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A história da animação brasileira

Não. Não temos só Maurício de Souza no mercado nacional da animação. Temos muito
mais que isso...

E se alguém te perguntasse qual é a primeira coisa que vem na sua cabeça ao


ouvir falar de animação brasileira? Com toda a certeza a sua resposta seria a
turma da Mônica. Afinal de contas, nenhuma obra infantil brasileira é maior em
influência e onipresença do que a turminha criada por Maurício de Souza.
Praticamente todas as crianças brasileiras são alfabetizadas lendo os gibis da
menina dentucinha e, por causa de seu sucesso estrondoso, nós já tivemos
várias animações da personagem, seja em curtas ou longa-metragens.

"Desista, desenho não dá futuro", foi a primeira coisa que o pai da Turma da
Mônica escutou quando foi mostrar o seu portfólio para a redação do jornal
Folha da Manhã, em São Paulo, com a esperança de conseguir um estágio no
departamento de arte. O interessante é que quem disse essa frase era um
ilustrador que trabalhou por muito tempo na revista mais importante da época: O
Cruzeiro. "Por que você não tenta outra coisa na vida? Você é jovem. Pode
escolher qualquer coisa melhor do que passar anos e anos riscando papel! Vá
fazer qualquer outra coisa que dê dinheiro!”

Apesar disso, Maurício não desistiu de seu sonho, ralou muito, e com o seu
sucesso, não precisou fazer "qualquer outra coisa que desse dinheiro". Porém
esta matéria não irá falar apenas da turma da Mônica, mas sim da animação
brasileira em geral. E se alguém te perguntasse se você assistiu algum
longa-metragem animado brasileiro sem ser da turma da Mônica? Certamente,
você responderia que nunca assistiu, não é verdade? Pois bem, agora você vai
ficar sabendo que a animação tupiniquim é muito mais do que apenas Maurício
de Souza e todo o seu grande legado. Afinal a Mônica tem pouco mais de
cinquenta anos, e o Brasil já faz parte desse ramo há mais de cem anos.
Tudo começa em 1917 com o cartunista brasileiro Álvaro Martins, que usava o
pseudônimo de Seth. Ele produziu na época o curta chamado "O Kaiser", que
estreou em 22 de janeiro no Rio de Janeiro. A história relatava o expansionismo
alemão na Grande Guerra, satirizando o imperador Guilherme II. Este, para
mostrar o seu grande poder, coloca o seu capacete militar sobre o globo
terrestre, e o globo acaba o engulindo. Infelizmente, todas as cópias originais do
curta foram perdidos, restando apenas uma memória oral daqueles que
assistiram e uma foto de uma cena publicada em um jornal. Foi por causa dessa
foto que sabemos que o curta realmente existiu, sendo considerado por
pesquisadores a primeira animação nacional e para comemorar cem anos dessa
história, o diretor convidou oito animadores para reanimarem coletivamente o
"Kaiser" da forma em que eles imaginavam que era o curta baseado na foto do
jornal e dos comentários de quem o assistiu na época.

A foto de uma cena de "O Kaiser" publicada em um jornal

A animação mais antiga que ainda continua preservada é o curta "Macaco


feio, macaco bonito" produzido por Luiz Seel e animado por João Stamato, de
1928. Contava a história de um macaco que fugiu da jaula de um zoológico,
causando uma série de confusões. O mais legal desse desenho é que nele
aparecem presos em jaulas personagens bastante famosos da época como o
Mickey, o Popeye e o Gato Félix.

Curta "Macaco feio, macaco bonito" de 1928, a animação brasileira mais antiga que
ainda continua preservada
Somente 25 anos depois, ainda em preto e branco, o primeiro longa animado
nacional foi lançado: “Sinfonia Amazônica“, de Anélio Latini Filho. O filme, com
cerca de 500 mil desenhos autorais, demorou 5 anos para ser feito. Contava
sete histórias folclóricas: a lenda da noite, a lenda da formação do Rio
Amazonas, a lenda do fogo, a lenda da Caapora, a lenda do Jabuti e da Onça,
a lenda da Iara e a lenda do arco-íris são interligadas pelo índio Curumi.

À esquerda, cartaz de divulgação do filme "Sinfonia Amazônica" e à direita uma cena


desse filme.

