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AGRADECIMENTOS

Este livro, concebido em Março e acabado em Maio de 2009, é o resultado duma investigação
que se insere num projecto de Pós-Doutoramento mais amplo e abrangente, cujo tema é O
diálogo inter-artes em Portugal no século XX, financiado pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia e acolhido pelo Instituto de História de Arte da Universidade de Lisboa e pelo
Centro Estudos Comunicação e Cultura da Universidade Católica de Lisboa.
No percurso que levou à sua concepção, preparação e edição, quero agradecer a todas as pessoas
que contribuíram:
às Instituições que concorreram para o êxito deste projecto: Fundação Calouste Gulbenkian,
Fundação para Ciência e Tecnologia, Guimarães Editores, Academia Nacional de Belas-Artes,
Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, IHA - Instituto de História de Arte da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, CESEM - Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, CECC - Centro de Estudos de Comunicação e
Cultura da Universidade Católica de Lisboa, Assembleia da República, Tribunal de Contas,
Fundação Mário Soares, Palácio do Correio Velho, Leilões e Antiguidades S.A., Biblioteca de
Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, Biblioteca Nacional de Portugal; Biblioteca de Belas
Artes da Universidade de Lisboa, Biblioteca da Universidade de Coimbra;
ao Professor José-Augusto França, pelo que representa na nossa História da Arte e pelo seu
entusiasmo, estímulo e ajuda no projecto;
ao Professor Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão, pelo impulso, apoio moral e exemplo
de integridade ética e profissional;
ao Dr. Paulo Teixeira Pinto, por ter acreditado no projecto e defendido a sua publicação;
ao Júri do Concurso de Apoio à Edição do Serviço de Belas Artes da Fundação Gulbenkian,
Prof. Doutor Luiz Oosterbeek, Dr. Paulo Pereira e ao seu Presidente e Director deste Serviço,
Dr. Manuel da Costa Cabral, por ter classificado o livro em 1º lugar entre 17 candidatos;
à Professora Maria Manuela Toscano, pela assistência amigável e por ser um modelo de rigor
científico;
à Senhora Dª. Maria do Céu Pimentel, sobrinha de António Varela, pela sua total e entusiástica
disponibilidade na partilha do espólio do arquitecto;
à esposa e à filha de António Paiva, Senhora Dª. Alice Berta Gonçalves Alves e Senhora Dª.
Maria Luísa Alves de Paiva, que muito generosamente me ofereceram acesso ao espólio do
escultor;
à Senhora Dª. Madalena Ferrão, filha de José Manuel, que partilhou comigo preciosas
informações e fontes sobre o poeta;
ao fotógrafo Paulo Cintra pelas suas sugestões, pela inesgotável paciência, incessante
disponibilidade e fraterno apoio;
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à Senhora Dra. Andrea Azevedo Cardoso, pela ajuda constante e pelos conselhos humanos e
profissionais;
à Advogada Senhora Dra. Rosa Videira, apaixonada defensora do Direito de Autor, por me ter
ensinado a proteger este filho de papel;
ao professor e escultor João Duarte, por me ter disponibilizado a sua colecção de medalhas e
todas as informações sem as quais o aprofundamento da parte que concerne à escultura não teria
sido possível;
à Senhora Dª. Maria da Conceição Delgado e Senhora Dª. Nádia Marina da Silva Pina Lomar do
Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Belas Artes, pela ajuda concreta na pesquisa dos
documentos;
ao Dr. José Viriato por me ter mostrado o acervo dos gessos da Faculdade de Belas Artes;
à Senhora Dra. Constança Rosa e ao Dr. Carlos Morais, Dr. Marco António de Mesquita, Dra.
Anabela Igreja Freitas, Dra. Dolores Sebastião, Dra. Maria João Santos da Biblioteca de Arte da
Fundação Calouste Gulbenkian, pela grande profissionalidade, disponibilidade, carinho e ajuda
no acesso às fontes;
à Dra. Manuela Rego e à Dra. Graça Garcia, por me ter facilitado a pesquisa dos documentos;
aos escultores Professores Domingos Soares Branco, Virgílio Domingues, António Vidigal, por
terem conversado comigo e partilhado importantes recordações do convívio com António Paiva;
ao colega e amigo Arquitecto Hugo Nazareth Fernandes, pela generosa partilha de ideias e
fontes, pelos conselhos desinteressados, pelo encorajamento e pela sua lealdade;
a Nuno Nazareth Fernandes, pelo apoio documental e moral;
à Senhora Dª. Luísa Venturini, pelas sugestões e pelo olhar de pássaro;
à minha amiga Professora Maria Teresa Álvares de Carvalho, pela ajuda essencial na
descodificação da linguagem geométrica de Almada e pelos conselhos lexicais;
ao Dr. Renato Borges de Sousa pelo auxílio indispensável;
à minha amiga Dra. Inês Espada Vieira por ter revisto o texto, pela sua generosa dedicação e
imprescindível encorajamento;
a Joana Pontes e Pedro Néu, pelo amigável suporte moral;
a Rita Dinis da Gama e a Janine Barroso, madrinhas inigualáveis desta obra;
à minha mãe e às minhas irmãs, pelo alento;
aos meus três filhos, Davide, Costanza e Luca, pela paciência;
a ti que não queres ser agradecido
e a mim por não ter desistido.
4

Nota da Autora.

O presente trabalho surgiu com o intuito de prestar homenagem à obra e legado de José
de Almada Negreiros, António Varela, António Paiva e José Manuel, que colaboraram
na criação de uma obra de arte, no meu entender, única e total. Este livro tem também a
esperança de contribuir para a preservação, tutela, classificação e reabilitação da Casa
da Rua de Alcolena.

Contudo, esta edição sai mutilada de algumas das suas imagens, que aqui não
publicamos, em virtude da impossibilidade de obter a necessária autorização e isenção
dos Direitos de Autor junto das herdeiras de José de Almada Negreiros.

Por causa da remuneração que a família Almada Negreiros pediu, que inviabilizou a
edição do livro, feito originariamente de imagens alternadas com texto, a autora viu
recuar o patrocínio já obtido junto da Câmara Municipal de Lisboa, que tinha avançado
com um apoio em troca da compra de exemplares, e perdeu sucessivamente dois
editores que se tinham comprometido com a publicação.

Decidiu-se então optar por uma edição digital disponível gratuitamente para o público.

Aqui fica o meu profundo agradecimento à Fundação Calouste Gulbenkian, cujo júri
Internacional no Concurso de Apoio à Edição classificou em 1º lugar esta obra entre 17
candidatas, que decidiu manter o patrocínio e continuar a apoiar o livro, embora nesta
versão amputada, e ao Instituto de História de Arte da Universidade de Lisboa, ao
Centro Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica e ao Centro de
Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade Nova de Lisboa que se
ofereceram para alojar e lançar este e-book.

Queira o leitor esclarecido paciente e benevolamente olhar para estas molduras vazias.
5

a Maria
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Índice

Prefácio de José-Augusto França p. 7

1. Unidade e Metamorfose duma Casa polifónica. p. 11

2. Crónica de uma reabilitação anunciada p. 13

3. O Mito de Psique: um breve excursus através dos símbolos. p. 16

4. Uma arquitectura dissimuladamente racional. Psique e a harmonia dos opostos. p. 18

5. O hortus conclusus de António Varela: a viagem botânico-simbólica de Psique. p. 33

6. Um Portal exotérico. A iniciação de Psique. p. 37

7. O Portal esotérico. A dupla queda de Psique, ou a descida da alma na consciência. p. 47

8. A Estrela interior, ou a regeneração de Psique. p. 55

9. Um Vitral enigmático. A junção-disjunção de Psique com Eros. p. 59

9.1 Um par andrógino. p. 65

9.2 A morte não é o fim. p. 74

9.3 Ver é Saber. p. 77

9.4 Duvido ergo sum. p. 80

9.5. Uma localização particular. As cores do vitral. p. 85

9.6 As medidas do vitral. p. 92

9.7 A queda do herói: Psique, Narciso, Ícaro e Prometeu. p. 98

10. A Parede Sudoeste: a maternidade de Psique. p. 107

11. Eros e Psique sob as máscaras. p. 118

12. Eros e Psique no vórtice da dança. p. 135

13. Mistério e maestria duma assinatura. p. 151

14. Três personagens em busca de um autor. p. 157

14.1 António Jorge Rodrigues Varela p. 161

14.2 António Luís do Amaral Branco de Paiva p. 175

14.3 José Sobral de Almada Negreiros p. 187

14.4 José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão p. 201

Bibliografia p. 205

Elenco das Imagens p. 211


Prefácio

… Assim uma peça importante dá entrada nas obras completas de Almada Negreiros,
em que andava esquecida ou ignorada.
Teve um acaso feliz esta entrada, que foi de salvamento também, de uma arquitectura
votada à perdição patrimonial.
Depois da triste demolição, em Janeiro de 2005, do palacete romântico em que Garrett
faleceu, à Estrela, foi possível a outra vereação mais esclarecida e digna de confiança,
sob a presidência de António Costa, evitar outra danosa destruição do património
lisboeta, pondo em classificação, em 2009, uma moradia modernista ao Restelo, que ia
ser demolida e substituída por outro prédio de casas.
Da autoria do arquitecto António Varela nos anos ‘50, projecto de 1951-1955, termo da
obra em 1955, a moradia fora revelada por Ana Tostões na sua obra sobre os Verdes
Anos da Arquitectura Portuguesa nos Anos ‘50, em 1997, como peça importante e
típica, envolvida por um jardim e contendo decorações de azulejo e vitral de Almada
Negreiros. No desfazer do edifício, um vitral fora desmontado e felizmente adquirido
para colecção da Assembleia da República, em 2001, supondo-se então, num catálogo
de leiloeiro, tratar-se da figuração da “Queda de Ícaro”.
Outras peças, de pintura, tapeçaria ou escultura foram dispersas – mas os azulejos
continuavam ainda nas paredes, aguardando destino mercantil, mais do que um conjunto
de relevos de escultura, de António Paiva que haviam de ter destruição ocorrente.
Um largo movimento de opinião, tendente à salvação da casa, falhado por oportunas
influências políticas do proprietário promotor, no caso do palacete de Garrett, teve
ouvido responsável na administração municipal, e a obra, na sua totalidade artística,
pode ser preservada e provavelmente recuperada – mesmo que, por efeito negocial, o
novo proprietário seja autorizado a acrescentar-lhe outro corpo arquitectónico, em
duvidosa deontologia por não ter assentimento do arquitecto-autor, falecido em 1963,
sete anos antes de Almada Negreiros – e trinta antes do proprietário da casa, o poeta
José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão, nascido em 1928.
Estranho proprietário este, homem de fortuna, vivendo com sua mãe, amigo do seu
arquitecto e do seu escultor, e de Almada, em grandes frequências, autor de dez livros
de poemas, entre 1944 e 1964, de limitadas tiragens e que se perderam
bibliograficamente, sem registos de história ou de crítica que ao autor eram certamente
8

indiferentes… Poeta precioso, num simbolismo esotérico, José Manuel (como


assinava), dirigiu, ao mesmo tempo que fazia a sua casa, entre 1951 e 1958, quinze
números de uma revista de pouco público também, “Eros” – que eu fui lendo na
altura…
A Casa, como a poesia, reservava-a ele para poucos e escolhidos amigos, vivendo (é
título seu) numa “Alquimia do sonho” que, à sua volta, os espaços internos, e externos
também do jardim simbolizado, e as figuras pintadas ou na transparência do vitral de
“Eros e Psique”, iluminavam. Apuleio, sim, por evidência, mas também Almada que,
em 1949, escreveu os quatro quadros dramáticos do “Mito de Psique” – tendo perdido o
último, que a Psique se referia…
Entre a poesia de José Manuel e a poesia pintada ou escrita de Almada, há um encontro
vivo, nas linhas do qual se perdem e ganham as referências da casa do Restelo. Ou as
suas vivências.
Estudioso da arquitectura moderna, só conheci e mal a casa por fora, melhor me
referindo a Ana Tostões; estudioso de Almada, nunca pude visitá-la por dentro –
aprendendo agora, com Barbara Aniello, o valor especial da sua decoração. Em 1952,
realizando uma exposição de Almada, que há dez anos não expunha, recolhi, sem
menção no catálogo, “gouaches” que à moradia em questão já diziam respeito – mais
longe não fui (como devia) escrevendo sobre o pintor, em 1974. E as grandes
exposições que se realizaram, em 1984 e 1993 do núcleo em questão não se ocuparam.
Coube agora fazê-lo a Barbara Aniello, já com identificação do tema do vitral creditado,
em 2007 e 2009, a Cátia Mourão. Para os trabalhos em questão, Barbara Aniello, em
boa hora fixada em Lisboa, em 2005, com projectos co-universitários, tem a seu favor
uma sólida cultura clássica que lhe vem de doutoramento italiano, em Pádua, depois de
uma licenciatura na “La Sapienza” de Roma, dobrados de competência musicológica (e
de violoncelista já de longa prática) – que, por exemplo, a levou a um recente e notável
estudo da poesia de Jorge de Sena que muito enriqueceu o seu aprofundamento estético.
À parede incisa do “Começar” de Almada Negreiros, por seu lado, dedicou Barbara
Aniello uma interessantíssima investigação publicada em 2007.
Através dela a conheci pessoalmente, à vontade ficando para lhe opor reservas, não ao
seu excelente trabalho, em si próprio, mas de adequação, na suposição, pela autora
assumida, de o artista dispor das referências culturais que ela aponta, para esta obra –
que ambos sabemos ser obra maior, na poética portuguesa, testamento espiritual de
Almada, “Da Capo”, achei eu, de toda a sua obra. Ou seja da sua vida…
9

O trabalho sobre a casa do Restelo, conheci-o depois, quando, em Maio de 2009, me


enviou cópia do manuscrito convidando-me para um prefácio – que aqui escrevo. Ao
mesmo tempo, a autora confiou cópia dele ao Arquitecto José Almada Negreiros, meu
amigo de muitos anos por natural via paterna e que agora tive o desgosto de perder – e
entrou numa longa corrida de obstáculos para encontrar editor de uma obra de produção
necessariamente onerosa, e então intervim, amistosamente, de França, junto do filho
Almada, para ele diminuir os direitos de autor das reproduções indispensáveis.
A obra pode sair agora “on-line” por urgência de condições de subsídio da Fundação
Gulbenkian, sem a devida apresentação gráfica. Um artigo já saiu (com atraso do
número 30) na revista Monumentos – protegida a autora por um registo legal do texto,
feito em 3 de Julho de 2009, no I.G.A.C.- Inspecção Geral das Actividades Culturais.
Coisa rara num país descuidado como o nosso — mas às vezes necessária. E, como
escreveu o próprio Almada, a propósito de idêntica precaução de obra sua, em 1950:
“Fizeram isto de mim”…
*
A obra de Barbara Aniello vai entrar na bibliografia almadina como peça de grande
valor, na coincidência da salvação das próprias obras do artista, na casa para a qual
foram criadas.
É a globalidade da casa que interessa à investigadora, e os seus quatro autores: o poeta
José Manuel, o arquitecto António Varela, o pintor Almada Negreiros e o escultor
António Paiva, nas devidas proporções das suas intervenções e das suas
responsabilidades no programa. Entre poetas, passou a corrente de criação que interessa
seguir nesta obra ímpar na arte portuguesa de meados do século XX, e de tão grande
importância na maturidade de Almada – e no sentido geral da sua obra.
Não cabe a um prefaciador criticar ou discutir o próprio livro que deve limitar-se a
introduzir na sua espécie, assegurando, por sua opinião, os valores que ele carreia.
Barbara Aniello percorre a casa abrindo-lhe as portas com a sua chave esotérica.
“Metáfora do mito de Psique” num “tema com variações” que afirma de entrada,
epigrafando o primeiro capítulo com citações do “romance poemático” de José Manuel,
em 1953 publicado, e escrito que fora, antes, em 1949, “O Mito de Psique” de Almada,
sublinha o prefaciador. Que entre os dois textos teve sem dúvida nascimento esta casa
propositada. Considerando também outro, de dois anos anterior, que o filosofo Eudoro
de Sousa dedicou a Almada, na revista “Atlântico”, por efeito do longo convívio havido
entre ele e o artista. Fonte primeira, possivelmente, na exegese da autora, que importa
10

registar para bom entendimento do que se passou – entre um filósofo, um artista e um


poeta, com a colaboração maior do arquitecto… obra assim global …
De certo modo, é o romance da casa do Restelo que, entre exegese e ekfrase, Barbara
Aniello conta, atenta aos mais escondidos pormenores – da plantação do jardim à planta
do edifício, da porta de entrada, com esculturas de António Paiva, exotérica essa, para
acolhimento do visitante, e articulada a outro portal, de azulejos almadinos, já
esotericamente considerados – para a autora “preludio” ao “Começar” final do artista. E
porque não, se ele bem sabia e disse tê-lo feito ao longo de toda a sua vida?...
E a tudo o mais que a casa contém programadamente sempre, na cumplicidade
estabelecida e decerto exigida pelo seu encomendador, o poeta José Manuel,
empenhado em “transformar o mito poético (de Psique) em realidade” de pedra e cal.
Ele próprio assim escreveu, no último número da sua revista “Eros”, em Dezembro de
1958 – terminada a casa que ao início da revista fora projectada. No que deve reparar-se
também.
Virada a Noroeste, numa parede da biblioteca preciosa do proprietário, o vitral (que em
mãos mercantis perdera o título, que para elas não podia servir – como para os
proprietários da embargada demolição…) resume, no seu encontro dramático, de fatal
curiosidade, o mito narrado, de Eros e Psique, que deu luz a esta “casa polifónica”…
Alheio a polémicas, intrigas ou historietas, este livro vai cumprir o seu propósito de
apresentar uma obra única na história da arte moderna portuguesa.

Jarzé, Novembro 2009

José-Augusto França

Professor Jubilado
Universidade Nova de Lisboa
11

A Casa da Rua de Alcolena


História, Mistério, Símbolo

Ir ao encontro de um cânone. Eis a razão fundamental de todo o meu trabalho1

Há um ritmo nas cousas aparentemente sem nexo2

O que eu procuro é o mistério incessante da vida e do sonho, a grande aventura quotidiana, a


multiplicação das Imagens e dos ritmos.3

Quero que todos saibam: procuro fundir a vida com a arte.


Procuro a vida na arte e a arte na vida.4

1. Unidade e Metamorfose duma Casa polifónica.

A moradia situada na Rua de Alcolena nº28/44 constitui um dos mais raros e belos
exemplos de diálogo inter-artes em Portugal no século XX. A residência, integrada no
Bairro da Encosta da Ajuda, dito Bairro do Restelo, projectada em 1951-1955 por
António Varela para Maria da Piedade Figueiredo Mota Gomes e para o seu filho José
Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão, integrava onze paredes revestidas de azulejos e um
vitral da autoria de José de Almada Negreiros, uma escultura e dez baixos-relevos de
António Paiva e, na sua origem, um conjunto de pinturas, tapeçarias, esculturas, para o
interior da casa, sucessivamente disperso em leilões. Belíssimo vestígio de arquitectura
modernista, recentemente a casa foi objecto de candente actualidade, tendo sido alvo de
um projecto de destruição com parcial remoção dos painéis em azulejo.
A íntima correspondência entre arquitectura e decoração, fruto duma extraordinária
colaboração entre artistas e proprietários, resulta numa obra de arte que constitui um
unicum, não só pela sua vocação inter-artística, mas também pelo programa unitário e
pela linguagem comum nela revelados.
Da leitura integrada das suas várias componentes artísticas, emerge que a casa é uma
metáfora do mito de Psique, contendo um conto coeso e coerente, quase um Tema com
Variações, das suas metamorfoses. Psique está, segundo a nossa leitura, alegoricamente
presente em todas as obras plásticas que adornam a residência, enfatizando
alternadamente o tema da queda, da visão ou contemplação divina, do conhecimento
superior (gnose) e da iniciação aos mistérios com ele relacionados. Com base nestas

1
José de Almada Negreiros, Assim Fala Geometria, entrevistas em série, conduzidas por António
Valdemar, Diário de Notícias, Lisboa, 9-6-1960, p. 15.
2
José Manuel, Alquimia do sonho: romance poemático, Lisboa, Tipografia Ideal, 1953, p. 15.
3
Ibidem, p. 51.
4
Ibidem, p. 52.
12

premissas, o presente estudo envolverá questões de exegese5 e de ekphrasis,6 à procura


por um lado das fontes literárias na raiz do seu programa iconográfico e, por outro, dos
textos inspirados nas obras figurativas, uma vez realizadas. Ao longo deste percurso
traçar-se-á uma dupla análise da habitação e das obras nela contidas, discernindo entre
uma componente exotérica e uma esotérica,7 com o intuito de identificar acessos e zonas
destinadas à recepção dos visitantes e zonas reservadas a um restrito grupo de amigos e
colaboradores do proprietário.

5
O termo exegese deriva do grego e é composto por ek (de, fora) e egéomai (tiro, conduzo) e indica o
trabalho de ex-trair, ex-ternar, ex-por o significado profundo dum texto, literário, jurídico, religioso,
visando a sua interpretação profunda.
6
O termo ekphrasis vem do grego e é composto por ek (de) e phrazein (falar), indicando literalmente um
“falar de”, “falar a partir de” um modelo. Trata-se dum processo típico da descrição, que tem raízes
clássicas, tal como lembra, na sua Ars Retórica, Dionísio de Halicarnasso. A história do termo ekphrasis
tem sido acompanhada por Carlos Ceia no seu E-Dicionário de termos literários: “O termo ekphrasis
tornou-se um exercício escolar para aprender a fazer descrições de pessoas ou lugares. O locus classicus
na literatura épica é a descrição do escudo de Aquiles feita por Homero (Ilíada, 18, 483-608). Virgílio
seguiu o mesmo modelo para a descrição do escudo de Eneias na Eneida (8, 626-731). Um outro tipo de
ekphrasis concentra-se em descrições epigramáticas de pinturas e estátuas, como La galeria de Marino e
muita poesia emblemática. O termo alemão Bildgedicht corresponde praticamente ao conceito de
ekphrasis, neste sentido de descrição de uma obra de arte (pintura ou escultura). Os poetas românticos
recorreram amiúde a este artifício, tendo ficado célebre, por exemplo, a "Ode on a Grecian Urn", de
Keats. Naturalmente, o recurso às descrições particulares está presente em muita poesia contemporânea,
sobretudo a partir do momento em que a poesia se tornou cada vez mais próxima da prosa narrativa. Na
literatura portuguesa, o livro Metamorfoses (1963), de Jorge de Sena introduz um tipo de poesia descritiva
que tem como objecto de contemplação toda a obra de arte visual. Este tipo de descrição plástica não
limita o conceito de ekphrasis a uma simples e passiva exposição dos dados observados, mas conduz-nos
a um exercício reconstrutivo do que foi examinado, querendo interferir subjectivamente nas qualidades do
objecto. O poeta ecfrástico raramente se contenta com uma descrição objectiva do que observa, quando
tem a possibilidade de comunicar livremente o seu próprio gosto. A Secreta Vida das Imagens (1991), de
Al Berto, ou Depois de Ver (1995), de Pedro Tamen, podem ilustrar o lado dinâmico da ekphrasis”. Cfr.
http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/E/ekphrasis.htm. Veja-se também: Emilie L. Bergmann: Art
Inscribed: Essays on Ekphrasis in Spanish Golden Age Poetry (1979); Fernando J. B. Martinho: “Ver e
depois: a poesia ecfrástica em Pedro Tamen”, Colóquio-Letras, 140/141 (1996); Maria Fernanda
Conrado: Ekphrasis e Bildgedicht: processos ekphrásticos nas metamorfoses de Jorge de Sena, Tese de
mestrado, Universidade de Lisboa (1996); Murray Krieger: Ekphrasis: The Illusion of the Natural Sign
(1992).
7
A diferença entre os termos exotérico e esotérico deriva da filosofia de Pitágoras que distinguia no seu
ensinamento entre um saber acessível a todos, visível, comum, popular (éx = fora) e um conhecimento
reservado a poucos eleitos, (eso = dentro). Assim os seus discípulos eram designados e distinguidos entre
exotéricos, ou alunos externos à sua escola, e esotéricos, os alunos admitidos no interior da sua escola, os
únicos que podiam ver e ouvir as aulas do filósofo. Entre estes havia uma ulterior distinção entre
esotéricos-acousmáticos, que podiam só ouvir o Mestre, e esotérico-matemáticos, que tinham o privilégio
de argumentar com ele e também ensinar aos acousmáticos. O presente estudo pretende utilizar esta
definição, com o intuito de distinguir entre uma componente explícita, divulgativa, exposta e uma mais
reservada, íntima, privada, na fruição da casa.
13

2. Crónica de uma reabilitação anunciada.8


A moradia pertence ao Bairro da Encosta de Ajuda, planeado e desenhado por Faria da
Costa no espírito da cidade-jardim, emoldurado a Norte pela zona verde de Monsanto e
a Sul pelo rio Tejo.

1. Casa da Rua Alcolena, Fotografia satélite, vista aérea, Google Maps.

Desde a sua edificação a Casa passou por vários proprietários. A construção do edifício
deve-se ao arquitecto António Varela, depois da aquisição por Maria da Piedade
Figueiredo Mota Gomes do lote de terreno nº149, com uma área total de 1122 metros
quadrados, à Câmara Municipal de Lisboa em Agosto de 1951, parte por compra directa
e parte por arrematação em hasta pública. Concluídas as obras, em 10 de Fevereiro de
1954, o imóvel manteve-se na posse da primeira proprietária, passando em 1981, após a
sua morte, para o seu filho José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão. Depois do
falecimento deste, a moradia passou para a viúva e para as suas quatro filhas, que a
venderam em 2002 à imobiliária Espácimo. Três anos mais tarde, a nova proprietária
viu a residência do Restelo ser objecto de sucessivas penhoras, acabando por vendê-la
em Janeiro de 2007, a uma outra imobiliária: a Principado do Restelo, com sede em
8
A história da casa foi relatada por José António Cerejo e Maria José Oliveira a Inês Boaventura num
artigo publicado no Público, em 21.02.2009 e em 25.02.2009, e por Luísa Botinas no Diário de Notícias
de 20.02.2009. Para uma bibliografia sobre a Casa veja-se Ana Tostões, Os verdes anos da arquitectura
portuguesa nos anos 50, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1997, p. 60; Fátima
Cordeiro Ferreira coord.; José Silva Carvalho; Teresa Nunes da Ponte; Filipe Jorge Silva, Guia
Urbanístico e Arquitectónico de Lisboa, Associação dos Arquitectos Portugueses, 1987; Helena Roseta,
João Afonso, Joana Morais, Manuel Távora, IAPXX-Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal,
Ordem dos Arquitectos, 2003; Inventário Docomomo Ibérico da Habitação, 2008. Vide também: Obra
23293, Processos 1951, 22260/1955, 15454/1981, Arquivo Câmara Municipal de Lisboa. A Ordem dos
Arquitectos promoveu uma petição para salvar a moradia que atingiu até hoje cerca de 5000 assinaturas:
http://www.petitiononline.com/Alcolena. Cfr. também a proposta do movimento Cidadãos por Lisboa:
http://www.cidadaosporlisboa.org/?no=50400001519,053, apresentada em 18 de Fevereiro de 2009.
14

Cascais. No dia 5 de Janeiro desse ano, verificou-se uma nova transferência de


propriedade, desta vez para a Soindol, Sociedade de Investimentos Dominiais Lda., que
comprou o imóvel por um milhão e 750 mil euros. Três semanas depois, no dia 29 de
Janeiro de 2009, os novos proprietários entregaram na Câmara Municipal de Lisboa o
pedido de licenciamento da demolição integral da casa e da construção de uma nova
moradia familiar de grandes dimensões, com uma área total de 1534 metros quadrados.
Sucessivamente, no âmbito das condições negociadas com os anteriores proprietários,
parte dos azulejos foram removidos. Depois das denúncias à Comunicação Social feitas
pelos herdeiros de José de Almada Negreiros, nomeadamente seu filho o Arquitecto
José de Almada Negreiros e as netas Rita e Catarina, por Helena Roseta, Vereadora do
Movimento “Cidadãos por Lisboa”, e por João Rodeia, presidente da Ordem dos
Arquitectos,9 a Câmara de Lisboa embargou, em 23.02.2009, a retirada dos painéis de
azulejos da autoria de Almada Negreiros. Em particular, Helena Roseta defendeu a
integridade da Casa: “a remoção é uma destruição do património. Trata-se de um imóvel
(no seu todo, incluindo os painéis de azulejos) representativo da produção
arquitectónica moderna portuguesa dos anos 50 na cidade de Lisboa, que interessa
salvaguardar enquanto testemunho da qualidade da conjugação e integração de artes e
ainda como documento qualificado de uma fase do desenvolvimento da cidade de
Lisboa e da diversidade do seu tipo de ocupação arquitectónica.”10 Confrontado com o
início da remoção dos azulejos, antes de qualquer decisão sobre os projectos
apresentados, o vereador do Urbanismo, o Arquitecto Manuel Salgado, determinou de
imediato o embargo dos trabalhos. A moradia está inserida na Zona de Protecção
Especial de vários imóveis classificados (Capela de São Jerónimo, Capela de Santo
Cristo e dois palacetes da Rua de Pedrouços), razão pela qual todas as obras ali
efectuadas têm de ser previamente aprovadas pelo Igespar (Instituto de Gestão do
Património Arquitectónico e Arqueológico). Os painéis de Almada estão classificados
no inventário municipal do património com a designação de património integrado, ou
seja, toda a construção está protegida e o conjunto de azulejos é inamovível, afirma o
director daquele Instituto, Elísio Summavielle. A Casa está citada também num
levantamento da arquitectura do século XX, realizado pela Ordem dos Arquitectos e
está incluída na lista do Docomomo, organização que subsidia a documentação e
conservação das manifestações do movimento moderno em arquitectura. Segundo a

9
Diário de Notícias, Lisboa, 20 de Fevereiro de 2009, p. 28.
10
Diário de Noticias, Lisboa, 3 de Março de 2009.
15

vice-presidente da Ordem dos Arquitectos e do Docomomo Ibérico, Ana Tostões, os


azulejos desta moradia são “especiais”, uma vez que se inserem num período criativo de
Almada Negreiros que antecipa o trabalho gravado na pedra no átrio da Gulbenkian, o
painel Começar, 1968-1969. O processo de classificação como bem cultural de interesse
municipal já foi iniciado pela Vereadora do Movimento “Cidadãos por Lisboa”, Helena
Roseta, com uma proposta apresentada em 18 de Fevereiro de 2009, que inclui também
a criação de um projecto-piloto de casa-museu-atelier de artes plásticas e dum catálogo-
roteiro da Casa. Em resposta a este apelo surge o presente estudo, na esperança de
ajudar a restituir à Casa da Rua de Alcolena o seu justo lugar no panorama histórico-
artístico nacional e internacional.
Em Julho de 2009 a polícia esteve a vigiar a casa, 24 horas por dia, para evitar episódios
de remoção ilegal dos azulejos e eventual vandalização do interior da casa, dado o
historial recente. Contudo, em meados de Julho 2009, a Moradia foi arrombada outra
vez e a polícia está a verificar danos e eventuais despojamentos.11
No dia 9 de Agosto foi aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa uma proposta do
ateliê Massapina, subscrita pelo Vereador Manuel Salgado, para a alteração e ampliação
do prédio, que não só anula a continuidade do simbólico jardim, mas apaga o alçado
sudeste da Casa, cancelando a sua perspectiva geométrica, o seu valor cúbico, a sua
metafórica orientação.
No curso da nossa atribulada investigação, chegou-nos a feliz notícia que em 2 de
Dezembro de 2009 a Casa foi classificada como Imóvel de Interesse Municipal.
Gostaríamos muito de assistir ao renascimento da Casa como Centro de Estudos
Permanente do Modernismo Português e como casa-museu-atelier de artes plásticas.
Dada a sua riqueza inter-artística, a sua colocação no panorama histórico e geográfico
de Lisboa, a sua unicidade e unidade, esta Casa extra-ordinária corresponderia
perfeitamente à vocação de acolher um Centro de Estudo Permanente de um dos
períodos artísticos mais interessantes e com projecção internacional da História da Arte
Portuguesa.

11
Público, 21 de Julho de 2009.
16

3. O Mito de Psique: um breve excursus através dos símbolos.12


Era uma vez um rei e uma rainha que tinham uma filha de rara beleza de nome Psique.
Tão grande era a sua fama que os homens começaram a adorá-la, descuidando os rituais
de Vénus. Esta, invejosa, planeou vingar-se, enviando o seu filho Eros com o intuito de
a fazer apaixonar-se pelo ser mais horrível da terra. Entretanto, Psique lamentava a sua
solidão, ao contrário das irmãs, que já se tinham casado. Vítima da sua própria beleza
parecia, aos olhos dos mortais, inatingível pelo amor dum homem. Porém um ainda
mais mísero destino lhe reservava o futuro: o Oráculo preanunciara que, num lugar
terrível, a donzela haveria de celebrar esponsais fúnebres com um monstro que enchia
de horror os próprios deuses. Psique, acompanhada por todo o povo em pranto,
submeteu-se ao seu Fado e foi, com passos firmes, ao encontro do drama da sua
existência. Do alto de um rochedo desceu a um vale delicioso onde se erguia um palácio
encantado. Vozes de corpos invisíveis convidaram-na a sentar-se à mesa nupcial e,
chegada a noite, recebeu em seu leito o incógnito amante. Ele advertiu-a dos horríveis
tormentos que teria que sofrer, se confiasse na perfídia das irmãs mais que nas delícias
da hora presente. Eros, que outro não era senão o nocturno visitante, diante de tanta
beleza, tinha decidido desobedecer à mãe e, desistindo da vingança, substitui-se ao
monstro, espetando-se nas próprias flechas e apaixonando-se perdidamente por Psique.
Alertando a sua amante para não dar ouvidos às insídias das irmãs, que a iriam
aconselhar a examinar o seu semblante, disse Amor, ou seja Eros, em relação ao seu
rosto: “se uma vez o vires, nunca mais o verás”. Sucessivamente, como para lhe mitigar
o tormento, Eros anunciou a Psique a sua iminente maternidade, mas acrescentou “se
guardares o nosso segredo em silêncio, o nosso filho será divino; se o divulgares, será
mortal”. O Fado cumpriu-se. A inveja e a perversidade das irmãs levaram Psique a
ignorar os avisos do seu terno amante e uma noite, à luz clara e brilhante duma lucerna
cheia de azeite, a miserável aproximou-se do leito onde julgava que dormisse o terrível

12
Toda a narração é retirada de Eudoro de Sousa, Quem vê Deus, morre... : o mito de psique, sep. do
Atlântico, n. 5, Lisboa, 1947, pp. 1-17. O texto que concerne o mito de Psique, pp. 5-7, aqui readaptado e
resumido, foi dedicado a José de Almada Negreiros e publicado exactamente quatro anos antes do
primeiro projecto de construção da residência da Rua Alcolena, na sequência dum longo convívio que o
professor, filósofo, pedagogo, filólogo, mitólogo teve com o artista. Segundo Joaquim Domingues foi o
contacto com Almada Negreiros e Santana Dionísio que despertou em Eudoro de Sousa o interesse pelo
simbólico, como “síntese sensível da ideia unitária e universal”. Cfr. De Ourique ao Quinto Império.
Para uma Filosofia da Cultura Portuguesa, Lisboa, INCM, 2002. Pela profunda interligação entre a
interpretação sousiana do mito e a representação do mesmo no vitral da autoria de Almada Negreiros que
ornava a casa, e dada a anterioridade do texto face ao projecto da casa, julgamos importante referir esta
fonte e não outras, como fonte iconográfica privilegiada da obra. Vide também Luís Loia, O Essencial
sobre Eudoro de Sousa, INCM, Lisboa, 2007.
17

monstro e pôs-se a perscrutar o seu vulto. Mas para sua grande surpresa Psique, que não
se contentava com o seu amor cego, descobriu a imagem sublime do deus adormecido.
Resultado da visão, Psique estremeceu e o seu corpo ardeu, como a luz da lucerna,
rasgando o véu da noite. Depois, insaciável, levou-a a curiosidade a tocar nas armas que
jaziam aos pés do leito e, de mãos ainda frementes, feriu-se nas setas do poderoso deus:
“assim a ignorante Psique se inflamou de amor por Amor”. É então que uma gota
ardente da lucerna caiu no ombro da divindade, que despertou e desapareceu, não
cuidando da sua própria ferida. Este é o primeiro momento crítico no drama de Psique.
Desde então, vítima de si mesma, a Alma, ou seja Psique, passará toda a sua existência
condenada a um vaguear inquieto pelo mundo em busca daquele Amor que a
desobediência lhe arrancou. Psique, depois de ter recorrido em vão a Ceres e a Juno,
caiu em poder de Vénus, que já então a procurava, não só pela antiga afronta, como
também pela vingança frustrada. Não correspondendo às súplicas da jovem, Vénus
impôs-lhe tarefas superiores às possibilidades humanas, tais como: separar um monte de
sementes diversas, trazer lã dos carneiros do Sol, ir em busca da água estígia e, enfim,
descer aos infernos para de lá trazer num frasco um pouco da formosura de Prosérpina.
Em todas estas provas a Alma foi assistida por Amor que lhe prestou o auxílio
necessário ao bom êxito das provas. As formigas separaram as sementes numa noite de
labor; uma “cana viçosa, suave criadora de música”, aconselhou-a a esconder-se dos
ardores do Sol; a águia, “ave real do supremo Jove”, encheu a urna de água estígia; a
torre, donde Psique intentou atirar-se para “ir ter directamente aos infernos”, ensinou-
lhe o caminho e proporcionou-lhe o viático; e, quando no regresso a invadiu “um sono
infernal e verdadeiramente estígio”, por, mais uma vez, não ter resistido à curiosidade
de abrir o frasco, é o próprio Eros que acorre, “limpando cuidadosamente o sono e
desperta Psique com o inocente toque da ponta de uma das suas setas”. Este despertar é
outro momento crítico no drama de Psique. Mas o segundo ferimento das setas de Amor
conferiu-lhe a imortalidade e o gozo pleno da união perfeita com o divino esposo.
Todos os momentos-chave e os eventos críticos do mito estão dramática e
simbolicamente representados na Casa da Rua de Alcolena.
18

4. Uma arquitectura dissimuladamente racional. Psique e a harmonia dos opostos.


Começando pela implantação da Casa, notamos que esta é originada pela junção
desfasada de um quadrado e um rectângulo, formando uma figura geométrica irregular,
testemunho de uma plasticidade típica do racionalismo do Movimento Moderno.

2. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 14, Arquivo Municipal de Lisboa.

Como se lê na memória descritiva da Casa, redigida pelo arquitecto António Varela, a


estrutura articula-se em três pisos: a cave, com as dependências destinadas ao pessoal de
serviço, a arrumos e à instalação de equipamento de aquecimento-chauffage e à água;
19

3. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de Lisboa.

o rés-do-chão para as dependências destinadas às necessidades da vida quotidiana:


zonas de recepção, estar, refeições, fruição de espaço;
20

4. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de Lisboa.

o primeiro andar destinado ao repouso e recolhimento dos proprietários, coroado por um


terraço com vista panorâmica sobre o Tejo.13

13
Obra 23293, Processo 35792/1951, Arquivo Municipal de Lisboa. Cfr. também a petição on-line
promovida pela Ordem dos Arquitectos «É preciso salvar a Casa da Rua Alcolena, da autoria do
arquitecto António Varela, com murais de azulejo da autoria do pintor Almada Negreiros»,
http://www.petitiononline.com/Alcolena/, op. cit.
21

5. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de Lisboa.

Quanto ao aspecto exterior da casa, notar-se-á que o alçado se ergue numa posição
sobrelevada em relação à rua. A moradia é abraçada por um vasto jardim, que emoldura
a construção, atenuando a sua aparência abstracto-geométrica e o seu purismo
volumétrico. Notamos uma preocupação simétrica na disposição da garagem, com
duplas janelas e duplas escadas, especularmente à esquerda e direita, contradita da
solução arquitectónica, deslocada ligeiramente à direita do eixo vertical sugerido pelo
acesso da rua ao jardim. A coincidência desta preferência pela assimetria, no ideário do
arquitecto, do proprietário e do pintor é bastante singular, como explicaremos adiante.
22

6. Vista principal, virada a Sudoeste, da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro
2008.

Através dum jogo entre claro e escuro, cheio e vazio, duro e mole, mineral e vegetal,
deparamo-nos com um tapete em xadrez disseminado na encosta do terreno sobrelevado
e realizado com quadrados de pedra calcária, alternados com porções de idêntica
dimensão de terra, anteriormente arrelvadas. O padrão axadrezado prolonga-se no muro
que delimita o confim esquerdo da moradia. Confrontando as fotografias antigas do
muro da casa com as actuais, notar-se-á um idêntico claro-escuro que repetia
originariamente a alternância patente na entrada.

