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DA CIDADE LETRADA
Prof. Dr. Denilson Lima Santos (UNILAB)
Profa. Dra. Liliam Ramos (UFRGS)
Prof. Dr. Rogério Mendes (UFRN)
Desse modo, portanto, a presente ideia do dossiê “Os saberes ausentes da cidade
letrada no Século XXI” retoma e rediscute a pertinência do estudo do uruguaio Ángel Rama,
A cidade e as letras (1985), no qual o crítico literário questiona a estratégia de ocupação e
hegemonia da elite intelectual responsável pela institucionalização de hierarquias culturais e
civilidade, desde os tempos coloniais, o que se pretende colocar em questão é a prevalência
da ideia no século XXI. A ideia consiste em investir na visibilidade de projetos críticos e
criativos a partir da América Latina formulados a partir de seus próprios anseios e sujeitos.
Vislumbra-se, como objetivo, por meio do aporte decolonial, reconhecer nas aproximações
estéticas e culturais entre as comunidades do Sul global a oportunidade de (re)pensar
epistemologias, sem mediações, a partir de suas próprias experiências históricas. De acordo
com Adélia Miglievich-Ribeiro há uma
Em seu livro El espejo enterrado (2016), balanço crítico dos 500 anos de presença
hispânica nas Américas, o escritor mexicano Carlos Fuentes apontava a existência de, pelo
menos, três hispanidades: uma primeira, peninsular; uma segunda, hispano-americana e, por
fim, uma terceira, estadunidense, referindo-se à crescente expansão linguística e cultural
hispânica no interior dos Estados Unidos da América. Nos dias atuais, observa-se a expansão
e a complexidade na dinâmica linguística e cultural das hispanidades e apresentam-se desafios
na legitimação e assentamento curricular das novas realidades. A região da tríplice fronteira
(Brasil, Argentina e Paraguai) apresenta expressão linguística híbrida: o portunhol salvaje, fusão
entre português e castelhano, reflexo das dinâmicas sócio-históricas da região que
repercutiram como projetos críticos e criativos em suas literaturas e precisam ser estudados
e compreendidos. Além dos contextos fronteiriços das Américas, pode-se citar o contexto
peninsular, na região de Gibraltar onde, pela aproximação geográfica entre Espanha e
Inglaterra, observa-se o andalunglish, ilanito/yanito, variações do spanglish, onde já se
desenvolvem as primeiras produções literárias e compreendidas como novos
desdobramentos dos estudos culturais, linguísticos e literários hispânicos.
O desafio em estabelecer uma proposta educativa que inclua os saberes ausentes nos
debates com pautas e formas de (re)pensar as humanidades, vêm tomando proporções
importantes no âmbito do conhecimento acadêmico. Em países com histórico de
colonização e, consequentemente, violências e apropriações, é cada vez mais urgente que as
universidades avaliem suas propostas curriculares e epistemológicas trazendo, ao debate,
formas outras de pensar a sociedade. Levando em conta o conceito de pedagogías decoloniales
No tecer das malhas escritas na América Latina, apresentamos a última seção deste
dossiê: NA PERIFERIA: SUJEITOS E FILOSOFIAS DISSIDENTES. Neste espaço,
começamos com o artigo: “O significado da comunidade-universo-Orum-Aiyé ou
comunidade-universo-natureza na filosofia africana do Ntu-Axé” de Basilele Malomalo. O
autor apresenta a filosofia de diversos povos africanos sobre os conceitos de Universo,
Natureza e Terra na formação e compreensão das ontologias e cosmogêneses africanas. De
modo semelhante, para as guerras culturais norte-americanas no continente africano,
Catherine Rea, no texto “Guerras culturais, fundamentalismo evangélico e neoliberalismo: a
situação das minorias sexuais em contextos africanos”, apresenta como o processo de
“politização da sexualidade” tem impetrado, por meio das leis, a homofobia na África. Em
continuidade, o artigo “Poesia e lócus fraturado: a produção de autoria feminina e a
contemporaneidade”, de Raíra Costa Maia de Vasconcelos, suscita um estudo relevante sobre
a poética feminina de autoras de Angola, do Brasil e de Moçambique. E por último, mas não
menos importante, Adriana Kerchner da Silva e Jéssica de Souza Pozzi apresentam, em
“Relatos orais, relatos sonhados: a marronagem de Juan Francisco Manzano e Maryse
Condé”, as narrativas dos sujeitos que foram escravizados como projetos de “pedagogias da
cimarronaje”.
O livro A cidade e as letras (1985), uma das principais obras da crítica cultural e literária
na América Latina, retoma a pertinência da tese que questiona a estratégia de ocupação e
hegemonia da elite intelectual responsável pela institucionalização de hierarquias culturais e
civilidade nos tempos coloniais. Assim como Rama, o que se quer promover com o dossiê,
além de compreender as bases intelectuais que forjaram compreensões avessas à ideia da
diversidade cultural e intelectual que constitui a América Latina, é promover a visibilidade,
reconhecimento e expansão de saberes distintos de uma matriz de tradição colonial que se
perpetua como cultura nos centros de difusão de conhecimento e currículos escolares.
Apresentar-se como ‘fissura’ do “não reconhecimento” ou da “não admissão” que destaca e
valoriza livres expressões de representação é compreendida pela proposta como avanço
legítimo e democrático dos saberes latino-americanos como inteligentsia “periférica” e como
patrimônio individual e coletivo por meio da literatura.
REFERÊNCIAS
GAUVIN, Lise. Des littératures de l'intranquillité. In: Intercâmbio: Revue d'études françaises.
Porto: 2016, 2 série, vol. 9. p. 27-33. Disponível em:
<http://ler.letras.up.pt/site/default.aspx?qry=id05id1184&sum=si>. Acesso em: 23 jun.
2020.
RAMA, Angel. A Cidade das Letras. Trad. Emir Sader. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula de. Epistemologias do Sul. São Paulo:
Cortez, 2010.
Liliam Ramos
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
E-mail: liliamramos@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1963-5917
Rogério Mendes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
E-mail: roger.mendes1977@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5296-7588