Você está na página 1de 6

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Introdução - o céu é o limite des, que têm suas imagens recentemente


1
Felipe Damasio e Sabrina Moro obtidas reproduzidas na Fig. 2.

E
Villela Pacheco2 m 1609, o holandês chamado Hans Em comemoração aos 400 anos do
Instituto Federal de Educação, Ciência Lippershey inventou um instru- início dessa revolução, 2009 foi declarado
e Tecnologia de Santa Catarina, mento com o qual um italiano fez pela UNESCO como o Ano Internacional
Araranguá, SC, Brasil registros sobre suas observações do céu da Astronomia.
noturno naquele mesmo ano. Este italiano Os telescópios, que evoluíram muito
1
E-mail: felipedamasio@ifsc.edu.br era Galileu Galilei e o instrumento, o teles- desde a época de Lippershey e Galileu, per-
2
E-mail: sabrinap@ifsc.edu.br cópio. A revolução na nossa visão do Uni- mitiram-nos que descobríssemos fatos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ verso, da qual estas inimagináveis quando
observações fizeram Com a invenção do telescópio, começaram as obser-
parte, estava em ple- em 1609, Galileu Galilei iniciou vações dos céus com
no desenvolvimento. uma revolução na nossa visão eles, há quatro séculos.
Antes de Galileu, do universo. Em comemoração Hoje temos grandes
participaram dela Ni- aos 400 anos do início dessa telescópios e telescó-
colau Copérnico, revolução, 2009 foi declarado pios espaciais que nos
Giordano Bruno e pela UNESCO como o Ano permitem obter novas
outros corajosos Internacional da Astronomia informações sobre o
pensadores que desa- Universo quase que
fiaram o conhecimento até então estabe- diariamente, tais como o descobrimento
lecido, além de contemporâneos de Gali- de planetas gigantes e gasosos e até de
leu, como Kepler e outros, culminando em outros de tamanho comparável com o da
uma nova geração de cientistas que Terra, de quasares e é claro dos buracos
herdaria as contribuições de todos estes negros. Parte deste conhecimento que
gigantes, como Isaac Newton. Como re-
sultado desta revolução, nosso planeta foi
deslocado do centro do Universo.
Primeiro, foi para uma órbita que girava
em torno deste centro onde estaria o Sol;
depois, para uma região que orbitava uma
estrela na periferia de uma entre mais de
cem bilhões de galáxias; a Terra transfor-
mava-se assim em quase nada em um
lugar remoto. Ao longo de uma caminha-
da de quase quinhentos anos, deixamos
de ver o Universo de uma posição ego-
cêntrica para adotarmos uma visão muito
O presente trabalho aborda um dos assuntos modesta de nosso lugar no Universo.
científicos que mais desperta a curiosidade e Uma das contribuições das observa-
interesse do público: os buracos negros. Este ções de Galileu para esta revolução foi
artigo pretende oferecer uma alternativa que quando ele apontou o seu telescópio para
envolva seus aspectos históricos em uma lin- Júpiter (representado na Fig. 1 junto com
guagem sem artifícios matemáticos. A abor-
um de seus satélites). Ele percebeu que,
dagem começa com os primeiros registros de
proposta de buracos negros indo até os quasa-
ao redor deste planeta, giravam outros
res, a radiação Hawking e a possibilidade de se corpos celestes. Eram quatro estes objetos,
recuperar informações de dentro de um buraco os quais hoje são conhecidos como luas Figura 1 - Representação de Júpiter junto
negro. galileanas: Io, Calisto, Europa e Ganime- com o seu satélite Io.