7. Fotografia antiga da Casa. Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.


23

Da análise das fotografias antigas da casa, emerge um surpreendente duplo tapete de


xadrez: à manifesta alternância lúcido-opaco dos cubos em pedra e relvado, junta-se o
jogo em claro-escuro dos seixos brancos e acinzentados. Desenha-se, assim, por
sobreposição, uma impressão óptica de dois xadrezes: um em primeiro plano, de pedra-
relva, manifestamente claro, e um em segundo plano, de pedra-pedra, formando um
jogo bicromático mais encoberto e críptico: manifestação do duplo, exotérico e
esotérico. Posteriormente, o muro foi repintado, apagando-se assim a continuidade do
desenho em xadrez que fazia de elo entre o exterior e o interior, acompanhando a
passagem do visitante desde a rua até à entrada.

8. Pormenor da Fotografia antiga da Casa. Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

A alusão do pavimento-mosaico ao sagrado é evidente. Os quadrados lúcidos e opacos


encaixam-se na bipolaridade luz-trevas, bem-mal, negativo-positivo, unidade-
duplicidade, corpo-espírito. Essa bipolaridade está presente em toda a simbologia desta
obra de arte que é a Casa. A complementaridade da cor branca e da cor preta, presente
no templo sagrado e na entrada da moradia, reflecte a confluência entre activo e passivo,
masculino e feminino, solar e terrestre, num intenso diálogo com a decoração interior e
exterior da casa. Assim, a procura da harmonia cósmica passa, curiosamente, através
dum disfarçado jogo com o “assumido radicalismo” dum volume “puro, cúbico,
afirmativamente colocado no alto do terreno”, “com rigorosa geometria plasticamente
trabalhada”14, do edifício de António Varela.

14
Ana Tostões, op. cit., p. 60.
24

9. Alçado Sudeste e Nordeste da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

Neste propositado diálogo entre irracional e racional, entre espírito e lógica, entre gnose
(conhecimento intuitivo) e epistéme (conhecimento científico) é tecido o significado
unitário de toda a obra. O pavimento, tal como a construção, simboliza a união entre o
eixo vertical (celeste) e o eixo horizontal (terrestre), ou seja o Tempo e o Espaço, o
Universal e o Particular.
Por isso mesmo, a construção, aparentemente racionalista, é na sua essência
completamente mística, aderindo à componente esotérica de acordo com os interesses
do comitente

A natureza odeia a monotonia, a simetria. O absoluto reflecte-se na alma e transfigura-se em inumeráveis


formas, diferentes todas, semelhantes todas...15

Em qualquer dos casos o racionalismo é uma posição extrema, - quase patética. Tu sabes. Tudo era
assimétrico em ti.16

e em coincidência com os de Almada também:


Este é o princípio da Simetria, palavra que não é grega, mas formada com duas palavras gregas (sim +
métron = com medida), e não significa o que por ela correntemente se entende. A palavra grega que
corresponde ao que devia ser a Simetria, e não o que por ela se entende, é Tekné. 17

A simetria cujo nome verdadeiro é Magia Branca e em oposição a Magia Negra que é transcendentalista,
não se resume à combinação das linhas simples ou à dos algarismos entre si […]

15
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 35.
16
Ibidem, p. 28.
17
José de Almada Negreiros, Ver, notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia, 1982, p. 84.
25

Chamando Magia Negra ao transcendentalismo, parecerá pejorativo, o caso é, porém, que o


transcendentalismo tem artes para estar constantemente a sair da sua magia negra […]
O transcendente é indubitavelmente o despertador dos longos letargos humanos, mas os marcos no
caminho do Homem vão sendo postos em seguimento, pessoa em pessoa, pela simetria.
Tudo quanto se passou no mundo, se passa e se passará, é o desta dualidade humana da simetria e do
transcendente.18

Significativa é, nesse contexto, a declaração de José Manuel Ferrão19 acerca da


predilecção pelo natural-assimétrico face ao racionalismo-simétrico.
António Varela terá tido em consideração os gostos do proprietário, optando por uma
estrutura veladamente racionalista e sensivelmente assimétrica. De acordo com o
proprietário e o arquitecto, Almada privilegia uma estética “outra”, diferente,
procurando na “assimetria” o transcendente e na “simetria” a relação entre as partes e o
Todo.
Almada procurará na sua última obra, Começar, 1968-1969, verdadeiro testamento
gravado na pedra do átrio da Fundação Gulbenkian, uma Simetria sensível, uma Medida
secreta, uma Cifra pessoal, desenhando no centro um Pentalfa e realizando uma simetria
assimétrica, onde a estrela ocupa um lugar mais à esquerda do ponto de intersecção das
diagonais com origem nas extremidades do painel.20
É significativo que num contexto como o da casa, tecido em torno do mito de Psique,
Almada diga que o transcendente, ou a assimetria, é “despertador dos longos letargos
humanos”, de acordo com o tema do vitral por ele concebido sob encomenda de José
Manuel.
Mais ainda. Na escadaria de entrada, perto da assinatura do Arquitecto António Varela,
com a data de inauguração e dedicatória da Casa, coincidente com o aniversário do filho
da proprietária, 10 de Fevereiro de 1954, encontra-se uma outra inscrição que reporta a
frase de Paul Éluard: La maison s’éleva comme un arbre fleurit, referência programática
ao significado simbólico da construção.

18
Ibidem, pp. 86-87.
19
O Dr. José Manuel Ferrão, poeta, artista, editor, músico, escolheu assinar os seus trabalhos com um
simples “José Manuel”. Por isso, daqui em diante referir-nos-emos a ele apenas pela sua assinatura.
20
Barbara Aniello, José de Almada Negreiros: do Caos à Estrela dançante, in Artis, Revista do Instituto
de História de Arte da Universidade de Lisboa, n. 6, Lisboa, 2007, p. 347.
26

10. e 11. Epígrafes com citação de Paul Éluard e assinatura do Arquitecto com data. Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008.

Colocada numa cota de terreno sobrelevada, a Casa ergue-se em relação ao nível da rua,
mas ergue-se ao contrário, de cima para baixo, como uma árvore invertida: as raízes,
que estão no alto, são representadas pelos respiradores e chaminés no terraço e as flores
estão geometricamente “implantadas” no pavimento em mosaico na entrada do jardim.
Desta maneira explicar-se-á a enigmática função duma chaminé fingida no terraço, que
não tem qualquer ligação com o interior da casa,
27

12. Chaminé fingida no telhado da Moradia. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

como também do retículo do alçado Nordeste, que corresponde, no interior, à escada


que liga os andares. O jogo rítmico e geometricamente trabalhado deste bordado remete,
ao nível simbólico, para o desenho dum tronco de árvore.
28

13. Alçado Nordeste da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
29

A trama vegetal que percorre a escada é muito mais palpável nas alterações de 1955,
que no desenho original de 1951:

14. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de Lisboa.

15. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal de Lisboa.

É significativo encontrar no espólio familiar do proprietário uma foto de Dona Maria da


Piedade, retratada em pose de inspiração poética, junto das duas inscrições. A referência
à árvore, a assinatura do arquitecto e a imagem da proprietária estabelecem uma
triangulação de significados e alusões filosóficas que não nos podem deixar
indiferentes.
30

16. Dona Maria da Piedade. Fotografia gentilmente cedida por Madalena Ferrão. Espólio familiar.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
31

O símbolo da árvore invertida pertence ao Neoplatonismo esotérico e foi utilizado em


muitas outras correntes espirituais. O seu esquema, com as raízes metafísicas viradas
para o alto, o seu tronco único e os ramos voltados para baixo, mostra como todas as
manifestações temporais e particulares estão ligadas a uma unidade universal. Tal como
a Tábua esmeraldina, que recita o que está em cima é análogo ao que está em baixo, a
árvore invertida sublinha uma reciprocidade entre o mundo das esferas e o mundo
empírico. Todas as coisas materiais têm origem nas Ideias, ou seja, no Universal.
Curiosamente, entre os raros vestígios da obra do escultor António Paiva, que colaborou
na decoração do portal principal, encontramos a imagem duma árvore invertida numa
medalha cunhada em 197021 e no seu desenho preparatório:

17. António Paiva, Medalha em bronze, 80 mm, cunhada, 1970 para a Comissão de Construções
Hospitalares, Hospital de Beja. Colecção particular. Fotografia de Barbara Aniello.

21
Devo à generosidade e disponibilidade do professor, escultor, coleccionador João Duarte a publicação
destas medalhas de sua propriedade e a partilha de importantes notícias acerca da actividade de António
Paiva, do qual chegou a ser aluno na Escola de Belas Artes nos anos 1974-1976. Cfr. João Duarte,
Um percurso na medalha em Portugal, fotogr. José Viriato; concepção gráfica Andreia Pereira,
Universidade de Lisboa, 2005, pp. 1-26.
32

18. António Paiva, desenho preparatório para a Medalha em bronze, 80 mm, cunhada, 1970 para a
Comissão de Construções Hospitalares, Hospital de Beja. Espólio Paiva. Fotografia de Barbara Aniello.

Em particular, no desenho o tronco e as raízes erguendo-se formam uma figura


antropomorfa de braços estendidos em cruz.
A tentativa de harmonizar os opostos visualizados no pavimento em mosaico, na
referência da inscrição à árvore, na arquitectura místico-racionalista, na colocação do
edifício fora do eixo, corresponde ao simbólico acesso do iniciado, em busca da unidade
perdida. A Alma, ou Psique, ao aproximar-se da casa, sente-se, graças a toda uma série
de indícios, impulsionada a superar os obstáculos e as oposições derivadas do “Duplo”,
claro-escuro, ortogonal-curvilíneo, simétrico-assimétrico, até, finalmente, compreender
e alcançar a “Unidade”.
33

5. O hortus conclusus de António Varela: a viagem botânico-simbólica de Psique


no jardim de Alcolena.

19. Planta geral da Obra Rua de Alcolena, Lote 149, autografada por António Varela com indicação das
plantas, árvores e elementos decorativos do jardim. Espólio Ferrão. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro
2008.22

22
Requereu a Senhora Dª. Madalena Ferrão que fosse referido que esta planta foi descoberta pela
investigadora Cátia Mourão e pelo fotógrafo Paulo Cintra, aquando da visita ao espólio da família de José
Manuel Ferrão e de Maria da Piedade Figueiredo Mota Gomes.
34

19A. Esquema a partir da Planta geral da Obra Rua de Alcolena, Lote 149, autografada por António
Varela com indicação das plantas, árvores e elementos decorativos do jardim. Desenho de Barbara
Aniello.

Superado o recinto sagrado, prelúdio ao acesso à casa, deparamo-nos com um vasto


jardim que abraça e emoldura a construção, atenuando a sua aparência abstracto-
geométrica. Da análise da planta original assinada pelo arquitecto, emerge uma atenta e
ponderada escolha das plantas, árvores e elementos decorativos que, no meu entender,
não é fruto duma elaboração casual ou meramente estética, mas sim dum sábio e ciente
programa mitográfico-simbólico. Através do significado de cada árvore,23 seguindo o
seu intuito ou a sugestão de outrem, António Varela desenha botânica e simbolicamente
a peregrinatio animae de Psique em busca de Eros. Assim, no mito como no jardim,
podemos ler a história da Alma que, não contente com o seu amor cego, vítima da sua
dúvida (representada pelos Oleandros) descobre a imagem sublime do amante
adormecido, “inflama-se de amor por Amor” e, abandonada pelo amado, ela, que era
destinada a ser deusa imortal, recai numa humana e mortal condição. A este primeiro
momento crítico do drama corresponde uma árvore que pela sua longevidade e
persistente verdura é duplamente alusiva à Morte e à Imortalidade (Ciprestes). Daqui
em diante começa a peregrinação da Alma em busca do Amor perdido, não sem

23
Alain Gheerbrant, Jean Chevalier, Bernard Gandet, Dictionnaire des symboles: mythes, rêves,
coutumes, gestes, formes, figures, couleurs, nombres, Paris: Robert Laffont, 1969, pp. 274 e 677.
35

sofrimento e lágrimas (Salgueiro chorão).24 A memória do amado (Alecrim do Norte)


impulsiona Psique a enfrentar inúmeras provas, a última das quais é roubar o perfume a
Perséfone. Vítima pela segunda vez da sua própria curiosidade, Psique abre o frasco e é
invadida por “um sono infernal”. Esta segunda morte (Ciprestes) é o outro momento crí-
tico no drama, mas desta vez é Eros a despertar Psique e a doar-lhe a imortalidade,
como prémio pela sua perseverança (Magnólia). Neste sentido é particularmente
indicativo o outro significado do Alecrim do Norte, resumido pela frase “a vossa
presença me reanima”, devido ao cheiro que a planta exala.25 A arquitectura do jardim
contém um duplo nível de leitura, tornando visível, por um lado, o mito e as
peregrinações de Psique, por outro, o conceito filosófico da viagem circular cumprida
pela Alma na reincarnação. Neste roteiro botânico, debaixo dos véus da fabula,
deciframos a teoria platónico-pitagórica da Metempsicose, segundo a qual a Alma
reincarna em novas vidas, depois de ter mergulhado nas águas do Léthe, o rio do olvido
que apaga a memória das vidas passadas. Ao Léthe, representado pelo espelho de água
rectangular no lado sudoeste do jardim, corresponde no lado oposto o Eunoé, o rio da
memória, citado por Dante na Comédia. O primeiro faz esquecer o Mal e os pecados
passados, o segundo faz lembrar unicamente o Bem. Junto do Léthe, quebrando o
itinerário circular das plantas, não por acaso está a Tuia, ou arbor vitae, cuja etimologia
remete para o grego incenso, particularmente significativo num contexto de purificação,
ascensão e reincarnação da Alma.
Os dois lagos poderiam também ter outro significado. De facto é num rio que, depois do
abandono de Eros, a inconsolável Psique se tenta suicidar, mas as mesmas águas
trazem-na para a margem até ao encontro com Pan que a convida a esquecer o passado,
a procurar e ganhar novamente o amor de Eros. Daqui a coincidência entre o rio do
olvido e a perseverança significada pela Magnólia. Por outro lado, o segundo lago
poderia representar o rio Estíge, atravessado por Psique à procura de Perséfone,
conhecido por ser rio da imortalidade, destino final da futura deusa.
As formas opostas dos dois lagos, geométrica-orgânica, ortogonal-curvilínea,
masculina-feminina, aludem à coincidentia opositorum que percorre toda a iconografia

24
Na linguagem das flores, o Salgueiro-chorão indica sem dúvida a melancolia. Esta árvore remete
também para a imagem de uma “amante desventurada”, que “parece murmurar sem cessar: é dos males o
pior a ausência!” e que, exilada, está permanentemente em busca do amado. Cfr. Diccionario da
linguagem das flores, Lisboa: Typ. Lusitana, 1868, pp. 46-47.
25
Ibidem, p. 15. Além destes significados, o Alecrim do Norte representa também “o amor fiel”, vide
Diccionario e linguagem das flores, das cores e das pedras preciosas, Lisboa: Aillaud, Alves, 1913, p.12,
e o profundo entendimento entre amados: “quero o que tu queres”, ibidem, p. 84.
36

da Casa. Em particular, a do espelho de água a Noroeste, em contraponto com os


avanços e recuos das duas varandas exteriores, das escadas em semi-elipse interiores e
dos dois grupos de Ciprestes, remete, como explicaremos mais adiante, para a dialéctica
cheio-vazio, plenitude-escassez dos míticos progenitores de Eros, Poros e Pênia.
37

6. Um Portal exotérico. A iniciação de Psique.


Contornado o jardim simbólico, depois desta imersão na filosofia do mito, encontramos
no lado Sul Poente um duplo portal, em ambos os pisos, inferior e superior. Esta dupla
entrada reflecte a necessidade de separar a zona de recepção, situada no piso térreo, da
zona mais privada, destinada ao proprietário, José Manuel, cujo acesso independente é
garantido por uma escada exterior. A primeira apresenta dez baixos-relevos assinados e
datados de 1952 e uma escultura de autoria de António Paiva. A segunda é um amplo e
côncavo painel de azulejos de Almada Negreiros. No meu entender, a primeira
corresponde à parte exotérica da casa, enquanto a segunda dá acesso à divisão esotérica,
destinada aos poucos eleitos do entourage do proprietário.
38

20. António Paiva, Baixos-relevos e Escultura. Portal principal da Casa. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.
39

A intenção de decorar plasticamente o portal principal da Casa é visível nos desenhos


do projecto de António Varela.
Em particular, confrontando os primeiros desenhos dos alçados de 1951 com as
alterações de 1955, enquanto reparamos na inalterada presença das sete esculturas do
conjunto decorativo da ombreira, surpreende a substituição da primordial e vaga ideia
da escultura cimeira à porta por uma mais abstracta modelação zoomórfica. O arquitecto
imagina, no primeiro projecto, três figuras antropomórficas com uma provável
maternidade por cima do portal e, quatro anos depois, troca-as pelo ouroboros,
mantendo inalterada a ideia do óculo e da janela que albergaria o vitral.

21. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal de Lisboa.
40

22. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de Lisboa.

O escultor Virgílio Domingues recorda-se de ter assistido e participado na execução dos


dez baixos-relevos que fogem, sem dúvida, à iconografia habitual do escultor. O estilo
francamente geométrico destas terracotas é algo único na produção até agora encontrada
do artista, que muito provavelmente correspondeu a um requisito específico de
encomenda. Contrariamente à práxis da época, em que, como lembra António Duarte
num artigo in memoriam de Paiva, “os artistas plásticos eram solicitados a integrar na
arquitectura e espaços urbanizados as suas criações, realizadas sem dirigismo, que estes
26
não consentiriam qualquer tutela, digo castração”, o esclarecido comitente, José
Manuel, terá fornecido ao escultor o motivo e o sujeito desta encomenda. Será que na
sua preciosa biblioteca, infelizmente dispersa, ou na sua produção inédita,
malogradamente queimada depois da sua morte, segundo o seu desejo, encontrávamos a
chave da interpretação deste ciclo iniciático? O conjunto de dez baixos-relevos em barro
cozido apresenta um percurso possível através da gnose pitagórica, sintetizada pelas
revoluções geométricas dos arquétipos do quadrado, do triângulo, do círculo, da espiral,
do pentagrama, interligados pela ideia da progressiva eclosão da luz, do 1º ao 10º grau,
correspondente à gradual iluminação do iniciado.

26
António Duarte, Escultor António Paiva, in Belas-Artes Revista e Boletim da Academia Nacional de
Belas-Artes, Lisboa 1986 a 1988, 3ª série, nº 8 a 10 (especial comemorações), p. 165.
41

23. António Paiva, Dez baixos-relevos. Portal principal da Casa. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro
2008.

O número dez é sagrado para os pitagóricos. Almada Negreiros cita “os dez lugares da
colecção do número” no seu escrito Ver, ligando-os à figura do Pentalfa, ou
Pentagrama, ou Estrela de cinco pontas.
42

24. José de Almada Negreiros, Os dez lugares da colecção do número, desenho publicado em Mito-
Alegoria-Símbolo: monólogo autodidacta na oficina de pintura, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1948,
republicado em Almada Negreiros, José de, Ver, notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia,
1982, p. 260.

As linhas do pentagrama cruzam-se em 10 pontos, desde 0 até 9. A soma dos algarismos


na horizontal, que é perpendicular ao segmento que une o zero e o cinco e dele
equidistante, é sempre 10.

O número cinco, em linha com o zero, ocuparia o eixo de simetria da série, dividindo-a
em duas metades. Não por acaso, António Paiva desenha o Pentalfa em 5ª posição.
Almada lembra que, sendo o zero contíguo de um e nove, tanto pode começar como
terminar a série, tornando a colecção dos algarismos circular e potencialmente ilimitada.
Utilizando um verbo a ele muito caro, Almada diz “a colecção recomeça sempre até
infinito” [itálico nosso]:27

27
José de Almada Negreiros, Mito-Alegoria-Símbolo: monólogo autodidacta na oficina de pintura,
Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1948, republicado em José de Almada Negreiros, Ver, notas e prefácio de
Lima de Freitas, op. cit., p. 260 [itálico nosso].
43

A teoria do eterno retorno e do eterno devir é sintetizada por António Paiva na figura
zoomórfica que domina o portal, alusiva ao ouroboros, reunindo os conceitos de
princípio e fim, de vida e morte, de nascença e renascença.

25. António Paiva, Escultura. Portal principal da Casa. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

O símbolo da eternidade está relacionado com a roda da evolução, com o movimento e a


continuidade, com a união entre o um e o todo, com a criação e a existência circular dos
seres, com a união entre céu e terra, sendo a serpente animal infernal e terrestre e o
círculo símbolo do mundo celeste.
Os antigos interpretavam o Ouroboros (do copto Ouro = re e do ebraico Ob = serpente),
ou seja a serpente que morde a própria cauda, como a mudança do ano e o retorno ao
início, mas também como princípio alquímico do fogo.28

28
Roob Alexander, Il Museo Ermetico, Alchimia & Mistica, Tachen, Köln, 1997, pp. 402-403 e 421.
44

26. Símbolo alquímico da serpente Ouroboros in Antigo Manuscripto Grego, Bridgeman Art Library Ltd.
v. Corel Corporation.

Não por acaso o proprietário, José Manuel, autor do texto A Alquimia do sonho, 1951
não só explora o tema do eterno fluir do tempo
Há qualquer cousa de profundamente doloroso na consciência. Tudo flui, tudo se perde
irremediàvelmente… A única eternidade do homem é a plena vivência do instante, comunhão com tudo,
indiscriminadamente, em contemplação e humildade, em aceitação e dádiva.29

mas também põe como nume tutelar da sua casa a serpente, o animal alquímico capaz
de se devorar a si mesmo, tal como “o fogo que se alimenta com o fogo […] o fogo que
consome tudo, que abre e fecha todas as coisas”.30 Por isso a serpente é alter-ego da
porta, tal como lembra o proprietário da Casa num seu escrito de 1964:
A cobra: desde o princípio do mundo amaldiçoada rasteja de porta em porta à procura de quê? de um
perdão? de uma esmola? talvez de nada de resto quem a conhece? quem a vê?31

Aparentemente naïf, este Bestiário, esconde uma mensagem profunda, invisível ao


profano, mas evidente para quem procure uma exegese crítica do texto. Ligado às
origens e ao pecado, o pobre animal é associado à porta e à invisibilidade. Neste “quem
a vê ?” é legível um apelo aos iniciados que conseguem ver além das formas, da
natureza, do quotidiano, tal como lembra o poeta na epígrafe do mesmo texto:
"Rien ne me parait plus surprennent que le banal; le surréel est là, à la portée de la main, dans le
bavardage de tous les jours." Eugène Ionesco32

Premissa necessária para o Neófito que queira ultrapassar a ombreira da porta do


Conhecimento Superior é a clarividência, ou seja não só a capacidade de ver

29
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 33.
30
Abraham Eleazar, “Uractes chymisches werk”, Leipzig, 1760, in “Alquimia & Misticismo”, Alexander
Roob, Taschen, Lisboa, 1997, p. 403.
31
José Manuel, Bestiário, Lisboa, Tipografia Ideal, 1964, n. 7.
32
Idem.
45

claramente, de ante-ver, mas também de possuir a segunda vista, na qual falava


Swedenborg,33 para descortinar os misteriosos significados que as aparências encobrem.
Indicativa dum contexto iniciático, como o da casa, preanunciado pela entrada a xadrez,
é esta associação entre a porta e o infinito. Se o Conhecimento Superior permite a
transição entre dois mundos, desde as trevas até a luz, é significativo que até mesmo no
elemento da porta, verdadeiro diafragma entre estas duas esferas, se apresentem os
emblemas do infinito.
Mais ainda. Na minha opinião, na escultura adossada de António Paiva, por detrás do
símbolo do ouroboros, estão os emblemas do Ómega34 e do Alfa sobrepostos: o Ómega
por baixo e o Alfa por cima. Trata-se das duas letras justapostas: o corpo da serpente
descreve o Alfa em posição vertical, por detrás dum suporte em jeito de Ómega. Deste
jogo entre o zoomórfico e o cifrado, resultaria um tríplice emblema, Alfa-Ouroboros-
Ómega, a sublinhar, por um lado, o início e o fim de Tudo e de todos os Tempos (Alfa-
Ómega) e, por outro, a continuação dos Tempos no eterno recomeço até Infinito
(Ouroboros). Isso condiz com a interpretação unitária da Casa como união dos opostos,
num contexto dedicado a Psique. Uma reverberação acústica desta interpretação ler-se-á
nas poesias de José Manuel:
Serás o início e o fim
De todos os momentos
A primeira e a última
De todas as mulheres35

Depois o príncipe encontrou a sua alma e amou-a tanto tanto tanto que deu a sua vida por ela.
E nesse mesmo instante reconheceu-a e descobriu o seu mistério
A sua alma era também a sua morte.36

Psique coincide com o início e com o fim, remetendo simultaneamente para a


circularidade infinita dos Tempos. De facto, segundo a doutrina órfico-pitagórica,
Psique, ou seja a Alma, cumpre uma viagem (Metempsicose), transmigrando depois da
morte para outro corpo.
Observando o desenho do alçado Noroeste de 1955 de António Varela, reparamos numa
vontade de redução do símbolo zoomórfico à geometria triangular dum Delta.

33
Emanuel Swedenborg, cientista, filósofo, teólogo, inventor, político, literato, espiritualista sueco do
século XVII-XVIII, descreveu a Ciência das Correspondências na obra Arcana Cœlestia, entre 1746 e
1747.
34
Devo ao arquitecto Hugo Nazareth Fernandes e a uma troca de opiniões num café à tarde a intuição de
que a escultura simulasse um Ómega.
35
José Manuel, Eros, in Eros, revista literária fundada e dirigida por José Manuel, nº. 1 (Abril 1951) - nº
15 (Dezembro 1958), I, 17.
36
José Manuel, Uma história triste, in Eros VIII (Fevereiro 1955), op. cit.
46

27. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de Lisboa.

O Delta é na realidade uma tétrakis. Pitágoras e os seus estudantes prestavam juramento


sobre esta figura, baseada no número quatro.

28. Tétrakis pitagórica


Como se vê, cada lado do triângulo equilátero tem quatro pontos. No vértice está o
número 1. A tétrakis representa o número dez, soma dos primeiros quatro números
naturais, 1+2+3+4, dispostos em pirâmide ou Delta. O número 10 exprime a
multiplicação dos seres e das formas criadas e o retorno à Unidade, através da
reintegração no Fogo primordial, no Espírito Criador. Se na sequência numérico-
geométrica das dez terracotas está didáctica e analiticamente explicitado o caminho do
iniciado, no ouroboros, cimeiro do portal, encontramos a síntese geométrica e filosófica
desta viagem. O portal parece-nos a metáfora implícita do percurso por parte do Neófito
que, em frente às portas do saber, é chamado a meditar no contínuo começo ou re-
começo, onde a cabeça e a cauda, o alfa e ómega, o 1 e o 10 se sobrepõem,
contemplando os vários graus de iluminação, exemplificados nos baixos-relevos.
47

7. O Portal esotérico. A dupla queda de Psique, ou a descida da alma na


consciência.

29. José de Almada Negreiros, painel do portal da entrada secundária da Casa. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008. http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081126N1yIE8zf0Ej96QN9.JPG
(_CCC4559.tif)

A entrada esotérica surge em cariz côncavo face à varanda, cuja convexidade está em
contraponto com a plataforma análoga no piso inferior. O aspecto aberto e ondulado das
duas varandas não só contribui para desmentir a austeridade do bloco ortogonal do
edifício, mas também remete para a raiz mitológica da iconografia do vitral e dos
azulejos que o decoram, assim como alude ao significado oculto e hermético da
48

construção. A articulação saliência/reentrância, proeminência/concavidade remete, a


meu ver, para a origem do mito de Eros, tal como é narrado por Sócrates, que refere o
discurso de Diótima, no Banquete de Platão:

Quando nasceu Afrodite, os deuses banquetearam-se e, entre eles, estava Poros (o Expediente), filho de
Métis. Depois de terem comido, chegou Pênia (a Pobreza) para mendigar, porque tinha sido um grande
banquete, e ela estava perto da porta. Aconteceu que Poros, embriagado de néctar, dado que ainda não
havia vinho, entrou nos jardins de Zeus e, pesado como estava, adormeceu. Pênia, então, pela carência em
que se encontrava de tudo o que tem Poros, e cogitando ter um filho de Poros, dormiu com ele e concebeu
Eros. Por isso, Eros tornou-se seguidor e ministro de Afrodite, porque foi gerado durante as suas festas
natalícias; e também era por natureza amante da beleza, porque Afrodite também era bela. Pois que Eros é
filho de Pênia e Poros, eis qual é a sua condição. É sempre pobre não é de maneira alguma delicado e belo
como geralmente se crê; mas sujo, hirsuto, descalço, sem teto. Deita-se sempre por terra e não possui
nada para cobrir-se, descansa dormindo ao ar livre sob as estrelas, nos caminhos e junto às portas. Enfim,
mostra claramente a natureza da sua mãe, andando sempre acompanhado da pobreza. Ao invés, da parte
do pai, Eros está sempre à espreita dos belos de corpo e de alma, com sagazes ardis. É corajoso, audaz e
constante. Eros é um caçador temível, astucioso, sempre armando intrigas. Gosta de invenções e é cheio
de expediente para consegui-las. É filósofo o tempo todo, encantador poderoso, fazedor de filtros, sofista.
Sua natureza não é nem mortal nem imortal; no mesmo dia, em um momento, quando tudo lhe sucede
bem, floresce bem vivo e, no momento seguinte, morre; mas depois retorna à vida, graças à natureza
paterna. Mas tudo o que consegue pouco a pouco sempre lhe foge das mãos. Em suma, Eros nunca é
totalmente pobre nem totalmente rico.37

No princípio, Sócrates, porta-voz de Diótima, narra que os homens eram inteiros e


acrescenta que Eros é o que está entre dois extremos, entre sabedoria e ignorância,
sendo, por condição e origem, filho de um pai sábio e rico e de uma mãe que não é sábia
nem rica. Assim, o mito, legível na decoração interior e exterior da casa, está presente
também na sua estrutura arquitectónica, feita de proeminências e concavidades, como é
evidente nas plantas do rés-do-chão e do primeiro andar, onde o avançar de Poros é
interpretado pelas varandas e o recuar de Pênia pela melodia curvilínea da escada,
desenhada em semi-elipse.

37
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eros
49

30. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de Lisboa.
Do ponto de vista figurativo, o portal esotérico é um singular prelúdio à já referida obra
Começar, 1968-1969.38 Tal como na sua última obra, o autor desenha aqui as evoluções
e revoluções dum pentagrama, perceptível na sua dupla versão invertida em alto à
esquerda e à direita, enquanto atravessa momentos de invisibilidade e momentos de
grande visibilidade (linhas negras e linhas douradas), alternando um percurso linear e
anguloso, com uma passagem circular ou em espiral (linhas vermelhas e douradas). Os
fundos negros alternam-se aos campos vermelhos. A presença simultânea das três cores
remete para a alquimia dos materiais: ouro, chumbo e fogo. Mais ainda. Na peça teatral
de Almada O mito de Psique, 1949, encontramos a citação da famosa caverna do outro
mito de Platão.
A cena representa o interior duma caverna cuja entrada ao fundo é da medida duma pessoa39

38
Para uma análise do painel veja-se: José-Augusto França, Almada: o português sem mestre, Lisboa,
Estúdios Cor, 1974; José-Augusto França, "Começar", in Colóquio, Lisboa, nº 60 (Out. 1970), pp. 20-26;
José Lima de Freitas, Almada e o número, Lisboa, Arcádia, 1977; Lima de Freitas, José, Almada e o
número, Lisboa, Arcádia, 2ª ed. rev., corrigida e aumentada, Lisboa, Soctip, 1990; José de Almada
Negreiros, Ver, notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia, 1982; José Lima de Freitas, Pintar o
sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o pitagorismo e a geometria sagrada, Lisboa, Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, D.L., 1990. João Furtado Coelho, Os princípios de começar, em Colóquio. Artes, n. 100,
Lisboa, Março 1994, pp. 8-23, 75. Barbara Aniello, op. cit.
39
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, em Teatro, Lisboa, Estampa, 1971, p. 171.
50

O mito platónico da caverna, descrito no VII livro da República, é uma parábola de


como o homem se consegue libertar da escuridão da ignorância, para alcançar a luz da
verdade.
Conta o mito que um grupo de homens vivia no interior duma caverna, com uma
entrada aberta à luz, acorrentados e de costas para que não se pudessem mexer nem
pudessem ver senão diante deles. Nas paredes da caverna vêem-se uma série de sombras
pertencentes aos homens que vivem no exterior do antro, onde há uma fogueira acesa.
Os prisioneiros acreditam que as sombras projectadas pelos homens e pelos objectos são
reais. Se fossem libertados das suas cadeias, obrigados a voltar-se, após sofrer um
deslumbramento que os impediria de distinguir os objectos de que antes viam apenas as
sombras, constrangidos a sair da caverna, seriam curados da sua ignorância, não sem
antes ter de esperar o tempo necessário para a adaptação da vista.
Alegoria do processo do conhecimento, o mito da caverna permite explicar que o
verdadeiro Conhecimento, a Epistéme, passa pela gradual ultrapassagem das coisas
sensíveis, Doxa, chegando ao domínio das Ideias. Para o filósofo, a realidade está no
mundo das Ideias, enquanto a maioria dos homens vive na condição da ignorância, ao
nível da Doxa, no mundo ilusório das coisas sensíveis, mutáveis, corruptíveis, meras
sombras da luz da Verdade, da Gnose, da qual se mantém afastada. As conclusões do
mito, tiradas por Sócrates, estão surpreendentemente em sintonia com a figura e o
significado do mito de Psique:

Sócrates - Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objectos, se a considerares como a
ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu
desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo
inteligível, a ideia do Bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la
sem concluir que ela é a causa de tudo o que de recto e Belo existe em todas as coisas; no mundo visível,
ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é
preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.40

A “subida da Alma para a Mansão inteligível”, as provas para alcançar o “Belo” e o


“Bem”, a “Luz” como alegoria da “Ideia”: tudo isso é a essência, a mensagem, o fil-
rouge que liga escultura, arquitectura, pintura e poesia, na obra de arte total que é a
Casa da Rua de Alcolena.
Em consonância com o mito platónico e coerentemente com o desenho escolhido para
os azulejos do painel esotérico, Almada descreve o ingresso da cena, desenhada em
forma de estrela. A personagem de Psique é teatralmente pintada como uma moderna
40
Platão, A República, trad. e notas de Maria Helena da Rocha Pereira, Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa, 1993, livro VII, pp. 317 e segg.
51

mannequin à la mode, caracterizada pela curiosidade, qualidade que a distingue entre as


outras e que lhe consente ultrapassar o antro escuro:
Depois passa para lá da abertura da caverna uma jovem, autêntico figurino de jornal de modas, de
chapéu, luvas e sombrinha muito bem enrolada que lhe serve de bengala. Torna a aparecer e fica à
entrada curiosa do interior da caverna.

A JOVEM - Olá!

Depois com a ponta da sombrinha vai cautelosamente experimentando a passagem até que entra
perdendo-se na escuridão da caverna.41

Alma gémea da Psique teatral é a Psique representada nos azulejos da varanda exposta
no lado Sudoeste da casa. Daqui em diante, a jovem sofrerá várias metamorfoses: de
Psique em mulher de Cabaret, de mulher de Cabaret em Colombina, de Colombina em
Mãe. Por sua vez, Eros torna-se Arlequim e, de Arlequim, Pai.
O diálogo entre as personagens da peça almadina é um críptico ritual de iniciação entre
mestre e discípulo, nomeadamente Eros e Psique, acerca da gnose ou filosofia do
Conhecimento.

ELE - A ideia é difícil porque é simples.


ELA - Qual ideia?
ELE - Toda a ideia. Toda a ideia é uma glosa da luz.
ELA - Qual luz?
ELE - A única. A luz é única, como cada glosa.
ELA - Qual glosa?
ELE - A glosa da luz.42
Em uníssono com a peça teatral, não só o azulejo da entrada esotérica da casa é “da
medida de uma pessoa” e é desenhado em forma de estrela, representando a escuridão
da caverna, mas também o seu fundo negro se torna o palco para a dança do Pentagrama
que, como em Começar, nas suas revoluções e rotações actua, estiliza e personifica a
Ideia. Precisamente por isso, Almada escolhe os riscos coloridos: para fixar numa
iconografia abstracta a Ideia, sendo “Toda a ideia uma glosa da luz”. Em perfeita
assonância com o pensamento platónico, segundo Almada, da luz da Íris nasceram as
cores todas e a luz todas contém. A Ideia, contendo todo o saber, é alter-ego da Luz. Por
isso, na sua dança, a estrela conhece as cores brilhantes dos trajectos curvilíneos e
rectilíneos. É um precipitar-se de linhas e tintas que revelam e ocultam, ao mesmo
tempo, no habitual jogo entre visível e invisível que caracteriza também o painel da
Gulbenkian, a dança e a queda livre do Pentalfa invertido.43

41
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., pp. 172-173.
42
Ibidem, p. 174.
43
Barbara Aniello, op. cit., p. 344.
52

Além disso, Almada dá-nos, noutros espaços da sua escrita, a chave da motivação da
sua escolha cromática, tal como acontece em particular na célebre Cena do Ódio:44
“Sou vermelho-niagara dos sexos escancarados nos chicotes dos cossacos!”,
“Pajem loiro”,
“Amarelo-múmia”,
“Resto de cedros e Fumo de cinzas”,
“Vulcão pirotécnico com chuvas de ouro”.45

Como nos sulcos gravados na pedra do painel da Gulbenkian, estes traços coloridos,
desenhados por Almada no azulejo da entrada dos aposentos privados do proprietário da
casa, veiculam um significado particular: na obra pública representam as revoluções
planetárias da estrela Vénus; na casa privada encarnam a luz da Gnose ou, melhor, a luz
que ilumina o sujeito que atinge a Gnose, em outras palavras Psique. Da exegese dos
textos almadinos, conclui-se que as linhas coloridas do portal esotérico não são mais
que um retrato luminoso do “conhecível” (do que se pode conhecer) e do “conhecedor”
(do sujeito que conhece). A decoração do portal revela-se assim uma abstracção lírico-
geométrica de cariz gnoseológico, à procura dos fundamentos do saber.
O fundo preto do painel de azulejos remete para o mito da caverna platónica e, como
tal, o conhecimento das coisas sensíveis, ou Doxa, é apenas uma sombra da ideia
arquetípica. O iniciado deve passar pelas trevas da imanência, para atingir a luz da Ideia
na sua transcendência. Mais ainda: a cor negra, na estética do proprietário da casa,
ocupa um lugar especial:
É o escuro, é o negro,
é a côr que se não vê! …46

Anjo ou demónio, não sei quem és, não sei quem sou. Em ti, e em mim, o bem e o mal, a beleza e a
fealdade, a verdade e o êrro não surgem como um conflito, - formam uma harmonia, uma unidade. Só há
perversão no que é inautêntico. E tu és pura na tua miséria, na tua grandeza, - és o meu anjo negro, o meu
demónio branco. E eu sou puro na minha miséria, na minha grandeza, - sou o teu anjo negro, o teu
demónio branco.47

44
José de Almada Negreiros, Obras Completas, Poesia, vol. I, Obras Completas, Imprensa Nacional
Casa da Moeda, Lisboa 1986-1993, pp. 47-66.
45
Idênticas policromias encontram-se no painel Começar. Almada quis colorir os riscos gravados na
pedra, segundo uma decisão final dele (França, José-Augusto, Almada: o português sem mestre, Lisboa,
Estúdios Cor, 1974, p. 177). Além de fornecer uma razão didáctica, como orientação na floresta dos
riscos geométricos, estas faixas de cores constituem uma linguagem cifrada, uma mensagem críptica,
esculpida na pedra, semanticamente densa de alusões. De uma leitura teosófica da obra almadina, com
base na carta teosófica das cores, editada por Besant e Leadbeater num texto de 1901, infere-se que o
percurso da estrela se inicia em Começar, pela descida no orgulho e na cólera e, depois de ter superado a
obscuridade da malícia, conhece o brilho dourado do intelecto audaz. Cfr. Barbara Aniello, op. cit., p. 350
e segg.
46
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp.105-106.
47
Ibidem, p. 61.
53

A procurada ambiguidade entre Luz e Trevas, Visível e Invisível, Bem e Mal, Anjo e
Demónio, reflecte o universo filosófico de José Manuel, em busca dum equilíbrio entre
os opostos. O eterno devir, o escorrer do tempo e a contínua transmutação dos seres
estão relacionados com o conceito de Metamorfose.
Psique, cujo mito ocupa os capítulos centrais das Metamorfoses de Ovídio, é emblema
da alma em perpétua mudança espiritual. Este conceito se reflecte na escrita de José
Manuel:
Há uma transformação das imagens. Modificam-se permanentemente. É impossível fixá-las. Do mesmo
modo, a realidade obedece a uma contínua transformação. E a própria consciência é um processo de
sucessivas metamorfoses. Deste modo, há três movimentos no personagem, - o movimento de fora, o
movimento de dentro e o movimento da consciência. De tudo isto resulta um ritmo. E esse ritmo é ainda o
ritmo da vida...48

A iconografia do Pentalfa invertido assume, assim, o valor duma tomada de consciência


e, ao mesmo tempo, duma “queda” em si mesma, por parte de Psique, iniciada à Gnose,
enquanto no momento de fora para dentro, de alto para baixo é legível o recuar, a
descida da Alma in interiore homini.
Emblemática, nesse texto de José Manuel, é a afirmação da prioridade da metamorfose
como processo vital e cognitivo. Psique, na sua iniciação, é conduzida pela mão por
Eros no seu percurso das trevas à luz. A Alma pode conhecer a Beleza, a Filosofia, a
Ideia desde que seja levada pelo Amor. Eros tem a função de trâmite (Eros metaxú) na
escalada dos fenomena até às eideias, sendo uma mistura genética entre aspiração e
satisfação, desejo e saciedade, privação e plenitude, Pênia e Poros.
Não por acaso, todos os 15 números da revista Eros são epigrafados com este mote
platónico:
Do sensível ao inteligível
O mito de Eros torna-se, para José Manuel e para os seus colaboradores, uma metáfora
da gnose:
A cultura manifesta-se pois pelo amor do desconhecido, pelo Eros platónico, por uma inquietude e desejo
permanentes.49

Emblema do Conhecimento e do Auto-Conhecimento é o Pentalfa invertido: “Noli foras


ire, in te ipsum redi; in interiore homini habitat Veritas”.50
Por José Manuel:

48
Ibidem, p. 33.
49
Jorge Nemésio, Cultura comunicação e transposição, in Eros I (Abril 1951), op. cit.
50
Agostinho, De vera religione XXXIX, 72, in Augustinianum XXXVIII, I, 1998 [itálico nosso].
54

TEMA COM VARIAÇÕES:


1

Conhece-te a ti mesmo. O que és


é toda a tua realidade.

