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TÓPICO 4: MODELO “KEYNESIANO” SIMPLES P/ ECONOMIAS

ABERTAS

Roteiro:
1. Introdução
2. Função consumo em economias abertas
3. Função importações
4. Função exportações
5. Função exportações líquidas
6. Função demanda agregada para economias abertas
7. Determinação do equilíbrio entre produção e demanda agregada
8. O multiplicador em economias abertas e fechadas
9. Determinação do saldo em transações correntes
10.Determinação simultânea da produção e do saldo em transações correntes
11.Exercícios de estática comparativa
12.Política econômica
13.Efeito transbordamento e efeito repercussão
14.Investimento e poupança em economias abertas
15.Solução matemática do modelo
16.Conclusão

1. Introdução

 Contexto histórico: até a Grande Depressão dos anos 30, a combinação de li-
vre comércio com padrão-ouro era prescrita pela teoria neoclássica como o
sistema ideal para obter a máxima eficiência com o equilíbrio do balanço de
pagamentos (embora na prática não houvesse livre comércio);
 Acreditava-se que a prática de protecionismo e de mudanças na taxa de
câmbio não afetava os níveis de produção, renda real e emprego;
 Tais conclusões dependiam crucialmente da validade, mesmo no curto
prazo, das hipóteses de:
 Plena flexibilidade de preços e salários → pleno emprego;
 Teoria quantitativa da moeda: quantidade de moeda só afeta o nível de
preços e outras variáveis nominais, mas não a produção, renda real,
emprego e outras variáveis reais;
 Arbitragem perfeita no comércio internacional → hipótese de paridade
de poder de compra (PPC).
 Crise de 30 → alto desemprego por longo período; regime de padrão-ouro
limita muito a possibilidade de usar as políticas expansionistas para recuperar
o nível de emprego (veremos depois este ponto quando tratarmos da opera-
ção do regime de câmbio fixo no próximo tópico);

1
 Vários países colocam em prática “políticas que prejudicam o vizinho”
(beggar-thy-neighbour);
 Abandono do padrão-ouro por vários países e “desvalorizações compe-
titivas”;
 Protecionismo generalizado; fechamento abrupto das economias naci-
onais; aprofundamento da depressão.
 Síntese neoclássico-keynesiana:
 Substitui hipótese de plena flexibilidade de preços e salários pela hipótese
de rigidez de preços (fixprice) e/ou salários enquanto houver desemprego
e/ou capacidade ociosa (curto prazo);
 Com preços (internos e externos) exógenos, mudanças na taxa de câm-
bio nominal produzem mudanças na taxa de câmbio real na mesma di-
reção; o governo portanto controla a taxa de câmbio real através do
controle da taxa de câmbio nominal (não vale a hipótese de Paridade
de Poder de Compra no prazo do modelo).
 Versão para economias abertas com câmbio fixo, flutuante administrado,
etc..
 O modelo a seguir não se aplica ao regime de câmbio flutuante puro.
 A condição de Marshall-Lerner é suposta como obedecida.
 Admite-se que o país em análise é “pequeno”, ou seja, que a produção na-
cional é pequena em relação ao resto do mundo, de modo que variações
de oferta e demanda dentro do país não afetam os preços internacionais
dos produtos.

2. Função Consumo em Economias Abertas

 Vimos que em economias fechadas o principal determinante do consumo real


agregado C é a renda pessoal disponível real (RPD):
 C = C + cRPD,
 C = consumo autônomo (todos os outros fatores);
 c = propensão marginal a consumir (0 < c < 1);

 O mesmo continua a ser verdade em economias abertas. Como vimos, porém,


em economias abertas, RPD = Q – T + R – RLE,
 Q = produção = PIB real = renda real;
 T = arrecadação real de impostos;
 R são as transferências reais do governo para o setor privado (aposentado-
rias do INSS, bolsa-família, montante de juros da dívida pública, seguro-
desemprego, etc.);
 RLE é a renda líquida enviada ao exterior (juros da dívida externa, divi-
dendos pagos pelas multinacionais, etc.).

2
 A única diferença em relação ao caso da economia fechada é que, agora, a
RLE afeta a RPD e, portanto, o consumo C:
 Se ↑RLE→↓RPD→↓C;
 Se ↓RLE→↑RPD→↑C.