Na década de 1960 ocorre o bum da animação nacional na publicidade. Surgem


grandes destaques como Ruy Perotti, Walbercy Ribas, Luiz Briquet e Daniel
Messias. Um comercial animado de tv que marcou muito a época foi o comercial
das Casas Pernambucanas. A música dessa publicidade se destacou tanto que
a marca resolveu até colocá-la em comerciais recentes. Foi nos anos 60
tmabém que Maurício de Souza começou a lançar as primeiras animações da
Turma da Mônica. Os personagens de Maurício costumam aparecer em
muitíssimas publicidades, tanto na televisão como fora dela. Jotalhão acabou
virando até mascote de uma marca de massa de tomate, por exemplo. Não
podemos nos esquecer que a animação tupiniquim também estava presente
em comerciais de tv antes dessa década, como o índio símbolo da Tv Tupi.

O índio simbolo da extinta Tv Tupi

Apenas em 1972 o primeiro longa colorido foi lançado: "Piconzé", criado pelo
cartunista e animador Ypê Nakashima. Com a finalidade de conseguir mão de
obra para o projeto, Nakashima colocou um anúncio em um dos jornais onde
trabalhou, o São Paulo-Shimbun. Ayao Okamoto fez a arte-final durante 3 anos,
a animação é finalmente concluída em 1972 e lançada em 24 de janeiro de
1973. O filme conta a história de um garoto do nordeste brasileiro que tenta
salvar sua namorada de um bandido. Durante a fuga, o casal se depara com um
dragão, uma bruxa e um saci.

Cartaz de "Piconzé", primeiro longa nacional colorido de animação

A partir da década de 1980, as animações passaram a ser mais populares em


âmbito nacional. O cartunista Maurício de Souza foi de longe o grande destaque
dessa fase, pois foi nessa época que ocorreu o bum da turma da Mônica, por
causa do lançamento do filme: “As aventuras da turma da Mônica", em 1983. O
sucesso desse filme foi tão absurdo e surreal que acabou inspirando outros
animadores. Até o final da década foram produzidos mais cinco filmes.

Nos anos 90, o mercado entrou em crise. Com o Plano Collor, os artistas
deixaram de receber incentivos e a própria economia brasileira em geral afetava
todos os mercados nacionais. Quase nada foi produzido nessa época sem ser a
turma da Mônica, o que pode ter contribuído para que muitas pessoas pensem
que animação nacional é só Maurício. Para não dizer que nada foi produzido
nessa época, podemos destacar "Cassiopéia", a primeira animação 3d nacional.
Existe a discussão de que Cassiopéia seria a primeira animação 3d do mundo, e
não Toy Story. Acontece que a produção de Cassiopéia começou antes da do
filme da Pixar ser produzido, porém Toy Story acabou sendo lançado antes nos
cinemas. No final dessa mesmíssima década e no início da década seguinte, a
internet ainda estava engatinhando e com ela surgiram vários sites
especializados em criar suas próprias animações em Flash. Podemos citar como
exemplo o "Humortadela", o "Charges.com.br" e o "MundoCanibal". Vale
ressaltar que o Youtube ainda não existia, portanto os criadores dessas
animações tinham que criar um site próprio para que elas fossem mostradas na
internet. Elas eram bastante compartilhadas por e-mail.

Cartaz e cena do filme "Cassiopéia"

Animações, feitas em flash, na época da internet discada

Foi apenas com a chegada do novo milênio que as coisas começaram a se


estabilizar. Com a chegada da web e de novos recursos técnicos, como a
animação 3D, além de uma economia mais favorável, o mercado brasileiro
retomou sua ascensão. Apenas para citar alguns filmes como exemplo, temos
"Grilo Feliz (2001)" de Walbercy Ribas; "Brichos (2006)" de Paulo Munhoz;
"Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll (2006)", do consagrado Otto
Guerra; "Uma História de Amor e Fúria (2013)", de Luiz Bolognesi, o primeiro
ser premiado internacionalmente; "Até que a Sbórnia nos Separe (2013)", criado
por Otto Guerra e Ennio Torresan e "Minhocas (2013)", de Paolo Conti e Arthur
Nunes. É aí também que começa a se destacar vários talentos no exterior como
Carlos Saldanha, diretor das franquias “Rio” e “A Era do Gelo”, da Blue Sky;
Fabio Lignini, hoje animador sênior da Dreamworks, tendo participado em
“Como Treinar seu Dragão”, “O Gato de Botas” e outros; Ennio Torresan, hoje
artista de storyboard da Dreamworks em “Madagascar”, “Kung Fu Panda” e
“Megamente”, entre outros, além de ter dirigido episódios de "Bob Esponja" na
Nickelodeon; Renato dos Anjos, supervisor de animação de “Zootopia”, “Bolt –
O Supercão” e “Detona Ralph” na Disney e a mais nova revelação é Leo
Matsuda, que participou na Disney em “Operação Big Hero” e acaba de assinar
o curta-metragem “Trabalho Interno”.

