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ESCOLA DE GUERRA NAVAL

CC CLAUDIO ALVAREZ SIMÕES

A APLICABILIDADE DA DOUTRINA DE GUERRILHA MAOÍSTA NOS CONFLITOS


DA ATUALIDADE

Rio de Janeiro
2009
CC CLAUDIO ALVAREZ SIMÕES

A APLICABILIDADE DA DOUTRINA DE GUERRILHA MAOÍSTA NOS CONFLITOS


DA ATUALIDADE

Monografia apresentada à Escola de Guerra


Naval, como requisito parcial para a conclusão
do Curso de Estado-Maior para Oficiais
Superiores.

Orientador: CF Alceu Oliveira Castro Jungstedt

Rio de Janeiro
Escola de Guerra Naval
2009
RESUMO

O sucesso da Revolução Chinesa (1949) forneceu ao mundo uma nova alternativa de guerra
revolucionária marxista, concorrendo com o padrão russo que até então figurava como único
modelo existente. A vitória do exército Vermelho, braço armado do movimento
revolucionário chinês, pode ser creditada em grande parte a Mao Tsé-Tung (1893-1976), seu
principal líder, que soube respeitar as especificidades político-sociais de seu povo e conduzir
corretamente o processo revolucionário que culminou com a assunção do poder pelo Partido
Comunista Chinês (PCC). Foi nessa trajetória em busca do poder que Mao desenvolveu a sua
doutrina de guerrilha revolucionária, que preconizou um faseamento das ações ao longo do
tempo, desde a organização e a consolidação de suas bases até a destruição do inimigo por
meio de ações diretas, passando por uma fase intermediária de enfraquecimento do oponente
por meio de ações de guerrilha propriamente ditas. Essa doutrina, criada especificamente para
atender às necessidades chinesas, viria a se transformar em um manual orientador de
inúmeros outros movimentos revolucionários desencadeados posteriormente em várias partes
do mundo, como nos conflitos de quarta geração ocorridos no Nepal e no Sri Lanka, onde o
Partido Comunista Nepalês – Maoísta (PCN-M) e os Tigres de Libertação da Terra Tamil
(LTTE) buscaram a substituição dos sistemas de governo então existentes nos seus
respectivos países, por meio da luta armada. A observação do desenvolvimento do processo
revolucionário nesses dois países evidencia a clara influência da doutrina de guerrilha
maoísta, comprovando a validade da sua aplicação na atualidade.

Palavras-Chave: Guerrilha Maoísta; Movimento Revolucionário no Nepal; Movimento


Revolucionário no Sri Lanka.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 4

2 O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NA CHINA................................................. 6


2.1 A doutrina de guerrilha maoísta......................................................................................... 7

3 O CONFLITO NA ATUALIDADE................................................................................ 9

4 O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NO NEPAL............................................... 11


4.1 Contexto histórico do conflito.......................................................................................... 11
4.2 O desenvolvimento das ações do Partido Comunista Nepalês – Maoísta........................ 12

5 O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NO SRI LANKA...................................... 14


5.1 Contexto histórico do conflito.......................................................................................... 14
5.2 O desenvolvimento das ações dos Tigres de Libertação da Terra Tâmil......................... 16

6 CONCLUSÃO................................................................................................................ 19

REFERÊNCIAS............................................................................................................. 21
4

1 INTRODUÇÃO

Longe de ser um fenômeno recente no universo dos assuntos militares, a guerra


irregular tem se apresentado como a forma mais usual de se combater na atualidade
(VISACRO, 2009). Esta afirmação se sustenta pela grande abrangência deste tipo de guerra,
que pode se manifestar tanto nas ações terroristas de grupos radicais como em quaisquer
movimentos revolucionários de cunho separatista. É, portanto, um tipo de guerra muito
utilizado nas ações armadas de grupos que se encontrem, de alguma forma, inferiorizados
quando comparados aos seus oponentes, conforme citado abaixo:
[...] foi como a alternativa de luta dos “fracos” que a guerra irregular consagrou-se.
Ela foi, em sua essência, o último recurso com o qual minorias desesperadas
puderam contar para tentar resistir, de alguma forma, à opressão e, por vezes, à
ameaça de extermínio físico. [...] guerra irregular é todo conflito conduzido por uma
força que não dispõe de organização militar formal e, sobretudo, de legitimidade
jurídica institucional. Ou seja, é a guerra travada por uma força não regular
(VISACRO, 2009, p. 13-15).
Mas muito pouco valeria o conceito acima apresentado, se a eficácia da guerra
irregular não se comprovasse na prática. Nos vários exemplos de guerras irregulares ocorridos
ao longo da história, algumas personalidades se destacaram ao atingir seus objetivos por meio
deste tipo e guerra, como descreve Heydte (1990, p. 37):
Desde o presidente do partido chinês, Mao Tsé-Tung, ao suíço Major H. von Dach;
[...]; práticos e teóricos do fato bélico moderno estudaram o problema da guerra
irregular conduzida por bandos e investigaram um notável fenômeno: o de que em
tal guerra, bandos “mal-armados e mal-vestidos”, comandados por soldados
amadores, eram com grande freqüência bem-sucedidos contra forças superiores
comandadas por profissionais.
O posicionamento de Mao Tsé-Tung no universo da guerra irregular se justifica
por sua bem sucedida atuação na condução da Revolução Chinesa, que serviu de exemplo
para inúmeros outros movimentos ocorridos posteriormente, como na tentativa de libertação
da terra tamil no Sri Lanka e da substituição da monarquia por uma república democrática no
Nepal (CALLE, 2007). O sucesso obtido por Mao Tsé-Tung na China pode ser creditado, em
parte, à especificidade da sua doutrina de guerrilha, como citado abaixo:
As táticas que aplicamos durante os últimos três anos no curso da luta são na
verdade diferentes de quaisquer outras empregadas nos tempos antigos ou
modernos, na China ou em qualquer outro lugar. Com nossas táticas, as lutas das
massas se expandem diariamente e nenhum inimigo, mesmo poderoso, pode
defrontar-se conosco. Nossas táticas são de guerrilha. (TSÉ-TUNG, 1961, p. 117,
grifos nossos).
Um outro conceito válido para este trabalho, por tratar de forma simplificada e
didática os conflitos na atualidade, considerando as mudanças ocorridas após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), é a “Quarta Geração da Guerra”, citado por Samuel Lind (2005)
5

