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A Casa Da Rua de Alcolena. Historia, Mistério, Símbolo
A Casa Da Rua de Alcolena. Historia, Mistério, Símbolo
Este livro, concebido em Março e acabado em Maio de 2009, é o resultado duma investigação
que se insere num projecto de Pós-Doutoramento mais amplo e abrangente, cujo tema é O
diálogo inter-artes em Portugal no século XX, financiado pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia e acolhido pelo Instituto de História de Arte da Universidade de Lisboa e pelo
Centro Estudos Comunicação e Cultura da Universidade Católica de Lisboa.
No percurso que levou à sua concepção, preparação e edição, quero agradecer a todas as pessoas
que contribuíram:
às Instituições que concorreram para o êxito deste projecto: Fundação Calouste Gulbenkian,
Fundação para Ciência e Tecnologia, Guimarães Editores, Academia Nacional de Belas-Artes,
Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, IHA - Instituto de História de Arte da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, CESEM - Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, CECC - Centro de Estudos de Comunicação e
Cultura da Universidade Católica de Lisboa, Assembleia da República, Tribunal de Contas,
Fundação Mário Soares, Palácio do Correio Velho, Leilões e Antiguidades S.A., Biblioteca de
Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, Biblioteca Nacional de Portugal; Biblioteca de Belas
Artes da Universidade de Lisboa, Biblioteca da Universidade de Coimbra;
ao Professor José-Augusto França, pelo que representa na nossa História da Arte e pelo seu
entusiasmo, estímulo e ajuda no projecto;
ao Professor Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão, pelo impulso, apoio moral e exemplo
de integridade ética e profissional;
ao Dr. Paulo Teixeira Pinto, por ter acreditado no projecto e defendido a sua publicação;
ao Júri do Concurso de Apoio à Edição do Serviço de Belas Artes da Fundação Gulbenkian,
Prof. Doutor Luiz Oosterbeek, Dr. Paulo Pereira e ao seu Presidente e Director deste Serviço,
Dr. Manuel da Costa Cabral, por ter classificado o livro em 1º lugar entre 17 candidatos;
à Professora Maria Manuela Toscano, pela assistência amigável e por ser um modelo de rigor
científico;
à Senhora Dª. Maria do Céu Pimentel, sobrinha de António Varela, pela sua total e entusiástica
disponibilidade na partilha do espólio do arquitecto;
à esposa e à filha de António Paiva, Senhora Dª. Alice Berta Gonçalves Alves e Senhora Dª.
Maria Luísa Alves de Paiva, que muito generosamente me ofereceram acesso ao espólio do
escultor;
à Senhora Dª. Madalena Ferrão, filha de José Manuel, que partilhou comigo preciosas
informações e fontes sobre o poeta;
ao fotógrafo Paulo Cintra pelas suas sugestões, pela inesgotável paciência, incessante
disponibilidade e fraterno apoio;
3
à Senhora Dra. Andrea Azevedo Cardoso, pela ajuda constante e pelos conselhos humanos e
profissionais;
à Advogada Senhora Dra. Rosa Videira, apaixonada defensora do Direito de Autor, por me ter
ensinado a proteger este filho de papel;
ao professor e escultor João Duarte, por me ter disponibilizado a sua colecção de medalhas e
todas as informações sem as quais o aprofundamento da parte que concerne à escultura não teria
sido possível;
à Senhora Dª. Maria da Conceição Delgado e Senhora Dª. Nádia Marina da Silva Pina Lomar do
Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Belas Artes, pela ajuda concreta na pesquisa dos
documentos;
ao Dr. José Viriato por me ter mostrado o acervo dos gessos da Faculdade de Belas Artes;
à Senhora Dra. Constança Rosa e ao Dr. Carlos Morais, Dr. Marco António de Mesquita, Dra.
Anabela Igreja Freitas, Dra. Dolores Sebastião, Dra. Maria João Santos da Biblioteca de Arte da
Fundação Calouste Gulbenkian, pela grande profissionalidade, disponibilidade, carinho e ajuda
no acesso às fontes;
à Dra. Manuela Rego e à Dra. Graça Garcia, por me ter facilitado a pesquisa dos documentos;
aos escultores Professores Domingos Soares Branco, Virgílio Domingues, António Vidigal, por
terem conversado comigo e partilhado importantes recordações do convívio com António Paiva;
ao colega e amigo Arquitecto Hugo Nazareth Fernandes, pela generosa partilha de ideias e
fontes, pelos conselhos desinteressados, pelo encorajamento e pela sua lealdade;
a Nuno Nazareth Fernandes, pelo apoio documental e moral;
à Senhora Dª. Luísa Venturini, pelas sugestões e pelo olhar de pássaro;
à minha amiga Professora Maria Teresa Álvares de Carvalho, pela ajuda essencial na
descodificação da linguagem geométrica de Almada e pelos conselhos lexicais;
ao Dr. Renato Borges de Sousa pelo auxílio indispensável;
à minha amiga Dra. Inês Espada Vieira por ter revisto o texto, pela sua generosa dedicação e
imprescindível encorajamento;
a Joana Pontes e Pedro Néu, pelo amigável suporte moral;
a Rita Dinis da Gama e a Janine Barroso, madrinhas inigualáveis desta obra;
à minha mãe e às minhas irmãs, pelo alento;
aos meus três filhos, Davide, Costanza e Luca, pela paciência;
a ti que não queres ser agradecido
e a mim por não ter desistido.