30 Buracos nem tão negros assim Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009


duas primeiras edições de seu livro O
Sistema do Mundo. Nas edições seguintes,
no entanto, deixou de fora esta proposta.
Isso aconteceu muito provavelmente de-
vido à bem sucedida experiência do inglês
Thomas Young, na qual ele demonstrou
o caráter ondulatório da luz, e a teoria
segundo a qual a luz era formada de partí-
culas, caiu em descrédito.
A ideia de que a luz pode ter sua traje-
tória alterada por um campo gravitacio-
nal teria que esperar até o século XX e por
Albert Einstein. Mais precisamente pelo ano
Figura 2 - Luas galileanas: os quatro primeiros satélites de Júpiter observados da de 1915 e a publicação da teoria da
Terra. relatividade geral, em que uma de suas pre-
visões era a de que a luz deveria sofrer
temos através dos telescópios, do qual pensar que, uma vez a luz sendo formada desvios ao se aproximar de campos gravi-
vamos tratar a partir de agora, foi possível de partículas, estas partículas seriam atraí- tacionais intensos, como o provocado pelo
graças àqueles pioneiros do século XVII; das por um campo gravitacional. Neste Sol. A suposta comprovação desta hipó-
vamos nos ater aos buracos negros. Estes caso, a luz teria que ter uma velocidade tese deu fama mundial a Einstein e contou
objetos despertam curiosidade até mesmo mínima para “fugir” de um determinado com a valorosa contribuição de brasileiros
em pessoas sem nenhum tipo de interesse campo gravitacional como todos os outros quando, em 1919, fotografias tiradas em
em temas científicos. A visão popular des- corpos - tal velocidade é conhecida como um eclipse solar visível com nitidez na ci-
tes corpos celestes é de que eles seriam um velocidade de escape. Por exemplo, a dade cearense de Sobral, teriam compro-
sorvedouro insaciável de matéria que al- velocidade de escape da Terra é de 11 km/ vado as ideias do cientista alemão.
gum dia poderia tragar a todo o Universo. s; assim, se alguém sacar uma bola de vôlei Apenas um ano depois da publicação
Esta “má fama” dos buracos negros não na vertical com uma velocidade superior a da teoria da relatividade geral, em pleno
é de toda merecida, e sua versão popular este valor é melhor comprar outra, pois a front da I Guerra Mundial, Karl Schwarz-
não inclui as novas descobertas a seu res- que foi sacada não volta mais. schild, poucos meses antes de morrer, uti-
peito, ocorridas nas últimas décadas, que No século XVII, o cientista Roemer de- lizou a recém publicada teoria da relati-
serão nossos temas principais. monstrou que a luz viaja a uma velocidade vidade geral para obter algumas soluções
finita. O valor a que ele chegou foi o de matemáticas. Estas soluções apontam
As idéias pioneiras 225.000 km/s (longe dos 300.000 km/s para uma peculiar consequência, que pode
Podemos dizer que as primeiras espe- aceitos atualmente), e seu mérito foi de nos ser hoje apontada como os buracos ne-
culações sobre buracos negros remontam avisar que a luz viaja a velocidade finita, gros. Inicialmente este resultado matemá-
há mais de dois séculos, como parte de possibilitando-nos prever alguns fenômenos tico obtido por Schwarzschild não con-
