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O Grande Arcano

         O grande arcano, o arcano indizível, o arcano perigoso, o arcano incompreensível, pode ser formulado
definitivamente assim:

            É a divindade do homem.

            É indizível porque, desde que se quer dizê-lo, sua expressão é uma mentira e a mais monstruosa das
mentiras.

            De fato, o homem não é Deus. Contudo, a mais ousada, a mais obscura e, ao mesmo tempo, a mais
esplêndida das religiões nos diz para adorarmos o homem-Deus.

            Jesus Cristo que ela declara verdadeiro homem, homem completo, homem finito, homem mortal como
nós, é, ao mesmo tempo, completamente Deus e a teologia ousa proclamar a comunicação dos idiomas, isto é,
a adoração dirigida à carne. A Eternidade afirmada quando se trata daquele que morre, a impassibilidade
daquele que sofre, a imensidade daquele que se transfigura, o finito tomando a virtualidade do infinito, o Deus
homem, enfim, que oferece a todos os homens faze-os Deus.

            A serpente dissera: erit sicut dii. Jesus Cristo, esmagando a cabeça da serpente sob o pé encantador de
sua mãe, ousa dizer: Eritis nos sicut dii, non sicut Deus sed eritis Deus!

            Sereis Deus, porque Deus é meu pai, meu pai e eu somos um e quero que vós e eu sejamos um: Ut
omnes unum sint sicut ego et pater unum sumus.

            Envelheci e embranqueci-me nos livros mais desconhecidos e mais terríveis do ocultismo. Meus
cabelos caíram, minha barba cresceu como a dos sacerdotes do deserto; procurei e encontrei a chave dos
símbolos de Zoroastro; penetrei nas criptas de Manes, surpreendi o segredo de Hermes, esquecendo de
roubar-me uma ponta do véu que esconde eternamente a grande obra. Seu o que é a esfinge colossal que,
lentamente, penetrou na areia, contemplando as pirâmides. Penetrei nos enigmas dos Brâmanes. Seu que
mistérios Shimeon bem Jochai enterrava consigo diante doze anos na areia. As clavículas perdidas de
Salomão me apareceram resplandecentes de luz e li correntemente nos livros que o próprio Mefistófeles não
sabia traduzir a Fausto. Pois bem, em nenhum lugar, nem na Pérsia, nem na Índia, nem entre os palimpsestos
do antigo Egito, nem nos grimórios malditos subtraídos às fogueiras da Idade Média, encontrei um livro mais
profundo, mais revelador, mais luminoso nos seus mistérios, mais espantoso nas suas revelações esplendidas,
mais certo nas suas profecias, mais profundo perscrutador dos abismos do homem e das trevas imensas de
Deus,m maior, mais verdadeiro, mais simples, mais terrível e mais doce que o evangelho de Jesus Cristo.

            Que livro foi mais lido, mais adquirido, mais caluniado, mais desfigurado, mais glorificado, mais
atormentado e mais ignorado que este? É como um mel na boca dos sábios e como um veneno violento nas
entranhas do mundo: a revolução o realiza querendo combatê-lo; Proudhon se estorce para vomitá-lo; é
invencível como a verdade é inseqüestrável como a mentira. Dizer que Dês é um homem, que blasfêmia, ó
Israel! E vós, cristão, que loucura! Dizer que o homem pode fazer-se Deus, que paradoxo abominável! À cruz
o profanador do arcano, ao fogo os iniciadores, Christianos ad Leonem!

            Os cristãos aniquilaram os leões e o mundo inteiro, conquistado pelo martírio das trevas do grande
arcano, achou-se às apalpadelas como Édipo diante da solução do ultimo problema: o do
homem-Deus.

            O homem-Deus é uma verdade, exclamou então uma voz, porem deve ser único na terra côo no céu. O
homem-Deus, o infalível, o onipotente, é o papa; e embaixo desta proclamação que foi escrita e repetida sob
todas as formas, podemos dizer nomes entre os quais figura Alexandre Borgia.

