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Entre a luz e a escuridão:


considerações sobre o Iluminismo e a instrução das mulheres
ALAN RICARDO DUARTE PEREIRA*
CAMILA SILVA CABRAL**

Resumo: O presente artigo busca realizar algumas reflexões introdutórias sobre


a educação da mulher no século XVIII, nomeadamente no período conhecido
como o Iluminismo. Assim, o recorte para desenvolver tal reflexão em torno da
educação da mulher durante o Iluminismo está ancorado, por sua vez, em obras
coevas. Mais exatamente, escolheu-se a obra do filósofo Jean-Jacques Rousseau,
Emílio, ou da Educação e, de outro lado, a obra da autora Mary Wollstonecraft,
Reivindicação dos direitos das mulheres. Ambas as obras são do século XVIII e
retratam, em maior ou menor grau, concepções e valores predominantes na
sociedade durante o Iluminismo.
Palavras chave: Iluminismo; Mulher; Educação; Modernidade.
Abstract: This article aims to make introductory reflections on the education of
women in the 18th century, namely in the period known as Enlightenment.
Therefore, the clipping to develop such reflection around the education of
women during the Enlightenment is anchored, in turn, in coeval works. More
precisely were chosen, on one hand, the writings of the philosopher Jean-Jacques
Rousseau, “Emile, or On Education” and, on the other, the writings of the author
Mary Wollstonecraft, “A Vindication ff the Rights of Women”. Both works are
from the 18th century and depict, to a greater or lesser extent, prevailing societal
conceptions and values during the Enlightenment.
Key words: Enlightenment; Woman; Education; Modernity.

*
ALAN RICARDO DUARTE PEREIRA é doutorando em História pela Universidade
Federal de Goiás (UFG); Bolsista da Capes.

**
CAMILA SILVA CABRAL é graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás
(UFG).
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Mary Wollstonecraft em 1790–1, por John Opie. Disponível em: http://www.tate.org.uk/art/artworks/opie-mary-


wollstonecraft-mrs-william-godwin-n01167. Acesso:09/12/17

Introdução processo de formação do indivíduo e que


A educação comporta uma variedade de gera, necessariamente, transformação.
significados e funções que, de acordo Expressões cotidianas – “sem educação
com a perspectiva em jogo, pode não tem futuro”, “a solução para os
representar uma via de ascensão social, problemas sociais vem da educação”,
conformação cultural e social, “um país verdadeiramente rico do ponto
esclarecimento – o caso do Iluminismo de vista econômico e cultural é um país
do século XVIII –, transformação da com educação de qualidade” – traduzem
consciência e do mundo material, entre esse ideal de educação. Assim, quando se
outros aspectos. No bojo das definições fala em educação recorre-se ao aspecto
e dos significados mais recorrentes para da transformação social e, sobretudo, da
a educação, encontra-se, querendo ou instituição formal cuja responsabilidade
não, a vinculação da educação com a é educar, isto é, a escola.
modernidade. Dito de outra forma, é Nesse contexto, é lícito dizer que, a partir
comum se referir à educação como um do movimento iluminista, a educação se
tornou o centro nevrálgico da futuro – passava, inevitavelmente, pela
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emancipação intelectual. Pensar escola.
criticamente era apropriar-se, antes de
qualquer coisa, dos rudimentos do
conhecimento científico para explicar o Afinal, o que é modernidade? Do ponto
mundo e seus fenômenos. Entendemos, de vista histórico, a modernidade é
de antemão, que o movimento iluminista identificada como um período que se
cristalizou duas ideias: em primeiro inicia no século XVI e se consolida no
lugar, a noção que a educação tinha final do século XVIII. É, sem dúvida, um
como principal objetivo gerar longo período que gerou mudanças
transformação social e, em segundo significativas na sociedade ocidental,
lugar, a institucionalização da escola cujas bases foram lançadas no campo
como lugar para atingir seus objetivos. intelectual, político e econômico. Num
Com efeito, durante o século XVIII o clássico estudo sobre a modernidade,
Iluminismo levou a educação às últimas Tudo que é sólido desmancha no ar,
consequências ao postular que o Marshall Berman recupera a máxima de
esclarecimento e a transformação social Marx e Engels e conceitua modernidade
surgiriam por intermédio da escola. como um movimento que [...] promove
aventura, alegria, crescimento,
Não somente isso, o projeto da educação autotransformação e transformação das
como meio de emancipação surge, sem coisas em redor – mas ao mesmo tempo
dúvida, com a modernidade. Na verdade, ameaça destruir tudo o que temos [...]
a educação antes de ser um projeto (BERMAN, 1988, p. 15). Como se vê, a
exclusivo do Iluminismo é, no entanto, ideia de modernidade trabalhada por
parte de uma proposta mais ampla que Berman é caracterizada como um
encontra justamente na modernidade sua período de intensas transformações que
versão mais elaborada e sistematizada. elabora o novo a cada momento e,
Desse modo, conforme aponta Souza paradoxalmente, destrói esse novo para
(2015, p. 121), a modernidade colocou fazer surgir, num piscar de olhos, outro
como centro do seu projeto civilizatório novo. Quer dizer, ser moderno é viver na
a educação e, consequentemente, a oscilação entre paz e guerra, felicidade e
instituição escolar. Ser moderno era, infelicidade, segurança e medo. É,
fundamentalmente, ter educação e resumidamente, viver no paradoxo, na
entender que qualquer perspectiva de contradição, na ambiguidade e nas
transformação vindoura – e, portanto, de incertezas1.