uma das maiores controvérsias da história interessantes. Um destes diz respeito a cor- vencia o próprio Einstein; pare ele, a solu-
da ciência, que, por incrível que pareça, pos extremamente maciços e densos. Se ção obtida não tinha uma realidade física.
não está até hoje bem esclarecida: a luz é existisse no Universo um objeto celeste em Em 1939, o norte-americano Robert
onda ou partícula? Com o advento da me- que sua densidade provocasse uma velo- Oppenheimer usou a teoria da relatividade
cânica quântica, sabemos que a natureza cidade de escape maior que a da luz, seria geral para descrever o que aconteceria com
da luz é uma complementaridade entre impossível que ela saísse da atração a luz em um campo gravitacional intenso
onda e partícula - tal gravitacional deste o suficiente para provocar seu desvio. Se
situação é conhecida Schwarzschild utilizou a recém objeto. Se ele fosse não houvesse corpo celeste algum que ge-
como dualidade onda- publicada teoria da relatividade uma estrela, a luz ge- rasse tal campo, a luz seguiria sua traje-
partícula. No entanto, geral para obter algumas rada voltaria a ela, tória normalmente. Quando passasse
muito antes de qual- soluções matemáticas que devido à velocidade da perto de uma estrela de densidade com-
quer especulação so- apontam para uma peculiar luz ser menor que a parável com a do Sol, seria pouco desvia-
bre a natureza quân- consequência, que pode ser velocidade de escape da. Ao passar por uma estrela bem mais
tica, em 1704, New- hoje apontada como os buracos do campo gravita- densa que o Sol, a luz seria encurvada em
ton publicou seu cé- negros. Inicialmente este cional desta estrela. Se direção à estrela. Quando a densidade da
lebre livro intitulado resultado não convencia o olhássemos da Terra estrela fosse suficiente, a trajetória da luz
Optiks, onde sugere próprio Einstein; pare ele, a para esta região, não seria tão perturbada em direção à estrela
que a luz seja forma- solução obtida não tinha uma veríamos ali uma es- que ela não conseguiria mais escapar deste
da de partículas, cujo realidade física trela, pois toda a luz campo gravitacional, ficando desta forma
movimento poderia gerada por ela não “aprisionada” dentro dele ao atravessar
ser explicado pela mecânica newtoniana. chegaria até nós; veríamos apenas uma uma espécie de fronteira. Este limite de
Nem todo mundo concordava com New- região negra no espaço e poderíamos até aproximação de um corpo celeste antes
ton em relação à luz ser formada por par- imaginar que nada existiria por lá. de ser “sugado” para dentro é conhecido
tículas, como já havia deixado registrado, A primeira descrição explícita de tal como horizonte de eventos, termo cunhado
ainda no século XVII, o holandês Chris- proposta pode ser creditada a John em 1950 pelo austríaco Wolfgang Rindler.
tian Huygens. Para ele, a luz seria uma Michell, em um artigo publicado em Como, de acordo com a teoria da rela-
onda da mesma forma que o som. 1783. O marquês de Laplace, de maneira tividade, nada pode viajar mais rápido que
Na proposta de Newton, seria justo independente, descreveu tal fenômeno nas a luz, para nenhum corpo existia a possi-

Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009 Buracos nem tão negros assim 31


bilidade de fugir deste tipo de campo gravi- começa a haver um desequilíbrio entre as sete vezes a massa do Sol e seu horizonte
tacional; tudo que passasse pela vizinhan- duas forças. de eventos é da ordem de 1 km.
ça da estrela, seria tragado para dentro O destino da estrela depende de dois Mas existe outro tipo de buraco negro
por seu incrível poder de curvar o espaço- fatores: de sua massa e se ela faz parte ou muitíssimo mais maciço que os estelares.
tempo. Este termo inclui o tempo no espa- não de um sistema binário ou múltiplo, Este tipo de buraco negro é observado ape-
ço, pois de acordo com a teoria da relati- do qual em torno de 60% das estrelas nas de maneira indireta e acredita-se que
vidade restrita de Einstein, publicada em fazem parte. Quando isto ocorre, o fim esteja no centro de galáxias - são os bura-
1905, existem quatro dimensões, três de uma estrela depende, além da sua mas- cos negros supermaciços. Uma galáxia em
espaciais e uma temporal. Como nada po- sa inicial, também da distância de sepa- cujo centro se acredita que exista um bu-
deria sair de dentro do campo gravi- ração entre as estrelas do sistema binário raco negro supermaciço está representada
tacional, quando a região em questão ou múltiplo. Quando a estrela não faz na Fig. 4. Trata-se da galáxia NGC 4261,
fosse observada da Terra, nós veríamos parte de um sistema desta natureza, seu e o buraco negro central deve ter uma
apenas um espaço escuro, sem termos a destino só depende de sua massa inicial, massa equivalente a meio bilhão de mas-
possibilidade de saber que por lá existe conforme mostra a Fig. 3. Se a massa sas solares.
uma estrela supermaciça. inicial da estrela estiver entre 0,8 e 10 ve- O processo de formação do buraco
O termo buraco negro só seria cunhado zes a massa do nosso Sol (massa solar), negro supermaciço é alvo de contro-
em 1969 pelo norte-americano John quando o combustível diminui até um vérsia, mas existem três versões que são
Wheeler. Muito se aprendeu sobre estes ponto crítico, a estrela se expandirá na for- as mais fortes candidatas a fornecer a
objetos celestes desde o artigo de Michell, ma de uma super gigante ejetando grande explicação de sua origem. Em uma delas,
inclusive que eles são mais comuns do que parte de sua massa em uma nebulosa pla- eles seriam tão velhos quanto as mais
os pioneiros em sua proposta de existência netária, e o que restará é conhecido como antigas galáxias: teriam sido formados
poderiam imaginar. Recentemente, um anã branca. O final deste tipo de estrela a partir do colapso de uma enorme
satélite mapeou uma pequena região do tem massa na ordem de 0,6 massas sola- quantidade de matéria formando o centro
céu e identificou nesta pequena região res e raio em torno de 10.000 km. Este das galáxias. Em outra explicação
mais de 1.500 candidatos a buracos ne- será o fim de nosso Sol, mas não se preo- possível, estes buracos negros teriam sido
gros. cupe: isto ocorrerá só daqui a uns cinco formados com uma massa muito menor
bilhões de anos. Quando a massa inicial que a obser vada atualmente, mas
A origem dos buracos negros da estrela for de 10 a 25 massas solares, tiveram sua massa aumentada à medida
Obviamente nem todos os buracos após o seu hidrogênio diminuir até o que foram “capturando” poeira e estrelas
negros são iguais, mas podem ser dividi- ponto crítico, a estrela explodirá em uma através de seu intenso campo gravi-
dos em dois grupos, dependendo de sua supernova. O que ficará no seu lugar é tacional. Ainda existe a possibilidade de
origem e massa: os buracos negros este- chamado de estrela de nêutrons, que tem terem sido formados quando duas galá-
lares - com massas de até sete vezes a mas- massa de aproximadamente 1,4 vezes a xias se fundiram, e os buracos negros no
sa do nosso Sol - e os supermaciços, que massa do Sol e raio na ordem de 20 km. centro destas galáxias - com massa bem
se acredita hoje estarem no centro de galá- Finalmente, quando a massa da estrela menor que os supermaciços - também
xias e possuírem massa na ordem de mi- inicial for maior que 25 vezes a massa do se fundiram dando origem a este tipo de
lhões de vezes a massa do Sol. Sol, após explodir em uma supernova, o buraco negro.
Para entender a origem dos buracos que restará no lugar da estrela é um
negros estelares, temos que retornar à buraco negro. Este tipo de buraco negro é Mesmo que Einstein duvidasse
década de 1930. No fim desta década, o conhecido como estrelar, pois tem em sua De maneira fria, podemos chamar os
alemão Hans Bethe propôs um possível origem uma estrela muito maciça. Este buracos negros de uma previsão da teoria
mecanismo para a grande quantidade de tipo de buraco negro tem massa de até da relatividade geral, onde a massa de um
energia liberada pelo Sol e outras estrelas
- tal proposta hoje é conhecida como fusão
nuclear. A grosso modo, consistiria na
fusão de átomos menores (como os de hi-
drogênio) em átomos maiores (como os
de hélio). Como resultado desta fusão,
seria liberada a energia que recebemos do
Sol e das outras estrelas todos os dias. Na
maior parte da vida da estrela, o seu
combustível é o hidrogênio, mas um dia
o “reservatório” de hidrogênio diminui de
modo que inviabiliza este tipo de meca-
nismo a continuar funcionando da
mesma maneira, e um fim trágico espera
pela estrela. As estrelas se mantêm estáveis
durante um bom tempo, apesar de toda a
sua massa tender a se colapsar devido à
atração gravitacional. Este colapso só não
ocorre porque a energia liberada pelas
reações de fusão equilibra a força gravi-
tacional. Porém, quando o nível de hidro-
gênio diminui além de um limite mínimo, Figura 3 - Evolução final das estrelas de acordo com sua massa inicial.