 Matematicamente, substituindo: C = C + cRPD = C + c(Q –T+ R –RLE)


 Lembrando que T = tQ, resulta:
 C = C + c[Q(1–t) + R – RLE] = C + cQ(1–t) + c( R – RLE)

3. Função Importações (M)

 Determinantes das importações (bens e serviços):


 Taxa de câmbio real : vimos que quando a taxa de câmbio real se desva-
loriza, os produtos nacionais ganham competitividade em relação aos es-
trangeiros; e vice-versa (suposição: condição de Marshall-Lerner válida).
 Portanto, quanto mais desvalorizada a taxa de câmbio real (maior ),
menores as importações M, e quanto mais valorizada a taxa de câmbio
real (menor ), maiores as importações M.

 Nível de produção/renda real interna (PIB): quando maior o PIB, maior o


tamanho do mercado nacional; portanto, maiores as importações; e vice-
versa;
 ↑Q→↑M; e vice-versa: ↓Q→↓M;

 Outros fatores:
 Grau de protecionismo do país em análise em relação aos produtos do
resto do mundo: > protecionismo, < importações; e vice-versa;
 Comportamento dos preços (em dólar) dos produtos importados
(Pm*);
 Etc..

 Síntese matemática: M = M + mQ – s0,


 m > 0 = propensão marginal a importar;
 s0 > 0 = parâmetro que mede a sensibilidade das importações aos pre-
ços relativos, isto é, à taxa de câmbio real;
 M = importações autônomas, isto é, que não dependem nem de Q, nem
de ; engloba todos os demais fatores (protecionismo, preço das im-
portações em US$, etc.)
• Quanto maior o protecionismo interno, menor M ; e vice-versa.

4. Função Exportações (X)

3
 Determinantes das exportações (bens e serviços):

 Taxa de câmbio real : quando a taxa de câmbio real se desvaloriza, os


produtos nacionais ganham competitividade em relação aos estrangeiros;
e vice-versa (condição de Marshall-Lerner suposta válida).
 Portanto, quanto mais desvalorizada a taxa de câmbio real (maior ),
maiores as exportações X, e quanto mais valorizada a taxa de câmbio
real (menor ), menores as exportações X.
 Nível de demanda (= produção real) externa: quando maior a produ-
ção/demanda externa, maior a demanda dos outros países pelos produtos
nacionais; portanto, maiores nossas exportações para eles; e vice-versa;
 Seja Q* = produção/renda/PIB real do resto do mundo:
• ↑Q*→↑X; e vice-versa: ↓Q*→↓X;

 Outros fatores:
 Grau de protecionismo do resto do mundo em relação aos produtos na-
cionais: > protecionismo externo, < exportações; e vice-versa;
 Comportamento de preços (em dólar) dos produtos de exportação
(Px*);
 Etc..

 Síntese matemática: X = X + xQ* + s1,


 x > 0 = parâmetro que mede a propensão do resto do mundo a importar
produtos domésticos;
 s1 > 0 = parâmetro que mede a sensibilidade das exportações aos pre-
ços relativos, isto é, à taxa de câmbio real;
 X = exportações autônomas, isto é, que não dependem nem de Q*,
nem de ; engloba todos os demais fatores (protecionismo externo,
comportamento dos preços de exportação em US$, etc.)
• Quanto maior o protecionismo externo, menor X ; e vice-versa.

5. Função exportações líquidas

 Para efeito de simplificação, ao invés de lidar com funções exportações e im-


portações separadamente, os manuais recorrem a uma função que une ambas,
qual seja, a chamada função exportações líquidas (ou seja, exportações me-
nos importações de bens e serviços).

 Seja XM = X – M as exportações líquidas. Temos então que:

 XM = X – M = X + xQ* + s1 M + mQ – s0

4
 Arrumando:

 XM = X  M + (s0 + s1) + xQ*  mQ

 Para simplificar, façamos:


 s = s0 + s1, onde s representa a sensibilidade das exportações líquidas a
variações da taxa de câmbio real; e
 XM = X  M , onde XM = “exportações líquidas autônomas”;

 Resulta: XM = XM + s + xQ*  mQ

 Perceba que as exportações líquidas autônomas XM aumentam quando X


aumenta e/ou quando M diminui (e vice-versa). Assim, XM aumenta quan-
do:
 Diminui o protecionismo externo;
 Aumenta o protecionismo doméstico;
 Melhoram os “termos de troca” = ↑(Px*/Pm*);
 Outros fatores que aumentam X ou reduzem M ;
 E vice-versa.

6. Função de Demanda Agregada (DA) para Economias Abertas


 Agrega as funções até agora estudadas:

D = C + I + G + X – M = C + I + G + XM;

 Substituindo:

D = C + c(1 − t)Q + c(R − RLE) + I̅ + G + XM + xQ∗ + sθ − mQ

 Para simplificar, façamos A = C + I̅ + G, onde A = “absorção doméstica


autônoma”.

