaridade!
,,N o tempo dos jesuítas, vai fazer uns 50 anos, ôpa, mais, mais, quase Nas caçadas era macuco, uru, inhambu, jaó. Num domingo de tarde trouxe-
cem anos, porque logo em seguida dava-se a revolta que devia mos oito macucos, de bodoque. Armávamos arapucas para macuco, uru. inham-
descer a Serra das Três Barras. Quando eles souberam que vinha bu. Animais de pêlo não caçamos. Só uma vez, minha mãe matou um veado
a revolução. os jesuítas abandonaram tudo, tamparam a mina com xaxim e que entrou no cercado dos terneiros. Matou com a enxada".
fugiram.
A mina ficava no costão da Serra, no Morro do Garrafão, no Rio Minador,
à direita de quem sobe.
8 - DOMINGOS DEBIASI
Jesuítas, quem eram? Era uma gente que gostava de trabalhar nas minas.
Padres não eram, mas imitantes, quase padres. Vinham de Laguna para cá "Q uem falava muito, e sempre me falava, era D. Maria Paolina,
pelas picadas de então, de cargueiro. serrana, viúva, velhinha já por volta de 1940. Sempre dizia que
Os índios é que ensinaram para eles onde estava a mina. Eu não sei bem o marido dela, Paulino Vieira, afirmava que entre o Morro do
onde é o lugar. Mas teve gente que foi espiá-los à noite, porque é de noite Oratório e o Morro da Igreja, tinha um tesouro. Era de uma fazenda por
que trabalhavam. Meu pai também foi. Naquela época teria ele uns dez anos ali, de Santa Bárbara. Sempre ele falava que ouvia e que aparecia alguma
de idade. Na boca da mina havia uma laje. Veio até gente de Urussanga e coisa. Era o tesouro do Juca Velho.
Cocal. Juntaram-se em Brusque e foram ver. Foram de noite. Essa turma O José Alexandre sempre me dizia que tinha pena de morrer sem encontrar
não chegou a ver ouro. Só viam eles trabalhando. Não viram ouro. Mas todos o tesouro. Me convidou também para ir lá.
sabiam que eles tiraram muitos quilos de ouro. Nós morávamos no Rio Minador. Um dia, eu que dei a idéia: - Escuta, e se nós te levar lá, até lá num
No tempo da revolta levamos tudo para o mato: porco, galinha, fizemos galinheiro certo ponto, tu vais mostrar para nós adonde é? - Mostro. "
no mato, chiqueiro, paiolzinho para milho. Fizemos uma branda com dois paus, botamos lençóis, pregamos e ama;ramos.
Quando os jesuítas souberam da vinda dos revolucionários do Rio Grande, Carregamos ele nas costas por uns cinco quilômetros. Chegamos lá no rancho
fecharam a boca da mina e plantaram xaxim por tudo, cobriram de capim e velho do capoeirão dos Torreanos, bem embaixo da Janela Furada. Era o galpão
mato. Tanto que os nossos foram lá ver e não encontraram mais nada. Só de refúgio dos Torreanos, de Braço do Norte. Os Torreanos eram valentes.
os rastos. Brigavam ou matavam em Braço do Norte: Quando a justiça batia, já tinham
Os jesuítas vinham de São Paulo e tinham um índio com eles. O índio refúgio seguro. . .
vinha com aparelho. É, com aparelho! Aquilo era um índio. Vinha com aparelho. O José Alexandr~ tinha pousado muitas noites ali. E via, lá nos peraus,
Andaram pelo costão de cá para lá, até localizar a mina. aquela claridade.
Quem contava a história era meu pai e meu avô. Creio que os jesuítas Fomos no lugar que indicava. Batemos lá em três ou quatro. Nada.
andavam de batina. Por esse tempo já tinham se dado os incêndios e as barreiras.
A mina ficava lá mais acima da serraria do Luís Monteiro. Mas bem pra Ele disse que havia o tipo de um oratório. Pelo chão corria uma aguinha.
lá mesmo. Eu nunca fui lá. Ninguém mais achou. Foi muita gente para achar, ,. Dentro do oratório tinha pedra azul, de tudo quanto era cor. E quem levou
mas não acharam. ele lá, foi um cachorrão grande, preto, que acompanhou. Tiros no cachorro?
Era o tempo dos bugres. Até meu pai atirou num, do meio. Meu pai fez Não me falou. Quando não queria avançar, aí vinha o cachorro e convidava.
uma roça perto da igreja do Chapadão. Ele estava tocando violino. É, ele. Escada não achamos. Na subida tem três grotas, três lombadas. Na segunda
gostava de tocar violino. Era de tarde e as quatro ou cinco galinhas que tinha' lombada é que aparecia ... Ficava em meio-morro.
levado para lá começaram a se assustar. Aí pegou a espingarda e, quando viu, Desde os velhos tempos já fàlavam deste tesouro. Era o tesouro do Juca

62 63
Velho. Meu tio Jacó Debiasi, João A1berton e José Silva, mais vezes preparavam
revirado para a viagem de negócios e iam explorar O tesouro do Juca Velho. mesmo onde nós estávamos parados. Até o Pedro Andrião deu uma enxadada
Perdiam dias à procura. coitado, podia ter pegado ele vivinho. Estava com o pêlo queimado. Dev~
Gente que teria procurado o tesouro: o Dr ..José de Pata e o Tenente Oscar, ter morrido muito bichinho desses que trepavam. Não pegou nenhum mato
vieram lá na Cabriúva onde eu morava. Quiseram que eu fosse junto. Fomos grande. Só na costa. Mas lá não sobrou nada.
e pousamos uma noite. Viramos lá o dia inteiro. Não pudemos vir de volta Estive no ra~cho do.s índ~os. Até eu e o Jocondo fomos os primeiros a
e tivemos que pousar. No dia seguinte eles estavam cansados e viemos embora. chegar ~á. Ranchmho berra-chao. Dois telhados até o chão e os lados abertos.
A turma lá de cima, todos eles procuravam. O Jocondo Grozetta também. Uns dOIs.metros de altura, dava de ficar em pé no meio. Dava um quadro
O Eugênio Dorigon, um tal de Inácio, da serra ... Nunca ninguém viu nada. de uns tres metros. Coberto de palha, bem tecida. Tinha uns cestos encerados
Uma vez eu e a mulher fomos fazer um piquenique, junto com uma profes- u.ns caldeirões e panelas de barro, mas destas nossas. Flechas, tinha de pedra:
sora, Ivone Damazio, mais os filhos. Depois do almoço eles ficaram na praia tInha umas com pontas de madeira, feitas um piãozinho e tinha outras de
do rio e eu agarrei o mato e entrei, para ver se caçava algum macuco. De ferro, como um canivete. Pegamos aquelas de ferro e nos arrancamos.
cima de uma altura alguém atirava pedras. Até pensaram que fosse eu. "Mas Tínhamos saído um domingo, de propósito, para ver esse rancho. Subimos
bem perto de nós", confirma a senhora. A professora ficou com muito medo... P'.'la Vaca Mora, subimos no perau e descemos pelo Malacara. Vaca Mora
A Maria Paulina dizia: "Seu Domingos, tem! Tem, porque meu marido uma Ri? Seco, Janela Furada, Dois Vizinhos, dois morros, depois o Oratório, entr~
vez foi caçar e bateu numa lagoa de onde. custou sair". Dizia que um tal de Mlnador e as Três Barras.
Juca Cachoeira teria enterrado duas canastras ao pé de perova. De lá dava .. Subindo a Serra do Imaruí, depois das Três Barras tem o Morro das Laran-
de ouvir a bulha do rio do Norte. jeIras, .depois tem o. Malac~a, depois tem o Quinze Dias, é uma chapada
O tio andou muito à procura. Tinha um ferro comprido de uns dois metros, em meIa-serra, depoIS os Tres Saltos. Em cima tem Vacas Gordas Barosas
em forma de pua, pra sondar. Onde havia banhado e toco de perova era aquele Calhamboras, estas já para as bandas de Urubici. "
trabalho! Quando entramos para construir a serraria não bavia ninguém por lá. Ficamos
Eu vi um engenheiro que veio do Rio e linha um roteiro desses. morando um ano debaixo de um rancho de folhas de bananeira.
Gente de Urubici, gente de Lages, vinha muita gente. Até agora ninguém • ~avia uns ,:,nc~os da Maria Paolina, que vinha invemar gado, no inverno.
achou. Aí tinha um chIqueIro. Adaptamos um pouco melhor aquilo e ficamos parando
Sobre o incêndio: começou lá em cima. Eu morava na Cabriúva. De início lá. D~ra~te esse p~meiro ano fàzíamos o valo para pegar a água da serraria.
nenhum temor. Mas depois que o fogo começou pular de um morro para outro, DepoIS tInha que tIrar madeira, falquejar. Estrada, mal de carro de boi. Antes
com faíscas que eram levadas a mais de quinhentos metros de distância ... era t~do do Paulino Vieira. Mais para o lado tinha o Bruno Mercedes. O Dr.
De noite podia-se ler uma carta dali em casa. ~uss1 e os outros compraram do Quincas Martin. O Marco Faiel tinha uma
Fizemos doze quilômetros de aceiro. Começamos no rio Vaca Mora até Invernada lá, outra era do Joaquim Faiel.
o rio da Janela Furada. Demoramos dois anos para fazer a. serraria e preparar as casas. Januário
O fogo esteve até perto de casa. Mas ali teve um arrendatário que pôs e Man~ueto fizer~ma roda. Havia dois quadros. Fui serrador, tratorista e gerente.
fogo na roça. Começou espalhar fogo. FOIlá no ":,elOd? mato que comecei a arrumar ossos deslocados e partidos.
Aí ficávamos cuidando dia e noite, molhando debaixo do soalho, nos telhados, ~os casos maIS pengosos fazia um emplastro de clara de ovo com breu. O
na serraria toda. tio.Estevão Debiase já trabalhava com isto. Mas ninguém me ensinou. Ainda
O fogo pegou ali nas Barosas, nas Calhamboras e foi lá para a Vaca Mora, hOje trabalho. Nunca ninguém ficou defeituoso".
Serra do Maruim, até na outra Janela Furada. Pelo outro lado passon a Serra
do Doze. Era seco. Onde pegava, pedras rolavam, aqueles troncos rolavam
e traziam fogo embaixo. O vento, por sua vez, levava longe as faiscas. 9 - ]UVÊNCIO ALEXANDRE
De noite era um espetáculo meio feio. Pouca gente dormia. Era preciso 60 anos - 06 de fevereiro de 1981
ficar jogando água nas casas, na serraria. Era a serraria da Cabriúva, do Dr.
Mussi, do Luiz Maron, do Pimentel. Medo que incendiasse tudo .. Era bonito oráva.mosna Cabriúva, embaixo da Serra aos pés do Morro da Igreja.
e era feio de ver. Parecia que soltavam aqueles fogos de lágrimas, tudo ao O paI era :edro Alexandre, morávamos lá 28 anos. Dos 33 aos 61.
redor de nossa casa.
M Desde entao moro na Boa Vista, perto de Rio Hipólito.
Um dia nós estávamos indo com o aceiro e veio um filhote de paca. Veio J?sé Alexandre foi o irmão que teve o caso com O Tesouro do Morro da
Igreja. Rapaz normal. Ficou doente durante cinco anos. Os médicos não conse-

65
guiram curar-lhe uma constipação crônica. Desenganado, veio para casa e curau-
se com remédios caseiros: quebra-pedra, folha de abacate e jervão preto, da
beira do rio. Teria uns vinte e dois anos quando ficou curado. Aí virou a caçar.
S6 caçava. Por seis anos caçava. Começou caçando aqui perto, depois andou
pelos peraus. E caçava. Caça tinha mesmo bastante, naquele tempo. Caçava
tatete, jacutinga, tudo que é bicho.
Havia outros que quase s6 caçavam. Meu tio Manuel Juvêncio era um
desses. Outros eram o Luiz e o Atilio Monteiro.
Meu irmão tinha um cachorro bom, cachorro sempre tinha bom. Sempre
um s6. No dia que era para caçar, levantava de madrugada e ia para o mato
sozinho, cachorro na corda, espingarda trinta e dois. Região de caça geralmente
era daqui da boca da Serra do Imaruí até o rio Minador. Andou caçando muito
com os índios. Caçava e deixava-lhe a caça nos carreiros. Eles pegavam e levavam
embora a caça. Se entendia bem com eles. Nunca teve problemas maiores.
Ajudou pegar os últimos bugres, aquela vez.
Foi com o índio manso de Curitiba, mais quatro caçadores. Ficaram três
ou quatro dias e não acharam. Aí pediu que o deixassem ir sozinho. Achou.
Um dia de manhã cedo, saiu de madrugadinha para ir caçar. Logo que
saiu da casa acompanhou um cachorro preto junto com ele. Esse deu em querer
brincar ou brigar com o cachorro dele, por isso se incomodou e deu dois tiros. -~

Nada. Continuou brincando. Não arriou mais dele. Quando chegou lá no rio
que desce da Janela Furada, largou o cachorro dele. Ambos sumiram. Ele
foi subindo rio acima, até o segundo grotão. Aí ouviu O cachorro assinalado,
lá em cima, perto do Morro da Igreja. No rio, a Janela Furada éà direita
e o problema que ele achou era à esquerda. Aí o cachorro chegou embaixo
de uma serra onde tinha matado um tatete uns quinze dias antes. Mas o cachorro
acuava em cima. Tinha um barranco meio ruim para subir. Costeou o paredão
e viu uma escada, feita no paredão mesmo. Subiu pela escada. Chegou em
cima e encontrou um mato bonito. Não viu mais os cachorros. Olhou e viu
uma gruta, com uma água muito bonita correndo em riba do lajeado, bem
amarela. Olhou para cima e pensou que fosse um rancho de índio. Assustou-se.
Muitas vezes tinha se chocado com eles. Podia um dia, num canto assim,
ser prejudicado pelos índios. Levou aquele susto. Depois encheu-se de coragem
Paisagem do Morro da Igreja - Tris Barras - Orleans, se. e foi lá naquela gruta. Viu que não era rancho de índios. Viu diversas barras
(Foto Evandro Rodrigues) amarelas, tipo alavancas, num canto. A água ali dentro fazia O ronco, tipo uma
tafona quando está moendo. Quis entrar, mas o assoalho era cheio de piões,
tipo desses de crianças brincar, e ele andava descalço, como sempre, como
os bugres. Achou que não podia entrar porque espetaria o pé naqueles piões
de ponta. Aí resolveu voltar. Fez uma picadinha com o facão e veio embora.
Desceu por onde subiu. Não pegou nada.
Ao cabo de poucos dias convidou um tio dele para ir lá, tio Rodolfo Geno-
vêncio.
Chegaram embaixo do morro caçando. Aí encontraram dois ou três tatetes
e por isso não subiram lá.

66 67
Noutra ocasião, foi para levai- para lá uma maninha, que depois morreu - Olha José, você quer me levar para outra serra. Estou sabendo que
com 22 anos. Mas parecia que tinha uma coisa assim que não deixou ir adiante tu queres me bobear. Mas isto não vai adiantar nem pra ti e nem pra mim.
e teve que voltar. . Não vai aproveitar nada daquilo lá. Tu vai morrer e não vai te adiantar aquilo
Volta e meia ele caçava noutro costão e pousava lá numas tocas de tatu. lá.
Diz que, de lá, ele viu aqueles programas, aquele cachorro, que era coisa . Ao cabo de pouco tempo caiu na cama, não levautou mais. No fim de
séria. O cachorro acuava de vez em quando ... cmco anos morreu.
Nunca conseguiu levar ninguém para lá. Nunca ninguém viu aquilo enquanto O falecido Zé só contou para nós depois de uns três anos que estava de
cama.
ele estava com saúde.
Ao cabo de pouco tempo caiu de cama de novo, com a mesma doença. Meio misteriosa, essa coisa. É coisa séria!
Ficou entrevado na cama mais cinco anos. Ele não tinba contado para ninguém. Só quando estava muito mal ele contou
Quando ele estava em condições, me disse: "Juvêncio, vai procurar lá naquele para mim. Tu vai com o Manuel, que é outro meu irmão, e vai lá em tal
morro, assim e assim. Tu sabes onde é: onde tem aquela água da pedra do lugar, assim... Achando aquilo lá vocês estão ricos o resto da vida. Tirando
rio, à esquerda, naquele pé de maria-mole para cima. Sobe e vai procurar a metade daquilo lá não precisam trabalhar mais. Nem a melade.
que tu acha. Quando é de meio-dia tu já estás de volta, e estás em casa com Mas, infelizmente, não pudemos encontrar aquilo. Andamos catorze ou quin-
um pedaço daquilo lá. Está fácil de tirar." . ze dias, mas não achamos.
Fui, não encontrei. Mas como ele me atentava em procurar fiquei uns Morávamos na Cabriúva, quase aos pés do Morro da Igreja..
catorze dias lá, procurando. No primeiro lugar em que ele subiu, achei até Quando ele estava bem doente, ele quis ir lá. Levamos ele nUma branda
o cortado de faca. Agora, a escada nunca pude encontrar, nem os degraus lá num capoeirão que tinha e de onde se avistava o tal lugar. Aí levamo~
de pedra. ele e fomos lá no lugar, com um lençol branco para ele mostrar se era daí
Quando eu voltava pedia mais explicações. Aí o José dizia: - Mas não para baixo ou para cima, mais ou menos a altura que ele tinha achado aquilo.
Foram dois lá.
é possível!
E eu: - Não achei. Não achei. Não achei. - É mais para baixo, bem mais para baixo.
Se a doença teve que ver com essa história? Olha, quem é que duvida Não, não levamos ele até lá, se sacrificando teria dado. Mas a gente achava
que não seja alguma coisa por causa daquilo, e outras. .. A gente não vai que ... Mas nunca pudemos encontrar.
acreditar e não vai duvidar. Não se sabe nada. Aí o rapaz ficava chateado. Ficava chateado que era um troço. Ele achava
Numa ocasião veio um homem do Rio de Janeiro. Chegou ali nas Três que aquilo era a coisa mais fácil.
Barras e p~rguntou para o Neco França, onde é que morava esse José, esse Chegou a me dizer: - Leva um vidro, e me traga um vidro daquela água
caçador e tal. . . que tu vires correr lá.
- Ele mora lá em cima, mas tem o rio para passar e você não passa com Para mim aquela água era como a nossa água. Talvez ali saía algum farelo
esse carro. de ouro e deixava aquela água amarela, e amarelava aquele lajeadinbo. De
- Vai lá em casa dele e chama ele para mim. certo tinha algum mistério. Mas eu achava que a água não devia ter diferença.
O Neco França veio lá em casa. Era um dia de garoa. Na minha opinião, né, ele queria a água que fosse amarela.
- Vai que o homem quer conversar contigo. Quando fizemos esta pesquisa faltava um ano para ele morrer, só. Foi só
Eram uns seis quilõmetros de distância. Pegou um animal e veio cá. quando ele viu que estava mal é que não tinba mais cura que ele revelou
- Ó Zé, tu vais me mostrar aquilo que tens achado, assim e assim. para.~ós. Também a história do homem do Rio de Janeiro, contou na mesma
Antes disso ele não tinha dito nada para ninguém. Para nós também só ocaslao.
falou depois, quando estava mal. Ele achava que ia tirar aquilo para ele. Quando Ele achava, assim, que ia casar e depois ia tirar aquilo para ele.
caiu mal, que viu que morria, é que foi contar pra nós. Durante esse tempo esteve toda a vida com médicos. Esteve até em Porto
O do "Rio de Janeiro pediu que mostrasse aquilo para ele, que ele lhe Alegre.
daria tudo o que ele queria no mundo. E podia dar aos pais, aos irmãos, Capacidade mental dele, tudo em dia. Nada de qualquer coisa. Morreu
que ficavam bem e não precisariam mais trabalhar. conversando tudo exato. Nunca perturbou a conversa. A conversa dele era
Disse que não tinha achado nada. Mas no mesmo momento pensou em uma só, toda vida.
levá-lo para outro lugar. - Eu vou te levar, então. Ele dizia: - Eu sei que vou morrer, mas ... Até o dia da morte ele
Mas o cara descobriu que ele estava mentindo para ele. mandou me chamar, que estava mal. Eu fui lá dentro da casa e estavam cuidando

6H 69
dele. Morreu no meu colo. porque estava sofrendo com aquilo. Indicou que levasse um padre junto, levasse
O Neco França mora no Rio Minador. Talvez lembre a vez que foi chamar urna vela benta. E que fosse a um curandeiro para que ele desse remédio
o meu irmão para falar com aquele homem do Rio de Janeiro. para ela. Estava em Porto Alegre. Foi falar com um que era Deputado. Esse
O José nunca fazia a coisa dificil ou misteriosa. Estava lá. Sabia onde era. disse que o tesouro ainda estava lá, que ninguém tinha mexido naquele tesouro
Era só ir lá e trazer. ainda. Ele ficou de decidir para vir com eles. Ficaram certos de vir para cá.
São vinte e cinco anos que o José morreu. Morreu em outubro de 1953. Mas nesse inter~eio ele morreu. Morreu afogado. Foi fazer um piquenique.
Nasceu em 1923. Possivelmente encontrara aquilo pouco antes de adoecer. O barco virou. E esse deputado de Porto Alegre, que morreu afOgadohá uns
Talvez em 1947. Mas pode ser que era uns três ou quatro anos antes. dois ou três anos. Quem estava em tratativas com ele era Tomázia Alexandre
Depois da morte dele teve urna irmã que sonhava de vez em quando com Coelho. Praça da Serra, Montenegro, RS.
ele. Ele dizia que era para ir lá tirar. Até mandou pedir para mim, 'pra modi' O Satumino Alexandre veio um dia lá em casa. Dizia ele que era pra modi
nós ir lá e tirar. Fornos, mas nunca pudemos tirar nada. Agora são mais de eu e ele ir lá tirar o tesouro que o falecido José tinha ido lá falar com ele
vinte anos que não vou mais lá. urna noite, abriu urna janela do quarto dele e fãlou com ele. Dizia que antes
Indicações do lugar: a gente subia pelo regato 'lue desce do Morro da de entrar no mato, ao sair do rio, nós tinha que rezar um rosário e acender
Igreja, Janela Furada. Ficava na parte da esquerda. A direita, daqui para lá, urna vela. Rezemos o rosário. Mas aí saltou urna pedra de lá de cima e viemos
fica a Janela Furada e à esquerda fica o local. Bem mais para baixo da Janela embora.
Furada. Apenas uns cento e cinqüenta metros de altura depois da vargem. Quando o José morava conosco ele mandava abrir ajanela e indicava: - Olha
Tem urna cascata alta por aí. Desviamos o rio da Janela Furada e pegamos cunhada, é lá assim, entremeio àquelas pedras, e aquela outra, perto da aroeira
um arroio da esquerda. Nem é bem pelo arroio. Na barra do arroio com a bOnita que tem lá. Me mostrava certinho onde era o local, mais ou ~enos.
Janela Furada nós tinha que subir, uns cem metros depois no lugar que ele Seu Juvêncio continua: - Estávamos lá no mato procurando, a fim daquilo
dizia ter visto urna escada. Já é perau. Mas ainda tem lugar bom de andar. que ele tinha me dito, e começou o grande incêndio da Serra. Começou o
Tinha um mato bonito lá. O mato ainda se acha lá, só não se acha aquela fogo lá em cima, na boca da Serra e já rolou pedras para baixo. Nós estávamos
grutinha. lá no mato. Tivemos que sair por isso. Ficamos mais de um mês sem ir lá,
Aquela grutinha, a mesma parede era feita de prata, ele dizia, não era por causa do fogo. Quando acalmou tudo, nós fornos. Mas estava muito e muito
de ouro. Um pouco coberta de limo, mas era branca, não era amarela. Mas mudado, por causa do fogo. Queimou o mato, depois caiu toda aquela barreirada
não botou a mão em nada lá. para baixo ... Atrapalhou muito aquele negócio lá. .
Às vezes quando a gente pedia para ele trabalhar ele dizia: - Eu, pra Deve ter sido por volta de 1952.
modi viver não preciso de trabalhar. Eu posso tratar de vocês e mais oito Nós morávamos logo embaixo, na Cabriúva. Então, nós estávamos procu-
irmãos aí. Eu tenho muita coisa mais que trabalhar. Sempre dizia, mas nós rando aqueles tesouros que meu irmão tinha me dito lá. Estávamos no mato.
não pegava o que era. Até pousamos lá. Virou queimar em cima da serra e virou descer o fogo para
Para ver esse lugar tenho informações que veio gente até do Rio Grande. baixo. Tivemos que abandonar o perau lá, e deixar de procurar por causa do
Vinham com aparelho, para ir lá tirar aquilo lá. O Nico Macalossi foi com fogo. O fogo começou porque queimava o campo, no mês de agosto. Deu
um deles. O Manuel, meu irmão, estava para ir ou foi com eles. O Meni um minuano e desceu para baixo. Era seca. O rio estava todo seco. Queimou
Debiase sabe muito disto, porque morava lá perto, também. até na vargem, aí perto de minha casa. Chegamos a trabalhar até trinta ou
Um dia eu estava na casa do América Amaral. Aí ele disse: - Tem um quarenta homens para fàzer o aceiro, para o fogo não vir estragar as lavouras.
guardado de meu bisavô aí nessa costa, num peralzinho, ali. Se quiserem procurar Mas o fogo invadiu até as roças onde eu morava. Eu tinha urna para uns dois
podem tirar para vocês. sacos de milho e toda derrubada, e não queria queimar porque estava aind~
Fomos lá um dia. Eu, o Virgílio Alberton e o Flávio Lebarbenchon. Era verde. Mas pulou o fogo e queimou tudo. Queimou bem, queimou até demais.
urna noite muito fria, de garoa. Aí levamos um aparelhinh~que indicava perto Estragou até o terreno de tanto que queimou. A serra ia queimando parelha.
de urna pedra. Viramos urnas pedras, mexemos em outras. Aí deram urna Tinha o Ivo Pimentel, dono da serraria com os Mazon, o Ângelo e o Luís,
pedrada. De assustar. Não sabemos quem atirou. Nunca mais fornos lá. pagou muitos camaradas para fãzer aceiro para que o fogo não entrasse na
A senhora Francisca, esposa do seu Juvêncio nos conta a seguinte história: mata deles, ali onde é do Luís Crozetta e dos Offmann. Trabalhamos muito
_ Minha cunhada estava doente. Ela sonhava com os dois irmãos que tinham tempo para fàzer aquele aceiro embaixo do morro, catando aquelas folhas do
falecido, o José e a Regina. Com aquilo sofreu muito. Ela sonhava que ele mato. Mas aquilo quando veio, não cercou nada. Agora!. .. Onde não tinha
indicava aquele achado. Que devia ir lá buscar aquilo para ver se aliviava ele, o que queimar, vai, mas onde tinha o que queimar, queimou tudo ... Nos

70 71
peraus da Serra estragou toda a madeira. Embaixo só passou de leve.
Aquilo clareava mais de noite que de dia. Durou quase um mês. Tratávamos
de acudir as casas. Aqueles tocos que estavam secos no meio dos potreiros
queimavam também. Noite inteira cuidando das casas e paióis de milho. Era .
terreno novo, muito toco. Minha casinha estava no meio de coivara nova. Pulava
faísca e queimava. Caía muita faísca. Pulava fogo de uma serra para outra.
Na Boa Vista queimou uma casa. Minador, Janela Furada, Rio Hipólito, queimou
tudo, passou a Serra do Doze ... Nós não tinha tempo de pensar em histórias.
Era preciso tentar salvar o que desse. Não foi fácil, viu. Foi feio, meio ... De
noite, daí onde nós estávamos dava de ler uma carta, da claridão que vinha
da Serra tudo ao redor de nós. Era mais claro que o dia. Porque de dia
vinha o vento nordeste e tocava a fumaça, recostava de baixo da serra e ficava
brusco. De noite o fogo véio clareava tudo. Clareava mesmo que era uma
coisa. Era uma coisa. . .. Dava de desanimar da vida, aquela vez. Dava medo
de ver. Parece que o mundo ia se acabar em fogo. Aquelas madeiras estavam
tudo secas, em riba daquelas pedreiras, por que a seca foi muita, aquilo quando
queimava os peraus queimava até na laje. Aí cortava as raízes dos troncos
que despencavam para baixo. Formava aquelas barreiras. .. com madeirama
e tudo atulhava aquelas grotas tudo. Aí o fogo vinha até aqui embaixo. Aquela
faisqueira, de noite ...
Aquele guardado, de que estávamos falando, quando acalmou tudo, fomos
lá. Agora! Aquilo estava tudo diferente. Não tinha nem mais lugar para subir.
Ficou muito sacrlflcoso para ir lá.
Os bichos que não puderam fugir, morreram. Os que trepavam nas árvores
ficaram queimados também. Até jacutinga encontramos morta perto de casa,
sapecada pelo fogo. Macuco vinha tudo para a beira do rio para baixo. Veado,
tatete, desciam para perto da roça.
Finalmente, lá pelo dia quinze de setembro, começou chover.
Graças a Deus! Oração, imagina se fazia!
Em nosso lugar não morreu ninguém, nem soube que tenha morrido em
outra parte.
Queimou quantidade imensa de madeira. Os peraus todos ficaram sem nada.
Queimou tudo até a beirada do rio. Vinha aqueles tocos incendiados, aquelas
barreiras com fogo e incendiava tudo também cá embaixo. Vale utilizado para passagem dos Tropeiros, Orleans. se.
Nós cercamos um mato que tinha lá. Agoral Vinha para baixo aqueles paus (Foto Evandro Rodrigues)
podres. .. O aceiro já estava na recosta. Aí mesmo que não respeitava. Estáva-
mos fazendo o aceiro cá na frente e já estava queimado lá embaixo. Aí deixamos
queimar.
A gente falava de tudo: que era castigo, que era o fim do mundo.
O dono da serraria chegou a prometer, que se acalmasse o fogo colocaria
uma santa numa gruta, numa capelinha. A igrejinha está lá.
Quanto aos bugres, antes de encontrá-los definitivamente nós estávamos
fazendo uma coivara de milho lá no meio do mato. Aí ouvimos uns pios. Eu

72
73
'disse: ~ Hoje à noite vou matar macucos. Aí o pai disse assim: - Os Índios Foi a coisa mais séria. Era um rolo de água, lodo, pedras e madeiras que
estão aí perto. Tavam quebrando taquara hoje ali. .. - Mas eu vou a mesma vinham ... Onde passou acabou com tudo. Os que se salvaram da família do
coisa. Eles não fazem nada. Aí peguei uma espingardinha pica-pau e desci Neco França ficaram da banda de lá do rio sem comestível nenhum. Ficaram
um barranco assim e subi outro lado. e fiquei escutando ali, bater asas. Fui três dias sem comer e sem beber. Não dava de ninguém varar o rio. Tinha
lá. Peguei-lhe fogo. Quando o macuco caiu embaixo eu já estava pegando. uns cinqüenta homens do lado de d. Aí inventamos de colocar uma vara atraves-
Mas o índio chegou e tocou-lhe os ombros em mim, me levou embrulhado sada sobre uma correnteza mais estreita. Jogamos uma laça e eles firmaram
mais ou menos uns trinta metros no meio das maricagê.bananas. Deixei a espin- na banda de lá. Varava muita água por cima da vara, e nenhum não tinha
garda cair. Aí ele me largou. A muito custo pude encontrar a espingarda. coragem de atravessar. Eu agarrei e trouxe todos eles nas costas, para o lado
Subi um barranco que tinha lá, mas mal consegui, porque as pernas estavam de cá. Tinha uns dez mais ou menos.
tão moles que não conseguia mais chegar na coivara queimada. Aquela vez também passamos uma tragédia. Barbaridade ...
Por uns dias não fui mais lá. Na enchente de 74 também parecia o fim do mundo. Aqui parecia que
Eles tinham pegado os bugres dois dias antes. Aí eu fui lá visitá-los com o mundo ia virar em água. A água ia subindo e carregando tudo. Fiquei atacado
uma turma de gente. Chegamos lá e o velho veio e me abraçava e me apertava de nervos. Carregou as roças todas, cercas ...
e batia nas costas. .. Eu já com medo do homem ... Aí perguntei pro índio Serranos comerciavam muito com o Jocondo Crozetta, em -Três Barras,
manso: - Ah, é porque ele é teu amigo, tu caçavas para ele. Uma com Jaques Comelli em Curral Falso e com Luís Mazon em Brusque. Naquela
vez roubaram um boizinho noss(Y,que estava lá num terreno que era do João vez o charque abobava ... Eu puxava de carro de boi para Orleans. Em três
Ramiro. Desconfiamos que fossem eles, porque não havia onde nós não tivesse dias eu ia e voltava. Eu era carreteiro do Jocondo. Éramos seis ou sete carreteiros.
procurado. Aí encontramos o pêlo dele no rancho. Porque eles pelam, como Quarenta arrobas era a nossa carga. Charque era embalado em sacaria: Descar-
nós pelamos os porcos. Parece que eles botam cinza quente por cima... regava no Edmundo, no João Ramiro e no Pedro Tamanqueiro. Ganhava sete
Pelo pouco movimento nós sabíamos que eram poucos. ou oito mil-réis por viagem.
Antes, nós tínhamos sabido que o Afonso Machado, com a polícia, tinha Ia-se muito a pé a Orleans. Num dia nós ia e voltava. Mas era andar o
matado um grupo grande de bugres aqui no Rio da Escada, cabeceira do rio dia inteiro. Em Três Barras, comerciante era o Batista Macalozzi que passou
Hipólito. Os índios estavam roubando muito gado dos serranos. Vieram em para o Jocondo. Isto por volta de 1938. No morro do cemitério já havia capelinha.
contra com a polícia de São Joaquim. Quando não tinha outro frete puxamos dormentes, dez ou doze por vez.
De outras caçadas não sei. Aí no Rio dos Bugres, pra lá de Urubici devem Eram mais finos um pouco do que os de agora.
ter matado bastante ... .
:::
Outros que mataram muitos índios foram o João Domingos e o Zé Domingos. .
Conheci eles nas Três Barras. Vinham visitar as irmãs deles ali. 10 - ROTEIRO DA MINA DE ARZÃO
Lá no rancho dos índios nós vimos três ou quatro balainhos de mel. Mas Cedido por Vitmino Heinzen
são uns bichos muito porco! Só espalhavam as cinzas e dormiam em riba deles.
A pulga ali era fora de série. Não dava nem de entrar dentro do rancho. A ,,R oteiro da mina de prata de Antônio Marques de Anão: Roteiro
velhinha estava lá, entrevada das pernas. Tinha um macaco e um coatizinho. explicativo e demonstrativo da mina de prata do Itajaó, de Antônio
Então viraram a chorar perto da velhinha. Aí a velha pegava um balainho, Marques de Arzão. Partindo da antiga Vila de Lages, rumo leste,
enchia a boca de mel. Aí vinha o coatizinho de um lado da boca e o macaquinho a nordeste, um grau e meio, ao norte em cinco graus, seguindo junto à Serra
do outro e ficavam chupando. Geral na distância de 9 milhas, deve-se encontrar um morro, de cima do qual
Enchente pavorosa deu-se há vinte e dois anos atrás, por volta de 1958. se avista o Itajaó, na distância de 18 léguas, que de longe aparece figura inca
Estávamos numa festa na Brusca, de São Sebastião. O tempo lá para as Três de uma marmita, e de perto é um grande morro todo cravado, de pouca ou
Barras estava numa escuridão muito feia. Uma irmã minha pediu para que nenhuma pista. Ele parece quase regular a figura de um oitão de casa. Para
partíssemos antes de chuva. Montamos a cavalo e saímos. Quando chegamos, se subir em cima da montanha, só pela frente do leste. Da coma dela se avistará
no potreiro vinha rolando madeiras e pedras, vinha um rolo. Logo ficamos o mar, e as praias da Laguna, Campos de Lages e da Vacaria e cordilheiras
"
cercados de água. Era gado a nado, era porco pequeno, tudo a nado. de serras elegantes. Ainda deve haver uma estrada que parece ser feia, estreita,
Veio uma barreira e pegou a familia do Neco França e pegou a casa e escura. Está em um lugar claro, alegre e bonito, onde tem três degraus cortados
gente e carregou. Uma moça e dois rapazes morreram. Um foi depois achado na pedra, na distância de braça em braça.
na Brusca e outro no Curral Falso. Outro nem mais foi achado. Antônio Marques de Arzão declara que todas as águas se despedem para

74 75
a marinha e que a face da montanha. pelo oeste há uma forquilheta. e o ponto
da mina é ali perto. E ali perto deve se encontrar uma lagoeta de águas esverdea-
das. Dado mostras de todos os terrenos. porém a mina fica entre Lages e
Laguna. resguardada pelas coincidências entre duas montanhas. uma chata e
outra aguda.' Procura pelo ponto de entrada de cima para baixo. mais dificultoso
e fica para o poente do sol e a montanha tem figura de um chapéu".
Ass. ANTÔNIO MARQUES DE ARZÃO

Há uma nota: "Em 1787 foi iniciada a construção do caminho São José
a Lages. Um dos encarregados da obra era o Capitão Antônio Marques de
Arzão. que em 1792 obteve uma sesmaria de terras de 3 léguas por uma.
num lugar denominado Bom Retiro. onde descobrira vastos campos. tendo-lhe
sid9 concedido pelo regente da Vilade Lages. Capitão-mor Bento Amaral Gurgel.
que sucedera a Correia Pinto".
Há por aí uma carta de um fiscal da Prefeitura de Porto Alegre. que andou
procurando o tesouro do Morro da Igreja. tendo em mão outros roteiros. além
PARTE m
desse que estava escrito em castelhano.
Nota: não acabam aqui as notícias sobre o grande tesouro do Morro da
Igreja. Vão reaparecer nas entrevistas que se seguem com regular freqüência.
Talvez estejam lá as pedras que faltam na composição de seu roteiro. E há
outros tesouros. ali. à mão!

SERRA MISTERIOSA

76
1- VIRGÍLIO ALBERTON
"A qui perto do Cortume diz que tem um dinheiro enterrado lá. Nos
convidaram para ir lá, porque tínhamos o aparelho. Fomos lá, perto
de um toco de laranjeira seco. Era mais de uma meia-noite. Aí
apareceu uma mula. Mas acho que era mula mesmo. Desistimos e viemos
embora. Mas acredito que era defeito do aparelho, que não acusava metal
nenhum. Nunca acusou nada. Só se passasse perto de um ferro meio grosso,
por cima da terra. aí acusava.
Uma vez fomos lá no rio Facão, no Rio dos Bugres, procurar um dinheiro
que estaria enterrado lá. Era meia-noite e nós estávamos cavando. Estávamos
cavando, e lá sim, uma tropa de mulas! O falecido Virgínia Brighenti estava
junto, porque era lá na serraria do Gregório. Aí todo mundo correu. O aparelho
também ficou lá. Descemos o perau, que estava perto da serraria. Diz que
ao cabo de três dias O dono do terreno foi lá cavar e achou um metro mais
adiante de onde nós cavamos. Dizem que era dinheiro de ouro. As mulas
que todos ouvimos era uma tropa, tal e qual. Parecia que vinha o cavaleiro
junto, o cincerro tocando, como no tempo em que o serrano descia a serra.
Fomos olhar, e se via que era sombra de mula, e não era. Corremos. Olliamos
bem. E olha, cachaça não se tomava quando íamos procurar aquelas coisas!
Ouvimos mulas, ouvimos o barulhão que vinha de mulas. Mas as mulas não
vimos. E o cincerro vinha batendo. O João Bonetto estava junto dessa vez.
Ouviu os barulhos também.
Estávamos caçando lá na serra. Estávamos eu, o Afonso, e um filho meu,
mais o Roberto, outro irmão meu. Estávamos dentro de um rancho em que
não morava mais ninguém há uns quatro ou cinco anos. Era a fazenda do
Oliveira Paulo. Isto há uns dez anos, em 1971. Pelas quatro horas, O Afonso
levantou, para fazer fogo para fazer café e logo soltar os cachorros, cedo, no
Vak recorlado pela Serra Geral- Gabriú"a - Orkans, se. veado.
(Foto Etandro Rodrigues)
Naquilo ele chamou: - Venham ver que tocha de fogo que vem por cima
dos pinheiros. Eu não levantei. Mas os outros foram. A tocha caiu bem pertinho
da casa numa baixada. Daí saímos de manhã cedo, e fomos soltar os cachorros.

78 79
Corremos um veado e matamos. De noite, voltamos para o rancho. M contei lá dentro. Mas lá perto dizia que tinha dinheiro guardado. Um morador de
que os caçadores de Urussanga, os De Brida, que caçam muito por esses lados lá. sempre .via um~ pessoa que saia de trás de umas madeiras que tinha lá
pousavam aqui. Uma vez, quando chegou meia-noite, tiveram que sair e ir e Ia até o no e do no voltava e sumia. '
para o carro porque não dava mais de agúentar aqui, porque vinha uma tropa Eu nunca fui lá.
de cavalos e homens laçando e porco gritando. Parecia que derrubavam até ?m caso, isso foi em 1940. Tinha um que morava no Rio Carlota. E lá
o rancho. - Então não vamos pousar lá - E onde é que vamos pousar? ha.vl~ uma chácara muito antiga, dos russos, de gente que de certo veio da
Pousamos. De manhã cedo o Manso foi lá na beira do rio e o bicho avançou RUSSIa.
nele. Que bicho? Era zorrilho que avançou, e pega e pega... Gritou que llie Caç~vamos arac.uã. Eu não consegui caçar nenhuma e meu companheiro
levássemos a espingarda. Meu liJho levou. Deu um tiro e matou. Mas deixa caçou cmc,?' NaqUIlo apareceu um gemido, no cimo de uma laranjeira. Ai
estar que atrás do bicho veio um leão. Era um leão que andava por ali comendo ele d,sse: Se está em cima, pode cair", Aquilo ali desceu para baixo e era
as ovellias. a Afonso viu-se mal. Já tinha descarregado a arma e chamou. M um porco que and~va... Virou-se: um porco que andava assim... pelas beira-
ele gritou: soltem os cachorros. E nos atacamos atrás. Mas o leão desceu o das, que me arrepIOu tudo. Nunca corri de medo, mas naquele dia corremos
perau e não pudemos caçá-lo. todos. Ele vinha gritando e vinha roncando, parecia um porco meio mal N-
at.tramas ne Ie. '" ao
Há uns oito anos matamos um leão. Até vendemos o couro para um alemão
que morava lá na Alemanha mesmo. Lá, muita gente correu. No tempo que passava com o carro de boi vinh
a zorrillio tinha atacado bem. É bicho brabo. Já tinha rasgado a bota do de nOi:e, v!am muitas vezes uma pessoa vestida de branco em cima do barran~:
Manso. Do cheiro, nós corremos. a Manso tinha assado salame e churrasco. Os bOIS~ao passavam. Antes de sair aquele assombro os bois não passavam.
Fomos obrigados a pegar tudo e nos escapar de lá. Isto n~ RIOCarlota bem em cima do morro, onde morava o Guilherme Balod.
Veio o Alberton, lá do Rio Belo. Ele veio nos convidar para ir cavar um D,zem que quem achou aquilo lá foi o Paulo Antunes.
dinheiro lá no Rio Novo, perto da Igreja dos Russos. Fomos lá tirar. Ficamos Aq~i no pontillião _dos Dalazen, aqui embaixo do morro, a polícia teve
olliando para ver se vinham os russos de um lado ou do outro. Porque tinha que eUl?ar porque senao o pessoal derrubava até a ponte, de tanto cavar.
que cavar num cepo de canela que havia na beira da estrada. a aparellio E lá, d,zem que tinha dinheiro. Esse dinheiro era de um antigo espanhol
não acusava nada. Mas o.Alberton insistia que tinha sonhado, bem aí. Cavamos que enterrou aquele dinheiro lá. Ele morreu. Escavaram muito. Se alguém
achou, ..
até umas horas da noite. M passou um grupo de rapazes que vinham a um
baile aqui no Rio Belo. Mas quando deram com quem estava cavando, correram Hoje passei por lá e vi que o trator tinha revirado aquilo tudo. Me lembrei
de volta. M viram que eu vinha saindo da capoeira, porque pensava que eles que o dinheiro poderia estar lá embaixo daquela coisa removida.
tinham passado. Se assustaram de mim e voltaram e não se arriscaram a passar A~ui no Ranchinho, na curva da Santinha, há numa pedra, onde tem uma
por aqueles que estavam cavando. Cavamos mais, mas nada achamos. figueIra, lá eles ac~am que tem dinheiro enterrado também. Porque a maioria
No Morro do Velhinho, fomos caçar tatu, de noite, eu, o Samuel Belt, do povo sempre ve uma aparência no meio da estrada. Lá enxergam sempre
o Manso, em três. Apareceu um bicho que batia as orellias como um burro. uma pessoa que sai do mato e atravessa a estrada e não deixa a gente passar.
a Samuel, já com medo. Eu não lava com medo, mas também não com muita Teve gente. que ~oltou para trás. a Paulo, do Estevão Pinter, voltou para
trás uma nOIte. VIUuma coisa meio feia lá e voltou.
coragem de ficar lá. a Manso, com medo Iambém. Naquilo saiu o Ialu. Nós
matamos o tatu. Viemos descendo o morro. E o bicho sempre na frente. M ~o Abram~, pai do seu Raulino, conta-se esta. Quando ele veio morar
o Manso mirou o rumo do barullio e atirou. a bicho, era um bicho mesmo, no Rio Belo, lInha poucos amigos aqui. Por isso de domingo preferia encilhar
correu, deu uma volta por trás e foi vindo atrás de nós, até a saída do mato. a ~ula e tocar.-se para o Rio Pinheiros, onde encontrava os amigos para um
Naquela vez passamos trabalho. Era um leão, pelo tamanho, era um leão. amIstoso de b~sca. Pois ele passava diante da curva em que mais tarde se
Não vimos, mas quebravá as Iaquaras, do jeito de um bicho grande. E de colocou ~ Santmha. Numa noite de luar, vinha voltando, quando a mula deu
vez em quando batia as orelliascomo um burro.
.• em empmar as orelhas, depois de diminuir o passo, depois parar. Era ali,
a po~cos metros da ~urva famosa. De futo lá adiante via-se algo que se movia
a Morro do Velhinho é o morro que está entre o Minador e a Janela -. rel.uzmdo. A mula VIa, ele via. Uma pistolinha na cinta deu-llie coragem de
Furada.
chlCo:ear a mula, e esta receosa, foi se aproximando, passo a passo. A coisa
Tinha uma cova de tatu misteriosa. Aqui bem perto onde era a serraria
reluZIa mesmo. E se movia. Mas simplesmente eram as follias novas do caelé
do Francisco Machado, que era a antiga Cabriúva. refletindo o brillio do luar.
Lá tinha uma toca de Ialu. Ia ver, achava que tinha talu que barulliava Lá para baixo da igreja do Rio Pinheiros, um meio-quilômetro, meu pai

HO HI
. h do uma noite. Tinha lá uma caneleira fista. Sob ela, diziam que cendo mais. De vez em quando a pá dava um risco e aparecia aquele brilho
'Ir< a passan , . I . h d
. . m d,'nheiro enterrado à beira.do rio. Nessa nOIte e e vm a a casa do ouro. Ah, acertamos em cima da moscal Bem. para encurtar; era um tacho
"aVia u I bé
. t' Man"a viu um menino baixinho atravessando a ponte. E e tam m estava
dala de cobre, desses de cozinhar batatas. Deve ter ficado estragado, atirado 'por
, .. I d
atravessando a mesma ponte, mas a figurinha não pernllha COocan o-se sempre aí. A água foi trazendo detrítos e areia. Cobriu. Um tacho de cozinhar bata-
na frente. Aí tirou de uma espada, que eu ainda conservo, e deu duas ou ta-doce.
três facadas para atorar no meio. E não fazia nada. Esse dito desceu no m.esmo Tem outra história referente ao príncipe russo. Sempre me interessei em
lugar onde se suspeitava que existia o dinheiro. E deve estar lá até hOJe, se procurar. Afinal, se está lá, é da família. Convidei o Bepi Crema, que também
a enchente não carregou. é meio picareta nessas coisas. Num dia, de noite, fomos lá. Cavamos de rneia-
Eu estava na Gaúcha, puxando madeira. Falando com um morador. que noite, à uma da madrugada. Isto lá nas imediações da lagoa. Tomamos um
uilômetro para cá de Bom Jardim, ele me disse que suspeitava baita suadouro, mas não vimos sinal nenhum. Meu pai também procurou bas-
mora um q dinh .
que eu estivesse procurando aquilo mesmo que ~leprocurava: um erro tante.
que estaria sob um pinheiro perto da cascata, hOJe h.,msform~da em r,:"",,~o Falava-se muito de um guardado aí na Barra do Rio Belo. Foi muito cavado
turístico. E me dizia que tinha sonhado, mesmo depoIs de ter Ido cavar m~til- nas imediações da casa de meu avô. Aí morou o Nicolau Becker e foi muito
essoa aparecia e dizia que devia ser procurado pelo lado de CIma perseguido, à noite, por sonhos e pela visão viva da pessoa. Uma vez foi cavar
men t e. A P . h' N d .
onde houvesse uma tapa feita a machado no tronco do pm elro. a a maIS com outras pessoas. Viu a visão caminhando por cima da água. Esmoreceu
soube". e teve que ser carregado para casa. O tesouro foi muito procurado nos alicerces
do pontilhão da estrada de ferro."
O russo do qual se fala que teria escondido um tesouro foi de Cato uma
2- JOSÉ FERNANDES pessoa bastante bem sucedida, na vila em Orleans: teve ferraria, tafona: engenho
02 de fevereiro de 1981 de farinha. Pelos objetos que o Zé Diabo conserva, vê-se que na Europa deve
ter sido pessoa bastante instruída. De lá trouxe bússola, luneta, lupa, uma
"V ou falar de um tesouro qu~ foi guardado po~ meus antep~sados cafeteira esmaltada, uma bíblia em alemão. Tinha um belo relógio de parede
ali nas imediações do atual Museu ao Ar LIvre. Meu avo era o e mil coisas que foram dispersas.
João Russo, da Letônia. Falava-se e fala-se até hoje, que e~e Mais vezes constatamos que o genro dele também estava convencido de
teria enterrado muita coisa por trás do morro onde estava a antena da RádIO que ele teria guardado dinheiro perto do banhado de propriedade -atual dos
Guarujá. Há uma lagoa, um banhado lá. Muitas vezes estive nesse local com Bússolos e do Seminário. Muitos escavaram pOr ali. ".
pessoas que também sabiam de alguma coisa. Mas não enc~ntramos nada. Os De resto, a tradição mais sólida não o dá como príncipe nem como pessoa
aparelhos registravam, mas lá é tudo pedra-ferro. Na famílIa se falo~ que ele rica ao chegar. Aliás deve ter chegado, de início, à Colônia Mãe Luzia. Depois
talvez era de sangue azul. Mas o comentário muito grande, desde antigamente, deve ter-se internado no sertão de Orleans para os lados de Brusque. A riqueza,
era de que ele teria escondido lá algo. se teve, lhe adveio depois. De onde surgiu a lenda do tesouro? E as tais
Ouvi falar de umas letras gravadas em pedra. Quando eu era criança. Pedra- das letras gravadas numa tampa de cimento? Seria a tampa de um recipiente
ferro é uma afIoração estranha em meio a terrenos de areião. Nunca vislumbrei onde guardou arcas de dinheiro? Ou teria guardado, sim, mas apenas relativa-
algo que indicasse um guardado. Ali estaria um cabedal, um tesouro, dentro mente modestas economias em moedas, que talvez não tenham mais valor
de uma arca. Nunca achamos nada. atualmente? Uma das filhas, Alvina, não pode ser considerada testemunha muito
Sempre gostei muito de procurar essas coisas. Há uns três anos fui .em segura devido a seus problemas de saúde. Mas afirma que qualquer coisa disto
busca de um amigo meu de Urussanga. Ele tem um aparelho de localIZar se falava na família. Não consultamos a outra filha.
esses negócios. Uma terceira pessoa afirmava que entre Vila Nova e o Barracão, Continua o José Fernandes, escultor na rocha do paredão de Orleans, mais
num local determinado, tinha uma panela enterrada. Fomos lá. O aparelho conhecido pelo nome artístico de Zé Diabo:
começou a acusar. Mas não seria nem oJro nem prata. Em dado momento, - Falou-se muito, e veio gente do Rio de Janeiro em busca de algo que
porém a pá resvalou num objeto que soltou um brilho dourado. Eu também estaria escondido nos alicerces da primeira igreja de Orleans. Ficaram desilu-
me as~ustei. Vai ver que o danado do aparelho desta vez nos quis lograr e didos quando foram informados que a igreja fora demolida e que os alicerces
não acusou esse ouro que está aI1O rapaz que sonhava ficou mal, ficou verde, da atual capelinha eram outros. Eu me lembro que foi muito cavado no piso,
ficou branco e desmaiou de susto. Enquanto eles atendiam o rapaz eu continuei nas calçadas aí ao redor. Se foi encontrado, não posso afirmar. Que foi procurado,
cavando. Não era fundo. Apenas uns 60 centímetros. Aquele objeto ficou apare- foi.