na sua teoria das “Gerações da Guerra Moderna”. Este conceito diferencia-se dos modelos
que o antecederam por introduzir a presença de atores não-Estatais nos conflitos armados
ocorridos a partir da segunda metade do Século XX, como cita Pinheiro (2007), que ainda
acrescenta o seguinte comentário:
Sua principal característica foi o emprego intensivo das táticas, técnicas e
procedimentos de guerra irregular, destacando-se a subversão, a guerrilha e o
terrorismo. Com a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS) e o término da Guerra Fria, o Conflito de 4ª Geração tornou-se,
inquestionavelmente, o conflito armado do século XXI. (PINHEIRO, 2007, p. 16,
grifos nossos).
Considerando-se, então, o conflito de quarta geração como o conflito armado do
século XXI e estando ele inserido no universo da guerra irregular, que tem na figura de Mao
Tsé-Tung um dos seus expoentes, este trabalho se propõe a verificar se a doutrina de guerrilha
maoísta ainda exerce influência nos conflitos da atualidade.
Para o cumprimento deste propósito, serão apresentadas, inicialmente, as
principais características da doutrina de guerrilha formulada por Mao Tsé-Tung, assim como
o contexto político-social no qual ela foi originalmente aplicada. Posteriormente serão feitos
alguns comentários sobre os conflitos na atualidade, levando-se em consideração algumas
mudanças ocorridas na segunda metade do Século XX, principalmente após a dissolução da
antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Por fim, será realizada uma
análise parcial das ações desenvolvidas durante os conflitos ocorridos recentemente no Nepal
e no Sri Lanka que, independente dos resultados alcançados, fizeram uso de procedimentos de
guerra irregular e podem ser definidos como conflitos de quarta geração, como será
comprovado no desenvolvimento do texto. Com isso, procurar-se-á confirmar se esses
conflitos foram influenciados, total ou parcialmente, pelos ensinamentos de Mao Tsé-Tung,
comprovando-se a aplicabilidade da sua doutrina na atualidade.
Para a confecção desta monografia foram realizadas pesquisas bibliográficas, por
meio de técnicas de levantamento seletivo de bibliografia e documentos, leitura analítica e
fichamento do material selecionado.
A relevância deste trabalho consiste na possibilidade de se ampliar o
conhecimento da doutrina de guerrilha revolucionária de Mao Tsé-Tung, assim como a sua
utilização por movimentos revolucionários na atualidade.
6

2 O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NA CHINA

O processo revolucionário, de uma forma geral, pode ser definido como um


fenômeno político-social que busca uma mudança radical e violenta da ordem preestabelecida
em um determinado Estado. Cabe ressaltar que a ligação da revolução com a guerra irregular
é que a primeira, normalmente, se manifesta no campo militar fazendo uso da segunda
(VISACRO, 2009).
A Revolução Chinesa de 1949, onde o partido comunista liderado por Mao Tsé-
Tung logrou êxito na implantação de um novo modelo político para a China, é considerada
um exemplo bem sucedido que influenciou inúmeros movimentos posteriores, além de ter
proporcionado uma significativa contribuição para a evolução da guerra não convencional,
apresentando-se como forma alternativa de guerra revolucionária marxista, concorrendo com
o modelo russo (VISACRO, 2009). Este caráter inovador, apresentado ao mundo pela
experiência chinesa, se deve a fatores que vão desde as especificidades sócio-culturais da
China, na primeira metade do século XX, até as características pessoais da sua liderança
revolucionária, conforme será abordado a seguir.
Como é citado por Saint-Pierre (1997, p. 164), “assim como Lênin é o teórico da
revolução e Che Guevara a imagem do amor revolucionário, Mao Tsé-Tung pode ser
considerado o formulador da guerra revolucionária dentro da corrente do pensamento
marxista”. Isso se confirma pela importante atuação de Mao em adequar os princípios e ideais
propostos por Marx à realidade chinesa, afastando-se do modelo utilizado na revolução russa.
Tal fato se fundamentou na correta percepção de que a Revolução Chinesa não poderia se
basear no proletariado urbano, como ocorrera na Rússia, mas sim no campesinato, que deveria
ser unificado e doutrinado politicamente pelos comunistas a fim de aproveitar o seu grande
potencial revolucionário (VISACRO, 2009). Além disso, a utilização da população rural
como força motriz da causa comunista também viria a respeitar fatores históricos, como
descrito abaixo:
A tradição camponesa na China é de embate violento contra os abusos e injustiças.
No entanto, sem objetivos políticos claros, muitos desses levantes descambaram
para o banditismo social. [...] As grandes rebeliões da China do século XIX [...]
tiveram os camponeses como força principal [...] embora tenham apresentado
motivações diversas, inclusive religiosas, ganharam uma conotação política que
estava fora da compreensão de seus participantes e líderes (POMAR, 2003, p. 37).
Além de compreender e utilizar as especificidades históricas, sociais, políticas e
psicológicas do seu povo para favorecer a causa comunista, Mao também se empenhou em
definir o processo revolucionário chinês de forma bastante clara, dando a ele quatro
7