Sê uno enquanto existes. Tu és a ideia e a forma dos mundos temporais,


multímodos que sentes.

A única certeza, a única verdade,


é a essência interior da tua própria alma.51

E por Almada:
Todas as coisas do universo aonde, por tanto tempo, me procurei, são as mesmas que encontrei dentro do
peito no fim da viagem que fiz pelo Universo.52

51
José Manuel, Tema e variações, Tipografia Ideal, 1950, p. 13.
52
José de Almada Negreiros, Confidências, em A invenção do dia claro, II parte, em Obras Completas,
Poesia, p. 171.
55

8. A Estrela interior, ou a regeneração de Psique.


O arquétipo da Estrela Flamejante de cinco pontas, que para Almada simboliza o
Homem ou, mais exactamente, o «homem regenerado», percorre a casa toda, quer na
sua exposição exterior, quer na sua intimidade interior.
Mas é no recolhimento interior da sua casa-alma que o poeta encontra o impulso para o
sonho, a renovação, a redenção.
Sonha outro mundo outra vida
recomeça desde dentro
- a salvação és tu53

É nas paredes dos aposentos de José Manuel, contíguas à sua biblioteca privada, que
reencontramos o duplo pentagrama pintado, desta vez, com a ponta virada para cima e
com o vértice rayonnant.

31. e 32. Antecâmara da Biblioteca privada de José Manuel. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

Seguindo o modelo do Pentagrama de Agrippa e a sua interpretação por Cesare


Cesariano,54

53
José Manuel, Transfigurações, dedicado a Eduardo Viana, in Eros V-VI (Outubro 1953), op.cit., V-VI,
8.
54
Cfr. Barbara Aniello, op. cit., p. 338.
56

33. e 34. Pentagrama de Agrippa e Pentagrama de Cesare Cesariano.

Almada retoma este símbolo pitagórico de perfeição humana na parte central da


tapeçaria intitulada O Número, 1958.

35. José de Almada Negreiros, O número,


número 1958, tapeçaria em lã,, Manufactura das Tapeçarias de
Portalegre, Tribunal de Contas de Lisboa, Colecção Tribunal de Contas de Lisboa, 2600 x 7090,
reproduzida em Almada Negreiros, Obra Plástica,
Plástica curadores José de Almada Negreiros, Rui Guedes,
Bertrand,, 1993, n. 83. Fotografia de António Homem Cardoso. Publicado em Aniello, Barbara, “José de
Almada Negreiros: do Caos à Estrela dançante”, in Artis,, Revista do Instituto de História de Arte da
Universidade de Lisboa, n. 6, Lisboa, 2007,
2007 p. 331.
http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/images/o_numero.jpg

É minha convicção,, de facto, que as obras O Número, no átrio do Tribunal de Contas


Contas, e
Começar, no átrio da Fundação Gulbenkian, não estejam próximas apenas pela
localização, separadas por cerca de um quilómetro e meio de ruas perpendiculares, mas
que a primeira seja
eja uma ponte indispensável para o processo de abstracção da segunda.
57

36. José de Almada Negreiros, Começar, baixo-relevo em pedra, 2.310 x 12.870, ass., dat., Átrio da
Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção da Fundação Calouste Gulbenkian, reproduzida em Almada
Negreiros, Obra Plástica, curadores Arq. José de Almada Negreiros, Rui Guedes, Bertrand, 1993, n. 111.
Fotografia de António Homem Cardoso.
http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/images/comecar.jpg

No seu percurso, Almada fez duas operações fundamentais e opostas: pôs no centro do
seu Cosmos regenerado o homem perfeito, a figura humana, espelho davinciano das
proporciones divinas e depois anulou essa referência concreta, tangível, substituindo a
figura leonardiana pelo Pentagrama antropomórfico.

Esta posição do Homem no esquema simbólico corresponde ao «homem verdadeiro», expressão máxima
das possibilidades inerentes ao homem como homem, nível onde se completam os chamados «pequenos
mistérios»; corresponde, ainda, ao grau de mestre das iniciações profissionais, tais como as dos
construtores das catedrais da Europa. Compasso e esquadro, «Céu» e «Terra», círculo e quadrado,
encontram no «homem verdadeiro» o termo médio de conciliação e fusão: o «arquitecto» surge, pois,
revestido da qualidade de iniciado capaz de reconstituir o modelo do Universo onde os dois princípios
incomensuráveis se casam, ou ainda de «artista» - no sentido alquímico do termo - operando a união do
círculo e do quadrado numa figura única, a verdadeira «quadratura do círculo».55

No meu entender, no quádruplo Pentalfa, duplamente presente exterior e interiormente,


de modo invertido e directo, esconde-se a queda e a regeneração, a punição e a
expiação de Psique. A de Psique é uma dupla queda, narrada pelo mito e representada
no duplo Pentalfa invertido do portal.
Em primeiro lugar, para se unir ao seu misterioso amante, como narra Apuleio:
Do alto de um rochedo desce a um vale delicioso onde se ergue um palácio encantado.56

Em segundo lugar, para expiar a culpa por ter visto o vulto de Eros. Psique, atrevida
observadora de Eros, é constrangida por Vénus, numa das suas provas de
purificação, a percorrer as trevas do Mal. Mas na sua queda, também, vislumbra-se a
queda de Prometeu, de Ícaro, de Lúcifer: ela cai, para ressurgir à luz do intelecto.
55
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 125-127.
56
Apuleio, Metamorfoses, in De Sousa, Eudoro, Quem vê Deus, morre, op. cit., pp. 7-8.
58

Neste sentido Psique é paradigma da iniciação e emblema do iniciado. De facto,


lembra-nos Almada, é necessária a queda, para alcançar a apoteose:
É o que o mundo não entende: que o imortal passe pelas entranhas da terra.57

57
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., p.172.
59

9. Um Vitral enigmático. A junção-disjunção de Psique com Eros.

É, de facto, nas entranhas da terra que reencontramos Psique, unida ao seu mestre-
parceiro, no vitral58 que originariamente ornava a janela da Biblioteca do proprietário,
virada não exactamente a poente, como já foi afirmado, mas sim a noroeste.59

37. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da Assembleia da República,
Residência Oficial do Presidente, fotografia de Barbara Aniello, publicado em Barbara Aniello, As
metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos,
revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.

É particularmente significativo que Almada coloque esta obra paralelamente ao ponto


cardeal que coincide, no seu mapa erudito, com a orientação e o destino de Portugal.
É importante sublinhar que esse vitral indica o sentido da “Direcção Única”, superação
e síntese, segundo Almada, de todos os contrastes e de todas as divisões.

Portugal define-se no extremo sudoeste, fazendo parte integrante do ocidente e do sul da Europa,
60
exactamente SW.

58
A reprodução aqui publicada foi feita pela autora e foi autorizada pelo Museu da Assembleia da
República. Uma outra reprodução desta obra encontra-se na página 10 do catálogo: AA.VV., Leilão de
Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya, Palácio do Correio Velho, Lisboa, 2000, que
se refere a ela, com o n.º 547, intitulando-a A queda de Ícaro.
59
Devo ao arquitecto Hugo Nazareth Fernandes a sugestão de levar in loco uma bússola com a qual aferi
a orientação da Casa e do vitral, podendo assim confirmar a correspondência entre a obra e os textos da
revista Sudoeste.
60
José de Almada Negreiros, SW: Sudoeste: cadernos de Almada Negreiros, admin. Dário Martins,
Edição facsimilada, Contexto, Lisboa, 1982, n. 1, p. 5.
60

38. José de Almada Negreiros, Portugal no mapa da Europa, publicado em SW: Sudoeste: cadernos de
Almada Negreiros, admin. Dário Martins, Edição facsimilada, Contexto, Lisboa, 1982, n. 1, p. 2.

Tal como na sua revista SW, Almada estabelece no vitral as coordenadas para apontar
ao lugar e ao destino da sua Nação, futura herdeira do Quinto Império, segundo a linha
filosófica que vai de padre António Vieira até Fernando Pessoa.
Este paralelo entre obra figurativa e literária é uma constante da produção artística
almadina.

39. Posição do vitral com respeito à imagem de Portugal no mapa da Europa de José Almada Negreiros.

Retomando em consideração o elemento simbólico da chaminé fingida, gostaríamos de


frisar a analogia entre este elemento no terraço e uma escultura análoga no jardim, com
função de canteiro, que reitera o mesmo desenho de feição tríplice. Ambas as esculturas,
definidas pela justaposição de dois sólidos rectangulares, albergando um foro circular,
61

na extremidade oblíqua superior, não só sublinham o conceito analógico-hermético


segundo o qual “o que está em cima é análogo ao que está em baixo”,61 como também
poderiam ser um expediente simbólico, cogitado por Varela, para insistir na orientação
privilegiada da Casa, apontando a chaminé para Sudoeste e o canteiro para Noroeste.
Será que os dois elementos escultóricos varelianos indicam a Direcção Única, na qual
insistem quer o vitral quer os azulejos de Almada? Será que o profundo entendimento
entre arquitecto e pintor levou a uma análoga e recíproca orientação dos próprios
trabalhos, no mesmo sentido geográfico, filosófico e especulativo?

40. e 41. Casa da Rua Alcolena, chaminé fingida e canteiro. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
Por outro lado, é a revista Eros, fundada por José Manuel, a fornecer, mais uma vez, a
chave interpretativa e a motivação da escolha da localização do Vitral,

Assim tu vais morrendo, lentamente,


Na incerta imagem dum vitral antigo
Iluminada pelo sol poente…62

61
Devo ao Arquitecto Hugo Nazareth Fernandes esta observação neste contexto.
62
Fernando Guimarães, Poesias, in Eros II (Outubro 1951), op. cit.
62

Aqui, sem véus, e sem nenhum revestimento teatral, Psique e Eros estão representados
nus, de acordo com o mito e com a escrita de Almada:
Ele apresentou-nos nus um ao outro. O Acaso, a deus desconhecido,
a expectativa de todo o instante, e que não tem outra ambição que a
da mesma sorte, outra vida que a própria Harmonia, foi p’ra mim
mais luminoso que o próprio sol: ambos nus a primeira vez que nos
vimos e sem sinal das nossas condições no mundo. Reconheço aqui
a linguagem dos deuses na voz do Acaso.63

A nudez e a luz estão relacionadas.


Quero-te nua
Como uma estrela64

De resto, estamos num espaço privado e num ambiente particularmente íntimo da vida
do poeta, filósofo e compositor José Manuel, tratando-se do seu hortus conclusus,
reservado à leitura, ao estudo, à escrita e à recepção de poucos amigos cuidadosamente
escolhidos.
Eu queria amar-te para além de todas as perplexidades, de todas as interrogações….
Princesa ou pastora, humana ou divina, queria-te nua, sem artifícios, sem véus, sem máscaras.65

A interpretação do vitral, adquirido pelo Museu da Assembleia da República num leilão


em 2001, tem sido objecto de leituras divergentes, devido à sua suposta iconografia
controversa.66
Discordando das interpretações anteriores, em minha opinião, trata-se dum propositado
apagamento ou, melhor, ocultação dos atributos sexuais de ambos os protagonistas.
Com base nos estudos anteriores à versão definitiva do vitral, um óleo e uma aguarela,
podemos afirmar que Almada parte duma evidente distinção de identidade e funções,
com Eros deitado e adormecido e Psique acordada e despertadora (aguarela),

63
José de Almada Negreiros, Obras Completas, Teatro, vol. VII, op. cit., p. 220.
64
José Manuel, Eros, in Eros I (Abril 1951), op. cit., n. I, 15.
65
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 40.
66
O primeiro estudo sobre o vitral deve-se a Cátia Mourão, Contributo para a análise iconográfica de um
vitral de Almada Negreiros, in Revista de História da Arte, n.º 3, Abril, 2007, Instituto de História da
Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, pp. 269-279.
Veja-se também: AA.VV., Leilão de Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya, op. cit.,
p.10, que se refere à obra com o título de A queda de Ícaro.
63

42. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, aguarela e lápis sobre papel, 16 x 56, n. ass. e n. dat., Col.
Jorge de Brito, publicada no catálogo Almada: a cena do corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém
(de 27 de Outubro de 1993 a 15 de Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 227. Fotografia de Victor Branco e
Campiso Rocha Henriques Ruas.

chegando a uma progressiva indistinção andrógina e a uma indeterminação de papéis


(óleo).67

43. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, estudo para o painel decorativo da residência do Arq.
António Varela, Encosta da Ajuda, Óleo sobre papel, 655 x 3020, n. ass. e n. dat., colecção particular,
Lisboa, publicado no catálogo Almada: a cena do corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27
de Outubro de 1993 a 15 de Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 227. Fotografia de Victor Branco e Campiso
Rocha Henriques Ruas. Republicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo curado por
Rui Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 191.

Almada funde dois momentos-chave do mito: quando Psique contempla o vulto de Eros
através da luz da lucerna, transgredindo a interdição, e quando, por sua vez, Eros

67
As fotografias destas duas obras Eros e Psiquê, estudo para o painel decorativo da residência do Arq.
António Varela, Encosta da Ajuda, Óleo sobre papel, n. ass. e n. dat., colecção particular, Lisboa e Eros e
Psique, aguarela e lápis sobre papel, n. ass. e n. dat., Col. Jorge de Brito, foram retiradas do catálogo
Almada: a cena do corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27 de Outubro de 1993 a 15 de
Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 227. Em particular, o estudo em aguarela foi exposto e publicado no
catálogo da Exposição Almada, curado por Margarida Acciaiuoli, patente no Centro de Arte Moderna da
Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, com o número
435.
64

desperta a sua amada do sono infernal. Estas são as duas circunstâncias críticas do
drama. O primeiro acto custará a Psique a queda, o segundo valer-lhe-á a apoteose.
O aprofundado estudo do mito em chave alegórica, por parte de Almada, está
documentado na citada peça teatral, O mito de Psique, onde Eros não só cumpre várias
tentativas de acordar a mulher, mas simultaneamente lhe relembra, como numa
analepse, o passado atrevimento, aludindo à actual troca de papéis.
Ela deixa cair a cabeça desamparadamente. Ele montando-a animalmente a cavalo, toma-lhe a cabeça
com ambas as mãos e sacode-lha enquanto fala para os lábios dela.

ELE - Mulher, vence o teu sono! Suspende a tua fragilidade! Entende plos meus olhos o que viste
com os teus. Eu falo-te da raça sagrada da mestiçagem dos deuses e humanos que vivem por amor. Por
amor. Por amor.
Tu, mulher minha, que me espiaste pra teres mais certeza prò nosso casamento do que fé no teu
amor, ouve o sangue e a divisa da nossa raça: por amor, por amor, por amor. Tu és da nossa raça, mas o
mundo tem-te. O mundo não é senão casa de humanos e não fecha o espaço todo dentro de si. Olha o que
viste! Foi-te dado olhares, vê! Vê que não te é dado veres senão a ti mesma, não somos deuses, eles
sabem estar sòzinhos, mas vê por eles como hás-de olhá-los pra ficares sozinha, tu.
ELA - Por amor.
ELE - Sim. Por amor. Mulher minha, não te deixes vencer nem por mim, vence tu, respeita o nosso
casamento. Faz como eu por ser igual aos que sabem estar sòzinhos, única diferença sagrada entre
humanos.
ELA - (Conseguindo juntar as mãos.) Que queres que eu te diga, homem? Eu não sei nada de nada,
senão, que estou cheia de espanto e de medo!

Ele retira-se da posição, afaga-lhe as faces com carinho, beija-a na testa e fica de pé ao lado do
divã.

ELE - Também eu não sei nada de nada, nem nada que eu desejei saber, alma da minha alma. Por amor é-
me bastante. Mas tu viste: tens que ver o que viste! É com espanto e com medo que estas coisas nos
servem.

Ela cerra os olhos e como que adormece.68

A troca de papéis, no plano teatral, corresponde à troca ou partilha de identidade, no


plano iconográfico. A peça teatral revela-se a chave interpretativa do vitral,
respondendo às três interrogativas fundamentais que estão na base da sua complexa
iconografia: a androginia dos protagonistas, o ciclo vida-morte-renascença, a visão
como antecâmara do Conhecimento.

68
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., pp. 176-177.
65

9.1 Um par andrógino.


Com respeito aos estudos preparatórios, dois desenhos e um óleo, Almada não troca o
feminino pelo masculino, mas encobre os atributos de ambos através do expediente do
ombro e da cabeça da figura despertadora, face à figura a despertar. Ainda visíveis,
embora ocultados, são a curva do seio da personagem dourada e o membro da figura
deitada.
Almada, talvez sob indicação do comitente, funde não só os dois momentos da fabula,
como também o masculino e o feminino, o divino e o humano, dissolvendo as
individualidades num único ser andrógino: “a raça sagrada da mestiçagem dos deuses e
humanos que vivem por amor”.
Por isso é propositada a ambiguidade dos corpos efébicos de ambas as figuras. A razão
desta indeterminação é a partilha, a fusão enraizada na exegese simbólica do mito e não
a troca das duas identidades. No instante do seu despertar, no fim da sua viagem
iniciática, Psique unir-se-á para sempre ao seu amado e os dois formarão um ser único.
A fusão dos seres em virtude das provas superadas por amor, não é só entre os sexos,
mas entre os status.
Talvez eu procurasse em ti o sonho, talvez tu procurasses em mim o sonho. Mas nós não éramos sonho,-
éramos corpo e alma…69

Assim, na Alquimia do sonho, José Manuel descreve a união andrógina do casal unido
no intuito de um recíproco despertar do mundo onírico.
Não sei se me pertences
Não sei se me possuis
Sei que estamos fundidos
Na mesma grande dor70

Seremos dois embora


Só existas em mim71

Tua carne perdeu qualquer sentido


Viveste puro espírito em minha alma72

É o sonho que funde e confunde os opostos: alma e corpo, feminino-masculino, vida-


morte. Assim o feminino torna-se masculino e o masculino, feminino:

ELA - Não sei se existo se sonho: sinto-me como fechada dentro de tudo que é teu, e sem eu ter
trazido nada que me pertença

69
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 36.
70
José Manuel, Eros, in Eros I (Abril 1951), op. cit., I, 21.
71
Ibidem, I, 22.
72
Ibidem, I, 34.
66

O divino humaniza-se e o humano diviniza-se, como diz Almada, nas palavras de Eros.
O mito, narrado no Banquete de Platão, descreve o andrógino como filho não do sol,
como os homens, não da terra, como as mulheres, mas da lua. Os andróginos,
participando de ambas as naturezas, masculina e feminina, atreveram-se a projectar a
escalada ao Olimpo, mas Zeus, por punição, separou cada um deles em duas metades,
dividindo-os para sempre. Desde então cada metade está em permanente estado de
insatisfação e procura eternamente a outra metade. Encontrado o “outro” a procura
termina e homens e mulheres fundem-se numa completa e recíproca união.
Almada persegue a ideia unitária do Andrógino, cujo mito é uma das mais recorrentes
ekphrasis do seu corpus, estando presente desde a sua partida para Paris, neste Par de
1920,

44. José de Almada Negreiros, Par, 1920, Lapis e aguarela sobre papel, 293 x 228 mm., col part., Lisboa,
Expo. CAM., cat. 8. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha Henriques Ruas, publicado também
em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 69.
Fotocompográfica, Lda.

nos desenhos da década dos anos ‘20,

45. José de Almada Negreiros, Ilustração para La Raquete japonesa, cuento de Ramón Gomez de la
Serna, 1929, publicado no jornal La Esfera, 26 de Outubro de 1929, pp. 14-15, Madrid, BN Z 6557,
reproduzido em Almada o escritor, o ilustrador, catálogo coord. Manuela Rego, Lisboa, 1993, p. 173.
Fotografia de Luís Carlos.

nos acrobatas e arlequins dos anos ‘20-‘40, que passam duma posição de faces
encostadas
67

46. José de Almada Negreiros, Arlequim e Columbina, 1940, 42 x 30, tinta da china sobre papel, ass. dat.,
col. Miguel Veiga, Porto, fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão, publicado no catálogo
Almada, Expo C.A.M., 1984, [s.l.]. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha Henriques Ruas.

a uma partilha de traços fisionómicos,

47. José de Almada Negreiros, Arlequim e Columbina, 1938, Aguarela, tinta da china, lápis sobre papel,
533 x 452 mm., ass., dat., col. Arq. Carlos Tojal, Lisboa, fotografia publicada em Vieira Joaquim,
Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 9, Fotocompográfica, Lda.

até às soluções mais abstractas que perpetuam o motivo da síntese no abraço.

48. José de Almada Negreiros, Encontro, 1937, desenho para o livro de poemas inédito, BN J. 4349M,
publicado em Almada o escritor, o ilustrador, catálogo coord. Manuela Rego, Lisboa, 1993, p. 79.
Fotografia de Luís Carlos.
68

O tema do andrógino é recorrente na parede sul da casa, nomeadamente nas varandas


dos primeiro e segundo pisos, onde a união exibida pelo par dançante, dinâmico, no
vórtice do baile,

49. José de Almada Negreiros, Par dançante, pormenor do painel da varanda do 2º piso da Casa da Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicado em Barbara Aniello, As metamorfoses
de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista
semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais,
Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650.tif)

faz de contraponto à fusão, mais lírica e extática do casal abraçado no barco


69

50. José de Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso da Casa da Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicado em Barbara Aniello, As metamorfoses
de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista
semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais,
Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4602.tif)

Como sempre esta ideia ecoa na escrita do artista:

Mulheres e homens são duas metades da humanidade – a metade masculina e a metade feminina.73

Almada, poeta e pintor, explora coerentemente o mito platónico do Andrógino na sua


produção figurativa e literária. À obra de Almada faz de eco a escrita do proprietário
que cita, velando, a mesma temática mítica na sua Alquimia do sonho.

De qualquer modo era preciso recomeçar, voltar outra vez ao princípio, à inocência primeira. Era preciso
que eu abdicasse, que tu abdicasses, que nos fundíssemos num único corpo, numa única alma, e que o
mundo se fundisse connosco, sem crítica, sem análise. Era preciso que a oportunidade viesse, e que tu não
a perdesses, e que eu não a perdesse...74

Tal como Almada, José Manuel reitera também no desenho a efígie do mítico ser, como
acontece nas capas, desenhadas pelo autor, de As quatro Estações,

73
José de Almada Negreiros, A invenção do dia claro, em Manifestos e Conferências, op. cit., p. 57.
74
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 36-37.
70

51. José Manuel, capa para As Quatro estações, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1963, desenho do autor.
Reprodução de Barbara Aniello.

e de Alquimia do Sonho:

52. José Manuel, capa para Alquimia do sonho: romance poemático, 1952, Biblioteca Nacional de Lisboa,
desenho do autor. Reprodução de Barbara Aniello.

Em particular, esta última prova o processo de fusão in fieri de dois seres num só. É
como se assistíssemos em directo, como pelo efeito flou de sobreposição das lentes
cinematográficas, à junção do Dois no Um, à mistura das identidades, à união dos
opostos. Estes conceitos filosóficos são bem exemplificados pelo desenho que, partindo
da apresentação justaposta de dois seres separados, brota numa terceira imagem, criada
por sobreposição de alguns simples, estilizados pormenores anatómicos: os narizes
71

tornam-se cabelos, as faces nariz. Uma aura apurada em espiral circunda os seres, de
dois reduzidos a um. A importância do texto na leitura da casa é fundamental e dá-nos
também o espectro dos interesses do proprietário, que terá tido provavelmente
influência nas escolhas estilísticas e iconográficas dos artistas. Na poesia Balada
assiste-se a uma verdadeira alquimia metamórfica da alma e do corpo nos quatro
elementos: ar, fogo, água, terra. Mais do que uma partilha de identidade ou uma fusão
de sexos, trata-se aqui de uma passagem de estados. Corpo e alma tornam-se
alternadamente matéria líquida, sólida, gasosa, abnegando a própria natureza.

BALADA

Vieste tu
e roubaste-me a alma;
vieste tu
e roubaste-me o corpo;
vieste tu
e tiraste-me a mim próprio.

Depois…

Depois a minha alma


foi flâmula
nas tuas mãos,
foi fogo sagrado
nos teus olhos,
foi ária

na tua voz,
foi néctar
nos teus lábios,
foi sonho
na tua alma;

depois o meu corpo


foi lama
nas tuas mãos,
foi desprezo
nos teus olhos, foi vómito
na tua voz,
foi náusea
nos teus lábios,
foi ódio
no teu corpo;

depois. . .

Depois devia haver


alguma coisa mais;
depois talvez houvesse
o indistinto segredo
de uma folha a cair,
efémera, irreal,
72

num adeus sem depois...75

José Manuel volta ao arquétipo platónico para se apoderar da ideia de coexistência dos
opostos, tornando-o sinónimo de ser perfeito, auto-suficiente e completo.

TEMA E VARIAÇÕES

Para que olhas tu a cidade longínqua?


Tua alma é a cidade longínqua.
FERNANDO PESSOA, 1950

Tu és presente em tudo
o que pensas e sentes
Porém, em ti não há
lugar para mais nada.
Estás completo em ti mesmo
e enches o mundo todo.76

Neste sentido, a poesia datada de 1950, um ano antes do projecto da casa, é muito
significativa para a leitura do seu programa iconográfico, reflectindo sobre o alquímico
ideal da coincidentia opositorum e a sua ultrapassagem num contexto de contínua
metamorfose (tema e variações) e de busca da alma, evidenciada na epígrafe,
significativamente assinada por Fernando Pessoa.
O tema do equilíbrio dos opostos, ligado ao Amor e ao Conhecimento, é repetido
noutros espaços da sua poética:
PRIMEIRO RETRATO
Em literatura, o pior vício é a definição, a delimitação dos personagens…. Não é possível definir-te,
delimitar-te. Mas há mais. Tu não foste para mim um conhecimento, - mas uma vivência, um sentimento,
uma intuição…
Foste para mim qualquer cousa de vago, impreciso, e simultâneamente concreto, absoluto, - silêncio e
música, distância e proximidade, - todos os contrários, desde fora e desde dentro.77

Ecos deste conceito platónico do Amor encontram-se nos colaboradores da revista Eros.

O conhecimento é uma vivência o sujeito conhece o objecto por causa do amor.78

Filosofia engloba em si o ser e o conhecer. A “gnosia” não é mais do que o veículo intermediário que
permite atingir os “ontos”, como etapa final de toda a filosofia.79

“o espírito, como síntese dialéctica conseguida através da “gnosia”, interpenetra-se estreitamente com o
“ontos”, a vida, pelo seu carácter de vivência. A filosofia não pode ser, portanto, outra coisa senão uma
expressão de cultura, desenvolvimento dialéctico e expressão sintética de vida no espírito.80

75
José Manuel, Sargaços, Coimbra Editora, Coimbra, 1947, pp. 47-46.
76
José Manuel, Tema e Variações, op. cit, p. 20.
77
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 25-26.
78
Jorge Nemésio, Esboço para uma filosofia expressão de uma cultura, em Eros III-IV (Dezembro
1952), op. cit.
79
Ibidem.
80
Ibidem.
73

Voltando ao nosso vitral, pela mitologia sabemos como a potência do arquétipo do


andrógino está ligada às divindades, às suas transformações e ao tema da iniciação à
gnose. Por exemplo, andrógino é Tirésia, o vidente da Odisseia, tornado tal por ter
assistido à junção de duas serpentes sagradas. A serpente, na sua forma circular,
Ouroboros, anula as diferenças entre fim e início, representando o Todo, o Inteiro, o
Universal. Como Tirésia, também Psique, tendo visto a Divindade, torna-se andrógina,
envolvendo nesta transformação o próprio Eros. Sujeito e objecto, contemplador e
contemplado estão envolvidos em mais uma metamorfose: de dois seres tornam-se um.
Almada escolhe voluntariamente encobrir os vestígios dos opostos, apagando e velando
as recíprocas identidades sexuais, sublinhando a presença do circular, do alquímico, do
recíproco no retrato de Eros e Psique. Prelúdio desta ulterior metamorfose de Psique é a
escultura cimeira do portal decorado por António Paiva. Ao círculo do ouroboros faz de
eco esta circularidade de gestos, poses, atitudes do par efigiado no vitral de Almada
Negreiros. O próprio enquadramento da cena escolhido pelo autor remete para o círculo.
Almada, sendo pintor, poeta, dramaturgo e coreógrafo, não por acaso realiza uma
imagem que simultaneamente pinta, conta, actua e dança a simbólica fusão dos seres no
Um. De facto, as duas figuras descrevem um círculo, através do mútuo estender dos
braços e da postura inclinada da cabeça. A figura supina com o ombro esquerdo une os
dois vultos, descrevendo um círculo em alto que a figura de bruços sublinha e
acompanha com o seu braço direito. Por sua vez, a figura inclinada com o seu braço
esquerdo indica a conclusão inferior da circunferência, enquanto a supina segue a
sugestão, descrevendo um mais amplo e aberto semicírculo. Eis, no momento da visão,
como no caso de Tirésia, a metamorfose andrógina. A raça do sol, masculina e a da
terra, feminina, fundem-se na luz mística, criando a terceira raça, a da lua.
74

9.2 A morte não é o fim.


Entrelaçado com o tema do Andrógino e da circularidade do tempo é o tema do ciclo
Vida e Morte. A reflexão filosófica a partir do mito de Psique sobre este tema é
significativa na leitura iconográfica do vitral, sobretudo à luz da descoberta dum texto
do filósofo, filólogo e mitógrafo, Eudoro de Sousa, publicado em 1947. O seu
emblemático título, Quem vê Deus, morre…, o subtítulo (O mito de Psique) e a sua
dedicatória, A José de Almada Negreiros,81 não deixam espaço a dúvidas acerca da
leitura esclarecida do artista face às exigências do encomendante. O filósofo, que
manteve uma fecunda convivência com Almada, oferece uma leitura aprofundada da
fabula de Apuleio, interrogando-se sobre a relação entre as aventuras de Psique e a
iniciação aos Mistérios. Na sua glosa ao mito, Eudoro de Sousa sublinha os dois
momentos críticos do drama de Psique: a visão do Deus adormecido, ou primeira morte,
e o despertar por parte de Eros, ou renascença depois da letargia da alma. Segundo a
exegese alegórica do mito, Psique é a razão face às irascíveis e irracionais irmãs. É
emanação dos astros mais luminosos, Sol e Lua, por isso suscita a inveja do astro
menor, Vénus. A sua descida, visível no Pentalfa invertido, seria a descida da Lua para
se unir a um corpo, sem que por tal renuncie à sua natureza.
Quem aparentemente morre, como Psique, renasce num status mais elevado, tornando-
se deusa, se se deixar conduzir pelo Amor, como afirma Almada na sua Psique teatral:
ELA - Que queres? Estou como se tivesse nascido
quando te vi, apagou-se-me tudo dantes de te conhecer.82

O binómio Amor e Morte, Eros e Tanathos, aparece citado nas multíplices vozes da
escrita de Almada:
O amor não teme a morte, teme não ter estado na vida.83

E, por exemplo, na peça teatral Deseja-se Mulher:


FREGUÊS – É pior que a morte. Estar vivo e não ter vida. Viver em branco. Nada. Absolutamente nada.
Nem a morte. O que há mais neste mundo: nada!84

Este conceito ecoa frequentemente na escrita e na obra de Almada:


Nasce segunda vez o que morre a morte primeira.
Nasce-se segunda vez o ser vivo eterno que somos.
Iremos por onde não há adesão possível à segunda vida
Porta do eterno.
Depois é o silêncio que fala

81
Eudoro de Sousa, op. cit., pp. 1-17.
82
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, in Teatro, op. cit., p. 178.
83
Ibidem, p. 179.
84
José de Almada Negreiros, Deseja-se Mulher, in Teatro, op. cit., p. 23.
75

A paz que nos esperava.85

O tema do começo, o mito da origem, percorre toda a produção plástica, poética, teatral
de Almada e, como já dissemos, o painel Começar, seria a representação concreta deste
eterno início e desta contínua iniciação.
Psique, portanto, confessa ter renascido na visão de Eros, mas, ao mesmo tempo, fica
cega: se a morte coincide com a visão, a renascença está ligada à cegueira.
Nutre a alma de todos os povos a crença de que só a morte paga o alto preço da contemplação da
divindade: «quem vê Deus, morre», dizem os remotos Séculos, pela voz do povo. Mas há uma alternativa:
«quem vê um deus, morre ou.., cega!». Esta variante, genuinamente grega, da crença universal, nasceu na
religião, desenvolveu-se na poesia, floresceu na filosofia.86

E aqui ingressa a exegese simbólica do mito: a morte coincide com o início ou


iniciação, a cegueira corresponde a uma segunda visão ou clarividência:
Então [na morte] sofre [a alma] uma impressão como a dos iniciados nos mistérios maiores; por
isso, na morte (τελευτή) como na iniciação (τελετή) a palavra concorda com a palavra, e o acto com
o acto: primeiro, digressões e circuitos debilitantes, certas andanças suspeitas e intermináveis
através das trevas, e antes do termo, todos os terrores, - medo, temor, suor e espanto -, mas depois
irrompe uma luz admirável e acolhem-nos lugares puros e ridentes pradarias…87

Portanto consequência fatal do encontro com a divindade é a morte ou a cegueira, mas a


mesma morte ou cegueira são premissas necessárias para a vida imortal e a visão plena.
Na verdade, a equação morte-cegueira implica a dos opostos: vida-contemplação. Assim se compreende
que o perfeito iniciado, que ao neófito pode dizer: não há morte!, seja denominado, επόπτης- o que vê.88

Por isso mesmo, a Psique do vitral, a figura deitada, é apagada, enquanto Eros aparece
aceso, iluminado, cintilante no vitral.
Em perfeita consonância com Almada, José Manuel escreve:
Queria-te morta para te amar em futuro e viver-te em passado.89

Tempo e espaço anulam-se pela Alma que conhece o Amor, bem como se apagam os
confins entre vida e morte,
Eras tu que revivias em mim ou eu que revivia em ti? A união dos corpos e das almas, fora do espaço,
fora do tempo, teria sentido? 90

desaparecem os limites entre corpos e almas

Viver é outro modo de estar morto.


Ser é não-ser. Nada em verdade existe.
o que te prende à vida é o sonho e o erro.91

porque, como explica o filósofo,


85
José de Almada Negreiros, Itinerario sobre o Joelho, Poesia, op. cit., p. 207.
86
Eudoro de Sousa, op. cit., p. 13.
87
Idem.
88
Ibidem, p. 14.
89
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 20.
90
Idem.
91
Ibidem, p. 33.
76

o amor é comunhão, identificação, unificação. O amor transcende e exclui o dualismo sujeito-objecto. A


contemplação estética pura e a criação de arte são as formas perfeitas do amor.92

O proprietário expressa por palavras o mesmo ideal realizado pelo artista em imagens.
De tal maneira à perfeita união corresponde a perfeita confusão e fusão do eu no tu:
E a tua solidão recebeu-me como se eu fosse uma Outra imagem de ti.93

E ainda:
Aconteceste em mim e eu encontrei-me em ti.94

92
Ibidem, p. 22.
93
Ibidem, pp. 25-24.
94
Ibidem, p. 26.
77

9.3 Ver é Saber.


À luz da lucerna, Psique realiza a Visão e com a Visão alcança o Conhecimento. Nesse
sentido Psique é uma Eva que padece as consequências do seu pecado. Responsável
pela transgressão do veto divino, Psique sofrerá toda uma série de provas para se
regenerar e ascender aos cumes da Sabedoria e da Omnisciência.
Para Almada o pecado está, contrariamente ao ensinamento do mito, na não-visão.
Almada enfatiza sempre o conceito da visão e faz de Prometeu, o herói da Humanidade,
o seu alter-ego, alguém capaz de ver antes, de pré-ver. A heroicidade de Prometeu, para
Almada, está toda na visão.
José Manuel, mais uma vez, está de acordo com as ideias do artista, atestando-o na sua
poesia datada de 1950:
CANTATA
à memória de Fernando Pessoa

Mestre, o nosso maior pecado, o mais


imperdoável de todos os pecados,
é não querermos ver que estás em nós
e nos pertences em verdade e amor.95

A data e a dedicatória da poesia, não podem ser ignoradas num contexto como o do
edifício da Rua de Alcolena, construído em torno do tema da visão e do conhecimento e
decorado por um artista que pertenceu à geração de Orpheu.
O tema da iluminação é estritamente conexo com o da visão.
A biblioteca de José Manuel torna-se, nesse sentido, uma metáfora do Amor e da sede
do saber, que passa através do apagamento dos sentidos, em particular do olhar (órgão
físico), e origina na alma do iniciado uma segunda vida, graças à vista interior (órgão
psíquico). Como no pôr-do-sol, neste vitral sul-ocidental, entrevê-se simultaneamente
uma morte e uma potencial renascença, um apagamento e uma iluminação.
Uma reverberação deste status místico e suspensão estática encontra-se na produção
literária do proprietário da casa e principal fruidor deste espaço privado:
Vendaram-me os olhos. Ceguei, apesar da dolorosa experiência de todos os dias. Aqui, pelo menos, não
sofro. Tudo me é indiferente. Permaneço longe. Quem sou, - o que penso, o que sinto, - deixou de existir.
Perdi consistência. Sou apenas o instinto agindo obscuramente96

Sinto-me suspenso no tempo, estático no espaço97

De resto o oculto está interligado com o Amor, num contexto místico-sagrado como o
da Biblioteca que acolhia o vitral.
95
José Manuel, Cantata, Tip. Ideal, Lisboa, 1950, p. 14.
96
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 12-14.
97
Ibidem, pp. 17-14.
78

Ocultamente, secretamente sagrei o meu amor… Sei que não exististe como eu te sonhei. Sei que não
descobri o teu segredo. No entanto, ocultamente, secretamente sagrei-te o meu amor.98

Quando se entrega ao Amor, Psique é cega:


ELA - Dei-te a minha vida inteira pra sempre.
ELE - Vi que ma davas às cegas.99

Mas, mal aconselhada pelas suas irmãs, é levada pela sua curiosidade a espiar o seu
objecto de Amor. Na peça teatral Psique cumpre por duas vezes este acto transgressivo:
quando espreita pelas portas da caverna, pelas simbólicas portas do conhecimento, o
rosto da mãe do seu amante, e na alcova com o seu amado, como lembra o próprio Eros:

ELE - Seguiste-me. Espiaste-me. Quiseste mais certeza de mim do que segurança em ti.

Como amiúde acontece no trabalho poliédrico mas unitário de Almada, há uma


reverberação figurativa desta cena teatral num desenho de 1940.

53. José de Almada Negreiros, Desenho, 1940, publicado no catálogo da exposição Almada, curada por
Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14
de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.