 Resulta: D = A + XM + [c(1 − t) − m]Q + c(R − RLE) + xQ∗ + sθ

5
 Representação gráfica:
D Função Demanda
Agregada (DA)

Coeficiente angular = c(1-t)-m



A + XM + c(R − RLE) + xQ + sθ

Q
o
Obs: Como 0 < c(1-t) – m < 1, ângulo < 45 .
 Perceba que RLE, Q*, x, s e XM afetam o coeficiente linear da função de
demanda agregada, enquanto a propensão marginal a importar m afeta sua
inclinação ou coeficiente angular;
 A presença de m > 0 faz com que a função de demanda agregada em econo-
mias abertas seja menos inclinada do que em economias fechadas.

 Modificações no coeficiente angular fazem a função girar:


D
DA1(↑c;↓t;↓m)

DA0(c0;t0;m0)
DA2(↓c;↑t;↑m)

Q
 Modificações no coeficiente linear deslocam a função paralelamente:

6
D
DA1(↑C;↑ R;↑ I;̅ ↑G;↑↑ XM;↓RLE;↑Q*)

DA0

DA2(↓C;↓R;↓I;̅ ↓G;↓↓ XM;↑RLE; ↓Q*)

Q
 Obs.: mudanças em c, x e s também deslocam a curva paralelamente.

7. Determinação do Equilíbrio entre Produção e Demanda

 Lembrando: dado o nível de preços, aumentos da demanda geram quedas dos


estoques de produtos acabados abaixo do nível ótimo e, portanto, incentivam
as empresas a aumentarem a produção até equiparar-se com demanda; e vice-
versa.
 Em equilíbrio, produção/renda real (Q) = demanda agregada real (D);

 Podemos agora juntar a equação de demanda agregada com a condição de


equilíbrio D = Q derivada da decisão de produção para encontrar a solução
matemática e gráfica do modelo:

 Representação gráfica do equilíbrio:


D=Q
D
DA

D0

45o
Q0 Qp Q
 Aumentarão os níveis de produção, renda real e emprego os fatores econômi-
cos que aumentam o coeficiente linear (deslocando a função DA para cima e
para a esquerda) ou o coeficiente angular (fazendo a função DA girar no sen-
tido anti-horário) da função de demanda agregada, e os diminuirão os que re-
duzem tais coeficientes (fazendo a função DA deslocar-se paralelamente para
baixo e para a direita e/ou fazendo-a girar no sentido horário).

7
 Matematicamente:

 D = A + XM + [c(1 − t) − m]Q + c(R − RLE) + xQ∗ + sθ


 D = Q (condição de equilíbrio)

 Substituindo Q no lugar de D na primeira equação, resulta:

Q = A + XM + [c(1 − t) − m]Q + c(R − RLE) + xQ∗ + sθ

 Resolvendo esta equação para Q, encontramos o nível de produção real (ou


PIB real) de equilíbrio do modelo:

A + XM + c(R − RLE) + xQ∗ + sθ


Q=
1 − c(1 − t) + m

 Obs.: fórmula só é válida se Q  Qp (produto potencial).

 Assim:
 Aumentam os níveis de produção/renda/PIB real (Q) e de emprego:
 Política fiscal expansionista: ↑G e/ou ↓t e/ou ↑R;
 Choques favoráveis de demanda: ↑C e/ou ↑I;̅
 ↑c, ↑x e ↓m;
 Depreciações/desvalorizações da taxa de câmbio real (↑;
 ↑XM: Aumento do protecionismo interno, redução do protecionismo
externo, melhoria dos termos de troca (↑Px*/Pm*), etc.;
 Aumento da produção/demanda/renda do resto do mundo (↑Q*);
 ↓RLE (provocada, por exemplo, por uma redução das taxas de juros no
resto do mundo);
 Diminuem os níveis de produção/renda/PIB real (Q) e de emprego:
 Política fiscal contracionista: ↓G e/ou ↑t e/ou ↓R;
 Choques desfavoráveis de demanda: ↓C e/ou ↓I;̅
 ↓c, ↓x e ↑m;
 Apreciações/valorizações reais da taxa de câmbio (↓;
 ↓XM: Redução do protecionismo interno (“abertura comercial”), au-
mento do protecionismo externo, piora dos termos de troca
(↓Px*/Pm*);
 Redução da demanda/produção/renda do resto do mundo (↓Q*);
 ↑RLE (provocada, por exemplo, por uma elevação nas remessas de lu-
cros das filiais das multinacionais residentes no país para sua matriz no
exterior);