características que servem para determinar a sua linha de orientação, bem como muitos dos
seus princípios estratégicos e táticos. A primeira dessas características cita que o crescimento
do Exército Vermelho1 foi fomentado pelas grandes desigualdades políticas e econômicas
existentes no interior da sociedade chinesa. A segunda defende que as operações militares
conduzidas pelo Exército Vermelho diferenciavam-se das operações conduzidas nas demais
guerras devido à grande superioridade do poder bélico do Exército Nacionalista2, quando
comparado às forças revolucionárias. A terceira característica cita que, em função da sua
fragilidade inicial e da sua formação dispersa e isolada em regiões remotas e montanhosas, o
Exército Vermelho foi forçado a fazer grande uso de unidades de guerrilha, desenvolvendo, a
partir daí, as suas estratégias e táticas. A quarta e última característica coloca que, graças ao
amplo apoio do campesinato, a revolução impôs grandes dificuldades aos ataques do Exército
Nacionalista (TSÉ-TUNG, 1961).

2.1 A Doutrina de Guerrilha Maoísta

Mao Tsé-Tung defendia que a guerra de guerrilhas não era o instrumento


decisivo para impor a derrota definitiva ao inimigo porque, de acordo com a sua doutrina, não
caberia unicamente à guerrilha a responsabilidade de levar o movimento revolucionário ao
poder. A sua maior responsabilidade consistia em desgastar as forças inimigas, inicialmente
superiores, por meios de longas e inconclusivas campanhas. Com o seu avanço e a
acumulação de progressivos sucessos, a guerrilha também desempenharia um papel
importante na obtenção do apoio da população e no fortalecimento da sua estrutura
organizacional. Além disso, com a evolução do processo, a guerrilha tenderia a se converter
em unidades regulares para buscar a vitória sobre o inimigo por meio de ações diretas
(VISACRO, 2009).
Para Mao, era obrigatório que a guerrilha revolucionária passasse por três fases
para alcançar a vitória, que viria como resultado natural de uma guerra prolongada: a
primeira, denominada fase da organização, consolidação e preservação, buscava a
mobilização dos efetivos, a conquista do apoio da população do entorno de suas bases,
normalmente localizadas em regiões de difícil acesso, e a sua própria proteção, ocultando suas
______________
1
O Exército Vermelho é o braço armado do Partido Comunista Chinês (PCC) e responsável pelas ações
militares conduzidas durante o processo revolucionário. Disponível em: <http://www.chinatoday
.com/org/cpc/>. Acesso em: 17 jul. 2009.
2
O Exército Nacionalista tratava-se da força militar regular do governo chinês durante o processo
revolucionário. Disponível em: <http://www.chinatoday.com/org/cpc/>. Acesso em: 17 jul. 2009.
8

reais intenções de modo a evitar que um ataque das forças oponentes a destruísse enquanto
ainda não estivesse suficientemente fortalecida para se sustentar; a segunda fase, denominada
expansão progressiva ou guerrilha propriamente dita, buscava o enfraquecimento do inimigo,
a conquista de mais colaboradores para a causa revolucionária e o seu contínuo fortalecimento
por meio da obtenção de armas, munição e qualquer outro material necessário às operações de
guerrilha; e, por fim, a terceira fase, denominada decisão e destruição do inimigo ou guerra
móvel, que se daria quando a guerrilha se encontrasse com o máximo apoio da população e
fortalecida o suficiente para buscar uma batalha decisiva, visando a destruição da força
oponente e a posterior assunção do poder (TSÉ-TUNG, 1992).
Além disso, cabe destacar alguns outros ensinamentos maoístas referentes à
doutrina de guerrilha: ela deve saber quando progredir, ser flexível nas suas ações e ter a
capacidade de dispersar-se e concentrar-se por períodos curtos, em zonas pontuais e pelo
tempo que for necessário; as suas bases de apoio devem ser estabelecidas, prioritariamente,
em zonas montanhosas e de difícil acesso; e os guerrilheiros que desprezam ou subestimam a
importância do apoio popular devem ser combatidos fortemente, porque esta disfunção pode
levar a revolução ao fracasso (TSÉ-TUNG, 1976).
9