Não por acaso aqui Eros, dialogando com a mãe Vénus, é vestido de arlequim e é
espiado por uma Psique que espreita por detrás duma grande tela-caverna.
Reencontraremos análogos Eros/Arlequins disseminados nas paredes da residência.
Não por acaso Almada substitui a caverna pela tela, sendo para ele o desenho a primeira
e privilegiada forma de conhecimento.
Os olhos são para ver e o que olhos vêem só o desenho sabe.100

98
Ibidem, p. 57.
99
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, em Teatro, op. cit., p. 178.
100
José de Almada Negreiros, Auto-retrato, com dedicatória “Ao meu amigo Mário ribeiro”, Sintra,
1926, col. Part., lisboa, expo. Cam. 84 cat. N. 29.
79

Primeiro o saber passa pelos olhos, depois é o desenho que recolhe esta ciência visual e
a mostra.
80

9.4 Duvido ergo sum


Através das produções literárias de ambos os artistas, apercebemo-nos de que o pecado
de Psique não está na sua curiosidade, mas sim na sua dúvida, na sua insegurança, na
falta de autoconfiança e, sobretudo, na falta de fé no próprio Amor.
Tudo aparentemente ridículo, imoral, - em verdade, uma simples curiosidade de criança. Eva perante o
fruto proibido.101

O pecado de Psique, segundo a interpretação do mito por Almada, é o escrúpulo. Não é


nem a sua desobediência, nem a sua curiosidade, que, pelo contrário, constituem as suas
qualidades. Como Almada, assim fala José Manuel:
Não procures entender
o que a vida te mostrar.
Sabedoria é viver
sem pensar.
Conhecer é duvidar.102

Na alquimia dos opostos até mesmo os conceitos de Sabedoria e Dúvida estão reunidos,
algo que não espanta num contexto mítico-filosófico como o da Casa, cuja inspiração
platónica é evidente. Numa espécie de socrático-cartesiano duvido ergo sum, textos
literários e figurativos entrelaçam-se na moradia do Restelo.
Podes descrer de tudo,
de tudo podes duvidar.
Só não podes descrer
nem duvidar daquilo que és.103

Quando possuíres em ti a tua vida


e, finalmente livre
de toda a vã reminiscência humana,
olhares o que foste
ao mundo de impressões sensacionais,
vagas, contraditórias,
sem unidade e sem nenhum sentido
que foi a tua vida,
verás talvez que, dentro de ti próprio,
tão próxima de ti,
alguma, cousa permanece estável,
profundamente pura,
Alguma cousa que tu próprio ignoras,
mas entendes e sentes,
não com a inteligência ou as sentidos,
mas com o corpo todo.
Serás então autêntico e presente
Dentro do tempo instável,
bastar-te-ás a ti própria, saberás
amar a tua vida
e possuirás, em ti completamente,

101
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 31.
102
José Manuel, Primeiro livro de odes, Tipografia Ideal, Lisboa, 1950, p. 23.
103
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 30.
81

lúcido como um deus;


a consciência de que és e o justo orgulho
de tudo quanto vales.104

Na sua iniciação ao Amor e à Gnose, Psique é instruída por Eros sobre os mistérios
socráticos do auto-conhecimento. Se ver é saber, saber é ter visto e, por consequência,
ter visto é lembrar, de acordo com a teoria da metempsicose platónica:
ELE - Não te ensino nada. Longe de mim que aprendas comigo. Tu sabes isto de nascença. Eu só to dou a
ver: que sejas tu a vê-lo!

ELE - Sim: a vida não é outra coisa que conhecer-se a si mesmo.

ELE - O mundo tem de facto a sua sabedoria e esta é fácil de saber, mas é anónima apesar de ter imolado
tanta gente. O difícil é o nosso, o de cada um: conhecer-se a si mesmo. E uma pessoa não tem mais tempo
do que este: conhecer-se a si mesmo. Como pode alguém parar de conhecer-se se as suas idades o mudam
constantemente?105

Na versão teatral do mito, Almada interpreta a dúvida de Psique como causa da sua
segunda morte. Depois de ter duvidado,
ELA - Mas se eu o não conseguisse?106

suscitando a ira e o desaparecimento de Eros, Psique morre de novo. Mais uma vez,
antes de desaparecer, Eros lança um anátema à amada, culpando-a da sua cegueira:

ELE - Tu não vês o que dizes


não vês o que sentes
não vês o que pensas, pareces um profissional. […]
Tu não vês por ver
sentes por sentir
pensas por pensar
estás por quem?
tu por ti?
O quê por amor?107

O súbito desaparecimento de Eros provoca uma solidão e uma dor inefáveis na Alma
que, apesar de continuar viva, conhece a morte:
ELA - Custa-me tanto a estar sozinha. É como se tivessem parado todos os relógios do mundo, e o sol, e
afinal fui eu só que parei desde que ele desapareceu. Ninguém me preveniu de que também havia esta
morte de não passar o tempo em vida.

Consequência deste abandono é a extenuante procura de Eros, por parte de Psique. Por
outras palavras, é a dúvida que desencadeia a busca do Amor pela Alma. Sem o Amor,
ela está condenada ao limbo:
sem estar no humano
sem estar no divino
sem lugar na vida

104
Ibidem, p. 35.
105
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., p. 180.
106
Idem.
107
Ibidem, p. 181.
82

sem lugar na morte108

Paradoxalmente a dúvida é o elo necessário para passar da solidão à união. Na verdade,


o pecado de Psique causa, uma dupla perda: a de Eros por Psique e a de Psique por
Eros. Na Alquimia do sonho, José Manuel inverte os papéis dos amantes, tal como no
vitral, e descreve um Eros perdidamente em busca da amada:
Em vão procurei reaver-te. Perdera-te, como perdera a pureza inicial do sentimento…O pensamento é
estéril. A ideia destrói o real. Sofri a consciência do meu próprio crime, o pecado, o remorso, o castigo do
conhecimento: - a dúvida, o intelectualismo perdeu-me, perdeu-te, perdeu-nos. Nervosamente procurei
ainda abraçar o infinito. Traí o momento e perdi o direito à eternidade.109

Desta perda originar-se-ão aquelas a que eu chamo as metamorfoses da Alma à procura


do Amor, visíveis no conjunto de azulejos que reveste a casa. A razão destas
metamorfoses é evidenciada em outros passos da obra do proprietário da casa.
Curiosa, a alquimia do sonho. As imagens sofrem todas as transformações. A matéria não importa. O que
importa é a intenção, a vontade. Na consciência não há leis fixas. Tudo flui, como um grande rio
inesgotável. Para onde? Para o fim do mundo, para o infinito. Porquê? Tudo é pretexto. Como? De
qualquer modo.110

A transformação das imagens no eterno fluir das coisas, no alquímico devir da vida,
coincide com o significado unitário das diferentes formas que Psique encarna ao longo
deste percurso. Na raiz das suas atribulações está o seu pecado. Ela aparece-nos em toda
a sua ambiguidade, semelhante, mas ao mesmo tempo diversa de Eva. Os seus olhos
abrem-se, como os da progenitora, e com eles abre-se a via do conhecimento que torna
Psique, assim como Eva, igual aos deuses.
Scit enim Deus quod in quocumque die comederitis ex eo aperientur oculi vestri et eritis sicut dii scientes
bonum et malum.111

Tanto na bíblia, como nas fontes clássicas, o acto da visão coincide com o da sabedoria.
Almada, que é um modernista com alma de renascentista, herda esta crença e afirma a
prioridade do acto da visão na polifonia da sua escrita e da sua arte.
Foi a própria natureza que pôs a vista ao alto dos cinco sentidos, e a seguir o ouvido, a meia distância da
vista e do olfacto. Esta primazia da vista é a natural do homem.112

Ao mesmo tempo, traça uma grande diferença entre ver e olhar:

Ver é pensar. Olhar não é pensar.


Ver é a conjugação perfeita dos cinco sentidos. O primeiro sentido é olhar. Cada um dos sentidos é
primeiro de cada vez nesta conjugação dos cinco. Assim mesmo a conjugação é sempre Ver.113

108
Idem.
109
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 40.
110
Ibidem, p. 43.
111
“Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele [do fruto] comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis
como deuses, conhecedores do bem e do mal.” Bíblia, Génesis, 3:5.
112
José de Almada Negreiros, Ver, op. cit., p. 76.
113
Ibidem, p. 197.
83

e confere ao desenho o papel de trâmite entre visão e sabedoria.114


A centralidade do tema da visão na pesquisa teórico-artística de Almada é inegável,
basta consultar os seus apontamentos reunidos por Lima de Freitas com o título Ver.
Mas aqui, na Rua de Alcolena, é singular a coincidência com as ideias filosóficas
expressas por Eudoro de Sousa no seu texto dedicado ao artista:
É que saber dizem os gregos, infinitivo presente ειδέναι que é o perfeito de ver. Como dizer: saber é ter
visto.115

O desejo do conhecimento passa, portanto, pelo desejo da visão. Estes olhos tão ávidos
de imagens, como eram os olhos de Almada desde a sua infância,116 encontram no mito
de Eros e Psique uma alegoria e um símbolo da visão clara e elucidada do homem
renascido e regenerado na escola de Amor.
O binómio Eva-Psique tem um interessante paralelo cromático na parede da Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa.

54. José de Almada Negreiros, Expulsão de Adão e Eva do paraíso, Fachada da Faculdade de Letras,
Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.
http://ic2.pbase.com/o4/21/4921/1/99280202.IfcMWBYS.Lisboa_Cidade_Universitaria1426.jpg

Aqui, Eva é dourada, enquanto Adão é cor-de-rosa. Tal como a figura despertadora do
vitral que assume a cor dourada da iluminação, Eva, sendo fautora da sua própria acção
gnoseológica, desencadeia o Conhecimento superior, colhendo o fruto do saber, do

114
Cfr. infra, nota n. 86.
115
Eudoro de Sousa, op. cit., p. 14.
116
O episódio é contado in Conversas com Sarah Affonso, de Maria José de Almada Negreiros, Arcádia,
Lisboa, 1982, p. 38: “Um dia, era o Zé pequeno, ia a correr por um desses corredores e quando deu a
curva, esbarra com o director que o agarrou assim pelos ombros «diz-me uma coisa. Eu tenho 360 alunos,
e todos têm os olhos na cara, porque é que tu tens a cara nos olhos?!». Almada foi desde então apelidado
“o menino d’olhos de gigante”. Mesmo Almada brincava com a sua alcunha, como atesta a epígrafe do
seu poema O menino d’olhos de gigante: “Dizem que sou eu o menino d’olhos de Gigante, e eu juro pela
minha boa sorte que não sou só eu”, Outubro, 1921, publicado em Contemporânea, Grande Revista
Mensal, dir. José Pacheco, edit. Agostinho Fernandes, ano 1, nº 3, p. 150.
84

Conhecimento do Bem e do Mal. Por isso Eva é dourada, enquanto Adão é cor-de-rosa.
O homem, que tem na figura deitada e dormente do vitral o seu alter-ego, é passivo,
sofre e padece a acção. Por isso Almada adopta a cor mais apagada entre as cores que
compõem a chama do conhecimento.
85

9.5 Uma localização particular. As cores do vitral.


Segundo esta leitura, seria emblemática a posição do painel, situado na parede Norte-
Poente da casa. O vitral indicaria a morte “aparente” do sol, que cada dia se apaga para
depois renascer a nova vida. Significativamente, do lado oposto da construção, a Sul-
Nascente encontrava-se uma capela, junto aos aposentos de Maria da Piedade, que
completava o ciclo solar da vida, morte e ressurreição.
O ponto cardeal Oeste é crucial na estética de José Manuel, como revela o poema das
Primeiras Canções, intitulado Poente:
Esta minh'alma que vagueia triste
por um campo de rosas com muitos espinhos,
vai pensando em ti, ilusão que te partiste,
e nunca mais voltaste.

A noite é escura, a alma é branca,


que harmonioso contraste!
E a alma na noite escura
parecia muito mais pura
do que o era na verdade.

Mas o tempo passou;


e como o escuro era muito
e o branco quási nada,
o branco ficou escuro
e a minh'alma ficou em nada...

E a minh'alma que agora se não vê,


mas que ainda existe,
chora lamentosamente por ti,
ó malvada ilusão que te partiste!...117

Este poema, dedicado a Almada Negreiros, autor do vitral, precede em sete anos o
primeiro projecto da casa e, significativamente, alude ao ponto cardeal que albergará a
obra. Particularmente indicativo é este contraste entre sombra e luz, resolvido no
encontro e na fusão do escuro e do branco que trocam de lugar um com o outro. Depois
do abandono, a alma vai em busca do amor, mas em vão. A sombra cai e o “eu” cega.
Indicativa duma sensibilidade à luz e à procura da fusão, expressas no vitral, esta poesia
alude veladamente ao Mito de Psique.
Uma função especial desempenharia a lucerna no vitral, significativamente ressaltada
pela cor verde:
«Especialmente instrutiva é a relação da lâmpada com Psique. No mito, atribui-se à lâmpada uma função
que nos esclarece acerca do respectivo lugar nos «Mistérios»...118

117
José Manuel, As Primeiras Canções, Portugália Editora, Lisboa, 1944, pp. 125-126.
118
Eudoro de Sousa, op. cit., p. 14.
86

A lamparina, portanto, sublinhando a passagem da vida material à vida anímica e


assinalando um momento de ascese, e não um momento de queda, na existência de
Psique, seria simultaneamente acessório funcional da teatralização do mito e presença
simbólica da luz que permite o acesso aos Mistérios. É a chama da lucerna, instrumento
que permite a visão, que tinge de luz o corpo ardente de Psique, sujeito vidente.
Narrando o mito, Eudoro de Sousa conta que, em consequência da visão, “Psique
estremeceu e o seu corpo ardeu, como a luz da lucerna, rasgando o véu da noite”. O
brilho do corpo nu de Psique fere a manta obscura da noite e “assim a ignorante Psique
se inflama de amor por Amor”.119
Mais ainda. A lucerna que a figura dourada do vitral segura na mão poderá
ambiguamente referir-se à lamparina do primeiro momento crítico do drama e ao frasco
de Prosérpina do segundo. Luz ou perfume, visão ou olfacto, este objecto concorre para
o significado simbólico da inteireza e pureza do amor.
Conserva-o em ti mesmo, intacto e puro,
como um perfume de mulher amada.120

Almada alude à lanterna como elemento intermediário entre a iluminação e a cegueira:


Sou Narciso do Meu Ódio!
O Meu ódio é Lanterna de Diógenes,
é cegueira de Diógenes,
é cegueira da Lanterna!121

A cor verde, para Almada, representa a ponte entre dois mundos.


É numa tinta verde que autografa a capa da Invenção do Dia claro, “escripta de uma só
maneira para todas as espécies de orgulho e seguida das démarches para a invenção:
ensaios para a iniciação de Portuguezes na revelação da pintura”122

119
Cfr. infra, p. 13.
120
José Manuel, Primeiro livro de odes, op. cit., p. 14.
121
José de Almada Negreiros, Cena do Ódio, op. cit., p. 48.
122
José de Almada Negreiros, Invenção do Dia claro, ms., Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio
Almada Negreiros, N. 15/1.
87

55. José de Almada Negreiros, Invenção do Dia claro, ms., Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio
Almada Negreiros, N. 15/1. Depósito da Biblioteca Nacional de Portugal, 2007.
http://images.google.pt/imgres?imgurl=http://purl.pt/13858/1/imagens/a1c/107_n15-
1_0001.jpg&imgrefurl=http://purl.pt/13858/1/geneses/1/3-
107.html&usg=__OV1_m_IBYWYxgAT7Aqc3DqZQG3A=&h=539&w=379&sz=43&hl=pt-
PT&start=1&sig2=qQY0A3W4Pg3HdDv0ikTIXA&um=1&tbnid=feWR3N_t5-
zVOM:&tbnh=132&tbnw=93&prev=/images%3Fq%3Dalmada%2Bnegreiros%2Binven%25C3%25A7%
25C3%25A3o%2Bdo%2Bdia%2Bclaro%26hl%3Dpt-
PT%26lr%3D%26rlz%3D1G1TSED_ITIT318%26um%3D1&ei=W0snS52IIdWA4QbZ-oyaDQ

É a cor verde que escolhe como capa do primeiro número da sua revista Sudoeste,123

56. José de Almada Negreiros, SW: Sudoeste, cadernos de Almada Negreiros, admin. Dário Martins,
Edição facsimilada, Contexto, Lisboa, 1982, capa do nº1. http://publicacoesmaitreya.pt/files/t378

É sempre Verde a sua Hist[ória] (autêntica) para a côr branca e a côr roxa, datada de 5
de Maio de 1921124 e “verde” é a cor que Almada representa num bailado citado no
último dos manuscritos da pequena colecção e datado de 21 de Junho de 1918,125

57. José de Almada Negreiros, N.C. 5 – Invention Vert, 1918, ms., Espólio Almada Negreiros, N 15/5,
Biblioteca Nacional de Portugal, Sala Reservados. Depósito da Biblioteca Nacional de Portugal, 2007.
http://acpc.bn.pt/imagens/colecoes/n15_negreiros_almada_th.jpg

123
José de Almada Negreiros, SW: Sudoeste, op. cit., capa.
124
José de Almada Negreiros, Hist[ória] (autentica) para a côr branca e a côr roxa, ms., Espólio
Almada Negreiros, N 15/4, Biblioteca Nacional de Portugal, Sala Reservados.
125
José de Almada Negreiros, N.C. 5 – Invention Vert, 1918, ms., Espólio Almada Negreiros, N 15/5,
Biblioteca Nacional de Portugal, Sala Reservados.
88

um misto de escrita e de dança de cores, onde o olho egípcio seria uma espécie de
assinatura do artista. Entre as cores-personagens deste Club futurista, o Verde é
interpretado por Almada.
De uma cor verde amarelada, quase dourada, é a pele do Prometeu retratado no
Número, entre o Homem grego, vermelho vivo e o Renascentista, roxo. As cores do
conhecimento (vermelho, fogo vivo) e do fogo alquímico (violeta) derivam do verde-
ouro do místico corpo do Prometeu, simbolicamente representado em cruz.
Da análise da obra poliédrica mas unitária de Almada, deduz-se que a cor verde faz de
trâmite entre as esferas do Divino e Humano, do Conhecível e Inconhecível, do Visível
e Invisível. Por isso, o verde tinge o instrumento de iluminação, a candeia, ocupando
assim o fulcro físico do vitral e também o centro hermenêutico do mito nele
representado.
Voltando ao contexto onde estava colocado o vitral, é importante fazer algumas
considerações. É graças ao filósofo Eudoro de Sousa e à sua exegese do mito, que nos
apercebemos do significado do duplo Pentalfa directo, com a ponta virada para cima,
pintado na antecâmara da Biblioteca. À dupla queda de Psique, visualizada no Portal
esotérico, corresponderá a dupla ascensão de Vénus, na antecâmara da Biblioteca. Aos
dois Pentalfa invertidos fazem de contraponto dois Pentalfa regulares:
Em Psique, ascende a própria Afrodite ao grau lunar, o mais alto que a materialidade da mulher pode
atingir.126

Se a mulher, segundo o mito platónico é filha da terra, é mesmo da terra, que esta
Psique-Vénus atinge o grau lunar, próprio do andrógino, filho da lua.
O símbolo geométrico do Pentalfa é sempre associado a Afrodite. Da grafia do percurso
do planeta Vénus, através do Zodíaco, resulta um traçado geométrico absolutamente
regular: o Pentágono perfeito. Ao longo deste caminho, o planeta alterna fases de
invisibilidade e fases de extrema visibilidade, mas quando se encontra próximo do Sol
manifesta então a sua dupla natureza: é a Estrela da Manhã, dita também Phosphoros,
ou Lúcifer, mas também Estrela da Noite, Hespheros, Afrodite. Na mitologia, Vénus,
invejosa da luminosidade de Psique, ascende qual astro regenerado, depois de a sua
escrava ter ultrapassado todas as provas de expiação, inclusivamente a cegueira e a
morte. Pentalfa invertido, Pentalfa regular.
A temporária exclusão do órgão da vista é condição necessária para o Neófito alcançar
a visão interior:

126
Eudoro de Sousa, op. cit., p. 12.
89

O sol queimou a paisagem todos os homens cegaram127

Retomando o tema da iluminação, é importante sublinhar o significado da luz mística


do pôr-do-sol filtrada pela cor roxa do vitral-janela e é fundamental debruçarmo-nos
sobre a luz da chama amarela emanada pela lamparina e nas suas reverberações nos
corpos dos amantes.
Na sua peculiaridade, a luz, depois do último raio de sol, está no limiar entre o fim do
dia e o seu início,
onde começa o sonho e acaba a vida,
um mundo sem distâncias e sem horas
te espera, como um términus de linha.128

o pôr-do-sol confunde-se com a madrugada, pintando quase uma alba crepuscular:


Tenho ainda entre as mãos a madrugada
e já pressinto obscuramente ao longe
a estrela vespertina129

Na poesia, tal como na Biblioteca privada do proprietário, as cores tingem-se de


nuances inefáveis, provocando uma ilusão atemporal, uma mistificação do tempo:
Porquê a lívida palidez do teu rosto? Seria o abat-jour, o luar à noite, ou o sol invisível da manhã?

Verdadeira ekphrasis, aflorando o plágio do vitral pela poesia, é este nocturno, pintado
pelo poeta José Manuel:
HORA VIOLETA

Aproxima-se a hora violeta


do nosso amor, ungido de ternura,
e pelo mesmo cálix de amargura
beberemos a vida mais secreta.

Ela vem, soleníssima e gentil


e quebra-se em violáceos tons de luz,
a nossa colorida e amarga cruz,
indefinidamente juvenil.

A hora dos vitrais esmaecidos,


a hora dos segredos por dizer,
o momento lilaz, a fenecer,
no sonho dos segundos esquecidos,

a hora dos silêncios e da paz,


religiosa e ténue como um véu,
diluindo-se em sombras pelo céu,

127
José Manuel, Transfigurações, dedicado a Eduardo Viana, in Eros V-VI (Outubro 1953), op. cit., V-
VI, 2.
128
José Manuel, Primeiro livro de odes, Lisboa, tip. Ideal, p. 37.
129
José Manuel, Princesinha descalça, Lisboa, tip. Ideal, 1962, X.
90

pelo céu quase azul, quase lilaz,

a hora da harmonia e da beleza,


desfeita num acorde confrangido,
num som suavemente dolorido,
num eco embriagado de incerteza...

Desfazendo-se em sonhos pelos céus,


quase sentimental, quase secreta,
aproxima-se a hora violeta,
a hora em que te vou dizer adeus…130

Aqui tudo fala na obra almadina: a indefinida amante que se “quebra em violáceos tons
de luz”, como no vidro despedaçado do vitral, a alusão aos “vitrais esmaecidos”, ao
místico “momento lilaz”, ao “sonho”, ao “esquecimento”, à coincidencia opositorum da
“harmonia desfeita”, à “ebriedade”, ao “segredo”, à separação, à união. Inspirado pelo
lugar onde compunha, o poeta traduz em poesia a imagem do recíproco despertar da
Alma e do Amor, numa atmosfera suspensa, irreal.
Uma pista interpretativa do significado que para José Manuel tinham as cores está
explícita em Viração:

Eis o branco vítreo, baço e transparente,


a côr real dos impérios da luz,
a côr que ilumina tôda a gente
no seu esplendor crescente,
sempre e sempre, eternamente!

Eis o roxo do horizonte,


o roxo da sepultura;
eis a côr verde do monte,
a castanha que é de tôdas a mais dura,
a amarela das praias portuguesas,
do cobre, do oiro, das riquezas,
a vermelha do sangue e da dor,
a rosada cheia d'esplendor,
e tantas, tantas outras mais!
Mas de tôdas a mais formosa
e de tôdas a mais misteriosa
é a minha verdadeira cor
que eu canto sem saber porquê! ...

É o escuro, é o negro,
é a côr que se não vê! …131

Mais uma metamorfose do Visível ao Invisível está nas cores da Íris, que acabam na
fatal escuridão do oculto. Não só José Manuel nos deixa rastos das suas preferências

130
José Manuel, Sargaços, op. cit., pp. 44-45.
131
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 106-105.
91

cromáticas, mas também nos avisa dos sentidos ocultos nas tintas: roxo-sepultura,
verde-elevação, oiro-riqueza, rosa-esplendor, emolduradas mais uma vez pelos
contrários: o baço vítreo branco transparente e o denso, invisível negro escuro. Na
procurada harmonia dos opostos o que é naturalmente visível torna-se invisível e
assiste-se a uma inesperada troca entre as qualidades e a identidade do branco e do
negro.
9.6 As medidas do vitral
Tal como afirmamos no início, a assimetria para Almada Negreiros é o lugar do
transcendente e o transcendente é “despertador dos longos letargos humanos”. O vitral
não só é assimétrico, ocupando a representação das figuras menos do que 3/5 da cena
total, mas também apela à saída do sono, da letargia, da morte, num contexto onde
Psique acorda Eros para espiar o seu vulto e, vice-versa, Eros acorda Psique, do torpor
estígio. Mais ainda: as proporções do vitral remetem para as da estrela de cinco pontas.
O conjunto, que reúne 153 pedaços de vidro polícromo numa moldura rectangular,
dividida em 5 painéis, verticalmente ritmados, forma uma composição aparentemente
descompassada e desigual. Na verdade há uma regularidade no ritmo irregular deste
vitral: nas proporções dos painéis é legível a forma do Pentágono regular, ou Estrela de
cinco pontas. A base do rectângulo que congrega os 5 painéis está em razão áurea face
à base que liga os últimos três, que enquadram as duas figuras. O primeiro e o terceiro
painel, contando a partir da esquerda, são rectângulos áureos.132
Assim apercebemo-nos que não só os painéis, em número de 5, remetem para as cinco
pontas da estrela, mas as proporções que os governam baseiam-se na regra do número
de ouro, pela qual a estrela é construída. De facto, na figura da estrela de cinco pontas,
cada lado é dividido pelo outro adjacente, não na sua metade, mas na sua secção áurea.
Por isso a Maçonaria deu ao Pentalfa o significado particular de "número de ouro", de
"proporção áurea", de medida hermética pela qual a parte menor está em relação com a
maior, como a parte está no Todo. Da análise desta estrela descobriu-se que as relações
numéricas entre as cinco secções geométricas são reguladas segundo a série de
Fibonacci e a regra do número de ouro, cujo valor numérico é aproximadamente 1,618.
A ligação entre as partes e o Todo, o pequeno e o grande, deriva das correspondências
da dita Tábua Esmeraldina, citada por Almada na introdução à Invenção do Dia Claro:
— O pequeno é como o grande
— O que está em cima é análogo
ao que está em baixo.
— O interior é como
o exterior das coisas
— Tudo está em tudo.

HERMES TRIMEGISTA133

132
Não foi possível medir a obra, por esta estar colocada numa posição inalcançável. Faltando as medidas
reais, as minhas conclusões aguardam verificação numa ulterior ocasião.
133
José de Almada Negreiros, A invenção do dia claro, em Obras Completas, Poesia, op. cit., p. 155.
93

Mas o fascínio de Almada pela Estrela não acaba aqui. Como já vimos na sua pesquisa
teórica, ele identifica outras relações numéricas, estabelecendo um lugar para cada um
dos algarismos de 1 a 9.

58. José de Almada Negreiros, Os dez lugares da colecção do número, desenho publicado em Mito-
Alegoria-Símbolo: monólogo autodidacta na oficina de pintura, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1948,
republicado em Almada Negreiros, José de, Ver, notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia,
1982, p. 260.

Não contente com isto, Almada atribui a cada número um lugar para cada um dos
deuses, transformando o pentagrama num escaparate olímpico.

59. José de Almada Negreiros, pentagrama publicado em Lima de Freitas, Almada e o Número, Lisboa,
Arcádia, 1977, p. 36. Fotografia de Vítor Santos, Atelier Arcádia, publicado em Aniello, Barbara, “José
de Almada Negreiros: do Caos à Estrela dançante”, in Artis, Revista do Instituto de História de Arte da
Universidade de Lisboa, n. 6, Lisboa, 2007, p. 348.

Este escaparate dos deuses é desenhado por Almada debaixo dos nossos olhos, no
filme-documentário Almada, nome de guerra de Ernesto de Sousa134 e é também
gravado nas paredes da Reitoria da Universidade de Lisboa,

134
Ernesto de Sousa, Almada, um nome de guerra, Revolution my body, Lisboa, 1969.
94

60. José de Almada Negreiros, Pentagrama, Fachada da Reitoria da Universidade de Lisboa. Fotografia
de Barbara Aniello.

e é oferecido aos amigos e colaboradores, com escopo didáctico, para explicar a origem
do Mito e dos Deuses:135

61. José de Almada Negreiros, Pentagrama, tinta da china s/papel, ass. s/d., ded., 27 x 21 cm., publicado
no Catálogo da Exposição Colecção Alberto de Lacerda - Um Olhar, editado pela Assírio e Alvim, 2009,
p. 32. Depositado na Fundação Mário Soares, Colecção Alberto Lacerda.
http://www.fmsoares.pt/aeb/dossier14/images/08129.377.jpg

De facto, Eros e Psique, ocupando os lugares cruciais, 0 e 1, desta mito-grafia


almadina, estão tanto na origem como no fim de todos os mitos e de todos os Deuses. O
que nos dá a medida exacta da vital importância que, para Almada, reveste o mito de
Psique.
É uma verdadeira obsessão, a de Almada, por este pentágono regular. O artista sofre
uma espécie de encantamento, de hipnose, que o leva a contemplar a estrela nas suas
obras geométricas e não geométricas. A esse propósito, foi dito que o vitral expressa
“de modo exclusivamente figurativo e não geométrico ou sequer combinado” e ainda
que “revela plasticamente um conceito gnóstico de raiz não pitagórica e não

135
O desenho, exibido na recente Exposição sobre António Lacerda, patente de 08/05/2009 a 29/05/2009
na Fundação Mário Soares, está reproduzido no Catálogo da exposição "Colecção Alberto de Lacerda -
Um Olhar", editado pela Assírio e Alvim, 2009, com a dedicatória “Para o Alberto Lacerda, para lhe
mostrar na mitologia a história de Eros e Psique”.
95

matemática”.136 Discordamos de ambas as afirmações, sendo esta obra, na sequência e


na coerência da opera omnia almadina, absolutamente geométrica, matemática,
pitagórica, filosófica e figurativa no seu conjunto. Se existe um segredo no labiríntico
mundo da arte e do pensamento almadino é mesmo a unidade: em Almada o que é
geométrico é figurativo e o que é figurativo é geométrico. Distinguir os dois âmbitos
significaria atraiçoar a pesquisa de uma vida: a procura dum cânone. E cânone é regra,
é razão, é princípio, é unidade. O cânone prescinde das dicotomias, das polaridades, dos
binómios. Creio firmemente no percurso único e unitário de Almada, na sua
honestidade intelectual e na sua solidão. Quer ele pinte, desenhe, escreva, pense, actue,
encene, coreografe, dance, o seu olhar aponta sempre para um só alvo, numa “direcção
única”: a busca de um novo eu, de um antigo cânone e de uma futura humanidade
renascida.
Na origem dos deuses está a dialéctica Eros-Psique, zero-um, onde zero corresponde a
10, sendo o início e o fim dos 9 algarismos, como explica Almada:
Como zero é contíguo de um e nove, tanto pode começar como terminar os dez lugares da colecção
formada pelo zero e os nove algarismos; e apesar de zero não ser algarismo, os dez lugares da colecção
são consecutivos: a colecção recomeça sempre até infinito.137

Curiosa é a coincidência, embora segundo Almada o acaso não exista, que Psique e
Eros ocupem na estrela o mesmo lugar que no vitral. Psique é retratada com a cabeça
virada para baixo, como um herói caído. Ela é imagem de Ícaro e Prometeu, ocupando
a mesma posição do número 1 no Pentalfa simbólico, desenhado por Almada. Eros,
situado por cima dela, é o zero, como a dizer que o Amor é causa e consequência, início
e fim de todas as coisas, mortais e imortais.
Ao contrário, Afrodite ocupa o lugar número 5, a ponta virada para o céu. Afrodite é a
Deusa Uránia que apadrinha os amores. Almada identifica o 5 com a fecundidade, a
fluorescência.
Dos nove algarismos todos são simétricos na sua correspondência visível com a natureza, menos um.
Este é o cinco, mas imediatamente é ele próprio o centro dos algarismos simétricos, ficando com quatro à
direita e outros quatro à esquerda. Por isto mesmo o cinco é o da florescência, como se disséssemos o
mais elevado.138

E floresceu, de facto, esta estrela de cinco pontas, no fim de um percurso iniciático.


Mais adiante, Almada declara que há uma relação entre simetria e transcendência: esta é
como magia branca face à assimetria, magia negra. O único que simultaneamente uniu

136
Cátia Mourão, op. cit., pp. 268-279.
137
José de Almada Negreiros, Mito-Alegoria-Símbolo, op. cit., p. 260.
138
Ibidem, p. 85.
96

simétrico e transcendente na pessoa individual humana foi Ésquilo com o Prometeu.139


Depois de ter declarado que “a simetria é a porta da harmonia”,140 diz:
A geração par é a criadora do antropomorfismo, enquanto a ímpar é a de
Prometeu, a obra do homem. A série dos números é o casamento do Céu
e da Terra.141

O número cinco, ímpar, número simétrico na década perfeita e número gerador da arte,
é símbolo também de Vénus. Na poesia Litoral, em Sudoeste, Almada chama a Vénus
“Stella Mattutina”.
É uma ulterior feliz coincidência reencontrar este escaparate estrelado de deuses
olímpicos, no baixo-relevo da fachada da reitoria da Universidade de Lisboa. Duas
estrelas, idênticas à do desenho aqui em cima, acompanham as figuras de Apolo e
Atenas,

62. José de Almada Negreiros, Apolo e Atena, Fachada da Reitoria da Universidade de Lisboa.
Fotografias de Barbara Aniello.

139
José de Almada Negreiros, Ver, op. cit., pp. 86-87.
140
Ibidem, p. 215.
141
Ibidem, p. 216.
97

juntamente com outros símbolos solares e nocturnos, simetricamente à esquerda e à


direita da porta da reitoria.

63. José de Almada Negreiros, pormenor de Apolo e Atena, Fachada da Reitoria da Universidade de
Lisboa. Fotografias de Barbara Aniello.

Por consequência, o duplo Pentalfa, um directo, outro invertido, desenhado no início de


Começar e gravado nas paredes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
representa a união de matéria e espírito, bi-presença matéria-espirito.

64.e 65. José de Almada Negreiros, pormenor de Começar, baixo-relevo em pedra, 2.310 x 12.870, ass.,
dat., Átrio da Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção da Fundação Calouste Gulbenkian, reproduzida
em Almada Negreiros, Obra Plástica, curadores Arq. José de Almada Negreiros, Rui Guedes, Bertrand,
1993, n. 111. Fotografia de António Homem Cardoso e José de Almada Negreiros, Estrela de Dez pontas,
pormenor dos baixos-relevos da Fachada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fotografias
de Barbara Aniello.

O relevo dado à figura de Prometeu remete para a iconografia do vitral que, no meu
entender, alude ao modelo do anjo caído.
98

9.7 A queda do herói: Psique, Narciso, Ícaro e Prometeu.

Quer Almada, quer José Manuel reflectem sobre o tema da descida do homem. Se, para
o pintor, a queda é a perda da unidade, o afastamento do éden,

O mito da queda do homem é clarividente: o Todo é perfeito e o homem


deixou de ser o flagrante do Todo. O paraíso não é um mito, é a realidade
do Todo criado pela Causa.142

para o comitente, a queda do homem representa o inverso da sua divinização.


José Manuel reflecte sobre os temas do andrógino

Amei-me todo em mim fui o macho e a fêmea


e o meu amor gerou monstros e anjos
Possuí-me todo e dei-me todo em cada gesto e em cada frase,
e o meu amor gerou monstros e anjos143

e da queda do herói.144
Narciso, sentindo-se Deus, precipita-se na lagoa. Na pretensão de se elevar, o homem
conhece a sua ruína. Como um anti-herói, José Manuel auto-retrata-se neste poema
autobiográfico: Narciso de cabeça para baixo.
odeio-me, confesso;
e eu sou o que odeia, o odiado
e o ódio.

Existe um narcisismo negativo


entre mim e a minha imagem,
e isso, embora não queiram crer,
eleva ao quadrado o ódio por mim próprio.145

O mito de Narciso é o encontro do Homem com a morte e consigo mesmo. Assistimos


assim à conversão do sujeito em objecto, na escrita filosófica do grupo de Eros.
Esta queda do eu em si mesmo é, no plano existencial, o egoísmo e, no plano da reflexão, o solipsismo. O
egoísmo é pois, impossibilidade de diálogo, porque todo diálogo é comunicação. Ora para que haja
comunicação é preciso uma segunda pessoa - o outro. Mas como será possível o meu encontro com ele?
Como revelação da sua presença, na medida em que ele mesmo se descobre através do que os psicólogos
chamam o seu comportamento ou o seu behaviour?146

Para superar o limite do egoísmo, para sobreviver à queda é necessário fundir os mitos
de Narciso com o do Andrógino:

142
Ibidem, p. 54.
143
José Manuel, To a God Unknown, in Eros III-IV (Dezembro 1952), op. cit., III-IV, 2.
144
Uma interessante reflexão sobre o mito de Narciso e de Prometeu destronado, ergo-terapeuta e
descobridor da ideia encontra-se em José Manuel, Determinismo e Liberdade in Eros XII-XIII (Outubro
1957), op. cit.
145
José Manuel, Sargaços, op. cit., p. 75,
146
Fernando Guimaraes, Narciso e o encontro da morte, in Eros III-IV (Dezembro 1952), op. cit.
99

O único acto para superar (o egoísmo) consiste na resposta que nós damos ao outro. O outro, portanto,
tem que ser, mas tem que ser em mim.147

Esta inversão é conditio sinequa non para inverter o processo da queda e destruição.
A relação inverte-se. No caso do solipsismo ou do egoísmo, como vimos, a transcendência estava em
mim pelo facto de eu ser no outro. Agora a transcendência é em mim.148

A união perfeita do “eu” com o “tu” consiste na transcendência:


Transcendente porque é, e não porque está em mim. - Essa transcendência do outro - o seu ser em mim - é
o amor. O amor é essa presença. E essa presença, como diálogo, é revelação. Revelação de quê? Do ser.
Amor é portanto conhecimento. Mas conhecimento do ser. O saber não está deste modo em mim. Eu é
que estou no saber. […]. O problema., portanto, não é já de conhecer o ser, mas de alcançar o ser ou, mais
simplesmente, de ser. Isto é: O problema que se põe é o problema da existência. E neste problema da
existência que radica a dialéctica do amor. Nessa dialéctica há quatro momentos essenciais: o amor a
Deus, o amor do outro, o amor do andrógino e o amor de Narciso. […]149

O amor do andrógino traduz o amor de mim mesmo como corpo. O seu destino será portanto a posse. Isto
é, a presença total. Mas, para possuir algo, é preciso a distância. A posse é sempre uma das faces da
renúncia. Por isso o andrógino, sendo completo - porque é unidade -jamais se poderá encontrar. Ele será
sempre o pudor de si mesmo.
Em Narciso, o amor que está em jogo é, também, o amor do próprio eu. Não como corpo; mas apenas
como imagem desse corpo. Enquanto no amor do andrógino o amor é a sua posse, no de Narciso ela
nunca se realizará porque Narciso está voltado, não para si, mas para a sua sombra que é do seu corpo,
não a realidade presente, mas a sua imagem alonga da no tempo. A posse de si mesmo no andrógino - por
ser impossível só tem sentido dentro da vida; a de Narciso - sendo possível - só o poderá ter dentro da
morte. É esta a verdade do mito. A morte significa ali a presença do homem no diálogo que ele mantém
com o tempo. Quer dizer: o homem nesse diálogo, que é poesia - e, portanto, criação, - não se destrói.
Caminha como Narciso ao encontro de si mesmo… É nela que o homem se descobre como revelação da
sua própria imagem ou, por outras palavras, como presença do seu próprio ser. A morte chega de nós.
A morte é, pois, a epifania do amor. Só ela torna possível, dentro de nós, o encontro com o outro. Este
encontro é a própria esperança. Mas tal esperança significa também o limiar que separa na nossa alma os
contrários: o ser do não-ser, o bem do mal, a paz do desespero. E esse o abismo que aterroriza os homens
e os afasta progressivamente uns dos outros. Como o dia afasta a noite ou o absoluto outro absoluto. Mas
esta não é a situação irremediável. Porque os abismos só podem separar aqueles que os não amam … 150

Uma tradução visual desta exegese do mito num sentido filosófico-hermético está

contida na varanda da casa virada para Sudoeste, onde se passa por Narciso para chegar

ao andrógino. Na varanda, um moderno Ícaro-Saltimbanco é retratado por baixo duma

mesa, de pernas para o ar, vestido com um fato de Arlequim, desenhado em losangos,

ocupando a parte central dum triângulo de luz cujo vértice é pretexto para o começo

dum igual triângulo invertido, especular a este. Curiosamente o Narciso-Arlequim

147
Ibidem.
148
Ibidem.
149
Ibidem.
150
Ibidem.
100

aproxima-se da assinatura de Almada, gerando uma identificação retratista-retratado

sobre a qual nos deteremos a seu tempo.