8
Cadeia lógica para determinação do nível de produção e emprego no mode-
lo “keynesiano” simples para economias abertas:

c RLE
t
Efeito multiplicador
R→C
P dado
→I→DA→E→Q,N

G (-)

→ XM
 em
8. O Multiplicador QAbertas e Fechadas
Economias

 Os multiplicadores em economias abertas (A) e fechadas (F) são obtidos


mediante:
1 1
α = ;α =
1 − c(1 − t) + m 1 − c(1 − t)

 É fácil perceber matematicamente que A < F, pois a presença de m > 0 na


primeira equação faz com que seu denominador seja maior que o da outra
equação; assim, a primeira fração é menor que a segunda;

o Perceba o sentido econômico:


 Em uma economia fechada, o processo: ↑demanda →
↑produção/renda ↑RPD → ↑consumo → ↑demanda, etc. perma-
nece todo gerando renda e emprego no país;
 Em uma economia aberta, uma parcela (de tamanho proporcio-
nal a m) do aumento da produção/renda “vaza” para o exterior
na forma de importações de produtos acabados, intermediários e
matérias-primas;

o Consequência importante: políticas destinadas a elevar os níveis de


produção, renda real e emprego mediante elevação da demanda (por
exemplo, políticas fiscais expansionistas) precisam de dosagens mais
altas em economias abertas do que em fechadas, já que o efeito multi-
plicador nas primeiras é mais fraco do que nas segundas.
 A seguir, porém, veremos que tais políticas podem se tornar in-
viáveis sob certas circunstâncias, por comprometerem o equilí-
brio externo da economia.

9
9. Determinação do Saldo em Transações Correntes

 Tudo o que aumenta as exportações ou diminui as importações e o RLE au-


menta o saldo em transações correntes, e vice-versa.
Cadeia lógica para determinação do saldo em transações correntes no mo-
delo “keynesiano” simples para economias abertas:

 Q*

? → Q → M → STC

RLE
 Ou (versão + sintética):

 Q*

? → Q → (XM) → STC

RLE

 Primeira questão: qual é o impacto de variações do nível de atividade interna


Q sobre o saldo em transações correntes?

 Um aumento no nível de atividade tende a reduzir o superavit ou aumentar


o deficit do saldo em transações correntes; e vice-versa;

 Quando o nível de produção/renda real interno Q é relativamente baixo, as


importações M tendem a ser relativamente pequenas em relação às exporta-
ções X, de modo que tende a haver superavit em transações correntes (STC =
X – M – RLE > 0);
 Coeteris paribus, um aumento do nível de produção/renda real interno Q
aumenta as importações M, mas não altera as exportações X nem a renda
líquida enviada ao exterior (RLE), suposta exógena; portanto, o aumento
do nível de produção/renda real tende a reduzir o saldo em transações cor-
rentes;
 Se o processo de aumento de Q continua, a partir de certo ponto (R, no
gráfico acima), o STC se torna igual a zero. Qualquer expansão adicional
conduzirá inevitavelmente a um deficit em transações correntes.

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 Matematicamente: STC = X – M – RLE, ou:

 STC = X + xQ* + s1M  mQ + s0RLE, ou, simplificando:

 STC = XM + xQ* – mQ + s – RLE.

 Graficamente:

STC

XM+xQ*+s–RLE Inclinação = -m

Função FSTC
Superavit
STC;
↑PII R
Deficit Q
STC;
↓PII
 Mudanças no coeficiente angular m (mudança de inclinação):

STC

↓m

↑m FSTC0 (m0)
Q

11
 Mudanças no coeficiente linear (deslocamentos paralelos)

STC

FSTC1 (↑XM;↑Q*;↑↓RLE)
FSTC0 (XM;Q*0;RLE0)

Q
FSTC2 (↓XM;↓Q*;↓↑RLE)
10.Determinação simultânea da produção e do saldo em transações corren-
tes

 A partir dos gráficos acima, ainda não é possível determinar o STC, já que
para tal é preciso antes determinar Q. É preciso para tanto sobrepor os dois
gráficos:

D
D=Q
DA0
D0

45o
Q0 Qp Q
STC

STC0
Q0 Q
Função FSTC0
 Ou, em termos lógicos, sobrepor as duas cadeias:

12
Cadeia lógica para determinação simultânea do nível de produção e do sal-
do em transações correntes no modelo “keynesiano” simples para economi-
as abertas:
FUNÇÃO DA FUNÇÃO FSTC
c RLE (deslocamento = efeito direto)
t
Efeito multiplicador
R→C Q*
P dado Efeito indireto
→I→DA→E→Q (XM) STC