3 O CONFLITO NA ATUALIDADE

Com o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou a experimentar, de


forma mais acelerada, um grande número de transformações políticas, econômicas,
psicossociais e militares (PINHEIRO, 2007). Essas mudanças se mostraram ainda mais
intensas com o avanço da globalização, sob grande influência da revolução científico-
tecnológica, e com o término da bipolaridade do poder mundial, que vinha sendo capitaneada
pelos Estados Unidos da América (EUA) e pela antiga URSS (PECEQUILLO, 2004).
Com isso, várias teorias foram desenvolvidas na tentativa de se modelar essa
nova realidade e, assim, facilitar as projeções de toda ordem, necessárias aos interesses dos
vários atores do sistema internacional. Nesse universo das teorias, com maior ênfase nos
conflitos e nas suas especificidades, pode-se citar o modelo desenvolvido por Willian S. Lind
das “Quatro Gerações da Guerra Moderna”. Nesse trabalho, Lind se preocupa em apresentar
uma conceituação didática da guerra ao longo da história, principalmente na sua vertente
tática, a partir do momento em que o Estado assume o monopólio da guerra, marcado pela Paz
de Westphalia (1648)3 (PINHEIRO, 2007).
Dentre as quatro gerações descritas por Lind (2005), a que representa o maior
interesse para este trabalho, por sua abordagem, é a “Quarta Geração da Guerra Moderna”,
cuja principal inovação corresponde a um retorno parcial do conflito a sua condição anterior
ao Tratado de Westphalia, por considerar que o Estado voltou a perder o monopólio sobre a
guerra. Sendo ainda relevante ressaltar:
[...] a Quarta Geração não é algo novo, mas um retorno [...] à maneira pela qual a
guerra funcionava antes do surgimento do Estado. Agora, como então, muitas
entidades diferentes – não apenas os governos de países – travarão a guerra, e o
farão por muitas razões distintas, não apenas como “uma promoção de políticas por
outros meios”. Usarão de muitas ferramentas diferentes para combater, não se
restringindo ao que reconhecemos como sendo forças militares. [...] tampouco
estamos dizendo que as táticas da Quarta Geração são novas. Pelo contrário, muitas
das táticas usadas pelos oponentes da Quarta Geração são táticas de guerrilha.
(LIND, 2005, p.17)
Ainda sobre esta geração da guerra, que tem a guerrilha como uma de suas
principais táticas, destaca-se que as novas organizações não-estatais armadas podem se
materializar sob a forma de movimentos separatistas, anarquistas, étnicos e religiosos, dentre
outros (PINHEIRO, 2007). Mas, independente de como se apresentem esses protagonistas
______________
3
Conjunto de tratados que encerrou a Guerra dos Trinta Anos, travada entre diversas nações européias desde
1618, e que difundiu noções sobre a soberania estatal, inaugurando o moderno Sistema Internacional.
Disponível em: <http://www.historylearningsite.co.uk/peace_of_westphalia.htm>. Acesso em 21 jul. 2009.
10

não-governamentais, a sua forma de atuação se baseia principalmente no modelo de Guerra


Irregular, como esclarece Pinheiro, que ainda ressalta:
Mao Tsé-Tung foi o pioneiro no emprego muito bem sucedido desse modelo de
insurreição como instrumento de luta político-ideológica. Desde então outros
notórios revolucionários empenharam-se nessa trajetória, com base em lições
aprendidas, não raro, no contexto de dolorosos processos de ensaio e erro.
(PINHEIRO, 2007, p.17)
Portanto, a Quarta Geração da Guerra, apesar de não conceituar um fenômeno
novo no universo dos assuntos militares, pode ser considerada uma tipificação válida de parte
dos conflitos armados, por fornecer uma abordagem didática que auxilia no entendimento
desses conflitos. A Revolução Chinesa, que tem servido de exemplo para inúmeros
movimentos revolucionários, por se tratar de um modelo pioneiro e bem sucedido, pode ser
definida como um conflito de quarta geração porque o Partido Comunista Chinês (PCC), uma
organização não-estatal, foi o protagonista nesse processo de substituição do sistema político
então existente.
Considerando-se alguns conflitos de quarta geração da atualidade, pode-se dizer
que: “Em todo o mundo, os militares se encontram combatendo oponentes não-estatais tais
como a al-Quaeda, o Hamas, a Hesbollah e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(FARC)” (LIND, 2005, p. 14). Mas o fato de alguns deles terem aparentemente fracassado,
como é o caso dos Tigres de Libertação da Terra Tamil, no Sri Lanka, não significa que este
tipo de movimento esteja condenado (CALLE, 2007). O que confirma esta afirmação é a
campanha bem sucedida desenvolvida no Nepal pelo Partido Comunista Nepalês – Maoísta
(PCN-M) que, como os dois últimos movimentos citados, possuem uma clara orientação
revolucionária baseada no maoísmo, como descrito por Calle (2007), que ainda faz o seguinte
comentário: “Em pleno século XXI, os ideais do político e estadista chinês Mao Tsé-Tung não
só se mantém vigentes como se converteram em um verdadeiro manual revolucionário dos
movimentos guerrilheiros de nossos tempos” (CALLE, 2007, p. 2).
Com isso, conclui-se que além da Al-Qaeda, do Hamas, da Hesbollah e das
FARC, pode-se acrescentar como exemplos de forças não-estatais, o PCN-M e os Tigres do
Tamil, que foram protagonistas, como as organizações anteriormente citadas, de conflitos de
quarta geração desencadeados recentemente contra os governos de seus respectivos países – o
Nepal e o Sri Lanka, tendo ainda como semelhanças, apesar dos diferentes resultados
alcançados, o fato de terem sido baseadas no maoísmo. É devido a esta base de orientação,
que estes dois conflitos merecerão uma abordagem específica neste trabalho.
11

4 O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NO NEPAL

O Nepal é um país localizado na porção sul do continente asiático, sem saída para
o mar, cujo território, de 147.181 Km², limitado ao norte pela China e ao sul pela Índia, está
dividido em 14 estados e 75 distritos, ocupados por uma população de aproximadamente 29
milhões de habitantes. Com uma economia baseada na agricultura, que emprega 75% da sua
população e representa 33% do seu PIB (produto interno bruto), o Nepal é considerado um
dos países mais pobres e menos desenvolvidos do mundo, com 30% da sua população
vivendo abaixo da linha de pobreza4. As atividades industriais existentes estão, na sua
maioria, ligadas ao processamento de produtos agrícolas como cana de açúcar, tabaco e grãos,
dentre outros. (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY, 2009)