1
Há muitas formas de conceituar a modernidade. pela automatização das esferas de valores
Antes de qualquer coisa, há uma distinção entre (separação entre o público e o privado). Por outro
moderno, modernidade e modernismo. lado, no presente trabalho consideramos
Conforme esclarece Le Goff (1994, p. 174) na modernidade do ponto de vista histórico, ou seja,
obra História e memória, moderno vem do latim, como um processo decorrente das
modernus, e deriva de dois radicais, modus transformações na sociedade ocidental entre os
(agora mesmo) e hodierno ou hodie (hoje). Desse séculos XVI e XVIII. Nessa perspectiva,
modo, moderno significa aquilo que se realiza no modernidade se configurou a partir de mudanças
agora, no presente e que se contrapõe, portanto, no campo político (contrato social ou a formação
ao velho. Por sua vez, modernidade carrega uma do Estado Moderno), econômico (nascimento do
polissemia mais complexa e difícil de capitalismo) e cultural (centralidade da educação
caracterizar. Há a conceituação do sociólogo e da razão). Por último, a ideia de modernismo se
Max Weber, em Ensaio de sociologia, que refere ao movimento literário-artístico caudatário
entende modernidade pela centralidade da do século XX e, portanto, ligado às vanguardas
racionalidade ou “razão instrumental” e também intelectuais.
Em geral, há alguns indicadores para se Outrossim, de todas as transformações
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identificar o processo modernizante na vinculadas à modernidade é na ciência
sociedade ocidental. Podem-se destacar ou no pensamento intelectual que
três esferas que sustentaram a encontramos o solo mais fértil. Não há
modernidade: os aspectos políticos, como falar de modernidade sem se
econômicos e culturais. Mais referir minimamente aos grandes
exatamente, a modernidade trouxe uma pensadores que se destacaram neste
nova forma de organização política período: René Descartes, Francis Bacon,
chamada genericamente de Estado Galileu Galilei, Isaac Newton, etc. Foi a
nacional. Segundo Paula (2000, p. 16), o partir da ciência que as ideias sobre a
Estado moderno é caracterizado pela modernidade floresceram e ganharam
autonomia em relação a outras esferas – aceitação. Por conseguinte, a maioria dos
como, por exemplo, a esfera religiosa autores da modernidade buscaram
e/ou econômica – e detém o poder incansavelmente realizar uma profunda
normatizador. Ou seja, o governante é crítica às explicações religiosas e
aquele que, além de respaldar suas ações mitológicas. Com efeito, diante do
pelo direito, é responsável por perpetuar processo de “desencantamento do
a hegemonia do interesse público sobre mundo” – conforme asseverou Max
os interesses privados. Diante isso, a Weber –, a modernidade colocou no
marca indelével do Estado moderno foi a centro do pensamento científico a
defesa dos direitos públicos – ou do bem chamada “razão instrumental”. Na
comum – frente aos interesses de ordem compreensão de Max Weber (1994)
privada (BOBBIO, 2017, p. 15). numa obra clássica, Economia e
sociedade: fundamentos da sociologia
Por outro lado, a modernidade se compreensiva, a “razão instrumental” foi
distinguiu dos demais períodos aquela que, durante a modernidade,
históricos pelo desenvolvimento de uma lançou as bases para o desenvolvimento
nova ordem econômica, a saber: o da ciência. De igual forma, a
capitalismo. Observamos que, diferente sociabilidade tecida na ordem capitalista
da sociedade da Antiguidade clássica orientou-se pela ciência e, sobretudo, a
e/ou medieval, é no período moderno partir do cálculo e da relação entre meios
que o modo de produzir e circular e fins. Nesse sentido, Max Weber (1994)
mercadorias adquiriu feições diferentes. nos ajuda a entender a modernidade na
A divisão do trabalho na produção, na medida em que identifica, mais ou
qual o trabalhador não acompanhava menos entre os séculos XV até XVIII,
mais todo o processo, e as técnicas uma “revolução” cultural no Ocidente.
introduzidas com a Revolução Industrial, Quer dizer, nos termos do respectivo
fizeram da modernidade o berço do autor, o núcleo estruturante da
capitalismo. Ao mesmo tempo em que a modernidade trouxe a autonomização
indústria se tornou o lugar consagrado das esferas de valores: a ética, a ciência,
das relações entre trabalhador e a artes, entre outros aspectos.
proprietário – ou o burguês –, a cidade se Em face disso, a educação assumiu papel
metamorfoseou, por extensão, no espaço fundamental na modernidade. Ora, se a
das sociabilidades modernas. Portanto, o ciência se tornou uma das marcas do
símbolo maior da modernidade foi, viver moderno, isso significa que tal
eventualmente, a cidade com seus modelo de sociedade precisava de
aparatos – comércio, indústrias, órgãos instituições que garantissem uma
políticos, escolas, etc. formação racional. É, portanto, a partir
dessa perspectiva que podemos entender decorrência da Revolução Industrial.