            O homem-Deus é o homem livre, disse depois a reforma, cujo grito que quiseram abafar na boca dos
protestantes terminou pelo rugido da revolução. A palavra terrível do enigma tinha sido
pronunciada, porém se tornava um enigma mais formidável ainda.

            Que é a verdade? – dissera Pilatos, condenando Jesus Cristo. Que é a liberdade? –
dizem os Pilatos modernos, lavando as mãos no sangue das nações.

            Perguntai aos revolucionários, desde Mirabeau até Garibaldi, o que é a liberdade e eles nunca
chegarão a se entender.

            Para Robespierre e Marat é uma machadinha adaptada a um nível, para Garibaldi é uma camisa
vermelha e um sabre.

            Para os ideólogos é a declaração dos direitos do homem; porém de que homem se trata, se o homem
das galés é suprimido porque a sociedade o prende?

            Tem direitos o homem simplesmente porque é homem ou somente quando é justo?

            A liberdade para as profanas multidões é a afirmação absoluta do direito, o direito parecendo sempre
trazer consigo o constrangimento e a servidão.

            Se a liberdade é somente o direito de fazer o bem, ela se confunde com o dever e não se distingue mais
da virtude.

            Tudo o que o mundo viu e experimentou até agora não nos dá a solução do problema estabelecido pela
magia e pelo evangelho: o grande arcano do homem-Deus.

            O homem-Deus não tem direitos nem deveres; tem a ciência, a vontade e o poder.

            É mais que livre, é senhor. Não manda, obriga a fazer; não obedece, porque ninguém pode lhe ordenar
coisa alguma. O que outros chamavam de dever, ele denomina seu prazer. Faz o bem porque o quer e não
poderia querer outra coisa, coopera livremente com toda justiça e o sacrifício é para ele o luxo da vida moral e
a magnificência do coração. É implacável para o mal, porque não tem ódio ao malvado. Considera como um
benefício o castigo reparador e não compreende a vingança.

            Tal é o homem que soube chegar ao ponto central do equilíbrio e podemos, sem blasfemar e sem fazer
loucura, chamá-lo de homem-Deus, porque sua alma se identificou com o princípio eterno da verdade de da
justiça.

            A liberdade do homem perfeito é a própria lei divina; ela paira acima de todas as leis humanas e
obrigações convencionais dos cultos. A lei é feita para o homem, dizia Jesus Cristo, e não o homem
para alei. O filho do homem é o senhor do sábado, isto é, a prescrição de observar o sábado, imposta por
Moisés sob pena de morta, só obriga o homem enquanto isto lhe pode ser útil porque é, de
modo definitivo, o soberano senhor. Tudo me é permitido, dizia São Paulo, porém tudo não é conveniente, o
que quer dizer queremos o direito de fazer tudo o que não prejudica a nós nem aos outros e que a nossa
liberdade só é limitada pelas advertências da nossa consciência e da nossa razão.

            O homem sábio nunca tem escrúpulos, age razoavelmente e só faz o que quer.,  é assim que, na sua
esfera, pode tudo e é impecável. Qui natus est ex Deo non peccat, diz São Paulo, porque os
seus erros, sendo involuntários, não lhe podem ser imputados.

            É para esta soberana independência que a alma deve adiantar-se através das dificuldades do progresso.
É este verdadeiramente o grande arcano do ocultismo, porque é assim que se realiza a promessa misteriosa da
serpente: sereis como deuses conhecendo o bem e o mal.

            É assim que a serpente edênica se transfigura e se torna a serpente de bronze curadora de todas as
feridas da humanidade. O próprio Jesus Cristo foi comparado pelos padres da Igreja a esta
serpente, porque, dizem eles, tomou a forma de pecado para mudar a abundancia de iniqüidade em
superabundância de justiça.

            Aqui falamos sem rodeios e mostramos a verdade sem véus e, contudo, não tememos que nos acusem
com razão de sermos revelador temerário. Aqueles que não devem compreender estas paginas não a
compreenderão, porque para os olhos muito fracos a verdade que mostramos faz um eu com a sua luz e se
esconde no brilho de seu próprio esplendor.

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