G RLE

→ XM
  Q

11.Exercícios de estática comparativa

 Conclusão: qualquer fator que desloque apenas a função de demanda agre-


gada de forma a elevar o volume de demanda/produção/emprego provoca
uma redução do saldo em transações correntes; e vice-versa. Exemplo:
D
D=Q
1 DA1(↑G)
DA0(G0)
0

45o
Q0 Q1 Qp Q
STC

STC0 0

STC1 Q0 Q1 Q
1
FSTC0
 A política fiscal expansionista promove a elevação da demanda agregada, a
qual implica ampliação das vendas e queda dos estoques abaixo do nível

13
ideal. Visando recompor estoques, as empresas ampliarão seus níveis de
produção, contratando mais trabalhadores e aumentando o nível de emprego.
 O aumento da produção ocasiona o da renda real, que se refletirá na
ampliação da renda pessoal disponível e, por consequência, do consumo
(efeito multiplicador), que retroalimentará o efeito inicial sobre a demanda
agregada, vendas, estoques, produto e novamente renda real de forma
sucessiva e intensidade decrescente, até atingir o produto de equilíbrio final
superior ao inicial1.
 A política fiscal expansionista não produz efeito direto sobre o Saldo em
Transações Correntes. Contudo, ocorre o efeito indireto, pois a elevação do
produto (decorrente do processo descrito parágrafo anterior) acarreta
ampliação das importações e, portanto, redução do Saldo em Transações
Correntes.
 Portanto, quando ocorrem variações nas componentes domésticas do gasto
autônomo – consumo autônomo, investimento autônomo, política fiscal ex-
pansionista - o STC é afetado apenas indiretamente (efeito indireto), através
do impacto que as mudanças no PIB real (Q) causam nas importações.

 Mas há exceções → alguns fatores deslocam, além da função DA, também a


própria função FSTC, ou seja, causam, além do efeito indireto, também um
efeito direto sobre o STC (posto que afetam diretamente X e/ou M e/ou
RLE):
 Taxa de câmbio real ;
 PIB real do resto do mundo Q*;
 Exportações líquidas autônomas XM;
 Renda líquida enviada ao exterior RLE;
 Propensão marginal a importar m;
 Além de outros parâmetros como x e s.

 Tais fatores podem elevar os níveis de produção, renda real e emprego e, si-
multaneamente, melhorar o saldo em transações correntes; e vice-versa.

1
Lembrar que em economias abertas o multiplicador é menor do que em fechadas devido ao vazamento
adicional das importações no circuito renda-gasto.

14
 Exemplo:

D
1 DA1(↑)
0 DA0(0)

45o
Q0 Q1 Qp Q
STC

STC1 1
STC0 0
Q0 Q1 Q

FSTC0 (0) FSTC1(↑)


 Ao baratear os produtos nacionais no exterior e no país em relação aos
estrangeiros, a desvalorização cambial promove aumento das exportações e
queda das importações. Tal processo desencadeia a elevação da demanda
agregada, a qual implica ampliação das vendas e queda dos estoques abaixo
do nível ideal. Visando recompor estoques, as empresas ampliarão seus
níveis de produção, contratando mais trabalhadores e aumentando o nível de
emprego.
 O aumento da produção ocasiona o da renda real, que se refletirá na
ampliação da renda pessoal disponível e, por consequência, do consumo
(efeito multiplicador), que retroalimentará o efeito inicial sobre a demanda
agregada, vendas, estoques, produto e novamente renda real de forma
sucessiva e intensidade decrescente, até atingir o produto de equilíbrio final
superior ao inicial.
 A desvalorização cambial promove dois efeitos sobre o Saldo em Transações
Correntes: 1) o efeito direto, mediante o qual a elevação das exportações e a
queda das importações operam conjuntamente no sentido de elevar o referido
saldo; e 2) o efeito indireto, mediante o qual a elevação do produto

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(decorrente do processo descrito no parágrafo anterior) acarreta ampliação
das importações e, portanto, redução do Saldo em Transações Correntes.
 Como o efeito direto é mais forte que o indireto, resulta uma melhoria no
Saldo em Transações Correntes.

 Observação importante: todos os fatores que deslocam ambas as funções


fazem com que o deslocamento da função FSTC seja maior que o desloca-
mento da função DA. Portanto, ao desenhar o gráfico, precisamos desenhar o
deslocamento da FSTC maior do que o da DA.
 O deslocamento é maior porque o efeito direto das mudanças nestas vari-
áveis sobre o STC é maior que o efeito indireto delas;
 Para entender porque o efeito direto é maior que o indireto, basta per-
ceber que a demanda agregada tem outros componentes além das ex-
portações e importações, que não são afetados quando estas mudam.
Assim, por exemplo, um crescimento do PIB do resto do mundo, que
provoca crescimento das exportações do país, tem um impacto mais
forte sobre o STC do que sobre a demanda agregada; assim, o efeito
direito (e positivo) sobre o STC é mais forte do que o efeito indireto
sobre o STC decorrente do aumento da demanda agregada, produção
e importações.