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a ênfase que a modernidade – e, Nesse sentido, as ideias iluministas
especialmente, o Iluminismo – dava à retomaram a razão como pilar no
educação. Nesse sentido, observamos desenvolvimento social já introduzido
que esse período foi rico em fatos e pelos renascentistas, mas a ênfase não foi
estudos sobre a educação masculina. mais na contemplação do mundo e, sim,
Mas deixa uma grande lacuna no quesito em conhecê-lo e dominá-lo. O
da educação feminina, constando poucos Iluminismo se expandiu para outros
estudos e relatos sobre o tipo de países como, por exemplo, a Prússia que
educação designada às mulheres. ainda era regida pelo Absolutismo
Algumas questões surgem ao constatar monárquico. De tal sorte que os reis
tal aspecto: afinal, o projeto de educação percebendo a crise que se alastrava e
da modernidade se refere destruía esse regime, adotaram, por
exclusivamente aos homens? É a conseguinte, o que ficou conhecido
modernidade uma modernidade para como despotismo ilustrado ou
homens? Qual o sentindo da palavra esclarecido. Em resumo, tal regime de
“educação universal” se, do ponto de governo pressupunha que, politicamente,
vista social, as mulheres e demais classes o rei continuava como soberano, mas
subalternas não participaram do projeto com influências iluministas. Para tanto,
de educação da modernidade? Diante segundo o historiador Anderson (1987),
disso, o presente artigo busca analisar a tratava de conciliar a secularização da
educação no período Iluminista e vida com o poder religioso e, ao mesmo
problematizar a persistência da tempo, com o crescimento da burguesia
concepção masculina como o sexo e a decadência da nobreza.
“único” e “digno” da educação durante a
modernidade. Ao mesmo tempo, realiza- No mesmo sentido, a autora Aranha
se uma incursão sobre o papel da mulher (2006) ressalta que a política
nas discussões sobre a educação. Mais educacional ganhou centralidade nesse
exatamente, como forma de verticalizar período em prol de escolas leigas (sem
a análise, o estudo se centrou nas obras interferência religiosa), gratuitas e
de Mary Wollstonecraft e Jean-Jacques obrigatórias tendo como responsável o
Rousseau, que tinham concepções Estado. Muitos filósofos ascenderam
antagônicas sobre o mesmo tema. nesse momento em defesa de suas
tendências que tiveram influências no
Iluminismo e a modernidade âmbito educacional, podendo citar o
Em linhas gerais, o Iluminismo surgiu na francês Diderot com a Enciclopédia. Na
Europa e foi um movimento intelectual respectiva obra iluminista, a educação é
que marcou o século XVIII, também tratada como uma esfera que se vincula
conhecido como Século das Luzes, em com o Estado moderno e, enquanto tal, é
que se pregava a razão (luz) contra o um direito universal.
Antigo Regime que foi considerado
No contexto do Iluminismo, o filósofo
como A idade das trevas pelos
Rousseau foi um dos principais
renascentistas.
defensores da educação. Suas obras –
A Europa nesse século passou por especialmente Emílio ou da educação –
grandes transformações. Em outras contribuíram com uma pedagogia
palavras, há o aparecimento da burguesia ilustrada naturalista, na qual o sujeito da
como principal classe do capitalismo e as educação não era mais o professor e seu
mudanças que foram geradas em saber inquestionável, mas o aluno com
suas particularidades. Importante concorrido para a educação de
algumas raparigas portuguesas 145
perceber que, durante o Iluminismo,
Rousseau utilizou da pedagogia (1996, p. 87).
naturalista como uma proposta para a
educação. Grosso modo, o naturalismo Aos homens era dedicado um futuro
se relaciona com a busca da natureza do brilhante. Estudavam desde pequenos,
indivíduo e, mais exatamente, a sua ingressavam em universidades e
vocação humana. A educação proposta tornavam-se filósofos, escritores,
por ele frisa a espontaneidade original, médicos, participavam de debates
que o indivíduo domine a si próprio. No intelectuais, tinham status social.
entanto, para esse pensador iluminista a Consoante Ribeiro (2002), mesmo não
educação também tinha seu lado tendo uma educação específica para
negativo, pois colocava a criança em mulheres, já iniciara a necessidade de
contato com os vícios mundanos. escolas femininas no século XVIII. No
fundo e mais concretamente, nada foi
Século XVIII: educação ou instrução feito em relação à educação das
do sexo feminino? mulheres, visto que, de modo geral,
Em conformidade com Arilda Ines M. nessa época tinha-se a visão de que a
Ribeiro (2002), Sebastião José de mulher não poderia ter uma ascensão
Carvalho e Melo – também conhecido social em relação ao homem. Isso se
como o Marquês de Pombal – era um traduziu em termos de erudição, pois ser
déspota esclarecido e fez inúmeras cientista ou portador de conhecimentos
reformas em Portugal durante o governo sublimes recaía socialmente ao homem.
