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OFICINA DE INICIAÇÃO TEATRAL – exercício cênico cujo ponto de partida foi o

RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA clássico poema abolicionista “Navio Negreiro”, de


Castro Alves, escrito em 1868.

José Oliveira Parente1


FORMAÇÃO DO GRUPO
Não havia nenhum pré-requisito para
inscrição na oficina, exceto a idade mínima de
RESUMO: O objetivo deste trabalho é descrever
dezesseis anos e o interesse por teatro. A ideia
o processo artístico-pedagógico desenvolvido
era abrir para qualquer pessoa interessada, não
com não-atores, alunos do projeto de extensão
necessariamente aspirante a ator ou atriz
Oficina de Iniciação Teatral, coordenado por mim
profissional. Tampouco houve qualquer processo
na Universidade Federal da Grande Dourados
de seleção: para participar bastava a(o)
(MS), que resultou na dramatização do poema
candidato(a) inscrever-se, sendo que as
“Navio Negreiro”, de Castro Alves. A metodologia
foi com prática de jogos teatrais, exercícios de inscrições seriam aceitas até o número limite de

conscientização corporal, improvisações, trinta vagas. Embora esse número tenha sido

montagem de exercício cênico. Assim, conclui-se atingido, nem todos compareceram ao primeiro

que a prática realizada reiterou a eficácia dos encontro, o que já era de se esperar. Nessa

métodos acima no trabalho de iniciação artística primeira reunião (19/03/2011) tivemos vinte

e encenação não-profissional. alunos presentes, a maioria jovens estudantes


universitários na faixa dos vinte anos,
provenientes das mais diversas áreas:
PALAVRAS-CHAVE: Iniciação teatral.
pedagogia, letras, biologia, agronomia e também
Linguagens cênicas. Encenação não-
artes cênicas, entre outras. Havia um grupo
profissional.
menor, constituído por algumas pessoas com
mais de quarenta anos. Alguns poucos vinham de
INTRODUÇÃO
experiências anteriores com teatro em igrejas ou
O projeto de extensão Oficina de
em escolas de 1º e 2º graus dentro de disciplinas
Iniciação Teatral desenvolveu-se em duas
como educação artística; mas para a maioria
etapas: na primeira, que correspondeu ao
aquela oficina seria, de fato, o primeiro contato
primeiro semestre de 2011, os alunos foram
com a linguagem cênica.
iniciados na linguagem do teatro propriamente
As aulas aconteciam aos sábados, no
dita, por meio de jogos teatrais, improvisações e
período da tarde, das 14 às 17 horas. Nas
exercícios de conscientização corporal. Na
semanas seguintes alguns desistiram, outros
segunda etapa, já no segundo semestre, os
vieram e se integraram ao grupo. Formou-se um
alunos puderam experimentar a aplicação prática
núcleo fixo de cerca de doze alunos que
dos conteúdos trabalhados na criação de um

1
Mestre em Artes pela Escola de Comunicações e Artes Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD
da USP. Professor Assistente do curso de Artes Cênicas (Dourados-MS).
da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras da

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compareciam assiduamente, o que possibilitou o Deitados de costas, braços e pernas
bom andamento das atividades. estendidos ao longo do corpo, olhos levemente
fechados. Manter a atenção concentrada
PRIMEIRA ETAPA sucessivamente nas várias partes do corpo: pés,
O primeiro semestre de 2011 foi todo pernas, tronco, braços, pescoço e cabeça.
dedicado à iniciação ao teatro propriamente dita Inicialmente não fazer qualquer movimento,
e girou em torno de dois eixos principais: apenas perceber cada uma das partes, o peso do
trabalho corporal com base na metodologia de corpo no chão, o contato com as roupas, o
Klauss Vianna, ministrado por Vânia Marques, movimento da respiração, focos de tensão e de
atriz e colaboradora do projeto; e os jogos relaxamento. Perceber as partes que tocam o
teatrais de Viola Spolin, sob minha coordenação. chão e as partes que não tocam. Essa auto
Cada aula era geralmente dividida da seguinte percepção é feita sem pressa, calma e
forma: lentamente. Em seguida passar ao movimento
- Prática corporal de espreguiçar-se, que aos poucos transforma-
- Jogos teatrais se em uma exploração dos movimentos das
- Improvisações de cenas articulações, as chamadas “dobradiças” do
corpo: dedos, pulsos, cotovelos, joelhos,
O trabalho de corpo coluna, etc. Sem interromper os movimentos,