83
Quanto ao paredão de Orleans, fala-se que apareciam fantasmas. Era um . De casas assombradas fulava-se certa época da antiga fábrica de banha dos
lugar muito escuro e muito propício a criar medo na gente. Quem, para evitar P,~hos, na descida do Hotel Brasil. Aquilo serviu de prisão em certa época.
de passar pela cidade, quisesse ir pela estrada de ferro, à noite, precisava DIZque ~parecia um fantasma que ia estrangulando presos. Mas estava lá preso,
ter muita coragem. um negrao valente, o Pedro Dico. Aí apareceu o tal do funtasma. Pois, ganhou
Seu José Motta, morador das imediações: conta que um vizinho seu, o uma surra do negrão.
fulecido João Feldmann, imigrante da Letônia, russo para os orleanenses, sempre . Sohre o e.scondido do Russo ainda um caso: havia uma lagoa lá de água
lhe falava que no paredão havia um escondido. Haveria uma pedra móvel a limpa, d~ malS de melro de fundura. Uma noite em que meu pai estava por
ocultar preciosa quantia de moedas de ouro. Muitos já andaram vasculhando lá .com d,versos outros, quando olharam, viram um vulto com barba grandiosa,
aquilo. E eu mesmo já pensei de estar próximo a uma descoherta, diante dos s~mdo de dentro da água. Bem, esse não podia ser meu avô, porque não
indícios muito certos de locais e letras que ali se encontram gravadas. tinha barba. Correram, todos assombrados. Foi um pisar de mandioca que
. Um servente que trabalhava comigo contou que a mulher estava sonhando deu prejuízo grande na roça novai
seguido com um soldado que lhe indicava que, sob a árvore onde lavava roupa, Havia duas moradias lá perto. O Mané Pedro morou muito tempo por
havia uma garrafa contendo 42 contos de réis. lá. Jango Bonito foi outro que morou por lá. O falecido Antônio Silva que
A visão se referia ao rio Belo. Um dia que foram pescar por lá a mulher morava na casa que hoje é do agregado do Seminário, tinha muito conhecimento
disse: a árvore não está mais lá, mas o cepo é esse. destas ocorrências e histórias, aparências e assomhrações. O tllho dele o Neco
Uma noite fomos lá. Um cavava e outro ficava controlando o movimento ou Manuel, deve lembrar muito." ,
da estrada. Mais fundo começou a aparecer um lodo. O rapaz, em certo momento,
desceu com a mão na lama. Qual não foi seu espanto ao retirar a mão e vê-la
com estrias douradas. "Tamos feitos, seu Zé! Batemos no ouro", Era meia- 3 - JACÓ PICKLER
noite, escuro, garoando. Aquilo brilhava. Aí acendemos uma lanterna: eram
uns vermes muito finos, que emitiam fosforescência ... "Q uero contar uma mentira ~ue deu grande falatório por aí. Numa
Do Morro da Igreja, que eu só vi de cima, certa vez em que fui visitar época em que, de fora, mnguém conseguia chumbo e estanho
meu cunhado, dizem que há lá o grande tesouro da nação dos guaranis. . eu comecei a apres~ntar para os amigos barras que eu mesm~
Ouvi falar que na Boa Vista há um certo local em que há uma grota acima fu~dla. De onde? .~h, segredo! E uma mina que eu encontrei por aí. Uma
do nível do rio, uma grota parecida com um olho. Lá dentro, um dos primeiros mma de estanho. Seu Pi~!der encontrou minério de estanho na serra! Esta
capelães ou o pai dele, deve ter escondido duas arrohas de moedas de prata. serra lem de tudo mesmo! Era um estanho que dava meio duro só soldava
Quando trabalhei na Igreja de Rio Pinheiros e dirigi a reforma dela, muito com ferro bem quente, com bastante ácido. "Eu não conto para nidguém:
se falou de algo escondiclo sob o altar ou sob as pedras ... no túmulo do Pe. Quando. eu tiver tirado um pouco bastante e eu aborrecer, então eu vou contar."
Vitório Pozzo eles têm a certeza que foram depositados muitos objetos que Mas. deIXa que um dia eu estava na barbearia lá no Zé Costa. Até ele veio
lhe pertenciam ao morrer. Por isso que não deixam reformar. pedmdo que eu revelasse o segredo. E a história foi correndo ... Eu tinha
Famoso era antigamente o caso do Morro do Gato. Gente que passava descoberto minha mina, mas eram as baterias velhas que então começavam
pela velha capela ouvia barulhos, correntes, galo cantando. .. Haveria lá uma a aparecer.
pedra com marca de ferradura. Veio gente de Porto Alegre dizendo que tinha U?,a outra brincadeira igual é a história de que eu teria encontrado uma
sonhado ... E parece que levaram um escondido que estava lá. panelmha de moedas de ouro ao fazer escavações para um paiol. Isto eram
Do paredão das esculturas contam de diversas assombrações: meu irmão peças que." gente ?legava nos amigos, para a gente rir depois IEu linha arrendado
conta que um dia quis atalhar por ali. Era tarde da noite. Quando passou uma olana no Rio Belo. Seu Arino e outros trabalhavam para mim. Aí de
por uma gruta que tem lá, saiu de lá um vulto preto, parecido com um padre futo acha~os u,?s talheres velhos: colher velha, laca velha. Aí disse para os
ou um serrano de capa, e se colocou no meio do trilho. Meu irmã~ voltou com?anhelros: Agora vamos dizer que achamos uma panela de dinheiro.
um pouco, mas depois decidiu enfrentar o personagem. Olhou para trás e E d:ga~ que eu peguei e não dei nada para vocêsl Vai ver que fofoca mais
ele já não estava lá. Quando se aproximou, novamente o homem de preto bomta!
barrando a estrada. Mais um volta e mais uma tentativa. Aí voltou e foi pela . ,um dia parti daqui com o "Pássaro Azul", empresa de São Paulo, que
cidade. Não contou a ninguém o ocorrido. Mas um dia um preto velho, Manuel VIajaVapara Porto Alegre. Eu levava um embrulho. Ah, todos souberam que
Pedro, contou o mesmo caso que lhe acontecera várias vezes. M meu irmão era O embr~lho do dinheiro que eu ia depositar em Porto Alegre. .
contou também. Se eu IIvesse achado dinheiro não estava aí batendo ferro, tocando uma

85
ferraria, aos 78 anos de idade!
Para soldar ferro nós tínhamos nosso sistema. Esquentávamos as duas pontas
até O ponto de fusão. Nesse ponto é preciso colocar areia porque o ferro então
derrete. Assim era que se soldava os aros das carretas, por exemplo. Para
ferrar a roda, esquenta-se todo o aro com fogo de carvão. Aí, ainda em brasa,
coloca-se na roda de madeira. Tem que ser rápido, senão queima muito. Então
esma-se com água. Aquilo se restringe e vai apertando a madeira. Eu fazia
muito também eram marcas de gado. Quando terminava, experimentava nas
portas. Meu pai também fez quantidade. Fazia freios e toda a ferramenta
que se usava e se precisava. Trabalhei em fundição, mas quando muito novo.
Aí fundia freios, esporas, guarnição de arreios. Era a fundição em cadinhos.
Forja a carvão. Meu pai trabalhava com fole. Um fole bom, tem três tábuas
e couros nos lados. Tinha uns dois metros de comprimento. Depois fomos
fazendo ventiladores. Tem um tipo que é feito com dois "8" de madeira. Não
era muito comum, mas havia.
Já ferrei muito cavalo. Mas deixei, porque tinha medo, era perigoso mesmo /
esse serviço. Trabalhei em Florianópolis. Aí, os cavalos da padaria, alltigamente,
eram ferrados de 15 em 15 dias. Os serranos ferravam muito pouco seus cavalos.
É que na serra o gado cavalar se cria com cascos duros. Aqui não, aqui o
casco é mole. Já vi ferrar bois. Eu nunca ferrei. Em Orleans todos ferravam
tanto as mulas como os cavalos. O Hammerschmidt ferrava muito> Eu fazia
ferros, mas não ferrava.
Para ferrar um cavalo, primeiro se tira o ferro gasto. Com a torquês endirei-
tava-se o pino dos pregos. Tira-se o ferro velho e aparelha-se O casco com
uma grosa ou um puxavante. Depois pregava-se o ferro. Às vezes o prego
pegava na parte viva e o animal saía dando pinotes e coices. Por isso ê perigoso
ferrar um animal. Os pregos de ferrar vinham de fora. Depois de fincado,
cortava-se a ponta do prego com torquês e rebatia-se, entortando para baixo.
Eram seis pregos cada ferro. Quer ver quando ferrava uma tropa inteira de
20 mulas!
Às vezes cravava-se almabiques. remendava-se. Ia na casa de um, de outro.
Cobre era soldado com um metal especial. Com metal solda cobre. Caldeiras
eram arrebitadas. Não havia solda antigamente.
Nunca tivemos torno.
Usava carvão de madeira. Usei pouco O carvão coque, o cardilf inglês. Usei
dos nossos aqui. Mas desses fica muito resíduo. Aquele sumia todo. .
Eu chegava a caldear dois mancais de 5 centímetros. Furava para colocar
um pino. Colocava-se as duas partes no fogo, juntas. Quando chegava ao ponto
de fusão colocava-se um pouco de areia. Com isto juntavam-se. Então batia-se
Paisagem da Serra Geral. Orleans. se. (Foto Ecandro Rodrigues)
com a marreta de um lado e do outro, no fogo mesmo. Soldava perfeitamente.
Depois endireitava na bigorna.
Trabalhei desde 1920. Dois anos em Lauro Müller e o resto a~ui. Não
tem um cruzeiro que um colono me ficasse devendo. Todos pagavam. As vezes
era fiado. Mas pagavam.

86
Já fiz serrão de engenho, na época da guerra. Pegava um trilho da estrada trás de um caixão que estava em frente ao curtume do Neco Pizwlatti, os
de ferro, dobrava em dois e caldeava fora a fora. Depois era no malho e no
dois sicários descansaram as winchester. O Jovelino estava conversando com
rebolo. É que antes vinha tudo da Alemanha.
o Ruano, irmão do Lulu, e outros. Quando o delegado saiu da casa de negócio,
Canhoto para serraria mandava para Tubarão para vergar e para tornear.
os dois atiraram e correram. Um era Manuel Inácio. Tinha sido criado por
Também o Pedro Genovês, de Pedrinhas, linha torno. Fazia qualquer coisa um parente dos Nunes. Mais tarde foi preso.
por lá.
Sempre houve profunda divisão de partidos. Cada um COmsua capangada
Ferreiros antigos foram: meu pai André Pickler, primeiro ferreiro da colônia pronta para o que desse e viesse. Isto aqui teve época que estava cheio de
Grão Pará, lá no Porto do Gravatal. Em Braço do Norte havia nos meus tempos
capanga armado. Revólver na cinta, mcáo... Pedro Amélio, Antonio Grande,
de guri o Ernesto França e depois o Matia Thisen. Em Grão Pará, para os
Sizinando, Ledu Jacaste, de Araranguá ... Tinha uma quantidade. Todos jagun-
lados de Cachorrinhos, havia o Leon Demay. No Rio Novo, havia Hammersch-
ços, todos capangas, mais o João Leão. Eles vinham engraxar o revólver na
midt. Um Leto colocou o primeiro malho tocado a água, perto da tafona da
minha oficina. Ultimamente tinha o Domingão. Mas esse era mansinho. Brabo
Barra do Rio Novo. Fazia enxadas e pás. Houve um russo que depois foi para
era só no papo. Tiroteios não houve. Mas tocaias houve. O Jovelino, uma
Urubici, que teve ferraria aqui na cidade. Um alemão vindo da Alemanha, vez, tinha matado um, na política, antes de 1920. Houve uma baderna e ele
também colocou uma ferraria com um torno grande, alemão. Esse ele vendeu atirou e matou.
para o russo Gustavo Brusch. Em Rio Maior havia um Mário, e mais adiante
Rodolfo Pinto Sampaio, a esse quem matou foi um soldado. Rodolfo Rufino
o Carlos Faber. Mais adiante ainda, o Jácomo Sartore. Em Urussanga havia era o delegado. Foi na sede do Conde d'Eu. Estavam jogando. O delegado
os Beliol. A Companhia Laje tinha ferraria própria. Mais tarde, por volta de
mandou um soldado subir no andar de cima "Estão jogando". "Vai lá prende
1945, houve a do Brusque. Depois ainda a do Curral Falso.
tudo e trás tudo". "Eu estou desarmado", diz o soldado. "Pega
Não havia molde para instrumentos. Era tudo a olho. A gente já linha o meu revólver". Foi lá e trouxe todos para fora na frente do Rodolfo Rufino.
o ritmo de fazer tudo. Fazia tudo calculado, o alvado, inclusive. Alvado é
Aí saiu o presidente do Clube. "Senhor Delegado, deixe. Há tão pouco
o olho da enxada. Fazia quantidade de dobradiças para portas e portões.
tempo começamos com o Clube. No 14jogam todo o dia e ninguém incomoda."
Trabalhei até os 78 anos, durante 65 anos.
"Eu mando aqui e mando lá". "Mas, seu delegado ... " "Está bem.
Vendi minha ferraria para São Ludgero, para os Biancos.
Se o soldado quiser dispensar ... " Eu até achei graça. Autoridade era ele
Eu já live oficina mecânica, aqui onde está o supermercado. Meu filho
e não o soldadol Aí dispensou esses todos. Aí mandou o soldado lá no 14.
Valter é mecânico.
Chegou e quis desarmar o Rodolfo Sampaio. Mas esse arrancou do revólver.
Sei muita coisa do tempo dos Nunes. Mas não gosto de contar. A cadeia
Então o soldado passou-lhe fogo. O Sampaio também atirou. Nisso tinha o
logo abaixo de minha casa. Era bem pequena. Sem reboco. Aqui é que chegou
gasômetro que se apagou. Apagou-se, ficaram no escuro. O soldado se prostrou
o tenente Souza Reis com um pelotão. Veio porque o Evaristo telegrafou ao atrás da meia-lua de passar comida. Tinha só mais uma bala. Foi quando alguém
governo. Eram 21 soldados. Cercaram os que puderam cercar. Outros correram, riscou um fósforo. Clareou um pouco e o soldado atirou".
largando armas, facas, punhais e facões. Uma parte ficou. Essa entrou no bolo.
Eu estava morando aqui mesmo. A palmatória cantou. Essa dava de ouvir.
De gritos não me lembro ... Um político de Palmeiras entrou no bolo e apanhou. 4 - GREGÓRIO BRIGHENTI
Foi o A1vinNunes, o Celeste Ghisoni, o Artur Paegle, esse que linha o malho
no Rio Novo, o Neco Pizzolatti. O Galdino Guedes, em vez, conseguiu fugir. 16 de agosto de 1981
Houve outros mais que apanharam.
ui convidado para ir para a serra pelo Erculano Fogaça e pelo Manoe-
O Evaristo Nunes era muito bom para aqueles de quem ele gostava. Mas
se alguém era contra, aí era ruim.
"F lito, que era tropeiro que via as visões nesta dita serra. Fomos eu,
. Pe. Raulino, Américo Coan, meu tio e mais os dois tropeiros. Chega-
Isso foi no tempo do Hercílio Luz. Esse foi um desgraçado, um danado.
mos lá e o preto velho que sabia do lugar ficou com medo de perder a vida
Era brabo. Mandava surrar. Quando a turma daqui se queixou para ele dos
junto conosco, pensando que nós iríamos traí-lo lá dentro da grota. Ele não
Nunes ele disse: "Sei que essa gente não presta, mas eles servem para mim:'
nos levou direto à Fuma que parece uma porta de igreja feita pelos jesuítas.
Mas não morreu ninguém. A coisa podia ter sido feia mesmo. O que doeu
:'
Nós vimos de longe. Fomos na serra em frente. Chegamos em cima da serra
por tantos anos não foram os golpes de palmatória, foi a humilhação. Essa . onde era a moradia dos jesuítas, com taipas de pedra, das mangueiras, isto
é que ficou gravada até hoje, nos filhos e nos netos. .
na região do Rio Grande do Sul, na Serra do Pilão. Houve lá diversos combates
O Juvelino Nunes foi morto na esquina. Foi só dobrar a esquina que, de
dos Maragatos. Passamos a Varginha e fomos mais uns 5 quilômetros até esse
88
89
mangueirão. Há pinheiros plantados pelos jesuítas, em fila. E tem o descedor Tem outra história verídica, aqui do Rio Areião, entre Santa Rosa de Lima
dos jesuítas. De lá, numa distância de um quilômetro nós enxergávamos a e Rio Fortuna. Ali havia um casal que ouvia um choro dentro de casa. O
porta. Esse Manoelito, preto velho, já é fàlecido, esse que tinha a visão de marido com medo! Até que falou. Apresentou-se essa visão, dizendo que era
uma serpente, esse que não quis nos levar até a fuma. Pousamos sob um Pe. Antônio, que fosse lá longe a uns 5 quilômetros. Que fossem lá perto
perau daqueles. Diz que tinha a visão de uma serpente, um boi vomitando de um paredão e, onde havia um pé de ameixeira, que cavassem pois, lá perto,
fogo, uma coisa espantosa. Em cima da serra tinha um sinal tipo um fomo encontrariam um caldeirão com um guardado. O padre tinha morrido de fume,
trabalbado de pedra. Isto perto das mangueiras, em cima da coroa. Esse é ele, o cavalo e o cachorrinho. Me chamaram. Mas eu não quis ir buscar. Foi
um pedaço de campo cercado de paredões bem no descambar da serra. Havia sÓ o casal. Chegaram e lá estava o padre que disse: "Cavem ali. Guardem
também pedras trabalbadas, fincadas no chão. Comparando, era um fomo de durante sete anos. Depois podem vender". Meteram a mão. Arrancaram: 4
fazer açúcar, cavado na pedra. Não se levava aparelho. Tive em mãos O roteiro quilos de ouro, 4 quilos de prata, um relógio de ouro, um crucifixo de ouro,
daquilo. Quem tem o roteiro, se ainda o tem, é um homem casado com uma um cálice de ouro. Era uma fortuna. Chegaram em casa. Como deviam guardar
de Villa. Esse roteiro estava escrito em latim, com o nome dos padres e o aquilo por sete anos e ela era parteira e devia ficar muitas vezes fora de casa,
diário deles. Segundo a tradução que O Pe. José fez, estaria na Espanha. Eu pegou uma lata, dessas antigas, de caramelo, botou tudo dentro, enterrou,
sei o lugar daquela caverna, mas hoje não teria mais as condições de descer cobrindo com uma bacia de alumínio. Nunca mais pôde tirar. Foi então que
lá. Esse é o caso da Serra do Pilão. Lá existe o cemitério dos caídos no combate ela me chamou. Daria a metade. Mas deveria ir um padre comigo. Foi o
entre Pica-Paus e Maragatos. Dizem que muitos mortos e mesmo feridos foram Padre João Bonetto comigo. Fomos com o aparelho. Estava o Samuel Bett
jogados perau abaixo para não precisar enterrar. Isto foi dito pelo Manoelito." conosco. Quando estávamos a uns cem metros pedimos que ela não indicasse
Um segundo fato: Seu Gregório está mostrando duas moedas de bronze, i lugar nenhum, para testar o aparelho. Foi o Samuel, fui eu. Deu paia ambos,
creio, do reino de Portugal de 1721 ou 1781 uma, e de 1806 outra. Na primeira, I
que estaria entre as laranjeiras e a terceira janela. O dono atual daquela terra
fala-se de D. Maria e na segunda de D. João Regente. Essas duas moedas i
I permitiu que cavássemos. Ninguém morava na casa, que estava assombrada.
se encontravam no Município de Biguaçu. "No tempo que tive churrascaria ,
Quando fomos, reuniram-se lá umas 30 pessoas. Aí não deu pé. Fui outra
lá, fui convidado a arrancar um guardado que estaria enterrado numa chácara vez. Mas de novo tinha gente que queria lograr a velhinha. Nessa vez a mulher
velha. Apareciam luzes, assombrações, tanto que ninguém parava nessa tapera. viu o padre novamente. Não encontramos nada. Mas tempos depois, veio a
Perto de um pé de laranjeira aparecia uma velhinha. Cavamos uns 20 centímetros mulher dizendo que eu havia encontrado e reclamava a parte dela. Voltei lá
e achamos uma pilhinha dessas moedas, exatamente 40 moedas. Estavam enfer- com ela. Fizel:lOS café no fogão velho. Eu estava na janela olhando o lugar
rujadas, grudadas umas nas outras. Cada um de nós pegou duas e deixou lá do dinheiro, a um metro de distância. O filho da mulher estava dentro da
as demais, achando que aquilo não tinha valor nenhum. Até os outros botarem casa e escutou uma pedra no telhado. Veio e pensou que era eu. A mãê também
fora as deles. Pensávamos que não tinham valor nenhum. Em vez, devem não ouviu. Aí sentamos na varanda. De repente desmoronou toda i'varanda.
ter um valor imenso para colecionadores. Me agüentei para não levar um tombo. Nós na cozinha. Fomos ver, não tinha
Por causa dessas moedas fui à procura de um outro guardado que um cidadão caído nada. Só se dera aquele barulho. A velha quase morreu do coração.
tinha guardado numa revolução. Era lá nessa mesma tapera. Aí acendi uma vela. Fiz minhas preces e orações. Aí surgiu uma luz que ela
Consta que têm tachas de ouro, coberto por outros tachos. Ali, teria sido via no sonho e veio focando ela. Aí mesmo que amedrontou mais ainda. Saímos.
matado um negro, um preto velho, para ele ficar tomando conta do guardado. Eu também fiquei. com medo. Demos uma volta com O aparelho. Quando
Está lá o túmulo desse cidadão para todos ver. Não pára cruz nenhuma lá chegamos no lugar em que estava o dinheiro caiu alguma coisa de cima da
nesse túmulo. Botaram de pedra, de cimento, de ferro. Não pára cruz nenhuma casa, parecendo um rolo de madeira. Rolou até a goteira da telha. Fomos
lá. Isto no cemitério de São Miguel. Entrei com um companheiro exatamente olhar. Nada. O aparelho engripou. Acredito que o dinheiro ainda está lá até
à meia-noite, nesse cemitério. Fiquei lá perto do túmulo e ganhei um susto hoje. Antes que a velha morra quero ir lá para ver se tiro e dou a parte dela,
muito grande quando desceu um urubu da torre da igreja e passou bem perto antes que morra. Isto deve ter sido em 1960. É no Rio Areião, num lugar
de mim. Ah, já viemos emboral Finalidade era invocar o homem para que chamado Azedo. O nome da mulher era Antoninha. Já deve beirar os 75 anos,
viesse mostrar o dinheiro. O que veio foi esse urubu, ou morcegão ou gavião, agora em 1981".
sei lá o quê. Desistimos. O aparelho acusava o material. Cavávamos e não , . Seu Gregório está agora mostrando um pedacinho de cera velha, ou de
achávamos nada. Era para voltar outra vez e não voltamos. Meu esporte era algo parecido. Vai explicar de que se trata: "Uma vez veio um senhor do Paraná,
esse. Uns caçam, outros pescam. Eu gostava de ir arrancar tesouro onde me que tinha sonhado, um tal de Sizinando. Veio de Foz de Iguaçu. Sonhou com
chamam. um lugar, em Bom Jardim da Serra. Ali haveria um baú que a bisavó da mulher

911 91
dele teria guardado. Veio à minha procura para tira~ esse dinheiro. Fomos o Neri, essa minha comadre com o marido e minha mulher, Ivone. Em todas "
eu, ele, o filho e meu genro Neri Carminatti. Chegamos na fazenda. Só estava as sete encruzilhadas o dono do dinheiro estava noSesperando. Dono é a assom-
um capataz e o filho do dono. Chegamos lá, pedimos licença, contamos a história, bração, daquele que enterrou. Não se via bem. Era rápida que nem um relâm-
tal e qual. Quisemos toda a sinceridade. Levamos mais um casal de velhos pago. Tinha um terno marrom. Via ele correndo, a uns dois metros de lonjura.
que recebiam entidades para falar pelo corpo deles. Não sei se isto é verdade Eu enxergava e a mulher enxergava. Na última encruzilhada desci eu e aquela
ou não é, mas aconteceu. Pedimos licença e fizemos quatro partes do tesouro. mulher para acender a última vela. Aí a mulher gelou, mais ma que um picolé.
Fomos. O Neri e dois capatazes ficaram no galpão. Os outros todos foram. Não conseguimos acender a vela de tanto mo. Eu também sentia mo. Finalmente
Quando pegamos a cavar perto de um pé de maçã, muito velho, começamos consegui acender a vela. Aí passou o mo. Chegamos lá. Estava não mais o
a ouvir o barulho de uma cavalhada, de uns 20 ou 30 cavaleiros. Vinham em capataz, mas o dono. Fingiu dar licença enquanto o filho se botou no sótão
direção à mangueira onde nós estávamos. A uns 20 metros cessou tudo. Eu com uma winchester. Caso nÓsencontrássemos o tesouro atiraria. Aí a vidente
estava com O aparelho. Aí veio uma luzinha, não de vela, mas tipo chama sentiu isto e disse: "Vamos embora que vamos morrer todos". De fato, apare-
de álcool, azulada. Veio, passou no meio de nós e entrou numa gruta de pedra. ceram também os capatazes, de capa. De certo armados para nos matar. Abando-
Aí me enchi de coragem, pois achei que vinha mostrar onde estava o dinheiro. namos tudo e viemos embora.
Só se via a chama, a tochinha, de uns dez centímetros. Veio devagarzinho Um outro caso: quando o Nico Becker morava perto do paredão do 92,
numa altura de uns dez centímetros do chão. Todos viram. Quando olhei para duas vezes por semana aparecia o João Russo. Ficava mal e D. Antônia precisava
o galpão, em que estavam os capatazes mais o Neri, vi que estava todo iluminado, dar-lhe um chá para melhorar. O João Russo queria que arrancasse O dinheiro
tudo clareado. Disse para o dono do dinheiro: vai lá para eles ficarem quietos. na quarta-feira ou na sexta-feira. Aí O Nico Becker vinha o dia incomodar aqui,
Foi lá. Estavam acocorados, com a lamparina no meio deles, escondendo a que eu fosse, porque eu linha prática destas coisas. Fui na segunda-feira para
cabeça nos braços, com medo, porque ouviram uma cavalhada correndo ao ver o lugar. "Olha, é no lado de lá do pontilhão". Fui lá e olhei. Arrepiaram-se
redor do galpão e não viam nada ... Fomos cavan,do. Deu uma discussãozinha: os cabelos tanto que o chapéu não podia ficar na cabeça. Deu-me um frio!
um filho do dono do dinheiro, com O pai. Aí intervim e fiquei eu cavando. Logo encontrei o Nico, no Dallazén. "Fui ver o lugar e 4:-feira n"ósestaremos
Daí tirei uma massa preta de cera. Mostrei para os outros. Aí eu disse: está firme~, né?" Mas o Pascoal Coan, sogro dele, disse:
perto, está aqui. Aí fui dar uma picaretada e pegou na minha perna, na canela. Não, não precisa ser quarta-feira. Vamos terça mesmo! Aí teimou. Para
Saí para fora com muita dor. Ainda conservo a cicatriz. Eu disse: "O guardado fazer a vontade do velho, fomos na terça-feira. Levei água-benta, levei um
está perto." Aí o capataz foi em casa, armou-se com arma de fogo, e nos intimou crucifixo, levei meu rosário, medalha no pescoço. .. A gente vai para a tentação
a parar. Entendeu que ele ia arrancar sozinho. Aínda entrei no barraco com não dar um tombo na gente. "Está debaixo de um pé de pata-de-vaca. Tem
o aparelho: "Daqui, cavando dois metros está o bom". Em vez, eu estava lá três pedras colocadas assim e assim." Fomos. Era meia-noite. Dei a vela
em cima. "Não senhores. Aí vocês não cavam mais", Então enchemos de benta para o Nico e a água-benta para o Pascoal. Diz o Nico: "Vem ele aí,
pedra e terra tudo aquilo. Aí a mulher do homem que veio do Paraná deu o João Russo". Peguei a picareta, arranquei a pata-de-vaca. As ditas três
em falar por meio dos velhinhos: "Eu não quero que receba este guardado, pedras, na fundura de um meio-metro, estavam lá, na posição que o Nico
porque você foi ruim para mim. Nem estavas na minha cabeceira na hora via em sonho. Debaixo das pedras havia uma garrafa com meio-gargalo quebrado.
da morte". Viemos embora. Depois cavaram uma noite e um dia inteiro. Dizem que a gente não deve conversar nó lugar. Mas eu disse: "Nico pega.
Não acharam. Não foi para nós, nem foi para eles. Porque, diz a história, É teu'" Mas ele não quis pegar. Nem botou a mão. Então peguei eu a garrafa.
só tira o guardado quem merece e quem é o dono. Basta que um dos presentes Era pesada igual a chumbo. Botei a garrafa aí de lado. Deixamos lá e viemos
pense em lograr os companheiros, que não encontra. Porque tem encanto. embora. Para mim aquilo é que era o ouro. Mas como tinha um que não
U está um baú com 60 centímetros de comprimento, coberto de ouro, lacrado devia estar lá, nós não enxergávamos o qJe era. Cheguei em casa. Fui dormir
com cera de abelha, dessa que está àqui. Eu já tinha batido no canto na hora e sonhei com o João Russo dizendo. que eu fosse tirar O dinheiro para mim.
em que me pisei. A mulher que falou no corpo da outra disse que fora ela Mas me deu um medo, que minha nossa! Um frio! Aí não fui. Foi o Joanim
me machucar. Foi a nossa sorte. Teríamos morrido, talvez mortos pelo capataz. meu irmão e o Constantino com O Nico Becker. O Joanim começou a cavar,
Não é fantasia o que contei. Não é a metade do que eu vi:' mas olhou o outro lado do rio e viu o João Russo que vinha vindo. Veio,
Peço que nos conte algum caso com todas as visões, mesmo de arrepiar. atravessou o rio e chegou até perto. O Nico desmaiou. Jogaram água-benta,
"Então vamos ao resto da história desse tesouro do Bom Jardim: fui lá levaram ele para casa. Eles moravam na casa antiga do João Russo. Chegaram
com uma sensitiva, uma médium, de Florianópolis. Aí se concentrou e disse: na casa e deu três estouros muito grandes. Estavam em seis Já. Três escutaram
"Em sete encruzilhadas nós temos que deixar uma vela acesa. Fomos, eu,
•••
e três não escutaram. Em seguida deu mais três. Os que escutaram a primeira

92
vez, não escutaram a segunda. Não voltaram lá. Aí veio um de Pedras Grandes
e arrancou. S6 deixou um anel que a ronda encontrou e veio me trazer, pensando
que fosse me.li. Levaram o ouro. Era a garrafa. Quem me contou foi o Mário
Fernandes, ronda da estrada de ferro. Depois disso acabaram-se as aparições
do João Russo ao Nico. Tivesse ficado alguma coisa lá, a enchente de 1974
carregou tudo, até o pontilhão.
Entre Pedras Grandes e Rio do Rasto, deve ter uma canastra muito grande
enterrada nas margens do rio Tubarão. Em Santa Clara tem uma pedra lacrada
que um homem velho conhece e mais vezes me convidou para que fosse lá.
O paredão de Santa Clara era meio assombrado, uma vez. Mas ultimamente
não ouvi mais falar. ..
Eu fui arrancar outro tesouro na Guarda. Arrancador do tesouro era o Gabriel
América. D. Assunta, da Guarda, sonhava com um padre que lhe indicava
o tesouro. Era numa curva do rio. Havia uma maria.mole muito grande dentro
de uma roça de cana. O Gabriel tinha muito medo! Pediu que eu fosse para
ajudá-lo. Quando fomos cavar, a velha que sonhava ficou dura. Ficou como
uma estátua. É outra coisa que eu conto e é verdade. Eu me sentei, com
a vela benta e água-benta. Quando outro começou a cavar ouviu-se, no meio "

,_
..
".l.
da cana, o respirar de alguém como se estivesse em agonia. Eu não vi. Mas
ouvi o tropel dele. Passou por trás de mim e no meio do Gabriel e da mulher.
Os outros viram que ele carregava um canudinho e uma vela acesa. Aí todo
mundo correu. Dizem que tem uma canastra ali.
É na Guarda, em frente, no outro lado do rio. Tem uma canastra ali. A
mulher nem podia dormir. E o padre? Padre s6 podia ser jesuíta. Ouro é
com eles.
Por que jesuítas? Ora, porque eles é que andaram fugindo não sei de que
perseguição e andaram pela costa da serra escondendo seus pertences. Ouro
eles tinham. Tinham minas de ouro. Isto aqui era beira de estrada da serra ...
Devem ter andado por toda esta costa de mar. Eles tinham muitas riquezas.
De certo foram mortos em seguida. Os jesuítas, desde o Rio Grande e Araranguá,
moraram por isso aí tudo. Inclusive este da panela de bronze da descida da
serra, foi um jesuíta que caiu naqueles 'peraus e se matou. Ele contou na
aparição. Tem essa,hist6ria dos jesuítas. Eu não entendo bem como é isto.
Única coisa que eu tenho é essa lenda que ele entregou o dinheiro. Ele levantou
a carapuça e se pôde apresentar. Não é qualquer um que pode. De certo
quem guardou está dependendo de entregar O tesouro para se salvar. Eu sei
que pela hist6ria, morreu muito jesuíta por aí. Cavaram fumas a picaretas ...
Sabe lá se não é a mesma furna em que eu andei à procura? Em Vila Maria
tem uma furna que entra para dentro 50 metros. Eu vou lá ver de novo.
Encosta da Serra Geral, Orleaus, se. (Foto Ecandro Rodrigues) Fui convidado também para ir tirar um tesouro em Imaruí por causa do
meu aparelho. Lá, quem sonhava era um moço. Havia uma tapera velha de
um engenho de cana-de-açúcar. Fomos. Havia uma chácara com uns pés de
bananeira. Quando O rapaz chegou, desmaiou, ao dizer: "Ali está a mulher!"
Deu um vento que assustou a turma. Todo mundo ficou zonzo, transtornado.

94 9.5
Estava o Flávio Lebarbenchon e D. Estela junto. Á. mulher, essa aparição,
tinham um campo de caça lá pelo atual Barro Branco. Eles tinham lá um
só era vista pelo rapaz e por D. Estela. O rapaz re~?imou.se um pouco . ..Dei
uma vela acesa e levei-o até perto da bananeira. Agora fala com ela. Al rancho de caça. Numa época de chuva caiu uma barreira muito grande e pass.ou
falou e ela disse que não ia dar para nós aquele tesouro. Disse e não houve pertinho do rancho dos Mirandas: quando foram caçar viram aquele estrafego.
jeito de fazê-la trocar de idéia. Fomos embora. Precisaram de umas pedras para o fogo e pegaram lá na barreira. Botaram
Al no 92 o Vadinho Brighenti sonhava com um guardado. Num velho engenho a panela em cima e vai fogo. Logo sentiram um cheiro de enxofre. Pior, as
de cana sobrou o telhado, via um bomem que lhe falava que havia um guardado pedras foram pegando fogo. Até a panelinha de feijão deve ter virado, porque
perto dos trilhos, na costa do rio. Um dia foi o Vadinho e o. Vi~gínio.para as pedras queimadas cederam. Aí chega um serrano, porque o rancho era na
arrancar esse tesouro. Havia um córrego lá. Quando deram as pnmerras p.care- beira da estrada dos tropeiros: "Bom dia, seu Miranda, como está de caçada?"
tadas já apareceu um cavaleiro serrano. . "De caçada até que bem. Mas olhe, seu Delfino, estou ainda apavorado de
Veio vindo, e o cavalo pulou o córrego, o riozinho, a sanga. O Vad.nho algo que aconteceu. É uma coisa nunca acontecida e que não pode acontecer.
pisou no pé e correu. Aí o Virgínio só botou a ~ão n~ mourão da .cerca e Não é que as pedras deram em queimar? Tirei as primeiras, botei outras e
pulou para o outro lado. Nunca tinha pulado aSSlm. Al o cavalo vem até a estão aqui queimando. Já pensou?" "Quem sabe não é mineral, seu Miranda?
cerca e parou. Agora, eles andaram longe... Noutra vez, eu é q~e fui, com Até vou colher umas pedras dessas e botar na sobrecarga da mula dos manti-
o aparelho. Mas não veio o cavaleiro. O aparelho não acusou e n6s nao cavamo~. mentos para levar para Tubarão." Era o Delfino Freitas, avô do Diomício Freitas,
Voltei de caminhão. O Vadinho ficou vendo um cachorro grande que segu.a que~ falou e levou as pedras para Tubarão. Vou levar para Tubarão, para
o caminhão. O interessante é que o cachorro não tropeçava na capoeira. Andava o velho Zumblick, que é ourives. Ele deve de entender de que se trata. De
direto. Esse cachorro eu cheguei a ver. Era um cachorro tubiano, meio-man- mto, o Zumblick desconfiou que fosse carvão-de-pedra. Mandou amostras para
cbado, me acompanhou até o pontilhão do Gregório Bússola. Ali ficou. Florianópolis e de lá para o Rio. Vieram os engenheiros, gente do Henrique
Uma vez, eu precisava passar no paredão, esse do fundo dos ten:enos Lage. Logo requereram um légua quadrada' de terras.
do Seminário. Tinha medo, porque mais vezes meus cabelos ficavam arrepIados. As terras do Miranda se acabaram assim: chegava um tropeiro oferecendo
Eu ia para o baile em Santa Clara. Ao chegar no paredão peguei duas pedras, uma rês. "Compadre, fia0 posso. Bem que eu queria fazer uma brincadeira,
para me encher de coragem. Qnando cheguei no meio do paredão tinha um um baile, mas não tenho dinheiro nem para querosene." "Não seja por isso.
homem andando do meu lado, na minha frente. O passo era de um homem Posso lhe suprir. O senhor não tem um desperdício de terras por esse sertão
de botas. Ele na estrada de carro de boi e eu no meio do trilho. Até gostei. aí. Pois eu vou lhe suprindo de carne e o senhor vai me pagando em terras,
Teria um companheiro. Mas eu não via. Só ouvia. Se eu ~va~ ele P:m'v~. maio lote por mês." "Aquilo não vale nem isso. Eu topo." Para encurtar
Aí fui indo. Quando estava quase no fim do paredão eu com e nao OUVImaIS o caso, o Miranda comeu muita carne na vida, mas a troco de terras. Bebeu
nada. Mas nesse lugar muita gente via e ouvia coisas. também muita cachaça, a troco de terras. E pela sua descoberta do carvão
Tenho uns convites para Bom Jesus e Vacarla. Veio um de Francisco Beltrão não ganhou nem um naquinho de fumo para o pito. Dos Miranda hoje só
me procurar por causa disto. existe o nome da picada Miranda. Só." .
O falecido Luiz Pizzolatti, avô da Ivone, me contava uma história do gritador. Nota: o caso não foi bem assim, mas já é uma tentativa de explicação.
Uma vez pousou num campo. O gritador grita lá longe. Você escuta. Se você Seu Adolfo Durante em longa gravação dá sua interpretação a toda a história
grita respondendo ele vem imediatamente e grita ali a pouca dis~cia, d~ da região. Aínda que não possamos agora, será interessante inseri-Ia em algum
livro, futuramente.";
uns dois metros. É apavorante. É perigoso aquilol Eu nunca ouv.. Mas al.
na divisa do Rio Grande com Santa Catarina tem gente que não pousa por
causa do gritador".
6 - ALFREDO ANSELMO
5 - ADOLFO DURANTE "O Reginaldo Freitas, senhor já bem velho, teria encontrado grande
quantidade de dinheiro, em Pindotiba. Quem me contava era o
om 86 anos, era o decano de Orleans em 1981. sobrinho dele, meu ajudante de minério, o Diomício Freitas, e
"Vou começar contaÍldo como foi descoberto o carvão. Antigamente já o irmão do Diomício. Até que depois escondeu de novo esse dinheiro por
lá mesmo.
C havia moradores em Pindotiba, que então se chamava Palmeiras. Eram
uns caboclos, caçadores. Viviam quase só de caça. Eram os Mirandas. Eles Na Revolução de 93, todos os que tinham alguma coisa de valor, enterraram.
José Honorato diz que, uma vez, cavando num buràco ali em Pindotiba, encon-
96
lrou 'uma bola, ou melhor, o lugar certinho de uma bola, com seis moedinhas. me falava que eu tinha forças especiais, mas me procuravam para cura. "Porque
Mas não eram todas de ouro, não. De .certo enterraram mais coisas, mas O você curou fulano, me cura também:' Aí eu fazia. Eu comecei a perceber
resto não se conservou. Isto ele me contou. que linha forças mesmo, quando já adulta, com uns 22 anos. Mas já anles
A senhora Desan me conlava que a genle do marido dela, na Itália, tinha eu sabia. Sempre fui muito procurada. Não lem dia. Qualquer dia serve. Dizem
muilo ouro. Quando vieram, cada um lrouxe um lilro. Um desses Iilros eslaria que o dia marcado mesmo é a sexta-feira de minguante.
enlerrado aí para. o lado do caminho para Sanlana. Cipriano Benzo é que leria Os casos de cu'ra são inúmeros. S6 para contar alguns: teve um moço cuja
escondido. Fomos para lirar. Mas apareceu o dono alual, com um lanlo de senhora já faleceu e morava na Vargem Grande. Veio com lire6ide. Alé as
facão, e correu conosco. vistas estavam muito saltadas. Eu curei ele. Eu tinha 13 anos. Bolei a mão
Em Palmeiras do Meio, no Morro da Televisão, perlo de uma canela grande, uma vez. Na segunda vez que veio já eslava bom.
dizia-me Vil6rio Canever, lem um grande lesouro ocullo. Por lá passava a Teve uma senhora com bronquile, asma. O marido dela é João Pereira.
eslrada dos lropeiros. Ela soma muilo daquilo. Muila falta de ar. Curei também.
Um velho Tomás me conlou que na subida da eslrada do imaruí, na árvore Tem essa família de Bianco, em Brusque do Sul, o Nani Bianco. Esse me
maior que havia na beirada, uma figueira, ali havia um guardado. Tomás era buscava muito lá em casa. Muitas vezes foram me buscar para cu""': panariz,
um mulalo e ia conlando que fora o Marquês de Arzão a enlerrar esse guardado. tire6ide. Curei muito panariz. Da família do Serafim Flausino um menino herna-
Era o bolim de cargueiros e cargueiros de mulas, de uma excursão por imaruí do. A mãe também tinha tire6ide grande.
e Laguna numa época de revolução. Quando cheguei aqui, há uns doze anos, tinha uma vizinha aqui com um
Das fazendas das Tijucas conla-se um caso de Belmira Cândida. Ela leria tumor pelo corpo, que iniciou numa perna. Sonhou que vindo ~qui, ficaria
enlerrado um chaleirão, cheio de moedas de ouro. Enlerrou perlo de uma curada. Sonhou duas ou três vezes. Veio. Eslá curada.
cerca de marmelos." Tem a senhora do seu Paulinho Alberlon. Fui ã procissão na Sexla-Feira
Sanla. Aí me pediram para ir na casa dela. Fui. Eslava de cama caiu o rosário
na mão. Começou a chorar. "Ah, Regina, vou morrer'" Falavam que linha
7 - REGINA MffiANDA RICARDO doença ruim. Ela falou de anemia plásmica. Talvez leucemia, o câncer do sangue.
Aí falei para ela: " Se lu fizeres como eu digo e liveres fé, lu lens cura, eslou
. ;
Regina, esposa do Sr. Carlos Ricardo, lem uns dons especiais de vendo lua cara." Eu senli a cura porque eu vi ela curada. Eu vi. Pedi para
cura de certas doenças. Ela quer deixar gravadas umas declarações ela parar com a diela, .que eslava malando muito. Aí eu disse: ~' Não vais
D • para nossa livro de hisl6rias fanláslicas e misleriosas, para que se mais ler hemorragias o mês que vem." Todo mês tinha que colOCarsangue.
eslude esle seu fenômeno. Coloquei a mão no umbigo dela, depois no osso do peilo. No que coloquei
"Desde criança, me contaram, aos 40 dias, já fizeram os primeiros lesles a mão senti que lodo suor vinha no corpo dela. Parecia que eu mexia no
para ver se eu curava. Minha av6 foi a primeira. Depois foi o Luís Mazon corpo .. " nos nervos: Mas eu linha muila fé que ela ia melhorar. E ela lambém.
e sua família. Ficavam curados. Desde enlão foram muilas e muitas pessoas Dentro de poucos dias ela ficou boa. Não deu mais hemorragia, não precisou
que me procuraram e saíram curadas. mais bolar sangue. Daí começou a cura para ela, alé hoje. Agora eslá bem.
Tudo começou pela minha hora de nascimenlo. Eu nasci no dia 15 de Também lem a cura de um menino, lá no Chapadão, menino que nasceu
abril de 1938. Era meia-noile de Sexla-Feira Sanla. Minhas tias polonesas prepa- com seis meses de geslação. Nasceu com uma hérnia embaixo. Mas não era
raram-me para fazer as curas. Foi feilo uma coisa na .minha mão. Não sei hérnia. Era uma doença, uma carne que se criou ali. O médico não quis operar.
o que fizeram. Quem fez, morreu. Aí começaram fazer lesles se eu CUrava. Aí sonharam que, se viesse aqui, seria curado. Marquei nove sexlas-feiras.
Minha nona tinha tire6ide no pescoço. Curou. Eu não tinha nem 40 dias e Olhei para a criança que linha que dizer que deveria vir nove sextas-feiras:
chegou um senhor com um panariz no pé. Curou também. Dali a notícia foi No fim das nove, a mãe me lrouxe o filhinho são.
se espalhando. Fui muilo procurada. Aí vinha genle de lodo o lado. Era s6 Tem um senhor que devia ser operado, com panariz em lrês dedos: Aí
colocar a mão. Eu não dizia nada. me descobriu. Curei.
Quando fiquei bem mocinha, uma lia me chamou: "Tu não diz nada?" - Lá no Chapadão curei uma senhora com lire6ide muilo grande. Curei.
"Não." "Mas você podia dizer alguma coisa, assim, qualquer coisa que le viesse Tire6ide e o papo.
na cabeça." Comecei enlão a pedir a Jesus para dar a graça para quem me Tem a Maria do Carlos Ferrarês, de Brusque. Em três vezes, saiu curada
procurasse. da tire6ide.
Quando eu era bem pequena eu nem queria. Tinha alé medo. Ninguém Teve uma senhora que eslava de cama e vieram me falar. Eu s6 mandei

98
fàzer um remédio de ervas. Mandei colher erva-formigueira. Por qué? Não Marquei nove sextas-feiras. A ferida cicatrizou. Isto fàz pouco tempo. '
sei. E mandei comprar dois vidros de pó de penicilina. Fazer um ungüento Aos 22 anos é que eu comecei a sonhar sobre esta força que eu tinha.
com banha de galinha. Lavar a perna com sabão feito em casa. Fizesse três Uma vez sonhei que tinha uma festa e que, durante a festa vinha um rolo
banhos. Senti que tinha que fàzer três banhos. _' d'água, assim, quase sem chuva. Oito dias depois, na festa de São Sebastião,
Também tem outra: um dia chegou uma senhora de quem nao me lembro aconteceu. O pessoal estava tudo na festa, já para ir embora. De repente veio
o nome, porque vem muita gente aqui em casa. Chegou no portão e chamou. aquele rolo d'água, esse que carregou aquela famaia do França ...
Eu tive um pressentimento de que a mulher não adiantava entrar, que eu Outro sonho, foi aquela primeira enchente de Lauro Müller, em 1972.
não ia curar a mulher. Eu não sei o que é. Talveza furça de fé nas pessoas. Sonhei que ia dar uma enchente em que só sobraria um pontilhão. O resto
Nesses tempos me chamaram para Siderópolis para fazer uma cura. A madri- tinha carregado tudo. Foi um mês ou 15 dias antes.
nha da pessoa doente me conhecia. Ela tinha sido curada por mim, não sei Quanto a nossa enchente, a de 1974, um dia de sol bem quente, cheguei
do que. Era D. Olíria. Aí fui para a casa da criança. Mas aparecer~ tal.vez na janela e disse. .. Mas não é um sonho, Pe. João, é alguma coisa que avisa,
duzentas pessoas com lobinhos na cabeça. Muitos lobinhos na cabeça. ~lfeólde, que diz que vai acontecer ... Naquele dia eu quis falar mesmo. Eu disse:
unheiro, panariz ... isso apareceu tanto, apareceu tanto ... lá em Sl~eró~- as outras vezes eu 'não falei, mas desta vez eu falo. "Diga lá no Zommer para
Iis ... E apareceu uma moça com um lobinho na vista. Quando boteI ama0 eles tirarem os móveis. A água vai chegar lá. E vamos ficar sem nenhuma
na moça senti que ela não tinha cura. Os outros todos eles melhoraram. A ponte." E para baixar a enchente era para soltar São Bom Jesus do 19uape
moça, não. Senti que não ia ser curada. num barquinho, no rio. Isto para não tornar haver mais enchente. Aí, no primeiro
Curei também a filha do Seu Alexandre, de um lobinho na vista. dia da enchente fui lá na estação e fui dizendo para as pessoas que o Zommer
A Juraci Silvestre tinha uma doença que só podia ser tratada em São Paulo. devia tirar os móveis de lá. Também para moradores das casas da beira-rio
Estava desesperada. Era uma doença na garganta. Eu curei. . . que estavam voltando quando as águas começaram baixar eu dizia que não
O pai do João Catarina tinha uma doença, aquele homem, que Já tmha voltassem. Para o João da fábrica de sapatos eu disse: "Não deixa eles voltar.
ido por tudo. Doença na garganta .. Ficou curado. Um outro, também, com Vem uma enchente maior! A água vai carregar as casas deles." "Não é possível.
a mesma doença. . As águas já estão baixando'" Fui para casa e passei uma noite muito nervosa.
Uma moça chamada Rosa ... outras que trabalham no hospital ... muitas Eu senti que havia uma coisa diferente em mim, que estava acontecendo.
crianças também. Eu estava naquela agonia. .. naquela agonia. .. É uma coisa diferente. É
Um filho do Germano, da sapataria, teve um filho que nasceu com uma como o senhor está vendo, fica agoniado. Você tem que se mexer, tinha que
hérnia. Teve que operar. Nasce o segundo filho, também com hérnia. Antes falar, tinha que ajudar o povo. Não podia ficar parada. Precisava mer alguma
de operar veio me buscar. Com duas vezes, melhorou. Não precisou operar. coisa. Mas ninguém me atendia ...
Isto eu senti".
José Zanini, D. Santa, mãe de Celso, a Iracema, mulher do João, todos
com panariz. O Nazário de Braço do Norte, dois panarizes de uma vez ... Mais, muito mais fatos D. Regina poderia contar. Bastam esses. São mais
Panariz é muito freqüente aqui. um indício de que há .outro mundo, outra camada de vivência social que a
Quando é Sexta-Feira Santa, às 5 horas da manhã já aparece gente aqui. ciência quis negar até bem poucos anos atrás. Como é outra camada a vida
Às vezes em 30, 40 pessoas. Tem dia que vem muito, tem dia que vem pouco. de sonhos de tesouros. .. Há um mundo de muito mistério para se estudar!
Quando eu curo, às vezes eu sinto até a dor da mesma pessoa. Esse ~eg6cio Que a parapsicologia fàça logo passos de gigante para revelar-nos essas qualida-
de panariz quando mata, já sei que matei. Passa a dor .. E tem uma COIsaque des, às vezes, como no caso de D. Regina, tão úteis à sociedade.
eu não contei. Não sei se convém gravar ... Quando o Papa foi ferido, senti
uma vontade de fàzer alguma coisa. Botei a mão na fotografia dele e senti 8- JOSÉ MATIAS HEIDEMANN
como uma coisa tremendo, como uma pessoa viva. Aí fiquei sabendo que ele
não ia morrer. E JOAQUIM ROLLING
De uma mulher aqui, vizinha, dizia-se que era câncer. Aí eu senti que
não, que tinha cura. Mandou me chamar. Estava deitada numa cama, chorando. "N asci e me criei em Grão Pará. Tenho 71 anos (em 1981). No meu
Eu disse: "Não. A senhora vai melhorar." Vou vender casa, vou vender terreno, tempo de criança havia moradores por aqui, mas só espalhados cada
vou vender tudo para ver se me curo." "Não senhora. Não venda nada. A um em suas terras. Não havia grupinho de casas unidas. Não havia.
senhora vai se curar. Eu hoje vim aqui~:Na sexta-feiraque vem você vai na Isto é coisa de pouco tempo para cá. Comerciante tinha só um. Não lembro
minha casa." Na sexta-feira já veio. Em pouco tempo a ferida curou o nome. Mas me lembro do segundo: Germano Boing.

100 101
Na Revolução de 1930 o pessoal correu tudo para o mato. Tinha gente
que pulava a cerca e deixava a roupa. Eu vi e posso contar. Eu estava no
morro e vi a gente correndo. Aqui s6 veio uma turma de revolucionários,
depois que a Revolução acabou.
Aqui, no domingo, era mesma coisa que dia de semana. Igreja era um
rancho de uma aba só. Mesmo na frente dessa igreja nova que está aí. Era
coberta de palha e fechada de madeira. Padre quase não aparecia aqui. Terço
a gente rezava no Rio Pequeno. Aqui, não.
Uma vez trouxeram um índio pequeno para meu pai, mas ele não quis:
"Quando ele ficar grande vai me matar atrás da porta. Não, não quero."
Aí levaram para Tubarão, deram para uma família de lá, mas ele morreu. Meu
pai tinha apresentado a winchester para caçar esses índios. Quem foi caçar
foi o João FrederiCo, João Arent, João Meurer, Zé Bugreiro e Joaquim Bugreiro.
Quando chegaram no rancho, os índios tinham um casamento muito grande.
Comiam, dançavam. Esperaram que deitassem para dorrnir. No rancho dos
homens só havia a noiva. As mulheres estavam noutro rancho, lá longe. Nesse
dia a festa era só dos homens. Os nossos diziam que mataram sessenta. É
que os índios tinham matado um alemão que estava derrubando o mato. Foi
o João Heinzen, aí no rio Chapéu. "
No rio Cachorrinhos os índios pegaram uma moça, uma pola~a. Houve
uma caçada também por lá. Aí também mataram bastante".
Toma a palavra Joaquim Rolling:
"Nós fomos moradores da Ilha Grande. Mas quando fomos lá já não havia
bugres. Falava-se de caçadores de bugres, mas era na costa da serra. Falavam
que matavam muitos. Bugreiros que eu lembro eram o João Arent e o João
M~rer. ~
Meu pai era Henrique Rolling. Havia italianos, como os pazzêtto, e um
polonês, Henrique Vronski. Esse tinha tafona. Estrada era só de ~cargueiro.
De início morávamos em São José, depois em rio Cachorrinhos. Lembro pouco
de uma caçada de índios que a turrna de lá foi fazer. O João Arent era nosso
vizinho.
Uma vez entraram uns bandidos na igreja e estragaram a imagem dos três
mártires rio-grandenses e a imagem pequena de São José. Essa, levaram até
a porteira do vizinho e acenderam duas velas, deixaram lá toda quebrada.
Desconfiou-se que foi um rapaz solteiro que mais tarde foi matado".
Continua oJosé Matias: "No tempo em que a gente ia no terço no
Grão Pará, era um terço curtinho. Padre vinha uma vez por ano ou cada 2
anos.
Havia uma olaria nos arredores de Grão Pará, em que se faziam os pratos
Igrejinha de Gabriúva, Orieans, se. (Foto Evandro Rodrigues) e as panelas de barro que nós usamos. As facas eram feitas pelo ferreiro Leon
Demay.
Meu pai entrou aqui, mas com outro parceiro. Aí os índios não puderam
inticar com ele.' Às vezes ia pescar, de noite, e falava para os companheiros:
"peguei umjundiá." Aí os índios ali por perto repetiam: jundiá, jundiá, jundiá ...

