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John Locke (1632-1704)

Uma das questões mais antigas que a filosofia tenta responder é


"Qual a fonte do conhecimento humano?". Como podemos saber se Deus
existe, que dois mais dois são quatro ou que o céu é azul? Será que já
nascemos com algumas informações a respeito do mundo?
A moderna biologia genética nos diz apenas que possuímos uma
história, inscrita em nossos genes, que irão determinar algumas predisposições
para desenvolvermos certas doenças hereditárias, tendências sexuais e
comportamentais ou mesmo o gosto por sorvete de chocolate.
Mas aquilo que somos depende de uma combinação de fatores
genéticos com o ambiente em que fomos criados. Seríamos, portanto, o
resultado das escolhas que fizemos segundo as imposições de nosso
patrimônio genético e das oportunidades que temos na vida.
Mesmo assim, a ciência contemporânea ainda não responde às
perguntas a respeito de como conhecemos as coisas e como podemos estar
seguros de possuir um entendimento verdadeiro. Filósofos
como Platão (428/27-347 a.C.), Santo Agostinho (354-430),
e Descartes (1596-1650) acreditavam na doutrina das ideias inatas,
ou inatismo, que sustenta que o homem nasce com determinadas crenças
verdadeiras.
Segundo eles, a alma humana teria uma espécie de repositório de
informações conferidas por Deus, e isso validaria as certezas sobre as coisas
do mundo. Platão, no diálogo Fédon, diz que conhecer é recordar-se daquilo
que nossas almas imortais, que habitavam o Mundo das Ideias, já sabiam, mas
que ao nascer nos esquecemos.
Contra essa doutrina, John Locke (1632-1704), um dos mais
importantes filósofos ingleses modernos, escreveu um livro chamado Ensaio
Acerca do Entendimento Humano (1690), que inaugurou a escola chamada
Empirismo Britânico. Na época, Locke foi muito influenciado pela ciência
moderna, baseada em observações.
Tábula rasa

Para Locke, o princípio do inatismo, além de não provar nada, é


completamente desnecessário para uma teoria do conhecimento. Se realmente
nossas almas imortais compartilhassem um mesmo estoque de informações,
por que todos não teríamos as mesmas concepções científicas de mundo, por
exemplo? Por que os europeus desenvolveram a ciência, enquanto índios que
habitavam as Américas, não?
Segundo Locke, Deus nos conferiu apenas as faculdades para que
pudéssemos adquirir conhecimento, dentro de certos limites. Contrariando o
inatismo, ele afirma que, ao nascermos, somos como uma folha em branco -
"tábula rasa", diziam os empiristas - que é escrita na medida em que vivemos e
temos experiência de mundo:
"Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em
branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer ideias; como ela é
suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada
fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde
apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo,
numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado,
e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento." (1978, I, II, ii).
Basicamente é isso que o empirismo sustenta: contrapondo-se ao
racionalismo, que privilegia a razão como fonte segura do conhecimento, esta
escola enfatiza o papel da experiência. Junto com Locke, fazem parte do
empirismo britânico os filósofos George Berkeley (1685-1753), David
Hume (1711-1776) e John Stuart Mill (1806-1873).
Mas isso não quer dizer que, para Locke, a razão não tem
nenhuma função no processo cognitivo e que apenas aprendemos por meio
das sensações. Seria um absurdo dizer isso, porque equivaleria a dizer que um
matemático, para saber que um triângulo possui três lados, teria que encontrar
um triângulo andando de metrô ou vagando pelo bosque.
Limites do conhecimento nas ideias

O que Locke diz é que somente a experiência nos fornece as ideias


que habitam nossos pensamentos. Em outras palavras, que o conhecimento
tem um início externo, fora do homem.
Ideias, segundo o filósofo inglês, são os objetos do conhecimento,
isto é, a matéria da qual o conhecimento é formado. Elas são percebidas pelos
sentidos, mas é o entendimento que confere o, por assim dizer, acabamento.
Todo conhecimento, portanto, está fundamentado na experiência,
que nos fornece as ideias que constituem tudo aquilo que podemos saber
sobre o mundo. As fontes dessas ideias, diz Locke, são duas:

Sensação, ou sentido externo: é a percepção de objetos


sensíveis e particulares, como o gosto de uma maçã, a sensação de
uma xícara quente de café, o som da voz de nossa mãe ou a visão de
um pôr do sol.