32 Buracos nem tão negros assim Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009


muitíssimo parecidas para campos gravi- buraco negro. O que você acha que mu-
tacionais como o que o Sol provoca na daria na órbita da Terra? A resposta é:
Terra. Se você quiser prever a trajetória absolutamente nada!! Para corpos que não
da Terra não faz muita diferença usar uma estejam muito próximos do horizonte de
teoria ou outra. Mas, quanto mais perto eventos de um buraco negro, ele se com-
do Sol, maiores são as diferenças entre as porta como qualquer outro corpo de mes-
teorias, devido ao campo gravitacional ser ma massa. Ele deformará o espaço-tempo,
mais intenso. Quanto mais intenso for um modificando a trajetória dos corpos que
campo gravitacional, maiores serão as se movam neste espaço-tempo por ele
diferenças entre as previsões das duas teo- modificado, mas pouco importa para os
rias. É o caso da órbita errante de Mercú- corpos que o orbitam. Se quem provoca
rio. A teoria de Newton não a prevê e não a curvatura do espaço-tempo é um bu-
fornece uma explicação consistente com raco negro ou uma estrela de mesma mas-
a realidade física para esta característica sa, não faz a menor diferença para a traje-
da órbita do planeta mais próximo do Sol. tória do corpo orbitante. Há mudança, no
Figura 4 - Galáxia NGC 4261. No entanto, tal órbita está em total acordo entanto, se este corpo resolver se aproxi-
com a teoria da relatividade geral. Esta mar do buraco negro ultrapassando seu
corpo (uma estrela, por exemplo) colapsa diferença entre as teorias fica cada vez horizonte de eventos. No caso da Terra
até se concentrar em um único ponto. Este maior à medida que se aumenta o campo virar um buraco negro, a trajetória da Lua
ponto tem densidade infinita e é chamado gravitacional. continuaria a mesma no espaço-tempo
de singularidade do espaço-tempo, onde Nas proximidades de um buraco ne- curvado pela massa da Terra. No entanto,
as leis da física que conhecemos não têm gro, o campo gravitacional é tão forte que para a Terra virar este buraco negro, ela
validade, incluindo-se nesta lista a própria não é possível dispensar o uso da teoria teria que ser comprimida até um raio da
relatividade geral. Sob certo ponto de vista, da relatividade geral. De acordo com ela, ordem de dois centímetros, algo pouco
podemos dizer que a teoria de Einstein quando mais intenso for um campo provável que aconteça com você aqui para
continha as sementes de sua própria gravitacional, menor será o intervalo de se preocupar com isto.
destruição ao prever tempo medido por
um fenômeno que quem sente este cam- Nem tudo está perdido, só
A crença popular de que
não podia explicar. po intenso em relação mesmo a aposta de Hawking
buracos negros são insaciáveis,
Talvez isso possa nos sugando tudo que está em seu à outra pessoa que Stephen Hawking é o cientista inglês
fazer entender o mo- entorno não passa de crença sente um campo de que hoje ocupa a mesma cátedra da Uni-
tivo que levou Eins- popular. Imagine por um menor intensidade. versidade de Cambrigde que já teve ocu-
tein a desacreditar na instante que o Sol fosse Isto causa algumas pantes ilustres como Isaac Newton e Paul
existência física da comprimido até virar um consequências muito Dirac. Algumas pessoas só conhecem
singularidade. No en- buraco negro. O que você acha estranhas. Stephen devido a sua moléstia, diagnos-
tanto, hoje grande que mudaria na órbita da Imagine que você ticada em 1962, a esclerose lateral amio-
parte da comunidade Terra? A resposta é: e seu irmão gêmeo es- trófica, que lhe dava inicialmente uma
científica acredita que absolutamente nada!! tivessem passeando expectativa de vida de dois anos. Sua dis-
ela deva existir, con- em uma nave espacial função confere-lhe uma aparência pecu-
forme a previsão da teoria da relatividade a uma distância segura do horizonte de liar que está reproduzida na Fig. 5.
geral. eventos de um buraco negro. Continue Os trabalhos de Hawking contribuí-
De acordo com Einstein, a gravidade imaginando que você convidou seu irmão ram enormemente para nossa maior
não é mais uma força misteriosa causada para ir dar uma “olhadinha” no horizonte compreensão do Universo. Em 1974 ele
por uma massa, capaz de influenciar de eventos sem ultrapassá-lo. Porém, ele
objetos distantes através do espaço, como preferiu dar uma soneca, e você se apro-
na teoria de Newton. Para Einstein, a ximou sozinho do horizonte, enquanto
gravidade é apenas uma consequência das seu irmão ficou afastado dele, dentro da
características do espaço-tempo. Uma nave. De acordo com a relatividade geral,
massa pode “deformar” o espaço-tempo quanto mais próximo do horizonte de
provocando sua curvatura. Existe uma eventos (com o consequente aumento do
espécie de “princípio da preguiça cósmica”, campo gravitacional), mais devagar o
no qual os corpos sempre procuram mo- tempo passa para você em relação ao seu
vimentar-se seguindo a menor distância irmão. Quando você voltar, terão se
entre dois pontos. Se não existe nenhuma passado apenas algumas horas no seu
massa para encurvar o espaço-tempo, este relógio mecânico e biológico, mas para seu
caminho seria uma linha reta. Mas, irmão, o tempo (biológico e de um relógio)
quanto maior for a massa de um corpo, terá sido de séculos; ele estará morto há
mais ele deformará o espaço-tempo e mais centenas de anos e você apenas algumas
curvo será este menor caminho entre dois horas mais velho.
pontos. Eis o mistério da gravidade: para A crença popular de que buracos ne-
Einstein, é tudo uma questão de preguiça gros são insaciáveis, sugando tudo que
dos corpos em seguir o menor caminho está em seu entorno não passa de crença
no espaço-tempo curvo. popular mesmo. Imagine por um instante
As previsões de Newton e Einstein são que o Sol fosse comprimido até virar um Figura 5 - Stephen Hawking.

Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009 Buracos nem tão negros assim 33


surpreendeu a si e ao mundo quando apli- John Preskill. Hawking e Thorne venceriam orientações. No livro, o cientista explicava
cou a mecânica quântica no estudo dos bu- a aposta se toda a informação que atra- o que acontecia com uma pessoa ao cair
racos negros. Sua conclusão foi que eles vessasse o horizonte de eventos de um dentro do buraco negro. Se a pessoa esti-
“evaporavam” emitindo partículas elemen- buraco negro estivesse perdida para todo o vesse na horizontal, os pés estariam mais
tares, e esta evaporação ocorreria até pos- sempre, e a vitória seria de Preskill se de próximos do buraco negro que a cabeça.
sivelmente eles desaparecerem. Para chegar alguma forma houvesse a possibilidade de Como o campo gravitacional nesta região
a esta conclusão, Hawking usou o conceito recuperar uma informação de dentro do é gigante, esta pequena diferença de distân-
de vácuo quântico: para a mecânica buraco negro. A aposta teve que esperar cia seria suficiente para atrair os pés com
quântica, o vácuo (temperatura de zero sete anos por um vencedor, que foi mais força que a cabeça, fazendo a pessoa
absoluto que equivale aproximadamente a anunciado por Hawking em uma con- ser esticada, “despedaçando-a” ao entrar no
-273 °C) tem uma energia residual que é ferência em 2004. O anúncio de Hawking buraco negro. No livro, o cientista explica
conhecida como energia de ponto zero. Este foi para declarar que havia perdido a aos garotos que, devido à radiação Hawk-
vácuo seria povoado com partículas aposta, e que era possível recuperar infor- ing, o buraco negro “evapora” tanto mais
virtuais, assim chamadas por serem for- mação de dentro de um buraco negro de- rápido quanto menor for a sua massa. Os
madas e aniquiladas vido às flutuações objetos que caíssem dentro do buraco ne-
aos pares tão rapi- quânticas. Hawking gro, explica o cientista à filha e ao seu cole-
Para que o evento da radiação
damente a ponto de fez uma grande desco- ga, são rearranjados na forma de partículas
Hawking possa ocorrer é
não poderem ser detec- berta, mas teve que e energia. Ao se examinar as partículas que
necessária grande quantidade
tadas. Este frenesi de admitir sua derrota na saem do buraco negro durante a sua eva-
de energia, que seria fornecida
criação e aniquilação aposta. Como bom poração, poder-se-ia reconstituir um objeto
pelo próprio buraco negro. Ao
de partículas no vácuo perdedor, ofereceu o que estava dentro dele.
ceder esta energia para
é conhecido como flu- prêmio a Preskill, uma De posse destas informações e do
separar as partículas virtuais, o
tuação quântica. enciclopédia de base- supercomputador, a filha do cosmólogo e
buraco negro diminui sua
Quando a criação des- ball, mas teve que pa- seu colega de escola resolvem resgatar o
energia até possivelmente
tas partículas ocorre gar a conta sozinho, desafortunado cientista de dentro do buraco
desaparecer
nas proximidades de pois Thorne se negou negro. Para tanto, o supercomputador
um buraco negro, o intenso campo gravi- a contribuir para o prêmio por não admitir capturou todas as partículas que saíram
tacional pode capturar uma das duas partí- que a conclusão de Hawking, de que é do buraco negro quando ele evaporava.
culas, deixando a outra livre e, desta forma, possível resgatar informações de dentro de Para reconstituir o pai da garota, a má-
constituindo-se em uma partícula real. Na um buraco negro, pudesse estar certa. No quina teve que “filtrar” as partículas que
visão de um observador distante (na Terra, entanto, não só Thorne discorda da con- eram oriundas do cientista. Tal reconsti-
por exemplo), o buraco negro está irradian- clusão de Hawking: uma boa parte da tuição deveria ser feita partícula por partí-