102 103
Meu pai nasceu em São Francisco e criou-se "no Capivari. Casou e foi morar com o Jacó Uliano, que lhe disse: "Vai lá .para a costa, fica lá dois ou três
em Vargem do Cedro. De lá ele veio comprar aqui. Ele era o último morador. anos, que depois não vai haver mais problemas". Saiu do Avistoso e veio para
Logo depois das terras dele iniciam as terras do patrimônio. Na estrada, é fim de mundo da Forcadinha. Ele já estava cansado, tinha três filhos. Isto
depois do corte. Mais para cima os imigrantes tinham entrado na Ilha Grande, lá pelos anos de 1923 ou 1924".
mas os bugres tocaram' todos para fora. Nem .tinham acabado de aprontar a
capelinha de São João.
Um dia meu pai foi botar fogo numa roça. Sem saber, havia um bugre, 10 - GREGÓRIO WESSLER
talvez dormindo lá no meio. Acharam seu corpo queimado".
66 anos - Serra Furada -1981
ra professor e vivi trinta anos Dl' costa da Serra. Fui para lá em
9- NEREU BELTRAME 1943. Era lá na Serra Furada. Havia umas dez famílias. Eu tinha
"E ido lá como agricultor, mas o Toneze pediu-me para lecionar, ao
"M eu pai chamava-se Davi Beltrame e.meu avô Natal Belt~e. Q~an- menos um ano. Fiquei lecionando por quase 30 anos. Ao chegar era tudo
do o avô tinha 35 anos e meu pai uns 10 anos, o avo empreItou mato. Na primeira noite eu e um cunhado fizemos um ranchinho. perto de
um quilômetro de estrada em pagamento de um terreno que com- um tronco oco. Fizemos um ninho de palha para dormir. De noite choveu
prara. Fizeram um rancho sobre estacas, na altura de uns três metros, ~ muito e encheu de água o nosso ninho. Depois fui derrubando uma coivara,
se defender dos índios. Mais noites se acordaram com os bugres sacudindo fiz uma casinha coberta de palha. Vinha o vento louco da Serra e arrancava
os esteios. Meu pai era guri e um dia, com medo, foi buscar água. Quando esse telhado. Era uma terra muito boa, s6 muito ventosa. Em poucos anos
voltava havia uma onça no meio da estrada. A sorte é que levava uma cachorrinha. já estava bastante bem. Foi quando assumi a escola.
Essa ia acuando a fera que tentava subir no barranco e não conseguia. Passou Uma vez esbarrei num índio. Mas nem cheguei a ver bem. Cacei muito.
o trecho mais perigoso de sua vida! Hoje aquela estrada já está abandonada. Havia tatete, porco-do-mato, jacutinga, tatu. Porco-do-mato anda em vara e
. Meu pai era filho de Rio das Fumas. Veio morar para cima da Ilha Grande. o tatete pode andar sozinho. Um dia os Boeger e o João Bloemann foram
No meio da mata. Foi Iàzendo derrubada para roças, pastos. Uma vez, durante caçar e mataram dezoito porcos dentro de uma toca. Tiraram para fora a carguei-
a queimada, foi cuidando dos aceiros para que não pegassem fogo no mato. ros. São uns bichos que podiam incomodar muito se dessem com uma roça
Sentou-se na beirada do mato. A um certo momento. levantou-se, bem no de milho maduro. .
momento em que um índio ia pegar-lhe a espingarda, porque sempre foi muito Jacutinga é uma ave que se mata filcil se está numa fruteira. Atira e ela
perseguido. Aí já tinha sido morto um Benedet, pelos índios. Então meu pai não voa dali. Vai matando uma a uma. Macuco tinha também, veados, pacas
deixou de caçar, não matava mais animais, nem aves. para os índios não perseguir. e cutias. .
Minha mãe conta que os índios passavam do outro lado do rio tocando flauta, Para a primeira colheita de milho, tinha feito um paioItinho, com varas
cantando. Muitas vezes ouviram. Logo uns anos depois, vieram o João e o de coivaras, amarradas com cip6. Os macacos começaram a vir roubar milho
Zé Bugreiro e mataram uma tribo de índios que moravam naquelas redondezas. dentro desse paiol. Eu não tinha espingarda. Não era fácil assustá-los quando
Falavam que tinham matado uns oito ali. Contavam que primeiro acharam apareciam. Vinham em tropas.
a casa deles. Esperaram dois ou três dias. Numa noite foram lá e tinha uma • O primeiro caminhão entrou lá na época de Luiz Mazon como prefeito.
índia perto de uma fogueira. Foram por trás, escondidos e passaram a faca Indios havia. O Alberto Sebolt. passou muito trabalho. Até me contou que
no pescoço. Aí entraram e fizeram a matança dos outros. Alguns sairam feridos, um dia matou um bugre. Estava caçando macuc? quando viu um bugre perto.
mata a dentro, e deles se ouvia os ge!!1idos. Aí levaram tudo o que os índios Atirou e saiu correndo. Desde então foi muito perseguido pelos índios.
tinham. . Maior sacrifício eram os meios de transporte. Demorava um dia para chegar
Meu pai tinha sido chamado para servir o Exército. Mas, naquele tempo, em Grão Pará em carro de boi. Virava o carro, atolava o carro, quebrava o
servir o Exército era considerado uma barbaridade. Saiu fugido de Braço do carro. Um sacrifícioI Quando se vendia os porcos, partia-se às 4 horas da tarde
Norte e foram, ele e um tio, para Rio Fortuna para matar um cara, um tal e chegava aqui em Grão Pará no clarear do dia. Viajava-se de noite, porque,
de Domingos Bellini Bett. Iam matar para que o povo pensasse que, depois, se não, os porcos gordos morriam com o calor ..
eles tinham fugido para o Rio Grande do Sul. Achavam que, se matassem, A pior coisa lá é o vento. Ás vezes estragava a planta toda. Era o vento
estavam escapes do perigo. Chegaram lá e o homem fugiu. Eles pensavam , minuano, o vento louco, que descia a serra. Muito rancho foi derrubado. Telhado
que tinha sido ele a denunciá-los para o Exército. Aí voltaram. O pai fulou nenhum agüenta, nem amarrado com arame. Betelho também não. No começo,

104
105
d uas,ou t r ês noites, escapamos de casa e fomos dormir no pasto, atrás de matas para fazer coivaras.
Ih 'nh . d .
um , co . com umas cobertas nas costas . .. A te a VI a cam o m3J.S
harran Em 1957 a vila estava parada. A maioria da população ia saindo para o
a pedra que a gente colocava em cima. A casa não tinha forro. Paraná. Antes, a migração foi para Urubici e Rio do Sul.
Enchentes grandes também dava. Nosso grande problema quando entramos lá, em 1943, era a doença. Preci-
No grande incêndio da Serra ajudei a apagar também. O fogo pulava de sava levar o doente numa branda carregada por 6 ou 8 homens, até aqui em
uma montanha a outra, às vezes com mais de 200 metros de distância. Numa Grão Pará, onde se pegava outra condução para levar a Braço do Norte ou
noite estávamos olhando o morro da Serra Furada. Era tudo claro. O fOgo, Tubarão. Isto ainda em 1950, 1952. Eu mesmo ajudei a carregar doente, de
üumi~ava tudo. Aí vimos, que o fogo avançava lá num outro morro. Havia noite, com chuva.
muito vento. Daí a pouco vimos o fogo também no morro da Serra Furada. Tinha um dos Alves da Forcadinha, que fãzia remédios de capoeira. Remédios
Mas clareava que você podia ler um jornal de dentro de casa. E fumaça!Impressão bons. Joaquim Bonetti tinha um livro de homeopatia e fazia uns remédios.
terrível! Com os aceiros conseguimos' evitar que se alastrasse aqui embaixo. A maioria do povo ia procurá-lo.
Daqui veio vindo do Sul e passou. Foi até a Serra da Forcadinha. Parece Uma vez chegou aqui alguém com um roteiro assinado pelo Antônio Marques
que chegou ao Corvo Branco. Morreu muito bicho. Antes eu chega~a a criar Anão. Me perguntaram se era jesuíta, ou quem era. Não soube dizer. Mas
30 ou 40 filhotes de papagaio por ano, para vender em Orleans. HOJedá um depois consegui saber que era o construtor da estrada de São José a Lages.
casal, dois, quando muito. O Tolentino Sombrio, com dois filhos e um genro foi que construiu a Capela
Aqui se fala de um roteiro de uma mina de prata dos jesuítas. Já veio da Serra Furada. Mas muita gente cooperou".
gente do Rio Grande, pararam lá em casa. Uma vez veio o Secretário da Prefeitura Fala a senhora Cecília Wessler: "Não foram fáceis nossos primeiros anos
.,...de Porto Alegre, mais um fiscal. Ficaram uns três dias, depois choveu. ' na Serra Furada. Nem corrente para as panelas nós tínhamos. Precisamos usar
o;';: Quando fu(de muda para a Serra Furada, o Bertolino Meurer era o homem uma corda de imbé. Não tínhamos mesa, e comia-se no cbão. Eu tinha muito
,:~ que mais ca~va por esses morros. Aí chegou um argentino com um roteiro medo de um ataque de macacos. Eles entravam no paiol e faziam aquele barulhão
~.;;"emespanhol e. o contrataram para ele descobrir onde estaria os sinais de que dos diabos .
•-ese falava no roteiro. Traduziram e a Maria Bloemann escreveu em português. Nosso Padre era O Padre Jacó, que vinha a cavalo de Braço do Norte.
Eu consegui uma c6pia desse roteiro. Conta que existe um grande tesouro A vida era tão difícil que nem querosene a gente conseguia, tentava iluminar
dos jesuítas, aí. Fala que é a maior mina de prata do Brasil. Ainda tem um com óleo ou com banha, mas queimavam mal. À noite fazia-se facho de bambu.
';,~ lugar, o primeiro córrego depois da subida da Serra do Corvo Branco, que Andava-se a cavalo, mas também muito a pé."
," nós chamamos de Paradeiro dos Jesuítas. Existem lá umas cavernas onde o gado Está presente agora o Prof. Lourenço que nos descreve um ou~o sistema
-"pe abriga em dia de chuva e mo. Tem um efeito de eco; quando se fala aqui que se usava especialmente em Aiurê, onde viveu com o Pe. Heriberto Borget,
,,;,ele responde como se fOsse um alto-falante. Fica uma voz forte. Na porta ou para carregar os doentes. Pegavam-se duas varas e amarravam-se uma' em cada
entrada há um mapa desenhado. São riscos na grossura de um dedo, feitos lado de dois cavalos. Ali no meio colocava-se o doente num lençol e desta
a ponteiros de aço. Lá adiante tem um tipo de sol nascente ou uma hostiazinha. maneira era conduzido até onde houvesse recurso ou melhor condução. Isto,
Mais adiante há uma escrita gravada com ponteiro, mas menos profundo: mina acontecia especialmente com gente atirada. Porque, naqueles tempos, Aiurê
de prata. Muita gente escavou até dois metros de fundura e encontrou cinza era um lugar perigoso. Havia muito bandido acoitado no mato. Havia um tal
e carvão. Nos peraus têm uns buracos grandes. Uns dizem que dá de entrar, de Zeferino, por sobrenome, que fazia sua casinhola em plena floresta, de
outros que não dá. achões, com apenas uns furinhos para atirar. Nem polícia se aproximava. Antes
No roteiro consta que o lugar é difícil. Tem que entrar pelo lado poente de subir o primeiro morro da Serra Furada tem uma galeria cavada a picareta,
do sol. Tem que descer em três degraus escavados na pedra. muito estreita no começo, dando passagem a uma só pessoa. Era um dos lugares
De outros tesouros não se conta muito aqui. Alguns acreditam muito. No de refúgio dos perseguidos. Muitos desses aventureiros eram de Curitibanos,
roteiro fala de uma lagoa verde. Essa teria diversos tesouros escondidos. Aqui como os Pires mais os bugreiros João Domingos e Zé Domingos.
tem pelos costóes, uma lagoazinha muito profunda. Ninguém até agora mediu-lhe Vitorino Heinzen vai nos fàlar dos maiores bandidos, arruaceiros, brigadores
a profundidade. Um dia o Basílio Perin, matou uma carpa de 9 quilos ali. do Aiurê, por volta de 1930: "Fui para a Forcadinha em 1930, quando
Uma carpa só! Como é que podia estar lá no meio do mato! só havia uma bodega lá, do Ricardo Meurer. Já havia capela. Moradores da
Na época das serrarias tivemos um período de muito progresso, tanto que região eram poucos. Em 1931 já colocamos uma serraria. Lá foi a primeira.
os alunos da escola chegaram a ser setenta e ela precisou ser desdobrada. Isto Antes da nossa havia uma aqui na Ilha Grande, de Müller Schmidt. Nós serráva-
por volta de 1951. Hoje voltou tudo como antes. O povo já não derruba mais mos só para Olugar. Era pouco mais de dez tábuas por dia. Mancais de madeira,

106
107
rolamentos de pindavum':, também as corrediças. A água era pouca, a serraria
era lerda. Vivia-se mais da lavoura que daquilo. Prenderam s6 esse. O outro nunca pegaram. Não ncou um ano na cadeia.
Já moravam láa família Rohden, os Brito, Pedro Michels, Augusto Michels, Mandaram soltar".
os Seibert.
Nós tínhamos um terreno no município de Urubici. Tínhamos lá um gadinho
de umas 100 cabeças. Todo mês íamos lá atender. Uma vez mandei os rapazes
11- VITORIO HEINSEN
com os cachorros para pegar um tatu para comermos no outro dia. Mas voltaram
Agosto de 1981
dizendo que não havia tatu. No dia seguinte passamos por lá e vimos tudo
fuçado de tatu, aquele vassoural. Aí eu disse: - Hoje de noite o 'l.ue v:u "H~ muitos anos a~rás o Manue~ Felizardo fo~ pago pelo governo,
sou eu. E se o cachorro não matar um tatu, mato esse cachorro. POIS, nao Junto com um !lo de meu pat, Manuel Hemsen, para servir de
sei que havia cOm O cachorro. Chegamos a ouvir um tatu caminhando ~ ~ guarda aos agrimensores, contra o ataque dos índios. Um à esquerda,
cachorro nem ladrou. Pegamos o tatu. Aí peguei o cachorro pelo rabo e atireI um à direita da linha de demarcação, para evitar que os bugres chegassem
quinze metros abaixo. a atacar. O Manuel Felizardo um dia sentou-se para acender o cigarro. Acendia
Tenho uma história do tempo de D. Daniel. Veio fazer uma crisma em lascando pedra-fuzil. Botou o pistolão de dois canos no colo. Aí um bugre
Urubici e depois foi dar a bênção numa grutinha do Celeste Ghisoni e tomar quis. curioso, se aproximar mais, para ver como fazia para acender o fogo.
um copo de vinho com ele. Ao volt~, a ,pé,_vinha ao e.nC<?,~tro ~ comi~va Depois que o Felizardo acendeu o pito, guardou a eambuquinha e viu, quase
um bêbado. Aí reconheceu o bispo; A bençao, D. Damel! e caIU no chao. em cima de si, aquele bugre, com ar de riso. Descarregou os dois canos da
E o bispo: "Deus te acompanhe'" Aí o bêbado: "Quer me acompanhar, me pistola nele. O índio disparou e juntou-se aos demais, que eram mais ou menos
acompanhe, mas não empurre." uns 40 bugres.
Fala o Vitorino: "No tempo em que em Orleans dominava a família Naquela noite os bugres foram lá no Minador e assaltaratn a casa do Felizardo.
Nunes formaram uma questão com meu pai Leonardo Heinzen e o tio José Roubaram tudo. Não mataram ninguém. Isto em 1910. Estavam medindo na
Flor em Brusque do Sul. Aí os Nunes começaram a fazer um par de bailes
Já região de Brusque. Nesse dia estavam no Morro da Palha.
por iá, porque eles eram bagunceiros e mesmo des~~speitavam as ~ílias. Na Serra do Imam! era cobrado um pedágio. Foi mandado lá o João Leandro.
Aí, acharam que meu pai e meu tio eram os chefes políticos de lá e lhe tiravam Fazia a cobrança da passagem de gado que descesse a Serra. De fuzil na mão,
votos. Pensaram em matar os dois. Daí justaram o João Domingos Gonçalves não havia como escapar. Pelo fim, começou a cobrar mais do que a taxa. Até
e o Martim Felizardo, dois bugreiros, para matar esses dois homens. Os dois que um dia o fazendeiro Chico Correia disse: "Eu não vou pagar. Não ganho
estiveram em nossa casa uns pares de vezes. Quando o Martim Felizardo estava isso por boi'" Não pagou e disse que se retirasse, se não atiraria. Passou. Desde
muito mal, para morrer. mandou chamar o pai. "Escuta, seu Leonardo, então foi cobrado, mas entrando em acordo com os serranos. Isto era em 1930.
você me desculpa. mas diversas noites estive na sua casa e vocês estavam Meu pai também foi para lá, para guarnecer a descida da Serra durante
rezando O rosário. Mas a você mesmo nunca vimos. Os cachorros nos atacaram, a Revolução de 30. Deram-lhe 5 fuzis. Com uns amigos de coragem ficou
chegamos a quebrar a porteira. Isto de certo lhe contaram. Pois sabia que guardando a Serra e outras lifas, para que não descesse cOIjade ladrão nenhuma.
na ocasião nós tinha sido justo para matar você e o José Flor. Quero que De fato um dia apresentou-se um indivíduo com uma tropilha de cavalos. "Apre-
você me perdoe'" Logo em seguida, morreu. De fato, meu pai, nessas noites, sente os documentos, seu!" "Meus documentos estão na cintura". Mostrou
temia que pudesse lhe acontecer isto mesmo e ficou dormindo no mato. o revólver. Nossos homens estavam prevenidos e havia um escondido que
disparou um tiro de aviso. " Estás vendo? Entregue-se ou vai morrer'" O
Foi mortó .depois o Juvêncio Nunes, na frente do cinema. Os assassinos
homem atirou-se do cavalo para fugir, mas o do fuzil saltou-lhe em cima e
foram pagos por José Flor e pelo Galdino Guedes. Justaram uns morenos de
o desarmou. Prenderam. Foi amarrado Com um laço no pescoço. Meu pai
Urubici para matar. Vieram e mataram ohomem. Estavam vestidos de capa.
chamou o José Essem e foi levando o indivíduo. Ao chegarem na Coxilha Seca,
Atiraram de dentro da capa e mataram.
diz ele. "No tempo que eu era tropeiro, ajudei a matar um homem nestes
Depois a polícia foi no rancho de um deles. Ambos já eram bandidos, de matos aqui. Aqui nós matamos o Terêncio. Matamos para tirar o dinheiro e
matar. mesmo. Ele estava mexendo café numa chaleira. Sozinho no rancho. jogamos no rio". Continuaram. Logo adiante pediu para ir para o mato. Deram
O polícia chegou e lhe deu um tropeção. Entregou-se. Amarraram na cintura laço. Mas notaram, mal em tempo, que ele tinha um canivete e já ia atorando
e chegaram lá, desde Urubici, na casa do meu pai, em Brusque. O homem o laço. Puxaram para a estrada. Ao subir o Morro da Fazenda, ainda ofereceu
estava amarrado com o cabo do buçal. Ele ia a pé e o comissário a cavalo. todos ~s cavalos para meu pai, contanto que o desamarrasse para não ser
visto na cidade amarrado, já que era tropeiro conhecido' em Orleans. De fato
108
a turma reconheceu. Era o Manuel Sozinho. Os cavalos eram roubados. Dias
depois chegaram os donos dos animais.
Havia muitos valentões por aqui. Havia uns caboclos com pouco entendi-
mento, gente do mato, de todas as origens, também brancos. O João e o José
Domingos, o João Francisco Meurer. .. Esse era caçador de bugres. Foi muitas
vezes bater nos bugres. contava-me ele mesmo. Nunca foi por querer, sempre
quando chamado. Os bugres davam prejuízo no gado, prejuízo de lavoura,
roubavam milho-verde para comer. Uma vez o Frederico Klein mandou chamá-
lo, porque os bugres lhe tinham roubado uma novilha. Foram em cinco na
perseguição dos índios: o João, o Frederico e mais três. Foram e descobriram
o rancho. À noite mataram todos os que estavam aí. Por fim, tinha as crianças
dos bugres. Eles jogavam para cima e aparavam na ponta dos facões. Isso
ele mesmo contava. Falaram em 18 grandes e 8 ou 10 pequenos. Logo em
seguida, me passou procuração para vender-lhe as terras e o engenho. Queria
sair dali e ir para o Paraná, pois temia represálias dos bugres. Aí vendi para
o Francisco Campos, de Santo Amaro. Veio. Havia um padre atendendo a
capela e ele confessou-se. Ao meio-dia passou lá em casa e disse: - Vizinho,
eu me confessei hoje, mas eu não vou ter salvação nunca, porque matei bugres
e aquelas crianças que eu não podia ter matado. - Que crianças? - Eu matei
bugres pequenos, bugres novos. Nunca mais me saiu da memória: Quando
era mais forte ainda suportava. Agora não estou agüentando mais. Me confessei
agora mesmo, mas estou achando que não tenho salvação. Aí eu disse: - Pode
crer-me na certa: que os padres têm autorização para perdoar tudo o que
for pecado. O senhor está perdo~do e nem precisa mais cismar nisso aí.
- Não sei. Tomara que fosse! E amanhã o senhor vem na comunhão?
- Venho. Amanhã o senhor passe lá em casa que quero lhe dar um presente.
No outro dia fui lá, mas os netos disseram que o avÔ saira com um ..cabresto
para procurar um cavalo na Serrinha. Na outra manhã vieram avisar-me que
o avô se enforcara num pé de árvore no cabresto de couro cru.
Os Britos eram morenos, cabelos crespos, não pretos, cor de cuia. Havia
o Nascimento Brito e Lucas Brito. Esse foi muito caçador de porcos-do-mato.
Numa ocasião quando eu ainda era guri novo, fui caçar com ele e matamos
nove porcos, lá embaixo da Serra. Transportamos com cargueiros. Tiramos
Recorte da Serra Geral- Três Barras - Orleans, se. o couro, salgamos. É uma carne muito boa, comida no feijão, Se frita é um
(Foto Evandro Rodrigues)
tanto seca.
Os Britos não eram arruaceiros. Mas enfrentavam qualquer perigo. Era
gente de coragem. Até colaboravam com aautoridade. Meu tio, Antônio Cordelli,
era o quarteirão daqui. Um dia foi com um dos Britos para prender um tal
de Olavo Eliziário, rapaz que não queria se entregar. Tio Antônio foi armado
de mauser. e o Brito não quis arma nenhuma, nenhuma. Chegou na roça,
deu voz de prisão ao Olavo. Esse já quis pegar a arma. Mas o Brito derrubou-{)
com uma cabeçada. Desarmou-o. Esse Olavo não queria seguir com eles. Amar-
raram com um cipó e com outro deram-lhe nas costas para valer mesmo. Aí
ele seguiu. Deixaram preso um dia e soltaram. Isso na Forcadinha.

110
Os Britos nunca mataram ninguém. Só bugres. Esses sim mataram. Eram p~ra o caixão. Pregaram alguns pregos enferrujados, mas muito mal pregado. '
caçadores de bugres. TlV~mos que amarrar com cipó. A estrada era estreita, então pegamos um
Caçadores de bugres aqui eram o João Domingos Gonçalves, o João Francisco varao d~port~ira e amarramos o caixão nele e fomos carregando. Tivem'os
Meurer, o Lucas Brito, o Henrique Vandresen. Sei de outros colonos e caçadores que s~b~r~m p~rau de uns cinqüenta metros. Havia um limo liso. Um escorregou
que. mataram índios, mas não eram caçadores profissionais. e o calXaola caIndo perau abaixo. Salvamos por pouco.
Na Serra do Doze, à direita de quem sobe, houve uma caçada em que Doente a gente carregava atA aqui na Ilha Grande. Depois COma Serraria
participaram diversos colonos italianos. Pegaram um rapaz bugre, de uns doze d?s Nan?ia estrada foi chegando para mais perto. No tempo do Prefeito Luís
anos. Iam levar para fora da mata. Mas enquanto os bugreiros que chefiavam P1ZZolattl,de Orleans, ele decidiu abrir a estrada até Aiurê. Fui feitor nesse
a expedição foram dar uma volta, os colonos decidiram matar esse últim~ b~g~e, trabalho: Demoramos uns três meses para abrir uma estrada de três metros.
também. Quando os bugreiros voltaram levaram as armas para matar dOISItalia- . HaVIa um tal de Hercílio João Bilica, inspetor de quarteirôes na Serraria,
noS que tinham executado o rapaz. Ai pediram por misericórdia, que deixassem RIOFortuna. Era capanga do Martinho Ghiso que lá era dono de 127 colônias
e tal. Ai não mataram. Quem contava isto era meu avô Luiz Cordini. de 25 hectares cada uma. Estava lá para ver se impedia que outros posseiros
N uma época passei a ser o caixeiro, balconista, da venda do meu sogro entrassem nessas terras já que havia uns 80 intrusos ou posseiros. Começou
Domingos de Oliveira. Aí chega o famoso Israel, com um facão de uns trinta a se prevalecer e. a colher parte das colheitas dos colonos. Ai o Pe. Eriberto
centímetros: - Eu quero agulhas de máquinas, número três. - Não temos Borget falou na Igreja - O que derrama o suor de sua fronte é que deve
agulhas, senhor! - Não tem? Você, dê um jeito nas agulhas se não eu te ~olhe:. O Bilica não gostou. Mal acabou a missa chegou lá no padre. _ Não
corto o pescoço. Bateu com o facão na mesa do balcão. Ah, corri para a casa e :SSl~ que se fal~, padre, e eu vim aqui para lhe passar o relho! _ Mas
da sogra e peguei agulhas dela. Entreguei. Ele ainda deu dois talhos no balcão, ,nao ate que nós estivermos aqui!, interviemos eu e o Cordioli.
tirando lascas. Esse era perigoso e temidol Quando tomava uma cachacinha, No mesmo di~ ele passa numa casa de moradia. Pára, vê que estão jogando
fechava o comércio. b~aI~o: E~tra, tira o baralho e o dinheiro depositado. E não devolve mais.
Daí começou aparecer um tal de Miranda. Gostava de corridas de cavalos. AI dOISlrmaos pretos, Fernando e Antônio Maria, disseram: _ Deixem conosco
Discutia feio. Domingo, montava a cavalo e ia dando tiros pela praça. As duas q~e vamos recuperar o dinheiro. Emprestamos um revólver. Toda casa tinha
bodegas fechavam e o pessoal se retirava. Afinal, deram parte. Num domingo PI~~O~~u revóIvder.Foram. Trancaram o homem ao apear do cavalo, conseguiram
em que ele estava fazendo baderna numa venda, foi preso e remetido para o m elTOe am a tomaram uma cerveja ju~tos.
Orleans. . Há muita gente sonhando com o Morro da Igreja. Ê o ponto mais alt
Veio então o Pires, um ladrão. Roubava pontas de gado na serra, roubava do Sul .do País e diz um compadre meu que os militares andaram por a~
cavaloS. Era de Curitibanos. O pai dele também veio morar ali. Quando esteve e .até. d,sseram que parte do terreno pode ser desapropriada. Vem gente do
bem mal, pedimos se não queria se confessar. - Ah, não adianta mais! Sã RIOd,zendo que está.fazendo pesquisa para o Governo Federal, que fotografou
causante de 18 mortes. Algumas com razão e outras sem razão. Matei um todas as .ser~a~. Que filmaram. Alguns dizem que futuramente isto vai ser o
de Winchester só por que achou-me feio. Mas nós insistimos, até que ele local .mars v1Sltadodo País pelo turismo. Haverá estrada asfaltada por baixo,
concordou. Chamamos o padre. Antes que ele entrasse, quis que retirássemos po~ cllI~a, sendo que vai haver elevadores para levar o pessoal até as alturas.
de sob o travesseiro o revólver com seis balas, e dos pés da cama a winchester Var se mt:grar tu~o: Laguna, praia, águas termais, museus, costão da serra,
com 44 balas. O padre ouviu a confissão dele durante umas duas horas. Na neve de Sao JoaqUIm... Isto se dizia já há muitos anos.
manhã seguinte o velho morreu. Esse nós ajudamos a salvar. Quando estávamos roçando para abrir a estrada da Serra do Corvo Branco
Um tal de Lauro, de Urubici, filho do delegado de lá, veio morar em e co~ o António ~unha, encontramos uma pedra grande com três letras, d~
nossa região. Um dia chegou a cavalo na venda e estávamos tomando umas um tipo que nós nao conhecemos. .
cervejas. em três amigos. - Como é, essa cerveja é s6 para vocês? - Não, . Na Serra Perdida há uma lagoa. Bem, havia. Depois que acabaram o mato
o amigo se achegue! - Vamos ver se está temperada. Arrancou do revólver .' secou .. Era uma lagoazinha. O povo falava que havia um peixe grande ali:
e mexeu na cerveja do meu cunhado. - Que faz esse baralho ali? Vamos que nmgu~m pegava: Nuna é.poca em que eu fiz uma estrada por cima, para
jogar uma canastrinha? - Pois, se alguém mexer nessas cartas furo tudo a ;i'. tirar ma~el~a, um d.a peguei a espingarda e fui caçar. Quando passei pela
balal Ah, mas peguei o homem pelo pescoço e derrubei. Consegui desarmá-lo. ' lagoa av.stel aquele negócio meio diferente. Atirei. Aquilo desapareceu foi
No dia seguinte veio a autoridade. Saiu dali pouco tempo depois. . 'o, o
para. o fundo. Mas depois apareceu. Era uma carpa de oito quilos e rr:eio.
Em 1938 fui chamado para ir buscar um homem, o Guilherme Seubert, Media 85 centlmetros de comprimento.
que havia morrido. Distante do comércio, 9 quilômetros, não tinham pregos De caçadas boas eu tenho muitas. Mas uma vez fomos eu e o Ernestinho
"'.'4" Biblioteca Universitári?
112 UNiBAVE 113
'lá no .ri~ Pelotas, no terreno dos Machados. No sábado matamos cin~o veados
Esse terreno eu comprei da Empresa de Terras. Ela tinha seus primeiros
e no d.ommgo mal's um , sendo que atiramos noutro, mas esse fOI embora. galpões ali na praça mesmo. O Etienne Stawiarski é que construiu, mais acima,
Não é muito tempo, não. Creio que hoje, nessas fazendas em que os donos
uma casa de pedra. Depois foi comprada por meus tios.
não deixam caçar, há mais veados que há 50 anos atrás. • •
Não conservamos nada do tempo do avô. Talvez a bigorna da ferraria esteja
De lagos, nesse costão da serra, o que eu conheço agora e s6 um la em
com o Pedro Dacorreggio.
Santa Rosa, em Santo Antônio, no terreno do Zé Beger.
Teve um tempo aqui em quc houve diversas fábricas de banha. Havia a
O fulecido Bertolino Meurer fulavaque na época da guerra não se encontrava
do Ângelo Alberton. Dessa se conservava ainda a chaminé. Essa era grande.
chumbo para caçar. Ai ele conhecia um lugar na serra, dizia ele, onde ia buscar
Havia fabriquetas pequenas. Eram do Henrique Antunes e de outro que não
estanho ou chumbo para fazer perdigotos para caçar. me lembro.
O Martinho Loch e o Antônio Buss, na mesma encosta do açude seco,
Primeira serraria, quem colocou aqui fui eu, por volta de 1933. S6 paramos
encontraram um material, do qual trouxeram uma sacada. Falaram que era há um ano.
alvaiade de certo material que não tem grande valor.
Houve uma ferraria dos Dacorreggios na casa de pedra do Etienne. Havia
José' Pedro Miguel é um caçador que ,:,ato~ oi~o_ta~etes a~ embaixo da
outra aqui na praça. Havia uma fabrica de gasosa do Teodoro Fausl.
Serra. Isto há uns dois meses. Até pegou malS dOlSleltoezmhos ViVOS. .
Primeira luz elétrica para Grão Pará veio da usina elétrica de Ângelo A1berton.
O f.unoso Israel morava cá embaixo da Serra do Rio dos Bugres. Um dia
Depois eu comprei. Quando entrou a rede estadual, pagaram-me alguma coisa.
mulher dele foi buscar lenha seca e não voltou. S6 depois de 18 dias é
Eu tinha a usina elétrica, a serraria, o moinho e o descascador de arroz.
~ue apareceu e disse que tinha sido roubada pelos bugres. Três bugres a.t~n~am
Havia muito italiano. Hoje ninguém mais fala essa língua. Lugar de mais
arrastado até o rancho deles. Depois de 18 dias os índios estavam se dmgmdo
italianos era o Braço Esquerdo. Misturavam.se muito, outros' saífam. Lugar
para o rio Minador. Aí passaram por um mato que ela reco.nheceu como sen~o
de mais alemães era o Rio Pequeno. Poloneses era a Linha Antunes'Braga.
o mato em que linha colhido palha do mato para cobrir o paIOLPegou o carrelro
Antigamente nossa sede de municípios era Orleans. Precisava de qualquer
e veio embora. Dizia que a respeitaram muito. S6 entrevistaram, querendo
coisa, era lá. Até remédios s6 havia lá. A primeira farmácia daqui foi do fulecido
saber das nossas comidas ... Isto foi por volta de 1945. Elpídio.
Quando apareceram os três bugres das Três Barras, eu era um que não
Eu conheci Grão Pará com uma bodega e algum ranchinho. Não dá para
acreditava que já houvesse bugre por ai. . . . dizer que eram casas. Eram ranchos.
Muito antigamente o Antônio Napoleão e mais dOlScaçadores diziam ter
Quando chegaram da Europa, os meus av6s pegavam meio sacC:de milho
encontrado uma mina de prata. Confirmaram que era prata. Mandaram um
nas costas e iam para a tafona de Rio Pinheiros, por uma picadinha pela qual
saquinho de minério para fora. E receberam cartas dizendo que h~ muito te~po
nem a cavalo se podia andar. .:; :'. .
se procurava essa mina, que estavam precisando deles para l~cahzar essa mma.
Nossa única autoridade, antes de ser município, era o Inspetor de Quarteirão.
Isto foi gente de Curitibanos. Mas eles nunca contaram. U~lima','lente,. quando
Eu não lembro, mas contavam que," mais antigamente, dava muita briga.
estava com 102 anos, ainda foram perguntar: para Napoleao. AI ele disse que
Uma vez deu uma trovoada meio feia e descambou chuva de pedra. Mas
estava entre a Serra do Doze e a Serra de Grão Pará. Diz que s6 lembrava
foram pedras! Os matos ficaram límpos, s6 com os ramos mais grossos, ainda
isso e tinha a certeza. Mais do que isto não se lembrava."
bastante machucados. "
Uma vez, num dia santo, deu um pé de vento que arrancou até casas.
12 - SEBASTIÃO DACORREGGIO Essas eram cobertas de tabuinhas.
No meu tempo de guri havia uma olaria, do falecido Manuel Nunes. Havia
72 aoos - 26 de janeiro de 1981 um tal de Bertoldo Kudhner que mia potes, e outras coisas torneadas ...
Antigamente até os pratos, umas baciazinhas, eram de maderra, especial-
"M eu avô foi o Desidércio Da~rregg~o e me~ p~i Benvenuto. O mente para as crianças.
pai veio com dez anos da Itálra. FOI dos pnmeIros a fixar-se em
Eu nunca tive aula. Não havia escola. Mas aprendemos no trabalho. Teve
Grão Pará. Passaram muito sacrificio, especialmente, com os bu-
anos de fazer quinhentas arrobas de açúcar, mais uma chiqueirada de porcos.
gres. Iam macucar de noitezinha e os' bugres tiravam-lhe a caça. Mas não
Com o melado làzia-se um pouco de pinga e o resto ia jogando no córrego.
làziam mal àqueles que não lhes miam mal. Ainda lembro do tempo de meu Não valia nada".
pai, que ele caçava muito. Mais 'passarinhos: ~acus, ,:,acuco~, jac~tingas. ":avia
pacas, veados. antas, capivaras, macacos, bUgiOS. PeIXe haVIa mUlto, demaiS.

114
13 - MANUEL NAZÁRIO
"O s velhos italianos escreviam para a Itália: com um pedaço de madeira
se faz açúcar e com uma raiz de madeira se faz farinha.
É D. !saura quem conta: - Meu pai foi dos primeiros a entrar
no Rio Hipólito, lugar de terra barata, boa e de muita caça. Dava de tudo
lá. Quanta carne de caça eu tive que salgar e secar ao sol!
Agora o Manuel fala: - Vou contar a história do incêndio da Serra. O
fogo veio de cima. Queimaram o campo e o fogoveio descendo, e veio descendo,
e veio descendo! Trabalhamos 15 dias fazendo aceiros, embaixo, para cercar
o fogo. Vimos que até as casas iam queimar. De noite aquilo clareava que
nem dia. A fumaça -era tanta que tivemos que escapar com as crianças pequenas,
até lá na igreja. Era de afogar mesmo. Do medo que chegasse o fogoe queimasse
tudo, fizeram grandes buracos onde botaram o milho. Cobriram bem de terra.
Foi terrível. Todos falavam de castigo de Deus. Queimou matas e roças, até
algumas cercas, mas casas não queimou. Durou uns 15 dias. Nas baixadas o
mato ficou. Queimou tudo, mas foi nos costões. Foram uns dias de fim de
mundo.
Índios havia e às vezes apareciam tirando alguma coisa nas roças. Mas não
làziam mal. Gostavam de roubar as caças que nós demlbávamos.
De animais meio perigosos, só vi jaguatiricas. A gente atira e ela vem
na fumaça.
Pior de tudo foi a enchente que deu aquela vez. Acabou com todas as
pontes. Ficamos sem estradas. Precisou abrir de novo, de tanta barreira que
tinha caido. Aquele foi o tempo das tristezas! Foi no ano de 1974.
Maior parte dos remédios eram de ervas. Nossos filhos nunca foram vacinados
e estão vivos. Gripe a gente curava tomando um suador. Parteira era Maria
Bago Morro. Atendia nas Laranjeiras, _CapivaraAlta, Rio Hipólito, Boa Vista.
Nunca aconteceu nada. Mesmo em caso de gêmeos, diz D. Laura, minha mãe
não tinha medo.
Fala o Manuel: - Meu pai era O Antônio João Natirio, do Armazém. Não
éramos parentes dos de Braço do Norte. Meu pai veio morar ali nos terrenos
do Seminário de Orleans. Depois vendeu para o Antônio Silva. Eu tinha seis
anos. Nós éramos em II irmãos. Dali é que comprou 4 lotes no Rio Hipólito
e fomos para lá de mudança. Isto em 1921. Trabalhou com engenho de cana,
alambique, tafona. Essa, comprou do Cacciatori.
Quanta madeira queimamos! Canela e peroba que precisava botar três ho-
mens ao redor de machado, para derrubar! Luís Carrer é que botou a primeira
Paisagem da "janela Furada" vista de Gabriúva, ar/eans, se. serraria, mas aqui em baixo, na Boa Vista. Foi comprada pelo João Darós.
(Fata Evandro Rodrigues) No Rio Hipólito foram Otto e Bernardo Schmoeler os primeiros a colocar a
serraria. Vendera,m para O Sebastião Bet!. Esse vendeu para o Ruftno. Aí parou.
Mas ainda agora tem duas outras serrarias lá.
Quando construímos a capela havia 105làmílias pertencentes à igreja."

116
117
No Morro dos Conventos trabalhei bastante, até fiz um contrato. Foi com
'14 _ REDENTO PIROLA E DIONÍSIO E um filho do Diomício Freitas, no tempo em que os Freitas trabalhavam ali,
ALEXANDRE ACORDI Trabalhei na furna. Mas não de dia. Tinha ordem de trabalhar de noite, Isto
em 1964 ou 1965,
Araranguá - Tesouros -1980
Começamos a trabalhar dentro da furna porque havia um homem que sonhava
"F oi no lugar chamado Euprazino, Canasvieira, em Paranaguá, num que havia um tesouro encravado na parede da furna. Essa furna era muito
terreno meu. N6s fomos de canoa e estávamos perto de tirar aquela grande, naquela época. Agora não, porque está toda enterrada, Foi caindo
coisa toda. No fim... Todo mundo enlouqueceu, Mas enlouqueceu uma,coisa, um foi tirando isto,.outro aquilo.
de sair fora do ar e não saber onde estava e onde não estava, Quando n6s Unica coisa que encontramos lá foi algum osso de defunto. Trabalhamos
nos aprecatamos estávamos dentro de casa. No outro dia a gente levantou uns 5 ou 6 dias. Explodimos tiros de dinamite, cavamos bastante.
com a cabeça fria e virou a pensar lendas, tesouros e pensamos no serviço Teve alguma vez que o aparelho marcava certo, Mas a gente não chega.
que estaríamos fazendo. Fomos ver a canoa, uma canoa motorizada. Vimos Na última hora não funciona mais, não dá a orientação certa, Nunca entendi
a canoa virada, toda furada, não sei com que. Motor desmontado, mas ferra- 1 esses aparelhos, Pode ser que sejam influenciados pelos veios de água, ..
mentas e tudo ali. Não roubaram nada, Ninguém lembra de nada. Até a hora i Ali nas ruínas do velho Oscar Reus, que depois foram do Prefeito Salmi,
que lembramo, tudo ia indo muito bem. Estávamos em três, Tínhamos indicação co~eçamos a trabalhar porque o aparelho acusou, Fizemos aquele buraco, aquela
de que o tesouro estaria enterrado bem na praia da lagoa. Lá s6 havia um COisatoda. Quando chegamos mais ou menos na umidade, o aparelho desligou,
lugar para encostar a canoa e havia duas figueiras plantadas na distância de não marcou mais. Não encontramos ferro nenhum, s6 encontr~mos água. Fora
uns 5 metros. Tudo indicava que a coisa estava no meio dessas duas. Quando daquele lugar marcava de novo. Tem mistério nisso. Talvez o aparelho funcione
começamos trabalhar eram umas 8 horas da noite. Ninguém morava naquele quando o neg6cio já está abandonado, com prazo vencido, É, deve ter um
terreno. Era um deserto, Não tínhamos tomado cachaça, Ninguém de n6s to- prazo estipulado. Por que, quem guarda, é por um tempo, ., " .:
mava. O Mané Elias sabe de muitos casos. Diz que um velho ente;rou'um tesouro
Estávamos parando lá há dias na casa da fazenda que eu tinha comprado, desses na Serra da Pedra. Tinha enterrado na cozinha. N6s fomos lá, Quando
Para ir nesse lugar era preciso ir de canoa. chegamos, perguntamos, mas o velho: - Não, aqui não tem nada! Depois
Uns dias antes já tínhamos cavado ali. Naquela noite n6s tínhamos começado levou lá num costão e largou n6s lá num meio de um capoeirão. Lendas, Não
o serviço. Não trabalhamos mais de meia hora. Fomos dar 'acorde de si s6' tinha nada. (Fala do Dionísio) .
no outro dia, lá na casa da fazenda, Nenhum de n6s nunca soube como voltamos, Uma senhora, quando ia voltando da Capela dos Ausentes ';ontava que
porque, o que houve ... Aí não tivemos mais coragem para enfrentar. Os sonhos era professora e morava aqui embaixo: - Mas não vale a pena ci',que ganha,
continuaram, mas não adianta ter sonhos se falta a coragem" para enfrentar. porque, s6 o medo que a gente passa nessa Serra, para descer.~:'. Aí linha
Tive que arrumar a canoa com auxílio de um morador que morava no fundo um senhor já de idade que lhe disse,: - Senhorita, a senhora vai trabalhar
do terreno, bem longe. O terreno eu já vendi, para uma firma de Curitiba. porque precisa ganhar dinheiro, A senhora quer ir buscar dinheiro? Está vendo
Por lá há muralhas de um convento de jesuítas. As figueiras abraçaram aquele grotão? Lá tem uma escadaria. Daquela escadaria para baixo, oito metros,
os muros e são elas que agora os sustentam. a senhora vai lá que tem dinheiro à vontade. Eu tive lá e não pude carregar
Um rapaz de lá veio morar aqui e sonhava com o tesouro. Ele saiu daqui tudo. Quis levarJlma parte s6. Aí o homem que estava lá cuidando disse:
para morar no meu terreno. Mas a fazenda era muito grande, uns 600 hectares , - Não, ou leva tudo ou não leva nada. A senhora vai lá. Não fomos lá ainda,
! Já entramos em tanta fria...
de terra.
Aconteceu por volta de 1970 ou 1969. Uma hist6ria aqui em Araranguá é contada ainda hoje pelo Velho, um vende-
O rapaz dizia que era uma canastra, de dois metros por um metro, e 80 dor de loteria que vem de Criciúma, seu Dionísio Frigo que vai contar: -=
centímetros. Cheia de barras de ouro, libras esterlinas, .. Apesar de tanta Os padres deram esse tesouro para ele e para o filho que estava por ganhar.
coisa nã~ deu coragem de voltar. Não deu, Dá medo mesmo! Nessa vez não Morava aqui no Mato Alto, Quando a criança cresceu, esse Velho, ele já ia
ouvimos nada, Barulho ouvimos, mas pertinho dali, onde havia um casco de para a praia e conversava com os padres. Um dia disse que foi cavar e cada
navio afundado. Aquilo, toda noite era uma batucada, Muitos sonhavam que ..t' vez que se abaixava vinha um cachorrinho e lambia na orelha dele. E os padres
havia um tesouro lá dentro. Eu ouvia,' todo mundo ouvia. Qualquer um que ali na frente. Na hora que levou a mão em cima da caixa do tesouro, os padres
fosse lá ouvia. Isto era navio do tempo dos piratas jesuítas. Há uns 400 ou lhe disseram:, - Vem cá, mas o que estás fazendo ali? - Sim, mas isto aqui
500 anos. não é meu? E teu. Mas não está no tempo de tirar, ainda, Espera que quando

11k 119
chegar o tempo, nós te avisamos.. Marcou bem ~ lugar. Ma.is v~zes ia lá ~ pedra. Aí não apareceu mais. O letreiro está com ele. Masele é muito desconfiado
conversava com os padres. Não seI se eram francIscanos ou Jesmtas. Era ah ou muito ambicioso.
nos campos da praia. Era só passar o Fundo Grande. Fica além do Arroio Eu .morei em Bom Jesus em 1952 e 1953. Lá me falavam de um tal de
do Silva. Diz que ia para lá e não tinha medo de nada. Os padres vinham Gritador. Mas, eu não acreditava ... Mas um dia eu fui pescar, eu mais um
pegar ele em casa e o acompanhavam. Esses tempos vieram e avisaram ele. colega meu. Eu tinha ferrado um jundiá. Haveria mais de hora de sol ainda.
Tem que ser hoje. Ele só foi depois de três dias e não encontraram nada. Naquilo ouvi aquele grito lá embaixo no grotão: Hiiiooo! Fiquei quieto, não
O local foi encontrado. Mas depois fui lá com o aparelho mas não acusou nada. disse nada. Daí a pouco: HIII0001 Aí o meu colega: - Escute: o Gritador.
O bom é falar com ele mesmo. É o Velho, do jogo do bicho." Mas nisso armou-se uma tormenta tão feia que nós tivemos que se escapar.
Um rapaz que está no Jersi sonhou que na cozinha dele tem dinheiro. íamos parar na fazenda. Mas não deu nem tempo de pegar os caniços e a
O chão na cozinha chega a rachar. Fiquei de ir lá. Até agora, ninguém água desabou. Chegamos molhados na fazenda. Contamos o caso. - Pois é,
meteu a mão. Até hoje nunca deu certo. É uma coisa que aparece ... E incrível. disse o dono, isto é do tempo da revolução. Nessa ocasião foi visto um homem
O dia que eu posso, ele não pode ... rico daqui descer com um animal com cargueiros. Depois subiu, já sem os
Agora fala Alexandre Acordi: "Fui à casa de meu falecido sogro Jo~o Paulino. cargueiros. Antes de terminar a revolução o homem morreu. Aquilo ôcou lá.
Ele dizia que tinha um dinheiro enterrado. Se alguém dissesse: - E mentira!, i Ninguém tirou.
dava um ataque e caía. E minha sogra era capaz de botar um palmo de língua.
Mas ninguém mexeu nesse dinheiro. Era na cozinha, debaixo do assoalho.
I Em Bom Jesus havia três homens valentes. - Não, quem é que vai ter
medo de gritador! Foram lá. Era de dia ainda. Havia uma árvore bem ramalhuda.
Um dia minha sogra diz: - Alexandre, queres tirar esse dinheiro? Fui mandar O Gritador começou a gritar lá embaixo. Hiiiooo! E eles cá em cimaresponderam
benzer uma vela, no Turvo. Cheguei no Turvo, no morrinho do Rovaris e Hiiiooo! Alguém diz: - Olhe que isso aí não é gente. .. - Não, é gente
encontrei um velho. Esse me diz: - Tu vais para lá e eu vou para cá. Somos que está perdida no mato. E continuaram a gritar, e aquilo respondendo sempre
desencontrados. Eu toco o cavalo. Esse desembesta, me derruba da aranha mais perto. Quando chegou a uma distância de 50 metros, gritou e eles respon-
e a deixa quebrada. Tanto que fui um eito a pé, todo empantanado. Voltei, deram bem forte. Pois quando gritou bem forte, diz que aquela árvo~echacoalhou
trouxe a vela e fui tentar tirar o dinheiro. Não consegui, porque era debaixo tudo. Os dois companheiros correram e o que tinha gritado puxou pelo facão
do assoalho e eles moravam dentro. Nesse meio tempo eles faleceram, e ôcou e provocou. Diz que foram pro facão que só viam sair fogo. Só viam ele e
a casa sozinha, abandonada. Então fui lá com um rapaz, meu gurizote de 13 os dois facões batendo. No ôm, correu também o terceiro.
ou 14 anos. Fui lá, despreguei o assoalho. Cavei mais ou menos a fundura O Gritador eu ouvi, mas não vi. Ele existe, até hoje.
de um metro. Ali achei muito carvão. Aí não consegui mais atirar a terra para Lá, diz o dono da fazenda, é que tem um carr~lro de pedra colocada.
fora. O buraco ôcoulá e nem fui mais. Até parece que foi posta para dar o rumo, onde estariam os cargueiros ...
Dionísio: - Em Bom Jesus, um tal de Lica, um fazendeiro, sempre me Lá em Bom Jesus tem outro Gritador, pior que o primeiro. Gritou, respondeu
dizia que tinha um tesouro atrás da casa dele. Num domingo foram cavar. e ele já está em cima. Diz que foi escondido um tesouro e o escravo que
Quando chegaram no carvão, a mulher veio avisar que o almoço estava na escondeu foi morto e enterrado em cima.
mesa. - Vocês têm tempo a tarde toda, e o almoço esfria. Quando voltaram Aqui em Urussanguinha o pai João disse que a senhora dele sonhava com
não encontraram mais o lugar. Tapou-se tudo por si. Até a turma se aproveitava um tesouro. Foram no lugar e tiraram a primeira pedra. E havia uma moedinha.
desse mistério para pregar peças na gente que passava. Botavam caveiras com O sonho era assim- mesmo. Logo embaixo encontrariam o tesouro. Mas viram
vela e os camaradas corriam que não paravam mais de correr. um cabrito ali perto. O cabrito foi crescendo e ôcou com uns cinco metros
Aí no Jacaré tinha alguém que sonhava muitas noites que havia um tesouro de altura. Nem é preciso dizer que correram de lá. Hoje tem uma casa perto
perto de uma laranjeirinha. Minha sogra varou por perto, d~ noite. Viu uma e não dá de ir lá.
luzinha sair da laranjeirinha e ir para outro ponto, perto do no. Uma cunhada O Krieger, dono desse hotel, dizem que achou tesouro grande. Era um
minha não parava nunca de sonhar. Eu ôquei de voltar ali para saber se deu senhor que vinha e falava para a ôlha dele.
resultadd. Jose Cenaro Salvador: - Na subida da serra Velha da Rocinha há uma
Dionísio: - Há o caso do vereador de Maracajá: esse sabia de um tesouro escada, parece que feita pelos padres. Quem esteve lá comigo tinha visto a
muito bom, lá na serra da Pedra. Lá, todo dia, ao meio-dia, aparecia um padre. escada lá. Hoje não existe mais. A escada era feita de pedras e de um material
Havia uma pedra toda escrita em latim. O sogro e a sogra dele estavam espan- que eu não sei explicar o que é, um concreto de óleo de baleia, talvez. No
tados, dado que eram freqüentes essas aparições, pegou um papel, foi lá e lugar da escada, estava tudo cavado. Diz que foi um homem de Criciúma
desenhou as letras todas. Aí foram lá com uma marreta e quebraram aquela lá. Com ele foi o irmão do meu companheiro. E apareceu o douo do tesouro,

120 121
dizendo-lhe que não carregasse o tesouro porque seria morto. Aí, ao .chegar não conseguiu. Chegava-se sempre a um certo ponto em que faltavam recursos
.' se t,'rou o revólver e pediu a parte que lhe cabIa. Ele ou faltavam máquinas. O que me atendeu, o Fulgentino de Oliveira, tinha
na casa d o gUla, es h b
morava cá embaixo e a escada era lá em cima, no último tree o, em no uma empreiteira em serviço, do Zezo, José Orlando, que vinha trabalhan'do
penhasco. Hoje não se vê mais nada de feiltl pelo homem lá. Era um pouco já desde a época do Zilli, que renunciou seis meses antes de terminar o mandato.
retirada da estrada, mais para o norte. . A seguir houve troca de empreiteira, era sempre por empreiteira e não
bisavô fugiu da Austria para a Itália. Meu avô nasceu quando a bISavó por administração direta. Foi contratada a empreiteira DF, de Díomício Freitas,
M eu b' b b'
tinha 40 anos. Esse meu avô tomava muito vinho. Tomava e S3 Ia tomar:. e la de Criciúma. Trabalhou aproximadamente um ano, mas também abandonou
28 garrafas de vinho por dia. Era um tipo mu~to alegre. ,~hegou aqUI bem () serviço. Isto porque seus engenheiros acharam que tecnicamente a estrada
pobre, e foi colocado na Urussanga Baixa, no melOda mata. era inviável.
Quando assumi a prefeitura, além de um compromisso com o povo, eu
tinha um compromisso comigo mesmo. Isto porque uma das metas que eu
15 - SERRA DO CORVO BRANCO
mais desejaria ver realizada seria a abertura desta Serra. Toda a vida eu gostei
Prefeito Noé da Costa Ribeiro - 23 de fevereiro de 1981 do litoral e nós vivíamos assim, muito desligados. Aqui muito perto e com
essa barreira aqui em nossa frente! Era um compromisso comigo. Eu dizia:
"E ra uma estrada almejada já há quare~ta anos, iniciada por outros - Tentar, com todos os meíos e com todas as forças de abrír pelo menos
prefeitos, mas já carregada de frustraçoes. . Ítllla
passagem pela Serra. Pelo menos uma passagem.
Meu compromisso político com o povo era de abm, de qualquer 1 Quando assumi, logo começamos pesquisar, fazer sondagens inclusive do
I
maneira esta Serra. Quem me deu certeza da viabilidade foi o chefe de obras terreno, se resistiria à construção de muros de arrimo, se nós terí~n;õ.scondições
\ .. I'
da prefeitura, Luís Mario!. Logo ao assumir a prefeitura,. gastamos. malS ou de construir diversos muros".' - ....
, I
menoS uns seis meses de estudos aqui na rocha mesmo. VIemos aqm pessoal- - Quem é que entendia disto? Quem fazia os cálculos e as m~d;Jas?
mente, dias após dias, procurando medir, calcular, projetar espaço para uma ~'l "Era eu e o Luís Mariot. Assumi o trabalho diretamente, sem'.:~mpreiteira,
estrada que já se dizia, não tinha espaço suficiente para se tornar. realidad~. ''''I c trabalhando também diretamente. Eu participava quase que diaríamente no
Mas depois de conseguir o desnível do paredão e a largura chegamos a conclusao trabalho. Dificilmente passava um dia que eu não estava aqui.
que era possível abrir. .
I De início começamos com pouca gente, porque o local não permitia o trabalho
"
De acordo com a documentação que nós temos na prefeItura ela é um de muitos. Um compressor, dois marteletes, perfuratrizes. . . ;<- _

trabalho já desde a carta de São Paulo, em 1927. Entrou no Plano Nacional Descíamos amarrados com cordas. Não tinha outro jeito. Era perau mesmo.
como terceira prioridade. Cento e vinte metros de perau. Inclusive havia algum transeunte se aventu-
q~~
Em 1940 foi iniciada por uma equipe de voluntários, tanto da parte do rava a pé pela serra e precisava subir com corda. Era alpinismo mesmo. Pendu- "",:

litoral, como da região serrana. Equipe essa chefiada pelo Pedro Cunha, pelo rados para cá e para lá é que a gente chegava à conclusão que aqui daria,
seu Adolfo Krieger. . ali não daria ... Sempre eu e o Luís Mario!.
Existem vários escritos sobre a estrada, inclusive bilhetes dos vários encarre- Os engenheiros praticamemte afirmava!ll que não se conseguiria abrir estra-
gados da serra, aos chefes que comandavam o prog.'ama de serviço, pedind.o da. Não havia condiçôes, faltava totalmente espaço.
remessa de alimentação, carne, pão, inclusive garrafoes de pmga. . Estava imprensado entre dois rochedos altíssimos. Era preciso descer ali,
Os trabalhos foram reativados desde o primeiro prdeit.o de Urubici, qu~., ',~ mas era um espaço muito pequeno que não daria condições de fazer curvas
foi Domingos Ribeiro Rodrigues, que mandou fazer Opnmerro projeto da aber 'i' ' para dar um percentual razoável de declive à estrada.
tUTa do Corvo Branco. .~ .::' O DER participou muito. No meu tempo era diretor o Dr. Antônio Carlos
Foi a equipe voluntária de 1940 que definiu a viabilidade da es~rada p~r Werner, no Governo de Antônio Carlos Konder Reis. Apesar do apoio que
esse local. Já existiam declaraçôes de algum engenheiro dizendo que IStO~ana sempre me deu depois, era um dos que afirmava que não havia condições,
que praticamente era impossível abrir uma estrada ali.
uma estrada". ,.,.t M'
_ O prefeito que o atendeu, trabalhou nesta serra? ~~'''. Estava-se na situação de ter em cima o corte já feito de 95 metros de
"Não só o prefeito que me atendeu, mas todos os prefeitos de Urub,cl altura. Esse vinha desembocar num perau que descia quase a pique sobre
fizeram alguma coisa por essa estrada. Fizeram diversas investidas, mas tO~tà1~ a outra frente que vinha de baixo. E isto num vale de rochas muito estreito.
" 5 uNa Eram quase cento e trinta metros a vencer com uma largura apenas de 80
elas frustradas. Seu Edmundo, seu Natal, todos se preocuparam. e "'""'
Zilli, também muito animado e cidadão dinâmico, fez um grande esforço:'~as Ilwtros, entre uma rocha e outra.