Quadro-resumo dos efeitos de mudanças nos principais parâmetros do mo-


delo “keynesiano” simples para economias abertas

Mudança Produção e emprego STC


Política fiscal expansio- Diminui pelo efeito indi-
Aumentam
nista (↑G,↑R,↓t) reto
Choque de demanda des- Aumenta pelo efeito indi-
Diminuem
favorável (↓C, I,̅ c) reto
Aumenta (efeito direto
Desvalorização cambial
Aumentam positivo > efeito indireto
real (↑)
negativo)
↑XM: aumento do prote-
cionismo interno e/ou re- Aumentam (efeito direto
dução do protecionismo Aumentam positivo > efeito indireto
externo e/ou melhora dos negativo)
termos de troca, etc.;
Diminui (efeito direto
Recessão no resto do
Diminuem negativo > efeito indireto
mundo (↓Q*)
positivo)
Diminui (efeito direto
Aumento da RLE Diminuem negativo > efeito indireto
positivo)

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 E vice-versa.
12.Política Econômica
 Ideal de política econômica → obter simultaneamente:
D Função demanda
D0 agregada (DA)

Equilíbrio interno
D = Q = Qp

45o Equilíbrio interno e


Qp Q externo simultâneos
STC
Função FSTC

Equilíbrio externo
STC = 0
STC0 = 0 Q
Qp

 Equilíbrio interno: pleno emprego sem pressão inflacionária e com orça-


mento equilibrado (a pleno emprego) → economia sob a reta Qp (produ-
ção potencial);
 Equilíbrio externo: no ponto Qp deve haver equilíbrio em transações cor-
rentes (STC = 0), pois em caso contrário:
 Se permanentemente STC < 0 → PII < 0 → PII cada vez mais baixo
(país cada vez mais endividado) → eventualmente os credores se recu-
sarão a emprestar ou aplicar dinheiro no país por considerá-lo muito
arriscado → haverá então uma crise cambial (incapacidade de manu-
tenção da taxa de câmbio em seus níveis anteriores devido ao esgota-
mento de reservas internacionais);
 Se permanentemente STC > 0 → PII > 0 → PII cada vez mais positi-
vo (país cada vez mais credor); segundo a teoria ortodoxa, haveria um
desequilíbrio também porque o país estaria acumulando recursos que
poderia usar para aumentar seu bem-estar interno;
 Poderia ainda haver pressão política dos países que se consideras-
sem prejudicados.

 Mas cuidado:

17
 Vimos em Macro 2 que não era possível, simplesmente verificando se um
país tinha deficit ou superavit no orçamento do governo, afirmar se a polí-
tica fiscal estava sendo excessivamente contracionista ou expansionista;
era preciso verificar se a reta orçamentária cruzava o eixo X no ponto Qp;
 Do mesmo modo, a simples observação do nível do STC (superavitário ou
deficitário) em qualquer nível de produção não torna possível afirmar se o
país está em seu equilíbrio interno e externo de longo prazo (e portanto se
sua taxa de câmbio real está em equilíbrio de longo prazo);
 Portanto, o critério correto é para fazer tal avaliação é:
 Quando a função FSTC corta o eixo X no ponto Qp há equilíbrio externo
de longo prazo → a taxa de câmbio real encontra-se exatamente em seu
valor de equilíbrio externo de longo prazo (dados os valores dos demais
parâmetros da função);
 Quando a função FSTC corta o eixo X abaixo do ponto Qp há desequilí-
brio externo de longo prazo (STC seria < 0 no ponto Qp) → a taxa de
câmbio real encontra-se abaixo de seu nível de equilíbrio de longo prazo
(excessivamente valorizada);
 Quando a função FSTC corta o eixo X acima do ponto Qp há desequilí-
brio externo de longo prazo (STC seria > 0 no ponto Qp) → a taxa de
câmbio real encontra-se acima de seu nível de equilíbrio de longo prazo
(excessivamente desvalorizada).
 Neste modelo, portanto, apenas por coincidência as funções estarão perfei-
tamente alinhadas de forma a gerar este equilíbrio simultâneo. Não há neste
modelo nenhum mecanismo automático de mercado que garanta o equilíbrio
do STC (e portanto da taxa de câmbio real) em seus níveis de longo prazo2.