4.1 Contexto histórico do conflito

Após a sua independência, em meados do século XVIII, o Nepal passou a ser


governado por uma monarquia absolutista, que foi responsável pelo isolamento do país das
influências externas até 1950, ano em que teve início uma revolta armada, incentivada por
ideais democráticos decorrentes da influência da independência da Índia, que forçou o
compartilhamento do poder real com os partidos políticos que então surgiam no país. Em
1959, foi promulgada uma nova Constituição Nacional e instituída uma Monarquia
Constitucional, com a realização de eleições para a formação da Assembléia Nacional, nas
quais o Partido do Congresso Nepalês obteve a vitória por maioria absoluta. Mas este sistema
só durou até o ano de 1962, quando o rei, alegando o fracasso da Monarquia Constitucional,
dissolveu o parlamento e promulgou uma nova Constituição, voltando a assumir o poder
absoluto do país (PEREIRA, 2006).
Em 1990, fruto de uma grande pressão popular, sob a condução dos partidos
políticos contrários ao sistema vigente, destacando-se o Partido do Congresso Nepalês (PCN)
e o Partido Comunista do Nepal-Maoísta (PCN-M), instalou-se no país uma Monarquia
Constitucional Pluripartidária, onde o Rei passou a ser o Chefe de Estado e o Primeiro-
Ministro, indicado pelo partido com maior votação nas eleições gerais, o chefe de governo
(MAIA, 2008).

______________
4
Pessoas que vivem com menos de 1 dólar americano por dia, segundo a Organização da Nações Unidas
(ONU).
12

Apesar das mudanças ocorridas, a nova situação política do Nepal não atendeu às
aspirações do PCN-M, que pretendia abolir a monarquia e instaurar no país um regime de
governo socialista. Com isso, e como forma de impor as suas propostas, o PCN-M iniciou, em
1996, o movimento revolucionário conhecido como “a guerrilha maoísta” que, após mais de
dez anos de intensos confrontos com as forças regulares do governo e um saldo de mais de
13.000 mortes, conseguiu abalar a estabilidade do país de tal forma que a mudança do sistema
político, então existente, tornou-se inevitável (MAIA, 2008).

4.2 O desenvolvimento das Ações do Partido Comunista Nepalês Maoísta

O PCN-M, que em 1996 lançou a palavra de ordem da “guerra popular no


Nepal”, se originou de uma ala comunista radical que criticava o desvio ideológico seguido
pelo seu partido de origem, o Partido Comunista Nepalês. O partido maoísta defendia, por
meio de um movimento revolucionário, um programa que misturava reivindicações político-
sociais e aspirações nacionalistas contra os ditos “imperialistas norte americanos” e os
“expansionistas indianos”. Também defendia reivindicações de cunho ideológico, como a
distribuição da terra para quem efetivamente a trabalhasse (reforma agrária), o fim da
discriminação das castas existentes e das línguas faladas no país e a igualdade entre os sexos,
além de defender, politicamente, a extinção dos poderes reais e a formação de uma
Assembléia Constituinte (RACINE, 2003).
Na sua busca pelo poder, o PCN-M iniciou suas ações violentas em 1996, nos
distritos de Rolpa e Rukum, localizados no oeste do país. A partir daí, os revolucionários
começaram a adotar a estratégia de “cercar as cidades a partir do campo”, fazendo uso da
guerrilha, como preconizado por Mao Tse-Tung, e tendo como alvos as personalidades locais,
os agiotas e os dirigentes administrativos e policiais (RACINE, 2003).
Além do cerco das cidades partindo do campo, os revoltosos nepaleses também
fizeram uso de dois outros importantes princípios de Mao: o de reabastecer as suas forças
utilizando os recursos materiais tomados do inimigo por meio de saques, como o realizado em
setembro de 2002, quando os revoltosos conseguiram roubar, de uma só vez, mais de 170
peças de artilharia; e o princípio da guerra prolongada, que consistia da estratégia da defesa,
do impasse e da ofensiva, tendo o movimento nepalês percorrido com sucesso as duas
primeiras fases, que consistiram no estabelecimento e na consolidação das suas bases de
apoio, na ampliação da frente popular revolucionária e na condução de movimentos de guerra
de guerrilhas, buscando o enfraquecimento do inimigo (THAPA, 2004).
13

Especificamente sobre a capacidade do PCN-M para a consolidação de suas bases


e para a ampliação do apoio popular, características componentes da primeira fase da “guerra
prolongada” proposta por Mao, pode-se citar a habilidade dos revolucionários em lidar com as
diferentes culturas existentes no Nepal, apresentando-se como a única opção de salvação para
uma grande população que vivia a margem do desenvolvimento, em condições de extrema
pobreza. Com esse apoio obtido, o movimento maoísta foi conquistando novas áreas,
combinando as reivindicações populares com ações de extrema violência (RACINE, 2003).
A terceira e última fase da guerra prolongada, que seria marcada pela ofensiva
direta dos insurgentes contra as tropas do governo, não chegou a ser executada pelo PCN-M,
pois o processo revolucionário tomou um rumo de negociações que culminaram com o
encerramento das hostilidades em 2006. Essa mudança de conduta se deu de forma lenta e
contínua, com algumas tentativas de negociação e alianças políticas para buscar uma transição
pacífica para o regime democrático, por meio da criação de uma Assembléia Constituinte.
Essas alianças, que obtiveram grande adesão popular, foram responsáveis por uma série de
protestos em 2006, culminando com a reabertura do parlamento e com uma considerável
redução dos poderes reais (MAIA, 2008). Em abril de 2008, a monarquia foi finalmente
abolida e uma República Federal Democrática foi oficialmente instituída no Nepal, com a
realização de eleições gerais no mês seguinte, onde a coligação liderada pelo PCN-M obteve a
maioria dos votos, assumindo o poder do país em agosto do mesmo ano (CENTRAL
INTELLIGENCE AGENCY, 2009).
Todo o processo ocorrido no Nepal e descrito de forma bastante expedita neste
capítulo comprova a grande influência exercida pela doutrina maoísta nas ações empreendidas
pelo PCN-M na sua busca pelo poder. Os ensinamentos de Mao foram seguidos quase que
integralmente pelo movimento revolucionário nepalês, partindo da firme ideologia e forte
liderança exercidas por seu partido político, passando pelo fortalecimento de suas bases e pela
mobilização e doutrinamento de grandes contingentes recrutados de camadas populacionais
marginalizadas e insatisfeitas e culminando nas ações violentas dos movimentos de guerrilha
para o enfraquecimento do poder instituído. Com isso, as fases de “organização, consolidação,
preservação e expansão progressiva” de um movimento revolucionário, componentes do
modelo maoísta de “guerra prolongada”, foram claramente seguidas pelos insurgentes do
PCN-M. E a “decisão e destruição do inimigo” ou guerra móvel, terceira e última fase do
modelo proposto por Mao, só não foi desencadeada no Nepal porque a evolução da situação
política se mostrou de tal forma favorável à assunção do poder pelo PCN-M, que essas ações
violentas, com seus riscos e custos inerentes, puderam ser descartadas.
14