12:)
Havia duas fendas. Decidimos que a melhor solução seria atulhar uma delas.
A profundidade de que podíamos dispor era também pouca, trinta e poucos
metros. r

A conclusão da viabilidade e todo o projeto foi feito lá mesmo, pendurados


nas cordas. A gente riscando, medindo. .. 56 no papel. Não fizemos modelos
nem nada. Íamos medindo, metro por metro até onde desse, porque nossa
preocupação era o contrário do "Encurtar distâncias" do Governador, esticar
quanto mais desse a estrada para que tivesse inclinação menor. Nosso sistema
era precário mas prático. Os problemas surgiam na hora e n6s precisávamos
resolvê-los lá mesmo.
Eu vinha com prática de trabalhos em situações difíceis. Minha atividade
me deu condição de viver praticamente neste ramo. Era madeireiro, e todo
o dia andava pendurado nestes bicos de morro, botando trator, botando caminhão
em lugares, que a pessoa, chegando lá, sei lá, acharia que não daria de passar.
Logo que chegamos à conclusão de que poderíamos abrir a serra tomamos
coragem. Aí fomos ao governador. Propusemos que o Governo liberasse uma
quantia que ainda estava no orçamento e que não havia sido utilizada pela
última empreiteira.
O Governador estava desanimado também, praticamente, com a possibi-
lidade de se abrir esta estrada. Apesar de ser um de seus compromissos políticos,
diante das .frustrações e dos últimos relat6rios, ele foi um tanto rígido. Afinal,
tantos tinham garantido a ele que abririam a estrada, mas ninguém tinha aberto.
; Eu seria mais um daqueles que ia lá dizer que ia abrir e que provavelmente
não iria conseguir. Ele queria abrir essa serra. Mas estava assim, um tanto
desiludido com o neg6cio. Ele tentou ser muito seguro, muito firme e me
responsabilizar muito pela minha idéia de abrir a serra. Chegou a ponto de
me perguntar se eu teria a coragem de dar os meus bens em garantia pelo
dinheiro que estava pleiteando. Respondi que teria. Teria, dentro de uma
condição: de abrir não uma ~strada mas uma passagem para uma rural, ou
seja, um carro de duas trações.
Aí começamos a trabalhar já na boca de baixo do corte em cima dos peraus.
Note-se que esta parte já estava do lado de Grão Pará. Mas n6s tínhamos
mais interesse em descer que eles em subir. Era justo que mais fizéssemos.
Logo de saida tivemos que abandonar um início de estrada que fora feito
pela DF. Eles tocaram numa rocha de arenito, que até hoje não sabemos
qual a finalidade que eles tinham ao tocar fogo naquela direção.
Existia um projeto de engenharia do trecho. Um projeto do pr6prio DER,
bem antigo. A DF viu que este projeto não era possível e tentou fazer um
pr6prio. Mas desistiu.
Paisagem da encosta da Serra Geral, Orleans, se. Nunca tivemos desânimos ou grandes dificuldades. A maior preocupação
(Foto Evandro Rodrigues) é que nunca se podia colocar uma turma grande bastante para poder adiantar
o serviço. O local era muito apertado, muito pequeno, por isso não daria nunca
condições para um projeto técnico. Tínhamos que nos contentar com apenas
dez ou quinze homens trabalhando. Havia um trator do DER também traba.

124
125
a Iongo prazo. U m dos túneis terá 1.240 metros e três menores
. de . trezentos
e oitenta metros. Assim sendo, na certa esta estrada vai seTVIf por mUlto poucos da Igreja. O roteiro diz que o marra foi visitado pelos padres jesuítas. Passaram
anos. Mas esperamos que continue existindo e sendo conservada sempre, como pelo rio, que por isso tomou o nome de Bispo, em direção do Campo dos
estrada de turismo". Padres. Ali existe uma lagoa, hoje na fazenda dos Filipis, onde a tradição diz
que foi o aposento onde eles ficaram acampados. Por isto levou " nome de
Campo dos Padres.
16 - FRANCISCO TIVES DE SOUZA O vizinho mais perto que tínhamos morava mais abaixo, em Santa Teresa,
a umas duas horas de distância, a cavalo. Mas vizinhos mais perto eram os
ÍDq,ios, que sempre nos rodeavam de noite. .
rancisco Tives de Souza, popular Chico Cirino, tinha suas fazendas .em
São Pedro, nas divisas com Santa Bárbara e Serra Geral. Lá. se cnou, Meu pai vinha de Lages. Antes, os terrenos eram todos devolutas, do Gover-
F desde 1909, e lá viveu por mais de 60 anos. A fazenda fica entre o no, terra do Estado. A fazenda do pai era de três milhões. Mais tarde eu
Morro da Igreja e o Rio Canoas. . fui ampliando e cheguei a dezessete milhões e meio. Nesse campo eu cheguei
"Sempre se ouviu, por tradição dos mais velhos, falav:un do Te~uro ~o a possuir até trezentas e cinqüenta reses. Além do gado, plantamos milho,
Morro da Igreja. Provavelmente, eles diziam, que o r~teIro d~ Arzao dana feijão, trigo. Esta era a planta mais usada naquela época. Porque até ali não
no Morro da Igreja, devido aos dados que tinha no roteIro. MUlta gente, dos se falava em trânsito. Não tinha para onde exportar, não linha para quem
mais velhos que foram lá, sempre reconhecem que lá, forçosamente tem que vender. Moía-se a làrinha, e puxava-se em tropas de cargueiro para vender
ter um gra~de tesouro. Agora, eu nunca me aproximei do local, onde meus em Tubarão. Nós tínhamos tafona tocada a água ... Mais tarde veio o moinho
velhos coisa de 100 anos atrás, conheciam muito mais que eu. Davam com do Celeste Ghisoni. Vendíamos também em Blumenau, onde desse.
divisa; o Pelotas e o Lava Tudo. Nesse meio deveria ter um grande tesour? Descíamos pela Serra do Grão Pará, para Tubarão e aqui pe!ó Panelão,
Há certidões de fazendas tão antigas que os moradores do século passado nao para Blumenau e Florianópolis. A serra entre Urubici e Bom Retiro é que
chegaram a conhecer. Há vestígios, taipas e muros de époc~ mUlto remotas. é a Serra do Panelão. Desci várias vezes pela Serra do Rio da Prata, que
"
Estão aterradas, mas ainda se pode ver. Esta fazenda localiza-se no Morro dá em Anitápolis. Desci pela Serra do Imaruí, Serra do Doze, Serra do Oratório.
da Santa Bárbara. São duas as Santas Bárbaras, a Santa Bárbara do Socorro Hoje está resumido o trânsito pelas Serras do Corvo Branco, aberta recentemente
e a Serra do Doze.
e a. Santa Bárbara de Barros. Esta divisão não era explicada nem por quem
viveu cem anos atrás, tão tradicional era. A Santa Bárbara do Socorro é a São Joaquim nem era cidade. Tinha o apelido de cidade do Pau Fincado,
porque as casas, a maioria era feita assim, com pau em pé. Eram ranchos, :"'.
mais próxima do Morro da Igreja. . i

A melhor via para chegar ao Morro da Igreja é a que passa por Vacas na prática. Mais tarde, a turma eram brejeiros, e deram o nome de Pau Fincado.
Gordas e Santa Bárbara. Hoje, com tempo bom é possível ir de carro até Esta serra ou cordilheira era chamada de Aparados até o Campo dos Padres.
Lá a serra bifurca-se, no Caelé. Este nome foi dado devido ás pirambeiras,
lá bem pertinho. . . .
Moradores atuais das proximidades são: Hugo FIrmmo, Velho Jango AlelXo, aos peraus, que têm mais de 1.200 metros. Outro nome era cordilheira da
Antenor Vargas, dono de uma das fazendas de Santa Bárbara e Jango Finníano, Serra Geral. Nunca soube do nome de Santa Maria que o senhor me pergunta.
Tropas:
dono de uma das fazendas que vai até o Morro da Igreja.. .
Meu pai foi o primeiro morador de São,Pedro, quando a~da nem tinha Fazia-se o arreame: cangalha, bruacas, cabrestos, para carga, para montaria:
baixeiro, carona, lombilho, pelegos. .
nome. Ninguém morava lá. Conheci, de Aguas Brancas a Sao Pedro, com
apenas três moradores. Mata virgem até lá. Só.existia ~n.ça,índios..Moráv:unos Para os cargueiros: cangalhas. Alguns usavam o baixeiro, outros só a palha
vizinhando com eles. Depois foi povoando. Vela a tradiCionalfamília de ongem da cangalha. Depois das bruacas com os sacos de mantimentos e uma coberta
alemã para Santa Teresa. Antes deles, quem dominava Santa Teresa era a de couro chamada ligar. A arreata era o tento que apertava o cargueiro. O'
Iàmília de Belizário Henriques. Naquele tempo era o caboclo, o brasileiro.. ' tranca-fio firmava o ligar. Além das seis arrobas das bruacas, havia a sobrecarga
Urubici eu conheci apenas com quatro casas, ou ranchos de roça. No barrro de meia-arroba, com o revirado, a chicolateira, o café, muita vez o graveto
sede era sertão e morada de índios. Aqui na minha casa era rancho deles. para começar o fogo. Para acender o fogo já utilizava-se o fósforo, mas muitos
Certidão disto é o carvão. Agora há pouco tempo eu lavrei. Num palmo de só usavam isqueiro, que era isca de pano, uma pedra e um pedaço de ferro.
Batia-se a pedra até tirar fogo.
fundo há uma camada de carvão, onde era o fogo deles.
Meu pai era Cirino José de Souza. Chegamos aqui er:n1909. Não era conhe,. Comida era paçoca com làrinha, carne cozida socada no pilão. No pouso
cido por São Pedro, mas por Rio do Bispo, nome do no que nasce do Morro. a gente làzia a comida de sempre: carne, feijoada, arroz. O mais usado era
a feijoada. Os caboclos é que làziam, porque os de origem não sabiam fazer
128
Ihando. Dele também era o compressor. Com dinheiro, com máquinas e com se apresenta de diversas maneiras: um mais mole, outro mais duro, outro demais
homens o trabalho prosseguia. Eu todo dia estava lá. mole que apresentava dificuldade da furação, chegando a entupir as brocas ...
Tivemos que ir com muita cautela, não se podia perder uma explosão, Demos também num veio de calcáreo, outro de fósforo, mica e outros materiàis
tudo muito controlado, muito estudado. Um serviço malcalculado acabaria com assim. U fi desses materiais chamou a atenção de muita gente, de muitos curiosos,
toda a condição de abrir a estrada. O material era muito irregular. O próprio t~nto que a1.guémlevo~, dizendo que ia analisar. Não sei 9ue resultado deu.
arenito apresentava-se com mais de cinco variações, de durezas diferentes, E uma espeCIe de argila com algo parecido com sabão. E lisa como sabão
o que dificultava o cálculo das explosões. Mas a prática faz~atudo.. . lira a graxa como sabão. É um troço misterioso, sei lá. . . '
Não tivemos dificuldades imprevistas. Os muros todos tmham s.do prevIstos, Os primeiros que passaram aqui de carro, foi uma turma de aventureiros,
inclusive a altura. de rapazes de Grão Pará, que vieram participar de um rodeio crioulo, uma
Dificuldades houve. Basta lembrar o tempo. Mesmo sem chuva, o clima festa de CTG, ~qui em São Pedro, conseguiram passar com uma rural. Ergueram,
daqui era rígido. No inverno, é quase sempre abaixo de zero graus. Chegamos engenharam dIversas maneiras e conseguiram. Faltavam ainda uns trinta metros
a trabalhar até com oito graus abaixo de zero. . para nós conseguirmos concluir esta estrada. Foi uma bela aventura.
Muita sorte eu tive também em encontrar no tratorista um ótimo chefe A conclusão da estrada, devo confessar, foi de muita alegria, de muita emoção.
de serviço. Porque o Mariot era mais o responsável, o técnico. O Tiago Coelho No dia da inauguração eu tinha muita coisa a dizer, no fim, eu não pude
de Ávila, foi um sujeito indispensável. Rapaz de muita coragem, nunca teve diz,:r nada. No dia dezenove de fevereiro de 1980 eu linha muito a agradecer,
medo de nada. Muita prática, muita vivência. e nao pude falar, porque fiquei tomado pela emoção, por ver realizado aquele
No trabalho braçal, não dá de distinguir um do outro. Todos dedicados, desejo, não só meu, quanto do povo. Eu tinha um compromisso, uma certeza
cumpridores do dever: alguns lembro aqui: A1tinoJúlio, Manuel Clivério, José de que eu ia abrir, mas tinha dias que eu ficava meio preocupado.' Minha
Aristeu da Silva, Vitorino Orbem, o cozinheiro da turma ... Mas deixa: pode emoção foi grande de poder finalmente entregar ao povo uma estrada não
ser que eu esqueça algum, então nem digo os demais. Lá na prefeitura temos só para uma rural, como era o meu trato, mas para qualquer tipo de carro.
a lista de todos. S6 quem estava isolado aqui em cima pode compreender o que esta estrada
Nunca houve interrupção do trabalho, exceto nos dias de chuva. Mas, até significa para nós.
com neve se trabalhava. Com geada era todo o dia. Os trabalhadores paravam Os municípios de Grão Pará, de São Ludgero, de Braço do Norte, sempre
aqui mesmo. Pousavam a semana inteira, só sábado à tarde é que iam para nos deram grande apoio. Sempre faziam reuniões, sempre empenhados em
casa. abrir a serra. Muitos colaboraram. De fato, do rio Carvão, um quilômetro
'
..
U lo problema que se nos apresento\) foi um dos vales. Para transpô-lo e meio abaixo do corte, quem fez a estrada foi Grão Pará, em convênio com
pensou-se em ponte de ferro. Vieram duas firmas. O orçamento de dez milhões o Estado. Estrada dificil de se abrir também nesse trecho, ainda que não tanto
fez com que esta solução fosse esquecida. Era o local do famoso Arrasta, porque, quanto os últimos mil e setecentos metros.
quem passava por ali, tinha que passar quase se arrastando, encostado no perau, Se houve quem se opôs à abertura desta estrada? Bem, houve preocupação
seguro num cabo esticado. Aí resolvemos utilizar uma solução bem rústica, com os municípios de São Joaquim e Orleans, também Bom Retiro, de que
que era de preencher o vale profundo. ~ntão ficamos co~ a preocupa?"o de a abertura desta estrada iria prejudicar seu comércio. Mas isto foi conversa
colocar lá todo o material que nós removlamos. E conseguimos. ParecIa Impos- ou boato de outros tempos, não do meu.
sível encher aquele abismo. Mas deu. Politi~am~n.tea serra era considerada como a serra de eleger corvos. Porque
Outra dificuldade foi o tempo. a serra nao S31namesmo. .
Quanto à dificuldade financeira quero declarar que não houve. Quero mesmo Creio que num momento destes, vendo passar tranqüilamente carros de
colher a ocasião para agradecer ao Governador Antônio Carlos, ao Diretor do todos os tipos, vendo essa facilidade deste contato com o litoral, creio ser uma
DER Antônio Carlos Werner, ao Dr. Antônio Henry, e toda a equipe do governo, satisfaçãogrande de quem realizou esta obra, que sente ter deixado à posteridade
tanto passado, como atual, Dr. Jorge Konder Bornhausen. O Dr. Esperidião, uma coisa de valor, uma das aventuras da boa-vontade e da coragem do ser
da Secretaria dos Transportes, continuou dando o mesmo apoio que o anterior. humano.
Depois que começamos a trabalhar, tivemos contínua assistência .de en.ge~ .. Como vai ficar a estrada se for construída a BR-472, passando aqui no Vale
nheiros. Eles vinham permanentes seguindo os trabalhos. Fizemos mUltaamIza- do Canoas, e descendo pouco além desta Serra do Corvo Branco? Vai tomar
de com muitos deles. Não é que nos desanimassem. "Pelos cálculos técnicos "< i~útil esta obra agora? Em primeiro lugar, vai ser um bom auxílio para a constru-
não dá estrada, mas praticamente vocês sabem o que estão dizendo ou fazendo:' '.'. ' çao dessa estrada, que todos almejamos.
A maioria do material que encontramos é arenito. Mas mesmo o aremto Será uma estrada com quatro túneis abertos na rocha, portanto uma obra
~
'(lr
, .
126 127
feijoada. Esses já vieram de outras terras, outros costumes. e logo a estaçáo do trem, com muitas casas comerciais, como as de Júlio Bita,
Os fazendeiros é que eram chamados de caboclos, porque eram brasileiros Manuel Venâncio. Era o ponto chave para quem descia a Serra do Grão Pardo
natos. Carregava-se açúcar, café, sal, fàzenda. Naquele tempo para comprar um
Carregava-se uma manta de churrasco. Quando acabava a paçoca, assava-se carretel de linha tinha que ir lá comprar. Aqui não tinha comerciante. Em
o churrasco e comia-se com pirão d'água. Churrasco de carne seca é ótimo. São Joaquim tinha só bodega de cachaça. Mercadoria de utilidade que o povo
É muito melhor que uma carne assada agora, quando fazem churrasco de carne precisava para a colônia tinha que ir buscar lá embaixo. "Vamos serra-abaixo
fresca. Não tem o sabor do churrasco de carne seca. para buscar mantimento". "Vamos lá nos Barrigas-Verdes."
Charque fazia-se de contínuo, na fazenda. Sempre. Era um dos alimentos Quase não se negociava com o dinheiro. A maior parte era a troca. Oito
principais, que não podia faltar na fazenda. . _ .. dias para uma viagem a Tubarão. Dezesseis dias para uma viagem a Florianópolis
Hortaliças, tirando a cebola verde e a couve, outra hortaliça nao eXlslIa. com tropa.
Dificilmente comia-se sopa. Muitas vezes fiquei ilhado por rios cheios, fàlhando na beira do rio, à espera
Chimarrão era comum. Erva-mate ainda tem muito hoje. do passo.
De bebidas era a cachaça a mais usada. Vinha de Grão Pará e de Santo Naquele tempo quase não se vendia gado. Vendia-se mesmo era o charque.
Amaro. Trazia-se de lá na guampa. Era uma sobrecarga que se botava debaixo Tropa quando vendia, descia por qualquer uma das serras e vendia-se especial-
do ligar. Era o que se chamava de borrachão. mente para o Gravatá, que era o maior consumidor de gado na época. Eles
Uma viagem mais longa era constituída por oito ou dez cargueiros. Era carneavam e vendiam para Tubarão e Laguna.
conduzida por duas pessoas, o madrinheiro na frente e o patrão atrás. Madri- Criava-se porcos também. Aquilo era criado silvestre. Criava xucro. Na
nheira era, às vezes, um garoto. hora de pegar, era o cachorrro. Pegava e amarrava. Depois ia trazendo para
Carrega-se de manhã, muitas vezes descarregava-se ao meio-dia para dar mangueira. Depois fazia tropa e descia serra-abaixo. Mandava engordar lá na
descanso, e à noite no pouso. colônia.
A pior das serras era a do Grão Pará. Tinha muito perau, muito rolador. A gente costeava bem juntos, tratando-os na mangueira. Aí formava-se a
Se perdeu muita mula por lá. Rolador, é pirambeira. A mula caía. Só se aprovei- tropa. Essa não tinha madrinheiro. O que vai na frente é que puxa a tropa. Ca-
tava a carga, quando desse de ir buscar. Aí distribuía-se como sobrecarga para chorro bom, quatro ou cinco peões a pé. Quase atolavam no barro dos caldeirões
as demais mulas. da estrada. Se houvesse algum porco mais brabo, mais rebelde, era afastado
- As mulas rolavam pirambeira abaixo especialmente na subida. Havia degraus da tropa. Costurava-se os olhos totalmente. Aí ele vai no rastro dos outros
ou saltos que a mula devia pular. Às vezes o salto estava liso, os pés traseiros e não sai da estrada. Ou, senão, era feito um cachimbo. É, cachimbo: amarrava-se
escorregavam, a mula muito carregada, desequilibrava-se e caía de costas. Há um tento na boca ou no nariz e numa das mãos do porco. Quando' levantava
aqui em Urubici um perau que foi escavado com a picareta e se fez uma escada Ó nariz para correr a mão puxava no tento e ele, no firmar a mão perdia o
para as mulas subir. Coisa incrível. Nas serras, a mula ia parar cem metros equilíbrio para correr. Amarrava por cima do dente. Porque as presas de porcos
mais abaixo, às vezes. criados saem para fora da boca. Era tudo porco comum. Mas veio o "holachin"
Perigoso era o encontro de tropas. Não dava passsagem para dois cargueiros. que foi o que mais criou-se aqui antes do "duroc".
Muitas vezes precisava descarregar as tropas e passar as bruacas nas costas Os porcos eram vendidos em Grão Pará e Aiurê, que naquele tempo se
do tropeiro, para desviar as mulas, porque não dava de uma passar pela outra. chamava Forcadinha.
Aí puxava-se as mulas. Depois que um desencontrava do outro é que se carregava Criava-se ovelha, mas como era quase tudo mato e o ditado diz que ovelha
de novo. Isso já aconteceu para mim. Ás vezes conseguia-se avisar o que vinha não é pra mato, porque perde lã, só criava quem tinha potreiro.
de cima, gritando. Aí esse, naqueles lugares mais folgados amarrava as mulas Havia aqui muito gado xucro. Mas muito. Gado xucro não obedece a rodeio.
dele, até o companheiro passar. Era preciso laçá-lo, a cavalo, e trazê-lo para casa. Fechava-se num potreiro.
Embaixo havia muito mato. Mas tinha algum limpado que os tropeiros faziam Aí podia-se reunir uma tropa. Com meia-dúzia de companheiros, bons, dava
rodeios. de descer a serra. Esse gado era brabo mesmo. Tinha algum que não dava
la-se muitas vezes a Orleans por causa do trem. Deixava-se a tropa ali de ser laçado por um sólaçador. Precisava outro, porque um só podia morrer.
e a carga ia no trem. Pela Serra do Grão Pará ia direto com a tropa até Tubarão. Criava-se cavalos e mulas. A mula é um enxerto. Não tem sexo, não se
Ali negociava-se com a Casa Leão e a Casa do Pedro Zapelini. Esta era uma reproduz. Filha de égua e 'burrichó' ou jumento. Criava-se muito, porque
grande casa de comércio em Barra do Norte. A gente carregava a tropa sempre era a que mais resistia nas estradas carregando um cargueiro.
lá. Levava o trigo, o charque, o queijo. Na Barra do Norte, havia a balsa Coisas de luxo não se comprava. Só mantimentos e tecidos. Nós, caboclos,

130 131
não tínhamos luxo. Trazíamos todo mantimento que tinha de serra-abaixo. O
resto tinha na região serrana. Nós trocávamos. ,
Quanto às indústrias caseiras do charque e do queijo temos o seguinte:
o coalho para coalhar o leite era tirado da mesma rês. Há uma parte do organismo
da rês chamada coalheira, pegada no intestino, idêntico ao intestino, uma ponta
do bucho. Carla-se aquela parte que se distingue bem do resto. Salga-se e
seca-se bem. Para formar o coalho põe-se num pouco de água. Bastava uma
colherinha para um barril de leite. E tem mais. A coalheira do talu é a melhor
qualidade de coalheira pra coalhar o leite que existe. É um pedacinho de
uns cinco centímetros. Quantas vezes, até que não se aproximava o tempo
de carnear a rês, a gente matava um talu e fàzia dele o coalho.
., O leite era colocado num barril até coalhar. Ali punha-se na forma. Muitas
vezes era feito a 'mão. Colocava-se o leite coalhado num pano ou saco bem
ralo, bem depois de quebrar o coalho". Deixava escorrer o soro. O sal é colocado
no barril mesmo. Depois de colocado na forma põe-se-Ihe um punhadinho
de sal por cima para ele não crescer. Quando é virado põe-se sal novamente.
Assim ele fica curtido. A maior diferença para o queijo serrano e do litoral
. provém da qualidade do leite. Aqui o leite é mais gordo, por isso O queijo
fica mais macio, mais amarelo. -~
Fazía-se também manteiga. Quando eu era fàzendeiro fazia quantidade de
manteiga. Ela se conserva na água. Não havia geladeira. Água com sal, trocada
todo dia.
Fazia também o requeijão, de leite cozido. Para o resto seguia-se os mesmos
passos do leite cru. Guarda-se o leite para ele azedar. Depois de azedar é
posto a esquentar no fogo. Ali ele solta o Soro. A gente escorre. Aquela coalhada
que fica é a massa do requeijão. É só ficar azedo o leite, que, no botar no
fogo, ele coalha.
Tirava-se de quatro a oito litros de leite por vaca. Mas a vaca comum que
era boa de leite dava até vinte litros.
O charque: depois de eameada a rês charqueava a carne em mantas bem
finas, salgava, numa salgadeira, um coxo escavado de um pinheiro. Deixava
um ou dois dias. Depois deixava um dia de sol, até ela curtir ao sol. Carne
bem salgada não péga mosca. Mas dependia também da época. Mês bom era
Esculturas do Paredão -figuras bíblicas escUlpidasem rocha iJioo, Orleans, se. o mês de maio. Aí podia guardar o inverno todo, que não estragava. Depois
(Foto Evandro Rodrigues) de seca pode ser guardada empilhada, ou em varas.
Sobre os índios devo dizer que conheci muitos deles, mas assim, soltos
no mato. Eram chamados de bugres. Eram de formato humano, eram pessoas
humanas. Só que a vestimenta deles era apenas uma tanga e às vezes penacho,
tipo de uma rede com penas de passarinho.
Numa ocasião, ou com cinco anos mais ou menos, meu pai estava derrubando
uma coivara. Levou-me para fàzer fogo embaixo da panela de feijoada... Estáva-
mos a uns dois quilômetros longe de casa. Os índios moravam por lá. De
noite abriam as porteiras, soltavam a criação da mangueira. Quando eles são
amigos deixam um sinal, para ver que eles estão vizinhando. Porque os índios
132
não são maus. S6 não ter intrigas com eles. escapavam, s6 eram afugentados. Por isso não se pode saber quantos índios
" ~,
Eu estava cuidando da panela no fogo. Tinha um cão deitado no lado, muito foram mortos.
brabo. Com pouca hora levantou e correu por cima de um tronco de madeira. Com o Manuel Joaquim aconteceu o caso do cachorro dos índios que grudou
Olhei e vi na ponta do tronco um índio que vinha vindo para me pegar. O na perna dele. Ele deu um talho que atorou a cabeça. Mas ela continuou
cachorro correu com ele. Meu pai, ouvindo os latidos, veio. Aí contei que grudada na perna. Foi num rancho, embaixo da serra, na Vaca Mora, na raiz
vi um homem pelado. Aí ele disse que era perigoso porque eram bugres. da Serra Furada. Estavam batendo os bugres ali. Esses tinham entrado aqui
Levou-me para casa, porque eles podiam me carregar. E voltou sozinho para em Santa Terezinha e roubado uns animais. Os bugreiros desceram a serra
a roça. Nunca mais fui levado à roça. atrás deles. Quando ele entrou no rancho e levou o facão para cortar um bugre,
Vi muitos deles no mato, correndo. Quando eles pressentiam uma caçada, o cachorro, que de certo era daquele bugre, chegou por trás, pegou na barriga
eles nos seguiam e logravam a gente com a caça. Antes que o caçador chegasse, da perna e tirou essa carne toda. Ele se virou e cortou o pescoço do cachorro,
eles tomavam a caça dos cachorros. Eles eram muito ágeis. Caçador nenhum Meu pai estava junto. Até tiveram que trazê-lo, um dia, nas costas, porque
podia acompanhar eles no mato. Os cachorros voltavam sem destino para junto não podia caminhar".
dos caçadores. Isto eles fizeram várias vezes para meu pai. ,. Quem conta o seguinte fato é Maria Inácio de Oliveira:
Fazendeiros e índios não se encontravam nunca. Eles procuravam sempre "Meu avõ, Inácio Oliveira, na caçada de bugres, pegou três bugres, Ondino,
se defender do fazendeiro. No inverno, quando eles não achavam caça, se Genuíno e Cota. Criou todos. Um faleceu depois com dezoito anos, quando
apuravam e pegavam criações do fazendeiro. Daí veio a rixa entre eles. O deu o paratifo. Os oulros se criaram e morreram de velhos. Tiveram família.
fazendeiro reunia uma turma e dava uma batida, para assustá-los. Eu conheci".
Aqui diziam que era para afugentar os índios. Maneira de dizer, porque Continua o Chico Cirino:
não podiam dizer que matavam. Mais tarde a gente ficou sabendo que eles , , "Foi um caso muito falado, muito comentado: esse mesmo In'á~io Oliveira
mataram os que podiam matar. laçou um bugre, aqui no Mundo Novo. Ele andava volteando o gado e os
Onde há a gruta de Santa Terezinha, quando se fez, foi encontrado embaixo bugres estavam na beira do campo. Quando viram ele, correram;" Ele tinha
do perau uma caverna que tinha muito osso de bugre. Eu tive ocasião de ,.1 colhera de cachorros. Um bugre novo ficou para trás e os cachorros alcançaram.
ver. Aí quando foi feito o cimento do ladrilho os ossos foram jogados lá dentro. Inácio botou o laço e o levou para casa. Os bugres rondaram ele mais de uma
Ali era uma moradia deles. semana, de noite, para baterem na casa e tomarem o bugre. Mas ele era um
Numa ocasião os caçadores, aqui de vacas gordas, vieram caçar antes aqui, cara muito valente e os bugres tinham medo. Não se atreviam'a 'assaltar a
no tempo que Urubici era tudo mata virgem. Trouxeram os animais e deixaram casa. Ele ficava rondando também, com uma winchester. Cuidava pará não deixar
"
onde é o Posto de Saúde agora. Deixaram as mulas e vieram para a barra que eles tomassem o bugrinho. "Esse que foi o Genuíno", confirma a neta
do Urubici. Quando voltaram estava todo o arame cortado e as mulas estavam de Inácio.
mortas. Um ou dois meses depois os bugreiros vieram atrás deles. Foijustamente Ali os bugres aborreceram de cuidar e ele acabou criando e fez casar depois.
a vez em que eles bateram neles, porque eles traduziram que bateram na Devia ter uns quinze anos quando foi laçado.
gruta de Santa Terezinha. Naquele tempo tudo era sertão, não tinha gruta, Falava muito com meu pai, pois eles se criaram juntos, caçavam junto.
não tinha nada. Cavernas de índio morar, s6. Todos eles, também a Cota, tinham o beiço furado. N6s a chamávamos de
Isso foi em 1906, mais ou menos no ano em que eu nasci. titia. Eles não gostavam que chamassem de botocudos. Mas eles eram botocudos
Se ouvi falar em outras caçadas de bugres? Diversas. O meu velho pai os beiços furados. '
acompanhou muitas delas. Os bugres subiam a serra e vinham pegar gado Sobre o Afonso Machado não posso contar muito. Ele era bugreiro também.
na Pitoca, Barrosa, Morro da Igreja. Os bugreiros bateram neles também lá O que sei dizer é que os bugres vieram roubar numa fazenda em Bom Jardim.
embaixo da serra. Aí o Afonso, com oulros, desceu a serra até o rancho. Bateram nos bugres.
Quel)l comandou as primeiras caçadas foi o Manuel Joaquim Bugreiro. Tinha Depois, mais tarde, veio notícia, mas a gente não pode afirmar que os últimos
também o Martim Bugreiro e o João Ferreira. Esses residiam aqui na região bugres, esses que foram pegos nas Três Barras, eram os pais de dois que
de Urubici. Aqui no campo tinha o Inácio Oliveira. Esse era o dono dos animais foram mortos nessa batida.
que foram mortos aqui dentro. Ele foi o primeiro que entrou em Urubici. Todos os fazendeiros naqueles últimos anos contrataram os caçadores de
Ele junto com o Tomé Morais e Maneco Anjo ou Manuel Angelo Padilha. bugres para afugentá-los. Sempre tinham um bugreiro contratado. Atacados
Os três caçavam junto e juntos vinham bater nos bugres. pelos colonos de baixo e pelos serranos, esses índios s6lransitavam pelos peraus
Nunca diziam que tinham matado bugres. Segundo eles os bugres sempre da Serra desde a Serra do Orat6rio até a Serra do Caelé e depois pela Serra

134 135
Geral e iam até perto de Florianópolis, de Paulo Lopes, onde estão hoje criando temos algum conbecimento sobre a mina' de Arzão. Mas pouco conhecem ..
aquele campo ou parque. Até lá era a habitação deles, na Serra do Cambirela. Não tenho conhecimento de alguém que tenha vindo com algum roteiro. S6
Roteiro de Arzão: o que ouvi falar é que o roteiro se limitava com o lembro de um que veio à minha procura e pediu umas informações. Aí ele
Morro da Igreja. Iniciava no Morro da Igreja e descia pelo rio Pelotas até foi. Mas não vi mais esse cidadão, que nem me avisou mais. Nem deixou
o Lava Tudo. . endereço. Me deixou na mão. Mas soube que ele foi até lá com a minha informa-
Os velhos bugreiros contavam que na Santa Bárbara, no Morro da Igreja,o ção. Onde eu ainda dei uma pedra de presente, uma pedra preparada pelos
que se matava lá era coisa incrível, que não estava ao alcance deles. Havia índios, uma pedra de ferro, tipo de uma cunha, feito uma cunha mesmo, tipo
lá uma coisa extraordinária. Eles diziam que tinham conhecimento que os padres de um machado. Primeiro se encontrava muito disto. O que estava à flor da
jesuítas transitaram por lá. De lá seguiram, pelo rio do Bispo, até o Campo terra o povo que cultivava já encontrou tudo.
dos Padres. O que os padres fizeram lá, esse é um dos momentos que a gente Uma vez, indo para São Pedro, tem um perau no rio Canoas à esquerda
não tem conhecimento do que eles fizeram por lá. Mas falavam que eles andavam do rio, no Cachimbo, eu ia a cavalo, lá pela meia-noite. Passava uma estrada
a fim de descobrir minas, das quais tinham muito conhecimento. Até muita no perau, mais de duzentos metros. Uma estrela de uns dez centímetros .clareava
gente falava que eles traziam ou deixavam muitas riquezas, nessa região onde que dava para enxergar as pedras. Ia devagarinho. Quando terminou
passaram, muito ouro, que eles traziam de outras minas. Com o cansaço da o perau ela desceu. Passou das folhas das árvores e aterrissou no cbão. Clareava
viagem eles fOlam depositando em certos lugares, que o povo ignorava, porque, todo O mato ao redor. Ali, provável, tem alguma coisa. Levei dois aparelhos
por muitos anos passados, não tinha mais vestígios, só tinha aquela notícia. lá. Mas as duas vezes que lá estive os aparelhos falharam. O aparelbo saía
Deixaram marcados muitos lugares. Mas o caso é que os mais novos não têm bom daqui e lá descontava. A gente não sabe. Quem sabe se é alguém desses
conhecimento. mortos que guardam a fortuna, e não querem que a gente ache.
Não cheguei a ver nenhum desses marcos. Só aqui tem um lugar que é Já passamos por diversas revoluções. Quem tinha dinheiro nessas ocasiões
marcado, mas pela natureza. É uma casa de pedra. na Serra do Corvo Branco: costumava guardar o dinheiro dentro de uma parede, debaixo de uma pedra,
É uma gruta em que cabem cem pessoas e não se molham quando chove. lugar em que o revoltoso ao passar não pressentisse. Comigo não aconteceu
Numa fundura de meio-metro encontra-se carvão. Então alguém acredita que porque não tinha dinheiro sobrando para esconder. Nunca achei, nem sei de
pode ser um guardado. Mas eu acredito que era carvão da moradia onde viveram. certo de pessoas que tenham achado. É que eles não contam. Mas a gente
Logo além dessa casa de pedra é que foi encontrada essa dita pedra marcada. suspeita. Gente que trabalha pouco e dentro de pouco tempo está rica. O
Sebastião Sestiliano foi quem achou. povo comenta que achou numa tapera, ou lá dentro de uma taipa. Em São
De Arzão não posso dizer nada. Nem conheci o roteiro. Só fui informado. Joaquim se conta muito que, vez em quando, se achava, nas casas dos grandes
Em Santa Bárbara existem os vestígios de uma fazenda que ninguém conhe- fazendeiros. Eram lugares de muito sertão, quase não era habitado. S6 havia
ceu, nem dos nossos antigos de cem anos atrás. Eles traduziram para os outros moradores no campo, nas cordilheiras.
que não conheceram os donos primitivos. Nunca foram feitas escavações. Aqui demorou muito mais para chegarem moradores porque aqui era s6
Do meu conhecimento não existe nenhum sinal gravado na pedra em toda mato, era sertão. Era banbado. Essas vargens que se vêem hoje cultivadas
a região. de milho, isso aí era banhado que não passava nada. Daqui na praça não era
Existem umas cavernas no Rio dos Bugres e outras aqui, no Avencal. Coisa possível ir até a esquina. A primeira estrada era à beira do rio, pela praia
escavada. do rio. Canoas acima, também era na margem, beirado dois ou três metros
Aqui foram procuradas minas por muitos anos, mas por pessoas que não da barranca, porque fora era tudo banhado.
tinham aparelhos, nem conhecimentos. Achavam que podia ter uma caverna Nós em São Pedro, tendo que passar o rio quatro vezes, se dava enchente,
que podia ter mineral escondido. Achavam que era paradeiro dos jesuítas. e às vezes continuava o rio cheio por dois meses, se dava uma dor de barriga
E provavelmente teriam deixado ... mas acredito que não. Eram bocas de era preciso agüentar por lá mesmo, não tinha para onde ir. Se o rio enchia
mina. Isto fica aqui no Avencal, no terreno do Celeste Ghisoni, na subida era preciso ficar lá mesmo.
da estrada que sai de Urubici. Esse banhadal que hoje é a cidade de Urubici s6 começou a ser ocupado
O velho roteiro falava de um morro do qual partem três rios. Então se de 1915 em diante. Esses terrenos eram do governo. Mas havia os brasileiros
supõe que era o Morro da Igreja porque dali sai o Pelotas, sai o Lava Tudo que eram posseiros. Esses furam vendendo o direito da posse aos colonos da
e sai o rio do Bispo. Só tem uma lomba que divide os três. serra-abaixo. Era uns quatro moradores que foram vendendo para as famílias
Já tem vindo diversos, de outros lugares, de São Paulo e de muitos outros de origem. Esses é que foram devassando os terrenos e enxugando. São esses
lugares já tem vindo gente para visitar o Morro da Igreja. Eles vêm ver se grandes e ricos terrenos que vemos hoje. Eram banhados que eu conbeci quando

136 13í
-I

neles passavam só ratos. .


Por volta de .1915 começaram a vir mais moradores. Mas foi em 1918,
quando veio o Padre Felisberto, que depois fundou a paróquia, que de fato
a cidade foi se estendendo.
Dentro do município havia uma igreja mais velha que esta: Águas Brancas,
a uns cinco quilômetros daqui.
Havia uma igrejinha de madeira onde há o grupo escolar. A segunda ruiu
estes dias, só ficou a torre. Essa, grande e moderna, foi feita pelo Padre José
Spíndola, há catorze anos.
O nome de Urubici, vem de Um, ave por demais abundante nestes banhados.
Dizem que os caçadores os chamavam de uru bichinho. Um dos índios, desses
três que foram pegos, Iàlava mal o português e dizia urubichin. Donde o costume
de chamar o banhado Urubici. Esse nome era dado pelos antigos caçadores.
Sempre teve esse nome.
As terras eram todas do Estado. Quem desejava, requeria uma quantia
de terras devolutas. Em Urubici, o Estado deu um patrimônio de onze milhões
para ser criada a paróquia e o distrito. Hoje foi tudo loteado.
As estradas, de início só eram estradas de tropeiros. Entre 1927 e 1937 '-."
foi feita a estrada de Santa Clara, Urubici e São Joaquim. Em 1937 foi iniciada :.~,~;
);>-:;''''-
a de Urubici à ponte do Canoas. Antes disso era tudo a cavalo. _. 'J

Pertencíamos em parte a São Joaquim, pelo Canoas e rio Urubici. Do outro " c.:t=.~-
'17~~ j
lado do rio, São Pedro e Santa Tereza, pertencíamos a Bom Retiro.
Em 1924 é que foi feito o Município de Bom Retiro, desligando-se de
São Joaquim.
."....• ,.
O relacionamento entre caboclos ou brasileiros natos e os de origem foi
~::.::.;:~
bom, sempre bom.
De revoluções, só passou por aqui a turrna do Coronel Beins. ""'::':' '1:' :
'
.,~.;,:
...,.. .•.- ..
Era a Revolução do Rocha. Tentaram passar daqui para Florianópolis, mas
foram atacados pela gente do governo aqui no Panelão. Aí recuaram e pegaram
a divisa do Rio Grande novamente.
Na Revolução de 30 passou por aqui um piquete do Chico Palma, grande
revolucionário. Passou pacificamente. O povo estava de acordo com a Revolução.
Questões de terra propriamente não houve. Houve sim uma certa questão
quando o Pedro Zappelini, de Tubarão, comprou todo o território do Campo
dos Padres. Depois, então, vendeu parcelado aos fazendeiros que já moravam Museu ao Ar Livre - único na América Latina, Orleans, se.
lá. Ele comprou do Estado. Pegou também uma sesmaria de terras em Aiurê, (Foto Evandro Rodrigúes)
até a divisa do rio da Prata. Recebeu a troco de estradas. Ele fàzia estradas
e recebia terrenos. Esse Pedro é o mesmo que morava na Barra do Norte.
Uma das estradas feitas por ele foi a de São Ludgero para a Barra. Veio morar
em São José, aqui perto de São Pedro. Era muito vivo, muito gavião, veio
preparar os terrenos para vender. Vendeu tudo em ordem e voltou para Tubarão.

138 139
17-0SÓRIO SILVEIRA tinham que pular. Aí escorregavam as patas de trás e rolavam para baixo.
Os colonos tratavam bem os serranos. Vendiam muito para os serranos.
asceu em Bom Jesus em 1882. Ao fazermos a entrevista, em 1981,
Orleans eu conheci, por volta de 1900. Era muito pequena. Era oterrlpo
estava com 99 anos, mas perfeitamente lúcido, ótimo contador de histó-
dos comerciantes Raimundo Pinho, Salvato Pinho, João Cazusa, João Cardoso.
N rias, tanto que gravamos bem 5 fitas com ele. Era morador de São Ramiro era o gerente dos Pinhos.
Joaquim, mas fora um dos desbravadores de Urubici. A transcrição das fitas
Se precisava, deixava-se a carga nos Pinhos, e as mulas num potreiro. e
não segue a ordem em que foram gravadas.
ia-se de trem para Laguna. Galpão dos Pinhos era ali do lado da casada Empresa.
"Vim, com a família, aos doze anos, para Santa Bárbara. Viemos aí para
O velho Bertoncini, pai do Pedro, também era comerciante. Neco Pizzolatti
os terrenos do falecido Manuel de Souza, um fazendeiro forte. Outros fazendeiros era o comprador de couro.
fortes foram o Nezinho; Manuel Policarpo de Souza, Paulino Ribeiro da Silva,
Na fazenda não tinha escola, mas os fazendeiros sabiam ler, escrever, e
Leonel Souza, Manuel Fael Ribeiro, Mateus Ribeiro, este na fazenda do Socorro. fazer contas. Não todos.
Também tinha um bom gadinho o Vitorino Machado, Taurino Padilha, Custódio
Os fàzendeiros de Santa Bárbara eram naturais do Bom Sucesso, do Cedro.
Padilha, Juca Cachoeira, dono da fàzenda onde existe agora a cidade de Bom
Para ocupar as fàzendas vinham aqui, falquejavam um pau, fincavam e pronto.
Jardim. Depois apareceu o Antônio Velho, nas Cambajuvas. Daí para frente
Era a divisa. Era só posse. Algum fazia requerimento de posse. Meu pai fez
era tudo do Prudente Vieira, até o rio das Contas. Para o outro lado havia e eu fiz também, quando fundamos Urubici.
outro Juca Cachoeira. Isto no começo.
Havia fazendas grandes, de dez, quinze milhões de campo, com mil, mil
Quando fomos para a fazenda Santa Bárbara já ela existia há muito tempo. e duzentas cabeças.
Já era do falecido pai do Manuel Carpes Souza, Policarpo Souza e o irmão
Criavam manadas de burros, como diziam. Era a criação de mulas. Todo
deste Chico Souza.
fazendeiro criava as próprias mulas. Vendia só as que sobrassem.
No meu tempo, por volta de 1895, levava-se tropas para Orleans. Descia-se
Na comida usava-se muito a canjica, feijão cozido com carne e toucinho,
por picadinhas, quase sempre pela Serra do Imaruí. Cento e cinqüenta, duzen- arroz ...
tos, trezentos bois em cada tropa.
Canjica era milho socado no pilão. Comia-se com leite, temperado com
Ajudei a descer a Serra do Imaruí com uma tropilha de vacas de criar, sal. Também rapadura.
do Nicolau Correia, até o Gravatá. Eram umas quatrocentas reses.
Naquele tempo churrasco era silvestre. Ninguém ligava. De qualquer manei-
O meu serviço era lidar com laço, domação, essas coisas. Não tem conta
ra: assado no forno ou no fogão, na brasa. Em campo aberto fàzia um fogo
quantos animais eu domei. Não tinha tempo certo para domar. Começava-se
lá, espetava um pedaço de carne num espeto, fincavade lado. Pedaços grandes ...
neste verão, para acabar no outro verão. Eram sempre cinqüenta ou sessenta
Festas havia muitas. Não festas grandes, porque tudo era longe. Bailes
animais por ano. Animais de seis a sete anos. Animais bons, bem-criados.
era só de gaita, algum violão, às vezes alguma rebeca.
A gente tinha seus tarecos de montaria. Levávamos para o palanque. Chegava
Nas festas todos eram muito unidos, todos ajudavam. Havia a Bandeira
lá encilhava. Outros agarravam as orelhas enquanto montava e saía corcoviando.
do Divino, ou de outro santo, que ia recolher prendas para festas. Às vezes
E~, era muito dificil cair. Cai muito poucas vezes. E era muito "agarrador".
só ia o Procurador e o piá do tambor. Mas às vezes iam também os cantadores
Fui muito agarrador. Tinha animal de ficar corcoviando mais de meia-hora.
ou foliões, com pandeiros. Cantavam a história da Bandeira e pediam esmolas.
Trabalhei na domação muitos anos, ainda oito ou dez anos depois de casado.
O maior entretenimento que havia era contar causo. A gente era muito
Eu casei com 36 anos. Foram uns quinze anos de domador. De certo domei.
causista. Contar causos era o passatempo preferido.
quase mil animais.
De guerras quase não teve. Eu só peguei uma, a Revolução de 93, do
Serviço na fàzenda era fàzer rodeio para costear gado, dar sal, reunir setenta
Pinheiro Machado. Eu vi ~le. Aqui no Morro Agudo, no rio do Silveira, em
ou ointenta vacas de leite, para fazer queijo. Costeava os terneiros nas mangueiras
Vacaria. Ali esteve acampado por quatro dias, com dez mil homens na frente
para não ficar quebra. O que era animal criava-se para montaria e para cargueiro.
da casa de meu pai. Ainda tenho muita lembrança daquele tempo como coisa
Viajar era só a cavalo e mula. Não se ferrava as mulas. Essas não tinha~
que eu estou vendo agora. Uma coisa eu me lembro em especial: eu tinha
medo de estrada ruim, de barro, essas coisas. Chegava num lagoão de barro,
ido levar uma jarra de leite na tenda do general. Ai veio um soldado que
cheirava, para saber se era fundo e se metia ...
disse que ia matar uma mulinha que uma égua tinha dado à luz naquela noite.
Às vezes a água alcançava o fundo da bruaca.
Aí eu pedi: "Não, não mate". Era uma mulinha tordilha negra. Aí me deu
Perigosa era a descida da Serra do Imaruí. Mas a subida era mais perigosa.
. a mulinha, que eu levei para o galpão e criei.
Podiam rolar cargueiros. Tinha pedras de mais de metro de altura que as mulas
Ali eles deram um combate muito grande. Nós ficamos no meio. Quando

141l
141
term'inou aquilo e se retiraram, ficou um monte de cartucho lá. Morreu ~uit~ Eu e outro companheiro nos combinamos: - Vamos olhar isso ali para
gente. Aí morreu muita gente mesmo. Não sei dizer porque essa eu nao VI, ver onde é? Encilhamos duas mulas. Botamos uma malinha com reviradinho
mas disseram que chegavam a encher valos com os cadáveres para poder passar nos tentos. Fomos. Chegamos lá. Fomos direitinho como coisa que nós sabia.
com os carros de munições. Era no sertão, no mato, embaixo daqueles peraus da Bocaina.
Aí prenderam meu pai, para vaqueano, até a hoca da Serra do Oratório. Estava no pernu, numa altura como essa cortina. Era um caixão de mais de
Uma força desceu a serra e outra voltou. Meu l'ai veio preso até ali. Mas metro de comprido e de cinqüenta acima de altura. Era de pedra, dessa pedra
antes ao chegar em Tijucas, na fazenda Vieira, deu-se um outro combate, mole. Até parecia que o tampão estava colado com cimento.
num 'capão que ficou sendo chamado de Capão Rico. É que ali ficou muita Agora o senhor vai escutando. Fomos direitinho lá com o plano de tirar
munição e os que foram ajuntar deram esse nome. aquilo. Para tirar. Fomos lá, ficamos olhando, bobos. Ficamos uma coisa, bobos,
Foi para fugir dessa Revolução que meu pai foi morar em Nova Veneza só olhando os detalhes. Não mexemos em coisíssima nenhuma e viemos embora.
uns anos, antes de vir como capataz na Santa Bárbara. A Revolução tinha deixado Chegamos em casa! S6 então nos perguntamos: "Mas que é que fizemos?
meu pai, que era fazendeiro forte, muito derrotado. Não linhamos ido para trazer aquele achado? Vamos lá de novo". Era longe.
O fundador de Bom Jardim foi meu avô. Esse foi o primeiro Silveira. A Nós não tiramos. Voltamos para casa.
atual fazenda do Silveira, na Mangueira Nova, era de meu tio. Aí fui a Florianópolis e falei com a sortista no Estreito. Ela me disse: "Ago-
Em Santa Bárbara o dono era Manuel Policarpo de Souza. Mas ele tinha ra, você não tira por causa daquele seu companheiro. Esse companheiro é
arrendado a fazenda a Bemadino Sampaio, de Tubarão. Meu pai foi capataz muito exigente".
da fazenda a serviço deste. Eu devia ter uns quinze anos. Por isso foi lá por Fomos de novo. Eu disse para ele: - Haja o que houver eu quero ir ., .•.
1895 ou 1896. lá e não desço sem ver o fim daquilo. Como de fato subi. Mas ~i quando
Houve um russa morador em Urubici, que ali chegou quando começamos eu ia chegando no caixão, era um perau muito alto, foi quando eu ia chegando ~'~ ..
a freguesia. Ele era muito matador de paca. Gostava de fazer armadilhas e no caixão, que desceram dois cachorros ganiçando numa corrida mais bonita
caçar paca de espingarda, lá pelo Morro da Igreja, na caída para Urubici. Numa do mundo, uma corrida de veado e um camarada gritando atrás: Ucah! Ucah! .
ocasiãofoí dar numa casa de pedra (gruta)em que achou uma ferramenta completa Mas um perau que era como uma parede destas! Não era cachorro, não. era
de servíço: machado, foice, pá, picareta, enfim, toda uma ferramenta. Olhou, nada. Era uma semelhança. Meu companheiro ficou meio louco de medo. Eu
e aquilo tudo muito antigo. Por causa da ferrugem, s6 havia a formatura. Agora até pensei que ele ia me dar um tiro. Desci. Aí eu disse: "Na próxima
os cabos estavam completos. Estavam bem no enxutinho. Também esse veio vez eu venho sozinho, você não venha mais aqui." .-
para Urubici. No dia seguinte quis ir lá ~m outros. Campearam uma semana Decorreu um tempo bastante. Depois disso eu fui lá. Só vi a pedaçada 'í'"
e não conseguiram descobrir mais a casa de pedra. do caixão. Nunca mais soube que tiraram de lá. ,
No Morro do Avencal, ali o Martim Marcelino trabalhou muito tempo, Certa vez encontrei uma caverna, ali na Água Branca. Havia um rapaz
com muita gente e roteiros que indicavam que havia muita coisa ali. Trabalharam que sabia daquela caverna. Ele estava um pouco era de mentira. Ele queria
dias bastantes ali. Nunca descobriram nada. Mas O roteiro indicava ali. era me caçar algum dinheiro. Ele me contou uns casos. Aquela caverna era
Tinha uma mulher vizinha minha lá, com um companheiro. Pousamos na dos padres jesuítas antigamente. Disse que nunca tinha ido no fundo daquela
casa deles. De manhã cedo ela contou que, de noite, viera um padre contar-lhe caverna. Mas dizia que da altura em diante até onde ele foi, tinha muito guardado
que lá nos peraus da Bocaina tinha um guardado para mim. Que era para dos padres jesuítas:
mim ir lá e tirar uma parte para repartir com os pobres, e outra para rezar Um dia, eu tinha uma mula velha, marchadeira. Eu prometi a mula se
uma ou duas missas pela alma do padre Gustavo. A mulher ainda disse que ele fosse me ensinar onde era a caverna. Quis. Pegou a proposta. Fomos,
a visão lhe dissera que mais tarde chegaria um casal moreno para melhor explicar. ele, eu e um cunhado meu. Tinha lá num poposal um furinho assim, de meio-
Como de fato aconteceu, ali pelas oito horas chegou um casal moreno. metro de boca ou nem isso. Eu disse: - Entra para dentro. Mas ele disse
Ela já tinha falado para nós antes, de manhã cedinho. Ali ela foi contar para que não entrava porque tinha medo de cobra. Era preciso só entrar com os
eles esse caso. De certo era a informação que eles tinham que dar. O homem pés primeiro. Acendi uma taquara e vi que para dentro estava limpo. No que
disse assim: "Agora, eu sei onde é. Eu já parei lá, mas não demorou um ano. desci embaixo, parei de pé. Era uma galeria do tipo de uma fornalha, bem
Eu tinha medo! mas barbaridade! De noite berrava vaca, berrava temeiro, abaulada em cima, mas por baixo bem-planinho. Vieram, os outros não quiseram
arrastavam correntes de ferro, que era uma coisa pavorosa. A cabo de meses ir adiante. Mas fomos indo, eu na frente com uma luz. Já ia faltando ar. Aí
saí de lá. Eu me levantava e não via nada. E aqueles assombros eram uma começamos ouvir um ruído forte que se repetia regularmente e ecoava pela
coisa medonha". caverna. Mas não dava medo. Tchuml tchum! Digo: - Mas, Senhor? Então