66. José de Almada Negreiros, painel da varanda do piso inferior da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4597.tif)

No imaginário de Almada as figuras de Prometeu, de Ícaro, de São Paulo, do herói


sobrepõem-se.

67. José de Almada Negreiros, Prometeu, baixo-relevo da Fachada da Faculdade de Letras, Universidade
de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello. Publicado em Aniello, Barbara, “José de Almada Negreiros: do
Caos à Estrela dançante”, in Artis, Revista do Instituto de História de Arte da Universidade de Lisboa, n.
6, Lisboa, 2007, p. 352.

Este Prometeu de 1958, gravado na pedra, é o anel de conjunção, a ponte entre os dois
panneaux: mantém o sujeito prometaico de O Número, 1958, e experimenta o suporte
lapidar e as cores de Começar, 1968-1969. Simetricamente a este retrato de Prometeu
encontramos um outro herói caído, gravado no mural da Faculdade de Letras: Ícaro,
descrito como um moderno cavaleiro, enquanto se precipita duma camada cintilante de
101

estrelas. Como por associação livre de ideias, Almada liga Prometeu a Ícaro, ambos
rejeitados por excesso de ambição.

68. José de Almada Negreiros, Ícaro/São Paulo, baixo-relevo da Fachada da Faculdade de Letras,
Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.
http://ic2.pbase.com/o4/21/4921/1/99280202.IfcMWBYS.Lisboa_Cidade_Universitaria1426.jpg

Ao tema da Morte ou do sono letárgico do corpo está ligado o retrato do protagonista


do poema O Menino da sua mãe, de Fernando Pessoa, quarto entre os retratos do poeta
e dos seus heterónimos gravados na parede da Faculdade.

69. José de Almada Negreiros, O Menino da sua mãe, baixo-relevo da Fachada da Faculdade de Letras,
Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello. http://www.cfh.ufsc.br/~magno/FHLP414_z.jpg

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado–
102

Duas, de lado a lado –,


Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue


De braços extendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tam jovem! que jovem era!


(Agora que edade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lh’a mãe. Está inteira
É boa a cigarreira,
Elle é que já não serve.

De outra algibeira, alada


Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lh’o a criada
Velha que o trouxe ao collo.

Lá longe, em casa, ha a prece:


«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Imperio tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.151

Verdadeira ekphrasis do poema ortónimo de Pessoa, o retrato de Almada alude à


algibeira alada, vestígio icariano duma queda do paraíso perdido: o idílio familiar, que
nunca mais o soldado irá gozar. Expressão autobiográfica da perda de laços familiares
na sua infância, como interpreta João Gaspar Simões, em Vida e Obra de Fernando
Pessoa,152 a queda do menino-Pessoa corresponde a uma busca de si e da própria
identidade na multi-vocalidade da sua escrita.
A queda do homem é condição necessária não apenas para o seu Auto-Conhecimento,
mas também para a sua ressurreição.
O anátema dirigido pela Divindade à Alma, “se uma vez o vires, nunca mais o verás”, e
a sucessiva transgressão do veto provocam a derrota do herói e a consequente,
inelutável descida e inversão. Segundo os místicos, é necessária uma queda para
alcançar o cume da contemplação de Deus. Assim, antes do seu voo até à glória no
Olimpo, Psique cai como Prometeu, como Narciso, como Ícaro, como São Paulo, como

151
Publicado em 1926 em Contemporânea, op. cit., ano 3, nº 1, p. 47.
152
João Gaspar Simões, em Vida e Obra de Fernando Pessoa, história de uma geração, Bertrand, Lisboa,
[s.d.], pp. 29 e ss.
103

o Menino da sua mãe, vítima da sua própria sede de Conhecimento, para depois subir
outra vez e ser igualada aos Deuses na sua Apoteose. É como dizer que o conhecimento
passa pelo amor e pelas suas atribulações.
No átrio da faculdade de letras na Universidade de Lisboa, a tríplice queda alude a essa
clarividência e introspecção. É importante lembrar mais uma afinidade entre Paulo e
Psique: o futuro santo, convertido, ou seja virado sobre si mesmo, não só cai do cavalo,
vítima da sua exuberante ambição, mas também perde, durante três simbólicos dias e
três simbólicas noites, a vista. À queda corresponde a cegueira. Paulo é alter-ego de
Psique. Sofre uma temporária cegueira seguida de uma definitiva iluminação.
Do lado oposto à parede de Paulo, encontramos Prometeu, agrilhoado, cuja posição
curiosamente é assumida no vitral da própria Psique, cruzando os pés, nervosamente
enlaçados num nó que deforma sensivelmente a linha anatómica, acentuando as suas
curvas. Em jeito de grilhão, um fragmento de vidro estreita o tornozelo, simulando a
cadeia prometaica e ligando para sempre Psique ao herói caído.

70. e 71. José de Almada Negreiros, pormenor de Prometeu, baixo-relevo da Fachada da Faculdade de
Letras, Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello e pormenor de José de Almada Negreiros,
Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da Assembleia da República, Residência Oficial do Presidente,
fotografia de Barbara Aniello.

O corpo de Prometeu, deitado, com o perfil pintado nas cores do fogo - vermelho-
niagara, cor-de-rosa e amarelo-loiro - padece a tortura pela águia de asas azuis e de
garras e bico negros. O contorno vibrante, irregular do seu ombro esquerdo, os
cabelos encaracolados em forma de chamas sugerem um verdadeiro facho humano
que tenta erguer-se. Ao contrário, a águia precipita-se sobre ele, como chuva, tentando
apagá-lo. A águia que devia ter elevado Prometeu até ao Céu, expressando um desejo
de alta espiritualidade, torna-se tortura, instrumento do Mal. As cores almadinas
remetem para a mistura de humanidade (rosa), orgulho e cólera (vermelho niagara),
mas o homem, passando pela paixão, sofre uma catarse e uma regeneração e torna-se
um ser novo, regenerado, alcançando o estado de divindade áurea (amarelo).
104

O mito de Prometeu, tal como o de Psique, está ligado ao tema da visão. Prometeu é um
vidente, ou seja um clarividente, que pertence à raça dos místicos.153 A etimologia
clássica do nome Προµέθεος remete para o verbo Προµανθεĩν (= prever). Pelo
contrário, Epimeteu é aquele que vê depois, que aconselha depois do acontecimento. Na
queda do herói vislumbra-se a queda de Lúcifer. Ambos são portadores de luz, ambos
desobedecem a Deus, à Autoridade, ambos deixam um rasto luminoso atrás de si,
ambos percorrem as trevas do Mal, mas enquanto Lúcifer age por egoísmo, Prometeu
escolhe o Bem para a Humanidade. Prometeu é um herói maldito, meio deus, meio
homem, portador de luz, a luz do conhecimento do bem e do mal, o brilho da
inteligência, mas também a chama da rebelião.
Paralelamente a Prometeu, Psique luta para alcançar o Conhecimento, a luz do Saber.
Levada pela curiosidade, ela transgride a ordem divina e inelutavelmente cai. Por isso,
a figura deitada no vitral cruza simbolicamente os pés, lembrando assim as cadeias da
punição. Um fragmento vítreo emoldura o tornozelo de Psique, tal como o grilhão
prometaico. Assim, em Psique sobrepõem-se por analogia as figuras de Ícaro, de
Lúcifer, de Prometeu. Como Prometeu, Psique é um sinal de oposição, presa entre dois
pólos: o humano e o divino. Na primeira tentativa de enlevo ela cai, conhecendo
irremediavelmente a derrota, o sono, a morte.
No plano do teatro, Almada indaga Prometeu tornando-o protagonista da peça Aqui
Cáucaso, 1965, onde investiga a etimologia e a semântica do seu nome:

HOMEM: Não saberemos nunca que rever é tanto como prever, que
finito é o mesmo que transfinito.154

-Lembras-te, Zeus omnipresente, do que significa o nome Prometeu?


Lembro-te eu? Prometeu: o precavido. Precisamente o que tu não
foste, ó divindade imortalmente omnissatisfeita: Precavido:
Eu próprio nasci imortal a teu lado por deficiência tua em
precaução.
Como podia Homem em Terra ser precavido se para mortal não
havia nada tal que lhe correspondesse em imortalidade?
Ao que não é precavido tudo lhe acontece em achar-se roubado, e
fica mão-leve para castigos pesados, e põe erro a tudo, e é tão extensa a
lista dos castigos que parece autoridade.155

põe em dúvida o rapto do fogo:


Prometeu não rouba, adverte a divindade dos poderes próprios dos homens
Reflecte sobre a morte e a perpetuidade:
“Prometeu são contas de imortais. Contas de imortais com Imortais” 156

153
Helena Petrovna Blavatsky, La chiave della Teosofia, Roma, Astrolabio, 1982, p. 40.
154
José de Almada Negreiros, Galileu, Leonardo e eu, em Teatro, op. cit., p. 216.
155
José de Almada Negreiros, Aqui Cáucaso, Ibidem, op. cit., p. 222.
105

e sublinha aquela que chama “a insuportável liberdade de Prometeu”, liberdade

“aquela palavra que sobe”.

No plano estético, Almada indaga os significados do mito na sua poética a-sistemática,


estabelecendo um contacto entre o finito e o infinito, entre um micro e um
macrocosmo, entre o homem e a humanidade:
Nós europeus somos da raça da Europa, da raça de Prometeu, da carne e
osso do Prometeu, da raça igual a cada um de nós, da raça formada à
nossa imagem, para sofrer, chorar, viver e sentir a alegria!157

A heroicidade de Prometeu por Almada resume-se na visão. Como diz Prometeu, porta-
voz de Ésquilo, o pecado do homem é que:
Tem olhos e não vê, tem ouvidos e não ouve158

Almada, que põe todo o acento na palavra “ver”, encontra em Prometeu o seu alter-ego,
alguém capaz de ver antes, de pré-ver. Prometeu simboliza o homem e Almada, que
reflecte sobre o mito em vários espaços da sua escrita: na obra teatral, Aqui Cáucaso,
no Ensaio espiritual sobre a Europa, na escrita filosófica, Ver.
Almada reflecte também sobre o papel do homem no mundo. Jogando com a palavra
meio ele contesta e contradiz a definição da Renascença e afirma:
Neste mundo tudo é meio menos o Homem159
sublinhando assim o facto de o homem não ser a metade entre dois mundos, entre
imanente e transcendente, entre a terra e o céu, como dizia Pico della Mirandola, mas
pondo a ênfase no facto de o homem ser o fim, não o meio. A centralidade do Homem
na poética e na estética almadina supera a Renascença, ultrapassa o clássico ditado
Homem medida de todas as coisas.160
Em particular tanto Almada como José Manuel são levados pelo mito a reflectir no
tema da prisão:
PROMETEU AGRILHOADO

Eu sou filho da crença e da esperança.


Ó natureza por que me doaste
para ser sempre um místico contraste:

156
Ibidem, pp. 235.
157
José de Almada Negreiros, Prometeu. Ensaio espiritual da Europa, in Sudoeste, n.º1, Junho de 1935,
em Obras Completas, Vol. V, op. cit., p. 114.
158
Ibidem, pp. 85-114.
159
José de Almada Negreiros, “As 5 unidades de Portugal”, 1 de Junho de 1935, em Obras Completas,
Ensaios, vol. V, p. 69.
160
A paternidade da citação deve-se a Protágoras que no V século a. C. afirmava
παντων χρηµατων εστιν µετρον ο ανθρωπος.
106

em corpo de homem uma alma de criança?

Não sei, não sei porque me coroaste,


porque me deste um trono de faiança,
-esse dom de ser sempre uma criança
mais frágil, mais sensível que uma haste.

Não, não quero ser rei de uma quimera


pela qual a minha alma desespera
como um menino louco. Porque me deste

semelhantes grilhões, ó natureza?


Porque me rezas sempre a mesma reza
desde esse dia em que me enlouqueceste?161

Enfim, o Homem compreendeu que Paraíso, imortal ou mortal, era conquista. E o Homem começou pela
ferramenta chama-se Arte. Com ela abriu cama para universo o do erro, porque o outro já lá estava. Entre
coração e cabeça pôs um vazio as paredes de dentro do vazio em matéria de receber e um dia houve luz
dentro do vazio parecia rachado o fechado vazio parecia ser luz de fora que lhe entrava mas por fora da
luz também vinha do vazio havia a luz de dentro e a luz de fora empurraram-se uma à outra a contenda
era de vida e de morte e só havia uma solução que a luz que vinha de dentro fosse igual à luz que vinha de
fora. E era. Era a mesma. Não podia deixar de ser a mesma. De fora vinha fatal o destino que não era o
destino que vinha de dentro. Com a ferramenta, com Arte o Homem foi tornando fatal também o destino
que vinha de dentro. E primeiro formou-se fatal dentro do vazio o destino da Humanidade inteira e depois
formou-se fatal o destino do Homem, um por um, pessoa por pessoa. Uma vez formado fatal o destino da
Humanidade inteira, e o do Homem, um por um, pessoa por pessoa, acabaram-se de vez os grilhões de
Prometeu. (A personagem ergue os braços sem os grilhões. Levanta-se e também não tem grilhões nos
tornozelos. Avança ao centro da cena.) O encontro da luz que vem de dentro com a luz que vem de fora é
Saúde sempre se lhe chamou Saúde.162

Por outro lado Psique, sendo imagem da Alma que quer conhecer o Amor com os olhos
físicos, conhece irremediavelmente a punição infligida a Prometeu: a prisão. A prisão de
Psique não é representada apenas pelos grilhões exteriores, mas pelo seu próprio físico.
Isto remete-nos para a já citada doutrina órfico-pitagórica da Metempsicose, segundo a
qual o corpo é prisão da alma que se liberta dos grilhões através da morte. Em grego há
uma assonância entre as palavras soma (Corpo) e sema (Prisão), por isso o Corpo é
Prisão da Alma e Soma é jaula de Psique.

161
José Manuel, Novas canções, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pp. 43-44.
162
José de Almada Negreiros, Aqui Cáucaso, em Teatro, op. cit., pp. 249-250.
107

10. A Parede Sudoeste: a maternidade de Psique.


Tal como referimos, a Casa, projectada por António Varela, está orientada de acordo
com a Direcção Única da qual Almada fala na revista por ele fundada SW: Sudoeste.

72. Posição da Casa com respeito à imagem de Portugal no mapa da Europa de José Almada Negreiros.

Em particular, Almada concentra toda a decoração azulejar nesta única parede, virada a
Sudoeste, com um claro intuito expositório. Aqui, deparamo-nos com duas varandas
contíguas, contendo respectivamente uma Maternidade e uma Paternidade em estilo
monocromático, preto sobre verde, e uma cena policromática, animada por um Cabaret,
um Par dançante, Acrobatas e Bailarinas. Por baixo, no piso inferior, o espaço é
ocupado por um Arlequim e uma Columbina monocromáticos, enquanto na varanda
adjacente nos deparamos com o mais belo Nocturno jamais pintado em azulejo: um
Casal deitado em frente duma janela aberta, o vento a abanar uma cortina, uma figura
feminina debruçada na varanda, iluminada pelo luar, um barco a deslizar na noite,
transportando um Casal unido num abraço.
Neste sentido mantêm-se substancialmente inalterados os desenhos dos alçados de 1951
e de 1955, onde a vontade de decorar em azulejo a varanda da biblioteca é patenteada
em jeito de esboço, embora mais definido face aos outros azulejos do 1º andar e do
Rés-do-chão, cuja varanda aberta sofre uma mutação em marquise:
108

73. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal de Lisboa.

74. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de Lisboa.

A idealização da infância é um tema recorrente e muito querido para o poeta e para o


pintor. Segundo José Manuel:
A infância é o que há de mais sério, e de mais profundo, e de mais humano no homem. O homem que
encontra a infância aproxima-se tanto da natureza que se funde com ela...163

José Manuel recorre à imagem da infância, do menino que pergunta os porquês,


questiona o sentido das palavras, tem sede de histórias, como por exemplo em O Sonho,
poema quase em verso para todas as crianças do mundo.164
A obsessão pelo tema do nascimento e da renascença é recorrente em toda a escrita de
Almada,
165
Põe-te a nascer outra vez!

163
José Manuel, A Alquimia do sonho, op. cit., p. 53.
164
José Manuel, O Sonho, in Eros III-IV (Dezembro 1952), op. cit.
109

Grita o escritor na Cena do Ódio. Almada, no seu universo filosófico, liga este conceito
ao da vocação, da pró-vocação e com-vocação, por outras palavras, ao da iniciação. O
seu apelo é silencioso, dirigido aos outros sentidos: vocar quer dizer chamar, convidar,
incitar a nascer uma segunda vez, re-começar. Lembra-nos Almada:
A segunda vez que se nasce assiste-se ao próprio nascimento166
As suas obras começam no silêncio e, depois de um segundo nascimento de natureza
claramente espiritual, voltam ao silêncio.
Nasce segunda vez o que morre a morte primeira.
Nasce-se segunda vez o ser vivo eterno que somos.
Iremos por onde não há adesão possível à segunda vida
Depois é o silêncio que fala
A paz que nos esperava.167

Uma impressão de eterno começo, de contínuo início acompanha toda a vida artística do
poeta-pintor.
Estou sempre às portas da vida,
Sempre lá, sempre às portas de mim168

Na poesia, tal como também na obra teatral, Almada reflecte sobre o cíclico, eterno
suceder-se do tempo.
O BONECO - Cala-te, coração! Deixa ouvir o mar...
A BONECA - Tu também viste o mar?
O BONECO - O mar foi feito por nossa causa!...
A BONECA - Ah!... É assim, juro-te, exactamente assim o mar... Oh! Como tu o viste
bem! Dá-me a tua mão para ser tão grande o silêncio... (Pausa)
O mar!... não acaba nunca o mar!...
O BONECO - O mar começa sempre...169

Vamos do silêncio dito por palavras ao silêncio cénico (pausa), ao infinito re-começo
do mar (O mar… nunca acaba o mar), repetição, não por acaso, em forma de Rondo da
palavra “mar” neste verso. Não por acaso também, esta peça intitula-se Antes de
Começar. Reparamos como este termo-chave volta no curso de toda a produção do
artista.
Como na metáfora marinha não é possível distinguir o fim do início, o espectador fica
desorientado quando, no final da cena, enquanto o tambor anuncia o iminente começo
da representação, desce o pano e surge um grande silêncio.

165
José de Almada Negreiros, Cena do Ódio, in Obras Completas, Poesia, vol. I, op. cit., p. 64.
166
José de Almada Negreiros, Nome de Guerra, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001, p. 37.
167
José de Almada Negreiros, Itinerário sobre o Joelho, in Obras Completas, op. cit., p. 207.
168
José de Almada Negreiros, A sombra sou eu, ibidem, p. 208.
169
José de Almada Negreiros, Antes de Começar, in Teatro, op. cit., p. 203.
110

Antes de começar é um espectáculo que é um ante-espectáculo, porque conta um fora de


cena, e é também um anti-espectáculo, afirmando que a verdadeira peça é afinal uma
não-peça.
Paradoxalmente o próprio Almada acaba a sua existência depois de ter assinado o seu
Começar.
Além do tema do início ou da iniciação espiritual, a iconografia da Estrela circula entre
as linhas de um conjunto de poesias designado As quatro Manhãs.
Já sei que primeiro vê-se a estrela do futuro,
antes do futuro vê-se a estrela,
dizem que a estrela está quase pronta
para ser vista pela primeira vez uma madrugada
e assim todos os dias
sempre
até que eu acabe.170

A luz da estrela procurada pelo autor é um sinal de renovação, surge sobre a própria
madrugada espiritual, alcançando o seu “eu” misterioso.
Oh estrela do meu sonhar!
Sem a tua luz própria
sem o teu distante cintilar
tão fixo lá do teu lugar
eu não podia achar aqui
o sítio do meu mistério.
[…]
Nada do que eu faço é ainda provisório
como na minha meia vida de ontem,
a metade de espera da nova metade que vale por duas!
E assim tinha de ser:
eu jamais saberia nada
senão através das minhas próprias dimensões,
senão à luz da minha estrela,
à luz da aurora do meu mistério
Que o pobre do mundo clama
para que desvendemos cada qual os nossos próprios mistérios!171

Verdadeiro prelúdio ao painel, e também ao Portal esotérico, estes versos falam de um


misterioso par de duas metades e da luz como ponto de partida, trajectória e fim dum
percurso que chega até ao limiar de um mistério.
Na última das quatro manhãs fala-se no conceito de Começar: nesta poesia o “eu”
coincide com o “ser humano”, ponto de partida e chegada de toda a peregrinação
poética, e não só, de Almada.
Tudo começava lá, ao principio,
num ponto:

170
José de Almada Negreiros, Segunda Manhã, ibidem, p. 187.
171
José de Almada Negreiros, Terceira Manhã, ibidem, p. 189.
111

um simples ponto sem dimensão,


e do qual partiam depois todas as linhas
todos os ângulos, cones e sectores
de uma esfera infinita
da qual a terra era uma pequena reprodução
e eu uma pequena reprodução da terra.
Desde o ponto inicial até mim
a linha era única
e não pertence hoje
senão a mim.
[…]
eu tive muitas vezes de dar voltas ignóbeis!
Mas até que cheguei aqui
a isto que eu buscava,
e que é o principiar em mim.
Desde o ponto inicial
Já tudo começou para mim
e passados séculos e séculos
eu hoje vou exactamente em mim.172

Assombrada, entre palavras, transparece a matriz geometrizante do Universo estético de


Almada, semeado de imagens como “ponto”, “linha”, “ângulo”, “esfera”, “dimensão”.
Linguagem alusiva, a de Almada, que revela através dos sons e das vozes dos versos
uma sensibilidade pela luz e pelo eterno retorno das coisas.
Num só dia, na mesa de pedra circular da varanda da casa-ateliê em Bicesse, Almada
pinta cerca de três dezenas de desenhos-variações sobre o tema da maternidade.

172
José de Almada Negreiros, Quarta Manhã, ibidem, pp. 190-191.
112

75. José de Almada Negreiros, Maternidade, desenhos publicados em Vieira Joaquim, Fotobiografias do
Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 140. Fotocompográfica, Lda.
http://4.bp.blogspot.com/_1LdrMyScRH4/SePl54Z36bI/AAAAAAAAGa0/3ye3r99F6pw/s400/AlmadaN
egreiros-Maternidade3-Estoril-Bicesse.jpg

O painel de azulejo que se encontra na Casa da Rua de Alcolena parece constituir a


enésima variante, o completamento desta série. A mulher, ambiguamente de pé e, ao
mesmo tempo sentada, por causa da argola do vestido, em jeito de laço, que confunde a
anatomia e a postura da mãe, retratada no gesto habitual de levantar o corpo do filho até
ao céu, expondo-o, como se fosse um passarinho prestes a voar.
113

76. José de Almada Negreiros, Maternidade, varanda do segundo piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

Do outro lado, o pai sustém o filho pelos braços e, olhando para uma pomba, levanta o
queixo, descrevendo um arco com o pescoço. O filho repete o gesto do pai, simulando
com as palmas abertas e agitadas o voo do pássaro.
114

77. José de Almada Negreiros, Paternidade, varanda do segundo piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4637.tif)

Para além dos paralelos poéticos desta imagem em Eros,


Como um puro sonho
despertas no mundo
pobremente humana
tristemente humana
despertas no mundo
como um puro sonho

Que estranho desejo


te queima por dentro?
Que vozes te chamam?
115

Que fogo te anima?


Arde-te no sangue
toda a minha vida

Não sabes o que há


além do teu berço
além dos teus braços
Que importa o que possa
haver - se o teu reino
não é deste mundo?

Teus braços agitam-se


um pouco. Procuram
a lua? Ou será
a lua que os prende
entre a sua teia
de sombra e de luz?

De noite despertas
sòzinha no berço
Apenas a lua
te faz companhia
Ou será um anjo
vestido de luz?

De súbito estendes
as mãos para a vida
Procuras colher
a lua entre os dedos
Nem sequer encontras
a sombra de um sonho173

a disposição fortemente simbólica das três figuras alinhadas no mesmo eixo vertical,
lembra o vitral do Pai, Filho e Espírito Santo na Igreja de Nossa Senhora de Fátima em
Lisboa.

173
José Manuel, Natividade, in Eros XIV-XV (Dezembro 1958), op. cit.
116

78. José de Almada Negreiros, Trindade, Igreja da Nossa Senhora de Fátima, fotografia publicada em
Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006,
Fotocompográfica Lda. http://farm1.static.flickr.com/23/30850423_b95ca2c700.jpg

A ideia da maternidade-paternidade está significativamente relacionada com a dialéctica


Eros-Psique, num contexto que leva o visitante da zona da residência reservada ao filho,
à zona de sua mãe. É interessante reparar como, na disposição dos painéis, está patente
uma divisão entre dualidade (mãe e filho) de um lado e trindade (pai, filho, pomba) do
outro. Na minha intuição, esta divisão feminino-masculino, na varanda em alto à
esquerda, é destinada a brotar na apoteose do andrógino na varanda em baixo à direita.
Como no mito, a maternidade divina de Psique é preanunciada desde que ela respeite o
117

veto de não contemplar o amado. A divindade garante-se fora do conhecimento


sensível, directo, que passa pelos olhos dos mortais. Quem acredita, sem ver, no Amor
ganha a eternidade.
118

11. Eros e Psique sob as máscaras.


Em contraponto com os progenitores do andar de cima, temos um par em baixo,
Columbina e Arlequim, em idêntico estilo monocromático. A obsessão pelo tema da
Commedia dell’Arte persegue Almada desde a década dos anos ‘10. Representadas na
sua obra plástica e na sua escrita teatral, as personagens mascaradas povoam o
imaginário almadino, conforme o alto sentido do espectáculo que o artista tinha.
É uma feliz coincidência encontrar nas páginas de Eros um poema intitulado Boémia no
céu e dedicado a José de Almada Negreiros que citamos aqui na íntegra:174

BOEMIA NO CEU
A José de Almada Negreiros.
I
Arlequim no Céu

Arlequim subiu às estrelas


brincou de deus suspenso num trapézio
dançou no espaço entre as nuvens e os anjos
Arlequim descobriu o céu
O céu começava para além de todas as cousas
A verdade era muito simples
Arlequim começou por sorrir
e sorrindo aprendeu o segredo
No céu todos os anjos sentiram a presença de Arlequim.
No céu era tudo monótono
não havia presente nem passado nem futuro
Quando Arlequim entrou no céu
os anjos sabiam que Deus o esperava
Sorriram inocentemente
Pela primeira vez o céu começava a ser real

II

o primeiro diálogo
Donde vens? perguntaram-lhe os anjos
Não sei venho de longe de muito longe
Porque vieste? perguntaram-lhe os anjos
Não sei minha alma aconteceu aqui
Foi um milagre? perguntaram-lhe os anjos
Não sei eu não o quis nem o pedi
Sabes que reino é este? perguntaram-lhe os anjos
Não sei não sei não sei respondeu Arlequim
Então quem és que não conheces nada?
Sou o eleito de Deus o primeiro entre os anjos
e o último entre os homens

III
Os ecos

Arlequim falara verdade todos sabiam todos sabiam


Mas os anjos atónitos não compreendiam

174
José Manuel, Boémia no Céu, in Eros II (Outubro 1951), op.cit.
119

E disse um talvez Deus se enganasse


E disse outro mas Deus não se engana

IV

o pecado original
E Deus falou assim aos anjos
Ao princípio era o homem e o homem era simples
não conhecia nada e conhecia tudo
os astros eram astros as nuvens eram nuvens
e as flores eram flores
Um dia o homem deteve-se um momento
contemplou profundamente a natureza
interrogou-a e não lhe encontrou sentido
Desesperou-se mas em vão
o abismo estava em toda a parte dentro dele
E desde então o homem sofreu
V

o primeiro milagre

Um dia imprevistamente Arlequim aconteceu no mundo


nasceu vagamente viveu vagamente morreu vagamente
ninguém o conheceu quase não teve história
para os homens ele foi apenas um homem banal

VI

Biografia de Arlequim

Ninguém sabe onde nasceu Arlequim


ninguém sabe e ninguém se importa
talvez na Índia talvez no píncaro do Himalaia
Ninguém sabe quando nasceu Arlequim
ninguém sabe e ninguém se importa
talvez no ano dois mil e trinta e um
Arlequim começou por ser uma criança
precisamente igual a todas as outras crianças
Arlequim foi uma criança feliz
Simplesmente não envelheceu nunca
Arlequim foi sempre uma criança feliz
Nunca desejou nada nunca interrogou sobre nada
Para quê afinal? vi via e di vertia-se vi vendo
e a sua vida era tam simples tam simples
como a própria natureza

VII

Funeral de Arlequim

Morreu impressentido e sozinho


e o seu cadáver foi lançado ao mar

VIII
Apologia do Arlequim
120

Depois os homens lembraram-se


Não odiava ninguém e perdoava tudo
aceitava o que a vida lhe dava e sorria
fora simples humilde inocente
E os homens louvaram-no e chamaram-lhe irmão

IX
Sermão aos homens do futuro
E os pais ensinaram aos filhos a história de Arlequim
e concluíram meus filhos Arlequim foi apenas um homem

X
o segundo diálogo
No céu os anjos interrogavam
Arlequim qual é o teu segredo?
E Arlequim respondia
Não tenho segredo nenhum
E os anjos insistiam
Arlequim que fizeste de grande na vida?
E Arlequim respondia
Vivi
E os anjos tornavam
Arlequim que mensagem nos trazes?
E Arlequim respondia
Não sei não sei não sei sei apenas que sou

XI
Sermão aos anjos
E Deus ensinou aos anjos
o segredo a grandeza e a mensagem de Arlequim
Depois concluiu simplesmente
Meus filhos Arlequim viveu a inocência da vida

XII

O segundo milagre

Os anjos compreenderam
e não perguntaram mais nada
Seguiram Arlequim por todos os caminhos
e foram jovens outra vez

XIII
Festival de Arlequim
Arlequim reformou o céu
O céu era monótono o céu era triste
Arlequim dançou e brincou
riu muito muito muito
E os anjos dançaram e brincaram com ele
e riram muito muito muito.

XIV

As profecias

Um dia os homens talvez aprendam a lição de Arlequim Serão simples serão puros serão jovens'
Não haverá leis nem mistérios no mundo
Um dia os homens talvez sejam humanos e felizes
121

Arlequim é alter-ego de Almada,175 como prova a obra gráfica do artista,

79. José de Almada Negreiros, Cabeça de Arlequim, lápis, 34 x 22, ass. n. dat., desenho publicado com o
nº 105 [s.l.], em Almada, catálogo da exposição curada por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte
Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984,
[s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.

como afirma José Manuel neste poema que é a apoteose da ingenuidade e genuinidade
e como confessa o autor na introdução da sua peça teatral Pierrot e Arlequim. Um eco
desta identificação Almada-Arlequim encontra-se nas recordações da pintora Sarah
Affonso, sua esposa, nas suas conversas coleccionadas pela nora. Esclarece Sarah que o
significado dos dois, Pierrot e Arlequim, é a oposição:
- Os dois são pobres, não têm nada. Mas um é feliz e cheio de conquistas. O outro é triste, e falhado. O
feliz é o Arlequim, a Colombina é a namorada dele. O Pierrot não tem ninguém e fica a olhar cheio de
tristeza. O Arlequim é o sol, o completo. O Pierrot é a lua, o inacabado.
- Qual é a diferença das vestimentas deles?
- É o contrário. O Arlequim usa uma malha pegada ao corpo feita com todas as cores do arco-iris. O
Pierrot tem um fato todo de franzidos compridos com as mangas compridas, com ar de desmazelo, com
uma cara branca cor-de-lua. - E os lozangos? - Os lozangos é a pobreza, feito de bocados.176

Embora, alerta José Manuel,


Sem dúvida há uma infinita distância, quase um abismo, entre o personagem que vive em sociedade e o
personagem de dentro, -: o rosto e a máscara.177

175
Cfr., entre outros, o ensaio de Fernandes da Silveira, Jorge, Almada é nome de Arlequim, em Almada
Negreiros, A descoberta como necessidade. Actas do colóquio Internacional, Porto, 12-14 de Dezembro,
1996, Celina Silva (coord.), edição da Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 1998, pp. 351-358.
176
Almada Negreiros, Maria José de, Conversas com Sarah Affonso, Arcadia, Lisboa, 1982, p. 114.
122

Mais uma vez, ocultada debaixo da máscara, volta a temática da coincidencia


opositorum. Na casa, a acentuar a diferença entre masculino-estático e feminino-móvel
dois patamares opostos: rectilíneo e em plano, o de Arlequim,

80. e 81. José de Almada Negreiros, Arlequim, varanda do primeiro piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008 e desenho preparatório para Arlequim, publicado no catálogo
da exposição curado por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste
Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, com o nº306 [s.l.]. Fotografia de
Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4592.tif)

curvilíneo e inclinado, o da mulher. Por isso, a mulher com a veste constelada de


estrelas toma a forma de lua dançante em redor do Arlequim-Sol, multicolor e fixo.

177
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 49.
123

82. e 83. José de Almada Negreiros, Columbina, varanda do primeiro piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008 e desenho preparatório para Columbina, publicado no
catálogo da exposição curado por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste
Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, com o nº305 [s.l.]. Fotografia de
Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4596)

Dois estudos preparatórios para ambas as figuras, assinados e datados, testemunham o


envolvimento do artista na decoração da casa, desde o ano de 1952, embora os esboços
contenham a variante de se apresentar especularmente face à versão final.
O casal, disjunto no piso inferior, volta a juntar-se na varanda do piso superior,
protagonizando uma narração extremamente rica em cores e gestos. Não obstante a
policromia face à anterior monocromia, aqui os dois mantêm as diferenças entre
losangos e estrelas, ou pois, ou seja entre linearidade geométrica e esfericidade lírica.
124

84. José de Almada Negreiros, Cabaret, varanda do 2º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (CCC4657.tif)

O azulejo tem uma estrita correspondência com um desenho publicado em 1922 no


quinto número da revista Contemporânea
125

85. José de Almada Negreiros, Desenho (da colecção Arlequim), in “Contemporânea”, nº 5, Lisboa,
1922, p. 56.

onde um idêntico arlequim ao lado duma mulher posa sentado em frente a uma idêntica
mesa, enquadrada por idênticas cortinas. A alusão ao amor perfeito, na perfeita fusão
dos dois amantes num único ser, remete para a ideia do andrógino, sublinhada pela
junção dos indivíduos e das cadeiras, quase duas metades dum só corpo e dum
elemento só. A mesma ideia é reiterada por Almada ao longo da sua carreira, como
demonstra esta ilustração do Diário de Lisboa, de 1924, que difere da anterior apenas
pela substituição do solar Arlequim pelo mais lunar Pierrot, repetindo na pose e na
legenda o mesmo conceito de síntese entre masculino e feminino.
126

86. José de Almada Negreiros, Pensamentos Loucos, publicado in Diário de Notícias, Lisboa, 1924,
reproduzido em António Rodrigues, Desenhos de Almada no Diário de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 89.

Mas o Cabaret azulejar ecoa uma ainda mais harmoniosa consonância com a já citada
peça teatral Deseja-se mulher, escrita em Madrid, em 1928, e publicada 31 anos depois,
em 1959:
(Desde quase o princípio do diálogo os gestos da mulher têm vindo num crescendo de «coqueterie» à
sedução e até à fascinação. […] A fascinação provocada no homem é evidente, mas não lhe permite acção
nem corresponder à da mulher. Fascinado, radiante, mas sem corresponder […]
Respira fundo nas pontas dos pés. Não cabe em si de satisfação. Parece que sobe em levitação. Volta-se
para onde ela esteve sentada e fica arrebatado a olhar o lugar como se ela lá estivesse.)178

178
José de Almada Negreiros, Deseja-se mulher, em Teatro, op. cit., p. 37.
127

87. José de Almada Negreiros, pormenor de Circo, varanda do 2º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650)

Quase uma ekphrasis do texto é o encontro do Arlequim retratado em pontas com a


mulher no mural mesmo em frente do casal sentado à mesa.
O tema do Cabaret é central na obra de Almada, tal como na escrita de José Manuel:
Procuro os cabarets como poderia procurar a solidão. É uma necessidade, uma urgência. Mas a solidão
não anula, - integra. Pelo contrário, o cabaret desagrega, niiliza. É o ritmo artificial, convencional,
mecânico de tudo, - todas as frases, todos os gestos, todos os sentimentos, todos os pensamentos, - tudo
isso que me atrai como um grande repouso, um grande abismo.179

TRANSFIGURAÇÃO
Senti-me transportado aos imos da ficção.
Vi-a uma vez na rua e criei um romance.
Nesta vida, afinal, não há nada que canse:
é só preciso um pouco de imaginação.

Criar, fazer de tudo um pouco do que se é,


oferecer ao mundo o que só nos pertence.
Criei-a, fi-la deusa, embora haja quem pense
que passa as noites a dançar num cabaret...180

Psique, nesta varanda, torna-se mulher de Cabaret, tal como a protagonista de Deseja-se
Mulher e a Manolita da Alquimia do sonho. Na descrição desta última, na altura do
primeiro encontro, pode ser encontrada a razão da vivaz policromia dos azulejos da
varanda virada para Sul.

179
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 11.
180
José Manuel, Sargaços, op. cit., p. 17.
128

PRIMEIRO ENCONTRO MANOLITA: Manolita agradeceu. Agradeceu o quê? Não me lembro, nem
importa. Sei só que tudo em redor oscilou. O instante projectou-se no infinito. Todas as formas, todas as
Cores se fundiram numa única forma, numa única Cor.181

Nesta projecção do instante no infinito, vislumbra-se a constante almadina da janela


aberta e da gaiola que se encontram em tantos trabalhos públicos e privados.

88. José de Almada Negreiros, pormenor de Cabaret, varanda do 2º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4647.tif)

Como no conto, também Manolita-Psique sofre metamorfoses:


Depois, não sei exactamente como nem porquê, tudo aconteceu vertiginosamente. O ar liquefez-se.
Manolita, muito ao longe, transfigurou-se. Era um pequeno peixe cor-de-rosa num aquário multicor.182

Não um peixe, mas uma sereia encontra-se no mural cimeiro ao do Cabaret. Caligráfica,
estilizada, esta sereia azulejar, desenhada como que pela ponta de um pincel,

89. José de Almada Negreiros, Sereia, pormenor da varanda do 1º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4607)

181
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 7-8 e 19.
182
Ibidem, p. 19.
129

formava um “par” com uma outra sereia, em tapeçaria, realizada por Sarah Affonso,
variante dum seu óleo de 1939 e duma em cerâmica.183

90. 91. e 92. Sarah Afonso, Sereia, Manufactura das Tapeçarias de Portalegre, fotografia publicada em
AA.VV., Leilão de Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya, Palácio do Correio Velho,
Lisboa, 2000., que a ela se refere com o n.º 681, p. 139; Sereia, 1939, 1200 x 800, óleo sobre tela,
fotografia publicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo curado por Rui Mário
Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 93
http://pinturaportuguesa.blogs.sapo.pt/arquivo/sarah_afonso3g.jpg; Sereia prato em cerâmica
policromada, 300 mm. de diâmetro, fotografia publicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta,
catálogo a cura de Rui Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros,
Cascais, 1996, p. 87.

O esclarecido comitente procurava, provavelmente, um correspondente visual duma sua


poesia datada de 1944, cujo título, Iluminura, bem condiz com o estilo decorativo,
gráfico, estilizado do azulejo almadino, enquanto o tom popular, jovial, naïf convém à
tapeçaria de Sarah.
ILUMINURA

Nas ondas do mar cantava


uma sereia vaidosa.
tam bela que me lembrava
uma pétala de rosa.

Um triste búzio escutava


sua canção melodiosa

183
A reprodução aqui publicada foi retirada da página 139 do catálogo: AA.VV., Leilão de Pintura e
Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya, op. cit., que a ela se refere com o n.º 681.
130

e num murmúrio chorava,


em voz baixa e cautelosa.

De súbito a tempestade
escureceu a paisagem
que eu recordo com saudade

e nessa longa viagem


eu, búzio de soledade.
morri, ... em forma de imagem!184

Por detrás da aparentemente despreocupada e pitoresca figura da sereia, poderia


esconder-se mais uma alusão à união dos opostos. A exagerada inclinação do
flexibilíssimo corpo da mulher-peixe, sinal duma metamorfose in fieri, ainda não
completa, mas em curso, remete mais uma vez para o círculo, ao eterno devir que funde
e supera os arquétipos da linha, dos ângulos. O artifício anatómico torna-se um
expediente geométrico: a curva. É a curva que, nesse sentido, permite e veicula a
perfeita fusão de todas as oposições, como, no nosso caso, a contígua imagem do
masculino e feminino, abraçado num único nó, a bordo dum simbólico e alusivo barco,
baptizado Eros.