2
Tais mecanismos automáticos de mercado, porém, estão presentes em modelos mais avançados.

18
 Por exemplo, na situação do gráfico abaixo as economias enfrentam ao mes-
mo tempo desemprego (desequilíbrio interno) e deficit em transações corren-
tes (desequilíbrio externo).
D D=Q

DA0

45o
Q0 Qp Q
STC

Q0 Qp Q
STC0
FSTC0
 Como reequilibrar a economia tanto interna quanto externamente?
 Políticas expansionistas (por exemplo, fiscais) podem elevar os níveis de
produção/ renda real até Qp, mas elevam as importações e portanto o de-
ficit em transações correntes → maior desequilíbrio externo.
 Dilema: O uso de políticas expansionistas para reequilibrar a economia
internamente pode desequilibrá-la externamente, e vice-versa.
 Solução: combinar políticas expansionistas com outras políticas que des-
loquem também a posição da função FSTC3. No caso do gráfico, por
exemplo:
 Desvalorizar a taxa de câmbio nominal → com preços fixos, gera des-
valorização real da taxa de câmbio real ( e ganho de competitividade
dos produtos nacionais em relação aos estrangeiros, aumentando as
exportações e diminuindo as importações, ao favorecer sua substitui-
ção pelos produtos nacionais mais baratos;
 Aumentar o protecionismo (o que aumenta XM ), isto é, erigir barrei-
ras tarifárias e/ou não tarifárias às importações – o que promove a
substituição de importações pela produção nacional;

3
Essas políticas costumam ser chamadas de “políticas de mudança de composição da demanda”.

19
 Reduzir da renda líquida enviada ao exterior (RLE), mediante limita-
ção dos dividendos remetidos pelas multinacionais e/ou moratória;
 “Esperar” que o PIB real do resto do mundo Q* cresça o suficiente.
 Obs.: tais políticas também deslocam a função de demanda agregada para
cima; portanto, a política expansionista deve ser menos expansiva que no
caso da economia fechada (ou, talvez, até precise ser contracionista!), se-
não levará a economia para além de Qp.

D
DA1(G ou↓G)
DA0(G0; 0)

45o
Q0 Qp Q
STC

STC1 Q
Q0 Qp
STC0 FSTC1()
FSTC0(0)

 É interessante pensar sempre primeiro na política que ajusta o STC via


deslocamento da função FSTC, verificando-se o impacto sobre o nível de
produção; se este ainda ficar aquém de Qp, será necessário usar uma polí-
tica expansionista para fazer Q = Qp; caso contrário, uma política contra-
cionista deverá ser empregada.

13.Efeito transbordamento e efeito repercussão

 Efeito Transbordamento:
 Política macroeconômica expansionista (monetária e/ou fiscal) em um pa-
ís aumenta sua renda aumentam suas importações aumentam as ex-
portações dos parceiros comerciais  efeito expansionista sobre a renda
desses parceiros; e vice-versa;
 Ex. 1: O governo dos EUA faz uma política monetária expansionista
 a economia (renda, produção, emprego) estadunidense se expande

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 aumentam as importações estadunidenses de seus parceiros comer-
ciais  aumentam as exportações brasileiras para os EUA  aumenta
a demanda pelos produtos nacionais  caem estoques  aumentam
produção, renda e emprego no Brasil  efeito multiplicador  nova
queda de estoques  etc...
 Interdependência  difícil circunscrever efeitos das políticas; mas ou-
tras políticas podem ser colocadas em prática para reverter este efeito!

 Efeito Repercussão:
 Consequência do efeito transbordamento; volta dos efeitos (em menor es-
cala) para o país que originou o efeito transbordamento;
 Ex. 1: a expansão da economia brasileira aumenta as importações  au-
mentam as exportações dos EUA para o Brasil a economia dos EUA se
aquece mais, e assim sucessivamente.

14.Investimento e poupança em economias abertas

 Tal como em economias fechadas, no curto prazo admite-se que sejam as va-
riações do investimento total que causem variações da poupança total.
 A poupança total inclui agora, além da poupança privada e a do governo,
também a externa:

I + Ig = Sp + Sg + Se

Aplicando-se a essa identidade as definições:


Sp = RPD – C = Q – T + R – RLE – C
Sg = T – R – Cg
Se = – STC = – (X – M – RLE) = M + RLE – X

Temos:
I + Ig = Q – T + R – RLE – C + T – R – Cg + M + RLE – X
I + Ig = Q – C – Cg – X + M
Q = C + Cg + I + Ig + X – M