143
chegamos ao negócio que fazia barulho: era uma goleira d'água. Com o eco muito de caçar. No sábado acolherava os cachorros e ia na cosIa da serra caç~r
fazia um barulho grande. Tocamos e não achei nada. A certa allura a luz apagou- bichos. Chegando lá largou os cachorros que desapareceram e levaram muilo
se. Vollamos para fora. Arrumei uma lanlerna e levei. Aí fui alé o fim. Não tempo para voltar. Ali ele ouviu um cachorro ladrando sobre os perau, do
achei um lrisle nada. Me fallou o ar e não pude verificar bem lá. Tive de Morro da Igreja, para os lados da Serra Geral. Aí foi subindo. Chegou cá,
locar para Irás para poder vencer isso lá fora. Anles de chegar fora meu cunhado onde o cachorro eslava acuando. Não era o dele. Diz ele que era um cachorro
grilou: - Caminha de uma vez, porquera! Aí aquela voz acabou-se. Ele ficou de ouro. Tinha uma casa lá. Entrou, viu, era tudo de ouro. Tinha muilo malerial
pra Irás com medo. Quando depois adianle veio aquela voz: - Caminha de de ouro e praIa e lalheres. A casa cheia de meia para cima. Aí ele de cerlo
uma vez, porquera! Olha, eles dispararam. Mas foi o eco. alemorizou-se com aquilo. Marcou bem o local. Desceu por uma picada feila
O caso de agora deu.se em São Paulo, na fazenda do major Generoso, e disse: :- Vou descer, vou chamar meu irmão. No outro dia vieram com
que era meu padrinho de crisma. Exisliam lá duas cavernas. Uma eu achei ele lá. Nunca mais puderam achar. De imedialo o rapaz começou a pensar
e oulra conheci quando fui lá. Para uma delas meu irmão levou um engenheiro naquilo. Ficou vário. Morreu sem saber nada. O rapaz era ali das Três Barras.
que tirou de lá muitas pedras. Ele disse que era um lugar donde os jesuítas Quando entramos em Urubici, linha genle que malava anla s6 para vender
tiravam material para fazer louça de porcelana. Aquele engenheiro levou umas o couro em Caxias. Tinham muila anla, mas muita anta. E todas as qualidades
pedras de caulina. Mas era s6 o que havia naquilo. de caça. Era s6 largar um cachorro aí que ele trazia uma ou duas. Elas caíam
Para a outra caverna deu-se assim. Era lá perto da primeira. Fomos caçar. na água e era s6 atirar. Se eu malei alguma? Mas muitas! Não é muito grande.
Mas logo os cachorros se dividiram e meu irmão foi atender os de cima e Assim, de um lipo de uma rês de dois anos. Bem cacunda. Tem uma tromba
eu fui matar a caça que era acuada embaixo. Era um talete. Atirei e matei. que quando espicha fica, assim, de metro. Pega u.;, cachorro e puxa. Se ela
Mas olhei o barranco e vi uma laipinha de xaxins empilhadinhos. Para não pegasse um cachorro no seco ela matava. Porque ela pega com os denles,
perder O lugar chamei meu irmão para que viesse cá. Mas ele queria que põe as duas mãos e puxa. Mas é um bicho manso, fácil de se malar, com
eu fosse para lá. Aí teimei e ele veio. Abrimos aquilo. Era uma caverna. N6s pistola ou com espingarda.
enlramos. Fomos até o fim. Não encontramos nada. Lá no fundo tinha pedra . Tinha muito porco-da-maIo, tatete e toda a espécie de caça. O tateIe andava
de um meio. metro, tinha sinal de que tinham matado um bicho ou qualquer em varas.
coisa, pois estava cheia de sangue velho, que tinha escorrido para longe. Sangue . Uma vez, eu era rapaz novo, com um companheiro e um irmão meu fomos
velho, muito antigo. De certo foi algum porc;o-do-mato que mataram. Nada para a beira do rio. Batemos num raslo de latetes. Aí amarramos os cavalos.
achamos. Nem ossos, nem nada. Coragem? E. Eu naquele tempo era meio Eu disse: - Vamos matar um porco de negaceada. Nossos cachorros não
de coragem! . quiseram ir. Porque não era todo cachorro que acuava porco. S6 um ou oulro.
Conheço muilo o Morro da Igreja. Ouvi falar que o roleiro indicava esse Passamos pela lavoura de um colono, Manuelzinho. Aí dissemos para ele:
morro. - Não estão aí teus cachorros? Pois os porcos-da-mala entraram alé a tua
Sobre uma anliga fazenda, que se diz ter pertencido ao Anão: é essa mesma lavoura e s6 faltaram te pegar. Aí ele disse: - Eu não vi. Podiam me pegar
fazenda Santa Bárbara, que foi de meu sogro Sandinho Borges. Hoje é do e eu não vi. O Eochedo eslá aqui, mas esse eu não largo nos porcos, porque
Hercílio Fermiano. Antigamente era dos Souzas. Esse Arzão seria um dos padres é largar e malar esse cachorro. Mas o Marcelo está em casa. Esse é o cachorro
jesuítas. Quando o Anão chegou, aquilo tudo eram terrenos nacionais. O roleiro para tatete. Aí um piazinho foi até a casa e trouxe correndo O cachorro. Largamos.
dos jesuítas falava que a mina era no mato, mas que as vacas leiteiras iam Logo que entrou no banhado e deu as primeiras balroadas, eu alé pensei que
pastar no campo. Muilo falaram que é o Morro da Igreja, e falam muilo alé foi uma trovoada do céu. Aquele bicharedo foi mesmo que uma trovoada. Enlra-
hoje. ram por um taquaral e o cachorro acuando. Eu era novo e não conhecia a
Uma vez o Mané Faiel andava no campo na costa da serra. E diz ele, luta de porco.do-mato. Eles subiram num pauzinho assim. Eu também subi.'
eu não vi, mas ele era homem da verdade, era fazendeiro forte ali, baleram Mas não me sofri. Olhei e vi um carreirinho. Corri para lá, com uma espingarda
num gado na cosIa da serra. Uma ponta de gado veio pelo maIo, por baixo de dois cartuchos. Olhei e vi a vara. Aí não grilei. Porque o porco-do-malo
do Morro da Igreja. Onde ele deixou o cavalo amarrado, e veio a pé pelo , tem essa: gritou, a vara pega rumo e não pára mais. Por isso não grilei. Dei
mato. Ao chegar fora do mato, disse ele que ao passar pelo maIo, ao olhar '. dois tiros e matei dois porcos. Tinham ali um pauzinho inclinado, me agarrei
para umas pedras viu sobre elas a formatura de um padre de ouro. Olhou nele. Com um bastão eu fui matando, a lambadas, nove porcos.
um pouco, mas não verificou demais. Ficou com medo, de certo. Voltou lá O porco-do-mato tem uma: o cachorro acua e logo a vara procura cercá.lo
com os companheiros. Vieram ali e não acharam mais nada. assim, em espiral, para fazê.lo em pedaços. Cachorro ensinado ladra um pouco
Houve uma segunda aparição de ouro. Havia dois rapazes. Um deles gostava e já corre para outro lugar antes de se deixar cercar. É assim que fazia o

144
145
Marcelo. Acuava de um lado e depois corria para meu lado trazendo a vara
para perto. Aí eu dava as lambadas. E os companbeiros, perto. Mas a gente
não podia gritar. Só eu matei. Os outros nada. .
Aproximou-se a noite. Aí os cachorros desceram perto do rio. Os porcos
estavam lá. Olha, pegaram a cachorra do compadre Inácio, e em pouco parecia
um taquaral que estava queimando, de tanto bater os dentes. Deixaram a bichi-
nha em pedaços, que até os ossos das pernas quebraram em pedacinhos.
Acolheramos os porcos e pusemos em cima dos cavalos, em riba dos arreios.
No dia seguinte é que vimos os ossos da cachorra. Fomos seguindo os
rastos. Subiram uma serra. Tinham pegado um quati e também esse ficou
espedaçadinho. Aí voltamos para casa.
É uma caçada muito fácil. Não é perigosa. Mas não facilitando. Se facilitar,
aí matam mesmo. Basta subir numa alturinha assim, de meio-metro e pronto.
Diferença entre tatete e porco-do-mato? É que o tatete entoca. Bateu nele,
a vara toda entoca. Lá um ou outro pára, assim, no seco.
No João Paulo tinha muita capivara. E peixe. Foi o rio de mais peixe que
eu conheci aqui. Eu mesmo matei três traíras de doze quilos. O rio Urubici
tinha, mas não era muito. Era um rio pequeno. Eu morei três anos em João
Paulo, que foi para puxar tropa de boi para seu Eliseu, em Florianópolis.
Tinha muito tigre na Serra do Corvo Branco. Eles andam desconfiados de
que há um tigrezinho por aí. Porque já matou uma mula, uma vaca e uma
égua muito grande. O leão não mata animais assim.
Um caso que foi notificado pela televisão aconteceu com o Leonel Pedro
e um moreno, camaradas do Zé Prá. O tigre passou as unhas pelo rosto do
moreno. O tigre pesou oitenta e quatro quilos. Não era muito grande, mas
também não era muito pequeno. Era uma onça pintada.
Nota: na casa do senhor Osório os tapetes eram couros de quati, no momento
da entrevista.
Quati, isso era uma barbaridade. De manhã cedo eles saíam para o campo
limpo, para fuçar, porque é um bichinho que fuça como um porco. Todos
levantam a cauda para cima. Aquele bicharedo caminhando pelo campo, de
manhã cedo ... 1 Caçava-se atirando ou com porrete. Carne não muito boa,
mas muita gente comia. Perigoso para os cachorrosl Pegava nas goelas e não
largavam. Tem os dentes que é mesmo que uma navalha. Degola o cachorro
na hora. Musf!u ao Ar Livre - único na América Latina, Or1eans, se.
Cotia tinha muito. Tinha e tem. (Foto Evandro Rodrigues)
Lagarto tinha de dois tipos. Um era pequeno e outro grande, de papo
amarelo. Perseguido, ele cai na água e fica lá embaixo, até uma ou duas horas.
Lontra tinha muita no rio Urubici. Era dificil de se matar. Tinha que ser
na água. Depois de uma noite de muito gelo, de manhã cedo, naqueles poços
elas mergulhavam para pegar peixes e caranguejos. Quando elas pegavam subiam
para cima da água. A gente estava negaceando. Era o momento de atirar.
Cágados ainda têm muito no rio Urubici e no rio Canoas. Até pelo seco,
caminhando.

1~6 147
Macaco era uma coisa pavorosa. Tinha quase s6 de um tipo. Tinha o macaco Feito isso, colocado na tropa, fui lá nos meus tentos, desatei o laço, fui
e o bugio. O macaco é pretinho, com a cara do tipo de uma pessoa. O bugio na mangueira. Lacei o cavalo uveiro. No que cheguei o laço: manso! Já troteou,
também, s6 que o pêlo é ruivo. e veio de trote me encontrar. Aí eu compus o laço, passei a focinheira, rapei
O macaco não fazia barulho, mas briocava muito, fazia muita rebaldaria. o lombo. Manso para lidar. Botei o buçal. Não encilhei. Porque eu sabia da
O bugio, quando estava para chover, ele roncava horas. Juntava aquela moraria fama do cavalo. Ai fui puxando ele na tropa.
toda. Quando chegamos na casa do tio e viu aquele cavalo no laço, meu tio disse:
Tinha muita jacutinga, jacu, inhambu, uru. Tucano tinha muito. Pombas - Ah, Os6rio, você nem sabe que inferno você pôs na sua vida! Mas eu
e papagaios. Papagaios-de-papo-roxo, menores, e os de papo-verde, bem gran- disse: - Ele também não sabe com quem se mete. Amanhã n6s temos que
des. Periquitos tinha de diversos tipos: bem verdinhos pequeninos, outros com se acertar.
a cabecinha encarnada. Na manhã seguinte,' tratei do meu cavalo e de outro do meu tio. Puxei
Tamanduá tinha muito. Tamanduá-bandeira também tinha, mas muito pou- meus tarecos de domar lá para perto de um palanque. Encilhei como se encilha
co. Ali, embaixo dos peraus do Campo dos Padres, um tamanduá-bandeira um redomão. Ai meu tio veio para a porta e disse: - Olha, Os6rio, se você
matou um tigre. Andaram os caçadores por lá, ainda viram a carniça. Lá estavam não tem bem certeza não monte nesse cavalo. Digo: - Bem certeza não
o tigre morto e o tamanduá também. O tamanduá deve ter abraçado o tigre. tenho, meu tio. Mas ele também hoje vai ver uma coisa que nunca viu. Ah,
Este arranhou-lhe a cabeça de deixá-la moidinba. Mas morreram os dois agar- bom! Tomei e encilhei. Aí a tia chamou para n6s tomar café com mistura.
rados. Fomos lá para dentro. Aí quando terminei eu disse: - Que é que vocês
Ouriço, graxaim, raposa, tudo isso tinha. determinam lá para a cidade de Bom Jesus, que eu vou lá para a cidade agora.
Cobra então, era uma barbaridade. Tinha cutiaia velha, de uns quinze centí- Meu padrinho ficou com medo de me ver sair sozinho naquele cavalo, disse:
metros de grossura. Serra-abaixo tinha umas caninanas velhas, muito compridas. - Vou com você até uma altura. Encilhou o cavalo dele. Aí desatei o cavalo
Mosquitos é que tinhal O pernilongo é um mosquitinho pequeninho, que uveiro. Quando agarrei na rédea ele procurou a oportunidade e salteou em
chamávamos naquele tempo de mosquito.p6lvora. roda de mim. Digo: - É bom, barbaridade! Mas no que botei o pé no estribo,
, Logo que entramos para lá, não dava de o senhor sentar para almoçar numa ele torceu assim, e já torceu velhaqueando. Digo: - Mas eu não vou ... !
mesa, com os pés no chão, era preciso estar de botas ou enrolar os pés num Experimentei trés ou quatro vezes, assim, não deu. Mas quando foi da última
pano. vez, pus o pé no estribo, quando ele quis celebrar, eu dei um puxão nos
Tenho uma anedota para contar. Tenho um irmão meu, esse, cujo filho queixos, que ele levantou e perdeu o equilíbrio e eu pus os arreios. Eu tinha
está casado com uma irmã do Padre Blévio. Ele tinha um terreno em Bom destreza naquele tempo. Foi s6 ele aprumar que foi velhaqueando. Mas ali,
Jesus e vendeu em troca de cinqüenta reses e uns animais. Um meu tio que eu tinha certeza que não descia. Aí saímos lá numa coxilha, e ele velhaqueando,
conhecia os Meios, nos recomendou: cuidado, porque a primeira proposta que velhacou, velhacou, velhacou. Meu padrinho ali do lado, olhando. Velhacou...
vão fazer é para que entre no negócio um animal uveiro (pintado de branco Quando foi de repente ele fez o jeito' de rodar, endireitou-se e disparou. Aí
e vermelho) que eles têm lá. É um animal q\'e há quatro anos ninguém monta. correu. Eu puxei da rédea, encostou o queixo na goela, e ia correndo no mesmo
Tem todos os defeitos. jeito. Faça de conta que ele não tinha freio na boca. Mas eu que já tive um
Mas eu era domador, naquele tempo. Na ida já levei umas quinze mulas, cavalo que era meio desembestador, se montasse bem por cima ele obedecia.
que levei para domar. Eu era muito do valor e muito garrador naquele tempo. Aí afrouxei a rédeá e dei mais uns laços. Ele endireitou o pescoço, riscou
Ai de fato aconteceu como meu tio falou: logo apresentaram aquele cavalo. que arrancou macega. Experimentei de outro jeito, fiz outra pegada, por nada.
Meu irmão agradeceu. E nos vinte dias que durou a negociação sempre recusou. Virei por lado e outro. Disse para o padrinho: - Tá vendo padrinho, esse
Mas eu achava esse cavalo tão bonito, e parecia com jeito de bom. De fato, porquera comigo não podei O senhor quer ver? Meti-lhe as esporas, deitei-me
enquanto pelas potrancas de quatro anos ele pedia sessenta mil-réis, o Melo sobre o pescoço. Depois, agarrado só com os garrões, fiz ele arrancar muita
queria cento e cinqüenta pelo cavalo uveiro. Nos últimos dias, quando meu ,I
macega. Depois voltei para o padrinho. E ele: - Muito homem já tem encilhado
irmão recusou uma última proposta aí abriram o jogo e disseram que o cavalo esse cavalo, mas s6 você veio dar um jeito nele!
era defeituoso, que velhacava o que podia e logo partia numa corrida desenfreada. Não tive mais problemas. Vim com ele laçando gado. Fiquei com ele s6
Mas eu disse para meu irmão: "Olha, ele não vai ser mais quebra do que dois anos. Botei no mato. De lá desapareceu. Cismo que roubaram. Não sei
alguma mula que eu tive na tropa. Se ele der pelo preço de uma potranca, onde foi. Mas nunca me derrubou aquele cavalo.
aceite que eu fico com ele. Ele não é O rei dos bichos I Ele também é de A fazenda de mais gado que houve por aqui, foi a fazenda dos Ausentes.
carne e osso," Os antigos donos povoaram aquela fazenda e foram embora. Ninguém sabe

148 149
pra onde. Daí o nome: Ausentes. A criação foi ficando xucra: foi gado, foi Ondino disse; - Tu tá louco, meu amigo! Tu vai enciá um burro que nunca
animais, foi tudo. Até os cachorros viraram selvagens. Aí então o Quincas Velho foi enciado? Digo: - Não. Vocês me levam puxando até uma altura, que depois
tomou conta da fazenda. Aí ele davà os gados selvagens para laçar à meia. eu vou chegar com ele domado em Urubici. E de novo o Ondino: - E 'que
Criaram um gadinho muito ruim, porque muito refinada a raça, já ficou tudo é que o homem Manequinha vai dizer? Manequinha era meu pai. E eu: _
um gadinho miudinho, das aspinhas curtinhas, inas muito brabo. Até as ovelhas Ele não sabe disto. Ele anda viajando. Ele não precisa vim a saber. Teimei.
eram xucras. Porcos, foram avaliados vinte e cinco mil porcos xucros. EncUhei o burro pangaré e eles foram puxando. Deu umas velhacadas, mas
Quando morreu seu Inácio Velho, foi inventariado aquUo. Mas não puderam chegou manso em Urubici. Eu tava naquele baile, quando de manhãzinha
fazer aquele inventário por contagem. Fizeram ali por orçamento. Ainda me me lembrei que o velho Generoso, da fazenda de João Paulo, o major Generoso,
lembro do orçamento: em 90.000 cabeças de gado, 60.000 animais, 30.000 tinha me convidado para uma embuscada lá no agregado dele. la matar uma
ovelhas e 25.000 porcos xucros. Até cachorro alçado havia ali. Fazenda muito vaca gorda, umas leitoas e tal, e fazer um baile. Aí eu disse: - Vamos lá
rica, mas tudo alçado. Esses matavam muita criação. Depois de inventariado, no baile do padrinho Generoso? Naquele tempo aquele trechinho de" estrada
eram quatro os herdeiros, aí é que começaram dar, à meia, a quem laçasse da saída de Urubici era um barrai que era uma coisa pavorosa. Aí os outros
o gado. Aí entrou muita gente daqui, das Lages, do Rio Grande, para laçar disseram que não iam se meter naquele brejo. Mas eu era solteiro e me lembro
gado. Assim logo salvaram a fazenda. que eu disse: - Mas sabem que eu vou lá naquele baile? Lá tem moças,
Aqui em Santa Bárbara, quando me criei, pelos lados de Urubici, Morro que é mesmo que chuva de pedra! Peguei o burro e, em seguida, tropelei.
da Igreja, Campo dos Padres, era lugar de muito gado xucro. Saí dali cedinho. Pela uma hora da tarde cheguei em Santa Clara. Já tinham
Os primeiros fazendeiros não quiseram pegar muito terreno do governo, cameado uma vaca. O pessoal tava amontoando. O bicharedo dançando. Eu
para não pagar imposto. Mas criavam muito gado, solto, por aí. Até 1910 ou cheguei e meti o pé, a noite inteira.
1920, não havia cerca nenhuma. Tinha o Adolfo Deme, aqui na Santa Bárbara, que no sábad~ seguinte
No verão, os donos passavam o tempo marcando seu gado, fazendo rodeio, ia fazer uma embuscada num cunhado meu, irmão da Bernardinha (em buscada
marcando os temeiros, por causa das vacas. Se havia alguma dúvida, repartiam era uma festa em que se matava uma rês, e se dançava). Eu estava no baile
entre si. E largavam de novo. O que valia era a marca da fazenda. do seu Generoso. Já dançara, duas noiles seguidas. Duas noites já levei assim,
Quando entramos para Urubici, entrou em seguida a família do Nezinho. atropelado. },Ias eu disse: - Eu vou nessa embuscada do seu Adolfo. Não
Como era perigoso de bugres, eles fizeram um rancho na beira do rio, para tem jeito! Santa Bárbara, daí onde eu estava, é longe! De madrugada encilhei
todos eles. Um rancho ou casa comprida, com os compartimentos para cada O burro velho e atropelei. Ao meio-dia parei em Urubici, dei pasto para o
família. AI;, da povoação para cima, no que vai a primeira ponte. Aí apareceu burro, parei lá um pouco. Quando cheguei em Santa Bárbara, foi quase no
um cachorro baio sem dono. Calculavam que fosse dos bugres aquele cachorro. cerrarzinho da noite, seis horas da noite. Aí, aquela farral Já tinham matado
Lá havia um velho chamado Igídio Nezinho. Aquele cachorro ficou ali, muito uma vaca. Já iam dançando. Eu cheguei e meti o pé na sala. Aí, essa guria
estragado, muito estropiado. .. Aí o velho começou a chamá-lo de Baiano. micha aí (indicou para a esposa de oitenta e oito anos) era namorada de um
Depois de uns oito dias largaram os cachorros para cima, para matar uma tal Salsídio Pinto. Cheguei e já tratei de esculhambar esse namoro. Fiquei
anta. Os outros cachorros mataram uma e O Baiano subiu perseguindo uma dono da piadinha até hoje. Aí comecei o namoro com ela e me casei. Foi
outra que ele alevantara. Não voltou com os outros. No dia seguinte foram preciso andar três noites seguidas, de baile em baile, até chegar em casa e
procurá-lo. Encontraram rastros dele e da anta. Foram subindo. Aí começaram encontrar a noiva com quem antes nunca pensara em casar. Era Bernardinha
• I
ouvir os acuos dele. Foram encontrá-lo lá na cascata. Estava acuando a anta Ribeiro Borges. Ela tinha 21 anos. Eu linha 36 ou 37. Tivemos onze filhos
que se refugiara dentro do poço que há sob a cascata. Mataram a anta e trouxeram "'" sendo dois mortos. Os netos são 69. No dia em que o padre Otávio veio reza:
o cachorro. Daí ficou O nome do rio, e agora também do bairro: Baiano. .j missa aqui em casa, tinha 36 bisnetos. Mas já vieram mais três.
Eu gostava muito de baile, quando rapaz. Eu gostava mesmo de baile. Naquele dia, um neto me pediu para que eu dançasse. Eu disse: - Mas
Para mil{l era a melhor festa do mundo. Aí, morávamos em Santa Bárbara. nego, eu nem danço mais! Um caco véio de minha idade ... E ele: - Não,
Em casa nós estávamos em três: eu, o Ondino, que era bugre, e um irmão vovô diz que era muito dançador antigamente, tem que dançar uma modinha
meu. Veio um convite para um baile em Urubici. Corremos para encontrar com a vovó. O senhor é quem escolhe! Aí entramos na sala. E pedi: - Podem
cavalos mansos, porque era um pouco tarde. Achamos dois cavalos. O pai tinha tocar uma valsa. Tocaram. Dançamos aí como no tempo dos dezoito, como
um burro pangaré de 8 anos, mas era burro só de carga, de arreios não. Nunca dizia a tia véia. (Lembrar que o Osório vai completar cem anos em agosto).
ninguém tinha encilhado. Burro bom para carga, muito valente. Aí eu disse Se tenho saudade daquele tempo? Mas muita! Naquele tempo tudo era
para meu innão: você e o Ondino vão nesses cavalos, e eu nesse burro. O melhor. Vida boa como eu passei, ninguém mais passou. E meu pai ainda

150 ISI
contava para nós que a época boa já tinha passado. Mais melhor que eu passei
muito analfabeta. Então começavam a penSar: - Como é que a gente pode .
não precisava. Agora, tinha uma coisa, muito difícil era o dinheiro. Mas o
voar pelos ares? Como é que um carro pode correr sem ser puxado por bois?
mais ...
Não tem maneira! Tu vê, e hoje até eu já andei voando pelos ares, do Uruguai
É. Dinheiro era difícil. Para ganhar cinqüenta mil-réis era preciso suar. a Lages.
Onde se guardava dinheiro? Não dava para guardar. Ainda nem bem garrava,
Teve um caso de um homem daqui. Correu notícia que o monge apareceu
já tinha que gastar. ali nos altos, na fazenda das Tijucas. Então aquele camarada aqui disse que
N6s carneava uma rês. Fazia quatro, cinco, seis arrobas de charque, bem
se ele o encontrasse lhe daria uns laçaços. Aí, no mesmo dia, o monge contou
seco. Chegava lá embaixo e vendia aquele charque por quatro ou cinco mil-réis.
esta mesma coisa para os donos da casa onde ele estava parado. E disse:,- Coi-
Mas também com cinco mil-réis carregava dois cargueiros, naqueles engenhos,
tado! O coitado está querendo me dar uns laçaços, mas não sabe o que
de farinha e açúcar. Farinha a oitocentos réis ao saco, açúcar a'oitocentos réis
vai acontecer para ele. Que laçaço O coitado vai levar antes de chegar em
a arroba ... Açúcar não pesavam. Era medido em lata de querosene. Uma lata, casa!
duas arrobas. . Naquele dia andava um rapaz com ele. Saíram para ír para casa. O tempo
Para derrubar coivaras em Urubici, de machado, de manhã à noite alguns
era bom. Depois se levantou uma nuvenzinba. Deu uma trovoadinha. Caiu
chegavam a ganhar um mil-réis. Mas tinba que ser cortador muito bom.
uma faísca que matou só ele. O cavalo não sofreu, nem o guri que andava
No começo os pinheiros não tinham valor. Depois entrou ali, a comprar junto com ele.
pinheiros, o Luís Batistot, de Florianópolis. Começaram a comprar pinheiros
Quando ele esteve lá em casa, ficou oito dias. Nós armamos a barraca dele
até a mil-réis cada um. Muitos venderam pinheiros a troco de nada.
contra a taipa de uma mangueira. Mas aí ficava, com o vento nas costas, muito
Aí começaram as serrarias. A primeira foi minha, lá no Urubici. Ainda
frio ali. Mudamos cá para a outra lavoura. Ele não dormia dentro de casa.
existe lá no seu Celeste. No dia da inauguração daquela serraria foi gente
No correr do dia ele parava. Muito tomador de chimarrão. No correr do dia
aqui de São Joaquim, de Painel, do Cedro, de Bom Sucesso. Foi uma festa
ele proseava ali. Mas de noite, no cerrar da noite ele rezava o. terço. Outro
grande. Mas muitos vieram para ver como é qu~ poderia .ser q~e ~gua toca~a era de manhã' cedinho. Toda noite ele convidava: quem quisesse ir rezar o
a serra para serrar um tábua. Foi a grande novIdade. FOI a pnmelra serrana
terço com ele podia ir. Ele caçoava com a gente. A mim me chamava de
de São Joaquim. Até então só se serrava a braço. Eu nem podia esperar que Castelhano Velho, ou Castelhaninho.
as coisas acabassem como estão. Em seguida o Manuel Borges colocou uma
Na barraquinha dele, que ficava à beira da lavoura ou do mato, ali não
em Bom Jardim. Foi em 1915. O Celeste Ghisoni parou a serraria para montar
ia cachorro mexer, não ia um porco, não ia uma rês, não ia coisÍssima nenhuma.
um moinho. O Manuel Bessa foi o que trouxe para Urubici a indústria do
Outra coisa, a cama dele era uma metadinha de couro de animal, curtido,
trigo. Era de Tubarão. Veio, se estabeleceu aqui. Trouxe uma trilbadeira meio
a coberta era um coberloninho, dos antigos, muito inferior, muito ruinzinho.
provisória. Mas o trigo dava muito bem naquele tempo. Ai, o Celeste Ghisoni
que nem dava para nada, só para cueiro de criança. Ele enrolava aquilo e
comprou uma trilhadeira maior e passava por essa colônia cobrando dez por
ficava um volumezinbo de uns quinze centímetros de diâmetro por meio-metro,
cento para trilhar o trigo. Depois a trilhadeira ficou até hoje com o João Russo,
que era do tamanho da maleta em que afivelava as cobertas. Agora, aquela
o João Mecânico. malinha, creio que nada tinha ali, se não a barraquinha dele somente, qualquer
Serrarias, depois daquelas duas, aí alastrou: no Canoas abaixo, no Gargan-
uma criança agarrava, botava nas costas e saía correndo, e tinha muito homem
tilha, nos Sete Pinheiros. Aí não teve mais contagem. que tentava agarrar e não podia carregar, pelo peso. Isso eu vi. Eu carreguei
Os fazendeiros antigos eram gente religiosa, todos eles. Tudo que era fazen- muito, mas não achava peso nenhum:'
deiro era homem religioso. Nada de outras crenças ou de espiritismo.
Interrompemos a gravação para ver o trabalho da filha com o fuso. Primeiro
Eu quase ia passar de lhe falar sobre alguém que não sei se o senhor ouviu lava a lã. Seca. Desfia com as mãos. Aí com as mãos vai dando a lã, que
falar: São João Maria de Agostin. Eu vou lhe. contar: eu vi ele duas vezes. é enrolada em fio grosso pelo fuso. O fuso é um bastãozinho de meio-metro,
Na fazenda do Silveira e em Santa Bárbara. Ele esteve oito dias lá em nossa afusolado, com uma roda de madeira de uns dez centímetros, centralizada
casa. E tudo o que eu vi ele dizer eu já vi.. Está faltando muito pouca coisa. a uns 15 centímetros do pé. O fuso é feito girar apoiado no chão, ou livre
Diz ele: - Esse pode ser que Deus revogue. O pessoal que reze, que se no ar. A lã é puxada de uma maçaroca de lã desfiada, e a mão prática dá
pegue com Deus, que pode ser que Deus revogue. Mas o mais, o que ele a qualidade certa para formar um fio grosso que será usado com agulhas de
disse eu já vi. Ele contou que quando o carro corresse pelas estradas sem tricô para fazer casacos e cobertas. Continua:
ser puxado por boi ou animal, gente voando pelos ares sem ser passarinho, "Na ocasião em que João Maria esteve ali, estava chovendo e eu estava
daí por diante as coisas iam ficando muito ruim. Naquele tempo a gente e~ cevando mate para ele e para O falecido Mané Carpe. Estávamos os três ao

l52
redor de um braseiro. Havia uma janela da qual avistava uma coxilha e nela
um homem, um cavaleiro. Ali ele disse para a falecida Lália, que era uma
mulher velha, doente, que parava sempre numa eaminhada: - Lá .vem o filhodo
homem brabo. Ele traz um presentinho para mim. Mas a senhora peça, receba
e mande entregar na cozinha para fazer dele o que a senhora quiser.
Mas agora ali, nós olhamos e não conhecemos. Quando ele chegou, os
cachorros acuaram e o Mané Carpe mandou um rapaz, chamado João, recebê-lo.
Era, de fato, O filho do homem brabo. Parou um pouquinho e foi entregar,
de fato, um presentinho. Ele agradeceu e não pegou. Só agradeceu. Aí a mulher
doente recebeu.
Aí ele saía para Lages ou Cerrito. Lá ele ia aparecendo. Nesse intervalo
ninguém dava notícias dele.
Numa ocasião, o rio Lava Tudo estava muito cheio, não dava passo. Havia
lá a casa do João Fabiano. Chovia e todo o mundo estava em casa. Aí viram
alguém que vinha vindo, vindo de longe, com uma mala nas costas. O mesmo
dono mandou que um piá fosse receber o homem no galpão, convidando O
mesmo para entrar. Mas quando o menino o convidou a entrar ele disse: - Muito
obrigado, eu só passei aqui para te dar o louvado. Não entrou. Seguiu a viagem.
Depois de um tempo o piá foi contar que o homem não quisera e continuara
o caminho. Aí o velho João Fabiano se preocupou e mandou um agregado
atrás dele para avisá-lo que não se arriscasse a entrar na água que o rio não
dava passo. Quando chegaram perto da margem viram o João Maria, maleta
nas costas, subindo tranqüilo um morro já do outro lado, enxutinho, enxutinho.
Aí o homem João Fabiano se arrependeu muito de não ter, ele mesmo, convi-.
dado o passante para entrar em casa."
Sobre a profecia que ainda não se cumpriu, o Osório Silveira diz isso: "Haverá
uma guerra entre o Cristo e São Sebastião. Mas esta é que poderá se evitada,
se os homens se pegarem com Deus."
Falaria o João Maria do Anticristo, em vez de "entre Cristo"?
Seu Osório conta que ouviu de João Maria que ele vivia muito bem em
contato com os índios e que tinha muitos afilhados lá. Que era sempre muito
bem recebido por eles.
O João Maria tinha uma panelinha pequena, em que mal cabia uma folha
de couve. Muitas vezes ele convidava para comer com ele. E dizia: - Podem
Vista aérea ele Orleans, se. (Foto E~andro Rodrigues)
comer, que tem para todos. E todos comiam. Eu vi, mas não comi com ele.
Eu só vi que antes de comer ele botava uma colher de comida na estaca da
barraca e dizia: "Isto é para um companheiro meu que morreu." Era um guaipe-
quinha que o tinha acompanhado por muito tempo.
Seu Osório conta um outro fato que lhe aconteceu. Um dente maxilar arrui.
nou de tal maneira que chegou a furar O maxilar. A ferida incomodou por
muitos anos e expurgava sempre. Não adiantou remédios, nem médicos. Esteve
22 dias em Orleans com o Dr. Miguel de Pata. Precisava estar sempre com
uma toalha no rosto. Isto incomodava muito, especialmente porque o deixou
em tal fraqueza que não podia trabalhar. A família era grande e os filhos pequenos.

155
Foi então que teve um sonho em que viu Nossa Senhora que dizia que estava proprietários, que apresentassem talão de imposto territorial. Foram em quatro
curando. Na manhã seguinte estava mesmo. Era Nossa Senhora da Pie<J:!de. .qualificar-se. Mas, pouco depois, quando chegou a campanha política, arreba-
Padre, muito poucas vezes se via. Quando precisava ia-se buscar em Lages, nharam todo o mundo. Até os agregados. Aí bastava o imposto do fogão.
pelas estradinhas de tropa. Em Urubici muita gente só foi ver o padre e se Os colonos entraram em grande quantidade depois de 1920. Eram atraídos
batizar no dia do casamento. pelo preço baixo das terras e pela fertilidade, porque dava muito milho e muito
"Em Urubici quem organizou a primeira festa foi meu pai. Mandou buscar trigo. Lá embaixo da serra estavam meio apertados. As terras não davam mais.
um padre em Lages. Tínhamos aberto um picadão para sair de Urubici a Santa O problema que os serranos não ocuparam antes estes terrenos é que não
Clara, tinha fazendeiros para lá, mas em Urubici ninguém sabia que eles existiam. havia estradas. Não pagava a pena plantar. Não tinha comércio.
Aí fizemos. uma picada de foice, que era para varar de a cavalo. Sem nós No começo também os colonos não conseguiam vender nada. Foi o comer-
saber, em Santa Clara estava D. Joaquim, com mais dois padres. Aí disseram ciante de Orleans, João Cazuza, que abriu uma casa comercial.
que, vindo pelo picadão, encurtaria a estrada por diversas léguas, sem voltar Esse, por volta de 1930, comprou todo o feijão da região. Encheu os paióis.
para Lages. Seriam quatro ou cinco. dias de viagem a menos. Aí o bispo e Mas não .conseguiu vender. Veio a grande crise. Faliu e deixou mal muitos
os padres chegaram bem no meio da festa de meu pai. Aí foi uma festa que colonos. Tinha prometido vinte mil-réis l"'lo saco de feijão, quando no ano
foi uma maravilha. Os padres e o bispo até pararam na minha casa. Eu morava anterior mal se conseguia vender a três ou quatro mil-réis.
onde está a casa do Celeste Ghisoni. Bom Jardim, ali era do velho Quincas Cachoeira. Depois de muito tempo
Conheci Criciúma que era mato puro. Nós moramos um tempo em Nova é que decidiu mer uma igrejinha ali."
Veneza. Continua a entrevista com Osório Silveira do Nascimento, fundador de Uru-
Na revolução do Rocha nós fomos esconder nosso gado e nossos animais bici, sobrinho do fundador Silveira e neto do fundador de Bom Jesus:
lá atrás do morro da Igreja. Peric6, um revolucionário polaco, viu o Mané "Trabalhei na preparação para os imigrantes de Anitápolis, especialmente
Padilha sobre a Taipa, atirou nele de pontaria e o matou. Isto foi na revolução na estrada de Rio da Prata. Uma vez quando em trinta e cinco homens estava
do Pinheiro Machado. explorando os terrenos para a construção da estrada, sem perceber, de repente,
Nessa revolução houve uma batalha no Capão Rico, nas Tijucas. Aí os revolu- acharam-se em meio a uma tribo de bugres. Quase todos fugiram. Mas eles
cionários se dividiram: uma parte desceu a serra do Oratório e outra parte tinham consigo um linguará que pôde conversar com alguns índios. Falou com
foi para o Cedro, onde houve outro combate. A forçado Paim ganhou. eles perguntando se queriam viver no meio dos brancos, mas eles se recusaram,
Na Fazenda Nova foi morto o prefeito de São Joaquim, o Antônio Velho, dizendo que não estavam devendo nada a ninguém e estavam muito bem no
pela força do Rocha. meio do mato. Aí todos se despediram sem fuzer mal a ninguém.
A família dos Pessoas, em Urubici, era muito boa, muito estimada. Uns O nome do rio Ladeias veio por este motivo. O Ladeias era o engenheiro
eram caçadores valentes, como o Salvador. Trabalhavam muito bem, homens chefe das estradas da colônia de Anitápolis. Um dia veio ver a frente de trabalho.
muito inteligentes, muito educados. Moravam na praça mesmo de Urubici. Havia um riozinho lá. Aí foi. saltar de uma pedra para outra e escorregou,
Eram quatro ... caindo dentro da água. .
Houve uma briga em que algúem atirou no Salvador, mas errou. A bala Urubici e, especialmente, o Rio dos Bugres, foi o último reduto dos índios
perdida atingiu o delegado e o matou. Chamava-se Otávio. Aí começaram a em cima da Serra. De uma batida no Rio dos Bugres trouxeram um bugrezinho.
perseguir O Salvador. Era homem muito valente, mas não de sangue. Fizeram Faziam balaios,-vasilhas para carregar mel. Já tinham quase todos os seus
uma ou duas ou trés batidas nele, quiseram matá-lo. Um dia foi um subdelegado instrumentos de ferro, roubados dos colonos. Até as panelas eram de ferro,
para intimá-lo à prisão. Foi com medo, de arma na mão. E quase sem querer, dessas nossas.
de medo, atirou nele e o matou. Quanto aos roteiros das minas sei dizer que sempre eles davam no Morro
Dizem que o moreno, o Joaquim Mattos, é que teria sido justado para da Igreja. Haveria lá uma "Pedra de Arzão". A tapera do Anão estaria na
matar o delegado de Orleans, Jovelino Nunes. sede da fazenda de meu sogro. Sobraram muitas buraqueiras, sinais de tran-
No princípio, era tudo homens de bem. Mas tudo valente. Quando brigavam queiras.
eram brabos. Tinha um que chegava a dar na venta do cavalo com facão e No encruzo de São João, perto de Bom Retiro, tem um lugar que conserva
tirar-lhe pedaços, quando não tinha com quem brigar. Quem não tivesse coragem madeiras muito antigas, cortadas antigamente. Meu irmão gostava muito de
não morava em Urubici. Nós não éramos valentes, mas coragem nós tínhamos. procurar essas coisas. Fomos lá. Havia um engenheiro americano por lá. Foi
Enquanto pude votar votei. Sempre com o governo federal. A primeira chamado para ver o material. Colheu. Disse que levava aos Estados Unidos
vez que fizeram eleitores em Urubici foi muito difícil. Exigiam que fossem para analisar. Foi. Voltou com o caso aprovado, que tinha ouro e caulim. Mas

156 157
, não deu de explorar. gente. Passados uns oito meses entraram alguns negociantes: os Ghisonis, O
O avô Manuel Silveira do Nascimento e o pai, também Manuel, participaram velho Chico de Bem e O velho Benvenuto Lorenzetti que era de Rio dos Cachor-
da Guerra do Paraguai. rinhos. Esse tinha negócio lá na Esquina. Era tudo um grande pinheiral.
O pai foi para Santa Bárbara porque o dono era Manuel Policarpo de Souza, Tinha muito banhado.
Arrendou a fazenda para Bernardinho Sampaio de Tubarão. Este contratou Da ponte do Canoas até o Urubici, o Paulo Bachi comigo e os camaradas,
meU:pai para capataz. Por volta de 1896 ou de 1900. ao medir o Patrimônio, tinha que ir no mato buscar uns cavacos, para firmar
Tinha bugre, que de vez em quando viuha bater na fàzenda. Numa vez os instrumentos, que não se firmavam no banhado. Hoje tá correndo, mas
mataram cinco ou seis cavalos do Mané Fael e de outros. Aí vieram uns de aquele tempo era um banhadal tremendo.
fora e aqueles se acabaram. Mas ficaram muitos em Urubici. Os antigos também Por que se achou que aquilo era um lugar bom de se fundar uma vila
davam batidas nos bugres." ali? Já disse que foi por causa da ignorância em que estava o povo, e meu
Fundação de Urubici: pai via. Não tinham escola, não tinham um padre para rezar uma missa. não
"Meu pai era um homem de muita curiosidade e um poueo inteligente. tinham nada. Tem gente ai que é 'herejo', que não conhece um padre, não
O vale do Canoas era tudo mato. sabe o que é uma religião, não conhece uma igreja, eu vou fazer uma igreja".
Meu pai já fora o coajutor de meu avô que fundara a cidade de Bom Jesus. Isto dizia meu pai.
Naquele tempo Urubici já tinha alguns moradores. Mas eram uns caboclos Capela já foi feita com madeira serrada na marcenaria. Um dava uma linha,
que não conseguiam viver em outros lugares e se sujeitaram a viver junto outro dava um esteio. .. Todos ajudavam ali, onde tem o grupo escolar.
com os bugres. O pai ficou o zelador da igreja. Pedro Torres foi o primeiro capelão. O
A terra era do Estado. Aí fizemos uma roça para uns três alqueires de filho, Clarismundo, depois continuou. Era chamado tio Clara. Ganhava um
milho, ali no Fete. Depois requeremos uma posse, ali no Baiano. Ali trabalhamos mil-réis para rezar o terço todo domingo ali na capela.
muitos anos e do nosso lado começou a entrar muita gente. Depois de 20 A imagem foi seu Hipólito Mattos quem deu: Nossa Senhora Mãe dos Ho-
ou 25 anos, tinha gente ali que não conhecia o que era um padre, ou uma mens. Foi consegnida em Florianópolis.
igreja. A capelinha era de tábuas, coberta de tabuinhas.
Aí meu pai disse: - Aqui tem gente que não conhece um padre nem Escola começaram com uma escola particular, um pouco aqui um pouco
nada. Eu vou 'ideiá' uma capelinha. Aí requereu um terreno do Estado, no ali.
tempo do comando do Cesário Amarante, em São Joaquim. Foi então que Os bugres viviam mesmo lá da serra para baixo. Os fàzendeiros é que viviam
ele despachou onze milhões e meio de terras para meu pai, para fazer a capelinha aqui em cima. Os bugres matavam muito gado, mas como tinha bastante e
e para fazer o patrimônio de Urubici. o gado solto, até que não faziam muita questão. Agora, quando comeÇaram
Patrimônio era essa gleba de terra onde está Urubici. Quando meu pai a dar prejuízo demais, tinha aqueles bugreiros que faziam batidas neles e atrope-
publicou aquilo, todos diziam: - Seu Silveira é um homem louco. Que é lavam.
que ele quer fazer? Não vê que aqui não dá nada? Mas meu pai dizia: - Não Em Urubici o maior bugreiro que teve ali foi o Manuel Veríssimo, que
será para ninguém. Mas para aqueles que ficarem, ainda será um ótimo lugar. era de Araranguá. Depois tinha um tal de Manuel Joaquim, e o Martim Marce-
Isto foi por volta de 1900, eu teria uns vinte anos. Quem media aquele terreno lino, esse justamente que chamavam de Martim Bugreiro. O velho Veríssimo
para nós era O velho Paulo Bachi. Eu ajudei a medir a terra. morava em Araranguá e passou-se depois para a costa do Canoas, ali no campes-
Os fundadores de Urubici fomos, eu, meu pai e o José Gaspar Fernandes. '. I tre. Velho morador dali antigamente, ele comunicava-se com os bugres. Reque-
A primeira casa de Urubici fui eu que fiz. E fiz uma serraria aí onde está reu uma posse ali e ali ficou até morrer. Quando matava uma caça boa, deixava
o moinho do Celeste Ghisoni. num toco uma parte para eles. E o bugre fazia o mesmo. Ele se dava com
Os ranchos até então eram feitos de tábuas rachadas com as cunhas. Rachadas os bugres. Mas um dia, casualmente, talvez, os bugres mataram um irmão
e falquejadas a machado. A minha foi a primeira serraria do Município de dele. O João VeTÍssimo. Ali ele ficou com raiva. E matou muitos bugres. Aí
São Joaquím, em 1915. Ainda existe uma parte que agora é do Estevão Ghisoni. é que começou a intriga dele com os bugres. Ele não era fàzendeiro: era um
Quem veio montar a serraria para mim foi um alemão de Joinville. Fui colono da margem do Canoas.
bnscar ele lá, por informação. Era uma Suíçia (Suíço?). Me cobrou seis mil-réis O Manuel Joaquim, esse morava lá na Limeira, no Barracão, agora Alfredo
por dia. Era um dinheiro grande. E cama, mesa, roupa lavada e passada, ainda Wagner.
por cima! E o Manuel Roque, esse morava em São Pedro, na boca da Serra do Grão
Quando botei a serraria tinha muitos ranchos, já casas não. Mas era pouquinha Pará.

158 159
Os fazendeiros pagavam eles, às vezes. não pagavam nada. Chamavam, às
ali no Rio do Ouro, muito alemão morreu a:li.
vezes, em troca de comida ou de alguma facilitação. Bugre tinha muito. Ehl
Os bugres que moravam em Urubici como.acabaram?
Ali bugre tinha, que era uma barbaridade I Uma vez fomos fazer uma exploração
Rio dos Bugres, este é intitulado assim porque deram uma batida e pegaram
na Serra do Grão Pará. Saímos num rancho deles ali. Eu estava junto. Eramos
uns quantos bugrinhos, que duraram até há pouco tempo, em Urubici. Os
em trinta e cinco homens. Nosso chefe era o Américo. .. Nós íamos abrir
mais foram se ausentando, e ficaram só os que foram pegados, bugres mansos.
uma serra para aquele núcleo do Rio da Prata. Quando o Governo abriu aquele
Não, não foram todos mortos. A maior parte foram se ausentando".
núcleo eu estava lá. Tinha turma para fazer casa, turma para fazer estrada,
turma para fazer mudança. Onde, nós éramos da estrada. Essa estrada partia
do Rio da Prata, passava por baixo do Morro do Cedro e ia para Palhoça,
Florianópolis. E quando ia pra cá, descambava e ia sair no Norte (Braço do
18 - SÍLVIO RODRIGUES DE OLIVEIRA
Norte). Vinha pelo Campo dos Padres e ia descambar na Serra do Corvo Branco. Bairro Baiano, Urubid, 23 de janeiro de 1981
No Rio da Prata teve muito bugre que viveu junto com nós. Teve um que
"S ou natural daqui mesmo, nascido em 09 de dezembro de 1918. Tenho
foi pego homem. Não morreu na minha casa porque foi trabalhar fora e naquela
62 anos. Meu bisavô veio do Rio de Janeiro. Vieram em dois: coronel
ida morreu. Era o Ondino. Ondino Geová de Oliveira, se assinava. Oliveira
Manuel Saturnino de Souza Oliveira e o irmão Oliririano, major. Mora-
porque meu tio que o pegou e Geová era dos índios .. Tinha mais: ~inha o
vam em Pericó. Casualmente se intrigaram os dois irmãos. Já fizeram dois
Júlio, o Clemente. .. Tinha trinta e poucos bugres, a:li. Aquele Ondmo me
cemitérios separados, que era pra não ser enterrados juntos. Mas quando ficavam
contava muita coisa, muitas novidades do mato. Só tinha dois de inteira confiança:
doentes, um tratava o outro. Tinham grandes fazendas no Peric6. Eram maçons.
era eu e o Otávio Costa, aqui em Vacas Gordas. Contavam sobre a vivência
. Na Revolução dos Maragatos e Pica-paus, meu bisavô foi condenado à gravata
deles no mato. Em negócios de lei, justiça, essas coisas, no mato eles eram
vermelha (degola) e se largou-se no mundo:
muito enérgicos. O que fizesse uma desordem, o costume deles era matar.
Com um bugre, veio parar aqui na ponte do Canoas. Por aí esteve uma
Assim o Ondino me contava qu~o Rio Urubici. não tinha esse nome, mas
diarada, ele, o bugre, e mais o cargueiro de bóia, para a manutenção dele
Urugugi. no esconderijo. O bugre era o Ondino.
Sobre o casamento deles não me lembro. Tinham um chefe. Eram muito
Ali apareceu um amigo dele, que o descobriu e quis levar ele para casa.
obedientes ao chefe. Eles diziam que eram muitos, eram bastante. Não eram
Mas ele já desnorteou-se. Era muito vivo. Foi para a sanga do Funil. Se aborre-
todos amigos. Tinham diversas nações. Tinha os botocudos, do beiço furado
ceu-se e foi para o Campo Novo. Aí mandou o bugre em casa para ver a
e tinha os outros índios pequenos, que nã.o lembro o nome, e outros.
muié véia comé que tava. A mulher véia mandou dizer que ele podia vir
Não plantavam roça nenhuma. O alimento deles era só na carne. Alguma
de volta, porque uma força tinha vistoriado a casa e encontrado um sinal de
outra erva, palmito, ou milho que tiravam da roça dos colonos. Eles não planta-
maçonaria. O chefe da força disse que naquela casa não se podia mexer, porque
vam nada.
era de um irmão. Esse irmão lacrou a casa, saiu. Veio embora e nada houve.
As casas deles eram feitas assim: iam fincando varas, que arqueavam por
Esse era o bisavô. Meu avô era José Manoel Saturnino de Oliveira, vulgo
cima. E cobriam de guaricana, aquela palha que tem na serra-abaixo. Preparavam
Juca Oliveira, enião foi dos que fundaram aqui. Inácio Oliveira que era irmão,
como se faz agora. . .
Manoel Oliveira era irmão também, Carpa Oliveira era irmão. Foram os que
Os que eu vi, lá nas cabeceiras do rio Fortuna, no Pinhal, eram bem grandes.
vieram por aí, afugentaram os bugres.
Naquela vez correu bugre para tudo quanto era lado. Só ficaram uns oito.
A fazenda deles era na Vacas Gordas. Meu avô tinha muito terreno também
O linguará se apresentou e falou com eles para eles se apresentarem e viver
aqui em Urubici. Ele chegou a ter uns trinta ou quarenta milhões por aí.
conosco. Seria uma vida melhor para eles. Viveriam mais descansados, não
Os bugres comiam muito animal deles. Por isso afugentavam os bugres.
seriam tão perseguidos assim. Eles escutaram quietinhos. Mas um respondeu
E eles foram afugentando, espantando. Deram um prejuízo muito grande. Então
que eles estavam muito bem lá no mato. Não dependiam de favor de ninguém."
espantavam os bugres, assustavam. Iam pro mato, se reuniam ... Onde pegaram
Viviam melhor lá do que junto com nós. Mas preferiam a morte do que se
um indivíduo aqui no Mundo Novo. Já era adulto. Ia casar. Eslava caçando.
entregar..
Bugre que caçava já podia casar. Ele, Ondino, já eslava de casamento tratado.
Aí eles foram embora e nós fomos embora. Ninguém fez nada. Não dispara-
Levaram ele para Vacas Gordas. Essa terra era de meu avô, mas ainda não
mos armas, nem nada. O patrão disse que não se desse nenhum tiro, nem
morava ali. Levaram enrabado no cavalo. Foi o Inácio Oliveira que pegou.
se chamasse nome. O patrão disse isso, porque nós lidava muito no mato.
Eles moravam em Morro Alto, lá em Peric6. Foi o Inácio de Oliveira que
Felizmente, para nosso grupo, bugre nunca fez mal nenhum. Mas nas turmas
pegou com uma colhera de cachorro. Enrabô no maneador do peitoral, passou

160
161
na cola, bot~u no pescoço e foi embora. Levaram p~ra Vacas Gordas. Quando
chegaram apareceram mais de 200 bugres ali em volta. Diz que foi uma coisa
medonha. Esconderam o bugre. Aí levaram o bugre para o Morro Alto. Iam
ajeitando ele lá, mas ele com vontade de ir embora para o mato.
Um dia tirou as tamancas, pegou na mão, deitou o pé. Mas teve medo
dos cachorros e voltou. Aí esteve, por lá. Quando foi de repente, se acampou-se
a puxar lenha. Tinha uma cozinha de fogo no chão. Botou um mundo de lenha
ali. Quando foi uma noite, fez um fogo, virou os pés para o lado do fogo
e conversou, e cantou uma décima, que foi a coisa mais linda do mundo.
Depois nunca mais cantou. Mas também não forcejou mais para sair. Era a
despedida dos índios. Aí ficou. Era a pessoa de mais confiança do velho, mais
que os próprios filhos. Ele queria sair com o bugre e não com os filhos. Por'
exemplo, essa vez ele se escapou-se para fugir à "gravata vermelha", foi com
ele. Nem os filhos sabiam para onde ele tinha ido. Acho que nem a mulher
véia. Tinha de eles achá ele. Porque o Chico Alfaiate, que era companheiro,
fugiu para Laguna, companheiro duma fração só, como se dizia na época, mataram
lá. Eles aqui eram maragatos.
Isto foi em 93. Depois meu bisavô foi um homem qUe criava bastante gado,
muito cavalo, isso tinha bastante. Isso foi coisa que eu alcancei. E nós trabalhava
com tropas de cargueiro. ,
.'
José Salumino de Souza Oliveira, era o avô, ou Juca Oliveira. Desse só
posso dizer coisas de trabalho. Os mantimentos nós trazíamos em lombo de
mula. Vinha quase só de Orleans. Era muito difícil quando ia a Santo Amaro.
Mas de vez em quando ia. Lá para Orleans porque era mais perto e tinha
plantador aí para a gente comprar arroz, farinha de mandioca, açúcar e era
a última estação da estrada de ferro.
Levávamos charque, pinhão, bata-inglesa, queijo. Maçã, tinha, se levava,
mas muito pouquinha.
Trazíamos farinha, arroz, açúcar grosso, batata-doce, melado ...
Preparação da tropa: no galpão arrumava as bmacas, ensumava, pesava.
(Ensumar é arrumar a carga dentro das bma"';'). As mulheres lavavam o q~eijo,
pesava-se. Não se usava nada para conselVá-lo. Só na tábua. Virava-se seguido,
para não carunchar, apodrecer.
Aprontava-se oito ou nove cargas, até treze. Eram seis arrobas para cada
mula, três em cada bmaca. Um cargueiro especial era pára levar os trens de
comida e de dormir. De lá vinha carregado de laranja, de melado ...
Para comer levávamos paçoca, charque, pão e café. Café tropeiro. E comia.
Comia bem, barbaridade I Que belezal
Para carregar nas mulas as primeiras coisas era botado um enxergãozinho
de palha de mescla, algodão muito forte, e palha rasgada bem picadinha. Aí
vinham a cangalha, as bmacas, o ligar, a arreata. Colocava-se o peitoral, duas Vista aérea de Orlean.,. se. (Foto Evandro Rodrigues)
chinchas e o tranca-fio (tento que segura a arreata, para não correr para frenté
e para trás). Tudo de couro cm.
Os arreames de meu pai, depois que eu me conheci por gente, quem fazia