93. José de Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso da Casa da Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008. Publicado em Barbara Aniello, As metamorfoses
de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista
semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais,
Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4602.tif)

184
José Manuel, As novas canções, op. cit., p. 27.
131

Após a intermitente junção-disjunção simulada no alternado jogo do par que se exibe


num número de equilibrismo nos trapézios, o casal volta a unir-se como num extremo,
último ímpeto, no mútuo abraço.

94. José de Almada Negreiros, Trapezistas, pormenor do desenho preparatório do painel da varanda do 1º
piso da Casa da Rua de Alcolena. Gentil concessão da Fábrica Viúva Lamego. Fotografia Gestifer,
publicado in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos,
Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.

Desta maneira o pólo feminino e o masculino voltam a reunir-se, tal como no mito. O
nome Eros, gravado no casco do barco, não deixa espaço a dúvidas acerca da natureza
desta união. Eros e Psique reconstituíram-se num ser andrógino, único e completo. Não
só os dois corpos entrelaçando-se desenham um nó em forma de oito, sinal de infinito,
mas também a sombrinha, que tanto nos lembra a protagonista da peça teatral almadina,
é metade em gomos e outra metade em curva, tornando-se uma síntese, quase um ex-
libris, da perfeita síntese dos contrários. Como é habitual, um reflexo desta escolha
figurativo-numérica encontra-se na reflexão filosófica:

Ambos os sexos começam pelo dois e têm a mesma correspondência com o oito, o ovo Órfico185

Mais uma vez, um eco desta iconografia ressoa nas páginas da peça teatral Deseja-se
mulher, que constitui uma verdadeira fonte, juntamente com O mito de Psique, para a
exegese do mito do andrógino em Almada e para a questão da ekphrasis da sua obra na
casa de Rua de Alcolena. Curiosamente, a peça acaba com um divertido epílogo
amoroso entre um marinheiro e uma sereia, involuntariamente caída na sua rede. A
caprichosa criatura luta com ele e acaba por prendê-lo na mesma rede que antes a
aprisionava. Desta cómica união nasce um pequeno ser humano com duas caudas de

185
José de Almada Negreiros, Ver, op. cit., p. 101.
132

peixe e a peça conclui-se com o flash dum fotógrafo surgido para imortalizar o
evento.186
É sem dúvida no teatro que está a chave para a compreensão da proximidade entre as
imagens do barco e da sereia do painel azulejar. Mas como nos habitua Almada, na
extraordinária coerência da sua obra, existe um eco em chave satírica deste dueto
teatral numa historieta do período de Madrid, datada de 1927

95. José de Almada Negreiros, La sirena pobre, publicado in El Sol, 7 de Dezembro de 1927,
reproduzido em El alma de Almada el impar: obra gráfica, 1926-1931, org. Bedeteca de Lisboa, textos
de João Paulo Cotrim, Luis Manuel Gaspar; fot. Joaquim Cortés, Luis Pontes, Lisboa, Camara
Municipal, 2004, p. 156-157.

No desenho da cenografia da peça Deseja-se Mulher, a obsessão pela fusão do amado


com a amada desenvolve-se num absurdo matemático que ao longo da peça persegue os
protagonistas: 1+1 = 1.
Portanto, com base na citação anterior do oito e do Ovo órfico, poderíamos escrever a
fórmula 1+1 = 8, sendo a união perfeita também infinita. A experiência do amor passa
pela solução de todas as oposições, segundo o mito andrógino narrado por Platão no
Banquete e exemplificado por Almada na sua fórmula, cuja solução pertence mais à
filosofia do que à matemática ortodoxa.

186
José de Almada Negreiros, Deseja-se Mulher, in Teatro, op. cit., pp. 64-65.
133

96. José de Almada Negreiros, Desenho, publicado em Deseja-se Mulher, publicado em Teatro, Lisboa,
Estampa, 1971, p. 63, reproduzido também em António Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica,
Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 64/h.

Mais ainda. Uma aura de luz envolve o barco e o casal, semi-encoberto pela hera,
símbolo de amor e fidelidade, desenhando claramente uma forma: é o coração.

97. e 98. José de Almada Negreiros, Desenho, 1922, publicado em Histoire du Portugal par cœur, em
Contemporânea, Grande Revista Mensal, dir. José Pacheco, edit. Agostinho Fernandes, ano 1, nº1, 1922,
p. 30, publicado também em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand,
Lisboa, 2006, p. 67, já publicado no catálogo da exposição Almada, curada por Margarida Acciaiuoli,
Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984),
Lisboa, 1984, [s.l.], fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão, reproduzido também em António
Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 65 e José de
Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, Publicado em Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na
Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios
e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de
2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4602.tif)

De fórmula matemática a manifesto poético, do desenho ao azulejo, do teatro à


decoração arquitectónica, o coração volta, assim, perpetuando a mesma obsessão pela
unidade. Tal como a peça teatral tinha preanunciado, o amor entre o homem e a mulher
é uma reconstituição da unidade perdida, é o andrógino platónico reapropriando-se das
suas unidades dispersas.
134

99. José de Almada Negreiros, Capa para a peça de teatro Deseja-se Mulher, reproduzida em António
Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 64.

O barco encontrado nesta segunda varanda da parede Sudoeste, revela em termos


exotéricos o que o vitral, a Noroeste, ensinava em termos esotéricos: na união perfeita
do homem com a mulher, os confins entre as identidades confundem-se, alcançando um
unicum. A Duplicidade funde-se na Unidade.
Há no homem uma unidade ôntica, não importa agora os sistemas filosóficos interpretativos dessa
unidade, incompatível com qualquer logicismo, matematicismo, ou qualquer outra designação
sistemática.187

Por isso, como acontece frequentemente em Almada, a Matemática não coincide com a
Filosofia: a Filosofia precede a Lógica.

187
Jorge Nemésio, Humanidade e Cultura, in Eros II (Outubro 1951), op.cit.
135

12. Eros e Psique no vórtice da dança.


No mural do piso superior, em correspondência directa com o par abraçado no barco,
descobre-se um par dançante, em bicos de pés, envolvido num mesmo xaile cor violeta.

100. José de Almada Negreiros, Dança e Circo, pormenor da varanda do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicada em Barbara Aniello, As metamorfoses de
Psique na Cada da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista semestral
de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa,
Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650.tif)

Embora semi-ocultados pela manta e pela obscuridade da noite, reconhecemos tratar-se


mais uma vez de Arlequim e Columbina, pelos inconfundíveis fatos de losangos e
estrelas-pois.
Os rostos dos dois bailarinos fundem-se num único par andrógino, em exacta
correspondência, no piso inferior, com o casal no barco. Aí Eros e Psique reuniam-se
num ser único e completo, esquematizado na sombrinha, desenhada metade em gomos
triangulares e outra metade em curva; aqui, neste par dançante, reencontramos o mesmo
motivo geométrico no xaile, visualizando a perfeita síntese dos contrários.
136

101. e 102. José de Almada Negreiros, pormenor varanda do 1º e 2º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicadas em Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique
na Cada da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de
edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa,
Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4602.tif)
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650.tif)

Para explicar a exegese da iconografia do Arlequim que Almada elege para a parte
exotérica da casa, temos que recorrer novamente aos textos teatrais do artista:

Para eu não me perder de ti depois do palmo de areia entre as rochas fui pedir emprestado um fato à
altura da bastança em que vivias com os teus. E com este fato vieram todas as mentiras da razão do
emprestado. Foi a ti que eu menti? Não. Foi a mim? Também não. Foi ao mundo que não é ninguém.
E menti por nós, por gente. Não se pode mentir a alguém, só pode mentir-se ao mundo. Ele é
presunçoso: pouco lhe importa que a mentira seja ciência, ou poder, ou qualquer outra glória do
mundo. Ele sabe que terá tudo menos verdade.188

Para viver no mundo, Eros precisa dum disfarce e, não por acaso, escolhe uma máscara
da Commedia dell’arte que se serve da mentira como instrumento de sobrevivência
entre os outros, “a gente”. Se o engano é ferramenta essencial para lidar com o mundo
exterior, o Eros/Arlequim recomenda a honestidade interior:
A verdade é nossa, da gente, exactamente de cada um. A ti, mulher, sòzinha ou também minha, só te
peço que nunca te mintas a ti mesma. Contra o mundo, contra quem for, contra mim mesmo, se o for,
mente se preciso for para não te mentires a ti mesma.189

Nem o proprietário é alheio ao interesse pelo mundo circense representado nas paredes
exteriores da casa:
quando eu era menino, o meu único vício era o circo e o fogo de artifício. Eu amava o espectáculo e vivia
o espectáculo.190

As figuras da Commedia dell’arte, do Clown, da prostituta, assumem formas


simbólicas na sua escrita:

188
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., p. 179.
189
Idem.
190
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 27.
137

Todos têm opinião sobre a vida e a morte. O clown diverte. A sua opinião tem olhos para dentro. Ele é o
coração do mundo. As crianças riem. A sua opinião tem olhos para fora. Os outros, os profissionais da
vida, usam óculos escuros para disfarçar o sono. Não riem, nem choram, - bocejam. A sua opinião não
tem olhos para dentro nem para fora…Mas a prostituta vê tudo. Vê para dentro, vê para fora. Contempla
de Sírius o espectáculo dos homens e dos deuses. E o espírito crítico.191

O Clown, para José Manuel é um Todo, é a Unidade:


Diante do espelho, o clown não chora, nem ri. Espanta-se, confunde-se. Rigorosamente não pensa.
Sente o circo dentro de si, - e não apenas o circo, mas o mundo todo, todas as crianças, todos os
profissionais da vida, todas as prostitutas, todos os clowns. A máxima subjectividade é a máxima uni-
versalidade.192
Esta Universalidade é o alvo da pesquisa de Almada
Tu sabes. O encontro total contigo mesmo é o encontro total com todos. Todas as perspectivas do
homem, - todos os seus crimes, todas as suas virtudes, todos os seus erros, todas as suas verdades existem
dentro de ti.193

Para o proprietário, a vida será uma comunhão e uma oferenda, os homens serão unidos
por uma irmandade espiritual. Assim, em Polichinelo no circo, assiste-se quase a uma
transfiguração mística do artista do circo, cujo corpo se torna pura luz, irradiante e
deslumbrante, desatada pela sua nudez: Polichinelo “era o sol que nascia”.194 Se antes
assistíamos a uma ascensão mística de Arlequim, aqui com Polichinelo temos uma
transfiguração. É interessante notar quantas imagens circenses ocorrem na trans-
memória criativa do dono da Casa, rodeado no seu quotidiano por uma análoga
iconografia.

191
José Manuel, O Clown e a Prostituta, dedicado a Vittorio de Sica, in Eros V-VI (Outubro 1953), op.
cit.
192
Ibidem.
193
Ibidem.
194
José Manuel, Polichinelo no circo, in Eros V-VI (Outubro 1953), op. cit.
138

103. José de Almada Negreiros, Circo, varanda do 2º piso da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650.tif)

Debaixo das máscaras da Commedia dell’arte, os arquétipos do feminino e do


masculino andam, de vez em quando, a juntar-se e separar-se. Associados à figura do
cavalo, numa pose acrobática, aqui o par, acabada a dança, exibe-se num número de
circo, visível também no estudo preparatório da obra.
139

104. José de Almada Negreiros, Arlequim e bailarina, desenho preparatório para Circo, publicado no
catálogo exposição Almada, a Cena do corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27 de Outubro
de 1993 a 15 de Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 150, lápis sobre papel 500 x 325 mm., ass., n. dat., ded:
para a Rusa 1° aniversario. Col. Rusa Bustorff Burnay, fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha
Henriques Ruas. Republicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo a cura de Rui
Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 185.

Como confessa Almada na entrevista do documentário José de Almada Negreiros: Vida


e Obra,195 o seu interesse pelo teatro, pela dança, pelo circo resume-se numa palavra:
espectáculo. O que interessa ao artista não é o que vê, mas o acto de ver. “Ver, ver,
ver!” repete obsessivamente o obcecado Almada, seduzido pelo espectáculo, metáfora
da Vida.
A varanda deste segundo piso apresenta uma singular troca entre uma noite iluminada e
um dia sombrio. A lua minguante surge numa porção de céu misteriosamente
iluminada, ferindo com a sua luz brilhante a manta uniformemente escura da noite. Por
sua vez, do lado sombrio, projecta-se um raio de luz, clareando as folhas da pérgula.

195
O documentário, que contém uma visita às reservas do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste
Gulbenkian guiada por Jorge Molder, foi transmitido pelo Canal 2 da RTP, no dia 12 de Junho de 2000
no âmbito do programa Acontece.
140

105. José de Almada Negreiros, Cabaret e Dança, pormenor da varanda do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4648.tif)

Confrontando esta imagem com a planta da cobertura do terraço

106. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 4, Arquivo Municipal de Lisboa.

e com uma fotografia mais antiga da Casa, deduz-se que o tecto, posteriormente
fechado, era originariamente aberto, a formar um jogo em trompe-l’œil e em
continuidade com a pérgula.
141

107. José de Almada Negreiros, Cabaret, fotografia antiga da varanda do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena, Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, espólio Varela.

108. Fotografia antiga da entrada do Jardim da Casa da Rua de Alcolena, Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008, espólio Varela.

Um ulterior jogo de luz e sombra descobre-se no elemento plástico-arquitectónico da


belíssima escada que conduz à cobertura do terraço, onde os paralelepípedos dos
142

degraus, directamente encastoados na parede, sem corrimão, são vestígio duma


sabedoria plenamente modernista de refinado design:

109. António Varela, Casa de Rua Alcolena, Escada de acesso à cobertura do Terraço, Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008.

Esta dupla “chuva oblíqua” de sol, penetrando pelo terraço, pelas pérgulas verdadeira e
fingida da varanda do andar de cima e pela pérgula da garagem, oferecia um autêntico
divertissement entre o jogo da luz pintada e a luz natural. A esta chuva oblíqua de sol e
de fogo responde, segundo Hugo Nazareth Fernandes, o desenho ziguezagueante das
seis portadas em madeira da entrada da garagem, típico de Varela em outras obras, que
poderá aludir simbolicamente ao arquétipo da água .
143

110. António Varela, Casa de Rua Alcolena, Porta da Garagem, Fotografia de Hugo Nazareth Fernandes.

O sol e a sombra alternadamente, dependendo da hora e da luz do dia, traçavam um


duplo retículo sobre a grelha da pérgula, multiplicando, tal como o duplo xadrez, a
impressão óptica da sobreposição das barras.
Olhando mais uma vez para o aspecto exterior da Casa (figs. 6, 7 e 106), reparamos
num sábio jogo de Varela entre duplo e triplo: dois são os óculos da garagem, com
janelas bipartidas em semi-luas e tripla a grade de ferro; seis as portadas de madeira,
produto de dois por três, cujos ziguezagues são agrupáveis dois a dois ou três
a três + ; duplo e simultaneamente triplo é o tapete de xadrez, cujo urdido é feito
de duas ou três pedras alternadas na vertical, e cuja bicromia (pedra/relva, claro/escuro)
é ambiguamente uma tricromia (pedra branca/pedra cinzenta/relva, claro/semi-
escuro/escuro).
À varanda do segundo piso corresponde uma igualmente polícroma no primeiro.
144

111. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4598.tif)

Aqui as figuras estão singularmente emolduradas por triângulos e quadrados. Se


considerarmos apenas o cenário da composição, sem as suas representações, logo se
formará diante dos nossos olhos a sensação dum sólido planificado. É exactamente a
figura dum octaedro planificado, a que cobre as paredes desta mística varanda. A cifra
do infinito é inscrita não só no casal a bordo do barco, mas também nas porções deste
sólido em que se desfaz a varanda.
Se no piso de cima tínhamos o casal sentado na mesa de Cabaret, aqui temos o par
semideitado à luz do sol que surge à janela. Em mística contemplação, mais uma vez,
reduzidos a cilindros e esferas, encontramos o casal Arlequim/Columbina, nos habituais
fatos estilizados, vestígios de pertença e identidade.
145

112. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4603.tif)

Seguindo o percurso do astro, reparamos, por cima do ângulo, do qual brota a árvore do
Bem e do Mal (mais uma associação Columbina/Psique/Eva), no disco solar, à direita,
coroado de andorinhas.
José Manuel é autor duma colectânea de poemas para uma andorinha chamada
Astrid:196

196
José Manuel, Poemas para uma andorinha chamada Astrid, Tip. Ideal, Lisboa, 1960.
146

113. José Manuel, capa para Poemas para uma andorinha chamada Astrid, Biblioteca Nacional de
Lisboa, 1950, desenho do autor.

O terno animal é protagonista duma extraordinária aventura: ela, ressuscitando, supera a


morte para se unir ao seu dono.
Puseram-na num caixãozinho de cartão
e levaram-na para dentro da terra
deitaram-lhe flores em cima
e foram-se
mas ela abriu as asas
sobrevoou a morte
e veio pousar dentro de mim197

Mais uma metáfora e metamorfose de Psique, que depois de ter conhecido “as entranhas
da morte”, atinge a segunda união com Eros. Da queda para o voo. Da morte à
ascensão.
Voltando à análise, assistimos a um esplêndido nocturno, onde a mulher se debruça da
varanda e olha para uma lua incandescente entre as cortinas, quase uma Ísis helenístico-
romana que se revela ao iniciado no meio da Noite e nos umbrais da Morte.
Naturalmente vislumbra-se nela o mito transfigurado de Psique:198

197
Ibidem, p. 5.
198
Eudoro de Sousa, op. cit., pp. 1-17.
147

114. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4605.tif)

Em particular, esta “lua solar” contemplada pela alma é o místico sol de meia-noite que
aparece ao iniciado nos mistérios de Ísis:
Cheguei aos confins da morte, e tendo marchado sobre o limiar de Prosérpina, voltei dali conduzido
através de todos os elementos. À meia-noite vi o Sol cintilando com cândida luz, cheguei à presença dos
deuses celestes e infernais e adorei-os de perto.199
I

Este diálogo silencioso de Psique com a lua-sol parece ter um reflexo na escrita dos
colaboradores de Eros.

199
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 19.
148

Sou nova, amanhecida quase.


Todas as noites transfiguro tudo,
Todos os dias recomeço tudo.200

E finalmente encontramos Psique na sua Apoteose


E quando neste vale encontra um palácio construído por mãos mais que humanas, calca aos pés pedras
preciosas e é servida por vozes incorpóreas, o autor quer dizer-nos nesta pintura, que a alma enquanto for
inocente e pura de toda a mancha terrestre, gozará de todo o género de felicidades, terá os astros a seus
pés, e será servida por anjos invisíveis de que, segundo a doutrina de Platão, todo o ar está cheio, para a
acompanharem e servirem.201

As pedras preciosas, pintadas por Almada em forma de cristais pentagonais, deixam


entrever, por baixo, a já comentada queda duma dupla figura icariana, masculina e
feminina, reconhecível pelos fatos a losangos e pois, mesmo ao lado do encontro entre
Eros e Psique no barco, visualização da fórmula andrógina. Assim, a queda do casal
aproxima-se da sua regeneração, a punição associa-se à expiação e, depois da
separação, Arlequim e Columbina, ou seja Eros e Psique, alcançam a fusão.

115. José de Almada Negreiros, pormenor do desenho preparatório para a varanda do 1º piso da Casa da
Rua de Alcolena. Fotografia Gestifer, publicado em Burlamaqui, Suraya, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.

Nas suas metamorfoses, Psique encarna várias vidas e várias identidades, de acordo com
os protagonistas da escrita do comitente. Em particular, no poema A princezinha,
encontram-se vários temas que fazem deste poema um d’après da moradia

200
Maria Pilar López, Poemas, in Eros, VII Antologia contemporânea (Novembro 1954), op. cit., VII, 1.
201
Eudoro de Sousa, op. cit., p. 8.
149

116. José Manuel, capa para Princezinha descalsa, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1952, desenho do
autor.

Desenhada como Psique, com asas de pássaro, esta princesinha cumpre no poema uma
simbólica viagem, começando pela união com o amado, a meio caminho entre a
comunhão mística e o vampirismo.
aproximou-se de mim enquanto eu dormia e abraçou-me tinha fome tinha sede tinha frio
alimentou-se da minha carne bebeu o meu sangue vestiu-se com o meu corpo
depois quando me abandonou eu estava morto
mas ela continuou a minha vida
através da minha carne do meu sangue do meu corpo através do meu sonho o advento

depois duma viagem colheu-a o sono, durante 7 simbólicos dias, o oitavo, tornou-se estátua de sal,
passando pelo esquecimento, relembrou-se do passado e sofreu o chamamento da morte, morreu segunda
vez, superando varias tentativas e obstáculos.

Significativa é a apóstrofe final do poeta à figura feminina:


princezinha descalça que loucura te cegou?
porque não ficaste em mim comigo toda a vida?
porque quiseste ir além da minha morte?202

A identificação entre Psique e a Princezinha ultrapassa a iconografia do desenho,


vislumbrando-se no binómio cegueira-morte, na fusão com o amado e na renascença
além da morte, a hipótese dum mais que experimentado processo ekphrástico. Sinal de
que o proprietário, enquanto compunha os seus versos, reflectia sobre o vitral e sobre as
outras obras das quais estava rodeado.

202
José Manuel, Princesinha descalça, Lisboa, op. cit., p. 22.
150

No fim deste roteiro, no lado Sudoeste da Casa, não resta que sublinhar mais uma
astúcia de Almada. A disposição dos azulejos é forjada de tal modo que os temas,
aparentemente variados, se reduzem, na realidade, a um só: a união do feminino e do
masculino. Por um lado, esta união é personificada pela Maternidade e Paternidade, na
varanda do andar de cima à esquerda, e pelo casal, primeiro separado e depois abraçado
no barco, na varanda do andar de baixo à direita. Por outro lado, a união é encarnada
pelo Arlequim e Columbina que, no andar de baixo, emolduram respectivamente à
direita e à esquerda a cena correspondente, no andar de cima, ao Cabaret, à Dança e ao
Circo. A composição, na sua totalidade, aparenta ser um quiasmo, dispondo-se, os
quatro temas, em forma cruzada e simétrica, agrupados dois a dois, segundo o esquema
gráfico da letra grega “χ”.
151

13. Mistério e maestria duma assinatura:

A relevância da proximidade entre os textos teatrais e as escolhas iconográficas é de tal


importância e consistência que Almada não prescinde mesmo dos mínimos pormenores
para aproveitar o diálogo inter-artes e intra-artes. De facto ele parece tecer um colóquio
não só com as outras artes, mas também consigo mesmo. Este é o caso da sua assinatura
na parede solar das histórias de Arlequim e Columbina.
Em forma de chapéu de Arlequim, Almada desenha ao lado da sua rubrica, um arco.

117. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4606.tif)

Mais uma vez temos que recorrer à sua peça teatral para explicar o sentido desta opção:
ELA - Se te entendo, pra ti o mundo é contra nós?
ELE - Não: é forçoso. É caminho. E o nosso é a Vida, somos nós.
ELA - Dizes que a Vida é fora do mundo?
ELE - Não: por cima. Exactamente por cima do mundo. (Põe uma mão por cima da outra.) E se for
necessário, devemos mentir ao mundo (Aponta a mão de baixo) para não nos mentirmos a nós
mesmos. (Aponta a mão de cima.). O arco é forçoso, o que vive é a flecha.
ELE - Se o mundo for por cima, pesa na Vida.203

O próprio detalhe da assinatura na obra de arte total que Almada constrói, em absoluta
coerência com o resto da decoração da casa, apresenta uma dupla leitura, exotérica e
esotérica. Por um lado, Almada alude ao elemento reconhecível do chapéu de Arlequim,
por outro à arma de Eros: o arco.
De resto, Eros é nome de Arlequim, tal como Arlequim é nome de Almada, por isso os
três vultos se encontram reunidos no emblema da assinatura.
O arco une alto e baixo, tal como o duplo pentagrama, invertido ou não. Mais uma vez é
coincidencia opositorum. Um paralelo figurativo desta emblemática e geométrica

203
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., p. 179 [sublinhado nosso].
152

assinatura está na Capela de São Gabriel em Vendas Novas, datada de 1951, o mesmo
ano do primeiro projecto da moradia de António Varela.

118. José de Almada Negreiros, Anunciação, vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951.
http://4.bp.blogspot.com/_IiPPmMhZYOE/RpZA30LUYtI/AAAAAAAAAIM/IfB8IhNCz9I/s400/379_7
908.jpg

No espólio do arquitecto encontra-se um significativo postal, reprodução do desenho-


estudo para o vitral, contendo no verso a dedicatória do autor, Almada, para o
arquitecto, António Varela.

119. e 120. José de Almada Negreiros, recto e verso do postal, desenho-estudo para o vitral da Capela de
São Gabriel, em Vendas Novas, 1951. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, Espólio Varela.

Coincidência, essa, que não pode ser casual, dados os interesses comuns e a comum
inspiração filosófica. Emoldurados por uma vesica piscis estão Maria e Gabriel. No
momento da revelação e saudação angélica, um raio de luz ilumina um óculo no chão,
contendo água, símbolo do tabernáculo que é Maria, primeira Igreja uterina. O anjo,
retratado no vitral da Capela de São Gabriel na sua função de revelador dos planos
divinos, de mediador do Saber, de ponte entre Céu e Terra, é alter-ego de Eros-Psique.
De facto, se rodássemos 90 graus a imagem, evidenciar-se-ia uma extraordinária
afinidade entre o anjo e a figura supina, no vitral que ornava a Biblioteca do proprietário
da moradia. Se os corpos dos amantes descrevem uma vesica piscis deitada, um óculo
deriva da circularidade dos gestos.
153

121. José de Almada Negreiros, pormenor de Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da Assembleia da
República, Residência Oficial do Presidente, fotografia de Barbara Aniello. Publicado em Barbara
Aniello, “As metamorfoses de Psique na Cada da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total”, em
Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.

A insistência sobre o motivo da vesica piscis é atestada pelo estudo para um outro vitral
da Capela de Vendas Novas, onde não uma, mas duas vesicas perpendiculares
circunscrevem o mapa de Portugal.
154

122. José de Almada Negreiros, estudo para vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951,
óleo, publicado em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa,
2006, p. 154. Fotocompográfica Lda.

O símbolo da vesica piscis, já conhecido na Índia, na Mesopotâmia Antiga e em África,


foi adoptado pelo Cristianismo, aludindo ao fruto da amêndoa, Cristo, semente de vida
e, ao mesmo tempo, à intersecção entre dois círculos, dois mundos comunicantes, o
material e o espiritual. Este vitral é um anel de conjunção entre a Anunciação e Eros e
Psique, tomando Portugal o lugar privilegiado do fruto da divina união, quer cristã, quer
pagã. Por isso Eros e Psique ocupam a paralela ao ponto cardeal, no sentido do qual a
Nação está geograficamente orientada: Sudoeste.
Para além disso, o projecto da Capela é não só contemporâneo do projecto da casa, mas
também tem a assinatura do arquitecto Jorge Segurado, com o qual António Varela
partilhava o atelier e que foi seu parceiro na construção da Casa da Moeda.
Na minha opinião, à leitura esotérica da assinatura pertence a estilização do conceito de
mediação, de arco, de ponte entre dois mundos, humano e divino, tal como lembram
ambos os vitrais, na fabula de Eros e Psique e na historia do Anúncio de São Gabriel.
A beleza e o mistério desta casa, que pisa o limiar entre o exotérico e o esotérico, estão
no seu enigma. Responsáveis por manter o arcano são os próprios autores, na procurada
resistência à explicação, à justificação das suas escolhas poético-figurativas:

Recuso qualquer condescendência, qualquer tolerância com o público. Por exemplo, a descrição lema,
minuciosa de todas as tentativas frustradas, de todas as esperanças inúteis. Recuso porque a minha
linguagem é o símbolo. E todo o símbolo é necessàriamente breve, sintético, vertiginoso, sibilino. Aliás,
simbólica ou narrativa, a verdade é sempre fictícia, misteriosa. Sobretudo aqui.204

204
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 37.
155

Eu próprio não compreendo, nem explico. O meu clima é o sonho. Abandono-me ao sonho. É o meu
maior crime, é o meu maior castigo, é o meu maior perdão.205

Tudo o que acontece não é senão símbolo.206

Pelo amor de Deus não me obriguem a explicar nada do que eu diga.207

Toda a arte é confissão, confidência, revelação íntima. Eu não escrevo, - escrevo-me. Linguagem e
mensagem identificam-se comigo. Para quê qualquer tentativa de auto -retrato? Francamente, não sei. No
entanto, é preciso.208

Quero mostrar-me, revelar-me, confessar-me, e sinto que é impossível... Estas palavras que escrevo são
apenas arabescos, pormenores decorativos, sugestões de alma. No fundo, eu próprio me desconheço.209

Não obstante isso, José Manuel, superando todas as suas reticências, dedica um auto-
retrato poético da sua alma a José de Almada Negreiros:

CONFISSÃO

Ao PINTOR ALMADA NEGREIROS

Sim, eu não sei como exprimir


aquilo que sinto cá dentro da alma;
ora é um Mar feroz sempre a rugir,
ora um Mar brando e manso, sempre em calma!

Por vezes sinto, horror de sentir!,


um mal-estar dentro de mim,
uma angústia cruel e sem fim
que me faz de ódio e raiva rugir
tal fera exausta de sofrer
ansiando momentos de prazer!

Outras vezes em serena calma


pareço ter qualquer coisa de divino
que me faz mesquinho e pequenino
como um melodioso sino
que canta a chorar!

Eis o retrato puro desta alma


que só se sabe apenas lamentar!210

Por sua vez o pintor ilustrará muitas das suas colectâneas, sigilando-as com o rosto
estilizado de Orfeu.

205
Ibidem, p. 38.
206
José de Almada Negreiros, citando Goethe em Ver, op. cit., p. 247.
207
José de Almada Negreiros, A Minha Dedicatória a Vera Sergine, 1923, De Teatro, citado in Furtado
Coelho, João, Almada Dixit, Livros Horizonte, Lisboa, 2009, p. 97.
208
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 49.
209
Ibidem, p. 50.
210
José Manuel, Primeiras canções, op. cit., pp. 126-127.
156

123. 124. e 125. José Manuel, capas para As primeiras canções, 1944, Novas Canções, 1946, Sargaços,
1947, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1952, desenhos de José de Almada Negreiros. Reprodução de
Barbara Aniello.

Fiel ao seu credo, Almada escolhe a lírica figura mitológica onde se fundem poesia e
música, vida e morte, apolíneo e dionisíaco. Mais uma vez Orfeu representa aquela
união dos opostos que, enquanto artista, Almada desde sempre procurava e da qual a
Casa é claro indício.
157

14. Três personagens em busca de um autor.

126. 127. e 128. Fotografias de António Varela, espólio familiar, reprodução de Barbara Aniello, António
Paiva, arquivos Faculdade de Belas Artes, reprodução de Barbara Aniello, José de Almada Negreiros,
publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006,
p. 152. Fotocompográfica Lda.
http://static.blogstorage.hi-pi.com/photos/jmgs.fotosblogue.com/images/mn/1207593080/7-de-Abril-de-
1893.jpg

No fim da nossa viagem, obedecendo ao mandamento de Almada: “primeiro ver!”,


depois deste mergulho na visão e deste “cruzamento líquido de olhares”, ficam alguns
interrogativos pendentes: quem eram os artistas que participaram nesta obra de arte total
que é a Casa da Rua de Alcolena? O que os motivou? Projectaram em conjunto a sua
edificação? Que papel teve o comitente? Terá o proprietário influenciado o programa
iconográfico da Casa?
158

A praxis dos artistas trabalharem em conjunto na concepção, projecto e execução do


edifício, praxis da qual a Casa da Rua de Alcolena é exemplo cimeiro e ímpar, terá tido
um papel não secundário, nesta época histórico-cultural de Portugal, na codificação do
ensino integrado das várias artes. Na Escola de Belas-Artes, devido à Reforma de 1957
e até 25 de Abril 1974, era leccionada a disciplina curricular Conjunção das três artes:
arquitectura/pintura/escultura. A arquitectura e as artes plásticas (pintura, azulejaria,
escultura, cerâmica) eram chamadas a colaborar para a realização duma obra unitária.
Esta integração permitia aos artistas das diferentes áreas comunicar e partilhar técnicas,
iconografias, métodos.
Apresentamos na íntegra o programa de ensino:
159

Os objectivos do programa parecem ser um possível indício do que aconteceu na


Moradia do Restelo. Um espelho retroactivo da atmosfera da época é fornecido por um
comentário de Leopoldo Almeida na revista Arquitectura, editada em 1968. Assim o
autor descreve a colaboração entre artistas:
Até há bem pouco tempo, senão ainda nos tempos que correm, a integração das artes era entendida como
uma síntese física dos seus diversos meios de expressão, como uma simbiose de volumes, de superfícies,
de texturas, de cores. Os artistas que criavam a obra integrada identificavam-se nas intenções para o que
160

se pressupunha um fundo estético e ideológico comum. A integração torna-se pois neste caso sinónimo
de criação colectiva de uma obra na qual, por via de regra, a pintura e a escultura se inserem
harmoniosamente, sem conflito, no «meio» arquitectónico ou urbano.211

O comentador examina, todavia, as causas da crise do sistema e o seu inelutável


declínio, devido à época de “explosão cultural” com consequente “destruição da
unidade dos valores estabelecidos e das referências conhecidas”.
O entendimento (fundamentalmente intuitivo) entre artistas tem-se deteriorado progressivamente dando
lugar a uma ignorância recíproca dos caminhos que se vão percorrendo, senão mesmo, em certos casos, a
formas abertas de antagonismo e de desconfiança. Assim, não é de estranhar que a ideia de criação
colectiva constitua, em muitos casos, sério obstáculo à livre expressão individual. Na realidade, a
definição «à priori» e rigorosa do objecto a integrar no outro (usualmente a pintura ou a escultura a
integrar na arquitectura) confina a colaboração do pintor ou do escultor a um âmbito e método de criação
restrito, em parte definido pelo próprio arquitecto.

Por outro lado, como lembra o escultor Domingos Soares Branco, a participação do
escultor e do pintor na construção de edifícios públicos e privados era devida a uma
postura camarária da época. O escultor e o pintor deviam participar na decoração dos
edifícios numa determinada percentagem, embora raramente participassem nas fases de
ideação e no projecto, unicamente reservadas ao arquitecto.
Da memória descritiva do projecto deduz-se que foi António Varela a envolver José de
Almada Negreiros na decoração da Casa. A amizade entre os dois remontaria pelo
menos à década de ‘40, como testemunham as provas encontradas no espólio do
arquitecto.212 Enquanto ambos os artistas já se tinham afirmado no panorama artístico
nacional, o envolvimento do jovem António Paiva, que na altura tinha apenas 25 anos,
terá sido impulsionado por conhecidos próximos da família da proprietária, Maria da
Piedade.213
Não obstante a carência de informações ao nosso dispor, ousamos crer que o nosso caso
pertence à primeira modalidade, sintética e simbiótica, da integração das artes descrita
por Leopoldo Almeida, que não por acaso foi professor de escultura de António Paiva.
Mais ainda, a Moradia apresenta-se como um caso extraordinário, excepcional, dada a
riqueza, complexidade e, ao mesmo tempo, unidade dos temas. Assim, como numa
polifonia, as vozes do pintor, do arquitecto e do escultor interpretaram
harmoniosamente a obra, concertando as próprias ideias e afinando as próprias
divergências.

211
Leopoldo C. de Almeida, Comentário sobre a integração das Artes Plásticas, in Arquitectura, Revista
de Arte e Construção, n. 101, Lisboa, Janeiro-Fevereiro 1968, pp. 5-6.
212
Cfr. Almada Negreiros: um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993, p. 78.
213
As presentes conclusões devem-se a entrevistas feitas a testemunhas.
14.1 António Jorge Rodrigues Varela

129. Fotografia de António Varela, espólio familiar, reprodução de Barbara Aniello.


O arquitecto, pintor e professor António Jorge Rodrigues Varela, responsável pelos
primeiro e segundo projectos da casa, respectivamente datados de 1951-1955, é uma das
três figuras cruciais que participaram na edificação desta Obra de Arte Total que é a
Casa da Rua de Alcolena.
Nasceu em Leiria a 17-11-1902, onde frequentou o Liceu Rodrigues Lobo, associando-
se mais tarde aos professores Narciso Costa e Ernesto Korrodi que terão influenciado
muito a sua formação estética. Na Escola das Belas Artes no Porto estudou desenho
com António Carneiro, Acácio Lino e José de Brito, e arquitectura com Marques da
Silva. No Porto frequentou os artistas do grupo de Leiria, Luis Fernandes, Lino António
e Octávio Sérgio. Em 1924, concluído o curso de arquitectura, começou a sua carreira
de professor, primeiro nas Escolas Industriais do Marquês de Pombal e depois no
Ensino Técnico (1932). Dirigiu projectos para a Exposição dos Centenários em Leiria
em 1940. Assinou vários trabalhos, públicos e privados, como a reconstrução do teatro
Pinheiro Chagas nas Caldas da Rainha, a Fábrica de Conservas em Matosinhos,
algumas moradias no Estoril, Encosta da Ajuda, Lisboa. Projectou a Casa da Moeda em
parceria com Jorge Segurado (1932-1938) e o Mercado em Coimbra (1937). Apresentou
162

quadros a óleo na 1ª Exposição no Salão dos Independentes em Lisboa.214 Faleceu


precocemente a 3 de Julho de 1962, na solidão do hospital, sem avisar a família do
estado terminal do tumor que o tinha atingido.215
Com respeito à conjugação das artes na Casa da Rua de Alcolena, o papel e o peso do
arquitecto estão ainda por definir. A sua presença mais discreta e silenciosa, face à do
proprietário e do pintor, levanta inúmeras hipóteses acerca das suas tarefas e da sua
influência nas decisões que brotaram na edificação desta obra de Arte Total que é a
Casa da Rua de Alcolena.
Com respeito à sua produção civil, o arquitecto aparenta manter na Moradia do Restelo
a mesma cifra estética de outros edifícios, como por exemplo a residência construída
para José Duarte Moreira Rato e Francisco Vilhena.216 Nesta última reparamos que o
lado mais plasticamente trabalhado, tal como na Rua de Alcolena, é o virado a Oeste,
que apresenta, em ambas as casas, o motivo do óculo.

130. António Varela, Alçado Poente da residência construída para José Duarte Moreira Rato e Francisco
Vilhena, publicado in Varela, António, “Uma moradia portuguesa”, in A arquitectura portuguesa e a
cerâmica e edificação reunidas, revista mensal técnica e artística, Agosto de 1938, nº 41, ano XXX, 3ª
série, p. 12.

214
“Varela, António Jorge Rodrigues”, in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Verbo, Lisboa, 1980-
1986, vol. XXXIV, p. 182.
215
As datas de nascimento e morte do artista (17/11/1902 - 3/06/1962) foram-nos referidas por Maria do
Céu Rodrigues Varela Pimentel de Figueiredo e Maria do Rosário Varela e Baeta da Veiga. A
Enciclopédia Luso-Brasileira refere 1/11/1902 e não cita o ano da morte. O Dicionário de Arquitectos
Activos em Portugal do século I à Actualidade de José Manuel Pedreirinho, Edições Afrontamento, 1994,
menciona o nascimento em 17/11/1902 e relata o ano de morte em 1963, não em 1962, tal como afirmam
os familiares.
216
António Varela, “Uma moradia portuguesa”, in A arquitectura portuguesa e a cerâmica e edificação
reunidas, revista mensal/técnica e artística, Agosto de 1938, ano XXXI, 3ª série, pp. 10-13.
163

131. Vista Noroeste da entrada principal da Casa de Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.

No caso da Rua de Alcolena este óculo corresponde, no interior, à janela emoldurada


pelos feixes luminosos da estrela de cinco pontas branca, directa e rayonnant.

132. Interior da Casa correspondente à parede Noroeste, com pentagrama pintado e óculo-janela.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
164

Gostaríamos de interpretar este motivo decorativo posto por Varela como uma rosa-dos-
ventos, apontando sempre para o Oeste, mas vista por fora sinistrorsa, por dentro
dextrorsa. Posta em jeito de diafragma entre exterior e interior, a rosa sugere uma
osmose entre dois ambientes, o da casa e o do jardim, remetendo para a orientação
peculiar da construção face aos pontos Cardeais.
A ligação entre José Manuel e António Varela é atestada pelo poema a ele dedicado:217
AS SETE MÁSCARAS
A António Varela.