do rei D. José I. Além das reformas de Essa imagem cristalizou-se
cariz mercantilista e secular introduzidas profundamente na época do Iluminismo
em Portugal em pleno século XVIII, a quando, de fato, o pensamento científico
mudança mais significativa provocada encontrou um solo fértil no berço da
por Pombal foi, no entanto, na área da burguesia nascente. Procurava-se uma
educação. Pombal instituiu o que ele nova explicação para os fenômenos do
denominou de aulas régias2 e estruturou mundo e, diante disso, a ciência se
os chamados Estudos Menores3 – e mais apresentou como uma narrativa plausível
tarde criou os Estudos Maiores4. Apesar para o entendimento das coisas. Nesse
disso, essas reformas não fizerem sentido, a vinculação do “homem culto”
referência à educação da mulher e coincidiu com o movimento Iluminista.
tampouco criaram escolas régias para o
Ademais, atinente à educação nesse
sexo feminino.
período nota-se que era difícil ou
De acordo com Adão apud Ribeiro, praticamente inexistente ter mulheres na
roda dos iluministas. Mais grave ainda
Na verdade, o ensino feminino não
mereceu então dos meios eram as academias criadas
governamentais uma atenção especificamente para leitura de obras
especial, cabendo a ordens religiosas filosóficas que contavam genericamente
provenientes da França (Ursulinas e com a presença de homens. Por
Visitação) o mérito de terem conseguinte, as poucas mulheres que
2 4
A utilização do termo “régias” explica-se Nessa reformulação de ensino, era ministrada a
porque a instituição escolar pertencia a partir de língua moderna, matemática e ciências da
então ao Estado e não tinha influência da religião. natureza.
3
Estudos Menores é semelhante ao ensino
fundamental e médio.
conseguiam adentrar nesses nichos Em termos gerais, no filme a rainha
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intelectuais eram severamente criticadas Carolina Matilde se casou com o rei
e tratadas, não raro, com descaso. Christian VII da Dinamarca e, desde
Observa-se que professores do sexo tenra idade, foi criada unicamente para
masculino trabalhavam e faziam as um momento: o casamento. Sua
mesmas tarefas das professoras, no educação abarcava modos de uma moça
entanto, sua condição econômica e, saber falar e se portar perante o marido e
sobretudo, a questão de gênero incidia a sociedade, maneiras de se vestir, dotes
diretamente no reconhecimento social de específicos de aquisição – como, por
seu trabalho. As mulheres que se exemplo, saber tocar algum tipo de
“aventuravam” a ir contra as concepções instrumento erudito – e prover filhos da
da época e se fixavam nessa carreira, relação conjugal. Era uma infâmia social
deveriam ensinar a fiar, bordar, cozinhar, às mulheres – em especial aquelas
cortar. Ou seja, recaía sobre as mulheres ligadas a realeza – ter relacionamentos
funções essencialmente domésticas, a fora do casamento, enquanto o rei se
fim de se tornarem boas esposas e, encontrava nos prostíbulos da época sem
consequentemente, mães. Como informa nenhum tipo de mácula para sua honra.
Arilda Ribeiro,

Constava na proposta que os Ademais, as mulheres da elite gozavam


professores do sexo masculino
de alguns privilégios. Mais exatamente,
recebiam 90$000 réis e as mestras
60$000 mil réis. Portanto, as
Carolina, por conta de seu nível social,
professoras receberiam 30$000 a era erudita. Tinha acessos a livros e
menos que os colegas de profissão, demonstrava enorme apreço pela leitura.
realizando, contudo, as mesmas Interessava-se por livros do filósofo
tarefas educativas (2002, p. 36). Voltaire e sofreu ao chegar à Dinamarca
e ter seus livros censurados por conta do
Segundo Jean-Pierre Goubert (2007), a conteúdo ser considerado “inadequado”.
sociedade francesa no final do século Observa-se, portanto, que o filme O
XVIII ainda vivia com a presença amante da rainha apesar de ser uma obra
religiosa no seio familiar. A família era cinematográfica carregada de elementos
regida perante os preceitos católicos, ou ficcionais ou pouco verossímeis,
seja, a figura da mulher estava calcada permite, por outro lado, pensar a
num modelo bíblico. Para tanto, é condição da mulher do século XVIII face
importante salientar que compreender o à atmosfera do Iluminismo.
contexto educacional feminino da época Resumidamente, partindo do filme
não provém apenas de obras e relatos, podemos inferir que, do ponto de vista
mas também de produções social, para a mulher era esperado que
cinematográficas. Quer dizer, além dos aprendesse e estudasse na medida em
relatos coevos e obras históricas, que isso acompanhasse seu trabalho no
também é legítimo dizer que se pode lar e o relacionamento no casamento.
compreender o respectivo período – ou Antes de ser uma mulher erudita que
as representações dele – a partir da escrevesse obras ou participasse dos
narrativa cinematográfica. É, portanto, o debates intelectuais do período, o
caso do filme O amante da rainha fundamental era, em síntese, ser boa mãe
(Dinamarca, 2012), de Nikolaj Arcel que e companheira. Desse modo, o estudo
retrata o contexto do pensamento lapidaria o comportamento da mulher
provindo do Iluminismo. para, em seguida, servir ao marido.