Mais do que simplesmente aquecer, os sair do plano baixo e dirigir-se ao plano médio e

exercícios de corpo, sempre propostos no início em seguida ao plano alto. Sempre

de cada aula, tinham a finalidade de despertar a movimentando as articulações, fazer o caminho

sensibilidade, a percepção e o autoconhecimento inverso, do plano alto ao médio e daí ao plano

dos alunos, de forma a favorecer a sequência baixo, retornando à posição inicial do exercício.

da prática com os jogos. Inspirado nas O que faz toda a diferença neste e em

propostas de Klauss Vianna 12, esse pequeno todos os outros exercícios corporais propostos é

trabalho introdutório consistia em exercícios em a concentração da atenção. Manter-se atento a

torno de princípios como impulso, peso, apoio, cada movimento, percebendo como o próprio

tônus muscular, direções ósseas, equilíbrio e corpo reage, quais musculaturas estão sendo

desequilíbrio. Propunham-se dinâmicas de acionadas, a quantidade de esforço

movimentos individuais e coletivas a fim de empregada, e assim por diante. É o oposto

explorar relação do corpo em movimento, o do fazer por fazer, do movimento mecânico, sem

diálogo com outros corpos e com o ambiente ao vida. O objetivo é levar o aluno a descobrir seu

redor. Por exemplo: próprio corpo, a compreender a origem e a


natureza dos impulsos e movimentos, abrindo

Aula do dia 02/04/11

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Klauss Vianna (MG 1928 – SP 1992) – Bailarino, Klauss Vianna. Exerceu e segue exercendo enorme
coreógrafo e preparador corporal. Criador de uma influência, tanto na dança quanto no teatro brasileiro
metodologia própria de trabalho corporal conhecida contemporâneo.
como Técnica do Movimento Consciente ou Técnica

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caminho para uma atuação cênica livre de custo a tentação de sugeri-las ao grupo.
mecanizações e estereótipos. Lembrava-me das recomendações de Spolin:
Observamos, por vezes, certa Evite dar exemplos. Se, por um lado
eles são algumas vezes úteis, o
resistência por parte de alguns alunos a essa contrário é mais frequentemente
verdadeiro, pois o aluno está
metodologia, traduzida na forma de risadas,
inclinado a devolver como resposta
piadinhas e na necessidade constante de o que já foi experienciado. (Spolin,
1979, p.34) [...] Permita que os
verbalização. Essa atitude de estranheza diante alunos encontrem seu próprio
material (Idem, p. 36).
das propostas provavelmente era resultado de
uma visão pré-concebida em relação à ideia de
Buscávamos, por meio dos jogos, criar
exercício físico, pautada no senso comum.
espírito de grupo, porém esse processo era mais
Encaramos tais dificuldades como normais em
lento do que esperávamos. Algumas atitudes nos
um processo como este. Procuramos superá-las
desconcertavam. Por exemplo, depois de várias
com paciência e determinação.
semanas de trabalho, alguns alunos ainda
esperavam passivamente as “ordens” da
Jogos
coordenação para se prepararem para a aula:
Os jogos teatrais, na abordagem
trocar de roupa, tirar o calçado, alongar-se... O
spoliniana, em conjunto com o trabalho corporal
silêncio nas rodas de conversa e avaliação era
descrito acima, constituíram o cerne das práticas
outro sinal claro de que a confiança mútua ainda
desenvolvidas naquele primeiro semestre. Há
não havia sido estabelecida.
muito a metodologia de Spolin é reconhecida
Nossa leitura desse momento do
como de grande valor no trabalho com iniciantes.
processo foi de que o grupo provavelmente
O sistema de jogos teatrais, como é conhecido,
reproduzia em sala de aula algumas
vem sendo cada vez mais utilizado por
características gerais da nossa sociedade atual:
professores, diretores de teatro, coordenadores
o individualismo exacerbado, a tendência à
de oficinas e arte-educadores nos mais diversos
apatia, à passividade e à acomodação. Tais
contextos. Por meio dos jogos, o grupo trabalha
atitudes dificultam o trabalho em teatro, uma
elementos básicos do fazer teatral, como a
arte essencialmente coletiva, que necessita do
cooperação e o trabalho em equipe, a
esforço e da participação ativa de cada membro
concentração cênica, imaginação e criatividade,
da equipe. Mais uma vez, Viola Spolin parecia nos
criação de cenas e personagens.
indicar a melhor maneira de agir:
Os alunos entravam com evidente
Lembre-se que uma preleção nunca
prazer na maioria dos jogos propostos. realizará o que uma experiência faz
pelos alunos-atores. (Idem, p. 34)
Notávamos, porém, uma clara dificuldade do [...] Não se preocupe se um aluno
aparenta estar fugindo da ideia que
grupo em dar vazão à criatividade e à o professor tem sobre o que
espontaneidade em alguns momentos. As cenas deveria estar acontecendo com ele.
Quando ele confiar no esquema e
improvisadas por eles giravam sempre em torno tiver prazer no que faz, ele
abandonará os laços que o impedem
de alguns poucos temas recorrentes que de se libertar e de ter uma
rapidamente se esgotavam. Evitávamos a todo resposta completa (SPOLIN, 1979,
p. 37).