« La vie est une comédie sinistre… »


Georges Darien

A primeira máscara dizia: Calem-se todos. Todos se calavam. A segunda máscara escrevia anúncios
nas paredes: É proibido sonhar.
O poeta esperou toda a vida. Quando morreu, a terceira máscara exclamou: Ousaste demasiado.
Obedeceste à primeira máscara mas traíste a segunda. Serás castigado com a morte. Morrerás para
todos os homens.
Falou em vão. O poeta ressuscitou do outro lado do espelho. As sete máscaras reuniram-se em torno da
mesa pé-de-galo.
Todas elas pareciam contrariadas. Gesticulavam com desespero. O poeta não cumpria a sentença. Com
certeza tinha um pacto com o diabo. A quarta máscara dirigiu-se ao espírito do mal. Que todos os
espelhos se quebrem, disse ela. O espírito do mal sorriu e retirou-se. Estava cansado de inutilidades.
As sete máscaras indignaram-se muito com ele. Abandonaram a mesa pé-de-galo e dirigiram-se à
bruxa. A bruxa recebeu-as com indiferença profissional.
As máscaras entreolharam-se, perplexas. Somos as sete máscaras, as sete, gritaram elas. Pois sim, pois
sim, murmurou a bruxa, num bocejo. Que quereis afinal? perguntou. Salvar a nossa honra, disse a
quinta máscara. Estou muito ocupada, desculpou-se a bruxa. Voltem amanhã.
As sete máscaras encolheram os ombros, com tristeza.
Saíram para a rua e procuraram assustar os pardais. Era um recurso. Esforçavam-se por conservar
alguma dignidade. Mas os pardais tinham-se habituado às extravagâncias dos homens. Não se
preocuparam.
Que venha uma praga de gafanhotos!, gritou a sexta máscara. Ora os gafanhotos acabavam de ser
exterminados segundo os processos mais modernos da técnica.
Foi uma decepção. As sete máscaras tinham perdido toda a autoridade. Sentiam-se desconsideradas
perante o mundo. Começaram a gritar por socorro. Nesse momento, imprevistamente, o poeta saiu do
espelho e procurou auxiliá-las. Francamente estava comovido. A sétima máscara exultou. É o momento
da vingança, exclamou ela. Quando o poeta se aproximou, cravou-lhe um punhal no coração. Mas o
poeta estava morto. Não podia morrer duas vezes. As sete máscaras tinham-no confundido com um
homem. Ora ele era apenas um fantasma. Num instante desmascarou-as todas. Transformou-se num
espelho e colocou-se em frente delas. Cada uma reflectiu uma imagem semelhante. Afinal todas se
pareciam com o poeta. Morreram de pasmo. Eram sete corpos com sete punhais cravados no coração.

Realçamos, neste breve texto, os elementos do silêncio e do sonho, que caracterizam a


personalidade extremamente reservada do arquitecto que brilha pela escassez de
informações. Uma curiosa coincidência une o texto de José Manuel com a iconografia
da varanda pintada por Almada no segundo andar, onde numa mesa pé-de-galo está
sentado um par de máscaras.

217
José Manuel, As Sete Máscaras, in Eros IX (Fevereiro 1956), op. cit.
165

133. José de Almada Negreiros, Cabaret, varanda do 2º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4648.tif)

Uma mesa análoga, mostrando uma figura em pose de meditação, foi encontrada no
espólio da família Varela. Esse desenho aparenta ser uma reprodução do retrato de Sá
Carneiro por Almada.

134. e 135. Desenho anónimo e inédito encontrado no Espólio Varela (Varela?), Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008 e José de Almada Negreiros, Retrato de Mário de Sá-Carneiro, gravura, 1963,
reproduzida em José-Augusto França, Almada: o português sem mestre, Lisboa, Estúdios Cor, 1974, p.
35. Fotografia Neogravura Lda. http://multipessoa.net/media/labirinto/passos-imagens/351.png
166

Quase uma iconografia da melancolia, esta, que se torna da contemplação pela variante
do olhar virado para cima, para as estrelas, para o transcendente. Pelo contrário, um
Arlequim melancólico foi assinado em 1922 por Almada, salientando o carácter
introspectivo, reflexivo e absorto do filósofo debaixo da máscara, imergido na sua
meditação interior.

136. José de Almada Negreiros, Arlequim, 1922, publicado no catálogo da exposição Almada, curada por
Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14
de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.], fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão, já publicado
em Lima de Freitas, Almada e o Número, Lisboa, Arcádia, 1977, p. 34, fotografia de Vítor Santos, Atelier
Arcádia.

Estando este Arlequim também sentado numa mesa idêntica às outras é o trait-d’union
entre o desenho encontrado no acervo Varela e o azulejo da Casa. É supérfluo lembrar a
particularidade da mesa de pé-de-galo ser um meio de comunicação com o
transcendente. A mesa escolhida por Almada é, portanto, o elemento que põe em
contacto o imanente com o transcendente, o aquém com o além.
O conto de José Manuel dedicado ao arquitecto tem sem dúvida um cariz fortemente
esotérico, do qual salientaria apenas dois aspectos: a função do vidro-espelho
167

despedaçado, tal como o vitral, que é composto por fragmentos de vidro reunidos, e a
identificação final do sujeito com o objecto da contemplação, fusão, esta, que percorre
toda a iconografia da Casa como já dissemos anteriormente.
O convívio entre António Varela e José de Almada Negreiros é atestado pela presença
de importantes primeiras edições de livros oferecidos pelo pintor ao arquitecto com
dedicatórias muito afectuosas.218
Em particular realçamos uma primeira edição da Invenção do Dia Claro, de 1921:

137. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de A Invenção do Dia Claro, Espólio Varela.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://4.bp.blogspot.com/_1O80CFZ_Yu8/SJNeQen9h3I/AAAAAAAACcM/9k5pwR2CKzM/s400/DIA
+CLARO.jpg

Uma primeira edição de A Chave Diz: Faltam Duas Tábuas e Meia de Pintura no Todo
da Obra de Nuno Gonçalves, 1950

218
Agradeço encarecidamente à Senhora Dona Maria do Céu Pimentel, sobrinha de António Varela, por
me ter permitido o acesso e a publicação de parte do espólio do arquitecto.
168

138. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de A chave diz: Faltam duas tábuas e meia de
pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves “o pintor português que pintou o altar de S. Vincente na Sé
de Lisboa”, Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

com dedicatória:

139. José de Almada Negreiros, dedicatória “Ao António Varela com um abraço do seu amigo”, ass., dat.
Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

Uma primeira edição de Mito-Alegoria-Símbolo - Monólogo Autodidacta na Oficina de


Píntura, de 1948
169

140. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de Mito-Alegoria-Símbolo, Espólio Varela.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://3.bp.blogspot.com/_EQnaPSHM4MU/Slz-9Y_jpGI/AAAAAAAABoM/-
CsbpHlqpKQ/s320/Mito+-+Alegoria+-+S%C3%ADmbolo.jpg

Com uma amigável dedicatória, em tinta verde:

141. José de Almada Negreiros, Dedicatória “Ao António Varela, a quem chamo António como ao meu
irmão António”, Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
170

É particularmente significativo, na minha opinião, que três das mais filosóficas obras do
pintor, com dedicatórias, se encontrem no espólio do arquitecto, sintoma duma
familiaridade que não pode ser ocasional nem formal.
A selar a evidente amizade entre os artistas fica um fino e preciosíssimo desenho, cujo
estilo pertence à série da década dos anos ‘10-‘20, até agora inédito:

142. José de Almada Negreiros, Desenho inédito, ass. e dat. (1921). Espólio Varela. Fotografia de Nuno
Nazareth Fernandes.

Um desenho dos Acrobatas, 1919


171

143. José de Almada Negreiros, Acrobatas, 1919, lápis e esferográfica s/papel, 291 x 218, ass. dat.,
Espólio Varela. Fotografia de Nuno Nazareth Fernandes.

Uma gravura anónima, de dúbia paternidade, provável estudo ou um d’après dos


frescos da Gare Marítima da Rocha Conde de Óbidos
172

144. Anónimo, No Circo, gravura encontrada no Espólio Varela. No verso: “Pertence ao arquitecto
António Varela. Queremos ser do Almada Negreiros. Basta ter sido do tio António e ter estado numa
exposição por ser um bom quadro. O arquitecto Tinoco está convencido que é do Almada Negreiros”.
Fotografia de Barbara Aniello.

este famoso auto-retrato de Almada, assinado, datado e com dedicatória:


173

145. José de Almada Negreiros, Autoreminescência (auto-retrato), tinta da china s/papel, 190 x 115, ass.
dat., ded., Paris 1949, Espólio Varela, Fotografia de Nuno Nazareth Fernandes.

Este último desenho de 1949, intitulado Autoreminiscência, contém o jogo subtil e


enigmático da troca entre o “s” e o “c”, aludindo a uma íntima e alusiva conversa entre
autor e destinatário. Em particular, o ano e o título do retrato geométrico-simbólico,
frisado por duas pupilas gigantes, evidenciando mais uma vez o tema da prioridade da
visão, parecem-nos remeter para o tema platónico da Gnose, adquirida através da
memória. Segundo Platão, de facto, o Conhecimento não germina na consciência a
partir duma tabula rasa, mas é uma faculdade da Alma (Psique) que reproduz ou
174

relembra o que já aprendeu nas passadas vidas, através da sua Reincarnação


(Metempsicose).
Em adição aos dados bibliográficos e iconográficos encontrados no espólio Varela, duas
fotografias testemunham o convívio entre Almada e o arquitecto Varela, em reuniões
com amigos comuns.

146. Fotografia dum jantar com amigos, entre os quais José de Almada Negreiros (terceiro a contar da
esquerda), Sarah Affonso (quarta a contar da direita), António Varela (primeiro a contar da direita).
Espólio Varela. Reprodução Barbara Aniello.

147. Jantar em honra de Almada, 1941. Entre os convidados, António Varela, de pé à esquerda do artista.
Fotografia publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand,
Lisboa, 2006, p. 147. Fotocompográfica, Lda.
175

14.2 António Luís do Amaral Branco de Paiva

148. Fotografia de António Paiva, encontrada no Espólio familiar. Reprodução de Barbara Aniello.

Figura enigmática e “injustamente esquecida” do panorama da história da arte


portuguesa do século XX, António Paiva “pode considerar-se escultor do segundo
modernismo, na medida em que procura contrariar padrões académicos residuais da
nossa cultura ao tempo”.219 As raríssimas fontes encontradas atestam a sua actividade
de escultor e professor da Escola de Belas Artes. Nasceu em Alcácer do Sal a 12 de
Fevereiro de 1926 e morreu em Lisboa a 30 de Junho de 1987. Dedicou-se desde cedo à
escultura e, ainda aluno do Liceu, expôs pela primeira vez, em 1943, nos Salões de
Educação Estética da Mocidade Portuguesa, onde obteve o 1º Prémio Nacional.
Trabalhou depois (1944-1949) com vários mestres de escultura, nomeadamente Barata
Feyo, Canto da Maya e António Duarte. Frequentou o curso de escultura do Mestre
Leopoldo de Almeida da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, matriculando-se em
1946 e em 1959 defendeu a tese com a classificação de 19 valores. Entre 1955 e 1957
foi desenhador do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcelos. Participou numa
colectiva do S.N.I. (Secretariado Nacional de Informação) em 1945 e numa exposição
geral de Artes Plásticas em 1951. Em 1953 tomou parte numa Exposição colectiva dos
artistas Modernos e em 1956 colaborou na Exposição 30 Anos de Cultura e na
Exposição de Arte Sacra na Galeria Pórtico. Participou em 1958 no Pavilhão de
Portugal da Exposição de Bruxelas, onde obteve o Grande Prémio Individual de
Escultura com uma obra colossal, emblemática do trabalho português de Norte a Sul,
infelizmente perdida após a Exposição.

219
António Duarte, Escultor António Paiva, op. cit., pp. 165-167.
176

149. António Paiva, escultura para a Exposição de Bruxelas, Grande Prémio Individual, 1958.
Reprodução de Barbara Aniello

No mesmo ano expôs na Galeria do Diário de Notícias. Em 1959 realizou a Exposição


dos Novíssimos do SNI e de Arte Sacra no Porto. Realizou trabalhos para os paquetes
Santa Maria, Vera Cruz e Infante D. Henrique. Existem vários trabalhos de Arte Sacra
no santuário de Fátima, na Igreja Matriz de Alcácer do Sal e na Igreja Paroquial de
Águas. Realizou várias esculturas honoríficas a Vasco da Gama (Sines), à Rainha Santa
Isabel (Estremoz), a Pedro Nunes (Alcácer do Sal) e a Garcia de Resende (Évora) e
desenhos para a decoração de construção civil, jardins e colecções particulares.220 Entre

220
A biografia do artista foi reconstruída essencialmente a partir da consulta dos Arquivos da Secretaria
da Faculdade de Belas Artes. Agradecemos a autorização do Director da Faculdade e a ajuda
imprescindível do Professor João Duarte. As restantes notícias foram retiradas do Catálogo Escultura e
Desenho de António Paiva, da Galeria de exposições do Diário de Notícias, Lisboa, 1958, pp. 1-4, do qual
reportamos os títulos das obras: 1 – D. Quixote «Bronze» 2 - D. Quixote «Gesso» 3 - Cabeça De Mulher
«Barro Cozido» 4 - Cabeça De Velho «Bronze»,5 - Ceifeiro «Bronze» 6 - Cavaleiro «Bronze» 7 - Mulher
Deitada «Bronze» 8- Homem Com Peixe «Cimento» 9 - Acrobata «Gesso» 10 - Cristo «Bronze» 11-12 -
Pratos «Barro Cozido» 13 - Cabeça «Pedra» e Desenhos, em parte do outro Catálogo da XLVI
177

1960-1962 foi professor de Desenho do Liceu Camões, renunciando ao cargo de


professor eventual para abraçar o de 2º assistente, além do quadro, do 6º grupo em 1962
na Escola das Belas Artes em Lisboa, onde leccionou durante vinte e quatro anos, até
1986, recebendo a promoção a 1º assistente em 1962. Foi bolseiro do Instituto de Alta
Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian para uma viagem de estudo a Itália.
Participou em diversas exposições individuais e colectivas em Portugal. Autor de
monumentos e de numerosas medalhas.221 Um ano após se ter aposentado, o seu estado
de saúde agravou-se e morreu no Hospital São Francisco Xavier em 30 de Junho de
1987.
O artista, autor dos dez baixos-relevos e da escultura cimeira do portal exotérico, tinha
vinte e cinco anos quando trabalhou no projecto decorativo da Casa. Coetâneo do
proprietário José Manuel, Paiva era mais jovem do que Almada, que tinha cinquenta e
oito anos, e do que António Varela, que tinha quarenta e nove anos. Graças ao
testemunho da viúva, Senhora Dª. Alice Berta Gonçalves Alves, encontrámos a notícia
duma estátua que originariamente decorava o jardim da Casa: São Francisco de Assis.
Infelizmente perdida, mas provavelmente ainda no acervo da família Ferrão,222 a estátua
foi publicada na revista Menina e Moça, contudo um estudo dela em barro encontra-se
ainda no espólio familiar do escultor.

Exposição de Pintura a óleo e escultura, promovida pela Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa,
1949, onde estão referidas as obras Cabeça de rapaz (estudo) e Máscara de velho (estudo).
221
Patrício António, A medalha portuguesa no século XX, Europália, Bruxelles, 1991, p. 92.
222
Tivemos a notícia que provavelmente a estátua se encontraria no espólio da família Ferrão, que
infelizmente ainda não autorizou a consulta.
178

150. e 151. António Paiva, São Francisco de Assis, estátua em gesso publicada na capa da revista Menina
e Moça, Março, 1971, nº 267 e estudo para São Francisco de Assis, espólio Paiva.

Personalidade introvertida e extremamente reservada, segundo as testemunhas vivas


encontradas na minha pesquisa, António Paiva não gostava de divulgar a sua obra nem
de notícias sobre si, mesmo em ocasiões oficiais. Exemplar, neste sentido, é um
catálogo de Exposição colectiva, entre os raríssimos encontrados, que reporta trabalhos
de obras plásticas comemorativos da obra de Hieronimus Bosch. Enquanto os outros
artistas referenciam nome, morada e um curriculum resumido da própria actividade
artística, ao lado da medalha cunhada pelo escultor lemos apenas: “Paiva. Vive em
Lisboa”.223 Na sua produção (que compreende obras dispersas em várias cidades do
país, como Vasco da Gama em Sines, Rainha Santa Isabel em Estremoz, Grupo
escultórico em Vinhais, Estátua da Justiça e Pedro Nunes em Alcácer do Sal, Garcia de
223
José Luis Porfírio, Bosch: Artistas contemporâneos e as tentações de Santo Antão, Ministério da
Educação e Cultura, Lisboa, 1973.
179

Resende em Évora, Monumento aos Bombeiros em Portalegre, Grupo escultórico no


Hospital e Estátua no Lar das Enfermeiras em Portalegre, Ricardo Jorge em Lisboa,
Grupo escultórico no Hospital do Funchal) destacam-se terracotas para a decoração de
edifícios,

152. António Paiva, São Jorge e o Dragão escultura em terracotas, não assinada, colocada num edifício
224
na rua Guilhermina Suggia, em Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.

esculturas de arte sacra ou comemorativa,

224
Este São Jorge e o Dragão faz parte de uma série de terracotas, não assinadas, colocadas na rua
Guilhermina Suggia, em Lisboa, em edifícios dos anos ’50, decorados por António Paiva. Devo esta
referência ao escultor Domingos Soares Branco, que testemunhou a sua execução e colocação.
180

153. Atelier de António Paiva, gessos entre os quais estudos de Rainha Santa Isabel de Estremoz e busto
para Luís Vaz de Camões. Fotografia de Barbara Aniello.

obras de criação pessoal, como estes cavalos e cavaleiros inclinados, aerodinâmicos,


prestes a descolar, que na versão em gesso padecem de uma metamorfose em superfície
lunar
181

154. e 155. António Paiva, Cavalos em madeira e gesso. Atelier Paiva. Fotografia de Barbara Aniello.
onde o tema do cavalo é o mais recorrente,

156. e 157. António Paiva, desenhos, espólio familiar. Fotografia de Barbara Aniello.
182

inclui algumas peças de cariz esotérico que se aproximam dos temas enfrentados no
portal da Casa, como a referida medalha da árvore invertida e uma outra cunhada em
1974:

158. António Paiva, medalha comemorativa, publicada em Porfírio, José Luis, Bosch: Artistas
contemporâneos e as tentações de Santo Antão, Ministério da Educação e Cultura, Lisboa, 1973.

A medalha para o 50º Aniversário da Direcção Geral dos edifícios e Monumentos


Nacionais, cunhada em 1979:225

159. António Paiva, medalha comemorativa para o 50º Aniversário da Direcção Geral dos edifícios e
Monumentos Nacionais, cunhada em 1979. Fotografia de Barbara Aniello.

225
Cfr. infra nota n. 18.
183

A medalha para a Companhia portuguesa de Cimentos Brancos, cunhada em 1969:

160 e 161. António Paiva, medalha comemorativa para a Companhia portuguesa de Cimentos Brancos,
cunhada em 1969. Fotografia de Barbara Aniello.

A iconografia do pelicano que nutre os filhos, o pavimento em mosaico, o compasso e o


livro remetem para um repositório de imagens maçónicas.

162. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para o painel do 1º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.

Analogamente à medalha, encontramos nos azulejos por baixo do barco dos amantes,
enlaçados no abraço erótico, um cisne-pelicano emblema do sacrifício e imolação por
amor aos outros.
O convívio entre José de Almada Negreiros, José Manuel e António Paiva é confirmado
pelas testemunhas vivas encontradas.226 Segundo a filha do escultor, o pintor visitava
com frequência o atelier do pai, que se encontrava ao lado do estúdio de João Hogan e
Virgílio Domingues, com os quais convivia diariamente. Uma série de arlequins dos

226
Aqui fica o meu profundo agradecimento à esposa e à filha do artista, Senhora Dª. Alice Berta
Gonçalves Alves e Senhora Dª. Maria Luísa Alves de Paiva, que muito generosamente me
disponibilizaram acesso ao espólio do artista.
184

anos ‘70-‘80, encontrada no espólio de António Paiva, testemunha a herança da lição de


Almada, seu colaborador na decoração da Casa.

163. e 164. António Paiva, Arlequins, desenhos encontrados no Espólio familiar. Fotografia de Barbara
Aniello.

O interesse pelas máscaras da Commedia dell’Arte é comprovado pelo grupo escultórico


O teatro, realizado em 1970, como prova de agregação a Professor Efectivo na ESBAL,
actualmente exposto na Faculdade. Os fatos apertados deste Arlequim e Columbina,
finamente trabalhados em losangos e pintinhas, mostram as formas dos corpos,
retratados em atitude lírica e dramática. Reparamos numa vontade de reunião de todas
as artes: a dança, pelos fatos aderentes, a representação lírica, pela boca semi-aberta da
figura feminina, o drama, pela pose da figura masculina, e a música, pelo atributo do
mandolim.
185

165. António Paiva, O teatro, prova de agregação na ESBAL, gesso, 1970. Fotografia publicada em
Memórias em Gesso, Exposição do Acervo Escultórico da Faculdade de Belas Artes da Universidade de
Lisboa, 1996, curada por João Afra, José Miranda e José Fernandes Pereira, p. 26.

Particularmente relevante é o motivo da ocultação do vulto por meio da mão. A mão


esconde os traços fisionómicos do Arlequim, fazendo as funções de máscara, enquanto a
figura feminina descobre o seu rosto, mas não o mostra, porque ao retirar o seu disfarce
leva o queixo ao alto e abre os lábios num canto. É como se, por baixo das suas
máscaras, os actores revelassem e velassem, ao mesmo tempo, uma interioridade
imperscrutável.
186

A essência e a natureza do homem ficam por detrás do visível, parece ensinar-nos


António Paiva, que insiste no mesmo motivo em outros espaços da sua criatividade.

166. António Paiva, Escultura, atelier Paiva. Fotografia de Barbara Aniello.


187

14.3 José Sobral de Almada Negreiros


Caso único em Portugal no século XX, José de Almada Negreiros encarnou as mil faces
da arte. Não só reflectiu, escreveu, desenhou, pintou, esculpiu, coreografou, criticou,
encenou, mas também soube fazer de todas as suas experiências um unicum, uma coisa
só: a permanente busca de um novo eu e de uma nova humanidade renascida e
regenerada. Verdadeiro fil-rouge do fenómeno inter-artes em Portugal no século XX,
Almada percorre transversalmente todas as artes, desenvolvendo um constante e
fecundo diálogo entre literatura, pintura, escultura, arquitectura, dança e teatro, e
encontra no poder mágico e esotérico do número a chave unificadora da sua multiforme
actividade. Clássico e moderno, antigo e contemporâneo, o artista estudou e recolheu a
herança do passado, reflectiu-a no presente e projectou-a no futuro. A centralidade do
Homem, alvo de toda a sua pesquisa, faz de Almada um humanista, herdeiro de
Leonardo da Vinci e, ao mesmo tempo, um artista actual da Pós-Renascença.
Figura incontornável do panorama artístico português, em setenta e sete anos de vida
Almada produziu uma obra extensa e multifacetada, abrangendo as mais importantes
correntes do século XX: foi desenhador caricaturista e humorista, poeta, pintor,
romancista, colaborador da revista Orpheu e da revista Portugal Futurista, cenógrafo,
coreógrafo, bailarino, figurinista, dramaturgo, actor de cinema, jornalista, conferencista,
decorador, crítico de arte. Para uma biografia detalhada do autor remete-se para os
estudos já concluídos na área,227 basta aqui realçar o significado que teve no seu
percurso artístico a encomenda dos painéis e do vitral para a decoração da Casa da Rua
de Alcolena.
No que respeita aos painéis, o trabalho de Almada insere-se no dito “Renascimento do
Azulejo”228, devido ao interesse de arquitectos e decoradores que, no final das décadas
dos anos ‘30 e ‘40, reagiram contra a proibição de revestir as fachadas dos prédios
lisboetas e contra o abandono da técnica tradicional do azulejo. Paralelamente a artistas
como Jorge Barradas e Júlio Santos, Almada Negreiros realiza em 1949 um
revestimento azulejar para um edifício da autoria do arquitecto Porfírio Pardal Monteiro

227
José-Augusto França, "Começar", in Colóquio, nº 60, Lisboa, Out. 1970; França, José-Augusto,
Almada e o teatro, INATEL, 1980; França, José-Augusto, Almada, Artis, Lisboa, 1963; França, José-
Augusto, Almada, Fundação Calouste Gulbenkian, ACARTE, Lisboa, 1985; França, José-Augusto,
Almada: o português sem mestre, Lisboa, Estúdios Cor, 1974; França, José-Augusto, Os anos 40 na arte
portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1982; Vieira Joaquim, Almada Negreiros,
Fotobiografias Século XX, Bertrand, Lisboa, 2006; Almada, a cena do corpo, op. cit., Almada Negreiros:
um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993.
228
Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 15.
188

com relevos de Jorge Barradas, executado na Fabrica de Viúva Lamego, localizado na


Rua do Vale do Pereiro em Lisboa. Na sua memória descritiva, o arquitecto fala nos
azulejos como “expressão do espírito novo”, ligado a uma antiga tradição, definindo-o
como o “ressurgimento duma indústria tão portuguesa, como é a da cerâmica na sua
aplicação à construção civil”229

167. Porfírio Pardal Monteiro, José de Almada Negreiros, Jorge Barradas, Prédio na Rua do Vale do
Pereiro em Lisboa. Fotografia de Laura Castro-Caldas.
http://i.pbase.com/o6/21/4921/1/37856136.PMet4JyU.Lisboa_Sao_Mamede3412.jpg

A união da antiga tradição portuguesa com uma estética nova e inovadora é visível no
traço almadino, nas linhas onduladas e nervosas nas quais se movimentam os losangos,
quase a derramar os próprios contornos numa lagoa verde-desbotada constelada de
pintinhas brancas. A solução dinâmica encontrada por Almada dissolve o risco dum
desenho rigidamente geométrico, que no seu revestimento total poderia ter pesado na
leveza do edifício, o qual resulta, pelo contrário, extremamente plástico e quase
ascendente na verticalização dos motivos.

229
Ibidem, p. 16.
189

168. Porfírio Pardal Monteiro, José de Almada Negreiros, Jorge Barradas, pormenor do prédio na Rua do
Vale do Pereiro em Lisboa. Fotografia de Laura Castro-Caldas.
http://i.pbase.com/o6/21/4921/1/37856135.pLh0kK16.Lisboa_Sao_Mamede3417.jpg

Contudo, é difícil perceber como do azulejo de padrão se passou ao azulejo figurativo


no revestimento arquitectónico português no século XX. A investigadora Suraya
Burlamaqui explica que foi a influência brasileira a operar o salto estético que levou à
recuperação do azulejo figurativo de tradição portuguesa na produção de grandes
painéis para a Avenida de Infante Santo, as estações Metro, o Hotel Ritz. No âmbito do
II Congresso da União Internacional de Arquitectos realizado em Setembro de 1953, em
Lisboa, face ao mutismo total dos arquitectos portugueses relativamente à questão do
azulejo, surgiu um coro unânime de artistas brasileiros que já há algum tempo
trabalhavam nesta direcção. A exposição de trabalhos de Cândido Portinari, Roberto
Burle Marx, Volpi, Zanini, Paulo Rossi provocou nos portugueses “uma autêntica
revolução”.230
O caso da Rua de Alcolena inserir-se-ia nesta onda, se não fosse por uma anterioridade
de datas. As experimentações de Almada na cerâmica remontam aos anos ‘50, o que faz
dele sem dúvida um pioneiro da técnica azulejar, talvez impulsionado pela pintora Sarah
Affonso, sua esposa, hábil ceramista, precursora da redescoberta do azulejo no
movimento moderno e frequentadora da Fábrica Viúva Lamego desde 1945.231
Do ponto de vista técnico, um forte impulso experimental marca a sua intervenção
datada de 1953 na Casa. Em particular Almada serve-se de três técnicas diferentes:
a técnica “do tubo”, a técnica “em alicatado” e a faiança policromada.
A primeira foi empregue para o painel Cabaret, no segundo piso, onde a decoração é
feita através de um tubo que liberta um cordão de vidro, a segunda foi executada pelo

230
Ibidem, p. 31.
231
Ibidem, p. 36.
190

Mestre António de Sousa, para o painel do Portal esotérico, à terceira técnica


pertencem os outros painéis.232
Ainda mais interessante é confrontar os desenhos preparatórios, na posse de Mestre
Sousa, que apresentam evidentes desvios iconográficos face à versão final, como no
caso deste emblema aquático-vegetal-musical, na parede esquerda do terraço do piso
superior, substituído pelo casal sentado na mesa de Cabaret, segundo uma interpretação
mais conforme com o repositório de imagens do pintor. Este desenho é
significativamente selado em baixo por um motivo em xadrez, formando um duplo jogo
de mosaico com a parede contígua. Na versão final, este elemento desaparece,
substituído por um pavimento em quadrados de uma uniforme cor verde, fingindo um
azulejo no azulejo. Almada apaga, assim, a referência inicial ao mosaico que na origem
devia, dupla e hermeticamente, sigilar a casa no seu ponto mais baixo, o jardim, e no
mais alto, o tecto: o que está em cima é análogo ao que está em baixo.

169. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para o painel do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.

232
Ibidem, p. 37.
191

170. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para Cabaret, painel do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.

Um azulejo avulso, representando uma figura deitada, está em Bicesse na Casa-Atelier


do autor e é possivelmente um estudo preparatório para o casal deitado em frente da
janela, realizado por Almada no terraço inferior da Casa.

171. José de Almada Negreiros, azulejo, Casa-Atelier em Bicesse, publicado in Suraya Burlamaqui,
Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996,
p. 38.

172. José de Almada Negreiros, pormenor do painel do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (CCC4603.tif)

De resto, a figura virada de costas contemplando o horizonte é uma constante na


iconografia almadina. Amiúde o artista utiliza este tipo de jogo entre a geometria da
janela e o corpo geometrizado, entre a moldura-diafragma que une dois mundos e a
192

presença humana emoldurada e fragmentada no limiar exterior-interior, herdando, muito


provavelmente, este tema da linguagem cubista e futurista das primeiras vanguardas
europeias.

173. José de Almada Negreiros, Nu à janela, gouache, 1946, 48 x 34, ass. dat., colecção particular,
publicado no catálogo da exposição Almada, curada por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna
da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.].
Fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.

Sucessivamente, Almada decora a Livraria Ática com azulejos, actualmente no Museu


da Cidade, que partilham com a Casa a cor preta de fundo, coisa inabitual para a época.
193

174. José de Almada Negreiros, painel de azulejos para a Livraria Ática, publicado in Almada Negreiros:
um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993.

Em 1956 Almada projecta os painéis esgrafitados para a Escola Patrício Prazeres em


Lisboa. Nunca realizados em cerâmica, os murais aludem ao desporto e à aprendizagem,
com figuras masculinas retratadas em exercícios gímnicos e figuras femininas
contemplando um simbólico globo. Visualização, quase, do ditado Mens sana em
corpore sano, estas obras parecem plenamente inseridas no programa do Estado Novo.
194

175. e 176. José de Almada Negreiros, estudos para azulejos da Escola Patrício Prazeres, Lisboa, 1956,
publicados in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e
relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 39.

Nos anos ‘60, Almada volta a revestir uma residência privada de azulejos. Trata-se
duma moradia inteiramente recoberta de motivos geométricos, “uma composição
modular, de um só módulo que, utilizado em posição inversa e em jogo de cores,
produz, através da junção de quatro azulejos, um desenho de linhas que se cruzam em
diagonal sobre fundo de losango (sempre o losango do arlequim) e folhas estilizadas em
cruz”.233 Curiosamente esta casa encontra-se na Rua de Alcolena, fisicamente a pouca
distância da outra, no número 36, mas qualitativamente longínqua com respeito à de
António Varela.

177. e 178. José de Almada Negreiros, azulejos para a moradia na Rua de Alcolena, nº 36, publicados in
Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 38.

233
Ibidem, p. 38.
195

No que respeita ao vitral, executado para a biblioteca privada de José Manuel, Almada
enfrenta um desafio duplamente insólito e único ao longo do seu percurso de artista:
trata-se da primeira e única encomenda privada para um vitral de tema profano e não
sacro.
Com excepção feita pelo tríptico de painéis envidraçados para os Salões da Fábrica de
Fogões Portugal, 1948 e para o conjunto de vitrais para a sede do Tribunal de Contas,
Almada ocupar-se-á da técnica do vitral exclusivamente no âmbito da arquitectura
religiosa. Em todo o caso, nunca realizará um vitral para fruição privada com tema
mitológico ou profano.
Depois da realização dos vitrais para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, concluídos
em 1938, com o arquitecto Pardal Monteiro, onde encontramos a já referida Trindade,
Almada executará os Vitrais para o Seminário Maior de Cristo-Rei, nos Olivais em
1950, ainda em parceria com o arquitecto. A colaboração com Pardal Monteiro, criador
da “primeira igreja moderna de Portugal”,234 valer-lhe-á o epíteto de “o mais arquitecto
dos pintores portugueses” que consagrará Almada no panorama da decoração sacra
portuguesa.
Em anos mais próximos da encomenda do Restelo, são duas as obras que, no nosso
entender, fazem de ponte entre os vitrais públicos e o privado: a Igreja do Santo
Condestável em Lisboa e a Capela de São Gabriel em Vendas Novas, ambas realizadas
em 1951.
Iconograficamente Almada estuda as possibilidades de um espaço sagrado, preenchido
pela presença extra-ordinária do arcanjo da Anunciação. No vitral da Casa, este espaço
torna-se mítico, com a figura deitada de Psique resultante duma rotação de 90 graus do
arcanjo das Capelas. O mitológico, tal como o sagrado torna-se assim símbolo da
condição humana, que necessita duma descida do alto para baixo (Arcanjo) ou duma
queda (Eros-Psique) para alcançar o conhecimento (gnose) por meio do Amor.

234
Cfr. Porfírio Pardal Monteiro, in Memória descritiva, Processo CML, n.º 52.440, 1934.
196

179 e 180. José de Almada Negreiros, Anunciação, 1951, Igreja do Santo Condestável, Lisboa, fotografia
publicada em Almada Negreiros: um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993, p. 49 e José de Almada
José de Almada Negreiros, Anunciação, vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951.
http://www.snpcultura.org/fotografias/igreja_santo_condestavel/15.jpg
http://4.bp.blogspot.com/_IiPPmMhZYOE/RpZA30LUYtI/AAAAAAAAAIM/IfB8IhNCz9I/s400/379_7
908.jpg

Êxito duma amálgama entre as obras para as igrejas e para a biblioteca é o vitral
fingido, misterioso e gigantesco, de cinco metros de altura, concebido em 1965 para a
peça teatral Auto da Alma, realizado com colagens de papel de cera e fita isoladora, em
simulação de vidro.
197

181. José de Almada Negreiros, Vitral, 1965 para a peça teatral Auto da Alma de Gil Vicente. Fotografia
publicada em Vítor Pavão dos Santos, O escaparate de todas as artes ou Gil Vicente visto por Almada
Negreiros, Instituto Português de Museus, 1993, p. 63.

Nesta peça de Gil Vicente, Almada assina a encenação, os figurinos e a cenografia para
contar o enigma da Alma que, despojada de toda a sua Vanitas, se entrega à Igreja
Triunfante. Aqui, na moldura sacra que envolve a peça, Almada comenta as aventuras
de uma Alma que, como Psique, desejando o Conhecimento Supremo supera várias
provas e tentações, apresentando-se às autoridades, no fim das suas peregrinações, como
Nuda Veritas.
Em particular, é no primeiro diálogo entre a Alma e o seu Anjo da Guarda que se
encontram as mais salientes correspondências entre a peça vicentina e a obra da Rua de
Alcolena.235 Porta-voz o Anjo, encontramos a mais perfeita descrição da Alma:
Alma humana, formada
De nenhũa cousa feita,
Mui preciosa,
De corrupção separada,
E esmaltada
Naquella frágoa perfeita, gloriosa!

235
Gil Vicente, Auto da Alma, Tipografia da Enciclopédia Portuguesa, Porto, 1926, pp. 40-41.
198

Substância imaterial, a Alma é platonicamente assimilada a uma árvore, a metade entre


Terra e Céu.

Planta neste vale posta


Pera dar celestes flores
Olorosas,
E pera serdes tresposta
Em a alta costa,
Onde se criam primores
Mais que rosas!

Na metáfora vegetal, entre dois pólos opostos, em “alta costa”, situa-se a Alma que do
Céu provem e ao Céu tem de voltar.

Planta sois e caminheira,


Que ainda que estais, vos is
Donde viestes.
Vossa pátria verdadeira
He ser herdei
Da glória que conseguis:
Andae prestes.

Por último surge o apelo para sair do sono e da imobilidade, dada a essência efémera e
fátua do dia que, tal como a vida, está prestes a findar.
Alma bem-aventurada,
Dos anjos tanto querida,
Não durmais!
Hum ponto não esteis parada,
Que a jornada
Muito em breve é fenecida,
Se atentais.

A árvore humana, o sono despertado, este elanguescer do crepúsculo… tudo isto faz-nos
lembrar os temas da Casa e do vitral. Psique é na Casa o que a Alma é no Auto.
Na sua resposta, a Alma vicentina remete para a Psique almadina:
Anjo que sois minha guarda,
Olhai por minha fraqueza
Terreal!
De toda a parte haja resguarda,
Que não arda,
A minha preciosa riqueza
Principal.

Temendo a queda, a Alma recomenda-se ao Anjo, responsável pela sua vigilância, tal
como Eros que socorre Psique nas suas provas expiatórias.
Mais um elemento liga Psique à Alma: é esta alusão ao ardor, à chama. Fraqueza e
riqueza, terreal e principal estão contrapostos no discurso da Alma, que espera não
extinguir, não consumir no fogo o seu Bem mais precioso. Do mesmo modo, no vitral,
199

Psique torna-se uma chama ardente de desejo e o seu corpo acende-se como um archote
por cima do apagado corpo terreal do amado.
Mais uma vez, é o teatro que Almada amava definir como “o escaparate de todas as
artes”, a unir os caminhos sacros e profanos, públicos e privados da sua obra. Assim, a
Casa, a Alma, Psique e o Teatro encontram-se ligados num nó indissolúvel.
Como diz o filósofo Paulo Sinde, a Alma tem a sua origem no outro mundo e vem a este
para dar celestes flores, não rosas que têm espinhos, símbolo da peregrinação terrestre,
mas primulas, ou primaveras, símbolo da peregrinação celeste.
Se a alma é uma planta, o caminho da regeneração, da demanda da vida nova, é o que deve percorrer o
neófito, que etimologicamente significa “nova planta”. […] Todas as plantas têm duas raízes, que
correspondem a dois tipos de alimento: uma raiz alimenta-se da humanidade da treva, do mineral e a
outra da luz do céu; só por distracção chamamos ramos às raízes do alto. É do encontro das duas raízes
que nascem a flor e o fruto. […] O homem é também essa dupla raiz mas, ao contrário da planta, tem a
raiz visível na terra e a invisível no céu. E é também no encontro de uma com a outra que ele se realiza –
nem só terra, nem só céu, porque o homem tem uma missão criadora a realizar aqui. Como diz Gil
Vicente: Planta nesse valle posta/Pêra dar celestes flores/Olorosas. A sua missão é de aproximar a terra,
236
subtilizando-a, do céu.

Tal como a Casa, Psique sofre esta tensão entre alto e baixo e padece também uma
inversão, na sua dupla viagem do céu para a terra e vice-versa. À sua queda segue a
apoteose. Tal como na dupla escadaria de acesso à moradia e na escada para o terraço, a
Alma pode descer e subir ao longo da árvore invertida que é a Casa da Rua de Alcolena,
do sensível ao inteligível
como lemos na epigrafe platónica da revista Eros de José Manuel.
No fim deste breve excursus através da arte da azulejaria e do vitral na extensa obra
almadina, podemos concluir que a Moradia do Restelo, assinada em co-autoria com
António Varela e António Paiva e comissionada pela família Fróis Ferrão é, sem
dúvida, um exemplar único e irrepetível.
Nesta obra o pintor abandona o azulejo de padrão, utilizado noutros edifícios, públicos e
privados, anteriores e posteriores à data dos painéis da Casa, e realiza um revestimento
exterior figurado e geométrico, sem ser modular, um geométrico-lírico poderíamos
defini-lo, tal como fez em algumas construções públicas lisboetas. Os azulejos
alegóricos da moradia da Rua de Alcolena, pela qualidade que os caracteriza, pela
técnica experimental e mista que os distingue, pela posição virada ao exterior, pelo
destino privado e não público, ocupam um lugar muito especial não só na produção
almadina, mas também no panorama da cerâmica artística portuguesa do século XX.