do esta partícula criada pela flutuação comunidade científica continua reticente cula. À medida que o buraco negro eva-
quântica. Esta radiação é conhecida como em aceitar tal posição. pora, sua massa diminui e a quantidade de
radiação Hawking. É interessante notar que radiação aumenta. Assim, o ritmo de re-
quanto maior a massa do buraco negro, Como resgatar alguém de um constituição da pessoa é aumentado à me-
menos radiação ele emite. No caso de mini- buraco negro dida que o tempo passa. Porém, a evapo-
buracos negros, a quantidade de radiação Uma fábula, proposta por Lucy ração do buraco negro pode levar bilhões e
Hawking seria enorme, sendo estes muito Hawking e seu famoso pai, ilustra como bilhões de anos, mas como o supercompu-
mais fáceis de serem detectados através de seria possível resgatar alguém de um bu- tador podia adiantar o tempo, assim ele o
sua irradiação. Voltaremos aos minibu- raco negro, já adiantando que se você esti- fez, filtrando entre todas as partículas emi-
racos negros mais adiante. vesse nesta situação precisaria de muita, tidas aquelas que eram originárias do cos-
Para que o evento da radiação Hawk- mas muita paciência. Vamos à história: um mólogo. Ao final, quando o buraco negro
ing possa ocorrer é necessária grande quan- cosmólogo construiu um supercomputa- evaporou por completo e o supercompu-
tidade de energia, que seria fornecida pelo dor que, entre muitas outras, teria a função tador capturou todas as partículas que ele
próprio buraco negro. Ao ceder esta energia de promover viagens a qualquer parte do emitiu filtrando as do cientista, ele pôde re-
para separar as partículas virtuais, o buraco Universo conhecido e de adiantar o tempo. construir o pai da menina, que ao ser res-
negro diminui sua energia até possi- O objetivo do cientista era de encontrar pla- gatado de dentro do buraco negro abraçou
velmente desaparecer. Com a descoberta de netas habitáveis no Universo, além da os dois e agradeceu-os, feliz por revê-los.
Hawking, a nossa compreensão dos bura- nossa Terra. Certo dia, ele recebe uma carta Como o processo de resgate de uma pessoa
cos negros mudou drasticamente: deixa- anônima que fornecia coordenadas de onde de dentro de um buraco negro é demorado,
mos de compreendê-los como fadados poderia existir tal planeta. A carta anônima fica aqui a recomendação para que se evite
eternamente a aumentar de tamanho para fora enviada por um cientista rival e as cair dentro de um.
admitirmos a possibilidade do seu desapa- coordenadas que nela continha levavam
recimento com o tempo, emitindo radiação direto a um buraco negro. Quando o cien- Nada brilha tanto quanto os
e podendo ser detectados através desta. Em tista pediu para seu supercomputador levá- buracos negros
valores aproximados, um suposto buraco lo ao ponto em que a carta anônima indi- Paradoxalmente, nada no Universo
negro de “apenas” 100 milhões de toneladas cava, ele foi tragado pelo buraco negro. emite tanta radiação quanto um buraco
levaria 14 bilhões de anos (aproximada- Antes, porém, ele teve tempo para deixar negro. Esta afirmação se explica pela exis-
mente a idade do Universo) para evaporar um livro para sua filha e seu colega de colé- tência de objetos celestes muito pequenos,
completamente. gio, onde explicava como resgatar alguém mas que brilham mais que galáxias
Em 1997, Stephen e seu colega norte- de dentro de um buraco negro. Os dois ga- inteiras: estamos tratando das quase-es-
americano Kip Thorne fizeram uma apos- rotos encontraram o livro e não restava trelas, ou como ficaram conhecidos,
ta contra outro norte-americano, chamado alternativa a eles senão seguir as suas quasares. Na década de 1960, os astrôno-