162
era eu. S6 não fazia os paus da cangalha. Aquele tinha outro, um tal de Hercílio um casal de Florian6polis, que estava com ele, me viu chegar lá. Depois"
Gomes que làzia. . no dia seguinte me viu na fazenda. - Você que andou lá? perguntou a senhora.
Não se usava rabicho. Mula não levava freio, s6 cabresto, com cabo. No Era. - Que perigo! disseram. Podem se sumir. Mas aí os meus: - E vocês
cargueiro dos mantimentos ia o revirado, a paçoca, o charque, a farinha de não soltam os seus lá no meio do mar?
mandioca para o pirão d'água, café, açúcar, piío, mais um reviradinho de galinha, Nosso caminho para Orleans era de dois dias. De Caveira d'Anta, que era
quando dava no jeito, para comer no primeiro dia, porque esse não se conservava. a fazenda de meu pai, pousava-se nas Pelotas (cabeceira do rio Pelolas), na
Revirado era li carne de charque cozida e misturada com farinha de mandioca costa, em cima da Serra de Imaruí. Descia-se a serra, braba, serra comprida,
e socada no pilão. Aí ia para o fogo de novo, para engraxar e misturar mais serra ruim. Descia-se nela porque não tinha outra.
uma farinhinha. Como se descia? Largava lá e ia embora. Madrinheiro ialá longe. Madrinheiro
Revirado é quase um nome comum a muitos tipos de comida, enquanto não linha maneira especial nenhuma de chamar os animais. S6 o cincerrinho
que paçoca é um tipo s6. Por exemplo, tem essa carne cortada na máquina, batia. A mula, depois de acostumar com cincerro, vai seguindo a madrinha
que não é paçoca. É revirado. A paçoca agüenta vinte dias sem arruinar. Galinha em qualquer lugar. Madrinha era sempre égua ou cavalo. Perigo havia de
é muito arruinadeira. No máximo dois dias. cair, de rolar. Uma vez, por exemplo, deu-se uma tormenta na Serra e veio
Levava-se couro também para vender. Nunca levamos pelegos. Mas tinha uma aguaria, venlo, e levou três ou qualro cargueiros do Lino Antunes. Tudo
gente que levava. foi carregado pela enxurrada. Mas não mOrreu. S6 não conseguiu mais carregar
Tinha também paçoca de pinhão. Cozinhava e passava na máquina. Depois os burros.
misturava na carne e comia com café, de manhã. Agora pinhão dá para comer Aconteceu muito, de cargueiro cair e se matar a mula e até se perder
temperado, com graxa e sal. Pinhão se quer conservar ele bota um pouco a carga. Comigo aconleceu de rolar um cargueiro. M~ o burro não morreu,
de sal por riba. .. Se conservava por três ou quatro meses. Paçoca é s6 para s6 não deu mais de carregar nele. .
a hora. Não se conservava. Uma vez minha senhora, esla dona aí, eslava chegando em cima da Serra
Arreame da montaria era o baixeiro, carona (de sola ou de couro de anta), do Imaruí. A mãe levava um gurizinho pequeno, doente. Quando foi para
a montaria, o peitora!, os pelegos e a sobrechincha. Tinha a capa, a mala de sallar em cima da serra, a mula escorregou, e ia caindo de costa. Mas o Plínio
capa, o laço, nos tentos. No peçuelo levava algum calçado para trocar quando vinha alrás com a Rosa na frenle. Escorou a mula. Ai não caiu de lodo. Suslo
molhasse. grande! Aí bebemos umas cachaças e locamos, se larguemos de novo. Mas
Tinha gente que andava armada, muito armada. Agora, eu nunca usei. Abl em cima me aconteceu oulra. Tinha um banhado e eu fui puxar a mula dela,
Faca sim. Agora, revólver, não. O pai não gostava. porque ela levava a criança. Ai a mula veio de novo de costas e me fez cair
Não tínhamos luxo na sela. Não tinha prata, não. Algum tinha. Era um denlro do banhado. Enxarquei-me com meco e tudo. Islo em 1960, mais ou
metal branco, nem sei se era prata. menos.
Vestimenta era a bombacha, camisa e palet6. Botas, sempre. Podia estar No Pelolas morava um tio meu, Manuel do Nascimento Rodrigues, dono
rachando de solou nevando, tinha que ter. Chapéu, qualquer um dava. Podia do Morro da Igreja. Esse Morro hoje é do Dr. Joaquim Godinho, casado com
ser de palha ou de pano. Chapéu grande Como os gaúchos, isso não, nunca uma nela dele.
usamos. Barbicacho alguém usava. Eu nunca usei. Para a chuva tínhamos a Pousava no Pelotas. Saía com escuro, para não alrasar a tropa, porque com
capa. Para o frio era a mesma capa ou meco de lã." o calor a tropa se atrasa. Descíamos e íamos sestear na Brusca. Às vezes fazia
Nota: mostraram-me um meco: é um pala com franjas, de tecido feito em a carga lá mesmo ou então ia direlo para Orleaos. Lá no Orleans n6s linha
tear caseiro. Retángular, apenas com um furo no meio. . o Martin Garola, era nosso freguês. Muilo amigo do pessoal, do avô, do meu
"Aqui havia as Sibirinas que faziam, a Ana, a Chica, a Camila. Teciam pai. Trocavam-se as cargas. Se dava, pousava-se ali no Marlin Gazola, perto
também baixeiros, redes para gente deitar. Eram usadas em casa e nas viagens. da casa paroquial. Havia uma mangueira ali, de encerrar a mulada. Tinha um
A tropa está pronta para partir. paslo em que se soltava as mulas. De noile paslavam. De manhã estavam
Na frente a madrinha, montada ou puxada. Madrinheiro era O guri que prontas para nova jornada. Às vezes, preparava-se a carga de noite, mas mais
montava a madrinha. Guri de oito ou dez anos já podia ser madrinheiro. Eu era de manhã. Batata-doce, farinha, arroz, melado, laranja, pinga, ludo isso
andei assim, já com sete anos. Medo nunca tive. Bem, eu tive, as primeir~ \i •• era carregado nos colonos. Um cargueiro era de cachaça. Eram dois barris
vezes quando fazia sozinho, a cavalo, a estrada, da fazenda a Urubici. Era de 60 garrafas cada um. Às vezes na sobrecarga ia um corrote ou um borrachão.
tudo mato. Tinha tigre. Ainda agora tem. Tínhamos um de onze garrafas, muito bonito.
Meu avô tinha casa na praça. essa que se queimou uma vez. Os serranos eram muito bem recebidos pelos barrigas-verdes. Muilo bem

164 165
recebidos. Aqui no Barracão tinha um falecido Virginio Borghezan em que um crochê muito lindo, muito bem feito, tradição antiga aqui da serra. Aliás,
diz que a mãe fazia renda de bilro). ,
a gente chegava. Um galo velho logo tinha que matar, uma polenta, da boa.
Ficava lá às vezes dois ou três dias, a bóia ele dava. Comia-se à vontade, Até 1920, por aí, ainda teve índio/Depois desceram.
de fazer mal até. Polenta, galinha e radichi. uh! Bugreiros em' cima da costa da serra. não conheci nenhum. O único que.
Para Santo Amaro eram oito dias de viagem, para ir e voltar. Mas no duro. eu vi uma vez, de passagem, foi o Martim Bugreiro, que veio pegar as pessoas
Quem ia era o empregado do avó, o Lalau. Eu levei foi muito boi, até o que se tinham alojado aqui. Tinham se rinconado ali. Prenderam, mas só lá
Estreito, entregava para o Liseu de Bernardi. na praça.
A tropa de boi era comprada, ou era crioula da fazenda. Eu era marchante, O Martim era um homem moreno, alto ... Homem de coragem.
só trabalhava como camarada. Mandava reunir mais uns três camaradas. Largava Noutra vez ele veio para matar os Pessoas. Ele e outros fizeram uma espera,
na estrada com cento e cinqüenta ou mais reses. O tropeiro combinava. os aqui no riacho e atiraram o Salvador. Passou bala furando o pala, bate~do
pousos, pagava, dava ordens aos camaradas. Não havia posição certa para cada o terço .da faca. Mas ele disse aos companheiros que não atirassem por trás,
mas atirassem o h~mem pela frente. Desta vez se escapou.
um. Cada um via a necessidade.
Uma vez nós tocávamos para Orleans. Num pouso, num dia de forte cerração, Noutra vez fizeram outra espera, sem ele, aí derrubaram o Cassiano, mas
eu vinha voltando, pensando de estar indo para Orleans. É, vinha vindo de o Salvador se escapou. -
Os Pessoas eram uns bandidos, que roubavam e matavam. Aqui mataram
volta.
No terreno que hoje é do Celeste Ghisoni, meu avô mandou dar uma o Eufrásio e quase mataram o Joaquim Camarada.
pulada nos bugres que davam muito prejuízo. Passaram o facão em muitos. Naquele tempo antigo ainda havia largueza, tinha muito mato, aí tinha
Mas por isso houve uma perseguição muito grande. Veio uma vistoria. Aí ele o que comer, por isso havia muito índio aqui. Os ranchos, eles .cobriam dessa
mandou os filhos vir tirar os bugres mortos e esconder. Tiveram que botar palha de tiririca. Eu não vi, mas dizem que faziam coisa muito bem-feita.
a bugrada azeda na cesta e jogaram na grota do Morro Pelado. Diziam eles Atavam a palha em varas e depois iam cobrindo como a gente cobre a telha.
que carregaram muito índio azedo! Porque os índios saíram? Empataram, né. Os que sobraram foram embora,
Chegavam de noite quando estavam dormindo e passavam o facão. Deram foram descendo. Aqui nesta Serra do Imaruí desceu muita coisa.
outra batida aqui no Rio dos Bugres. Foi aonde pegaram uma menina, a Negrinha Lá no Púlpito, que é aí da Serra do Imaruí pra lá, aliás, está errado: é
Cota. Aí a bugrada que sobrou atropelou meu avô e os outros. Quando chegaram da Serra do Doze pra lá, tinha um fazendeiro, Prudente Cândido, que arrendou
ao Canoas. estava cheio. Ah. tiveram que passar assim mesmo. Se viram aper- um terreno lá. Ali os bugres começaram dar muito prejuízo. Mataram muito
gado lá. Ali o falecido Afonso Machado foi dar uma batida, deram uma volta
tados.
Minha bisavó deu um testamento para essa Negrinha Cota. Então dizia nos bugres, e de fato acharam. Deram um susto neles. Aí deu um desmaio
o testamento: "Na fazenda de Bom Sucesso de campos e matas uma gleba de morredeira no Prudente Cândido, que tiveram que carregar ele nas costas.
de terra de trezentos ou quatrocentos mil metros, para a Negrinha Cota, de Não eram muitos. Era uns quinze que ,tinha por lá. O que sobrou foi só aqueles
três das Três Barras.
origem bugre."
O velho Veríssimo é que era o bugreiro dessa gente, dos Oliveiras. Ele Veríssimo era o bugreiro da nossa fazenda. Homem que vivia no mato.
tinha dois filhos, os velhos contavam, e levava os guris para o mato. Aí soltava Conhecia ,as coisas dos bugres. Era branco. Tem descendentes aqui. Eu não
eles. Que é pra ficarem matreiros, pra ficarem bugreiros, dizia. conheci. E o que <:\izem.
Diz que os bugres tinham um medo deste velho VerÍssimo, que era uma Se contratavam ou pagavam? Levavam, naquela época, você sabe, eles ti-
coisa medonha. Meu avô contava um causo, em que ele no mato escutou a nham maneiras de dar bóia, davam cavalo para encilhar, davam vaca para tirar
batida de um machado. Foi ver. Era um bugre que estava tirando uma abelheira. ' leite. .. Recompensavam o que recebiam de outra maneira. Às vezes eles
Diz que esperou, esperou. .. Ele cortava no meio do pinheiro, onde tinha que deviam e recompensavam afugentando os bugres.
feito Unja espécie de girau. Esperou. Depois que tirou o mel no cestinho Isso, aqui nas costas. No interior não tinha índios. Os índios transitavam
o VerÍssimo gritou: -.:. Ô seu, está melado, né? Diz que o bugre passou a mão aqui nesta costeira só.
no galho do pinheiro e saltou longe no meio do mato. E o VerÍssimo pegou, Aqui nas margens do Canoas, o Zé Serafim morava num terreno do falecido
o balaio de mel e foi embora. "7~.
Felício Pinto. Aí encontraram numa roça os balainhos dos bugres. Tacaram
Balaio.de mel? Pois é, balaio de mel, bem-feitinho, encerado. Comadre os facões naque.les balaios. Os bugres não gostaram. Os bugres mataram um
Pureza ainda deve ter um. Era do compadre Vitorino. .- :Lil!; ~. moço daquela familia, na roça mesmo.
(Asenhora nos ofereceu café, em uma bandeja forrada, com forrode ban~ej;" õ! :.~'
Antes o Zé Serafim se dava muito com os índios. Trocavam presentes.

167
166
Quando um caçava, deixava uma parte para os outros. Aí onde está o moinho de seu Celeste; eu me lembro que eu e o papai
O falecido Peri também era bugre da fazenda. Morava no Morro Alto. é que puxamos, o pai tinha duas juntas de boi, umas vigas para o seu Celeste. '
Era do velho Oliveira. Esse eu conheci. Vivia com os outros. Bebendo cacha- Eu tinha uns treze anos, por aí. Uns paus, que hoje, hoje se fora puxar uns
ça ... paus como daquela ocasião, não tinha três juntas de boi que puxasse. E nós
Um índio fui cassar um touro. Laçou com cipó atado na cintura. Laçou puxamos em duas juntas. E tão lá.
e o touro véio deitou o pé, foi levar na mangueira. Dizem que era ali onde Só tinha uma casa de negócio ali, que era dos Ghisonis. Inclusive hoje está
morava a Antônio Carlos hoje. O pessoal avançou para desatar o bugre. Não vago aquele terreno.
fizeram nada para ele, porque logo a bugrada tava em roda. Até um homem Moradores, a maioria era à maneira de gente carente: os Quintilianos, os
velho que tinha lá quis cotucar com a faca, mas o fazendeiro não permitiu. Ambrósios ...
Não, não! Para eles não incomodarem. De fato, se eles fossem' tratados bem, A respeito de tesouros, eu poderia contar o que ouvi falar, que um filho
eu acho que eles não incomodavam. do falecido Pedro Alexandre encontrou o famoso Tesouro do Morro da Igreja,
A Negrinha Cota foi pegada muito pequena. O Ondino já era rapaz feito. por uma maneira esquisita, por um cachorro, uma maneira assim parecida.
Esse pode ter ensinado muita coisa. Mas que saiba não há uma tradição de Contavam que tirou uma barrinha de ouro. Que é o que eu ouvi dizer. Esperava
coisas ensinadas pelos índios. casar em breve para poder tirar aquele mineral.
O indio que eles pegaram no Mundo Novo, esse Ondino, quando chegaram Quanto à mina de Arzão teve até o compadre Arzão, o compadre Amando,
ali embaixo, onde tem a casa do Maurício, na Mangueirinha, ele gritou: Cauari ó irmão, um filho, que foram lá mas não encontraram nada.
catchingula, liririri. .. E repetia. Aí ele fez entender que tinha flechado um O pai tinha um roteiro. Acredito que está na mão de um filho dele, afirma
cavalo, e que andava à procura dele quando o prenderam. t
um irmão meu. Desconfio que está na mão do compadre Anão mesmo. Tenho
Outra anedota que os antigos contavam era esta: um irmão que se chama Marques, e outro Arzão. Foi por causa deste roteiro
Os índios pegaram um rapaz ali no Pinheirinho. Levaram para o mato, da mina do Marquês de Arzão. Aliás falam muito que era dos jesuitas. O Arzão
no Campo Novo. Coisa muito velha. .. O rapaz louco para vir embora, e encontrou e ninguém mais depois dele.
não podia. Tinha sempre um junto. Até que um dia pegaram cipós e rédeas ... Aqui em cima, conta o José Silvio, o filho, de Silvio, no Morro Pelado,
De vez em quando a bugrada fazia uma roda e botava o rapaz a cavalo
I
,I diz a lenda que existe um jogo completo de bolas de ouro. Mas vão lá e fazem
no meio da roda, para vê-lo andar. Um dia, quando já estava bem arrumado, escavações. Até agora nada. Nem o bolim. Só encontrando osso de bugre,
I'
arrebentou a roda. Diz que a bugrada saiu no cabo. Mas no cabo mesmo conse- nas galerias do Morro Pelado, aqui pertinho.
guiu fugir.' Escapou. Foi embora. I
Em nossos terrenos escavaram muito.' Um dos que mais trabalhou foi o
Quanto ao banditismo das pessoas, ainda isso: o Riduso, que morava lá .I Manuel Inácio Vieira, tio de minha patroa. Veio também muita gente de fora.
em cima, na Água Fria, ficou aí para vingar a morte do tio Eufrásio. Ficou Se veio com roteiro, não sei. Eles vieram assim, meio na coragem. E tão
e não sairia sem vingar a morte do tio, que foi morto quando era subdelegado, cavando ainda. Diz esse meu filho que, de vez em em quando, ainda escavam.
numa briga de festa ou baile. E vingou. Em geral vêm escondidos.
Bandidos refugiados aqui houve outros. Mas não lembro. Os donos dos terrenos nunca foram escavar nada.
Até por volta de 1950 isto aqui tinha fama de gente valente. Tanto que O que tem aqui é carvão. Logo vamos s~ntar uma sonda para ver a espessura
até chamavam aqui de Curitibano Pequeno. Era malvisto aqui, pra essas coisas. e a fundura. Até" por primeiro, vai ser aqui do lado da casa. Já está tudo
Mas não. O povo daqui era muito bom. O pior é que vinham esses imigrantes pronto.
de fora e se colocavam aqui. .. Tempos atrás chegou um carro de fora, perguntando onde estava um paredão
Aqui teve um homem, crioulo daqui, um homem muito perigoso, que matou onde havia uma escrita, uns nomes grandes. .. Dizia que há uns trinta anos
uma porção, que era o falecido Tonico Carola. Matou muita coisa. É da familia tinha andado por esse paredão e tinha deixado marcado ... Agora tinha perdido
dos Mattos. Mataram depois em Campos Novos. Foi dos homens o mais pior o lugar e estava procurando.
que houve, matador mesmo. Há muitos buracos, grotas, vertentes. Cavernas têm poucas. Na gruta de
Havia, havia muita gente atirada. Faqueada até que não. Faca também Santa Teresa ainda se encontra ossos. É só o que se encontra. Seu Vieira,
aparecia. Mas não é tanto, não. Matavam, feriam a tiro. o Manuel Inácio Vieira, encontrou muito osso."
Nós morávamos lá perto de Peric6, em Caveira da Anta.
Conheci isso aqui com muito poucas casas. Conheci uma capelinha, ali
no grupo, e pronto.

168
169
19-JOÃO MARIA DE SOUZA COSTA, VULGO
JANGO COSTA
68 anos - Urubici - 23 de janeiro de 1981

"N a fazenda de meu pai nós vivíamos trabalhando, fazendo uma lavou ri-
nha, fazendo um queijinho, para ir em Orleans e trocar pelo que
se precisava. Queijo, feijão e charque é o que levávamos. Com
meu pai chegamos a levar de dez a doze cargueiros. Naquela época trazíamos
tudo lá de baixo. Tudo, desde o botão à roupa e instrumento. Depois é que
foram criados Urubici e Bom Jardim. Em São Joaquim havia alguma lojinha,
mas quase não íamos lá. Em serra-abaixo a gente encontrava tudo, também
os mantimentos .
. ,. Depois meu pai fez uma sociedade com um tal de Jorge Vargas, de Pindotiba,
.I
e botaram uma vendazinha de comestíveis, que iam buscar serra-abaixo.
Minha função de criança era a de madrinheiro. As mulas eram madrinhadas
com um animal, égua ou cavalo. Atrás vinha a tropa, com dois homens, geral-
mente.
Nos pousos cabia ao madrinheiro procurar lenha e acender o fogo, puxar
água para o café...
Nossa descida era a Serra do Imaruí. Era não s6 ruim, era penosa mesmo.
Muitas vezes, de tirar a carga das mulas, porque não venciam subir. A serra
era muito forte, muito empinada e o bicho desacorçoava. Eram noventa quilos
no lombo e às vezes mais algumas coisinhas. Nesses casos distribuía-se a carga
com os animais de arreio. A Serra do lmaruí não é lugar de paredão perigoso,
não. Mas é uma subida muito íngreme. Peraus perigosos tinha em Rio do
Rasto. Descíamos também por essa. A do lmaruí era mais perto. Ainda mais
que logo botaram na Brusca uns armazéns fortes, como o do João Ramiro,
como os Pizzolattis, e tinha o Otávio Dalsasso também com casa de negócio
forte. Muitas vezes só íamos até a Brusca. Ou para Orleans.
Meu pai também tropeava boi para vender lá embaixo, em Gravata!. Lá
vendia picado. Às vezes em dois, três, quatro compravam um boi. E repartiam
os quatro. ,/
Vendia-se boi também para domar. Fiz muitas viagens daquelas, com meu
Encosta da Serra Geral vista de Três Barras. Orleam. se. pai. DesCÍamos com cinqüenta bois, no máximo.
(Foto Eaondro Rodrigues)
Às vezes ficávamos ilhados, por causa das enchentes. Uma vez fiquei nove
dias nos galpões do Ramiro. Outras vezes ficava-se dois ou três dias.
Para ir ao Gravatal precisava fazer três pousos. Lá embaixo pousava-se nos
galpões. Aqui em cima da serra era na barraca. Carregava-se cobertores também.
Um cargueiro era só para o comer e dormir. Na volta já trazia alguma coisa
pouca, como potassa para fazer sabão...
Comíamos carne assada e paçoca. Essa era feita de carne de charque cozida
e socada num pilão. Depois fritava-se na graxa e misturava-se com farinha,
feita farofa.

liO li!
Café era na chicolateira, botado o pó na chicolateira. Era café de tropeiro
dos brancos. Aí O chefe mandou ele trazer a prova.
mesmo. Gostosol Já tenho saudade daquilo.
Mas naquela vez assaltaram o toldo deles, lá perto de Santa Tereza e mataram
De meio-dia sesteava-se.
todos eles. Meu pai tinha a idéia que mais ou menos era por ali. Naquele
Não havia perigo de assalto, mas, geralmente, quase todos tinham revólver.
tempo era tudo mato. Não diziam quantos mataram. Pegaram umas crianças
Os colonos tinham boa amizade com os serranos.
e levaram. Nessa época, eles tinham três bugres que eles amansaram. Eu
Em Orleans carregava-se muito no Martinho Gazola. Também na casa Pinho.
conheci dois bugres, o Ondino e o Peri e a bugra Cota.
No tempo que eu era guri tinha o Joca Arvelino também. Tenho sessenta.
O Martinho Bugreiro pegou um lote de bugres e mandou tirar retrato.
e oito anos. Orleans já era município.
Meu pai tinha, mas queimou a casa dele. Nessa ocasião trouxe amarradas duas
Política para nós era uma coisa abandonada. Não se ligava muito. Eu fui famílias de bugres. E lá numa altura estavam parados para sestear e um jararacuçu
conhecer política, que foi para pegar mesmo, foi depois da ditadura do Getúlio
pegou no garrão dum bugrinho. A bugra mãe dele pediu para ser solta e correu
Vargas.
para o mato. De lá trouxe um punhado de erva e chegou cá e mastigava aquela
Para os estudos tínhamos escolinhas particulares. Mas já no meu tempo erva bem mastigada e botou na cesura onde estava os sinais das presas da
cri~u-se uma escola do Estado.
cobra. E foi, foi, até que fechou a cesura. A criança se salvou. Pena eles não
Fazenda do meu pai era no rio Crioulo, no Bom Sucesso.
ver aquela erva, que era importante. Até no retrato aparecia a cobra morta.
Em Orleans, parava muito na casa do Jácoino Coan, conhecido por Nilton Era um retrato hoje de muita importância.
Coan, pai do Joanim e do Ângelo. ES,seveio para nossa casa uma vez. Até
Esta luta continuou muito tempo. Meu avô fez mais duas batidas nos bugres:
trouxe uma febre perigosa, que nos derrubou todos. uma cá em cima, nos terrenos que eles chamam de Faxinal, e outra aqui do
O Jango tinha dois tios matemos que eram bugreiros. Eram: Inácio Saturnino Canoas abaixo. Em todas elas mataram bastante índios. Depois os bugres sumi-
de Oliveira e um tal de Saturnino.
ram. Eu já não alcancei mais. Na costa da Serra tinha, mas nunca vi.
Eles vieram aqui na costa do rio fazer uma roça. Fizeram um ranchão
Depois de eu grande: homem casado já, eles fizeram uma batida lá na
e botaram uma coivara para plantar milho. Viveram um inverno inteiro aqui
costa da serra de Bom Jardim, na fazenda do Prudente Cãndido. O Afonso
junto com os índios. Os índios não fizeram nenhum mal p:rra eles. Quando
Machado, com a polícia, foram lá. Eles dizem que não mataram bugres. Mas
foi lá um dia, eles eram umas quatro ou cinco familias, três índios saltaram
eu fui até por acaso, de aranha para São Joaquim e aqui no Cruzeiro estava
num dos rapazes. Ele para se escapar desses índios tinha uma pistola, dessa
um cidadão encarregado do Governo para essa parte dos índios. Eu tinha ido
de se carregar pela boca, atirou e matou um índio. Daquele dia em diante
para lá para ver o que tinha acontecido. Aí ele me pediu para que o levasse
eles começaram a perseguir. Tiveram que sair. Mas antes aparecera morta
para São Joaquim. Me agradei do jeito do homem e levei. Pela estrada ele
uma cachorra deles, flechada. No outro dia foram novamente ver a cachorra
foi dizendo que estava tratando disso. Não conhecia São Joaquim e foi parar
e tinham tirado uma orelha, cortado bem junto à cabeça.
comigo, no mesmo hotel que eu parei. Foi fazer uma vistoria na delegacia
Pensaram logo que era um sinal, um aviso. Saíram, até muito mal, cuidando
e me convidou para ir com ele. Chegamos lá, tinha uns balaios, umas flechas,
das famílias, escoltadas por um lado e outro. Saíram. Lá em cima. Lá se armaram
uns arcos. .. Até fui muito bobo. Eu era já amigo dele, eu podia ter pedido
e vieram bater nos bugres. Eles estavam já lá no campo, atrás de uma tropilha
para ele resgatar para mim aquilo tudo, para eu guardar. Fiquei assistindo
de cavalos de meu falecido avô Leonel Souza. Eram oito cavalos alazões e
os depoimentos. Um polícia dizia uma coisa, outro dizia outra. No fim ele
uma égua tubiana. Só escapou a égua e dois cavalos. Mataram seis cavalos.
me disse: - Olha eles mataram muito bugre, mataram muita gente. Aí eu
Nossa gente bateu neles e pegaram um vivo, com os cachorros. Até deram
disse: - Escute, você não podia deixar passar isto? Afinal os bugres estavam
o nome de Ondino. Deu um homem muito bom. O pai do bugre era um
dando muito prejuízo. Aí ele: - Não, vou deixar passar. Mas pelos depoimentos
homem aleijado num pé, e muitas vezes o filho chegou a reconhecer as pegadas
que a polícia dava, dava para ver que estavam intrigados e que tinham matado
do pai que rondava por lá para ver se roubava o filho. Quando viu que o
mesmo. Um deu depoimento que s6 tinham matado a cachorra, muito braba,
filho quis ficar com os brancos, gritou para ele que iria matá-lo. Por isso Ondino
que tinha avançado neles. Outro deu depoimento que um bugre voltou para
se escondia.
vir buscar as armas. Aí aquele eles mataram. Outro deu depoimento que não
Quando os fazendeiros vieram ver, os bugres já tinham derrubado os ranchos
tinha bugre, nem cachorro. .. E assim por diante. O homem tinha chegado
e acabado com os mantimentos. Acabaram, estraviaram com a roça. Aí foram
de surpresa e não dera tempo de eles se combinar.
bater nos bugres e mataram muito. Foi então que vieram a saber do significado
Eu não conheci bugres, mas eles me conheciam. Quando prenderam aqueles
da orelha da cachorra cortada rente ao crãnio. Era que no ioldo havia um
das Três Barras, eu desci com outros dois homens, um que descia sempre
bugre muito mentiroso, que um dia chegou e disse que tinha matado a cachorra
e outro que era a primeira vez que descía. Aí o linguará perguntou se ele
172
173
conhecia nós três. Disse que conhecia O outro. Às vezes a gente via alguma perdido o lugar. Nunca mais acharam.
pedrinha rolar, na serra. Depois soubemos que eram eles que rolavam. Mas Eu vi o roteiro de Arzão. Meu pai uma vez arrumou com o Martinho Bugreiro.
nunca fizeram mal. Aquele roteiro do Rio Grande, da lagoa do Pinheiro Seco, em direção do Morro
Urubici, quando eu conheci, isso aqui era tudo banhado, tudo mato, pouqui- da Igreja, na Lagoa da Água Verde ...
nhas casas. Até meu pai, bem no começo, Manuel de Souza, muito conhecido Sobre o fenômeno do Gritador, diz a senhora do Jango: - Minha mãe
em Orleans, fez uma casa aqui. Não era para morar. Era só para vir a festas contava que, quando mocinha nova na casa da avó, onde foi criada, quando
aqui. o Gritador gritava, perto de um mato, num morro, parecia que o mato vinha
todo abaixo. Os cachorros corriam todos para dentro de casa, de medo. Mesmo
As terras eram do Governo. Aqui tinha onze milhões de terras do Governo.
Os mandatários daqui foram vendendo tudo. Hoje não tem lugar para construir dentro de casa todos ficavam com medo.
Seu Jango diz: - Não cheguei a ouvir, mas escutei os detalhes. Era um
uma cadeia. É uma lástima.
grito feio, assim: UUUUI Um grito alto, muito forte, parecia muito perto da
Os da colônia, que vieram de fora, requereram muita terra. Quando foi
gente. Todos ouviam. Eu ouvi só umas duas vezes. Mas todo o povo que
feita esta estrada de Bom Retiro a Urubici, o Governo deu aos empreiteiros
morava naquela redondeza escutava. O compadre Exerco pode contar, porque
terras, em troca da abertura da estrada. Foram Adolfo Deme, Joca Antunes,
era no fundo do terreno dele.
Martim Brasil e Lisandro Luís Vieira. Esses foram os que mais venderam terras
Em religião, meu pai se interessou pouco. Cheguei ao casamento sem ter
em Urubici.
feito a primeira comunhão. Para a Crisma, o Manuel Bertoncini, na primeira
A vila mesmo, foi aqui no centro. Mas o velho Benvenuto Lorenzetti roçou viagem em que andou por aqui, disse que queria crismar um de nós. Meu
um pedaço de mato, lá no centro da Esquina, onde hoje é o posto, e colocou irmão gêmeo disse que não. Aí eu aceitei. Mas o Manuel mudou-se para baixo
uma casa de comércio, um armazém de comestíveis, que ele puxava de Orleans e eu, apesar de ter diversas oportunidades para ser crismado, sempre esperava
em cargueiros. Ele era de Orleans. o padrinho para cumprir minha palavra. Mas quando o Manuel Bertoncini
Antes dos colonos, quase todos os serranos, os fazendeiros, tinham terrenos faleceu, D. Daniel veio inaugurar este Hospital, aí o padre José Espíndola
aqui nas margens do Canoas. Meu pai tinha, meus tios todos tinham. Depois foi meu padrinho e eu me crismei.
botaram fora tudo. Largaram nas mãos dos alemães que vieram de fora. Saudade dos tempos em que viajava! Como era bom! Gostava muito de
No tempo antigo eram poucos os fuendeiros que chegavam a criar trezentas viajar. Era tropeiro e boiadeiro. Meu pai também era marchante do Antônio
cabeças de gado. Os' capatazes e agregados também tinham bastante gado. Ghisoni. Ia vender em Gravatal. Ganhava uma comissão. Eu ia junto. .
Contava-se nos dedos quem tinha quinhentas ou setecentas reses. Policarpo Numa ocasião eu vinha com o Antônio Ghisoni e outro camarada, de volta
Souza era um deles, mas eu não alcancei. Esse, diziam que tinha duas mil de Gravatal. Era pela Páscoa e a turma estava lá com o boi-de-mamão. Já
cabeças de gado. tínhamos tomado umas cachaças: - Eu vou laçar esse boi, diz o Antônio.
'c - Não, não vai. - Eu vou. Depois me arranco, ninguém mais me alcança.
O Serrano botou fora os pinheiros. Vendeu a troco de nada. Falta de visão.
Faltou quem clareasse. Muito pouco fez capital com pinheiro. Aqueles que Mas, e nós com nossos burrinhos? Não faça.
ficaram com um restinho dos pinheiros ficaram ricos. Mas são muito poucos. Gado que era acostumado a estourar era perigoso. Por qualquer coisa ele
A maioria botou fora, entregou para a firma que vinha de fora. estourava. Mas dava-se um jeito. Juntava-se de novo. Nunca perdi gado por
isso.
Serrano quase não tinha dinheiro, negociava muito a crédito, com um,
com outro, porque não tinha banco. Algum homem que tinha dinheiro empres- Eu toquei para baixo diversas varas de porcos. Era porco criado no pinhão,
tava a juro, mas poucos. Tudo na base da troca. de meia-engorda, mais um pouco, menos ... Eram porcos ariscos. Mas, com
muitos camaradas e cachorros bons, era difícil perder algum. Eu vendia aqui
Meu pai e uns quantos outros, desciam com uma tropa de cinqüenta bois
na Brusca. As últimas tropas fui vender no Rio dos Cachorrinhos. Sempre
e vendiam com O maior sacrifício. Recebiam só dinheiro do valor do ouro,
fui bem. Foi um negócio que me deu muito lucro.
e daí a sessenta dias é que se fazia a cobrança, de um em um. Era uma trabalheira
Para Braço do Norte chamávamos de Quadro do Norte e para São Ludgero,
enorme.
• Capela de Baixo:-Lauro Müller era Minas. De Gualá não se falava. Devem
Dinheiro, guardava debaixo do colchão mesmo, ou nas canastras, enliado ter botado O nome depois da exploração do carvão. Doze, era Doze mesmo.
num pano. O mais era na guaiaca mesmo. Eu comprava porco dos criadores, a peso de balança. Cada um pesava os
Escuto esse negócio de que havia dinheiro enterrado. Meu sogro dizia que seus. A tropa caminhava. Se era mais leviana, ia-se mais depressa. Com 'a
a avó da minha sogra tinha enterrado um dinheiro de ouro e prata e tinha tropa mais pesada viajava-se pouco por dia. Descia-se com porco na Serra

174 175
do Imaruí e na Serra do Grão Pará. A pior de todas as serras era a do Imaruí. Rio das Fumas teve o primeiro Cartório de Paz. A política depois levou,
Acho que hoje até deve estar quase intransitável. para Grão Pará.
A gente tem saudade daquele tempo. Era tempo bom. A gente vivia, parece, Meu pai comprou oito colônias nas Fuminhas, uma para cada filho. Até
mais tranqüila. que vieram os polacos colonizar a Linha Antunes' Braga. Por volta de 1920.
Eu me acho um homem realizado, com três filhos, casado, bem casado,
Quando eu nasci meu pai fez tafona, que foi por diversos anos a única
vivo bem com minha mulher. Se um dia Deus se lembrar de mim, estou
que atendia todo aquele povo. Tinha outra no Rio Pinheiro e no Rio dos Cachor-
pronto para viajar."
rinhos. Depois o Francisco Bett botou outra numa queda d'água do mesmo
rio.
20 - CELESTE GHISONI Os primeiros preferiam os morros porque derrubavam os paus e eles corriam
para baixo. Era mais fácil de limpar o mato. A madeira foi toda perdida. Nós
90anos -17 de agosto de 1981
também tínhamos uma serraria, mas serrava pouco.
A cooperativa tinha fábrica de banha em Rio das Fumas.
asci em Rio da Fumas. O avô era sapateiro. Meu pai veio da
Itália, com treze anos, e foi morar em Brusque, no norte de Em Urubici são 58 anos que cheguei. Então foi por volta de 1923.
"N Santa Catarina. Quando casou em 1873, já estava no Brasil há Vi.m para Urubici em 1923. Eu estava no Rio Belo e vieram me contar
diversos anos. que o trigo era barato e produzia muito. Viemos aqui olhar e o trigo estava
O pai veio morar depois no Rio das Fumas. Fundaram uma igreja bem a doze mil-réis o saco. Terrenos bons. Plantavam uma quarta de milho e tiravam
concorrida de contos e terços. Colocaram como padroeira Nossa Senhora de cinqüenta sacos. Chegamos depois a tirar 47 sacos, de um saco de semente
de trigo.
Caravaggio. Trouxeram da Itália uma imagem pequena, que agora está com
meu filho aqui. Compramos terra, mas pouca. Logo col~camos uma trilhadeira para atender'
Conheci Orleans com poucas casas. A colônia estava toda extraviada, né. os colonos todos. Em seguida um pequeno moinho. Depois fiz um maior ...
Uma pequena serraria, uma caixaria.
Tinha Rio dos Pinheiros, Rio das Fumas, os Cachorrinhos, Rio Glória e Grão
Pará. Quando cheguei, a vila era pequena, era uma gentinha pequena. Tudo
O Stawiarski, referindo-se aos terrenos urbanos, disse: - Está valendo casa de madeira, mas não de tábuas, casinhas de achões. Tinha morrido muita
mais um pé de graxuma do que uma perova de meio metro. Era mais caro gente de febre espanhola. Quase em todas as casas houve mortos. Eram serranos.
um lote, do que uma colônia. Só havia o Lorenzetli na esquina do Rio das Furnas, e o Ricardo Krieger,
O Stawiarski vendeu as colônias. Depois cobrou os impostos atrasados. Pri- do Grão Pará.
meiro compramos barato. Depois quase pagamos uma segunda vez, ao termos O Lorenzelti já veio com casa de negócio.
que pagar o imposto desde o tempo que compramos até receber o título defi- Morei numa casa da praça. Depois construí essa que ainda está ali ao lado
nitivo. desta. Na praça só tinha poucas casas boas: a do Chico Tomé e a do Major
No 93, veio uma turma de soldados para roubar. O povo escondia animais Hipólito Mattos, .chefe político. Eram donos destes matos todos. Depois foram
e gado, porque eles tomavam. vendendo, vendendo, vendendo ... Outra famaia grande, de gente de trabalho,
O padre Vitório Pozzo veio nos visitar em Braço do Norte em casa de foram os Oliveiras, mas aqui no campo.
meu tio Luís Ghisoni. Baixinho, muito alegre, muito contente. Era de Torino. Aqui o terreno já compramos dos colonos ou dos fazendeiros. Já havia aqui
A Capela de Grão Pará não estava na sede, mas sim acima, assim logo o patrimônio.
em cima do barranco onde depois se deu o acidente em que foi morto o padre. Tudo era pinheiro aqui. Também na praça e na esquina. Era um banhado
João Kirek foi o rapazinho que jogou uma pedra .. Tinha sido o Debiase que com muito pinheiro. Derrubavam e ficava ali. Quando eu vim com a mudança
trouxera o padre da Itália. caíram cinco cargueiros no brejo, que precisava tirar a mula fora. O último
, Em Orleans, além do Pinho, tinha o Biltencourt. Depois o Marlinho Gazzola, caiu aqui na praça, na frente do cinema. Havia um buraco ali. Em seguida
os Sandrinis, os Albertons, mas já bem depois. veio o de Carlos Copetti. Caiu no mesmo buraco. Tiraram, mas ficou lá uma
Em Rio das Fumas tinha uma cooperativa em que meu pai era o gerente. panela, dessas de três pés que caiu do cargueiro. Muitos anos depois, quando
Aí botaram um guarda-livros que também era caixeiro, e não deu mais certo. meu irmão quis fazer o cinema, mandou abrir os valos dos fundamentos. Aí
A cooperativa quebrou. Ficou uma dívida grande. Meu pai teve que ir vendendo foi encontrada aquela panela. Fizeram aquele barulho! Gente, ao redor, pensan-
o que tinha para pagar. do que fosse dinheiro. Era a panela dos Copettis. Eles vieram buscá-Ia depois.

176 177
Quando cheguei eles já tinham matado os bugres. Era um caso recente
o ataque dos índios a uma cavalhada dos Oliveiras e a caçada, com winchester
e cachorros, que se seguiu. Foi aqui em cima destas grotas, atrás das casas.
Encontramos ainda muitos ossos. Houve ainda' o caso dos de Santa Teresa
e aquele da Serra de Bom Jardim.
Mas diziam que antigamente vinha gente de Hajaí, matando bugre até aqui.
Conheci um velhinho, péqueno, que era caçador de bugre: Olivério ou.
Silvério, não lembro bem. Sempre de pistola na cintu~a, desconfiadíssimo,
ati nos últimos tempos. Media o chão, observava bem ao redor de casa, antes
de arriscar a sair. As vezes enxergava um toco, desconfiava e ia de arrasto,
de gatinhas ... Para dar o corpo era a coisa mais difícil. Aí os filhos diziam:
- Pai, tá fazendo? - Tô bombeando. .. Morreu nessa preocupação, nesse
temor de perseguição. Quanto remorso, talvezl
Vi diversos índios criados pelos serranos. Contava-se o caso de um deles.
Um dia o patrão e o índio foram para o mato cada um com um machado.
Lá adiante encontraram um arroio bonito. O fazendeiro vai beber água. Aí
o índio, com o machado, páfete, na cabeça. Pegaram o índio: - Por que fizeste
isso? - Ah, a ocasião era própria ... I Ele nem tinha fugido. .
Há história muitas vezes de tesouros e cavernas. Dizem que, antigamente,
vieram aqui vinte homens vestidos de padre, com uma maleta cada um. Foi
no tempo que assaltaram Roma. Lá na Bocaina há muitas galerias. Vestidos
de padre, mas eram ladr6es, eles devem ter escondido lá um grande tesouro.
Não foi achado ainda.
Aqui vieram buscar dois tesouros. Um aqui nesta grata e logo na outra,
outro. Há pouco tempo isto. Vieram os aparelhos. Vieram me chamar, mas
não fui. Fizeram um buraco grande, na furna, lá embaixo. Sempre tem gente
que vem procurar. Meus terrenos estão tudo balidos, tudo batidos .. : Aqui
vieram uns homens com um roteiro, e não sei o que mais tinham, que falavam
destas coisas. Aí fomos. Descemos até o Pelotas no Morro da Igreja. As pedras
lá estão marteladas. Nada encontramos. Mas existe alguma coisa. Tudo que
tem nome existe.
Já veio um engenheiro aqui para ver uma mina de prata. Falavam que
estava no Campo dos Padres, embaixo.
Veio um homem aqui com um roteiro, mas em hebraico, tudo cheio de
Vista aérea do Morro do Igreja, Orleons, se. remendos de durex. Junto tinha um pedaço de veludo, desse bom, mas velho,
(Foto Evandro Rodrigues)
que já estava um pano de pé, com quatro cruzes de ouro, mas desse ouro
ordinário, que se botava em caixão de defunto. Um veludo de uns setenta
centímetros, acompanha aquele escrito em hebraico, que não se compreende
nada.
- Quem te deu isto?
- Foram os jesuítas. Me chamaram e disseram: --' Olha, você foi quem
botou lá. Vai buscar.
Quatro cruzes, quatro galerias. Julga-se que esteja aqui mas não acharam.
Esse eu tllplbém fui procurá-lo. Fui ver se tem quatro galerias. Tem. Fui

179
178
chamar o homem que tinha o roteiro. Já tinh': morrido.
um descendente de Arzão em Porto Alegre. Aquela fazenda é que era uma
Tesouros escondidos há. Um é do tempo dos Lázaros, aqueles que assaltaram
fortuna e que eles botaram fora.' O Ângelo vendeu por dez milhões de cruzeiros,
Roma, uns trezentos anos atrás. Outros são mais recentes, de uns duzentos .. vinte milhões de terras e trezentas cabeças. . . .. ,
anos para cá. Os Lázaros foram aquela gente que assaltou Roma e veio aqui
vestida de padre, ocultar coisas roubadas.
..•
O padre Rhor, um jesuíta, veio aqui cavar. com um roteiro. Levei nas. 21- ATÍLIO MARTIGNAGO
galerias. Ele di~se: --:-Isto não é galeria, é amparo de bugre. .
. Uma vez fui numa sessão espírita para ver se achava a pessoa que sabIa
eia de Urussanga, como professor, recém-formado em contabilidade,
de um tesouro. Não achei.
escrivão de paz, chefe politico, dono de cart6rio.
Vieram uns de Curitiba aqui perto. Fizeram um buraco grande. Nem fui
Veio em 1933.
lá. Devia ter ido junto. Me arrependi. Mas arrependimento não vale. Me
pediram uma foice. Aí eu disse que estava comprando o terreno do vizinho,
V "Patrimônio eram terras que pertenciam e ainda pertencem ao município.
Constituído em 1917, quando isto foi criado distrito de São Joaquim."
que aguardassem uns quinze dias, que aí podiam revirar aquele terreno todo.
Contavam que' era um sertão habitado pelos índios. As famíliasde fazendeiros
"Esperamos". Mas não esperaram. Foram lá, cavaram e foram embora. Se
de cima da serra começaram a descer para fazer plantações por esses terrenos
acharam alguma coisa ... Tinha aparelho. E com aparelho se acha.
planos. Aqui n6s nos dizemos embaixo da serra, e aos donos de campos chamamos
Se viesse alguém com aparelho, eu ... eu ... até podia mostrar alguma coi-
serranos.
sa...
Eram terrenos devolutas. O Estado doou onze milhões à prefeitura.' A prefei-
Ali na curva da estrada que sobe, foram lá e devem ter levado ...
tura vendeu em lotes urbanos e chácaras suburbanas. O lote urbano era de
Um dia veio uma pessoa pobre aqui e me disse: "Se eu tivesse força eu
15 metros por cinqüenta e uma chácara são dois hectares. De início a prefeitura
ficava rico. Eu conheci que naquela fresta ali tem um guardado. Eu precisava
s6 dava um título de posse, para a pessoa poder edificar e plantar conforme
auxilio". Aí combinei com o Ângelo para dar comida. Damos. Queríamos ver
o caso. O direito da posse era dado pelo pagamento anual dos impostos. Deixasse
o que ia trazer. Foi lá, cavou um pouquinho lá em cima. Depois cavou embaíxo.
de pagar, perderia o direito da posse. Mas se continuasse pagando, na prática
E no chão, abaixo do chão, uns sessenta centímetros, uma lança, gravada na
era dono, podia passar aos herdeiros ... A escritura definitiva saiu por decreto
pedra, de ponta para baíxo. Aí fui olhar no dicionário: "lança era uma medida
do tempo da Ditadura. Por ele poderia fazer escritura de compra e venda,
antiga, de três metros". Mandamos cavar três metros. Cavou um pouco. Voltou
permanecendo sempre, porém, patrimônio do município. Antes éramos simples
para a fenda, onde derrubou uma árvore com um trado. Achou um ninho
de tamanduá. arrendatários. Não havia venda de lotes. Apenas havia transferência de direito
de posse. Depois nos tomamos proprietários na prática, mas os terrenos aínda
Naquele lugar veio muita gente cavar. Chegaram a ver alguma visão.
pertencem ao município. Ainda agora s6 vendemos o direito, não o terreno.
Tem uma escrita numa pedra aqui em cima. Tinha um alemão que escrevia
O patrimônio tem a seguinte divisa: começa do rio Canoas, sobe pelo rio Urubici,
bem, aí mandei ele copiar igualzinho. Aí I!,vei a Florian6polis e até !lassei
pega esses morros todos e desce até o rio Canoas novamente. Além do Urubici
vergonha. É lá num .sírio. Ele disse para um companheiro: - Esse aí sofre
pega meio-milhão.
a doença daquele outro. Eu fiquei ... não gostei .. .' Mas ele leu aquele escrito.
Não sei se a Câmara ou o Prefeito de São Joaquim partiram com a decisão
E leu: - Quatro, quatro, quatro. .. até O fim.
de formar uma vila por aqui. Por isso estabeleceram este terreno. Isto facilitava
Esta escrita estava aqui, Canoas abaixo.
a ocupação.
Se viesse gente para estudar essas inscrições que tem aqui, seria de dar
Antes do distrito s6 havia umas quatro famílias por aqui.
uma olhada ... Afinal são cinqüenta anos que me chamam, que sonham daqui
Em 1933 não havia mais de 15 famílias e umas quatro lá na Esquina.
e dali. .. cavam aqui e cavam ali...
Antes do patrimônio havia uns colonos, mas muito poucos, às margens do
Guardados em tempo da revolução, isso tem. Guardavam tudo o que que-
Canoas.
riam. E o que esconderam não encontraram mais.
Apesar de aqui não haver estradas, de ser um sertão isolado, o que levava
Aqui em cima, num terreno do Elias Lorenzetti, parece que tiraram alguma
coisa. Ele viu lá uma pedra revolvida e embaíxo o lugar que parecia ter sido a gente de baixo a vir para cá eram as terras férteis e baratíssimas. A maioria
de um caíxão, de uma arca. do terreno era devoluta e as autoridades queriam colonizar aqui. Os fazendeiros
que ali fizeram as primeiras roças, s6 tinham posse, não escritura: faziam lavoura
A mina, sendo de Arzão, é a que está sendo procurada 'no Campo dos
Padres. Aquele Campo dos Padres era de meus irmãos. Um deles encontrou e iam embora, abandonavam. Foi fácil para os colonos a vir a receber o título
definitivo do Estado. Era s6 requerer. Os serranos que tinham definitivo também
180
18!
vendiam fácil. Basta este exemplo: O cidadão Manuel Inácio Vieira tinha trinta 22 - MANUEL BRUNO DE MATTOS
e tantos milhões de terra, muita dela na vargem. AI veio gente de Urussanga, Urubici
como os Baltazares, os Bezes, os Copettis e outros de Orleans e Braço do
Norte. Vieram .muitos alemães e muitos italianos. Estas duas etnias constituem "M eu pai é natural de Capivari. Criou-se na casa de comércio
noventa por cento de quem trabalha na lavoura: Os antigos proprietários serranos de Pedro Medeiros. Começou viajando como mascate. Sempre
ficaram com o campo ou abandonaram o cultivo direto da terra. Em geral, foi negociante. la até Porto Alegre, com os cargueiros.
os serranos vendiam os terrenos de vargem e requeriam mais terras de campo. Numa época, foi coletor em São Joaquim, até a-revolução do Pinheiro Ma-
Ainda agora é muito pouca a porcentagem de gente de origem proprietária
chado.
de campo. . Quando o Governo deu um patrimônio de onze milhões para O município
Havia muitos índios no princípio. Os serranos que vinham' fazer plantação de São Joaquim, o superintendente pediu a meu pai que fosse procurar onde
tinham que vir cuidar, porque os índios roubavam, não s6 as plantas, mas encontrasse tal quantia de terra. AI foi em Florian6polis, consultou a planta
também o gado. Ah, sabe como é, começaram a persegui-los e matá-los. Alguns, geral do Estado, e'encontrou este territ6rio de onze milhões de terra, à margem
talvez, fugiram, mas poucos se refugiaram na costa da serra.
do rio das Contas.
Os últimos ataques aos índios se deram por volta de 1940. Mais tarde o José Gaspar Fernandes, Manuel Ferreira de Azevedo e Hip6lito
Em 1922 vieram as famílias de colonos de Orleans e Braço do Norte e da Silva Mattos, que era meu pai, vieram fundar esta cidade. Ultimamente
aqui já não havia mais índios. contratou madeira serrada a braço para fazer a primeira capelinha. Fez um
Nunca deu de fazer um cálculo de quantos índios existiam e de quantos pedido à firma, com quem negociava no Rio, para mandar uma imagem de
foram mortos. Nossa Senhora Mãe dos Homens. Esta imagem ainda existe aí. Tem 75cm
Isto já foi refúgio de gente perseguida em outros lugares. Era um sertão
de altura. Ele mandou buscar e ofereceu.
isolado, sem estradas. Entre 1930 e 1935 havia bandidos por aqui. Houv~ Primeiro morador daqui foi Policarpo de Souza Oliveira, e a família de
problemas por isso. Havia a rnmília Pessoa que roubava o que podia. Matava Manuel Saturnino de Souza Nunes. Eram fuzendeiros. Vinham das fazendas
mesmo. Um foi depois matado, aqui na Esquina, e os outros dois se retiraram. fuzer roças. Lutaram com os índios, tendo criado quatro deles, três homens
Quando cheguei, aqui era ainda pinheiral fechado. Em 45 ou 46 é que e uma mulher. Eram Peri, Júlio e Ondino e a mulher era D. Cota. Conheci
começaram as serrarias, que devastaram o pinhal. Tinha umas três serrarias
todos eles.
pequenas, antes. De bugreiros aqui tinha O Manuel Venssimo: morreu velho lutando com
Para ô banhado, nunca houve grandes obras de drenagem. Cada colono índio. Tinha também o Martinho Bugreiro, morador de serra-abaixo. Não sei
foi fazendo seus valos. Havia lugares em que hoje há belas lavouras, em que de outros bugreiros. Mas muitos rnzendeiros, quando os índios roubavam cnação,
não se podia passar nem a cavalo. não procuravam bugreiros, eles mesmos matavam.
Em 34 ou 35, durante o Governo de Adolfo Konder, foi aberta a estrada Fazendeiros eram fumílias dos Henriques. Aqui no vale do Urubici tinha
Bom Retiro - Urubici. Por isso que a avenida principal leva o nome de Adolfo a família Rodrigues e de Urubici abaixo, a fumília Oliveira.
Konder. Ele veio a cavalo inaugurar a estrada. Os índios não atacavam o pessoal. De certo haveria uns quinhentos bugres.
Em 34, 35, da Esquina ao Centro s6 se podia transitar a cavalo. Muito Mas houve gente morta pelos índios. Na fuzenda do Cedro havia um fuzendeiro
se sofreu por causa de barro e atoleiro. Depois, o Estado começou a macadamizar. por nome de Francisco Medeiros. Plantava na zona de Rufino, no vale do
Mas tudo o que se coloca vai afundando. Canoas. Vinha com camarada. Uma vez, na época de limpar as roças, desciam
A estrada para São Joaquim, foi feita no Governo de Aristiliano Ramos a cavalo pelo picadão, quando o encontraram trancado, tramado de taquaras.
~oon ' Mandou meter o facão e passou. Ao voltar, os índios o mataram, naquele mesmo
Antes de 1935 aqui s6 se entrava a pé ou a cavalo.
ponto.
Luz elétrica veio muito tarde, e precariamente com uma usina muito peque- Matanças de índios aconteceram na Serra dos Pereiras, em rio Rufino. O
na, por volta de 1935. S6 em 71 ou 72 veio a força da CELESC. Manuel Venssimo dava batidas aqui no vale do Canoas.
Conheci diversos ex-escravos. José Rodrigues de Souza criou um casal de
escravos. José S.aturnino de Souza criou outro casal de escravos.
A respeito do Tesouro do Morro da Igreja, eu sempre ouvi dizer que era
dos padres jesuítas e que estes padres fugiram do Rio de Janeiro com este