236
Pedro Sinde, Terra Lúcida. A intimidade do homem com a natureza, Pena Perfeita, 2005, pp. 28-29.
Devo ao arquitecto Hugo Nazareth Fernandes a descoberta deste precioso livro.
200

Para o espaço reservado à biblioteca do proprietário, Almada realiza um vitral


excepcional, não só pelo destino privado e pelo sujeito mítico que o caracterizam, mas
também pelo sentido profundo do seu significado, a meio caminho entre teatro e
filosofia. No vitral de Alcolena, Almada concebe e realiza uma obra ao mesmo tempo
filosófica - expressando conceitos platónicos como o tema do conhecimento, do
andrógino, da metempsicose - e teatral, porque teatral é a eterna aventura da Alma à
procura da Gnose, do Amor, da União com o outro, com todos os seres, com a
humanidade.
De facto, a Casa da Rua de Alcolena é em si uma obra de arte extra-ordinária e única no
seu género que merece ser preservada como património da Cidade, da Nação e da
Humanidade.
201

14.4 José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão.


Poeta, filósofo, pintor, editor, pianista, compositor, homem de cultura e mecenas, José
Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão aparenta ser o centro à volta do qual foi ideada,
construída e decorada a Casa da Rua de Alcolena. A posição privilegiada com entrada
independente e elitista dos seus aposentos, a incontestável afinidade dos textos poéticos
seus ou editados por ele, a dedicatória gravada na pedra do jardim, coincidindo a data de
acabamento dos trabalhos de Varela com o seu aniversário: tudo aponta para uma
personalidade extremamente carismática que terá, embora jovem, chamado a si as
rédeas dum discurso extremamente unitário, integro e completo face à pluralidade,
multiplicidade e diversidade das várias vozes artísticas da Casa.
Como um sábio director de orquestra, José Manuel conseguiu harmonizar as vozes
díspares da sua Casa polifónica.
Mas quem era José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão ou mais simplesmente José
Manuel, como gostava de assinar os seus trabalhos?
A escassez de notícias biográficas a seu respeito obriga a limitarmo-nos a citar
unicamente o local e a data de nascimento, Lisboa, 10 de Fevereiro de 1928 e a sua
licenciatura em Ciências Históricas, Filosóficas e Pedagógicas, iniciada em Lisboa e
concluída em Coimbra. Homem dotado de uma inteligência e cultura incomuns,
dedicou-se sempre e unicamente à arte, rodeando-se de interlocutores como Eugénio de
Andrade, Jorge Nemésio, Fernando Guimarães, Augusto Sobral, António José
Maldonado, José Bento e Francisco Arcos. A filha Madalena lembra que o seu pai
privilegiava a companhia de José de Almada Negreiros, artista que estimava muito e
com o qual entretinha demoradas e intensas conversas acerca da arte e da filosofia.
Morreu repentinamente em Lisboa em 1993 devido a ataque cardíaco não confirmado
pela certidão de óbito.
Reconhecemos que, sobretudo com base nos textos por ele publicados, a figura de José
Manuel é imprescindível para a interpretação daquele que definimos ser o fil-rouge que
une a obra: o Tema com variações das Metamorfoses de Psique. É o próprio
proprietário da Casa a dar-nos a chave para esta pista interpretativa através das suas
declarações poéticas e comentários estéticos na revista Eros por ele fundada.
Declara o poeta:
202

Tudo pode ser motivo de poesia: uma estrela, um corpo de mulher, um lago, uma cidade em ruínas, -o que
quer que seja. De resto, o objecto só importa depois de transfigurado. De certo modo irrealiza-se, ou
melhor, transrealiza-se, porque não perde realidade, toma outra realidade.237

O que conta não é o objecto, mas a sua transfiguração. Como dizer que o texto, no
nosso caso, é um pré-texto. A Casa não é fim, mas meio de um discurso que quer pôr o
acento no processamento das imagens, desprezando o seu resultado.
Prosseguindo no seu raciocínio, o proprietário quase nos fornece um roteiro da casa:
De início (o objecto) está exposto, simplesmente, - despido de toda e qualquer significação. O sentido que
ele possa vir a ter depende de quem o observa, ou recorda, ou imagina. Só depois de absorvido pela
consciência se torna significativo.238

Este é o percurso do visitante que, acedendo pelo portal esotérico (início), entra na
Biblioteca e contempla o vitral de Eros e Psique (objecto despido). Logo o sujeito é
chamado a três operações: observar (visão), recordar (memória) e imaginar (visão
interior). Uma vez feitos estes três passos para a sua iniciação e uma vez que o objecto
tenha sido “absorvido pela consciência” o visitante pode prosseguir nas metamorfoses
mais explícitas de Psique e contemplar a sua perfeita união com Eros.
Gostaria de frisar a operação da memória. É através desta passagem que a Alma,
segundo Platão, pode cumprir a sua instrução. Na filosofia platónica a Alma (Psique)
não morre, mas muda de identidade, (do grego meta: mudança + en: em + psiquê:
alma), renascendo, após ter esquecido a sua vida anterior, através da passagem pelas
águas do rio Lete, o rio do olvido. Para Platão, conhecer não quer dizer aprender ex-
novo, mas sim relembrar o que foi limpo pelas águas do Lete, voltar atrás da própria
reincarnação. O processo iniciático da gnose passa portanto através do olhar físico, da
memória, da visão interior. Psique sofre assim uma Metempsicose, ou seja muda,
transformando-se em outras identidades, mas no fim torna-se, através da memória, uma
Psique regenerada.
O objecto visto, recordado, imaginado torna-se, no universo de José Manuel, matéria
poética. Assim ele confessa a própria atitude ekphrástica:

O poeta vai mais longe. Não se limita a dar-lhe um sentido de circunstância, procura recriá-lo,
fornecendo-lhe, dentro de outras coordenadas, uma nova presença, uma nova dimensão, um novo
dinamismo. O objecto é assim re-exposto, não como realidade ontológica, mas como realidade poética.
Por uma verdadeira alquimia da sensibilidade e do pensamento, ele ressurge, numa outra perspectiva,
como um símbolo mais ou menos activo, mais ou menos intencional. 239

Deste modo, na escrita do poeta, todo o pré-texto que é a sua Casa torna-se texto. Como
isso foi possível?

237
José Manuel, Antologia Contemporânea, Jean Cocteau, in Eros XII-XIII (Outubro 1957), op. cit.
238
Ibidem.
239
Ibidem.
203

Tudo é possível
dentro da alma240

Responde-nos José Manuel.


A sua aspiração era fundir a vida com a arte, procurar a vida na arte e a arte na vida. A
Casa, espelho do quotidiano, vivenda e vivência do seu ideal poético, representava a
máxima concretização destas aspirações,
O poeta e a poesia coexistem em plenitude, formam uma simbiose de tal modo absoluta que se torna
impossível separá-los. E para quê, separá-los? Uma vez conseguido o sortilégio, tudo se passa já no
domínio do sobrenatural. É nele que têm origem as sucessivas metamorfoses que vêem a eclodir no
poema. «Le poème fait son poème secret» […] Porque já é um poema - e talvez o mais puro, o mais
genuíno de todos - essa comunhão do poeta e da poesia, esse matrimónio da vida e do sonho, essas bodas
de sangue e de luz.241

Recolhido na sua “mansão inteligível”, como diria Sócrates de quem Platão é porta-
voz,242 José Manuel procura a Unidade, confessando no seu romance poemático:
Sou incapaz de resolução - polarizo-me. E cada nova situação é um novo problema inexplicável,
insolúvel. Não encontro nunca a solução. Vivo em dissonância. Mas, no fundo, muito no fundo, - espero
sempre. Todos os dias procuro a estrela da manhã, - qualquer cousa como um caminho.243

A Estrela da Manhã, também dita Phosphoros, ou Lúcifer, não é outra coisa que a
iconografia do Pentalfa invertido do portal iniciático. Como dizer “todos os dias inicio,
todos os dia retomo o caminho, re-começo”. Procurada no céu ou nas reproduções em
azulejo e pintura das paredes exteriores ou interiores da casa, esta estrela é uma chave
simbólica de Auto-Conhecimento. Assim arte e biografia coincidem:
Há em mim uma dupla existência. Sou simultâneamente tese e antítese (sensível, intelectual e emocional).
Mas não realizo nunca uma síntese. Porque não há continuidade lógica na vida.244

A explicitada coincidencia opositorum que percorre toda a leitura da Casa encontra


nessa confissão do seu proprietário a prova da íntima correspondência entre arte e vida
que ele desde sempre procurava.
Na sua rubrica de antologia contemporânea, nos números 14-15 de Eros, José Manuel
anuncia o fim da revista:
E vem a propósito neste último número de Eros - último pela evidência do fracasso a que, aliás,
estava condenado desde o início - citar alguém que transformou uma vez mais o mito poético em
realidade.245

240
José Manuel, Transfigurações, dedicado a Eduardo Viana, in Eros V-VI (Outubro 1953), op. cit., V-
VI, 6.
241
José Manuel, Antologia Contemporânea, Henri de Lescoët, in Eros XIV-XV (Dezembro 1958), op.
cit.
242
Cfr infra, p. 18. Platão, A República, trad. e notas de Maria Helena da Rocha Pereira, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1993, livro VII, pp. 317 e segg.
243
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 54.
244
Idem, p. 54.
245
José Manuel, Antologia Contemporânea, in Eros XIV-XV (Dezembro 1958), op. cit.
204

Mais um reconhecimento, este, de como a temática de Eros e Psique envolveu não só a


sua vida literária, mas a sua existência privada. O mito do Amor e da Alma exposto na
sua mansão preenche as páginas da sua actividade poética e da sua aventura editorial.
No final desta viagem perguntamo-nos, e o poeta?

E o poeta? No recolhimento aparentemente hermético, impenetrável dos símbolos - por timidez? por
pudor? - vai procurando, discretamente, traduzir-se em enigmas - em oráculos - que são como portas
abertas para o mistério de toda uma vida.246

A espectacularidade por um lado e a intimidade por outro da residência, única no seu


género, é baseada na ideia unitária. Nesse sentido, a Casa é teatral e simultaneamente
críptica, expõe-se e ao mesmo tempo vela-se. Como diz Almada,

No teatro todos são um; toda a arte que passa do particular para o geral faz imediatamente teatro;

Desde o princípio do mundo até hoje não houve mais de duas pessoas: uma chama-se a humanidade e a
outra o indivíduo uma é toda a gente e a outra é uma pessoa só.247

E Psique?

No fim das suas peregrinações, tribulações e metamorfoses, Psique, renovada, ganha a


unidade e conquista a eternidade. Desejamos, por isso, que a Casa da Rua de Alcolena,
recuperada, se mantenha unida e eternamente intacta.

182. José Manuel na sua Biblioteca com o seu Fox Terrier, Jagodes. Ao fundo, o vitral de Eros e Psique.
Fotografia gentilmente concedida por Madalena Ferrão. Espólio familiar. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.

246
Ibidem.
247
José de Almada Negreiros, Pierrot e Arlequim, Personagens de teatro, in Manifestos e Conferências,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, pp. 101-103.
205

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Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa,


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Elenco das Imagens

1. Casa da Rua Alcolena, Fotografia satélite, vista aérea, Google Maps.

2. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 14, Arquivo Municipal de
Lisboa.

3. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de
Lisboa.

4. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de
Lisboa.

5. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de
Lisboa.

6. Vista principal, virada a Sudoeste, da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo


Cintra, Novembro 2008.

7. Fotografia antiga da Casa. Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro


2008.

8. Pormenor da Fotografia antiga da Casa. Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra,


Novembro 2008.

9. Alçado Sudeste e Nordeste da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra,


Novembro 2008.

10. e 11. Epígrafes com citação de Paul Éluard e assinatura do Arquitecto com data.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

12. Chaminé fingida no telhado da Moradia. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

13. Alçado Nordeste da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro


2008.

14. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de
Lisboa.

15. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal
de Lisboa.

16. Dona Maria da Piedade. Fotografia gentilmente cedida por Madalena Ferrão.
Espólio familiar.

17. António Paiva, Medalha em bronze, 80 mm, cunhada, 1970 para a Comissão de
Construções Hospitalares, Hospital de Beja. Colecção particular. Fotografia de Barbara
Aniello.
212

18. António Paiva, desenho preparatório para a Medalha em bronze, 80 mm, cunhada,
1970 para a Comissão de Construções Hospitalares, Hospital de Beja. Espólio Paiva.
Fotografia de Barbara Aniello.

19. Planta geral da Obra Rua de Alcolena, Lote 149, autografada por António Varela
com indicação das plantas, árvores e elementos decorativos do jardim. Espólio Ferrão.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

19A. Esquema a partir da Planta geral da Obra Rua de Alcolena, Lote 149, autografada
por António Varela com indicação das plantas, árvores e elementos decorativos do
jardim. Desenho de Barbara Aniello.

20. António Paiva, Baixos-relevos e Escultura. Portal principal da Casa.


Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

21. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal
de Lisboa.

22. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de
Lisboa.

23. António Paiva, Dez baixos-relevos. Portal principal da Casa. Fotografia©Paulo


Cintra, Novembro 2008.

24. José de Almada Negreiros, Os dez lugares da colecção do número, desenho


publicado em Mito-Alegoria-Símbolo: monólogo autodidacta na oficina de pintura,
Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1948, republicado em Almada Negreiros, José de, Ver,
notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia, 1982, p. 260.

25. António Paiva, Escultura. Portal principal da Casa. Fotografia©Paulo Cintra,


Novembro 2008.

26. Símbolo alquímico da serpente Ouroboros in Antigo Manuscripto Grego,


Bridgeman Art Library Ltd. v. Corel Corporation.

27. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de
Lisboa.

28. Tétrakis pitagórica


29. José de Almada Negreiros, painel do portal da entrada secundária da Casa.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081126N1yIE8zf0Ej96QN9.JPG
(_CCC4559.tif)

30. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal
de Lisboa.
213

31. e 32. Antecâmara da Biblioteca privada de José Manuel. Fotografia©Paulo Cintra,


Novembro 2008.

33. e 34. Pentagrama de Agrippa e Pentagrama de Cesare Cesariano.

35. José de Almada Negreiros, O número, 1958, tapeçaria em lã, Manufactura das
Tapeçarias de Portalegre, Tribunal de Contas de Lisboa, Colecção Tribunal de Contas
de Lisboa, 2600 x 7090, reproduzida em Almada Negreiros, Obra Plástica, curadores
José de Almada Negreiros, Rui Guedes, Bertrand, 1993, n. 83. Fotografia de António
Homem Cardoso. Publicado em Aniello, Barbara, “José de Almada Negreiros: do Caos
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Lisboa, n. 6, Lisboa, 2007, p. 331.
http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/images/o_numero.jpg

36. José de Almada Negreiros, Começar, baixo-relevo em pedra, 2.310 x 12.870, ass.,
dat., Átrio da Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção da Fundação Calouste
Gulbenkian, reproduzida em Almada Negreiros, Obra Plástica, curadores Arq. José de
Almada Negreiros, Rui Guedes, Bertrand, 1993, n. 111. Fotografia de António Homem
Cardoso.
http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/images/comecar.jpg

37. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da Assembleia da
República, Residência Oficial do Presidente, fotografia de Barbara Aniello, publicado
em Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca
da obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº
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38. José de Almada Negreiros, Portugal no mapa da Europa, publicado em SW:


Sudoeste: cadernos de Almada Negreiros, admin. Dário Martins, Edição facsimilada,
Contexto, Lisboa, 1982, n. 1, p. 2.

39. Posição do vitral com respeito à imagem de Portugal no mapa da Europa de José
Almada Negreiros.

40. e 41. Casa da Rua Alcolena, chaminé fingida e canteiro. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.

42. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, aguarela e lápis sobre papel, 16 x 56, n.
ass. e n. dat., Col. Jorge de Brito, publicada no catálogo Almada: a cena do corpo,
Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27 de Outubro de 1993 a 15 de Janeiro
1994), Lisboa, 1993, p. 227. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha Henriques
Ruas.
43. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, estudo para o painel decorativo da
residência do Arq. António Varela, Encosta da Ajuda, Óleo sobre papel, 655 x 3020, n.
ass. e n. dat., colecção particular, Lisboa, publicado no catálogo Almada: a cena do
corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27 de Outubro de 1993 a 15 de
Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 227. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha
Henriques Ruas. Republicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo
214

curado por Rui Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada
Negreiros, Cascais, 1996, p. 191.

44. José de Almada Negreiros, Par, 1920, Lapis e aguarela sobre papel, 293 x 228 mm.,
col part., Lisboa, Expo. CAM., cat. 8. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha
Henriques Ruas, publicado também em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-
Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 69. Fotocompográfica, Lda.

45. José de Almada Negreiros, Ilustração para La Raquete japonesa, cuento de Ramón
Gomez de la Serna, 1929, publicado no jornal La Esfera, 26 de Outubro de 1929, pp.
14-15, Madrid, BN Z 6557, reproduzido em Almada o escritor, o ilustrador, catálogo
coord. Manuela Rego, Lisboa, 1993, p. 173. Fotografia de Luís Carlos.

46. José de Almada Negreiros, Arlequim e Columbina, 1940, 42 x 30, tinta da china
sobre papel, ass. dat., col. Miguel Veiga, Porto, fotografia de Mário de Oliveira e
Gustavo Leitão, publicado no catálogo Almada, Expo C.A.M., 1984, [s.l.]. Fotografia de
Victor Branco e Campiso Rocha Henriques Ruas.

47. José de Almada Negreiros, Arlequim e Columbina, 1938, Aguarela, tinta da china,
lápis sobre papel, 533 x 452 mm., ass., dat., col. Arq. Carlos Tojal, Lisboa, fotografia
publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros,
Bertrand, Lisboa, 2006, p. 9, Fotocompográfica, Lda.

48. José de Almada Negreiros, Encontro, 1937, desenho para o livro de poemas inédito,
BN J. 4349M, publicado em Almada o escritor, o ilustrador, catálogo coord. Manuela
Rego, Lisboa, 1993, p. 79. Fotografia de Luís Carlos.

49. José de Almada Negreiros, Par dançante, pormenor do painel da varanda do 2º piso
da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicado em
Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da
obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30,
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp.
106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4650.tif)

50. José de Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso
da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicado em
Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da
obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30,
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp.
106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4602.tif)

51. José Manuel, capa para As Quatro estações, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1963,
desenho do autor. Reprodução de Barbara Aniello.

52. José Manuel, capa para Alquimia do sonho: romance poemático, 1952, Biblioteca
Nacional de Lisboa, desenho do autor. Reprodução de Barbara Aniello.
215

53. José de Almada Negreiros, Desenho, 1940, publicado no catálogo da exposição


Almada, curada por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação
Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.].
Fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.

54. José de Almada Negreiros, Expulsão de Adão e Eva, Fachada da Faculdade de


Letras, Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.
http://ic2.pbase.com/o4/21/4921/1/99280202.IfcMWBYS.Lisboa_Cidade_Universitaria
1426.jpg

55. José de Almada Negreiros, Invenção do Dia claro, ms., Biblioteca Nacional de
Portugal, Espólio Almada Negreiros, N. 15/1. Depósito da Biblioteca Nacional de
Portugal, 2007.
http://images.google.pt/imgres?imgurl=http://purl.pt/13858/1/imagens/a1c/107_n15-
1_0001.jpg&imgrefurl=http://purl.pt/13858/1/geneses/1/3-
107.html&usg=__OV1_m_IBYWYxgAT7Aqc3DqZQG3A=&h=539&w=379&sz=43&
hl=pt-PT&start=1&sig2=qQY0A3W4Pg3HdDv0ikTIXA&um=1&tbnid=feWR3N_t5-
zVOM:&tbnh=132&tbnw=93&prev=/images%3Fq%3Dalmada%2Bnegreiros%2Binve
n%25C3%25A7%25C3%25A3o%2Bdo%2Bdia%2Bclaro%26hl%3Dpt-
PT%26lr%3D%26rlz%3D1G1TSED_ITIT318%26um%3D1&ei=W0snS52IIdWA4Qb
Z-oyaDQ

56. José de Almada Negreiros, SW: Sudoeste, cadernos de Almada Negreiros, admin.
Dário Martins, Edição facsimilada, Contexto, Lisboa, 1982, capa do nº1.
http://publicacoesmaitreya.pt/files/t378

57. José de Almada Negreiros, N.C. 5 – Invention Vert, 1918, ms., Espólio Almada
Negreiros, N 15/5, Biblioteca Nacional de Portugal, Sala Reservados. Depósito da
Biblioteca Nacional de Portugal, 2007.
http://acpc.bn.pt/imagens/colecoes/n15_negreiros_almada_th.jpg

58. José de Almada Negreiros, Os dez lugares da colecção do número, desenho


publicado em Mito-Alegoria-Símbolo: monólogo autodidacta na oficina de pintura,
Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1948, republicado em Almada Negreiros, José de, Ver,
notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia, 1982, p. 260.

59. José de Almada Negreiros, pentagrama publicado em Lima de Freitas, Almada e o


Número, Lisboa, Arcádia, 1977, p. 36. Fotografia de Vítor Santos, Atelier Arcádia,
publicado em Aniello, Barbara, “José de Almada Negreiros: do Caos à Estrela
dançante”, in Artis, Revista do Instituto de História de Arte da Universidade de Lisboa,
n. 6, Lisboa, 2007, p. 348.

60. José de Almada Negreiros, Pentagrama, Fachada da Reitoria da Universidade de


Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.

61. José de Almada Negreiros, Pentagrama, tinta da china s/papel, ass. s/d., ded., 27 x
21 cm., publicado no Catálogo da Exposição Colecção Alberto de Lacerda - Um Olhar,
editado pela Assírio e Alvim, 2009, p. 32. Depositado na Fundação Mário Soares,
Colecção Alberto Lacerda.
216

http://www.fmsoares.pt/aeb/dossier14/images/08129.377.jpg

62. José de Almada Negreiros, Apolo e Atena, Fachada da Reitoria da Universidade de


Lisboa. Fotografias de Barbara Aniello.

63. José de Almada Negreiros, pormenor de Apolo e Atena, Fachada da Reitoria da


Universidade de Lisboa. Fotografias de Barbara Aniello.

64.e 65. José de Almada Negreiros, pormenor de Começar, baixo-relevo em pedra,


2.310 x 12.870, ass., dat., Átrio da Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção da
Fundação Calouste Gulbenkian, reproduzida em Almada Negreiros, Obra Plástica,
curadores Arq. José de Almada Negreiros, Rui Guedes, Bertrand, 1993, n. 111.
Fotografia de António Homem Cardoso e José de Almada Negreiros, Estrela de Dez
pontas, pormenor dos baixos-relevos da Fachada da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Fotografias de Barbara Aniello.

66. José de Almada Negreiros, painel da varanda do piso inferior da Casa da Rua de
Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4597.tif)

67. José de Almada Negreiros, Prometeu, baixo-relevo da Fachada da Faculdade de


Letras, Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello. Publicado em Aniello,
Barbara, “José de Almada Negreiros: do Caos à Estrela dançante”, in Artis, Revista do
Instituto de História de Arte da Universidade de Lisboa, n. 6, Lisboa, 2007, p. 352.

68. José de Almada Negreiros, Ícaro/São Paulo, baixo-relevo da Fachada da Faculdade


de Letras, Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.
http://ic2.pbase.com/o4/21/4921/1/99280202.IfcMWBYS.Lisboa_Cidade_Universitaria
1426.jpg

69. José de Almada Negreiros, O Menino da sua mãe, baixo-relevo da Fachada da


Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.
http://www.cfh.ufsc.br/~magno/FHLP414_z.jpg

70. e 71. José de Almada Negreiros, pormenor de Prometeu, baixo-relevo da Fachada


da Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello e
pormenor de José de Almada Negreiros, Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da
Assembleia da República, Residência Oficial do Presidente, fotografia de Barbara
Aniello.

72. Posição da Casa com respeito à imagem de Portugal no mapa da Europa de José
Almada Negreiros.

73. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal
de Lisboa.

74. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de
Lisboa.
217

75. José de Almada Negreiros, Maternidade, desenhos publicados em Vieira Joaquim,


Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 140.
Fotocompográfica, Lda.
http://4.bp.blogspot.com/_1LdrMyScRH4/SePl54Z36bI/AAAAAAAAGa0/3ye3r99F6p
w/s400/AlmadaNegreiros-Maternidade3-Estoril-Bicesse.jpg

76. José de Almada Negreiros, Maternidade, varanda do segundo piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

77. José de Almada Negreiros, Paternidade, varanda do segundo piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4637.tif)

78. José de Almada Negreiros, Trindade, Igreja da Nossa Senhora de Fátima, fotografia
publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros,
Bertrand, Lisboa, 2006, Fotocompográfica Lda.
http://farm1.static.flickr.com/23/30850423_b95ca2c700.jpg

79. José de Almada Negreiros, Cabeça de Arlequim, lápis, 34 x 22, ass. n. dat., desenho
publicado com o nº 105 [s.l.], em Almada, catálogo da exposição curada por Margarida
Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho
a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e
Gustavo Leitão.

80. e 81. José de Almada Negreiros, Arlequim, varanda do primeiro piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008 e desenho preparatório para
Arlequim, publicado no catálogo da exposição curado por Margarida Acciaiuoli, Centro
de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de
1984), Lisboa, 1984, com o nº306 [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo
Leitão.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4592.tif)

82. e 83. José de Almada Negreiros, Columbina, varanda do primeiro piso da Casa de
Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008 e desenho preparatório
para Columbina, publicado no catálogo da exposição curado por Margarida Acciaiuoli,
Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de
Outubro de 1984), Lisboa, 1984, com o nº305 [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e
Gustavo Leitão.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4596)

84. José de Almada Negreiros, Cabaret, varanda do 2º piso da Casa de Rua de


Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (CCC4657.tif)

85. José de Almada Negreiros, Desenho (da colecção Arlequim), in “Contemporânea”,


nº 5, Lisboa, 1922, p. 56.
218

86. José de Almada Negreiros, Pensamentos Loucos, publicado in Diário de Notícias,


Lisboa, 1924, reproduzido em António Rodrigues, Desenhos de Almada no Diário de
Lisboa, Lisboa, 1993, p. 89.

87. José de Almada Negreiros, pormenor de Circo, varanda do 2º piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4650)

88. José de Almada Negreiros, pormenor de Cabaret, varanda do 2º piso da Casa de


Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4647.tif)

89. José de Almada Negreiros, Sereia, pormenor da varanda do 1º piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4607)

90. 91. e 92. Sarah Afonso, Sereia, Manufactura das Tapeçarias de Portalegre,
fotografia publicada em AA.VV., Leilão de Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção
Canto da Maya, Leilão de Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya,
Palácio do Correio Velho, Lisboa, 2000., que a ela se refere com o n.º 681, p. 139;
Sereia, 1939, 1200 x 800, óleo sobre tela, fotografia publicada em Sarah
Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo curado por Rui Mário Gonçalves, Miguel
Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 93
http://pinturaportuguesa.blogs.sapo.pt/arquivo/sarah_afonso3g.jpg; Sereia prato em
cerâmica policromada, 300 mm. de diâmetro, fotografia publicada em Sarah
Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo a cura de Rui Mário Gonçalves, Miguel
Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 87.

93. José de Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso
da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008. Publicado em
Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da
obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30,
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp.
106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4602.tif)

94. José de Almada Negreiros, Trapezistas, pormenor do desenho preparatório do painel


da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena. Gentil concessão da Fábrica Viúva
Lamego. Fotografia Gestifer, publicado in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural
portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996,
p. 37.

95. José de Almada Negreiros, La sirena pobre, publicado in El Sol, 7 de Dezembro de


1927, reproduzido em El alma de Almada el impar: obra gráfica, 1926-1931, org.
Bedeteca de Lisboa, textos de João Paulo Cotrim, Luis Manuel Gaspar; fot. Joaquim
Cortés, Luis Pontes, Lisboa, Camara Municipal, 2004, p. 156-157.
219

96. José de Almada Negreiros, Desenho, publicado em Deseja-se Mulher, publicado em


Teatro, Lisboa, Estampa, 1971, p. 63, reproduzido também em António Rodrigues,
Almada Negreiros: obra gráfica, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 64/h.

97. e 98. José de Almada Negreiros, Desenho, 1922, publicado em Histoire du Portugal
par cœur, em Contemporânea, Grande Revista Mensal, dir. José Pacheco, edit.
Agostinho Fernandes, ano 1, nº1, 1922, p. 30, publicado também em Vieira Joaquim,
Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 67, já
publicado no catálogo da exposição Almada, curada por Margarida Acciaiuoli, Centro
de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de
1984), Lisboa, 1984, [s.l.], fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão,
reproduzido também em António Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica, Câmara
Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 65 e José de Almada Negreiros, Par abraçado,
pormenor do painel da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, Publicado em Barbara Aniello, As
metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total,
em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral
dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4602.tif)

99. José de Almada Negreiros, Capa para a peça de teatro Deseja-se Mulher,
reproduzida em António Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica, Câmara
Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 64.

100. José de Almada Negreiros, Dança e Circo, pormenor da varanda do 2º piso da


Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicada em
Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na Cada da rua de Alcolena: em busca da
obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30,
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp.
106-113.

http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4650.tif)

101. e 102. José de Almada Negreiros, pormenor varanda do 1º e 2º piso da Casa da


Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicadas em Barbara
Aniello, As metamorfoses de Psique na Cada da rua de Alcolena: em busca da obra de
arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30,
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp.
106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4602.tif)
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4650.tif)

103. José de Almada Negreiros, Circo, varanda do 2º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
220

http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4650.tif)

104. José de Almada Negreiros, Arlequim e bailarina, desenho preparatório para Circo,
publicado no catálogo exposição Almada, a Cena do corpo, Exposição no Centro
Cultural de Belém (de 27 de Outubro de 1993 a 15 de Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p.
150, lápis sobre papel 500 x 325 mm., ass., n. dat., ded: para a Rusa 1° aniversario. Col.
Rusa Bustorff Burnay, fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha Henriques Ruas.
Republicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo a cura de Rui
Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais,
1996, p. 185.

105. José de Almada Negreiros, Cabaret e Dança, pormenor da varanda do 2º piso da


Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4648.tif)

106. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 4, Arquivo Municipal de
Lisboa.

107. José de Almada Negreiros, Cabaret, fotografia antiga da varanda do 2º piso da


Casa da Rua de Alcolena, Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, espólio Varela.

108. Fotografia antiga da entrada do Jardim da Casa da Rua de Alcolena,


Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, espólio Varela.

109. António Varela, Casa de Rua Alcolena, Escada de acesso à cobertura do Terraço,
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

110. António Varela, Casa de Rua Alcolena, Porta da Garagem, Fotografia de Hugo
Nazareth Fernandes.

111. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de


Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4598.tif)

112. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de


Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4603.tif)

113. José Manuel, capa para Poemas para uma andorinha chamada Astrid, Biblioteca
Nacional de Lisboa, 1950, desenho do autor.

114. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de


Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4605.tif)
221

115. José de Almada Negreiros, pormenor do desenho preparatório para a varanda do 1º


piso da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia Gestifer, publicado em Burlamaqui,
Suraya, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos,
Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.

116. José Manuel, capa para Princezinha descalsa, Biblioteca Nacional de Lisboa,
1952, desenho do autor.

117. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de


Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4606.tif)

118. José de Almada Negreiros, Anunciação, vitral da Capela de São Gabriel, em


Vendas Novas, 1951.
http://4.bp.blogspot.com/_IiPPmMhZYOE/RpZA30LUYtI/AAAAAAAAAIM/IfB8IhN
Cz9I/s400/379_7908.jpg

119. e 120. José de Almada Negreiros, recto e verso do postal, desenho-estudo para o
vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008, Espólio Varela.

121. José de Almada Negreiros, pormenor de Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da
Assembleia da República, Residência Oficial do Presidente, fotografia de Barbara
Aniello. Publicado em Barbara Aniello, “As metamorfoses de Psique na Cada da rua de
Alcolena: em busca da obra de arte total”, em Monumentos, revista semestral de
edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais,
Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.

122. José de Almada Negreiros, estudo para vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas
Novas, 1951, óleo, publicado em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada
Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 154. Fotocompográfica Lda.

123. 124. e 125. José Manuel, capas para As primeiras canções, 1944, Novas Canções,
1946, Sargaços, 1947, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1952, desenhos de José de
Almada Negreiros. Reprodução de Barbara Aniello.

126. 127. e 128. Fotografias de António Varela, espólio familiar, reprodução de Barbara
Aniello, António Paiva, arquivos Faculdade de Belas Artes, reprodução de Barbara
Aniello, José de Almada Negreiros, publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do
Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 152. Fotocompográfica Lda.
http://static.blogstorage.hi-
pi.com/photos/jmgs.fotosblogue.com/images/mn/1207593080/7-de-Abril-de-1893.jpg

129. Fotografia de António Varela, espólio familiar, reprodução de Barbara Aniello.


130. António Varela, Alçado Poente da residência construída para José Duarte Moreira
Rato e Francisco Vilhena, publicado in Varela, António, “Uma moradia portuguesa”, in
A arquitectura portuguesa e a cerâmica e edificação reunidas, revista mensal técnica e
artística, Agosto de 1938, nº 41, ano XXX, 3ª série, p. 12.
222

131. Vista Noroeste da entrada principal da Casa de Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo


Cintra, Novembro 2008.

132. Interior da Casa correspondente à parede Noroeste, com pentagrama pintado e


óculo-janela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

133. José de Almada Negreiros, Cabaret, varanda do 2º piso da Casa de Rua de


Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4648.tif)

134. e 135. Desenho anónimo e inédito encontrado no Espólio Varela (Varela?),


Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008 e José de Almada Negreiros, Retrato de
Mário de Sá-Carneiro, gravura, 1963, reproduzida em José-Augusto França, Almada: o
português sem mestre, Lisboa, Estúdios Cor, 1974, p. 35. Fotografia Neogravura Lda.
http://multipessoa.net/media/labirinto/passos-imagens/351.png

136. José de Almada Negreiros, Arlequim, 1922, publicado no catálogo da exposição


Almada, curada por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação
Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.],
fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão, já publicado em Lima de Freitas,
Almada e o Número, Lisboa, Arcádia, 1977, p. 34, fotografia de Vítor Santos, Atelier
Arcádia.

137. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de A Invenção do Dia Claro,
Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://4.bp.blogspot.com/_1O80CFZ_Yu8/SJNeQen9h3I/AAAAAAAACcM/9k5pwR2
CKzM/s400/DIA+CLARO.jpg

138. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de A chave diz: Faltam duas
tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves “o pintor português que
pintou o altar de S. Vincente na Sé de Lisboa”, Espólio Varela. Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008.

139. José de Almada Negreiros, dedicatória “Ao António Varela com um abraço do seu
amigo”, ass., dat. Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.

140. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de Mito-Alegoria-Símbolo,


Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://3.bp.blogspot.com/_EQnaPSHM4MU/Slz-9Y_jpGI/AAAAAAAABoM/-
CsbpHlqpKQ/s320/Mito+-+Alegoria+-+S%C3%ADmbolo.jpg

141. José de Almada Negreiros, Dedicatória “Ao António Varela, a quem chamo
António como ao meu irmão António”, Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.

142. José de Almada Negreiros, Desenho inédito, ass. e dat. (1921). Espólio Varela.
Fotografia de Nuno Nazareth Fernandes.
223

143. José de Almada Negreiros, Acrobatas, 1919, lápis e esferográfica s/papel, 291 x
218, ass. dat., Espólio Varela. Fotografia de Nuno Nazareth Fernandes.

144. Anónimo, No Circo, gravura encontrada no Espólio Varela. No verso: “Pertence


ao arquitecto António Varela. Queremos ser do Almada Negreiros. Basta ter sido do tio
António e ter estado numa exposição por ser um bom quadro. O arquitecto Tinoco está
convencido que é do Almada Negreiros”. Fotografia de Barbara Aniello.

145. José de Almada Negreiros, Autoreminescência (auto-retrato), tinta da china


s/papel, 190 x 115, ass. dat., ded., Paris 1949, Espólio Varela, Fotografia de Nuno
Nazareth Fernandes.

146. Fotografia dum jantar com amigos, entre os quais José de Almada Negreiros
(terceiro a contar da esquerda), Sarah Affonso (quarta a contar da direita), António
Varela (primeiro a contar da direita). Espólio Varela. Reprodução Barbara Aniello.

147. Jantar em honra de Almada, 1941. Entre os convidados, António Varela, de pé à


esquerda do artista. Fotografia publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século
XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 147. Fotocompográfica, Lda.

148. Fotografia de António Paiva, encontrada no Espólio familiar. Reprodução de


Barbara Aniello.

149. António Paiva, escultura para a Exposição de Bruxelas, Grande Prémio Individual,
1958. Reprodução de Barbara Aniello

150. e 151. António Paiva, São Francisco de Assis, estátua em gesso publicada na capa
da revista Menina e Moça, Março, 1971, nº 267 e estudo para São Francisco de Assis,
espólio Paiva.
152. António Paiva, São Jorge e o Dragão escultura em terracotas, não assinada,
colocada num edifício na rua Guilhermina Suggia, em Lisboa. Fotografia de Barbara
Aniello.

153. Atelier de António Paiva, gessos entre os quais estudos de Rainha Santa Isabel de
Estremoz e busto para Luís Vaz de Camões. Fotografia de Barbara Aniello.

154. e 155. António Paiva, Cavalos em madeira e gesso. Atelier Paiva. Fotografia de
Barbara Aniello.
156. e 157. António Paiva, desenhos, espólio familiar. Fotografia de Barbara Aniello.
158. António Paiva, medalha comemorativa, publicada em Porfírio, José Luis, Bosch:
Artistas contemporâneos e as tentações de Santo Antão, Ministério da Educação e
Cultura, Lisboa, 1973.

159. António Paiva, medalha comemorativa para o 50º Aniversário da Direcção Geral
dos edifícios e Monumentos Nacionais, cunhada em 1979. Fotografia de Barbara
Aniello.
224

160 e 161. António Paiva, medalha comemorativa para a Companhia portuguesa de


Cimentos Brancos, cunhada em 1969. Fotografia de Barbara Aniello.

162. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para o painel do 1º piso da Casa
da Rua de Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui,
Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 37.

163. e 164. António Paiva, Arlequins, desenhos encontrados no Espólio familiar.


Fotografia de Barbara Aniello.

165. António Paiva, O teatro, prova de agregação na ESBAL, gesso, 1970. Fotografia
publicada em Memórias em Gesso, Exposição do Acervo Escultórico da Faculdade de
Belas Artes da Universidade de Lisboa, 1996, curada por João Afra, José Miranda e
José Fernandes Pereira, p. 26.

166. António Paiva, Escultura, atelier Paiva. Fotografia de Barbara Aniello.


167. Porfírio Pardal Monteiro, José de Almada Negreiros, Jorge Barradas, Prédio na
Rua do Vale do Pereiro em Lisboa. Fotografia de Laura Castro-Caldas.
http://i.pbase.com/o6/21/4921/1/37856136.PMet4JyU.Lisboa_Sao_Mamede3412.jpg

168. Porfírio Pardal Monteiro, José de Almada Negreiros, Jorge Barradas, pormenor do
prédio na Rua do Vale do Pereiro em Lisboa. Fotografia de Laura Castro-Caldas.
http://i.pbase.com/o6/21/4921/1/37856135.pLh0kK16.Lisboa_Sao_Mamede3417.jpg

169. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para o painel do 2º piso da Casa
da Rua de Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui,
Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 37.

170. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para Cabaret, painel do 2º piso da
Casa da Rua de Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui,
Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 37.

171. José de Almada Negreiros, azulejo, Casa-Atelier em Bicesse, publicado in Suraya


Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos,
Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 38.

172. José de Almada Negreiros, pormenor do painel do 1º piso da Casa da Rua de


Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (CCC4603.tif)

173. José de Almada Negreiros, Nu à janela, gouache, 1946, 48 x 34, ass. dat., colecção
particular, publicado no catálogo da exposição Almada, curada por Margarida
Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho
a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e
Gustavo Leitão.
225

174. José de Almada Negreiros, painel de azulejos para a Livraria Ática, publicado in
Almada Negreiros: um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993.

175. e 176. José de Almada Negreiros, estudos para azulejos da Escola Patrício
Prazeres, Lisboa, 1956, publicados in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 39.

177. e 178. José de Almada Negreiros, azulejos para a moradia na Rua de Alcolena, nº
36, publicados in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea:
azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 38.

179 e 180. José de Almada Negreiros, Anunciação, 1951, Igreja do Santo Condestável,
Lisboa, fotografia publicada em Almada Negreiros: um percurso possível, INCM,
Lisboa, 1993, p. 49 e José de Almada José de Almada Negreiros, Anunciação, vitral da
Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951.
http://www.snpcultura.org/fotografias/igreja_santo_condestavel/15.jpg
http://4.bp.blogspot.com/_IiPPmMhZYOE/RpZA30LUYtI/AAAAAAAAAIM/IfB8IhN
Cz9I/s400/379_7908.jpg

181. José de Almada Negreiros, Vitral, 1965 para a peça teatral Auto da Alma de Gil
Vicente. Fotografia publicada em Vítor Pavão dos Santos, O escaparate de todas as
artes ou Gil Vicente visto por Almada Negreiros, Instituto Português de Museus, 1993,
p. 63.

182. José Manuel na sua Biblioteca com o seu Fox Terrier, Jagodes. Ao fundo, o vitral
de Eros e Psique. Fotografia gentilmente concedida por Madalena Ferrão. Espólio
familiar.
226

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