34 Buracos nem tão negros assim Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009


trelas, por este tipo de fonte não poder boa parte da comunidade científica não
fornecer toda a energia emitida pelos qua- acredita que isto possa vir a acontecer. Mas
sares. Deveria haver outro mecanismo. que existe a possibilidade, existe. Devido a
Em 1963, em uma conferência em Dal- sua pequena massa, os miniburacos negros
las, alguns físicos propuseram que a fonte “evaporariam” rapidamente emitindo
da energia dos quasares poderia estar grande quantidade de radiação Hawking.
relacionada com os buracos negros. A análise do comportamento destes mini-
Um mecanismo que consolidava a buracos negros pode nos auxiliar a entender
possibilidade de emissão de grandes quan- os buracos negros estelares e supermaciços,
tidades de energia foi publicado por Mar- além dos quasares.
tin Rees, na década de 1980. Tal mecanis- Alguns cálculos, no início dos anos
mo propunha que quando buracos negros 2000, chegaram a apontar que quando o
supermaciços absorvessem gás e estrelas, LHC operar com sua energia máxima, ele
eles emitiriam estas grandes quantidades produzirá 100 milhões de buracos negros
de energia. a cada ano. A massa de cada um destes
Os quasares são, acredita-se hoje, nú- buracos negros seria na ordem de 22 mi-
cleos de galáxias onde existe um buraco crogramas e sua vida duraria em torno de
negro supermaciço que absorve grande 10-26 segundos.
quantidade de gás e estrelas, emitindo É possível que nossos descendentes
Figura 6 - Quasar 3C 273. energia de acordo com o mecanismo de também declarem 2408 como ano da
Rees. Inicialmente acreditou-se que os astronomia. O motivo é que 400 anos an-
mos se depararam com objetos celestes quasares não faziam parte de galáxia tes, em 2008, entrara em operação um
que tinham aparência estelar mas com alguma, devido a seu intenso brilho ofus- laboratório que mudou nossa visão do
características distintas das estrelas conhe- car o da galáxia. Em um exemplo exage- Universo, desta vez até sem necessaria-
cidas, tais como grande emissão de rado, seria o mesmo que querer observar mente o auxílio de telescópios, mesmo que
ultravioleta e de ondas de rádio. Um destes uma lâmpada no lado do Sol. estes instrumentos continuem muito
objetos, 3C 273, identificado em 1962, úteis para o progresso da ciência. Até
está representado na Fig. 6. O céu não é o limite então, antes de sua operação iniciar, nosso
A grande surpresa veio quando os as- O CERN é um conhecido produtor de entendimento do Universo passava
trônomos conseguiram calcular a distân- ciência e tecnologia. Entre suas contribui- necessariamente pela observação celeste
cia de 3C 273: 2,2 bilhões de anos-luz! ções, pode ser creditada a invenção da rede através de telescópios. Tudo mudou quan-
Estava instaurado um grande desafio a mundial de computadores, hoje indispen- do ele começou suas atividades, permi-
todos os cientistas: como um objeto tão sável em nossa sociedade. Uma visão geral tindo-nos entender melhor o funciona-
distante pode brilhar tanto? Para se ter do CERN está reproduzida na Fig. 7; é com- mento do Universo dentro de nosso pró-
uma ideia, o brilho deste único objeto é o posto por um aglomerado de construções prio minúsculo planeta. Quem viver verá
equivalente a 100 vezes o brilho da Via que se estende por 27 km na fronteira en- se tal previsão irá se confirmar!
Láctea inteira. Não se tinha notícia de nada tre a Suíça e a França.
que brilhasse tanto no Universo. Descar- Dentro do CERN está o LHC, sigla em Agradecimentos
tou-se a hipótese de que a origem fossem inglês para Grande Colisor de Hádrons. Sua Agradecemos à colega Francieli
as fusões nucleares, como no caso das es- inauguração se deu em 2008, mas suas Socoloski Rodrigues, do IF-SC, pela leitura
operações tiveram de ser crítica e ao CNPq.
interrompidas em razão
de um vazamento de
hélio ocasionado por um
problema de conexão en-
tre seus imãs. Seu fun- Leia mais
cionamento em regime J.T. Arantes, (ed) Stephen Hawking em Busca
máximo deve demorar do Segredo do Cosmos (Duetto Editorial,
ainda alguns anos, mas São Paulo, 2005).
L. Hawking e S. Hawking, George e o Segredo
2008 marca, sem dúvida,
do Universo (Ediouro, Rio de Janeiro,
um divisor para a física 2007).
com o início de suas S. Hawking e L. Mlodinow Uma Nova His-
operações. tória do Tempo (Ediouro, Rio de Janeiro,
Dentro do LHC exis- 2005).
te a possibilidade de G.E.A. Matsas e D.A.T. Vanzella, Ciência Ho-
serem detectados mini- je 31
31(182), 28 (2002).
buracos negros que se- K.S. Oliveira Filho e M.F.O. Saraiva, Astro-
nomia e Astrofísica (Editora Livraria da
riam gerados a partir de
Física, São Paulo, 2004).
choque de partículas D. Sobel, Os Planetas (Companhia das Le-
altamente energéticas. As tras, São Paulo, 2006).
condições para a criação A.A.P. Videira, A Física na Escola 6 (1), 83
destes miniburacos ne- (2005).
gros são muito especí- R. Wolfson, Simplesmente Einstein (Editora
Figura 7 - Vista área do CERN. ficas; sendo assim, uma Globo, São Paulo, 2005).

Física na Escola, v. 10, n. 1, 2009 Buracos nem tão negros assim 35

Você também pode gostar