183
tesouro para o Uruguai. De lá formaram roteiro e vi~ram vindo, vindo, para se escapar da expulsão dos jesuítas do Brasil e de Portugal, (Aqui a pena do
a zona de Lages. Da Igreja de Cajuru, deram as informações do rumo leste. nosso Boaventura Lopes Pinto de Arruda, mergulha fundo no passado, pois,
Até que chegou o Morro da Igreja. Aí findou. O tesouro ainda ninguém encon- como é sabido, a expulsão dos jesuítas do Brasü e de Portugal, deu-se pelo'
trou. decreto de Pompal de 03 de setembro de 1759). Existe um roteiro de um
Roteiro não sei quem tenha, mas os dados do roteiro eu tenho aí na enciclo- dos Arzão, não se sabe se o padre ou o outro, sobre a descoberta de uma
pédia dos municípios, no verbete São Joaquim. rica mina de prata naquela antiga paragem. Esta mina, embora muito procurada,
Gente para pesquisar o tesouro veio de muita parte. De quando em vez ninguém conseguiu localizá-la. Dizem que o roteiro rezava que da Igreja de
sempre aparecia gente trabalhando nesta serra aqui, encontrando algum vestígio, Lages se divisavam umas montanhas para leste; daí se avistavam outras ao
caricaturas, caracteres estranhos ... Aqui no terreno qu"eera meu, aqui no Aven- longe, distantes dezoito léguas, e aí estariam localizadas as ditas minas. Pelo
cal, tem. Tem caricaturas, formato de rosto de uma pessoa, e te'm sinais. Dono que reza o roteiro, as mesmas deveriam estar situadas na fazenda Santa Bárbara,
do terreno agora é meu filho. Aí já veio o tal de Martim Brugreiro, veio cavar ponto mais elevado do Planalto Serrano, a 1.200 metros acima do nível do
o terreno, ver se encontrava alguma coisa e não encontrou nada, fez buracos mar, onde se descortina uma grande extensão do oceano Atlântico, avistando-se,
muito grandes. Outros diversos vieram e cavaram também. Só ossos. Diversos dessas montanhas, 17 municípios, sendo quatorze do Estado e três do Rio
estudiosos de sinais também estiveram lá. Os sinais ainda estão lá, gravados Grande do Sul, segundo uma monografia escrita pelo general José Vieira da
na pedra. Tem quatro ou cinco sinais, tudo no mesmo lugar. Figuras e traços. Rosa. (Realmente as minas de prata de Arzão são muito faladas, entretanto
Letras, não. Além disso tem as galerias, aqui nesse Morro Alto, e no Avencal, ' de positivo nada há. Parecem-se mais a um conto das Mil e Uma Noites)."
no que entra no Caixão, à beira da estrada, à esquerda subindo. Mas aquüo O Gritador causava remorso. Arrepiava tudo. Ainda agora, ao lembrar.
eu julgo que era um esconderijo dos índios. No Rio dos Bugres também tem Tinha um mês em que gritava seguido, seguido.
dessas cavernas. Outras aqui na fazenda que era da D. Hermelina. Essas já Joaquim Lemos 'Wolf, de Bom Jardim, seguindo certas indicaçôes sobre
foram exploradas mas não encontraram nada. um enterrado, pegou o aparelho do patrão e com um colega foi pesquisar.
Depois que foi fundada a sede, os primeiros moradores foram meu pai, A certo momento o aparelho deu um sinal de metal. Sem muita prática demarcou
Hipólito Mattos, José Gaspar Fernandes, Manuel Silveira de Azevedo, Celeste um quadrado de quatro por quatro e começou a cavar. Nisso o companheiro
Ghisoni, Francisco Tomé de Moraes, Ricardo Condes e diversos outros. Ricardo começou a sentir-se mal, dizendo que estavam empurrando ele, que às vezes
era de Palhoça, Francisco foi residente no município de São Joaquim, Celeste via uma velha. - Deixe que empurrem, disse ele e continuou a cavar. Mas
era do Rio Belo, de Orleans. José Gaspar era da serra-abaixo também. Manuel ali o rapaz ficou mal mesmo. Teve que ir socorrê-lo. Foi um sacrifício levá-lo
era rio-gnmdense. para casa. Só então ficou aliviado porque tomou a si. .
Primeira casa de comércio foi posta pelo finado meu pai. Depois Celeste, Ficamos de ir lá novamente, mas não fomos. Quem foi , foram os outros ,
Francisco Ghisoni. Em seguida o Ricardo Condes, em sociedade com Francisco que até parece que encontraram. "Masnão sei. não. Por isso nem faço o nome
Tomé de Morais. deles.
De imediato colocaram uma serrariazinha ali na residência do Celeste. Depois, No interior do Bom Jardim sempre aparecia uma velha numa curva da
o Celeste fundou um moinho e continuou com a serraria. !- -~"'~':. estrada. Muitos e muitos foram cavar dç noite. A velha não aparece mais,
Primeira escola foi D. Luiza. A segunda foi D. Pepeita. Mais tarde tivemo " . de certo arrancaram o escondido. No Bentinho, de vez em quando eu via
professores de fora: Manuel Espíndola, Atílio Martignago... 'r um velho barbudo, atê parecido com o velho Padre João que tínhamos por
A respeito de desordeiros, corriam notícias de bandidos de Urubici. MlI;' aqui. Uma vez até quis ir vê-lo de perto, mas desapareceu. Aí não contei
ao contrário, eram do vale do Rio Canoas. Cometiam crimes e se foragiam" para ninguém. Mas um dia meu padrinho de criação contou que o viu. Aí
para aqui. Ali ficavam como valentões: Cecílio Blandina era um. Outro, Pláci~o' também contei o que eu vira mais vezes.
Blandina. Na famaia dos Ramos não eram bandidos, mas eram valentes., José Ali nos Altos tem pessoas! que ainda vivem, que viram e contam que tinha
Pessegueiro era dos valentões. E outros ... Não lembro nenhum desses,: ~~e um velho fazendeiro, o Jucá, que um dia foi visto partir com um cargueiro,
tenha vindo de baixo. ..' . uma mula com duas canastras daquelas antigas, e um negrinho. De tardezinha
Os colonos vieram com interesse de comércio. Requeriam lotes do patrim6 voltou sozinho. Nunca mais viram o negrinho, nem a mula. Matou a mula
do Município. Havia lotes urbanos e havia chácaras... ' i:':) e o negrinho e deixou eles lá cuidando.
Enciclopédia dos municípios, verbete São Joaquim. .., Prudente Cândido, pai do Ênio e do Vidal, esse que tinha um terreno
"Fazenda Santa Bárbara, pertencente a Antônio e José Marques. ~o na costa, ali em Imaruí. esse ali tirou mesmo. Um velho sonhou e contou
Um destes era sacerdote jesuíta. Refugiando-se naquela ínóspita fazend,a para ele. Foi e encontrou. Ai deu uma casa para o casal de velhos e tratou

184 185
deles até o fim. Meu sogro morou vinte.e dois anos no terreno dele. Um
dia pagou um serviço que meu sogro tinhafeilo e disse: - Olha, esse dinheirinho
aí é s6 o que eu tenho. E aí foi contando.
Num perau da costa da serra, diz que, na época da revolução, esconderam
muito ouro e muito dinheiro. Há uma cascata lá, perto do terreno do Morro
dos Padres. O povo diz que tem muita riqueza deles ali, porque foram os
jesuítas que esconderam lá. Mas diz que tem um bugre lá, cuidando. Quem
tentou descer lá ouviu berro de onça, de leão.
Tinha um rancho aqui, que era dos pousadores, tropeiros. Aí virou a aparecer
bobajada. Um tal de Joaquim disse: - Eu vou pousar lá, para ver o que
é. O bicho arranjou um churrasco e foi. Soltou o animal e estava assando
o churrasco. Aí ouviu uma voz de bêbado: - Eu caio! - Cai! E de novo
- Eu caio! - Caia! Aí foi caindo um pedaço de homem, depois outro. Daí
a pouco se formou o freguês em pé. Aí o Joaquim continuou assando o churrasco.
- Você não tem medo? - Tás vendo. - Era tu mesmo que eu queria. Olha
Ílí tem um guardado para ti. Eu queria achar uma pessoa que não tivesse
medo.
O pai de meu sogro, o avô de minha mulher, diz que, naquele tempo,
ele usava essas botas de amarrar na cintura e achou uma panela. Chegando
perto da casa escondeu num rancho as botas com as moedas dentro. Quando . -~

depois foi ver, tinham desaparecido, tinham roubado, de certo. O pobre velho
morreu louco. Dizem que morreu por causa disto. Isto foi no Bentinho, na
divisa com Lages, no Lava Tudo. Tinha colocado as moedas nas duas botas
porque não tinha outra vasilha para botar.
Grilador se ouvia muito nos altos. Diz que quem agüentar sem medo aquele
grito, pode arrancar o enterrado que tem lá. -;.
Em Lagoa Vermelha também se ouvia o Gritador. Antônio Maiéarelo ouvia
muitas vezes. Outros também. Se a gente grita ele grita mais perto. Se a
gente corre ele corre para perto da gente.
É horroroso.
Sempre no mato. É um grito feio, de l~mento. Uuuu!
Um engenheiro inglês andou explorando o municipio de Orleans e mostrou
Vista do Morro da Igreja - Três Barras - Orleans, se. minérios colhidos de ouro, prata e ferro, ao Edmundo Angulski. Ferro tem,
(Foto Ecaodro Rodrigues) mas ouro em proporção muito pequena. Ele dizia: Isto tudo aqui é uma mina."

23 - ANÍSIO RODRIGUES
79 anos - Mantiqueira -1980

eu nome é Anísio Rodrigues e minha mulher é a Rosa Rodrigues.


Meus avós maternos: Manuel Marciliano e Francisca Marciliano.
Avós paternos: Manuel Bento Rodrigues Nunes e Felisbina de
Saldanha. Família mais vezes ligada a minha: os Pereiras.
Tropeiro:

186
Comecei a trabalhar com 14 anos, só larguei aos sessenta. Viajava de Bom Olha, está ai esse par de esporas compradas lá, em 1929, por dois mil ~
Jardim a Caxias do Sul. quinhentos réis. Era velhaco, muito vivo, esse Amadeul
Preparação da viagem: pegava a tropa na invernada, levantava uns dois O resto que era de metal era no Abramo Éberle.
ou três dias. Era para a mula não partir com rl>arriga cheia de pasto do campo. Farinha de trigo comprava-se em Antônio Prado, ou Taquara do Mundo
Aí estropiava fácil. Nesses dias s6 comia de dia e a noite pousava fechada Novo. Farinha, a gente botava noventa quilos nas mulinhas e vinha floreando.
na mangueira. Não tinha tempo marcado para os pousos, nem lugar. Tudo ficava depen-
Não se ferravam as mulas. dendo do tempo, ou das mulas, se não fugia alguma. Às vezes, de noite, as
A última vez que fomos para Caxias levávamos doze mulas de carga, ~ mulas se punham na estrada para voltar para casa.
éramos em cinco companheiros. Cachorro quase não se levava, geralmente não se gostava de levar cachorro.
Preparava-se um cargueiro de bóia como se dizia: feijão, café, açúcar, chur- Era mais um camarada para comer.
rasco em charque. .. Diversas qualidades de revirados. .. Saía-se munido Íamos armados perfeitamente, e bem armados. Facão e revólver. Era pelo
de tudo. temor de assaltantes. Nunca precisei usar. Fui roubado,' mas só dei fulta no
Primeiro pouso era na Vargem, na divisa do Rio Grande. outro dia. Foi numa pousada nas Antas. Eu e um companheiro Pedro Ribeiro.
Carga era couro ou queijo. Setenta e cinco quilos em cada mula: baixeiro, Chegou um viajante a pé, cara feia, maItrajado. Chamei meu companheiro:
cangalha, bruacas, ligar, arreata, cabresto. . . - Cautela, isso aí é um ladrão. Fiquei até meia-noite, uma hora, cuidando.
Mulas soltas, dominadas pelo madrinheiro. Só esse andava em cavalo ou Depois eu chamei o outro para a ronda. Mas ele dormiu. Pois não é que
égua. Para a montaria tínhamos mula ou burro. Cavalo não agüentava viagem o ladrão pegou nossos revólveres e tirou as balas, deixando-os lá? Toquemos,
tão longa. viajamos, viemos fazer uma sesteada cá nos Touros. Comemos churrasco, a
A montaria era encilhada com: baixeiro, carona, lombilho, chincha e pelego~, . tropa. pastando... Eu sentado assim, perto de uma árvore. Aí disse para o
badana, sobre-abrincha, a capa da mala, peçuelos, peitoral, buçal, freio, laço. companheiro: - Pedro, queres ver como se derruba um passarinho? Arranquei
Cargueiro era a que levava os mantimentos. As demais mulas eram mulas do revólver. Tec. Abri o revólver, não tinham uma bala dentro. Ali é que
de encilha. descobrimos. Só roubou as balas e mais nada.
Eu viajava muito só, com o madrinheiro na frente e eu atrás. la muito Pouso, era chegar tarde, descarregar, armar a barraca que vinha de sobre-
para Urubici comprar milho, com 16 ou'I8 cargueiros. carga. Era cortar duas forquilhas e uma vara. Botava-se a carga lá dentro.
Viajava muito para o fazendeiro Joaquim Ezírio, de Bom Jardim, perto \' Acendia-se um fogo, assava-se a carne, fazia-se o café e ficava-seà beira do
da ponte de Pelotas. fogo contando piada até altas horas da noite, Para o café nós tínhamos uma
Para dormir s6 tínhamos os pelegos que levávamos, lombadilho e a capa. :: chicolateirinha com o nome de pinhata. Era uma lata dessas de azeite, com
Antes de partir sabia mais ou menos o que ia ganhar. Vendia o queijo um cabo em arco, como esses de balde. Enfiava uma varinha ali, e pronto.
em Caxias a 25 mil-réis a arroba e ganhava uns 4 ou 5 mil-réis por arroba. Num dia de chuva, lenha molhada, como é que o tropeiro conseguia fazer
Não tinha salário fixo. Era conforme as vendas. fogo? Conseguia. Ia ajeitando, achegava uma palha de milho, qualquer coisa.
Ia-se de Bom Jardim à Vargem, depois o Silveira, fazenda do Vicente Lima) . Que fumaça!
fàzenda de Moisés Sidraque, Vila de Bom Jesus, Rio das Antas, Tainhas, Lajeado . Os animais eram soltos. Difícil uma mula se extraviar.
Grande, Boca da Serra ou Vila dos Turcos, Caxias. Eram estes os poucos. Era bem raro que alguém cobrasse pelo pouso da tropa. O mais das vezes
Ana Rech já se enxergava dois dias antes. ,.,~i
~. era no campo mesmo. S6 quando tinha uma tormenta em vista a gente procurava
Em Caxias era no Fioravante Zatti, no Amadeu Rossi. Era garantido. Dinhei- uma fazenda. Quase sempre recebiam bem. Mas tinha algum làzendeiro que
ro a vista. . .. 1- não dava pouso. Não dava mesmo.
Comprávamos negócios de arame: pelegos, selas, arame farpado, a.:..me Caso chegássemos perto de um rio que estava cheio, descarregávamos a
liso, fazenda, louça. Vinho trazia-se, mas muito escondido, por causa dos impÔS' tropa, armávamos a barraca ... "
tos. Tinha barril de propósito, não redondo; mas meio côncavo, dentro da D. Rosa Rodrigues, esposa de Anísio, uma vez também fui para Caxias:
bruaca. Cachaça não se comprava lá, era muito cara: Essa era lá em S";to "Fui de selim. Gostava de andar a cavalo. Não foi descômodo. Pousava em
Antônio, em Torres, mas não nessa viagem. Uma medida de cachaça, 4 garrálàS.' barraca. Fui para fazer umas compras, e mais para passear. Lembro da torre
custava 400 réis, um tostão a garrafa.' ..... '. • da igreja de Ana Rech, que se via de longe. Comprei a aprontação para o
De Caxias ainda trazíamos capas "Idear', calçado, freios, esporas, essas era meu casamento. Como o enxoval de agora. Compramos tudo lá. Aliança, véu,
no Amadeu Rossi. .,,r grinalda ... Lá era tudo a metade do preço daqui. Não fosse em Caxias, era

188 189
T barão que se comprava essas coisas. Um dia, na volta, chegamos na Colônia de Orleans era uma colônia fraca, muito mixada. Nós procurávamos
~:a uma viúva que tinha muitos filhos e filhas. Nos receberam com festas.
d~ sempre a colônia alemã.
Até um gaiteiro arranjaram para um baile em honra dos tropeiros. Era a família Em Orleans pousávamos sempre nos potreiros do Gazola.
Boeira. Gente muito boa. Fomos muito bem tratados. Pouco depois da volta, Em Braço do Norte tinha o Speck, os sete irmãos UHano...
casamos na fazenda de um irmão meu. Veio o Pe. Ernesto, de São Joaquim." Entrávamos também pela colônia do Alto Capivari, até São Bonifacio, até
Confinua o Anísio: "Caminhos em que andávamos eram trilhos de tropa .. a costa de mar, até Hajaí. Partíamos com quarenta ou cinqüenta cavalos, que
Precisava ter boa cabeça para não se perder. Dia de cerração a gente ia a se comprava dos fazendeiros. Também algum cavalo velho, para lograr os ale-
rumo. Não sei. Sabe de uma coisa? A Providência é que ensinava. O anjo-da- mães. Trocava cavalo velho por um novo ...
guarda levava. Eu era vaqueano. Nunca me perdi. Tudo construído a casco Viajavam muito com tropa de cargueiro para comprar açúcar. E era no
de mulas. Todo tropeiro era irmão. Quando a gente se encontrava nos pousos, Gravatá que nós mais pegávamos, em troca de charque. Armazém do Alto
era aquela farra. A gente dava e recebia informação de preços, comentava, Capivari também era bom fornecedor. Era maís barato por lá. E sempre trazia
se baixou se encareceu. O arame já a nove mil.réis o rolo? Como encareceu! . o borrachão cheio de cana.
Leva~tava-se 'de madrugada. As mulas ficavam comendo de noite o capim Coragem eu sempre tive. Mas nos dezessete ou dezoito anos eu brigava
do campo. Se havia uma mula fraca comprava-se milho. . • igual um cachorro bem brigador. Até tenho um inimigo há mais de cinqüenta
Nessa vez que a mulher foi, quando chegamos em Lajeado Grande, deu anos. De certo apanhei um pouco lambém, mas quebrei-lhe a cabeça a pau.
neve. Ficamos cinco dias parados por causa da neve. Depois caminhamos duas Fomos para delegacia. Meu cunhado o delegado. Ruim. Mas não perdoava
horas até o rio e tivemos que ficar dois dias para o rio abaixar, e ainda, quando ninguém! Fizemos uma arrumação. Pois nesses dias entro num bar, reconheço,
varamos, varamos com perigo. saúdo. Ele me saúda sem me reconhecer. Mas foi me reconhecer e já pegar
Nas Tainhas quase sempre a gente passava com as mulas nadando. Tinha na adaga. Não foi facil acalmar. E foi há muito mais de cinqüentaanos.
uma jangada para a carga, tocada a varejão. Jogava-se a tropa de mulas na Eu já briguei sozinho até com doze pessoas. Eu tenho sangue de índio
água e o canoeiro pelo lado de baixo, rebatendo para as mulas nadar. no sangue. Por uma graça de Deus nunca matei, mas taInbém não me deixei
A gente dava o nome das mulas pelo pêl.o, ?u outr.as qualidades: ~errne~a, pisar muito.
Rosilha, Gateada, Pangaré, Jacutinga, COlce1ra, Zama, Preta, BaIa, Pehça, Há uns vinte anos, na venda do Crozetta e do Aníbal, nas Três Barras,
Pequena ... nós tínhamos nos encontrado de novo. Ele morava lá por baixo. Eu estava
Já andei como camarada justo, mas era eu que mandava. Eu nunca me na venda quando ele entrou e disse: "Vim aqui para te matar mesmo,' negrol"
sujeitei a peão. . Sacou de uma adaga e veio. Mas eu tínha revólver trinta e oito. Negaceei
Numa viagem para Imaruí nós vimos matarem dois, já perto de Braço do o corpo e em pouco tempo eu o dominei com a mira do revólver. Aí interveio
Norte. Íamos pousar no Rio Bonito. Juntou-se conosco um rapaz de lá, meu o Aníbal e afastaraIn o homem,
conhecido. Íamos conversando, quando ouvimos um tiro. Três tiros. O terceiro Para comprar fazenda ia-se a Laguna. Era bem mais barato lá. Deixavam-se
veio com eco diferente. Então diz O companheiro: - Mataram um. Era as mulas em Orleans ou Lauro Müller. Voltava-se no mesmo dia de trem.
um fato. Tinham morto um mesmo. No outro dia saímos. No chegar no Gravalá,. No tempo de meu pai, eles iam a Tubarão com a tropa. Eles gastavam
iam saindo de terÇo, veio um rapaz correndo de longe, deu uma facada nas trinta dias para vir e voltar. Tinha que levar foice e machado para ir abrindo
costas de outro e matou na hora. Tinha lá um Zappelini, que era só de matar picadas, quando havia barreiras ou rios cheios.
~'\
mesmo. . E tá . A estrada do Oratório foi feita por meu avô Manuel Bento Rodrigues Nunes,
Uma vez fui vender uma tropa de cavalos e fui a uma mISsa. s vamos. ele e outros fazendeiros. Em que ano? VaInOStirar uma base: meu pai mOrreu
làlhando lá, esperando freguês para vender animal. Na igreja me encostei numa .•. em 1921 com 68 anos de idade. Pode calcular lá por 1830, 1840. Meu avô
coluna. Do outro lado, um preto. No terrninar a missa foi aquele tir? Um .' tinha muito negro escravo.
outro atirou no preto. Pegou na garganta. Morreu ali mesmo. Eslavam intngados ... Pois, chegava a carga até embaixo da serra e iam os negros escravos para
. ,~
Isto em 1918. Meu pai também eslava junto. . : ".. ' subir a carga das mulas. Meu avô criou muitos negrosl A fazenda dele era
Descíamos a Serra do Rio do Rasto. Serra ruim. Vi muitos perderem arnn1,al., ali, de Bom Jardim para cima. Hoje é dos Machados, bisnetos dele. Eles é
Gente caída não morreu ninguém, mas aconteceu de matarem para roubar., "u:, que pegavaIn a carga das mulas e carregavaIn serra-acima. Os fazendeiros consi-
Teve um, até esse homem era daqui mesmo da Mantiqueira, chamado ~ael.~<, deravaIn eles como animais. VendiaIn, compravaIn.
que matou um italiano só para roubar O relógio e os sapatos que el~ .;c~. Índio manso eu conheci algum. Tenho uma pequena lembrança de minha
101 IDcomodd
nos pés. N em ,.. a o. ''J.o.)ll
~ ,..l
avó que era índia. Tinha sido pegada no Aririú, ali perto de Florianópolis.

190 191
É o que contavam. Ficou uma senhora muito distinta. Criou uma família muito com pelegos para tomar chimarrão. O Manuel Barriga tomou, mas o negro
grande. Quando fui fazer um exame de sangue em Tubarão o médico logo não quis. Porque n6s tínhamos caçoado também com ele por causa do outro
disse: "Olá! Sangue de índio!" Aí ele chamou um outro e disse: "Vem cá ver negro. N6s tínhamos dito: hoje negro não toma chimarrão conosco.
o que é que é sangue, não os desses amarelos de Tubarão". Levamos a noite lá, contando piada um para o outro.
Nós chamávamos de harrigas-verdes os de baixo. Nós éramos os serranos. No outro dia viemos, atravessamos o Lava Tudo de novo, para cá.
Mas' existia grande amizade entre serranos e barrigas-verdes. Quando vieram Perdemos dois bois da tropa no campo. N6s contávamos e sabíamos qual
os colonos, eles também passaram a ser barrigas-verdes para os serranos. Quem era o boi que faltava. O gado vem encordoado, viajando. Fica dois homens
morasse no litoral era barriga-verde. Litoral é tudo de serra-abaixo. lá na frente, o gado vai cruzando no meio, aí a gente conta. Voltamos em
Aparição e essas coisas, nunca vi. Eu acho que basta ser corajoso. De certo dois. S6 com o cafezinho da manhã! Lá pelas duas horas da tarde é que encon-
aquilo é só para quem tem medo. , tramos os bois. Fomos achar longe, num rodeio, junto com o gado de um
Uma viagem feita ao Rio Grande com tropas de boi: saímos daqui, era eu, fazendeiro. Chegamos na fazenda. N6s com fome. Estava só a senhora. Arranjou
o Cirilo da Barrinha, Romeu Martim, Joaquim Pereira Clemente e Oscar Caulim. leite para n6s tomarmos. Trouxemos os bois. Este gado cruzou em Orleans
Partimos de São Joaquim com destino ao Rio Grande do Sul. Nós a cavalo, e foi para Tubarão, para a fazenda do Dr. Otto. O homem que cómprava
com doze mulas soltas pela frente. As mulas eram revezo. É que se encilha aqui, vendia para ele. Mas aí cheguei até o rio Porteira e fiquei. Cansado,
de manhã uma e de meio-dia para a tarde outra. A luta era pesada. famos a mula estropiada ... Fiquei. Foi a última viagem grande que fiz. Naquele
com uma tropa de 250 bois. ' tempo se ganhava pouco: um conto de réis por dia. Mas era um bom dinheiro!
Era a época da Revolução de Brizola. Atravessamos fronteira em São João Um operário ganhava duzentos cruzeiros. Mas uma viagem arriscada daque-
do Pelotas, e entramos no Município de Bom Jesus. Lá numa altura encontramos las, um conto não pagava.
um espião do Brizola. Bem, digamos, era um fiscal. Não se podia entrar nem. Propuseram outra para Lagoa Vermelha, mas não quis, Mas aqui perto
sair com tropas do Rio Grande. trabalhei muito ainda.
Ele falou comigo: - Que é que vocês vão fazendo com tanta mula por Na minha vida puxei muito gado para Tubarão, com o Ezírio Rodrigues
diante? - Andamos domando. - De onde é que vocês são? Eu respondi: Neto. De certo umas quinze tropas de boi. Gado quanto mais manso, mais
- Nós somos da Fazenda Nova. Vamos para Vacaria. Lá adiante encontramos difícil de tropear. Quer ver uma vez que levamos uma tropilha de umas vinte
outro. Eu já tinha instruído meus camaradas. Chegamos num pouso, num luga- e cinco vacas mochas! Gado que não parava em lugar nenhum.
rejo, numa venda. Nos colocamos num galpão. Aí veio o fiscal e falou com Nunca perdemos boi nenhum. Se perdia, encontrava. Agorajá morreu algum
o Romeu Martins:- De que família você é? Dos Cacetari. Ficamos frios. assunçado, isto é, com falta de ar. Isto com boi muito gordo, no clima de
Os Cacetaris são brancós, e ele era negro. Ahl Tamos presos! Mas, não. Continua- lá de baixo. Nesses casos a gente cameava e charqueava. Às vezes a gente
mos. Passamos com a tropa em lugarejos, curupiá, lugares em que quase ninguém avisava um açougue.
transitava. Fomos receber a tropa. Partimos fora de hora. Se cruzava com Em geral nosso caminho era Imaruí, Brusque, Barracão, São Ludgero, Barra
gente do Brizola em toda a parte. Se pegassem, estava pegad~. do Norte, Tubarão. A serra era horrível, até hoje. Ainda usam, às vezes. Mas
Quando chegamos na barra do rio dos Touros com o rio Lava Tudo para não era uma serra de matar gado: caía, machucava, mas não morria. Lugar
cruzar aquela divisa que era e é entre os dois estados, jogamos gado no nado. perigoso, de muita cobra. Mas em animal caminhando, cobra não morde. Erra
Mal o gado tinha passado, a policia do Brizola chegou. Nós já do outro lado. o bote. Nos cargueiros a gente sempre levava foice, machado, enxada; às vezes
Eu provocava éles. Brincamos muito. Aí viemos vindo. Passamos pela Coxilha havia uma árvore caída ou mesmo uma barreira.
Rica, falhamos na capela de São Jorge, para descansar o gado e as mulas. De índios posso falar, porque sou descendente deles. Uns meus parentes
Fomos tomar chimarrão, eu e o Joaquim Clemente. Tinha mais um negro tinham roça de milho lá embaixo. O Valdevino Rodrigues desceu para limpar
que ia tomar chimarrão com nós. Aí dissemos: Meu Deus do céu, pra esse.. , o milho. Ele me convidou para caçar macuco. Trabalhar eu não gostava. Macuco
negro ~ós ~ão demos. O Joa~uim .Pereira Clemen~e, um arriado, um quebra~.: .#:-,3, se caça no cerrar da noite. Foi conosco o colÍÍpadre Turíbio. Chegamos lá
torto, Já fOIpor bom!. .. Só tinha Ido gente escolh,da conosco. O negro levou , >'
e achamos um. O Valdevino atirou. Quando fui ajuntar, o índio veio e gritou:
a mal. N6s tínhamos apelidado o negro de Jundiá Preto. Mas escondido. ,~':'" .. ,. - Ah! Tomou o macuco, nem deixou cair no chão. Nós todos vimos o bugre.
Arrancou do trinta, e mandou que nós falássemos como homem com ele, que'" 7ft " Viemos embora. Mas antes de sair do matô atiramos noutro macuco. Pois,
ele queria bater conosco. Aí o Joaquim Clemente levou na brincadeira e acalmou'.-' ele levou do mesmo jeito. Então decidimos voltar pela picada da Figueira
Aí chegou o Romeu Martins e apaziguou. De lá viemos para um lugar chamado Grande. Aí adiante ouvimos um resmungo. Nós "se amoitemos" e viemos:
Rio do Malacara. Pousamos no campo. O Romeu arrumou uns banquinhos vimos um índio com o arco na mão esquerda e a direita cheia de flechas,

192 193
atrá; dele uma índia com uma criança no braço, mais duas índias e por último
um índio ... Mas aí me arrepiou tudo. Não valeu o sangue de índio, naquela ,
hora. Me deu um medo daqueles índios ... Ver um índio no mato é preciso
ser muito homem, porque o bicho é feio. Geote não muito alta, mas de peito.
Foi depois disto que esses índios vieram ali no fundo do campo Quinze Dias,
e um cunhado meu foi lá e matou alguns deles, porque eles tinham começado
roubar umas ovelhas. Foi o delegado Monso Machado. Deve ter sobrado só
o casal de índio velho e o rapaz que depois se entregaram nas Três Barras.
Esse rapaz conhecia a gente de Bom Jardim, um por um. Dizia que tinha
esperado oito meses esse Monso Machado na Serra do Imaruí para matá-lo.
Ele tinha um cachorro que compreendia tudo. Era bom na flecha, o rapaz.
Ele fazia um circulo no chão e atirava uma flecha para o alto. Ela ia fincar-se
bem no centro. E outras muitas proezas assim. Eu vi.
No meu tempo já não se tinha medo de bugre, quase. Mas nos tempos
antigos não se descia sem estar bem armado, e em muitos homens.
Orleans já pertenceu à Raposa. Rodeio das Palmeiras era na atual Palmeiras
do Meio.
No Morro da Igreja havia uma fazenda enorme de Manuel Rafael Ribeiro,
conhecido Mané Fael. Mais de trinta milhões de campo. A sede era na costa
do rio Pelotas, no primeiro passo desse rio. Região de muito índio e de. gado
xucro. Eu mesmo cheguei a laçar desse gado. Gado brabo, igual a um búfalo.
J
O Manuel Fael não gostava que se matasse os bugres, mas queria que fossem
espantados, que se afastassem dali. Tinha um índio daqueles que gritava desde
a beira do mato: - Mitia mata tudo gado do Mané Fael. Ele se chamava
Matias.
Havia toldos muito grandes. Gostavam muito era de caroe de cavalo. Prefe-
rida mesmo era a caroe de burrincb6.
Houve uma matança de índios logo em cima da serra, no Campo dos Padres.
Foram guiados pelo Martim Felizardo, ou Martim Bugreiro.
O Manuel do Nascimento trouxe duas índi,!,. Mataram muito índio lá. Campo ;~_
dos Padres é longe do Morro da Igreja. Tem o vale das Canoas no meio.; '. - ia
O ataque foi de traição. Houve um caso de uma índia pegar o homem, botar :. :. ~t;
nas costas e correr para o mato. Como carregar uma melancia. Aí um companheiro ..•. :¥:>i
miroú bem na nuca da menina que já se aproximava da beira do mato, atirou .\.fi- ~ • '?il Vista do Morro das Cabras - Curral Falso - Orleans, SC.
e matou. As duas ín?ias que o Manuel trouxe, também morreram. Diz~m.." o'. l>";iF
(Foto Evandm Rodrigues)
que por causa da comIda de sal. . .' ". ,- i -'.
Essa não é do meu tempo. Eu sou filho do terceiro casamento. Mas meu'« ",j:í'r~ -
pai atravessava um toldo de índios, aí no Mundo Novo. Saiu um indiozinh~~,. :, '~
correndo. Meu pai botou o laço e laçou ele. Estava no segundo casamento.". "i.':"
Foi chamado Peri. Era botocudo, do lábio furado. Viveu muitos anos conosco/+: "~,.
Ele ia muitas vezes conversar com os índios. P",!a fazê.lo trabalhar um P'.'uoo'. .'~ .
era preciso prometer-lhe um copo de cachaça. As vezes alguém dizia: - Vai ~.;
levar esta carta a São Joaquim. Ninguém mais o via. Não andava nas estradas .~
Às vezes, dez da noite estava de volta.

194 195
Foi criado no regime da família. Nem caçár meu pai permitia. Não casou. a comida de sal. Um dia, esse Manuel e o bugreiro das Três Barras Martim
Depois que eu já estava moço, foi para um lugar chamado Crioulas, numa Felizardo, Martim Bugreiro, que eu conheci muito e até o vizinho meu aqui'
família chamada dos Souzas. Depois foi para o Painel. é neto ou bisneto dele, homem branco, colono, mas malvado, chamou ele
Os antigos criavam muitos índios. para matar os bugres. Homem que tinha muita prática dos índios.
Na fazenda do avô, na frente da casa havia um campo limpo. Às vezes, Mas os maiores bugreiros era pra Urubici. pro Canoas. Nem me lembro.
no cair da tarde a gente olhava e via umas árvores ou arbusto pelo campo. Por volta de 1945, Mantiqueira ainda não tinha esse nome. Era o Campo
Ué? Não estavam lá! Eram os bugres que se disfarçavam. de Fora. Os veados brancos ainda vinham lamber sal nos cochos ...
Por volta de 1910, onde hoje é Bom Jardim, havia uma fazenda de Antônio Um dia sonhei que sob a pedra redonda da cozinha da Tapera da Rodada
Cachoeira". havia um guardado para mim e para Chico Teixeira, velho, morador daqui.
(Aqui inicia outra entrevista de 25 de janeiro de 1981). Eu sonhei na terça-feira e quando chegou a sexta-feira ele também sonhou. Tratamos
"Caso dos índios mortos pelo Afonso Machado. Foi o seguinte: Os índios de ir no domingo. No domingo ele estava doente e não quis ir, mas ele já
entraram nos campos do Prudente Cândido. Estavam roubando ovelhas. Por tinha tirado. Fui lá. Só o buraco e cacos de panela. O velho Chico em seguida
esse motivo o Prudente Cândido e o Afunso Machado organizaram a matança. foi para Lages. O filho dele, depois de um mês já voltou de caminhonete.
O Afonso era capataz da fazenda. Foram os dois, mais um ou dois camaradas No tempo dos escravos faziam muita malvadeza neles. O avô de minha
dele, não lembro bem. Desceram as Serras dos Quinze Dias. Embaixo da patroa, João Pereira de Medeiros, em Santa Isabel, tinha uma senzala com
serra bateram nos índios. Foram à captura, acho que dias, até que localizaram esses negros: Dominga, Adriano, Gregório Manuel, Maria Velho. Essa era
o arranchamento dos índios. Fizeram uma madrugada e bateram neles dormindo. a mãe de todos e falava muito mal o português. O Gregório era brincalhão.
~~ Onde consta que mataram doze. A tiro e a facão, Sistema dos bugreiros, o Tia Dominga amasiou-se com um primo-irmão meu. A mãe ficou orgulhosa
';>. mesmo. Diz que mataram uma cachorra muita braba que tinha. Pularam muito porque a filha casou com um branco.
"1'.' secreto lá e fizeram a matança. Mas eles se escaparam, inClusive, foi com muito Fazendas de cima da Serra, desde o rio das Contas: Invernada Nova, do
. trabalho, porque os que escaparam perseguiram eles. Tiveram que vir deitados Cirilo Mendes; Degradados, do Sílvio Cacetari; Tijucas; Saqui, do João Correia;
_. pelo mato para poderem escapar dos índios. Os três das Três Barras eram São Bento, do Bernardo Ramos. Exceto os Degradados, tudo era herança das
sobreviventes desta mortandade: Eram todos uma família só. Queriam 'vingar Tijucas. Depois tem ainda Atílio Ramos no Curral Falso.
a morte dos seus, matando o Afonso. Tocaiaram oito meses na descida do O índio Peri foi laçado por meu pai no Campo Novo. Tinha força de um
Imaruí. Oito meses a fio, e o Afonso nunca passou. O Afonso tinha medo. touro, mas não trabalhava. Ia fazer compras longe, cortando pelos matos. Cabelo
Ele era muito criminoso. duro, que dava para se espetar uma mutuca, ruivo como um porco. Foco dos
Houve um inquérito. Ele escapou, o Afonso,porque ele tinha sido o delegado índios era o vale de Canoas, a Serra do lmaruí.
durante 25 anos. Sempre foi um homem que as autoridades superiores salvaram. Bandido houve muito, por aqui. O Zé Isídio, por exemplo, era o tipo do
Foi muito benquisto pelas autoridades. Ele eradoro. Duro mesmo. Não perdoa- bandido puro. Uma vez ia matar um sujeito. Encontrou-o doente. Mandou
va. Só dinheiro é que valia, só dinheiro salvava. que a mulher lhe preparasse uma galinha. Obrigou-o a comer tudo. Quando
Eu era cunhado dele. Nós brigamos três v~zes. Ficamos três anos intrigádos. comeu, cortou-lhe a cabeça. Havia o Abílio que era brabo, vivo, enérgico.
O Prudente Cândido fez aquilo e ficou atrás da moita. Ele era o patrão. O Alencastro era cor de chumbo. O Evandro, sobrinho do Antônio Bernardino,
~ caso recaiu todo sobre o Afonso. O Afonso era dono daquele campo, mas já matou uns dez. Andou preso no Sombrio. Na Veneza matou dois policiais.
tmha vendido ao Prudente Cândido, e tinha ficado lá como capataz. Era lá Um dia, ferido, atirou-se no ouvido e se salvou. Hoje é bom, educado. O
nos Morros Altos, da costa da Serra. Não confundir com os Altos. Antônio Bernardino esse era de força, malvado. Um irmão dele era ainda mais
Os homens antigos, os fazendeiros mais velhos, não consta que mandavam brabo e malvado. Uma vez brigaram os dois: O Antônio apertou a mão do
matar índios. Aqui nesta zona de cá foram só esses, o Afonso e o Prudente, outro. Arrancou-lhe o couro. Pegava uma mula de três anos e arrastava pelo
que perseguiram os índios. queixo. Um neto do Antônio, ladrão, diz que a mãe o entregou ao demônio
Em Santa Bárbara havia um homem muito rico, muito rico: Manuel Rafael por um certo tempo. Até as balas do revólver do delegado roubou.
Ribeiro, Mané Fael. A fazenda dele era muito grande, pegava toda a Calhambora Eu, em criança corri muita carreirada. Agora, carreira já foi velhacada desde
e o Morro da Igreja e caía para as encostas do Canoas.. o começo do mundo. Na seringa, quem pula bem, já está com meia corrida.
Houve um tempo em que o Mané Fael e o genro dele, Manuel do Nasci- Marengo, Tostado, Mata-Fome, foram alguns dos cavalos em que corri. Uma
mento, atacaram os bugres. O Manuel do Nascimento uma vez pegou uma vez, na Maçaroca eu estava no Baia Bragado, uveiro que não lhe digo e ia
bugrinha nova. Mas não conseguiu acabar de criar porque não se deu com correndo contra o Queimadinho. No partidor ficaram brigando umas três horas.

196 19í
Puhimos, garrando de lá. Eu fui pra cima das orelhas. O último tope subi só de malvado. Sem contar os cachorros que ele estraçalhou I
de pescoço, ganhei de paleta. Aqui na Vacaria na raia do Gameleiro, passei Depois de escapado de muitos caçadores, parece que foi o Zé Domingos,
bem em cima do pescoço, garrando só no garrão. Aqui nesse Bom Jardim, no Morro da Canela Queimada quem deu um tiro. Aí sim, o tigre famoSo
corri carreira, cruz! abriu o pala.
A gente esfolava a bunda e eles não pagavam. Aí, eu e outro jóquei, o Fizeram uma décima dele. Antigamente fazia muita décima. Essa do tigre
Jovino começamos a combínar-se. A gente jogava e dividia o dinheiro. Uma da mão torla foi feita pelo Procópio Tota, lá no Painel.
vez eu devia ganhar, mas minha égua cansou e o cavalo pegou freio, foi e Antônio Maria era um domador. Em Campos Novos e Curitibanos havia
ganhou. Chorei, não porque perdi a corrida, mas porque perdi o dinheiro. muitos criadores de mulas. Uma vez um conseguiu reunir 12 mulas rosadas,
Meu cunhado o Afonso Machado era brabo e valente. Andava sempre com de um pêlo só, e andava tropeando por aí.
uma D. Pedro lI' na cintura. Morou no Doze. Uma vez chegamos a se atu-ar'. Não se ferrava nem mula nem cavalo. Agora, cavalo não prestava para longas
Nós se briguemos. Nós tinha jurado de se matar no primeiro encontro. Um viagens. O casco não agUentava.
dia se encontramos e já desabotoei o revólver. Mas ele derrubou a couraça Domadores d~ região eram o Joaquim Melquíades de Souza, O Antônio
da cara e fizemos as pazes. Não acredito que nascesse no mundo homem de Maltos, o Domingos João da Silva e o José Basílio da Rosa. Eram os homens
mais coragem. "Eu te passo uma lubuna", costumava ameaçar (bala de revólver). mais ginetes de entre nós, que agüentavam corcovos de animal xucro.
Com o Alorino atracou-se de revólver. Enfiou uma bala no tambor do revólver Nós falamos de tigre e não falamos do caso que até a televisão deu há
dele. ' sete ou oito anos. Andava o Leonel Pedro com um rapaz moreno, que me
Dessas ruas do quadro de Bom Jardim, qual é a em que não mataram esquece o nome, lá na estrada do Morro da Igreja. Os cachorros acuaram.
ninguém? Esse Bom Jardim aí, no começo, era um Contestado! Foram ver. Havia um animal morlo na estrada, de recente. Pensaram que
Agora o lugar mais perigoso, de fama de banditismo, era Curitibanos. Ainda houvesse um leão por aí. Os cachorros foram no rastro e o bicho veio vindo
tem gente braba, lá. Mas endireitou. Quem endireitou foi um delegado italiano: para o lado deles. O rapaz atirou. Mas o tigre ainda saltou nele, rasgando-o
Nunca prendeu ninguém. "Mataram? Vai lá e faça espera para eles!. Esse de cima a baixo. A sorle foi um xaxim. Aí chegou o Leonel Pedro dando-lhe
delegado era de Urussanga. Mas acabou com os bandidos! Dizia: "Eu, para o segundo tiro. O rapaz mal pôde ser salvo. Leão, tem ainda por aí. Tigre,
prender eles me lincham". Aí mandava fazer espera. O caso se resolvia entre já se viu rastro de novo".
eles. ' •.' 'I
Agora me lembrei de mais de um caso da fazenda das Tijucas. No portão ,.,.t!~vt'-,,; Il.ti;.
.1
da entrada de agora, havia um capão. Ali deu-se combate feio. Acabaram li ...' " "
24 - ESTÁCIO MARINHO DE SOUSA
capão a bala. Mas ficou muito morlo ali. Irnrerraram todos juntos, numa grande <;'" \ 116 anos - Bom Jardim da Serra -1981
vala, ali mesmo. .
Nas Capivaras, na Serra do Oratório, achavam muito cartucho de comblain. "M eu pai era Marinho Bernardo de Souza. Veio da Bahia. Eu nasci
Nas Tijucas havia mangueiras só para cavalos de ricos. Havia sala para receber na Brusca, em Orleans. Fui balizado com 19 anos, na igreja de
rico e outra para receber pobre. Na casa assoalhada não entrava empregado. Santa Otília. Com treze anos vim para a serra. Fui trabalhar ali,
Havia mesa para pobre e mesa para os donos. Era tudo na maior das ordens' na fàzenda do Mateus Ribeiro. Essa fàzenda, ia dali, da boca da Serra do Imaruí,
lá. . .. "!.. ,' até a costa do Pelotas, no Rabungo. Quando subimos, estavam abrindo a Serra
Mais um caso também que se deu comigo e o Afonso Machado. Os Boa~a: " do Imaruí. Abrindo ou alargando. Ficamos poucos anos ali. Com o pai, depois,
contrataram o Joaquim Camarada, de Santa Teresa do Urubici, para O Jovelino, fumos agregados do Antônio Cachoeira, que era de São Francisco de Cima da
Nunes, delegado de Orleans. Quatro anos depois se descobriu. O Afonso veio .. "~ Serra. Pai do Juca Cachoeira, avô do Américo. Essa era a terceira fàzenda, que
se formou de entremeio das outras duas, a Santa Bárbara, na Casa da Pedra,
t.,~'
e me chamou: - É empreitada para macho. Ah, fui. Chegamos de mansinho ...,1, ~::.1f:iJ.""-
Derrubamos a porta da casa. O homem não teve tempo de reagir. Era.,u!!, '. ~,1."'f do Mateus Ribeiro e a da Tijucas, do Prudente Vieira.
frio danado, e nós, já com fome. Fizemos fogo com a madeira da porla.'p t~l~é; Bom Jardim, eu conheci quando morava ali só bugre. Perlencia ao Juca
homem foi preso a coronhadas. Amarramos as mãos, botamos corda no pescOço ~" "\"'1 Cachoeira. Primeira moradora foi a falecida Iaiá, mulher do Joaquim Maltos.
e veio trotando atrás de nós. Muito miserável aquele próximo! ,c,:'.""}", ' , Veio de Santa Bárbara. Ela já fora casada com Antônio Cachoeira. Aqui era
Caso que deu falado, o do tigre da mão torla. Da Serra do Mont"."Ne~, > fàzenda dela. A.casa era a casa de pedra, que depois foi açougue. Chamavam
no rio das Contas até o Maracujá, lá em Rio do Sul, foi o espanto, fez estrafego, ' Casa Grande. Lá na Casa Grande. D. Iaiá era gorda, mas gorda de 300 quilos.
deixou todos aterrorizados, comeu gado, comeu gente. Um demônio.jMlitâ . Quando morreu cangamos duas junlas de boi no carro que a levou ao cemiténo
.~-~
~.•i!$;' ~
\oi~.,'f'~~
198 199
'\i:.; . '~~
de Vista Alegre. Herdeiro foi o Juca Cachoeira. latoeiro Brás.
A Capela foi construída muito tempo depois. Para descer a Serra havia a estrada do Orat6rio, a do Imamí, a do Doze,
Primeiro bodegueiro foi Tomás Cardoso, onde mora o Américo. Depois a de Grão Pará, a Rocinha (na rocinha de Lauro Müller), a Serra do Pilãd,
veio outro, O Justino Cardoso. a Serra de Nova Veneza e a Serra da Rocinha (Timbé).
Primeiro ferreiro foi O Antônio Cordelli, do Rio Caeté. Fazia facas, espingar- O nome de Bom Jardim da Serra foi dado pelo Antônio Cachoeira, para
das, machados. Eu tenho ainda o primeiro machado que ele fez. O filho dele a fazenda dele.
ainda está continuando o trabalho do pai.
Primeiro sapateiro foi um polaco, o Gaidi, VadekiGaidi.
Primeiro professor foi Adolfo Martim, de Lages, ou do Rio. Escola era 25 -' IDALINA MARIA DA LUZ
na casa do Gasparino. - MARIA PROFETA
Nunca fumei, nunca bebi cachaça, nunca bebi chimarrão, nunca joguei.
Tive um irmão que morreu trabalhando, com 116 anos. Outro morreu com 115 anos - 1981
100 anos.
ui criada no fogão alhei~, rolando. Me criei pelo mundo, na casa dos
Naquele tempo a gente era muito corrigido: era chapéu na mão, e quase
meus tios. Nunca tive escola. Quando vinha visita, criança era na cozi-
de joelho. A gente se ajoelhava mesmo. Às vezes as ordens eram dadas s6 nha. A gente não falava com estranhos. Respeito grande: não senhora,
com os olhos.
Na Vista Alegre fui trabalhar com o Manuel Estevão, meu padrinbo de
F
sim senhora.
Meu primeiro patrão o Juca Cachoeira, avô do Américo.
crisma. 56 eu, empregado, não tinha gente para ajustar. Eu fazia os trabalhos de casa, tecia baixeiros, ponchos, colchonilhas, que
Descíamos a serra velha do Orat6rio e íamos ver o sol s6 em Tubarão,
são esses pelegos de lã.
Tudo mato. Descia com 25 reses e ia vender pelo litoral a duas patacas a Conheci Bom Jardim com poucas casas. Era tudo vassoura. Primeiro morador
rês. E olha lál Era preciso reunir 10 ou 12 barrigas-verdes para comprar uma
foi o falecido Taurino. Esse deu terra para a igreja.
rês, para farinhar. Levava-se um mês ou dois para vender a tropa, em Pescaria
Meu marido foi Paulino Coito Padilha, tropeiro.
Brava, Imaruí ou Laguna.
Escravos não eram do meu tempo. Se era, eu não lembro, porque era
A estrada do Doze foi aberta pelo Martinho Ghizzo. criança e pouco ladina.
Bugre no mato eu não vi. Os caçadores que iam macucar sempre viam.
Quando vim de São Joaquim era s6 estrada de tropa.
Aqui na serra eu vi um. Foi um dia em que um índio veio laçado numa vaca,
Para a viagem do tropeiro preparava paçoca. Preparava-se carne pilada no
na fazenda do Antônio Cachoeira, que era na entrada de Bom Jardim. Naquela pilão, fritada na graxa. Aí misturava-se com farinha de mandioca. Botava numa
hora estávamos na fazenda eu e o casal. Chegou quase de arrasto, com a vaca
panela. Na viagem eles faziam carne cozida com feijão. Arroz não se usava,
muito assustada. Fora ele laçá-Ia com um lacinho muito bem feito, amarrado
s6 quirera. Essa era quebrada no pilão, abanava e usava para fazer cangica,
na barriga. Atirou o laço e laçou pelo pescoço. Aí não pôde mais dominar para se comer no prato, com leite. Era cozida na água. Tomava-se o caldo
o animal e nem conseguiu cortar a corda. Quando COrremoslá, estava quase.
da canjica. Café a gente torrava, socava .no pilão, peneirava, misturava com
morto. Tinha si<:!oarrastado, a corda apertava. Quando olhamos, havia bugres
açúcar queimado. Para a viagem ainda botava açúcar grosso, sal, toucinho,
tudo ao redor. Quando soltamos saiu cambaleando. . ".$
avio. Botavam tudo no peçuelo e esse dentro da bruaca. Panela de perna,
Bugreiros eu conheci diversos: o velho Veríssimo, de serra-abaixo, o Mane~
chicolateira.
Anjo, em Veneza, o Martim Bugreiro, o Zé Domingos ... Os bichos tomavam' As senhoras andavam em selim, atrás da tropa.
conta daqui. Eram xucros esses bugres. Para vir gente para cá foi preciso acabar
O que o tropeiro ganhava dava para se viver bem, melhor do que agora.
com eles. Diziam que os índios faziam uma tanga de varicanga, que era com!!
São Joaquim, era s6 casas de madeira.
um tecido agora. Tinham flechas e lanças. Panelas nunca vi, mas vi balaios,
Quase não se saía de casa. 56 ia ao terço, de domingo.
muito bem feitos. O Afonso Machado foi atacar os índios que roubavam gado
nas Calham boras. • Ml.
'.:'~l
A estrada para São Joaquim, quando eu peguei a viajar, com 25 an?s,'e~
essa mesma de agora, mas feita s6 a casco de burro. Em São Joaquim' haVlll
umas quatro casas s6, de madeira. Tinha os Castisanos com a venda, a velha
negra Cantalícia, o Polidoro que era intendente, o Francisco Sete Falas,' ,o

200 201
26 - VIAGEM AO RIO DAS CONTAS Tio' Alentino ouviu uns gritos e foi ver. Viu um velho muito magrinho.
Sentado num galho de pinheiro. Vestido, todo branco, com asas. Correu.
1980 Muita gente ficou assustada, com muito medo".
Do Gritador fala também o Guaraci Bernardino da Luz: "Um dia o
Gritador era um fantasma ou coisa-parecida que aterrorizava os cami- pai ouviu um grito aí em cima do morro onde nós morávamos, aí o pai mandou
nhoneiros que subiam a Serra do Rio do Rastro. Aqui na Vargem, meu irmão, o Jurê, para ver se não era alguém que estava perdido. Começou
O como em toda a costa da serra, fez-se ouvir muito. Eis umas declarações: â gritar daqui e respondia de lá. Pouca demora, ele veio se aproximando,
Genésio de Holanda Ramos, vendeiro: sempre mais... Ahl, deu-lhe o pé e chegou correndo em casa, empurrando
"A região é muito antiga. Há aqui três mangueirões que ninguém sabe a porta."
quem construiu. Talvez os jesuitas. Há a Mangueira Velha; Mangueirão dos Continua o Genésio: "Nunca se soube de fatos de ele ter atacado. Grita
Tapes, aqui na fazenda do falecido Otávio Vieira. A terceira é na fazenda Boa aqui, logo lá longe, depois de novo aqui. Não, não era nenhuma ave noturna.
Vista, do Valdemar Boeira. Isso não era. Era um grito rouco, apavorante mesmo.
Mangueirões, ou mangueiras dos jesuítas, foram construídas na época do gado Ainda agora, tem uma cas.cata aí no rio em que ninguém pode ir pescar
xucro, para encurralar o gado que se tentava prear. Seriam também fortalezas de noite. É grito, são pedras. E lá onde o tio Maneca morava".
de defesa? Agora é o Hercílio Goulart da Silva Ribeiro: "Aqui eles ouvem de dentro
Aqui f31a-semuito ainda de tia Eufrásia, uma morena velha que residia n~ . de casa, nos matos próximos.
local. Já fora escrava da fazenda das Tijucas. Contava muitas hist6rias de revoluções Acredito que seja uma entidade, uma alma perdida, que diz que fica girando
antigas. Faleceu com 115 anos. Estava marcada, com marca de gado. em torno.
Durante a Revolução de 93, uns fazendeiros vieram pedir para ela guardar Se é uma alma, de quem seria essa alma?
uns pertences. Ai escavaram um buraco bem no localdo fogoda cozinha. Colocaram Aqui tinha muitos escravos. Então s6 os donos' mandavam separar e matar,
lá as bruacas e depois cobriram. Tia Eufrásia continuou fazendo rogolá. .( fazer e acontecer, então ... Quem sabe? ...
Diversas revoluções se bateram em violentos entreveros aqui na divisa entre A tia Eufrásia contava que isto era do tempo dos jagunços, gente malvada.
Santa Catarina e o Rio Grande. Aqui foi morto Antônio Inácio Velho, nas Aqui na volta do rio, onde eu morava, a gente nunca consegue ncar pescando
lutas entre Assistidas e Borgistas, aqui no passo doRio das Contas. O morto no rio, à noite, porque ou rola pedra, ou aparece na frente aquela visão. Porque
era major: Major Antônio Inácio Velho. Major da Guarda Nacional ou, talvez, o tal de Gritador tanto grita, como aparece de visão, como rola pedra ... Parece
constituído durante a revolução mesmo. uma pedreira rolando, faz um vento no mato... .
Nos pinheirais os porcos engordavam tanto que chegavam a não poder mais Até que consegue assustar a gente. Sempre se vê uma pessoa vestida de
caminhar. branco. Uma vez n6s estávamos em quatro. Vimos ele de uma certa altura
Os gritos do Gritador iniciavam sobre o rio Degradado. Um grito feio, de um metro e vinte. De repente ele tinha uns cinco metros de altura. Aí
assim: UUUUUUL .. Dava um remorso na gente. Grito forte, que vinha vindo, nós corremos, né. Apareceu, com uma roupa assim, meio xadrez. Estávamos
girava, voltava para o mesmo lugar. Pelo ar. Nunca se viu nada. A turma atravessando uma ponte. Eu estava na fr~nte. Foi s6 entrar na cabeceira que
ficava toda arrepiada. Ainda agora a gente se arrepia s6 de pensar. a ponte começou a estralar. Ai vi aquela visão, mas pensei que fosse outra
Um dia o tio Maneco foi pegar um porco que estava estragando uma roça. pessoa que vinha vindo. Mas ela começou a recuar e subiu o barranco. A
Quando ia pegar, ouviu um grito: "Deíxe este porco que é meu". Era o Gritador. lua clara, mesmo que um dia! Eu parei e todos os outros também. Ai começou
Ai se apavorou; pinchou com tudo lá e correu. a ficar grande e parecia que vinha ... a ponto de dizer que vinha para quebrar
Às vezes gritava sempre em cima da nossa casa. S6 de noite. Isto, desde tudo. Pouco depois foram mais dois pescadores que encontraram ele já em
que me conheço por gente viva, já acontecia. Agora já são uns anos que não ..~ cima da ponte. Também pensaram que fosse um companheiro. Olharam, se
ouço. Mas os outros dizem que ouvem por aí. .'. '.. ~~;
-n aproximaram. Ai aquele negócio cresceu e eles voltaram de volta. Eram o
É alma penada? É um troço que a gente nem imagina. " :~. Otávio, o João Vieira, Osvaldo Santana, Ari Medeiros, o Silveira, Ari Nunes
Na serra de Nova Veneza viajavam o Gentil Borges e o velho André. O :;: e o Gomes Gonçalves Padilha. A gente calcula que isto ali e o Gritador é
rapaz atrasou-se. Aqui, em cima da serra, o velho ouviu um grito. Pensou:, ...ti'f a mesma coisa, porque é tudo perto, uns seiscentos metros, no máximo.
que fusse o rapaz e respondeu. Ai, o grito pr6ximo dele, um gIjto de apavom, '., É que nesse lugar por aí, na Revolta de 32, houve ali uma grande batalha.
que ele se estremeceu todo. Isto há uns oito ou dez anos atrás. ' ,. A gente encontra uma ossarada, pedaços de carreta e cartuchos. Houve esse
Tem um mês que ele grita seguido, seguido. combate e atiraram os cadáveres aí nesse perauzinho.