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Devemos, portanto, “confiar no letra de uma canção, uma imagem, uma
esquema” e deixar que o processo dos jogos história criada pelo próprio grupo a partir de um
teatrais siga o seu curso. Foi o que fizemos. Cada determinado tema ou assunto, etc.
aluno, e mesmo cada grupo tem seu próprio No nosso caso, propus ao grupo a
tempo de desenvolvimento. Procurávamos criação de um exercício cênico sobre o poema
entender as particularidades daquele coletivo e “Navio Negreiro”, do poeta baiano Castro Alves.
encontrar formas de lidar com elas para seguir Na minha avaliação tal escolha justificava-se por
em frente. No final do semestre a avaliação, várias razões. Um texto dramático convencional
deles e nossa, foi bastante positiva. Vários alunos exigiria competências que o grupo não possuía
destacaram a importância das aulas não só para naquele momento. Já com o poema,
o aprendizado artístico, como também em vislumbrávamos a possibilidade de criar imagens
relação ao crescimento humano pessoal. cênicas a partir dos temas propostos na obra,
Segundo a maioria, aquela vivência havia acionando para isso a experiência do grupo com
estimulado um olhar mais sensível sobre eles os jogos teatrais e os exercícios corporais, um
mesmos, as pessoas e o cotidiano ao redor. procedimento muito mais acessível às
Assim, em junho de 2011 encerrou-se a possibilidades do elenco. De quebra,
primeira fase da oficina de iniciação ao teatro. desconstruiríamos a noção amplamente difundida
Marcamos o reencontro para o início de agosto, entre leigos em teatro, segundo a qual criar um
pouco mais de um mês depois. espetáculo significa escolher um texto dramático,
dividir os papéis e decorá-los o quanto antes. A
SEGUNDA ETAPA proposta foi bem recebida pelo grupo, e assim
No retorno às atividades tivemos uma lançamo-nos à tarefa de encenar “Navio
grata surpresa: praticamente não houvera Negreiro”.
desistências, o grupo era basicamente o mesmo
do semestre anterior, o que demonstrava o Estratégias de criação
interesse dos alunos pelo curso. Estávamos todos Como no semestre anterior, o grupo
animados. Naquela segunda etapa da oficina, o dispunha apenas das tardes de sábado para se
desafio era criar um pequeno exercício cênico a reunir, não sendo possível marcar outros
partir do que havia sido trabalhado na primeira horários em função dos compromissos de cada
etapa e apresentá-lo a uma plateia. Mas o que um. Teríamos, portanto, poucos ensaios.
iríamos encenar? Começamos com leituras em grupo do poema,
As alternativas para a criação de um com o intuito de compreendê-lo num nível mais
espetáculo teatral são inúmeras. A mais intelectual mesmo. O texto é repleto de palavras
conhecida delas consiste em encenar um texto e expressões desconhecidas do leitor médio, daí
dramático já escrito. No entanto, embora esta a necessidade dessa análise preliminar. Fizemos
forma de trabalho seja predominante, também um breve levantamento de dados sobre
evidentemente não é a única. O ponto de partida o autor, a obra e o contexto histórico da
da encenação pode ser a adaptação de um escravidão no Brasil. Discutimos suas
romance ou conto, uma notícia de jornal, a consequências e seus desdobramentos na