Imagem de cima: "Uma História de Amor e Fúria". De baixo: Até que a Sbórnia nos
separe.

Em 2012 entrou em vigor no Brasil a lei da TV Paga da Ancine, que continua


em vigor até hoje. Essa lei diz que os canais de tv por assinatura devem
transmitir três horas e meia de conteúdo nacional, exceto os esportivos e
jornalísticos. Isso permitiu que várias animações nacionais surgissem nos canais
infantis: "Peixonauta" e "O Show da Luna" no Discovery Kids; "Osmar, a
Primeira Fatia do Pão de Forma" no Gloob, "X-Coração" no Disney XD; "Os
Under-Undergrounds" e "Zica e os Camaleões" na Nickelodeon; "Irmão do
Jorel" e "Historietas Assombradas (Para Crianças Malcriadas)" no Cartoon
Network e entre muitas outras.

Imagem de cima: Irmão do Jorel. De baixo: Historietas Assombradas

(Para Crianças Malcriadas)

Não podemos nos esquecer também que com a ascenção da internet várias
animações brasileiras foram criadas utilizando a plataforma do youtube, como os
canais "Gato Galáctico" e sua série de mairo sucesso: "Cueio", o "5 Alguma
Coisa", o "Carne Moída TV", o "Rebosteio", o "Alce Celestial", o "Boxxit", o
"NickNir", o "Animaverso", a "Deusa Doce", a "Sociedade da Virtude", além de
canais que não são de animação que tem a sua própria série animada, como o
"Animatoons" do canal "Nostalgia". Mas o canal do youtube que mais faz
sucesso sem dúvida nenhuma é o canal pré-escolar da "Galinha Pintadinha",
que é o segundo canal do mundo que tem mais vídeos com mais de 100 milhões
de visualizações, com mais de 7,5 bilhões no total.

"Carne Moída TV"

"Cueio" série de sucesso do canal "Gato Galáctico"

"Sociedade da VIrtude"

"5 Alguma Coisa"

Mas o que realmente deu um salto gigantesco para a animação nacional foi a
indicação de "O Menino e o Mundo" ao oscar. A evolução do cinema animado
tem sido cada vez mais associada ao desenvolvimento tecnológico, de modo
que assistir a "O Menino e o Mundo" provoca uma surpresa. Enquanto as
grandes produções, como os da Pixar e da Dreamworks, buscam traços cada
vez mais realistas, o filme de Alê Abreu faz o caminho inverso: o protagonista é
desenhado com um rabisco simples, em 2D, por exemplo. Até aqui já dá pra ver
que a animação brasileira é muito mais que Maurício de Souza. Imagina como
seria a reação do cara que falou pro criador da turma da Mônica que desenho no
Brasil não vinga ao ver a indicação de O Menino e o Mundo ao oscar. Imagina
como seria a cara de como quem diz "poxa vida, falei besteira" dele. Por isso
nunca devemos dar bola a quem nos diz para desistirmos de nossos sonhos,
pois provavelmente essas pessoas já fracassaram no sonho delas. Vale
ressaltar que o sujeito que falou pro Maurício desistir da carreira artística já foi
um ilustrador antes. Possivelmente ele se frustrou nessa profissão e achou que
ninguém mais faria sucesso nela. A história da animação brasileira é um ótimo
exemplo de persistência e perseverança. Ela nos conta que não podemos
desistir de alcançar o que tanto desejamos, pois nós podemos fracassar também
em conseguir o que não queremos.

Cartaz de "O Menino e o Mundo"

Fontes:

http://www.animamundi.com.br/pt/blog/100-anos-da-animacao-brasileira/

https://cinetoscopio.com.br/2017/08/10/100-anos-de-animacao-no-brasil/

http://agemt.org/contraponto/2017/08/29/animacao-brasileira-completa-100-anos
-de-historia-em-2017/
http://www.hypeness.com.br/2017/06/animacao-brasileira-comemora-100-anos-c
onheca-os-animadores-do-pais-em-nossa-linha-do-tempo/

http://www.centrodeartes.uff.br/blogcinearteuff/2013/07/animacao-brasileira-long
as-metragens/

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