5 O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NO SRI LANKA

O Sri Lanka, antigo Ceilão, é uma república com cerca de 20 milhões de


habitantes, localizada em uma ilha do oceano Índico, com 65.610 Km², a uma distância de 28
Km da costa sudeste da Índia. A sua maior densidade populacional está concentrada na região
sudoeste do país, onde está a capital Colombo, que abriga o principal porto e o principal
centro industrial da ilha5.
Uma característica importante do Sri Lanka, diz respeito a sua grande diversidade
étnica, lingüística e religiosa, apesar da sua modesta dimensão territorial. E dentro dessa
diversificação, vale destacar as etnias Singalesa e Tamil, que correspondem a 74 e 12% do
total da população, respectivamente, estando a primeira concentrada nas regiões centro e sul
do país, predominantemente urbana, e a segunda concentrada nas regiões norte e leste,
predominantemente rural. Além disso, pode-se ainda distinguir essas duas etnias pelas suas
opções religiosas e lingüísticas, uma vez que os singaleses falam a língua sinhala e têm o
budismo como religião, enquanto os tamils fazem uso da língua tamil e praticam o hinduísmo
(MARKS, 1996). A importância dada a estas duas etnias, especificamente, se justifica porque
o antagonismo entre elas foi o principal responsável pelos violentos conflitos que assolaram o
país nos últimos 26 anos, causando mais de 150.000 mortes6.

5.1 Contexto Histórico do Conflito

Em 1948, quando o Sri Lanka obteve a sua independência da Inglaterra, após


mais de quatro séculos sob domínio das potências ocidentais – os portugueses, de 1517 a 1638
e os holandeses, de 1639 a 1796, também haviam dominado o país –, a transferência do poder
foi relativamente pacífica, contrastando com as independências da Índia e do Paquistão, que
corresponderam a processos extremamente violentos. (MARKS, 1996)
De fato, as duas principais etnias do Sri Lanka, os Singaleses e os Tamils,
acreditavam que o arranjo de benefícios mútuos, que tinham sido alcançados por meio das
suas respectivas atuações na condução do Estado até então, iriam permanecer após a
independência. Porém, o sistema parlamentarista, aparentemente democrático, instaurado
após o fim do domínio inglês, diferentemente do esperado, passou a gerar conflitos internos

______________
5
www.state.gov/r/pa/ei/bgn/5249.htm.
6
Idem.
15

em função de discriminações étnicas, religiosas e sociais impostas pela maioria singalesa,


detentora do poder. As leis aprovadas em 1956 e 1972, que instituíram a Sinhala e o budismo
como única língua e religião oficiais do país, respectivamente, e a adoção, pelo Ministério da
Educação do Sri Lanka, de um sistema de cotas para vagas em universidades, restringindo
drasticamente o acesso da população de origem tamil ao ensino superior, são alguns exemplos
de atos discriminatórios praticados contra as minorias. (INTERNATIONAL CRISIS GROUP,
2009)
O que permitiu essa contínua discriminação foi o sistema político instituído no
Sri Lanka após a sua independência que, em última análise, foi o grande responsável por
todos os fenômenos de opressão e, consequentemente, de descontentamento das minorias. A
perpetuação no poder dos partidos políticos SLFP (Sri Lanka Freedon Party)7 e UNP (Union
National Party)8, representantes da maioria singalesa, contribuiu para legitimar o sentimento
de superioridade dessa etnia sobre as demais, como é citado abaixo:
A estrutura parlamentar indicava que somente os partidos singaleses poderiam
realmente esperar alcançar o poder. E cada eleição parecia trazer mais afirmações
estridentes do nacionalismo singalês, com a disputa pelo poder entre os dois partidos
singaleses. [...] e os apelos chauvinistas de raça, religião e destino (o povo escolhido
como guardião da verdadeira fé em sua cidadela insular) também serviram bem a
este propósito. (MARKS, 1996, p. 176)
A impossibilidade das minorias discriminadas reverterem a situação no campo
político contribuiu para o surgimento de grupos armados ligados aos partidos políticos de
oposição ao governo. Foi nesse contexto que surgiu, no ano de 1971, o primeiro movimento
revolucionário de cunho maoísta, no qual os seguidores do partido político JVP (janatha
Vimukthi Peramuna)9 tentaram assumir o poder do país, então nas mãos do partido governista
SLFP. Nesse episódio, os dirigentes do JPV, que já haviam mobilizado e armado seus
seguidores, decidiram antecipar suas ações para conquistar o poder por meio da força (U.S.
DEPARTMENT OF STATE, 2009). Uma característica maoísta desta ação do JVP pode ser
constatada pela seguinte ocorrência:
Na noite de 5-6 de abril, três semanas após a declaração do estado de emergência,
delegacias policiais em diferentes partes da ilha foram atacadas pelos seguidores do
JVP, organizados em grupos de 25 a 30 homens. Os objetivos deste primeiro ataque
parecem ter sido capturar um estoque de armas modernas, consolidar uma região
libertada no interior do país, bloquear as comunicações em toda a ilha e
proporcionar uma base para uma segunda ofensiva.
Na primeira noite, várias delegacias foram dominadas e outras muitas foram
evacuadas pelo governo. (MARKS, 1996, p.180)