202 203
Lá mais para frente existe uma cruz à beira da estrada, onde bouve outro
combate e foi matado um dos comandantes daquela força. Ali apareceu aves
de penas, ou uma rês ou uma mula-sem-cabeça. Isso de dia, a gente vê
isso aí. Fizeram lá um valo grande e enterraram o pessoal morto. Mais tarde
quando o trator fez a estrada descobriu muito osso, mas muito mesmo. Até,
depois enterraram de novo ali mesmo. Ali é que morreu o falecido Antônio
Inácio Velho.
Seriam essa gente que aparece por aí.
Na quaresma, na primeira semana da quaresma. numa terça-feira, fomos
em quatro fazer a tal caçada de tatu. Levamos os cachorros e sentamos em
cima do morro. Largamos os cachorros. Éramos, um mano meu. um primo
e outro rapaz que parava conosco. Os dois rapazes começaram a brincar. a
lutar, enquanto os cachorros achassem o tatu. Aí ouviram um resmungo, como
de cachorro. Ouvimos, não ouvimos... Aí o negôcio resmungou alto, nê! Ainda
desconfiamos se era arremedo de algum de n6s. Ah. vai. isso não aparece
coisa nenhuma! Aí meu primo João arremedou. Logo veio um grito a uns
cinqüenta metros de nós. Todo mundo arrepiou o cabelo. Olha, não tem bomba
que se compare com aquilo. É um eco, imitando assim o grito de uma máquina.
Um grito igual ao de uma pessoa, só que muito mais forte. Que nem uma
. máquina dessas carvoeiras, que dá esse grito assim, né! Mas isso aí güenta
dois ou três minutos. Cruzes! Muito forte. A gente tremeu, como quando
dá um relãmpago perto. Disparamos. Não tínhamos corrido cinqüenta metros
ele gritou junto de nós. Aí corremos mesmo. Um foi num banhado, outro
em cerca de arame, outro deixou as botas ...
E olha, nas caçadas e pescadas, se usa tomar umas cachaças. Mas nós,
nenhum de nós era de tomar cachaça.
Aqui o senhor vê: a gente ouve cruzar por aí gritando, aparece de lá,
desce aqui, ouve em casa, todos ouvem. quem estiver por aí. Não que a gente
fique com medo. Agora,de noite, dá remorso ..
Em geral é sempre aqui, no Rio das Contas, mais perto 'das margens.
.', O combate se deu a uns três quilômetros da capela. Faz tempo que não
vou mais lá. Mas sempre se encontrava coisas lá. O combate deu-se em 1932".
Continua o Hercilio Goulart da Silva Ribeiro, falando do Gritador. Aliás,
seu Hercílio é um trabalhador muito modernizado, com trator, adubos, carro,
mais de vinte e cinco hectares de milho, colhendo dois mil sacos de batatinhas
só nesse ano, além de batata-doce, morango, e um pomar carregadissimo. Ele
está declarando que de mto este fenômeno acontece ainda hoje em dia.
"A última vez também aconteceu há um ano. Geralmente é na quaresma.
E a época em que a gente vai nas suas caçadinbas e pescadas. Pescadas especial-
mente, porque nas quartas e sextas, a gente não come carne. Inclusive eu
Paisagem do Morro da Igreja vista de Três Barras, Orleans, se.
(Foto Eoandro Rodrigues) tenho um vizinho aqui que é um profissional na caçada. Esse conta que não
passa mais de três ou quatro meses sem estar ouvindo isso aí. É o Sebastião
Borges.
Tem um primo meu, de mais boa memória, que guarda especialmente

204 205
t
Aqui na fazenda do falecido Elpídio, a aparição era tanta que nem se podia
o que contava uma velhinha que morou aqui conosCO e que chamávamos de pousar. Aí tentaram escavar muitas vezes. Até a filha tentou arrancar guardados.
vovó, a essa negra véia. Ela contava isso ali, de cem anos atrás, todas essas Era a casa do Delpino, filho de Rea Silva. Era uma casa que não dava para
coisas antigas que passaram nas quatro casas apenas que havia aqui. numa a gente pousar de maneira nenhuma. Aparecia gente caminhando dentro de
distância de sessenta quilômetros. casa. arrastando corrente. reviviam ... era o diabol Não dava. Aparecia uma
Do Silveira para cá a primeira casa era da D. Maria Teodora Boeira, mãe mulher, também de dia, com o sol quente mesmo. Teve um homem ali que
do seu Valdemar Boeira. Depois tinha a falecida Rea Silva, mulher do falecido
era um espírita, que veio para fazer mais rezas. Mas tirou foi o guardado para
Paulino na antiga Fazenda Nova. Do outro lado tinha a fazenda das Tijucas.
si. Eu penso que tirou.
A última era lá nas Capivaras, do falecido Jango Velho. O resto era s6 algum De guardados tem muita gente que fala e que tem tirado também. Negócio
caboclo. escravo mesmo. de panelinha, potes, canastras, essas coisa aí, isso tem. O Berta Bruno foi
Aqui na margem do Rio das Contas, fecharam quatro milhões de campo,
um que achou.
para esconder os animais, no tempo da revolta. Ainda está aí. É potreiro
Mas o negócio é para quem é, e não para quem quer. Ali na descida das
do Rio das Contas. É ali onde aparecem estas coisas. É uma invernada, agora Tijucas, eu passei lá muitas vezes. De certo até visível. Pois um dia passei
dos Cassetari. lá, vi alguma coisa removida e tinha ficadolá o sinal, no buraco, de uma panelinha.
De onde veio o nome do Rio das Contas? É fácil. A divisa do Rio Grande
Tavam lá, no chão, os pedaços da panela.
vem subindo sempre pelo rio Pelotas. Agora aqui em cima esse passa além Lá na Mangueira de Boa Vista (Silveira), diz que um achou, agarrou, escon-
do Bom Jardim. Toda essa região de Bom Jardim e das Tijucas devia pertencer deu. E não podia mais achar de nova. E lutou. Lutou umas cinco ou seis
ao Rio Grande. vezes. O nome dele era Simeão Macedo.
Na Revolta de 1927 ou 28, havia esses grupos de 20 ou 30 homens que .. Vestígio de índio tem muito à1i. Há uns dois anos, estiveram ali uns homens
vinham pegando gado, fazendo aquelas, pegando animal e gado, e iam tocando. nas lavouras, se ajustaram uma sacada de coisas a que a gente nem dava bola.
Um escrivão que tinha cartório a uns trinta quilômetros para cá de Bom Jesus, De mortandades de índios se fala muito, mas sempre de serra-abaixo aqui
na Sede Velha, um tal de Nela Camargo e outros, vieram de lá, vieram atrás entre a Serrinha e São Bento parece que mataram muito. Até pode ter sido
e conseguiram tomar algum gado. Mas a outra parte já tinha passado para um combate entre aqueles de baixoe esses daqui... Tinha homens especializados
O outro lado. Aí resistiram, não cederam. Aí começou-se a respeitar como
para isto. Não lembro bem, mas um se chamava Adriano. O Joaquim Goulart
se fosse divisa de estado. me contou de uma grande batalha. Uma noite prepararam uma emboscada,
O Nela Camargo comandava um lote de soldados e encontrou esses homens
aqui entre o Pilão e Veneza. O Joaquim mora em Veneza. Outra pessoa que
na areada num rio para cá do Silveira . .Diz que o gado roubado era tanto pode contar muito é D. Patrícia Rodrigues Goulart de Carvalho, de mais de
que cobria vinte quilômetros de estrada. 90 anos. Outro é Henrique Carvalho, que mora aqui na beira da estrada que
E divisa era respeitada, antigamente. Polícia nenhuma invadia. Tinha gente
vai para o Silveira. .
que fazia briga aqui na Várzea e se refugiava do outro lado, provocando as "Lá em Urubici ouvi o Gritador gritar, pertinho de nossa casa. Tinha lá
autoridades com tiros. um lugar perto do rio Canoas em que encontramos três carreiras de pedra-ferro,
Da época de Garibaldi não se tem noticia nenhuma. dessa do rio que conduzia para cima de um morrinho, lá tinha uma porta.
O pessoal conta aí que os mangueirões eram dos jesuítas. Mangueira dos
N6s abrimos. Com' umas taquaras acesas. entramos. Era uma caverna feita
Tapes, Mangueira Velha e Mangueira do Monte Negro, há oito, quinze e vinte
tipo esses fomos de tijolos. É no rio Cachimbo. Dava de entrar bem um
quilômetros daqui. homem. Tinha um metro e pouco de largura. Em cima redondo. Uns dez
Guardados existem por aí. Tem gente viva que o local exato não sabe, metros de fundo. Cavado a picareta na pedra mole. Depois de dez metros
mais ou menos sabe que foram guardados canastrões de dinheiro. Canastrão
tinha uma escadinha para subir e ficamos com medo."
era uma caixa de um metro, por sessenta centímetros de largura e trinta de É o Manuel da Silva Balduino quem deu as declarações.
altura. Usava aquilo arceado nos cargueiros. Tampa é abaulada. O seu Saul O Alentino Macedo também fala do Gritador: "Eu ouvi ele gritando
Vieira Borges ainda tem destes canastrões. . .I de uma altura mais ou menos de uns três quilômetros. Pelas dez horas da
Nessa Revolução de 32, tem homem vivo em Nova Veneza, que foi criado noite veio gritar perto de minha casa. Gritou até pelas três horas da madrugada.
na fazenda das Tijucas e que pode contar. Os donos encheram dois canastrões A lua era clara. Garrei e fui verificar o que era. Estava sentado num galho
de coisas de casa, ele ajudou a carregar numa mula. Até foi junto por. um de pinheiro representando um tipo de ave, nem posso afirmar se era tipo
trecho. Depois mandaram ele esperar. Quando voltaram, não vieram as canaS~' de um anjo ou de pessoa, com pano por cima, mas estava em grande altura .
tr~)~'
. !'""
207
206
Quaedo cheguei ele ficou quieto. Aí garrei e me reti~ei. Não perguntei nada. em roda de um fogo de tropeiro. Eles ouviram aquele barulho de correntes
Eu não tinha arma nenhuma. Todos ouviram. Dava um remorsO grande. Pesca- que desciam do morro. Parecia uma carreta que arrastasse correntes. Desper~
dores logo abandonavam a pesca e dirigiam-se e iam embora. Dois anos depois tando a curiosidade, foram olhar. Viram uma tocha de fogo. - Lá um caboclo
que comecei morar aqui é que começamos ouvir o Gritador. En~ã~.é desde já acendeu um fogo! alguém disse em tom de brincadeira, de deboche. Mas,
1958 que se começou ouvir aqui. Aí, por dez anos, era comum OUVlT. meu irmão, Epaminondas, vendo que algum dos companheiros ficaram com
medo, resolveu dar dois tiros, mas de brincadeira, pelo ar. Entraram para
27-VALDEMAR BOEIRA dentro de casa e virou aquele barulhão: jogavam pedras, mas nada se via...
Parecia que quebravam todo o telhado e nenhuma telha foi quebrada.
Fazenda do Silveira - 9 de setembro de 1981 Também contavam que o Manuel Rodrigues teria deixado um pote dessas
moedas de patacáa, enterrado. Uma morena deu em sonhar. em sentir a presença
eu Valdemar é um entusiasta pela hist6ria. Tem um grande museu parti- desse Manuel Rodrigues que lhe pedia que fosse retirar o pote escondido.
cular em sua fazenda, no 4: distrito de Bom Jesus. Está pensando em Daí por diante foram muitos os que quiseram procurar. Vinham pedir para
S escrever a hist6ria do extremo nordeste do Rio Grande, com mangueirões ineu pai autorização. Isto há uns 50 anos. Meu pai deixava. Cavaram buraco
misteriosos, com hist6ria das fazendas, com narração de batalhas das tropas aqui, buraco ali. Por muitos anos. Não sei se encontraram. Hoje ainda vem
que procuravam as cabeceiras dos rios para atravessar para o vizinho Estado gente procurar, agora com aparelho. . . .
de Santa Catarina. Uma hist6ria riquíssima que ele ou alguém deve pesquisar Em 1928, minha mãe, muito disposta, com uma empregadinha chamada
e escrever. Florinda, foi tocar umas vacas. Os porcos haviam fuçado numa 10l)lbada. -
Mas hoje vamos pedir outro tipo de contribuição para a hist6ria. Queremos Olha aqui, Florinda, parece um botão! Mas era uma moedinha. Encontraram
o mundo fantástico, o mundo em que muitos não acreditam, mas em que 26. Mas eram moedas de cobre, de vintém. Devo ter umas duas dessas moedas.
outros muitos vivem. O mundo dos tesouros, das aparições, dos encantos, do Eu mesmo ouvi qualquer coisa de extraordinário. Ouvi. Numa ocasião,
Gritador ... eu estava deitado num quarto. No mesmo quarto havia um cidadão, AntÔnio
"Em 1893, quando esboçou-se a Revolução, o José Inácio Velho, um abastado Macedo. Estava folheando um livro de Eduardo Cotrim, sobre zootecnia. É
fazendeiro, naquele tempo Vacaria, hoje 4: distrito de Bom Jesus, no Silveira, uma obra extraordinária, que depois me desapareceu. Nessa altura ouVi-umas
era proprietário de uma enorme gleba de campo e possuidor de j6ias, talheres pancadas, de alguém batendo. Vi que meu amigo Macedo ficou meio receoso.
de prata gravados a ouro, louças de porcelana importadas da Inglaterra, das Aí eu disse: - Nem te ligo, seu chefe. Bata outra vez! Então bateram bem
quais devo ter alguma peça. Como medida de precaução, pegou três caixões, na cabeceira da minha cama. Eu hoje não posso saber o que era.
ou três canastras, e colocou neles aqueles utensilios de casa, e enterrou. Era Chegar cavaleiro, fazer aquele barulho, sem se ver cavaleiro nenhum, isto
para o caso de que as forças chegassem e pudessem roubar. A revolução durou foi diversas vezes.
lá dois ou três anos. Posteriormente mudou-se, logo que acabou a revolução, Aquele negócio de olharem, chamarem, baterem na porta, chegar cavaleiros
para a fazenda da Invemadinha, onde veio, muito depois, a falecer. Dois anos fora de hora, batendo esporas. .. e não se ver ninguém. .. Eu ouvi. Mas
depois da mudança mandou buscar as caixas enterradas. Tinham sido enterradas até hoje, para dar uma explicação para esses fenômenos!
três em diferentes lugares. S6 foram encontradas duas. Calcula-se que uma Uma pessoa caminhar na calçada, de chinelos. .. não s6 eu presencIeI,
continue por lá. Ele morava onde eu estou morando agora. . mas diverso; que estavam dentro de casa. Olhava: não era ninguém. Não apare-
Diversos me contaram e eu também tive oportunidade de ver algumas ciam. S6 O barulho.
visões, alguma coisa, assim ... Alguns chamavam pelo dono da casa, em noite de luar. E não se via nada.
Intervenho: "Pela pesquisa que estou fazendo parece-me que deve haver Numa ocasião estávamos em 8 ou 10, entre irmãos e empregados. Estávamos
uma relação, uma inIIuência das coisas escondidas, sobre a mente humana. preparados para ir pegar um gado ligeiro, um gado xucro. Era o mês de fevereiro.
Ou são influências, mem6rias transmitidas pelos antepassados e gravadas no .. Estávamos perto do fogo. Os cachorros começaram acuar numa árvore. Fomos .
inconsciente ... Conte que esperamos estar dando uma contribuição para a Era uma noite muito escura. Fomos com velas. Parecia que estivessem acuando
ciência." um tigre. Fomos alguns com relho na mão, outros com facão. Pensava-se que
"Certo. Em 1950, quando eu me encontrava em Turvo, com minha esposa, fosse um gato-do-mato, uma jaguatirica. .. saltou aquele fenômeno, aquele
ficaram de caseiros meu irmão Epaminondas, mais O tio Tertuliano Antônio animal de lá, sapateando, na direção dos cachorros, tanto que um esbarrou
dos Santos, mais uns companheiros, Pompilio Correia e Anísio AntÔnio da num dos presentes que carregava a vela, chegando a derrubar a vela. Os cachorros
Costa, e outros. Estavam tomando chimarrão aí pelas 8 ou 9 horas da noite, saíram em perseguição e não pegaram. Viu-se O vulto, que parecia de uma

208 209
pp.sr",a. o que me admira é que os cachorros saíram juntos e não pegaram. chão, quase atingindo o pé de outro. Essa coisa desapareceu dali uns 30 dias.
F: a maneira que ele sapateou, uma coisa diferente, fez assim com que a gente Só procuravam a resistência de bastante gente, que era para enfrentar, para
ficasse meio. .. De forma que eu ali fiquei nas minhas dúvidas. Podia ser prender, ou para matar. De dentro de casa atiravam ... Todos ouviam. Muitas
uma pessoa que veio para roubar .... Sei que animal do mato não era. Deu pessoas estão ainda vivas e nem gostam de contar. Ficam nervosas.
a impressão que fosse gente, mas os cachorros não pegaram. E eram uns buldo- Na fazenda do Carvalho, em Santo Antônio, mas aínda perímetro da fazenda
gues bons. Nova, de Henrique Marcelino de Carvalho, ali por volta de 1935, eu tinha
Nas lavraçóes aqui perto do mangueirão encontram-se diversos objetos. um irmão que tinha neurose de guerra, do tempo da Revolução de 24, na
Um anel muito estragado, como se tivesse passado pelo fogo, uma barrinha revolta do Luís Carlos Prestes. Ele esteve combatendo essa coluna Prestes.
de ouro, 12 quilates. um botão com uma cruz, uma sineta ficou com um irmão Foi passar uns dias na casa da irmã. O cunhado foi noutra fazenda apartar
meu. O botão desapareceu num empréstimo que fiz para uma festa de tradição uma tropa de bois, para um tropeiro de Laguna, por nome Joaquim Silveira.
em Bom Jesus. A barrinha de ouro essa me desapareceu há pouco tempo. Pois, meu irmão Ernesto encilhou o cavalo e ia sair. "Não vá, meu. irmão,
Qu~m sabe, esses barulho .. , Olha, nada se duvida. Talvez queiram essas não vá Ernesto!" "Não, eu tenho que sair. Não posso ficar hoje aqui. Olha,
peças. . hoje à noite vai vir um negro. Mas não vá temer. Dê proteção, porque é
Sonhei duas vezes, sempre em janeiro com Fredolino Cassetari, morador gente minha. Ela nem deu bola para a conversa desse irmão fraco da idéia.
de Bom Jardim. No sonho nós dois nos encontrávamos junto e dava uma faísca Mas, deixa estar que lá pelas lantas ouviu barulho de um cavaleiro que chegava.
elétrica, um raío. la ver no local da faísca e encontrava-se metal derretido. Pensava que fosse ou o marido ou algum empregado que o marido mandasse
Isto duas vezes. A gente não acreditava quase nessas coisas, achava que quem para passar a noite na fazenda. Mas era um estranho. Era noite clara. O homem
ia procurar isso. .. as próprias pesquisas dos arqueólogos eram malvistas. Pes- se defendia dos cachorros. Só falava com os cachorros. Aproximou-se do galpão.
soas que não estão bem do juizo. .. Então a gente não se interessou de ir ,Quando ela viu que aquilo não era bem gente, ficou com bastante medo. No
falar com esse Fredolino Cassetari. dia seguinte chegou o marido, estava em ponto de bala, de brabo. O aspecto
Onde fizemos a lavração, além daqueles objetos mencionados, encontramos era de um moreno, vestido de capa. Só depois lembrou das palavras do irmão ...
um tipo de calçada de lajes, cacos de louças, pregos. .. Na certa ouve um No Silveira antigamente não havia recursos, como ainda atualmente não
incêndio ... há. Então, ali por 1934, nós tínhamos lá Francisco Guazzelli. Ele linha lá
Vinham tropeiros com vinte ou trinta cargueiros e pediam permissão para Utjl segredo, que eu acho que era pronto alívio e guaraína. Fazia um preparo
posar no mangueirão. Eu calculo que fosse para fazer algumas pesquisas, à com esses dois remédios e curava todas as doenças. Curava mesmo. Curou
noite. Todo mundo falava que esses mangueiróes era obra dos jesuítas ou dos minha mãe de desinteria. Curava reumatismo, pneumonia, gripe, diversas doen~
bandeirantes. Talvez teriam deixado algum tesouro escondido naqueles alicerces. Ça5.Sou testemunha, porque diversas pessoas minhas se curaram com aquele
Quem sabe, alguns dobróes de ouro ... Se encontraram, não disseram. Talvez remédio. Usava um bichará de lã pura. Por baixo do bichará é que, decerto,
saíram com um cargueiro a mais, com sobrecarga ... rasgava papelzinho da guaraína e adiciqnava o "pronto alívio", parece que era
Sobre o Gritador, eu tive a oportunidade, na fazenda de meu cunhado, um remédio estrangeiro. Preparava num copo e dava aos doentes. Uma vez
Fazend~ Nova, de Henrique Marcelino de Carvalho, de presenciar, às 9 horas uma vaca me mordeu a mão. Primeiros atendimentos foi ele quem me deu.
da noite, aquele grito, que vinha pelo ar. .. Cada vez se aproximava pelo Mas pediu que eu tomasse providências com médicos. Viu que não podia me
ar, até se aproximar, quase, dos ouvidos. Mas nunca pude ficar sabendo se curar e chamou um' médico. Era um modelo de homem honesto.
e~aum pássaro ou se era um grito estranho. Dava um receio, um troço de Havia outras pessoas que curavam. Minha mãe, Maria Teodora dos Santos
arrepiar os cabelos. Agora, o que era, não posso saber. Boeira, através da homeopatia, tratava e muitas pessoas. O mais era com água
Nós, acostumados a saber que existiam onças, a lidar com tudo que era pura. Atendeu muita gente. Há o Henrique Marcelíno de Carvalho, hoje com
pássaro do mato, quando se ouvia essa coisa, dava esse medo. Dava. E olha 96 anos, lúcido. O remédio dele é sulfa de homeopatia. Não toma injeçães,
que estávamos em 4 ou 5 pessoas. E lá próximo, dentro da fazenda Nova, não toma nada.
na propriedade chamada Casa Velha, pelo espaço de um mês, todos os dias, Em 1951 minha mulher sofreu um tipo de desidratação. O próprio remédio
numa hora marcada, não sei se eram nove horas da noite, ouvia-se primeiro ~o parava no estômago. Veio um médico e aconselhou a hospitalização. Mas
uma pessoa assobiar. Batia na porta. la atender mas já eslava batendo numa eu tinha uma água-benta pelo padre Antonio Ribeiro Pinto. Foi só dar e melhorar.
outra. Armavam-se até os dentes de 10 a 15 pessoas... Para enfrentar, ninguém Ouvi falar do monge João Maria. Até ele fez um estágio por lá na fazenda.
unha coragem. Nem com os cachorros. Até, um dia um camarada que chegou Mostraram-me o'local onde ele parou. Dizem que era meio profeta. Certos
lá para ajudar a guarnecer, de tanto medo chegou a disparar uma pistola no casos que hoje estão se realizando, ele já falou naquela época. Mas pouco

210 211
,
'".l~"
", .. ","
~sso,dizer. Foi explorado para se vender fotografia dele.
Ali na Boca da Serra do Pilão, a uma hora da tarde, num local por nome
Encerra, foi presenciado por muitos, inclusive eu. um fenômeno estranho.
Sobe um rumor, um barulho como o de uma pessoa que está cortando com
um machado. A gente se aproxima e não vê nada. Isto há muitos anos, há
uns 25 anos atrás. Eu mais dois companheiros tivemos a possibilidade de ouvir.
O que pode ser, não sei. Não vimos machado, não vimos o cortador de lenha.
Só o barulho do machado. Ali, logo que desce a Serra tem umas fumas, uns
dizem que são dos índios, outros que dos jesuítas. É uma serra que está trancada.
Subia por Meleiro e Nova Roma.
Pois é, Padre João me fez contar muita história, muito causo que eu nem
sei se é de botar em livro. No meu. não vou escrever, na certa."
Quando a fita aca!Jou, e não transcrevemos todos os mtos assombrosos narra-
dos, Valdemar Boeira me pediu que fosse fazendo umas anotações de notícias
sérias, "porque senão o povo s6 vai pensar que s6 sei lorotas e não vai querer
ler o que vou escrever."
Aí aproveitei para fazer perguntas sobre a região sul-eatarinense,
especial~
mente a Serra, já que em outra ocasião me mIara dos tempos que morou em
Nova Veneza.
"Eu sou gente da fazenda das Tijucas e sou descendente do afamado
proprietário Prudente Luís Vieira Costa. Eu vou escrever sobre essa fazenda,
mas posso adiantar umas notícias sobre as primeiras fazendas ~a Serra Catari-
nense.
Dizem que o primeiro morador dessa terra de tigres e bugres, de gado
alçado muito brabo, depois dos Jesuítas e seus índios missioneiros, foi um
homem valente, de Santo Antônio da Patrulha, Manuel da Silva Ribeiro. Conse-
guiu, não sei quando, a sesmaria do Pelotas, cerca de 450 milhões de campo,
todo esse canto, do rio das Contas, Pelotas, rio Baú e Serra Geral. Até parece
que passava o Pelotas para os lados da Varginha. Isto há muitos anos, muitos
anos. Isso tudo foi sendo dividido.
Aqui no começo havia a fuzenda do Degradado, da viúva Clarinda Maria
Saldanha Homem Teixeira, que eu sei porque me contaram. Por 1865 passou
por lá um mascate italiano, Rainieri Passífico Cassetari. Na Itália dizia que
era da cidade de Lucca. Pois, o vendedor ambulante passa pela fazenda, pousa,
fuznegócios, mostrando suas pesadas arcas de amostras de quinquilharias, tecidos
e ferramentas. Recebeu muitas encomendas de todo o pessoal da fuzenda. Dizia
que devia partir para Laguna e Rio de Janeiro e voltaria com tropa carregada
para atender os numerosos pedidos para as três ou quatro fàzendas da costa
da Serra. Até que tinha a1gu'in,temor, pois se falava muito da Guerra do Paraguai
e do Solano Lopes que desejava conseguir uma saída para o mar e esse não ,. PaÕ$agemda encosta da Serra Geral, Orleans, se,
era inimigo de se desprezar. Mas não era o medo da guerra que o retinha, " (Fato EvandTO Rodrigués)
mas sim os olhos da filha da patroa. Pra encurtar o caso, deu casamento entre ..
o Raínieri Cassettari e a Emflia. E por herança, por compras ficou dono de
quase toda a mzenda do Degradado, que passou a chamar fazenda São José,
,
, Biblioteca Universitária
212 UNIS,wE 213
"
de uns' Ú)O milhões de campo.
o decreto faccioso do Ministro Pombal, expulsando os jesuítas, por volta de
Conheci muito os filhos Silvio, Fredolino, Emiliano e Liberalino. Mas havia 1750.
outros mais.
Mas o gado ficou, procriando-se bravio e xucro. Será esse gado que vai
Essa fazenda tem uma: não foi dividida. É um condomínio, o primeiro atrair a atenção dos governantes do Brasil, para o sul da colônia. Não há ouro
exemplo de condomínio. ali, nem prata. Mas está ali a maneira de suprir a escassez de alimentos provocada
O velho Cassettari, além de campo, tinba uma grande casa de negócio. pela corrida às minas de ouro da região central.
Suas tropas comerciavam com Santo Antônio da Patrulha e Antônio Prado, Funda-se Lages, e o Morgado de Matheus vai con~bendo se~marias aos
indo muitas vezes a Caxias do Sul. pioneiros povoadores do Planalto Serrano. Ao iniciar nossa pesqUisa sobr~ a
Da fazenda Tijucas ainda vou escrever muito, mas s6 digo que era grande fazenda das Tijucas devemos dizer que a pesquisa limitou-se a declaraçoes
e beirava a Serra Geral, margeava o Púlpito, o rio Degradado, Passo do Ouro, orais. Cremos que ainda seja possível localizar toda a documentação, desde
Nevado, Tijucas. a concessão da sesmaria. O certo é que desde a construção do Caminho dos
Seguindo havia a fazenda Cambajuva e Santo Antão, de Antão de Paula Conventos, primeira estrada ligando o sul ao centro, falava:se desta fazenda.
Velho, gaúcho de São Francisco, pai de Gasparino do Amaral Velho. A tradição atual leva-nos apenas a 1850, quando está nas mãos da família Velho,
Aí vinha a fazenda do Antônio Caetano do Amaral, vulgo Antônio Cachoeira, de tradição escravagista, com frotas de navios negreiros, apar~ntada com. o
pai do José Caetano Cachoeira, vulgo Juca Cachoeira. Esse é o pai do Américo fund.ador de Desterro, Dias Velho e com o de Laguna FranCISco de Bnto
Caetano do Amaral.
Peixoto, este ligado à primeira ocupação portuguesa do Rio Grande: com a
Havia depois a fazenda Santa Bárbara, mas... "
fundação de Tramandaí e Viamão.
Era tarde da noite quando quis que me desse mais .umas informações sobre Os Velhos requerem e ocupam todas as costas da serra do Continente do
os caminhos da serra. O homem tinha mem6ria boa:
Rio Grande: imensas fazendas de prear gado alçado.
"A serra mais antiga é a Serra do Orat6rio, aberta pelos jesuítas no tempo Há livros de contabilidade de 1850. De 1858 temos uma comovente página
das "catequeses", em 1651.
literária do viajante Avé-Lallemant, que leva até a Europa o nome da fazenda
A Serra do Imaruí foi aberta pelo capitão guarda-mor de Lages, Antônio
isolada nos páramos da costa da Serra. As Tijucas contariam, nessa época, com
Correa Pinto em 1869.
vinte mil cabeças de gado. Os índios mal tinham acabado de abater trezentas
Pouco antes, em 1866:0 fundador de SãoJoaquim da Costa da Serra, sertanista cabeças numa s6 noite, por vingança, de certo, de ataques dos brancos.
de Piracicaba Manuel Joaquim Pinto, com 40 escravos abrira a Serra do Tubarão, Joaquim Velho ou Juca Velho é o dono, desde 1846. Tem uma filha única.
essa do Rio do Rastro. Entre 1902 e 1906 foi alargada para dois metros, no "Que recebe da vida, por trás das trincheiras contra onças selvagens, essa moça,
tempo do Vidal de Oliveira Ramos, sendo o contratista principal o Afonso Ghizzo. filha única de um homem muito rico? "pergunta-se condoído, o francês que
Passou a ser conhecida por Serra Nova. Em 1954 com Irineu Bornhausen iniciou-
pousou na fazenda em sua longa cavalgada pelo sul do Brasil.
se sua transformação em rodovia, com algum traçado novo. Agora estão dizendo Que terá acontecido à herdeira solitária que tanto impressionou o naturalista
que vão asfaltar."
do século passado, se a tradição nos diz que a fazenda não lhe coube, mas
Já deu para ver o historiador sério que teria sido o Valdemar Boeira, que passou ao tio Inácio Manuel Velho? "Pois, bem pode ocorrer que os selvagens
tinha raízes catarinenses nas Tijucas, dono da fazenda do Silveira em Bom ataquem e assassinem todos que nela habitam'" escreveu o jovem francês, temen-
Jesus. Levou para o túmulo mil hist6rias de revoluçães de fazendas, de tropas do pela vida da moça. Ter-se-ia averiguado o fatídico vaticínio? A tradição não
de mais de mil cabeças, de escravos. Não escreveu o livro que junto havíamos
diz. Algum outro conluio na solidão desses campos? Revolta de escravos? Ataque
planejado.
de bandidos ou de bando revolucionário? Peste matando pai e filha ao mesmp
tempo? A tradição emudece. Mistério ainda.
28 - FAZENDA DAS TIJUCAS Leia-se a página famosa do viajante europeu, reportada no livro "Laguna
antes de 1880." S6 trazemos a parte final das declaraçães de Avé-LaIlemant:
epois dos índios botocudos, tradicionais ocupantes das costas das serras, "Em toda minha viagem até lá, em parte alguma me senti tão isolado, tã~
sabemos que os povos missioneiros é que ocuparam esta região, com separado do mundo civilizado, enmo no planalto de Tijucas, onde o UruguaI
D grandes estãncias comunitárias de criação de gado. A tradição nos principia correr. E é para miITt um pensamento sério, quando me recordo
fala de índios e não guaranis, das Missões. Esses teriam construído os três
dos seus habitantes." .
mangueirões, um dos quais leva seu nome.
Se Juca Velho não teve herdeiros legais, é fama que pululassem na fazenda,
De qualquer maneira, este início de civilização aut6ctone foi apagado com filhos havidos de negras escravas.. De três deles a tradição conserva os nomes

214
215
.',i" ~~ ~:h
" .
}.•.•..•.. -~..;. (,;
, e as ge'nerosas doações do pai natural: Jerõnimo Joaquim Velho, que recebe do Amaral, uma parte do Púlpito. Ainda fica uma parte em poder de Lucas
15,000.000 nos Altos. Manuel Joaquim Velho recebe outros 15.000.000 nas Camargo Mello. Esta é comprada em 1902. Está completa a fazenda imensa,
Capivaras. Para uma filha, casada com Manuel Inácio Cândido, deu uma área agora com 124 milhões ou 12.400 hectares.
dentro das Tijucas, na costa da serra. Prudente Luís Vieira Costa, mesmo, é de expandir suas fronteiras. Cria
Nâo será, pois, tão dificil conceder veracidade à hist6ria seguinte, integrante gado em quantidade, mas investe sempre em novas terras. A sede da fazenda
das sagas familiares, sempre renovadas ao redor do fuga crepitante, nas longas também merece sua atenção. Constr6i a maior e melhor casa da região. Casa
noites de inverno: o Juca amealhara um mundo de dobrões de ouro. Um de madeira de pinho, forro duplo, janelas envidraçadas com vidro importado,
dia, o infortúnio tira-lhe a filha única. Para quem irá o dinheiro recolhido pintada por dentro e por fora. Muito grande, dez por doze, tem no s6tão
a custa de Suores de uma vida? Não, se o destino lhe impedira de ver a filha duas fileiras de quartos forrados, com janelas em clarab6ias. Acima dele, mais
partilhando de seus bens, nenhum outro mortal gozaria desses bens. Deve um s6tão apelidado de mirante. No andar térreo, diversas salas: de jantar,
ter andado muito, por gratas e peraus, vendo espeluncas, fossos e cavernas. de música, de festas. Uma delas, com laje no chão, é para o fogo de lenha
Finalmente, uma, inacessívelquase. cuja entrada seria tapada com pouco trabalho. dos dias de inverno.
Madrugada de inverno, geada branquejando ao luar, quase todos dormindo A cozinha era à parte. Também o galpão de fazer sabão, charque, queijo,
na estância, Juca Velho acorda um negro, manda botar a cangalha na mula com as devidas repartições. Lá mais longe, onde fora a senzala, e casa dos
. gateada. O negro não pensa. Patrão é o que manda. Bruacas? Não. Canastras. peões, camaradas e pessoal de serviço.
As canastras de baixo da cama. A ramada ficava atrás, com mangueiras especiais para tudo, até para cavalos
Por trás da janela, escrava curiosa ainda vê, bem talhada ao clarão do luar, de visitas ilustres.
a silhueta do grupo: o velho no cavalo, a mula carregando as canastras, o escravo Na frente da casa, para as senhoras, a pedra de montar a cavalo, no selim.
puxando o cabresto. Era o início do século e as Tijucas viviam a época do apogeu. Sua fama
De tarde, bem tarde, já é noite, volta o patrão, a mula sem arcas. E' o de grandeza corria pela Vila de São Joaquim da Costa da Serra, pela cidade
escravo? Mais nunca foi visto. de Nossa Senhora dos Prazeres das Lajens, pela de Nossa Senhora da Oliveira,
A imaginação se acende. As arcas de ouro estão lá, na costa da serra. No por Santo Antônio dos Anjos de Laguna, até Santo Antô~io da Patrulha e Viamão.
Baú? No Púlpito? No Curral Falso? No Sete Orelhas? Na gruta do Ouro? A fazenda do Prudente Vieira viveu anos de g16ria. A distância de quase 80
Não, já foi procurado por lá. Noutra caverna, de entrada tolhida, ou em cova anos, ainda se fala com respeito do maior fazendeiro dos Aparados da Serra.
profunda escavada pelo escravo, aguardam as arcas famosas. Mas não será fácil O velho Laurino Antunes, com 96 anos em 1981, relembra o período do
tirar do 'escravo, que a pistola abateu, o tesouro que guarda, encantado. Em velho Prudente: "Meu pai, João Florêncio Antunes; foi o tropeiro da Tijucas.
mais de 100 anos, ninguém conseguiu. Talvez mentimos. Talvez caluniamos Piá ainda, justei-me por dois terneiros ao ano, mais pouso, roupa e comida.
um bom velhinho que desceu à campa com o luto da filha, com uma alegria Já fui madrinheiro, fui taipeito, fui domador, tropeiro. Fui capataz da fazenda
apenas: seus bens ficaram para a amiga da filha, sobrinha querida. No livro do Púlpito e depois, na das Capivaras, que também era do Prudente.
citado fala-se de uma sobrinha do dono da estância, que mereceu os cuidados Conheci muitos ex-escravos da fazenda. Na revolução do Pinheiro escapamos
médicos do naturalista, atacada que estava de violenta amigdalite. Possivelmente para os matos do Painel.
é D. Maria Inácia Moojin, casada com o capitão Jorge Ghilherme Moojin, Bugres, s6 na costa da Serra. Ali parece que pulavam neles, de vez em
da Lagoa Vermelha, que herdara a fazenda e, em 1885, a vende aos irmãos quando.
João Luís Vieira Junior e Leandro Luís Vieira, filhos de João Luís Vieira, um A fazenda ficou célebre pelas muitas taipas de suas mangueiras. De início,
dos pioneiros de Lages. Logo em seguida, um irmâo deles, Prudente Luís o pai empreitava a mil-réis a braça. Depois passou a mil e quinhentos. As
Vieira, torna-se proprietário das Tijucas, dando em troca, a fazenda Pinheiros pedras eram puxadas com boi carreiro, numa zorra. Balizava, botava barbante.
Altos, em Painel. Na escritura não fala em quantidade s6 em divisas: do Arroio Taipa de campo media seis palmos de altura com quatro de base. As taipas
dos Altos, que faz barra com o Rio das Contas; por este acima, até a barra ,. das mangueiras e dos pátios eram de pedra cortada e com mais de seis palmos
do Púlpito. Por esse até a Barra do Arroio do Ouro; por ele até frontear ponta de altura. Quando se fazia taipa de campo encordoavam-se 5 ou 6 taipeiros
de taipa, aquém do cemitério; pela taipa, até o Arroio dos Altos. É uma extensão na mesma linha, cada um com seu eito. Meu pai fez quase todas as taipas
considerável, mas nâo para Prudente Vieira. Em 1889, a mulher, Maria dos
••I
das Tijucas, dos Cassetaris e das Cambajuvas." .
Prazeres do Amaral Vieira, filha de Antõnio Caetano Pereira e de Ana Borges Cirilo Camargo, moreno velho, de 97 anos, também conserva boas lembran-
do Amaral, recebe, em partilha aoúgável, além de muito gado, terras no Baú, ças da vida nas Tijucas. Aos 15 anos voltou para a fazenda, onde a mãe linha
no Púlpito, no Pelotas e na Varginha. Prudente compra do cunhado Antônio sido escrava. "Eu não tava justo, tava parando, tava sendo criado lá. Recebia

216 217
,I ", .".'.
1.1m..o~ dois temeiros por ano. Mas teve um final em que recebi seis temeiros, Queijo quase não se fazia. Deixava-se o leite para os temeiros. A fazenda
um de cada filho do Prudente, que estavam em casa. Fiquei trinta anos na produzia quase tudo. Até escola tinha ll.""aos empregados.
Jazenda. Querem saber como se fàzia um laço? Cortava o lombo do couro em três
Numa das revoluções chegaram uns revolucionários à paisana, mas muito partes. Eu era traçador. Todo trem de arreame da fazenda eu fazia. Depois,
armados, a pé e a cavalo. Chegaram com muito gado. Mas respeitaram. com a máquina, ia cortando em roda, sempre em roda. Aí molhava e esticava.
Os peões não sabiam da vida, das histórias dos ricos, nem de negócios, Deixava esticado ao sol. Depois de seco, pelava. Depois passava outra vez
nem de nada. O alarme era muito, que havia um escondido na Fazenda. na máquina para aparelhar o tento. O laço era de quatro pernas. Alguns faziam
Do tesouro do Morro da Igreja se falavaque era encantado. Uma vez estavam de seis. Nas emendas traroava'se as duas pontas de tento junto. O laço era
campeando por lá, quando ouviram uma risada de um homem atrás. Voltaram-se. de até 12 braças, sempre com argola de metal. Trabalho demorado! Trançador
Ali, arreganhado, um esqueleto! bom, fazia quatro braças por dia.
O velho Prudente Vieira era amoroso. Não desprezava ninguém. Vivi anos Eu fazia esteira de cangalha, chincha, tudo. Baixeiro, esse eu não fazia.
bons na fazenda. Eram aspeoas de casa que teciam com lã: baixeiro, meco, cobertores e cocho-
Na sala tinha um gramofone. nilha. Isso era no tear, lá elas fàziam de tudo. Costuravam, faziam chapéus
Nas festas dos agregados tinha gaita, violão e rabeca.
de palha de trigo. De tudo. O que não era na cozinha, era no. galpão: seb?,'
Todo sábado era carneada uma rês. Havia uma salgadeira velha, comprida, banha, sabão, charque, quirela, saiame, marmelada, correame, teCIdos, ... tudo .
escavada numa tora de pinheiro. Deixava a carne dois dias lá. Carne cortada O Anísio Rodrigues ainda conta da Revolução de 1924: "Houve um
em mantas finas. Depois colocava-se ao sol, para enxugar. Ao meio-dia virava-se.
combate no arroio Manelião, no Silveira, na Fazenda Nova. Ali o entrevero
O charque estava pronto. Então pendurava-se no varal.
foi grande. Morreu lá o coronel Antônio Velho, da força do Governo, que
Às vezes, matava-se porco para fazer salame:' para lá tinha ido com o troço de voluntários. Era da Guarda Nacional. Lá
Outro que conheceu a fazenda, mas apenas de passagem foi o Anísio Rodri- também foi morto um dos revolucionários, que tinha a fama de ser o maior
gues, tropeiro e domador. Alcançou o velho Prudente Vieira: "Meu pai matador de gente da Revolução. Os do governo vinham comandados pelo Lacom-
andou laçando gado xucro nas Tijucas, utilizando a Mangueira Velha para encur- be, que era do Contestado e pelo Paim Filho.
ralar o gado:'
Os revolucionários tinham três chefes ali: Leonel Rocha, Manuel Fabrício
Na região, meio de raro, mas dava peste no gado, de se perder tudo. Na e Paim Facão. Esses é que vieram se acampar, com os feridos, na fazenda
peste da Cabeça, ou Tristeza, chegou a salvar um s6, de um rebanho de 50 das Tijucas.
bois. A manqueira dá no gado novo. Começa manquear de manhã, de tarde O Manuel Fabrício foi o homem mais feio que eu já vi, um barra de homem.
já está morto. Depois vinha o earbúnculo, a raiva, esta trazida pelos morcegos, Vinha s6 para roubar. Diz que roubou quatrocentas mulas arreadas.
A aftosa é muito matadeira para o terneiro que mama. Outra causa de mortes Ladrão de gado, ah, mas tinha! O Oliveira Paulo era meio fazendeiro. Andava
é o raio. Chega a matar dez reses por vez.
sempre numa mula bisona. Esse homem comeu muito gado alheio! O Manuelito,
Eu andava muito em andanças, tropeadas e carreiradas. Sabia o nome de capanga do Pedro Souza, marchante de boi, esse levou pras charqueadas muito
todos os cerros: Cerro do Cego, do Cerrulhão, do Chimarrão. Isto em Manti- boi alheio ... "
queira. O Cerro do Sete Orelhas é na fazenda do Américo. Nas Tijucas tem De Flávio Vieira Velho, que nos mostrou documentos, ainda ouvimos isto
o Grota do Ouro, Morro dos Novilhos, Bombeiro, Arroio do Noivado, Capão sobre o avô Prudente Vieira:
de Cervo. Entre Tijucas e Bom Jardim: Capão da Madeira, Invernada do Greg6- 'I "O Rameri Cassetari inventou de fundar um clube para as mulheres mais
rio, Raia da Laranja, Curral Falso, Pinheirinho, Arroio das Urtigas Cambajuvas I
ricas poderem dançar. Aí ele, mais o Prudente Vieira, o Antão de Paula Velho,
e Capão Rico, nomes de lugares. o José Caetano do Amaral, Juca Cachoeira de apelido, e o Joaquim Ezírio,
I
Na Grota do Ouro, pegaram um bugre do beiço furado. Trouxeram amarrado juntos fazem o clube de Bom Jardim, lá por 1905, aí é que começou a vir
para as Tijucas. Morreu depois de 4 dias". algum morador mais pobre que foi se arranchando por aí".
O Cin1io Camargo narra mais, a respeito da vida nas Tijucas do Prudente O Anísio cmita sobre o Antão de Paula Velho: "Havia uma fazenda de
Vieira: morenos, uma delas era de Campo do Meio, da tia Ana Roque. Outra era
"De manhã cedo, um café: às 8 horas, café com mistura: queijo, batata-in- de tia Alta, a fazenda Cambajuvas. Nenhuma das duas era casada. Aí o Antão
glesa, carne, pão e marmelada. Ao meio-dia, era carne, feijoada, batata, sopa deu as filhas para elas criar: a Dulce para a tia Ana Roque, e a Alencarina
de massa feita em casa. Revirado era também utilizado em casa. Usava-se muito ou Neuzinha para a tia Alta. Essas negras deram as fazendas para as filhas
a paçoca para comer com café.
de criação, brancas".

218 219
'.
• , o Fiávio Vieira Velho, atual proprietário da fazenda das Tijucas, conta algo her6is. Cancelas que rangeram para deixar sair tropas de 1.200 bois! Cancelas
do pai, coronel Valentim Inácio Velho: "Coronel era apelido. Era de 1893,
que viram todas as revoluções, com valas infind:" acolhendo o últi~o sono
filho de Inácio Manuel Velho, o Inacinho, o de Angelina Borges Velho. Casa de Centauros cansados! AsTijucas que viu Farroupllhas, que acolheu Pica-Paus,
com uma filha do Prudente Vieira, D. ESf[leralda Vieira Velho (1897-1977). que acoitou Maragatos, que torceu por chimangos, que hospitalizou cem soldados
Assim herda uma parte da menda das Tijucas, e compra diversas outras partes, feridos pelo ideal dos grandes! Tijucas do solitário cavaleiro francês, que lhe
sem chegar a reconstituir os 124 milhões do velho Prudente Vieira. Mas, se, sentiu a tristeza no chorar do minuano nas grimpas dos pinheiros, isolada nos
em extensão territorial, as Tijucas tiveram seus dias de glória, foi com o coronel
páramos alcantilados, sobrevoada pelos abutres! Tijucas das grandezas festiv~
Valentim que alcançou o auge da fama, com número de cabeças de gado.
do Prudente Vieira, em festas de senhores, ao som do gramofone e da rabeca.
Esse era de uma simplicidade de costumes proverbial. Negociava muito.
Tijucas das salas dos ricos e da sala dos pobres! Tijucas da senzala e da tia
Em vez de comprar, arrendava campos para criar gado. Só em diversas fazendas
Eolfrásia, marcada três vezes a fogo, com ferro de gado! Tijucas do Quincas
de Bom Jesus tinha 64 milhões de campo arrendado. Em Santa Catarina também j
guardando canastras de ouro e deixando um negro ~ardá-Ias ~a~a sempre
arrendou muitas fazendas, como o Curral Falso, o Morro Grande, a Varginha,
Fazenda das Taipas, das ruínas, dos esteios inacessíveIS de laranjeIras bravas.
j
a menda Pelotas. Gostava de criar. Criador e invernador. Negócios de mil,
Fazenda dominando sozinha vinte léguas em quadro!
mil e duzentas cabeças por vez. Sócio, por muitos anos, com o Bertoncini,
E o tigre matando os temeirosl E o bugre roubando ~ei.ros! '1
da charqueada São Pedro, de Lauro Müller. Chegou a ter 10.000 reses pastando
Fazenda enciumando a Rea Sílvia e incentivando o RaJmen Cassetan.
nos campos de suas propriedades e nos arrendados. Vivia na casa construída
Tijucas da mangueira só para cavalo de rico!
pelo Prudente Vieira, mas sem luxo. Era de uma disciplina sem tamanho.
Tijucas, onde está tua botica? Onde a salgadeira velha e os varais para
Para ele negócio era sagrado. Não tinha chuva, não tinha enchente que o fizesse
tàlhar de um dia. Chovesse ou ventasse, era uma coisa só. Não atrasava uma a charqueada? .., .
. Velha menda, quem não encanta no mlSténo de tua hlStóna, no encanto
hora de seus compromissos. Não tinha hora para trabalhar. S6 um exemplo:
de teus encantos, no sonhar de teus guardados, no grito horripilante do invisível
ele nos chamava de guris. E não mandava, pedia. Uma noite de inverno,
Gritador?
frio, eu já estava na cama. Lá pelas onze da noite vem o pai e me acorda:
Velha fazenda hospitaleira, acolhedora de São João Maria, de memória vene-
- Guri, tu te atreves a fazer um serviço comigo? - Sim, pai. - Então
rável!
pega uma pá. Eu pensei até que íamos cavar tesouro. Pois ficamos abrindo
O menino vai para o colégio, lá nos alemães de São Ludgero! A tropa
um valo, até de manhãzinha, com o gelo velho estralando.
vai partir. A menina vai casar, tão mocinha ainda! Os taipeiros mataram o
Vestia-se com simplicidade raiando o exagero. Com uma bota e um chinelo,
tigre pintado. Vão dar uma batida nos bugres, s6 para espantar. Sábado tem
como se costumava usar na Serra, uma vez entrou num banco e lhe disseram: I embuçada, com gaita e rabeca!
- Hoje não damos esmolas. - Eu preciso falar com o gerente. - Mas ele
Iaiás e mucamas, aqui todas são tias!
já disse que não pode lhe dar nada. - Pois, me apresente. Diga que o Valentim I Fazenda tecendo um meco de lã, traçando dez braças de laço, pilando
Inácio Velho quer lhe falar. Pois, foram. Qual não foi o espanto desses funcio- . - -,
quirela e paçoca, moendo com mós tocadas ama0.
nários ao verem o gerente sair-lhe ao encontro e abraçá-lo com efusão.
Aí menda coberta pelos brancos mantos dos fantasmas por tempestades
Outra vez levou uma quantia imensa de dinheiro para Porto Alegre. Quem
de ne~e, pelo crepe negro das queimadas, e pela doce alfombr~ da primavera!
diria que o saco de estopa, que muitos tomaram por um saco de esmoleiro,
Tua hist6ria, teú mistério, tua extensão de fantasma, tua VIda, teu~ donos,
continha dinheiro de uma boiada de mais de mil cabeças?
teus capatazes, teus peões, tuas mucamas, teus camaradas .... Não: na~ é um
Quando se sentiu mal, atacado de câncer, deixou escritos, numa caderneta,
cantar. Ao redor de tua ladeira eu apenas quis contar lua hlSt6na, SImples,
todos os seus negócios, ainda imensamente grandes."
límpida como as águas dos teus regatos.
Hoje é o senhor Flávio Vieira Velho quem comanda as mangueiras da fazenda
Tijucas. O casarão de Prudente Vieira teve que ser desmanchado. É triste
ver as ruínas. Mas logo ressurgirá a nova sede da fazenda, para continuar a
tradição multissecular nos Altos dos Aparados da Serra.
A fazenda das Tijucas! Uma das mais antigas da boca da Serra Geral! Época
de dez mil cabeças I Época de 125 milhões de campo! Época de 70 escravos.
Fazenda de muito crioulinbo pedindo benção pro padrinho patrão! Fazenda
de entreveros, em cujos pinheiros se cravaram as balas que não dizimaram

220
221

•••••

CONCLUSÃO
..., sentamos muitas histórias e muitas estórias. Pusemos as cartas na mesa.
-i Abrimos o jogo. Pesquisamos o pensamento atual sobre o assunto. Con-
~ clusão cada um vai tirar. Vale a pena continuar pesquisando? Para
a história há fundamento, há documentação. Tesouro? Mais que tesouro: mina
de prata.
Para uma próxima edição esperamos que mais gente faça como nós: ponha
à disposição os outros dois ou três roteiros que devem andar por aí. Talvez
chegaremos a compor o quebra-eabeças. Seria lindo se nossa geração pudesse
dispor de uma mina de prata. Eu não procurei nem vou procurar. Eu pesquisei
para a história. Queres pesquisar no campo? Que a fortuna te acompanhe.
Para mim, tesouro foi tudo isto que pude recolher e transmitir.

COMPOSTO E IMPRESSO
NAS OFICINAS GRÁFICAS DA

~
IOESC
IMPRENSA OFICIAL DO ESTAlX
DE SANTA CATARINA
Florianópolis

222
r
..
,I

t::.. ~ .'"

Você também pode gostar