Como Cg + Ig = G:
Q=C+I+G+X–M

 Assim, dizer que I determina S é o mesmo que dizer que C + I + G + X – M


determina Q;
 Isto quer dizer que, quando I aumenta, S também aumenta, pois
↑I→↑Q→S:
 Sp aumenta, pois Sp = Q – T + R – RLE – C, e quando ↑Q→↑Sp;
 Sg aumenta, pois Sg = T – R – Cg, e quando ↑Q→↑T;

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 Se aumenta, pois se = M – X + RLE, e quando ↑Q→↑M.
 A poupança não exerce nenhum papel no curto prazo4, ela é completamente
determinada por variações do investimento. Este, como em economia fecha-
da, “financia-se a si mesmo” em termos macroeconômicos.

15.Solução matemática

 Dados:
 C = 10; I =20; Cg = 10; Ig = 10 (portanto G = 20); XM = -5; c = 0,75; R
= 10; RLE = 10; t = 0,25; m = 0,1; x = 0,1; Q* = 100; s = 2;  = 10.

 1o passo: calcular
C  I  G  XM  c(R  RLE)  xQ * s
 Qeq =
1  c(1  t )  m
50  5  0,75(10  10)  0,1 *100  2 *10 75
 = =  139,53;
1  0,75(1  0,25)  0,1 0,5375

 2o passo: usar Qeq para calcular STC:


 STC = XM + xQ* – mQ + s – RLE = –5 + 0,1*100 – 0,1*139,53 +2*10
– 10  + 1,047 (superavit em transações correntes → PII aumentando).

 É possível ainda calcular os componentes da poupança:


 Se = – STC  – 1,047;
 Sg = T – R – Cg = tQ – R – Cg = 0,25*139,53 – 10 – 10  14,8825;
 Sp = Q – T + R – RLE – C = 139,53 – 0,25*139,53 + 10 – 10 – 10 –
0,75*(10–10) – 0,75*(1-0,25)*139,53  +16,16;
 S = Se + Sp + Sg = –1,047 +14,8825 +16,16  30 ( = I + Ig)

16.Conclusão

 Principais limitações:
 Preços ausentes da análise; em particular, suposição de que os preços não
se alteram em resposta a uma alteração da taxa de câmbio nominal é im-
plausível;
 Função investimento excessivamente simples;
 Ausência de taxa de juros/política monetária;
 Ausência de tratamento da conta financeira e, consequentemente, do seu
impacto sobre as reservas internacionais;
 Não se aplica ao caso do regime de câmbio flutuante puro.
o Algumas destas limitações serão sanadas nos próximos tópicos.

4
Vale ressaltar que na visão heterodoxa isso sempre seria verdade, mesmo no longo prazo.

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 Outras limitações apontadas por heterodoxos:
 Hipótese de que um superavit em STC seja uma situação de desequilíbrio in-
sustentável muito questionável: países superavitários não parecem interessa-
dos em reduzir seus superavits;
 A economia mundial seria marcada então por uma assimetria: países têm
incentivos para evitar deficits, mas não superavits em STC;
 Ocorre, porém, que o mundo como um todo é uma economia fechada, de
modo que é impossível que todos os países em conjunto tenham superavit
ou deficit em STC;
 Na soma dos países, STC = 0 (o superavit de um país implica necessaria-
mente um deficit em outro);
 Assim, com todos os países colocando em prática políticas para reduzir
seus deficits e nenhum para reduzir superavits:
 A economia mundial apresentará um viés recessivo, se os países defi-
citários tentarem evitar deficits em STC mediante políticas contracio-
nistas (já que os superavitários não tentam colocar políticas expansio-
nistas em prática para reduzir seus superavits); ou
 Se os países deficitários tentarem reduzir os deficits em STC mediante
desvalorizações cambiais e/ou aumento do protecionismo doméstico,
enquanto os superavitários tentarem evitar a redução de seus superavits
em STC através da retaliação de tais políticas, então a economia mun-
dial apresentará uma tendência a desenvolver políticas mercantilis-
tas, que causam “prejuízos aos vizinhos” (beggar thy neighbour).
 Keynes fez propostas de política econômica que visavam criar me-
canismos para eliminar este viés, obrigando os países a reduzirem
seus superavits.
 União de Compensação Internacional → banco central mundial
reciclaria tais superavits, emprestando-os automaticamente aos
deficitários5.

5
Para maiores detalhes, vide o penúltimo capítulo do texto original de Keynes em Szmrecsányi, T. (org.) John
Maynard Keynes. Coleção Grandes Cientistas Sociais, vol. 6. São Paulo: Ática, 1978.

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