______________
7
Partido da Libertação do Sri Lanka (tradução nossa).
8
Partido Nacional Unido (tradução nossa).
9
Frente de Libertação do Povo (tradução nossa).
16

Apesar do sucesso inicial deste movimento revolucionário, as forças governistas


conseguiram reverter a situação e restabelecer o controle do interior do país no mês seguinte.
Com isso, os grupos rebeldes se refugiaram nas florestas e montanhas do norte do país e lá
permaneceram conduzindo pequenas ações locais que não chegavam a representar uma
grande ameaça para o governo (MARKS, 1996). Embora não tenha conseguido derrubar o
governo e assumir o poder, como era pretendido, este primeiro movimento revolucionário
marxista-maoísta contribuiu para o estabelecimento de um novo modelo para o ativismo
político no Sri Lanka10.
O exemplo deixado por esse primeiro movimento revolucionário e o contínuo
negligenciamento dos interesses das minorias, ditado pelo governo e confirmado na
Constituição de 1972, fez surgir novos grupos de oposição que materializavam as frustrações
da comunidade tamil, sendo o maior e mais influente deles o LTTE (Liberation Tigers of
Tamil Eelam)11 ou Tigres do Tamil que, fundado em 1972, defendeu um movimento
separatista, com a criação de um Estado tamil independente (MARKS, 1996).
Os apoios financeiro e técnico para o LTTE eram provenientes de várias fontes
no país e no exterior. Internamente, os recursos foram obtidos por meio de assaltos a bancos e
cobranças de impostos, pagos voluntariamente ou extorquidos das populações locais. Já o
apoio financeiro externo era proveniente de doações das comunidades tamil que viviam no
exterior, principalmente na Índia, EUA e Europa Ocidental. Referente ao apoio técnico, o
LTTE mantinha bases de treinamento do seu pessoal tanto em áreas remotas do próprio país,
como no estado indiano de Tamil Nadu, onde o governo e a população, predominantemente
tamil, foram simpáticos à causa revolucionária no país vizinho12.

5.2 Desenvolvimento das ações dos Tigres de Libertação da Terra Tâmil

A partir de 1975, com o assassinato do prefeito da cidade de Jaffna, no norte do


país, o LTTE iniciou a sua campanha de violência para a desestabilização do governo e a
conquista do poder, que seria materializada com a independência da nação Tamil13. O
desenvolvimento dessas ações foi claramente marcado por três fases distintas, até o final da
década de 1980, que serão especificadas a seguir.
______________
10
http://lcweb2.loc.gov/cgi-bin/query2/r?frd/cstdy:@field(DOCID+lk0044).
11
Tigres de Libertação da Terra Tamil (tradução nossa).
12
http://lcweb2.loc.gov/cgi-bin/query2/r?frd/cstdy:@field(DOCID+lk0157).
13
http://lcweb2.loc.gov/cgi-bin/query2/r?frd/cstdy:@field(DOCID+lk0156).
17

A primeira fase consistiu na estruturação do LTTE, no processo de recrutamento


das massas e no treinamento do pessoal necessário ao movimento revolucionário. A segunda
fase foi marcada pelo início da violência propriamente dita, com o desenvolvimento de ações
de guerrilha, tendo como alvos prioritários os postos policiais, quartéis das forças armadas e
políticos pertencentes ao governo singalês, assim como as principais personalidades
consideradas colaboradoras do então governo. Vale destacar, nesta fase, que a resposta do
governo singalês às ações dos guerrilheiros, traduzida em uma perseguição indiscriminada e
violenta à população tamil, serviu para aumentar a revolta desta etnia, contribuindo para o
aumento do apoio popular ao LTTE. Por fim, como terceira e última fase, identifica-se uma
clara alteração das táticas utilizadas pelo movimento revolucionário, que havia se fortalecido
no decorrer das ações da segunda fase, com a obtenção de mais armas e apoio popular. Com
isso, o LTTE abandonou as táticas de guerrilha e passou a adotar o confronto direto às forças
governistas, obtendo, em 1986, o controle da península de Jaffna e a administração da cidade
de mesmo nome14.
Em janeiro de 1987, após o resultado favorável do movimento revolucionário
tamil, o LTTE tentou legitimar a sua autoridade sobre a área dominada com a cobrança de
impostos e a prestação de serviços públicos. No entanto, o governo singalês, que ainda não
havia aceitado a derrota, interpretou aquele ato como uma declaração unilateral e ilegítima de
independência, lançando uma grande ofensiva contra Jaffna, que impôs numerosas baixas ao
LTTE e destruiu as suas principais bases. Como resultado dessa ação, o governo conseguiu
retomar o controle da maior parte da península, arcando com um pesado ônus marcado pela
pressão política da Índia devido aos relatos da elevada brutalidade adotada nas ações e do
grande número de vítimas civis dentro da população de origem tamil15.
Mesmo não tendo sido duradoura a permanência do LTTE no poder na península
de Jaffna, cabe ressaltar que esse processo consistiu de uma revolta de inspiração ideológica,
que visava substituir o sistema de governo, então existente, por uma estrutura alternativa. O
objetivo principal do LTTE havia se tornado uma guerra popular, no sentido maoísta da
expressão, para obter a libertação do povo tamil. Por isso, a idéia era muito maior do que a
simples conquista de um território para o Estado Tamil. Tratava-se, na verdade, de uma ampla
transformação marxista (MARKS, 1996, p. 194).