Em face disso, uma pergunta abre-se saber adquirido por vias indiretas e que
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para pensarmos o século XVIII: o que foi correspondia, naquela conjuntura do
entendido por educação naquele Antigo Regime, à educação doméstica.
período? Antes de responder a isso, é Portanto, fica claro que as mulheres
imprescindível conceituar o termo recebiam na maioria dos casos instrução
educação. Com efeito, entende-se que o e dificilmente tinham acesso aos espaços
termo educação se refere, em primeiro formais de educação. Vale lembrar que,
lugar, ao ato de alimentar, cuidar, criar ao falar em instrução da mulher, não se
(educare) e também como um processo pode estender esse termo para todas as
de conduzir para fora, tirar para fora e mulheres daquele período. Dito de outra
modificar de estado (educere). Em forma, a instrução das mulheres recaía,
segundo lugar, o autor Libâneo (2010, quase sempre, naquelas pertencentes à
p.72) esclarece que esses termos nobreza e, mais normalmente, à realeza.
desembocam na conceituação mais Eram ensinadas a serem damas e
clássica sobre o processo de educação: aprendiam noções de etiqueta, tocar
transformação e/ou adaptação dos instrumentos eruditos como forma de
indivíduos aos comportamentos e regras atributo especial que possibilitasse
sociais. Indica que educação é, antes de encontrar um bom marido, formas de
qualquer coisa, conformação do saber e portar-se com o esposo e também
indivíduo à sociedade na qual estão perante a sociedade. Mais do que isso, a
inseridos. Ao mesmo tempo, a educação presença de homens nas universidades e
é a transmissão de conhecimentos demais centros de saber era, na Europa
aceitos socialmente com uma carga de do século XVIII, onipresente. Sendo
sistematização que os eleva ao patamar assim, é possível, sem cometer
dito científico. anacronismos, identificar que a instrução
das mulheres era voltada para atividades
Com esse entendimento, é possível que contribuíam aos afazeres do âmbito
identificar que a educação iluminista se doméstico.
referiu ao sexo masculino em virtude de
seu status de destaque na sociedade que A instrução de Emílio e Sofia ou a
lhe possibilitava elevado nível de educação feminina e masculina
desenvolvimento. Entretanto, ao invés durante o Iluminismo
de utilizar o termo educação como um
processo de conformação e transmissão O filósofo Jean-Jacques Rousseau
de conhecimento, o mais adequado para escreveu a famosa obra Emílio, ou da
se referir à mulher é, com efeito, o termo educação em 1762, na qual cria o
“instrução”. Assim, o que diferencia personagem Emílio apenas como
educação de instrução baseia-se no exemplo para se referir à educação dos
pressuposto de que o primeiro envolve homens. Implicitamente é possível
uma dimensão formal. Em outras perceber, logo de imediato, as
palavras, educação no contexto do século concepções de Rousseau analisando os
XVIII relaciona-se diretamente com a capítulos da obra em que se dedica à
escola e os espaços destinados à educação masculina. Sua obra é
transmissão do saber – por exemplo, composta por cinco livros (capítulos) e
academias, universidades, encontros somente o último é destinado à instrução
filosóficos, etc. de Sofia (representação das mulheres). É
notável que fosse preciso falar da
Por outro lado, instrução é um termo que instrução de Sofia apenas como
carrega um sentido mais informal, um consequência, pois Emílio deveria um
dia casar-se e seria necessário uma durante a gravidez, precisam
repouso quando do parto; precisam 148
pequena parte de seu livro para abarcar a
instrução feminina. de vida fácil e sedentária para aleitar
os filhos; precisam, para bem os
Nesse sentido, Rousseau deixa claro que educar, paciência e doçura, um zelo
há semelhanças e também diferenças e uma afeição que nada perturbe; só
entre os dois sexos. Assemelham-se por elas servem de ligação entre eles e os
terem as mesmas constituições pais, só elas os fazem amá-los e lhes
biológicas de órgãos, necessidades, mas dão a confiança de considerá-los
seus. Quanta ternura e cuidado não
são diferentes no que se refere ao tipo de
precisam para manter a união em
educação. Há, na sua compreensão, um toda a família! E, finalmente, tudo
tipo específico de educação para isso não deve ser virtudes, mas sim
mulheres e para os homens, pois um deve gostos, sem o que a espécie humana
ser ativo e forte, enquanto o outro seria dentro em breve destruída
passivo e fraco. Nesse sentido, Sofia é (ROUSSEAU, 1995, p. 428).
feita essencialmente para agradar Emílio Para Rousseau, o homem é, por natureza,
e ele, por sua vez, pode escolher se
superior às mulheres. Na sua
deseja agradá-la ou não.
compreensão, ao saber disso as mulheres
Na acepção de Rousseau (1995), o que não devem se queixar das desigualdades
predomina como característica indelével ou injustiças, mas é preciso aceitar sua
de Sofia foi, essencialmente, o fato de ser condição e se manterem fiéis aos
portadora de uma facilidade de maridos – caso contrário poderá causar
impressionar, encantar e seduzir os intrigas nas relações familiares,
homens. Por conseguinte, os que se enquanto ao homem infiel será apenas
deixam levar por ela são vistos como injusto e bárbaro. A infidelidade
meras vítimas a caminho da morte. feminina suscitará o julgamento do
Segundo Rousseau (1995, p. 428), “se os marido e também da sociedade, pois o
animais não têm pudor, o que se dirá das mais importante é um pai dar carinho ao
mulheres?” Sofia comporta desejos e filho na certeza de que é seu
seduções incessantes, ao passo que legitimamente.