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contemporaneidade. Foi apontado que, mesmo trabalho deve estar claro para todos que como
atualmente, em pleno século XXI, ainda existe um problema é solucionado deve surgir das
trabalho escravo no país e, não por acaso, um relações no palco, como num jogo. Deve
número enorme de pessoas muito pobres é acontecer no palco. Aqui e agora!” (SPOLIN,
afrodescendente. 1979, p. 30/31). Aquela tendência do grupo à
Estes e outros pontos destacados nas passividade, já observada antes, por vezes
rodas de conversa só confirmavam para o grupo retornava, dificultando o processo. Quando o
a extrema atualidade do poema de Castro objetivo era apenas reproduzir algum movimento
Alves. Para mim ficou clara a possibilidade de ou conjunto de gestos sugeridos de fora por mim
fazer uma ponte com a realidade brasileira atual, o grupo se saia relativamente bem. Já quando se
utilizando o poema como referência para uma tratava de criar material próprio, parte do elenco
pesquisa sobre temas que estão na ordem do dia, simplesmente travava.
como a exclusão social, o preconceito e o Não queríamos que os alunos se
subdesenvolvimento, por exemplo. Entretanto, tornassem meros executores de ordens, embora
não foi possível avançar muito nesta direção, esse caminho, aparentemente, fosse o mais fácil
dado o pouco tempo disponível. Ainda assim, e rápido para concluir a montagem do exercício.
esse pequeno estudo teve reflexos na encenação, Tal procedimento é muitíssimo comum,
que foram percebidos por algumas pessoas que principalmente em montagens com atores
assistiram à apresentação. iniciantes. O diretor fornece todas as
Uma das estratégias básicas de criação, coordenadas em seus mínimos detalhes e o
como já foi mencionado, eram os jogos teatrais. elenco limita-se a reproduzir, mecanicamente, o
Um deles, o jogo Contar Histórias (SPOLIN, que lhe foi imposto. A experiência pouco ou nada
1979, p. 279), definiu a estrutura central do acrescenta ao desenvolvimento artístico dos
nosso exercício. Haveria um narrador com o livro participantes, que não se apropriam do processo.
em mãos, evitando assim o risco que seria, para O espetáculo resulta “amador”, no sentido
um iniciante, tentar memorizar um texto longo e pejorativo do termo: falas declamadas, atores
extremamente complexo. Todos os demais inseguros, cenas sem ritmo e energia,
atores formariam um grande coro que se superficialidade, estereótipos etc.
encarregaria de criar, por meio da linguagem Insistimos no sentido de manter o
corporal e de alguns poucos adereços cênicos, as caráter de jogo das cenas. Nos primeiros ensaios,
imagens presentes no poema: o oceano, o navio, por exemplo, com exceção do narrador, não
os negros aprisionados, etc. Alguns atores, além havia “papéis” definidos, e sim tarefas a cumprir,
de integrarem o coro, fariam também pequenas funções a desempenhar. A ideia era que todos
intervenções como o capitão do navio, os pudessem fazer tudo, desde o coro até os
marinheiros e a musa inspiradora do poeta. pequenos papéis, passando pela leitura de
Procurávamos envolver ao máximo o trechos do poema. Deixávamos algumas
coletivo no processo de criação das cenas, definições propositalmente em aberto, a fim de
evitando trazer ao ensaio fórmulas prontas, manter a experimentação.
mastigadas. “Desde a primeira oficina de

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Metáforas cênicas resulta harmoniosa, o som e a iluminação,
Algumas semanas depois, começamos juntamente com os movimentos ralentados dos
o processo de corte e edição do material que atores criam uma atmosfera onírica em sintonia
havia sido criado, visando fixar uma sequência. com as primeiras estrofes do poema.
Surgiram algumas metáforas interessantes. A
seguir, a descrição das principais: Porém que vejo aí... que quadro de
O narrador / contador de histórias / amarguras
mestre de cerimônias está posicionado em um Que canto funeral... que tétricas
3
púlpito ao lado do palco. Ele dá início à leitura : figuras! Que cena infame e vil!

Estamos em pleno mar... Doudo no O coro, juntamente com o narrador,


espaço apenas olha em direção à plateia, como se
Brinca o luar – dourada borboleta – observasse a distância da cena que está sendo
E as vagas após ele correm... cansam narrada por eles. O último verso desta estrofe:
Como turbas de infantes inquietas.

Meu Deus! Meu Deus, que horror!


O coro manipula um enorme tecido
branco representando o mar, mas que remete É falado por todos juntos, em tom
também às velas do navio negreiro. Os baixo, quase um murmúrio. Narrador e coro são
integrantes do coro vestem um figurino preto um só, nesse momento.
básico, o que sugere a ideia de um time, e
também simboliza o estado de luto pela tragédia Presa nos elos de uma só cadeia
dos povos negros. Ouve-se, ao fundo, os sons do A multidão faminta cambaleia
oceano. E chora e dança ali...
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Estamos em pleno mar... Abrindo as Outro, que de martírios embrutece, Cantando
velas geme e ri...
Ao quente arfar das variações A cena muda radicalmente. O coro
marinhas recria, agora, o porão do navio negreiro. Gritos,
Veleiro brigue corre à flor dos mares torturas, sofrimento, terror... O desespero e o
Como roçam na vaga as andorinhas... ritmo frenético contrastam violentamente com o
tom quase solene das cenas anteriores. A cena
O coro prossegue manipulando o tecido termina com todos caídos no chão, exauridos.
branco. Um ator atravessa o fundo do palco,
lentamente, portando uma pequena maquete Quem são estes desgraçados, Que não
que representa o barco. A composição geral encontram em vós,

3
O texto do poema utilizado na encenação consta organizada por Maria Chaves de Mello. Todos os
no livro Antologia Poética de Castro Alves, trechos citados a seguir foram extraídos desta obra.