______________
14
http://lcweb2.loc.gov/cgi-bin/query2/r?frd/cstdy:@field(DOCID+lk0158).
15
Idem.
18

Fazendo-se uma análise específica deste movimento revolucionário, até o


momento em que o LTTE obteve o controle da península de Jaffna e antes da contra-ofensiva
realizada pelo governo singalês, fica evidente a influência maoísta nas ações desenvolvidas
pelo LTTE, que percorreu as três fases da guerra prolongada concebida por Mao. E, embora
não tenha permanecido no poder por muito tempo, o LTTE pode ser considerado um agente
bem sucedido na aplicação da doutrina de guerrilha maoísta, uma vez que logrou conquistar o
poder, mesmo que relativo e provisório, por meio de um confronto direto a um oponente de
maior poder inicial, após ter passado pelas fases de organização e fortalecimento próprios,
complementados com o enfraquecimento do oponente, por meio de ações de guerrilha.
19

6 CONCLUSÃO

Este trabalho se propôs a verificar se a utilização da doutrina de guerrilha maoísta


permanece válida nos dias de hoje, buscando exemplos da sua aplicação em conflitos de
“quarta geração” ocorridos recentemente.
Foram destacadas, inicialmente, as principais características dessa doutrina, que
contribuíram para o sucesso alcançado por Mao Tsé-Tung, um expoente condutor da guerra
irregular, na sua busca pelo poder, destacando-se a habilidade do líder revolucionário chinês
em adequar a realidade sócio-cultural do seu país à ideologia marxista, promovendo um
afastamento do modelo chinês, baseado no campesinato, do padrão revolucionário russo,
baseado no proletariado.
Especificamente sobre a doutrina da guerrilha revolucionária chinesa, foi
destacado o faseamento das ações durante a progressão do movimento revolucionário,
iniciando-se com a organização de suas bases, consolidação do apoio popular e a sua auto-
preservação, evoluindo para uma expansão progressiva e enfraquecimento do oponente,
promovida por ações violentas baseadas na guerrilha propriamente dita, e culminando com a
destruição definitiva do inimigo por meio de um confronto direto.
Posteriormente, foram selecionados os movimentos revolucionários ocorridos no
Nepal e no SriLanka, definidos como conflitos de quarta geração por terem sido promovidos
por organizações não-estatais, o PCN-M e o LTTE, respectivamente, que buscaram modificar
as ordens políticas então existentes nesses dois Estados. A seleção desses conflitos,
especificamente, foi devida tanto ao fato dos dois países se encontrarem em uma situação de
extrema instabilidade política e social, com grande insatisfação de uma considerável parcela
de suas populações, como pelos fortes indícios da utilização dos conceitos de guerrilha
formulados por Mao Tsé-Tung.
No conflito nepalês, ficou clara a influência exercida pela doutrina maoísta nas
ações empreendidas pelo PCN-M na sua busca pelo poder. Os ensinamentos de Mao foram
seguidos quase que integralmente pelo movimento revolucionário nepalês, partindo da firme
ideologia e forte liderança exercidas por seu partido político, passando pela organização e
fortalecimento de suas bases e pela mobilização e doutrinamento de grandes contingentes
recrutados das camadas populacionais marginalizadas e insatisfeitas e culminando nas ações
violentas dos movimentos de guerrilha, visando o enfraquecimento do poder instituído. Com
isso, as fases de “organização, consolidação, preservação e expansão progressiva” de um
movimento revolucionário, componentes do modelo maoísta de “guerra prolongada”, foram
20

claramente seguidas pelos insurgentes do PCN-M. A destruição definitiva do inimigo por


meio da ação direta, terceira e última fase do modelo proposto por Mao, só não foi
desencadeada no Nepal porque a evolução da situação política se mostrou de tal forma
favorável à assunção do poder pelo PCN-M, que essas ações violentas, com seus riscos e
custos inerentes, puderam ser descartadas.
No movimento revolucionário ocorrido no Sri Lanka, especificamente no período
compreendido entre o início das ações e a obtenção do controle da península de Jaffna,
também ficou evidente a influência maoísta nas ações desenvolvidas pelo LTTE, que
percorreu as três fases da guerra prolongada concebida por Mao. E, embora não tenha
permanecido no poder por muito tempo, o LTTE pode ser considerado um agente bem
sucedido na aplicação da doutrina de guerrilha maoísta, uma vez que logrou conquistar o
poder, mesmo que relativo e provisório, por meio de um confronto direto a um oponente de
maior poder inicial, após ter passado pelas fases de organização e fortalecimento próprios,
complementados pelo enfraquecimento do oponente, por meio de ações de guerrilha,
exatamente como proposto por Mao.
Portanto, após o estudo específico desses dois conflitos apresentados,
independente dos seus resultados finais, ficou evidente que ambos conduziram suas ações sob
forte influência da doutrina de guerrilha formulada por Mao Tsé-Tung, com a clara
estruturação de seus movimentos de acordo com o modelo de guerrilha revolucionária
proposto pelo líder chinês, o que comprova a sua aplicação na atualidade.
21

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