Emílio as paixões moderadas e a razão. Para tanto, o filósofo francês enfatiza
Este sexo forte depende do mais fraco, que os dois sexos são diferentes e que,
pois o forte só é vitorioso se o fraco portanto, é uma declaração em vão
permitir ou ordenar. E não pode ser querer compará-los. Ao mesmo tempo,
compreendido como uma mera não se pode falar que a educação
generosidade, e sim fato incontestável da masculina será igual à educação
natureza. Percebe-se mais nitidamente feminina, uma vez que, do ponto de vista
pela narrativa de Rousseau que Sofia é natural, Rousseau considera que o
dominada não porque os homens homem é superior e precisa receber uma
quiseram assim, mas porque a natureza, educação mais sofisticada a fim de
antes de qualquer coisa, lhe fez assim. desenvolver suas aptidões.
Isto é, a fez para desempenhar de forma Consequentemente, resta à mulher ser
correta a funções determinantes de seu julgada, amar e cultivar seu espírito
sexo. Assim, como também o rosto. Nas suas palavras,
Tudo a leva sem cessar a seu sexo, e, Pela própria lei da natureza, as
para bem desempenhar as funções, mulheres, tanto por elas como por
precisam uma constituição que se seus filhos, estão à mercê do
prenda a ele; precisam cuidados julgamento do homem: não basta
que sejam bem-comportadas, é Sem dúvida, a maioria de suas críticas
preciso que sejam reconhecidas 149
foram endereçadas ao filósofo Rousseau.
como tal; sua honra não está apenas
na sua conduta, está na sua Ademais, Wollstonecraft relata em seu
reputação, e não é possível que a que livro que as mulheres aprendiam no
consente em passar por infame seja âmbito familiar – um ensinamento
um dia honesta. O homem, agindo
oriundo geralmente das mães – que
bem, não depende senão de si e pode
desafiar o juízo público; mas a
deveriam ser suaves e obedientes.
mulher, agindo bem, só cumpre Segundo a concepção vigente na época,
metade de sua tarefa, e o que pensam acreditava-se que o diferencial na
dela lhe importa tanto quanto o que constituição natural da mulher era que,
é efetivamente (ROUSSEAU, 1995, ao nascerem, carregavam uma poderosa
p. 432). arma capaz de suplantar sua
inferioridade: a beleza. Se soubesse
Desse modo, é possível perceber o tipo utilizá-la nas relações sociais poderia,
de instrução destinada às mulheres na sem embargo, conquistar tatus, riqueza e
perspectiva de Rousseau. Ou seja, deve- arrematar uma boa aliança matrimonial
se sempre priorizar pela boa conduta e a com homens da aristocracia ou da
reputação, uma vez que será julgada pelo burguesia.
homem caso tenha um passado, como o Nota-se que, em vários momentos,
próprio diz, “infame”. São instruídas a Wollstonecraft coloca seu ponto de vista
serem submissas ao homem; podem e de como deveriam ser educadas as
devem gozar de pouca liberdade, pois se mulheres: primeiramente, enquanto elas
excedem, são mais extremas que os não renunciassem ao poder arbitrário da
rapazes; é preciso “freio” em sua beleza, apenas estariam afirmando ter
educação, não que seja proibido se menos inteligência que os homens. Seu
divertirem, e sim, que o homem tenha principal argumento na defesa dos
controle mais intenso sobre as mulheres; direitos femininos era que: a mulher tem
é necessário interromper suas atividades direito à educação formal sem que isso
prazerosas e levá-las a outras ocupações signifique apenas desenvolver seu lado
sem que haja protesto de sua parte para materno como mãe ou aprimorar seus
que aprendam a serem obedientes ao seu afazeres domésticos. Ser educada, ler
cônjuge. filósofos e debater ideias não
pressuponha, na perspectiva de
Nesse contexto, Mary Wollstonecraft foi Wollstonecraft, uma qualidade ligada
uma autora que se destacou em sua época diretamente à figura da mãe. Há,
por ser uma das poucas de seu sexo que portanto, uma dissociação entre a mulher
não se “calou” perante a supremacia do e a mãe, isto é, ser boa mãe não significa
poder masculino. Podemos dizer que ela ser boa mulher, como também ser boa
“deu voz” a todas as mulheres oprimidas mulher não é, necessariamente, ser boa
que se deixavam ser subalternizadas mãe. A educação é o primeiro princípio
perante a vontade do homem. Sua obra que a mulher deve percorrer, pois a
de maior fôlego, Reivindicação dos emancipação intelectual não se consegue
direitos das mulheres, foi uma forma de desempenhando funções domésticas. Ao
criticar os pensamentos em voga na contrário, na compreensão dela a
época e aos escritores que colocavam as educação formal é uma vida de
mulheres como seres inferiores, libertação. Assim, pode-se verificar que
desprovidos de capacidade intelectual. Wollstonecraft reproduziu a máxima do