Reflexão ou sentido interno: é a percepção da operação de


nossas mentes com as ideias já ali depositadas pela sensação,
derivando as dúvidas, crenças, vontades e o conhecimento
propriamente dito.

É somente com o segundo estágio, da reflexão, que


atingimos o entendimento das coisas; mas, sem as janelas abertas para
a luz vinda da experiência, nossa mente permanece como um quarto
escuro. Os limites do que podemos conhecer, desse modo, são as
ideias. Não podemos ir além delas.

Locke ainda divide as ideias em:


Simples: são as que nos chegam misturadas num objeto,
mas que podem ser separadas pelos diferentes sentidos pelos quais as
recebemos: a textura lisa, o aroma perfumado, o gosto doce, a
consistência firme e a cor vermelha são ideias simples que podemos
distinguir da maçã.

Complexas: quando nossa mente é preenchida dessas


ideias simples, podemos formar, combinando-as, ideias complexas,
como, por exemplo, homem, beleza, maçã ou universo.

Boa parte do Ensaio Acerca do Entendimento Humano é


dedicado ao exame dessas ideias simples e complexas que são a base
de todo entendimento, o que permite a Locke propor resoluções para
importantes problemas filosóficos envolvendo conceitos como espaço,
tempo, infinidade, substância, Deus, liberdade e poder.

Graus de conhecimento: 

Em resumo, diz Locke: "Conhecimento consiste na


percepção do acordo ou desacordo de duas ideias. Parece-me,
pois, que o conhecimento nada mais é do que a percepção da
conexão e acordo, ou desacordo e rejeição, de quaisquer de
nossas ideais." (1978, IV, I, ii).

Por exemplo, quando sabemos que branco não é preto, ao


perceber que ambas as ideias ("branco" e "preto") estão em desacordo;
ou que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois retos, ao
perceber a igualdade entre eles.

Em relação à clareza e certeza dessas afirmações, Locke


classifica os graus de conhecimento em três:

 Intuitivo: é aquele em que a mente percebe o acordo ou


desacordo entre duas ideias imediatamente, sem a necessidade de
outras ideias. Por exemplo, quando percebo que o branco não é
preto, o quadrado não é triângulo ou 1+1=2. É o tipo mais seguro e
claro de conhecimento humano.
 Demonstrativo: é quando a mente necessita de ideias
subsidiárias para perceber o acordo ou desacordo entre outras
duas ideias - são as chamadas provas. Para saber, por exemplo,
que três ângulos de um triângulo são iguais a dois ângulos retos,
preciso verificar essas medidas.
 Sensível: é a percepção que temos de objetos particulares
externos através dos sentidos. Apesar de Locke incluir este terceiro
tipo entre os graus de conhecimento, mesmo sendo o menos claro
e seguro dos três anteriores, o filósofo diz que o raciocínio que não
for intuitivo ou demonstrativo é artigo de fé ou de opinião, não
conhecimento propriamente dito.

Com base em sua classificação dos tipos de conhecimento,


Locke diz que as certezas provenientes da matemática e a moral são
indubitáveis e evidentes, pois são alcançáveis pelo raciocínio com ideias
presentes na mente humana, enquanto as ciências empíricas, como a física,
que necessitam de uma verificação e confronto com a realidade sensível,
não configuram verdades universais. A teoria do conhecimento lockeana
influenciou os filósofos iluministas, Kant e os positivistas lógicos, entre
outros.

Conforme o texto responda:

1) por que John Locke pode ser classificado entre os empiristas?

2) qual é a crítica que Locke dirige aos filósofos inatistas (racionalistas)?

3) quais são as duas fontes das nossas ideias segundo Locke? São
sensação e reflexão

4) quais são os três graus do conhecimento? São eles intuitivo,


demonstrativo e sensível.

5) o que é conhecimento segundo Locke?

Conhecimento consiste na percepção do acordo ou desacordo de duas


ideias. Parece-me, pois, que o conhecimento nada mais é do que a
percepção da conexão e acordo, ou desacordo e rejeição, de quaisquer
de nossas ideais.

6) o que significa dizer que a mente é uma tábula rasa?

7) qual a diferença entre ideias simples e complexas? As simples são as


que nos chegam misturadas num objeto, mas que podem ser separadas
pelos diferentes sentidos pelos quais as recebemos. Já as complexas
são quando nossa mente é preenchida dessas ideias simples, podemos
formar, combinando-as, ideias complexas.

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