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Mais que o rir calmo da turba Que CONSIDERAÇÕES FINAIS
excita a fúria do algoz? Quem são? Numa sociedade como a nossa,
dominada pelo individualismo, em que cada vez
Nova mudança de ritmo / clima / mais os contatos virtuais substituem os
andamento. O narrador / poeta-condor dirige-se encontros humanos verdadeiros, o teatro resiste
agora à sua musa inspiradora, aqui como arte coletiva, como ação grupal
desdobrada em duas atrizes. O restante do transformadora. Ele nos ensina a criar juntos.
coro permanece estendido no chão. Enquanto os Para isso temos que aprender a cooperar, ouvir
três dialogam, slides são projetados numa tela ao os outros, aceitar opiniões contrárias à nossa,
fundo do palco. As imagens mostram cenas da conviver com as diferenças. Exercitar o diálogo,
África atual, principalmente dos seus povos a troca, buscar o consenso. Também discutir,
habitantes. discordar, por que não? Crescer com os erros e
com os acertos. Não é pouca coisa! Daí o imenso
Existe um povo que a bandeira valor pedagógico do teatro no processo de
empresta emancipação e desalienação das pessoas. Tudo
Para cobrir tanta infâmia e covardia! E isso sem deixar de ser arte!
deixa-a transformar-se numa festa Em manto Nunca será demais frisar a importância
impuro de bacante fria! da atividade teatral para além do âmbito escolar
Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira e profissional. Cursos e oficinas livres, como esta
é esta que tivemos a oportunidade de ministrar, por
Que impudente na gávea tripudia?!... exemplo, são espaços ideais para qualquer
[...] pessoa que queira se expressar por meio do
Antes te houvessem roto na batalha, teatro, sem necessariamente tornar-se um
Que servires a um povo de mortalha! profissional da área. “Todas as pessoas são
capazes de atuar no palco”, disse Spolin (1979,

O narrador / poeta-condor constata, p. 3).

indignado, que a bandeira que tremula no mastro Quanto aos produtos resultantes de tais

do navio negreiro é a brasileira. O coro veste, em processos, ao contrário do que muitos ainda

cena, a camisa amarela da seleção brasileira de pensam, é possível sim apresentar ao público um

futebol, em referência à “mortalha” citada no trabalho realizado com iniciantes que seja digno,

texto. Para quem o povo torce? Os dois últimos interessante e que valha a pena ser visto, sem

versos são lançados à plateia por todo o elenco comprometer o caráter pedagógico do processo.

em uníssono: Este foi um dos princípios norteadores do nosso


trabalho na oficina, e esta, certamente, foi uma

Andrada! Arranca este pendão dos ares!


Colombo! Fecha a porta dos teus mares!

Black out rápido.

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experiência enriquecedora para todos os
envolvidos4.

REFERÊNCIAS
MELLO, M. C. (Org.) Antologia Poética de
Castro Alves. Rio de Janeiro: Barrister’s, 1987.

MILLER, J. A escuta do corpo. São Paulo:


Summus, 2007.

RODRIGUES, A. M.; CASTRO, D. A.; COSTA, F.


S.; TEIXEIRA, I. P. Antologia da literatura
brasileira. São Paulo: Marco, 1979.

SPOLIN, V. Improvisação para o teatro. São


Paulo: Perspectiva, 1979.

Jogos teatrais na sala de aula.


São Paulo: Perspectiva, 2007.

O jogo teatral no livro do


diretor. São Paulo: Perspectiva, 2008.

VIANNA, K. A dança. São Paulo: Summus, 2005.

4
O exercício cênico foi apresentado no dia 17/10/11, dos Santos, Cássia Vidal, Crislane dos Santos, Daniela
no Auditório da Reitoria da UFGD, em Dourados-MS, Cristina M. Lima, Dione Zeviani, Maria Alice Carolino,
na abertura da IV Semana da Consciência Negra, evento Paula Tosta, Sandra Regina da Silva e Verah Cardoso.
promovido pelo Núcleo de Estudos Afrobrasileiros – Preparação corporal: Vânia Marques. Coordenação
NEAB/UFGD e contou com a participação dos seguintes geral: José Parente.
alunos/atores: Ana Lucia Felix, Áurea Novaes, Albneir

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