Iluminismo: a educação como determinava de antemão seu lugar sem
150
emancipação ou esclarecimento. antes avaliar seu potencial, como
enuncia:
Nesse sentido, Wollstonecraft questiona
como pode a sociedade esperar que a Digo, sem fazer maiores
mulher colabore sendo que, ao mesmo declarações, que, se a Razão oferece
tempo, não sabe o motivo das coisas e sua sóbria luz, se as mulheres são
realmente capazes de agir como
tampouco fornece elementos para
criaturas racionais, que não sejam
compreender o mundo. Por conseguinte, tratadas como escravas nem como
a autora reconhece que, naquele período, animais que, submetidos ao homem,
as mulheres passavam grande parte da dependem de sua razão; mas, ao
infância adquirindo habilidades contrário, cultivem sua mente, deem
superficiais, enquanto a força do corpo e a elas o limite sublime e salutar dos
da mente não era estimulada, sendo próprios que dependem apenas de
priorizada apenas a beleza, pois era o Deus. Ensinem-nas, como aos
“trunfo” para ter um matrimônio, a única homens, a se submeter à
forma de ascenderem no mundo. Grosso necessidade, em vez de atribuírem
modo, Wollstonecraft argumentava que um sexo a moral para torná-las mais
agradáveis (WOLLSTONECRAFT,
se o desejo realmente das mulheres era o
2016, p. 58).
casamento e se com ele sentir-se-iam
realizadas que isso se concretizasse sem Como se vê, a mulher deveria através da
nenhum obstáculo. No entanto, se educação compreender que sua
alguma mulher almejasse algo a mais, submissão deve ser apenas perante a
então que as deixassem cultivar o razão e não ao homem. A virtude e o
entendimento. Em síntese, ao final de conhecimento deveriam ser o mesmo em
tudo a decisão deveria ser delas. ambos os sexos e que, a partir disso, era
preciso desfazer a visão cristalizada que
Nesse contexto, os escritores iluministas a mulher se define pela sua moral, seu
defendiam que a educação da mulher bom comportamento e não pela sua
deveria ser dirigida com o objetivo de racionalidade ou inteligência. Caso
torná-las agradáveis, concepção contrário, a humanidade sempre
extremamente criticada na obra. A encontrará percalços em seu progresso
educação apropriada, segundo enquanto elas não tiverem o mesmo
Wollstonecraft (2016), faria com que a ensino que promova seu
mulher suportasse viver sozinha caso desenvolvimento integral, assim como
não encontrasse um marido. Mais do que ao do homem.
isso, uma mente formada lhe daria
subsídios para compreender que, antes No mesmo sentido, Mary Wollstonecraft
de ser uma mãe portadora de qualidades também faz uma crítica aos pais. Se eles
virtuosas, é uma mulher com desejos e não estão preocupados com a educação
direitos. Na compreensão da respectiva de suas filhas, então que ao menos não
autora, é preciso deixar que as lhe “encham” de noções equivocadas de
faculdades cognitivas das mulheres beleza e de excelência feminina. A
sejam desenvolvidas para depois melhor forma de educar as filhas seria se
determinar seu lugar na escala as mães desconsiderarem a noção de
intelectual, tendo em mente que elas são educação feminina que Rousseau propõe
portadoras de uma racionalidade. O em Emilio, ou da educação. Ou seja, a
elemento mais contrastante era que, mulher fraca, passiva, a ideia de que ela
naquela conjuntura, a sociedade foi feita para agradar e ser subjugada
pelo homem e sempre fazer-se mulher e seu papel na sociedade. É, por
151
agradável. exemplo, o caso de São Tomás de
Aquino, que representou a mulher como
Percebe-se, assim, que boa parte da obra sendo um ser essencialmente imperfeito
de Mary Wollstonecraft foi voltada para e deficiente. Outras representações
problematizar as ideias de Rousseau, foram se formando em torno da figura da
mas também de outros autores que, mulher, especialmente seu espectro
segundo ela, carregavam o mesmo ligado às figuras bíblicas. Incialmente na
“tom”. Basta observar outras obras Idade Média predominou uma visão
como, por exemplo, do autor John pejorativa da mulher. A vinculação da
Gregory que escreveu, em 1761, um dos mulher com Eva e, consequentemente, a
livros mais populares da época sobre a noção de pecado embalaram essas
conduta das mulheres, A Father's Legacy representações. No entanto, com a
To His Daughters; além disso, outro modernidade houve o aparecimento de
autor criticado por Mary Wollstonecraft uma nova concepção sobre a mulher: a
foi James Fordyce, clérigo presbiteriano Mãe de Deus, mulher virgem que deu à
escocês, poeta e autor de Sermons to luz ao Filho de Deus. Aos poucos foi se
Young Women (1765), dentre outros. firmando a importância de Maria no
Considerações finais contexto cristão até se tornar, portanto,
uma figura central com o culto mariano.
Em linhas gerais, entende-se que o
século XVIII foi, entre outros aspectos, o A modernidade não alterou
“século das luzes”. Isso não significou substancialmente a representação da
que, naquele período, o campo religioso mulher na sociedade. Sem embargo,
foi suplantando integralmente pelo podemos falar de algumas mudanças na
discurso científico. Conforme nos condição da mulher – como o caso de
lembra o historiador Falcon (1986), o assumirem, aqui ou ali, empregos como
próprio termo Iluminismo evocava um professoras –, mas o que prevaleceu foi,
sentido religioso – grosso modo, a luta certamente, a ideia da mulher-mãe.
entre a luz e as trevas – e se firmou Embora o Iluminismo tenha conquistado
filosoficamente recorrendo e, por vezes, a razão como pilar social, ainda
criticando os autores da Idade Média, vigoravam os preceitos cristãos.
como Santo Agostinho e Tomás de Portanto, com base nesse pressuposto
Aquino; por outro lado, o Renascimento, entende-se o motivo de instruírem a
que ficou conhecido pela volta dos mulher para ser amável, casta e cultivar
autores da Antiguidade clássica sua virtude e moral, sem a necessidade
(Sócrates, Aristóteles, Platão, etc.), se de um desenvolvimento intelectual. Ou
manifestou dentro do campo religioso. seja, como houve uma associação do
Isso se torna claro ao perceber que na sexo feminino com Maria,
obra dos renascentistas – como Rafael, consequentemente, sua principal função
Michelangelo, Leonardo Da Vinci – a era o lar e os filhos.
temática religiosa era abundante.
Para tanto, na obra de Rousseau é
Nesse sentido, a representação da mulher evidenciada a representação da mulher
e sua condição social no mundo foram se como um ser inferior. Emílio pode
elaborando de acordo com a perspectiva legitimamente dominar Sofia, pois a
religiosa. Segundo Sousa (2016), houve natureza e o caráter das mulheres são
muitos autores cristãos que escreveram inferiores aos homens. Para Rousseau,
obras se ocupando com a figura da cabe à mulher cultivar sua beleza física a
favor de um matrimônio, caso contrário Referências
152
serão julgadas se não casarem. Além ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade
disso, deveriam ter postura, ser leal ao ao feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1987.
marido, saber cuidar dos filhos e do lar. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da
Tais desideratos eram os únicos Educação e da Pedagogia. São Paulo: Moderna,
objetivos que elas aparentemente eram 2006.
capazes de realizar. No entanto, o BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido
contraponto nessa visão sobre a mulher desmancha no ar: a aventura da modernidade.
acha-se precisamente em Mary São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
Wollstonecraft, que relativizou as ideias FALCON, Francisco José Calazans.
de Rousseau e lançou críticas ao Iluminismo. São Paulo: Ática, 1986.
principal filósofo do Iluminismo. Com LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e
efeito, sua principal ideia residiu no fato pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2010.
de não reduzir às mulheres e suas PAULA, João António de. Raízes da
capacidades numa função específica: o modernidade em Minas Gerais. Belo
lar, a mãe, a cuidadora, etc. Quer dizer, Horizonte: Autêntica, 2000.
ser mulher não era apenas ser tratada GOUBERT. Jean-Pierre. Família e saúde na
como mãe e dona do lar. Tal argumento França do século XVIII ao século XXI.
é asseverado quando a respectiva autora Revista Brasileira de Crescimento e
discutiu as ideias de Rousseau, pois Desenvolvimento Humano. São Paulo, v.17 nº
3 dez. 2007. Disponível em:
entende que o problema não é ser mãe ou http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
o fato de Sofia se dedicar a cultivar arttext&pid=S0104-12822007000300015.
valores de “boa mulher”. Segundo Mary Acesso em: 02/05/2017.
Wollstonecraft, Sofia poderia ser uma RIBEIRO, Arilda Ines Miranda. Vestígios da
“boa mulher” ou qualquer outra coisa. O educação da mulher em Portugal no século
importante era, portanto, não XVIII. In: ____. Vestígios da educação
essencializar ou fixar rigidamente um feminina no século XVIII em Portugal. São
padrão para a mulher na sociedade. Ora, Paulo: Arte & Ciência, 2002. p. 33-62.
se o Iluminismo procurou a emancipação ROUSSEAU, Jean-Jacques. Sofia ou a Mulher.
pela via da razão, a autora Mary In: ____. Emílio ou da Educação. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
Wollstonecraft mostra que a libertação
do ser humano também se daria pela SOUSA, Alexandre Bueno Salomé de. São
questão de gênero. Tomas de Aquino e Santo Agostinho e a Mulher
na Idade Media. Revista Annales Faje. São
Paulo, v. 1, nº 1, 2016. Disponível em:
http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/an
nales/article/view/3600/3678. Acesso em:
02/05/2017.
WEBER, Max. Economia e sociedade:
fundamentos da sociologia compreensiva.
Brasília: UNB, 1994.
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação
dos direitos da mulher. São Paulo: Boitempo,
2016.

Recebido em 2017-09-15
Publicado em 2018-01-01

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