4
Nota da Autora.
O presente trabalho surgiu com o intuito de prestar homenagem à obra e legado de José
de Almada Negreiros, António Varela, António Paiva e José Manuel, que colaboraram
na criação de uma obra de arte, no meu entender, única e total. Este livro tem também a
esperança de contribuir para a preservação, tutela, classificação e reabilitação da Casa
da Rua de Alcolena.
Contudo, esta edição sai mutilada de algumas das suas imagens, que aqui não
publicamos, em virtude da impossibilidade de obter a necessária autorização e isenção
dos Direitos de Autor junto das herdeiras de José de Almada Negreiros.
Por causa da remuneração que a família Almada Negreiros pediu, que inviabilizou a
edição do livro, feito originariamente de imagens alternadas com texto, a autora viu
recuar o patrocínio já obtido junto da Câmara Municipal de Lisboa, que tinha avançado
com um apoio em troca da compra de exemplares, e perdeu sucessivamente dois
editores que se tinham comprometido com a publicação.
Decidiu-se então optar por uma edição digital disponível gratuitamente para o público.
Aqui fica o meu profundo agradecimento à Fundação Calouste Gulbenkian, cujo júri
Internacional no Concurso de Apoio à Edição classificou em 1º lugar esta obra entre 17
candidatas, que decidiu manter o patrocínio e continuar a apoiar o livro, embora nesta
versão amputada, e ao Instituto de História de Arte da Universidade de Lisboa, ao
Centro Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica e ao Centro de
Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade Nova de Lisboa que se
ofereceram para alojar e lançar este e-book.
Queira o leitor esclarecido paciente e benevolamente olhar para estas molduras vazias.
5
a Maria
6
Índice
Bibliografia p. 205
… Assim uma peça importante dá entrada nas obras completas de Almada Negreiros,
em que andava esquecida ou ignorada.
Teve um acaso feliz esta entrada, que foi de salvamento também, de uma arquitectura
votada à perdição patrimonial.
Depois da triste demolição, em Janeiro de 2005, do palacete romântico em que Garrett
faleceu, à Estrela, foi possível a outra vereação mais esclarecida e digna de confiança,
sob a presidência de António Costa, evitar outra danosa destruição do património
lisboeta, pondo em classificação, em 2009, uma moradia modernista ao Restelo, que ia
ser demolida e substituída por outro prédio de casas.
Da autoria do arquitecto António Varela nos anos ‘50, projecto de 1951-1955, termo da
obra em 1955, a moradia fora revelada por Ana Tostões na sua obra sobre os Verdes
Anos da Arquitectura Portuguesa nos Anos ‘50, em 1997, como peça importante e
típica, envolvida por um jardim e contendo decorações de azulejo e vitral de Almada
Negreiros. No desfazer do edifício, um vitral fora desmontado e felizmente adquirido
para colecção da Assembleia da República, em 2001, supondo-se então, num catálogo
de leiloeiro, tratar-se da figuração da “Queda de Ícaro”.
Outras peças, de pintura, tapeçaria ou escultura foram dispersas – mas os azulejos
continuavam ainda nas paredes, aguardando destino mercantil, mais do que um conjunto
de relevos de escultura, de António Paiva que haviam de ter destruição ocorrente.
Um largo movimento de opinião, tendente à salvação da casa, falhado por oportunas
influências políticas do proprietário promotor, no caso do palacete de Garrett, teve
ouvido responsável na administração municipal, e a obra, na sua totalidade artística,
pode ser preservada e provavelmente recuperada – mesmo que, por efeito negocial, o
novo proprietário seja autorizado a acrescentar-lhe outro corpo arquitectónico, em
duvidosa deontologia por não ter assentimento do arquitecto-autor, falecido em 1963,
sete anos antes de Almada Negreiros – e trinta antes do proprietário da casa, o poeta
José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão, nascido em 1928.
Estranho proprietário este, homem de fortuna, vivendo com sua mãe, amigo do seu
arquitecto e do seu escultor, e de Almada, em grandes frequências, autor de dez livros
de poemas, entre 1944 e 1964, de limitadas tiragens e que se perderam
bibliograficamente, sem registos de história ou de crítica que ao autor eram certamente
8
José-Augusto França
Professor Jubilado
Universidade Nova de Lisboa
11
A moradia situada na Rua de Alcolena nº28/44 constitui um dos mais raros e belos
exemplos de diálogo inter-artes em Portugal no século XX. A residência, integrada no
Bairro da Encosta da Ajuda, dito Bairro do Restelo, projectada em 1951-1955 por
António Varela para Maria da Piedade Figueiredo Mota Gomes e para o seu filho José
Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão, integrava onze paredes revestidas de azulejos e um
vitral da autoria de José de Almada Negreiros, uma escultura e dez baixos-relevos de
António Paiva e, na sua origem, um conjunto de pinturas, tapeçarias, esculturas, para o
interior da casa, sucessivamente disperso em leilões. Belíssimo vestígio de arquitectura
modernista, recentemente a casa foi objecto de candente actualidade, tendo sido alvo de
um projecto de destruição com parcial remoção dos painéis em azulejo.
A íntima correspondência entre arquitectura e decoração, fruto duma extraordinária
colaboração entre artistas e proprietários, resulta numa obra de arte que constitui um
unicum, não só pela sua vocação inter-artística, mas também pelo programa unitário e
pela linguagem comum nela revelados.
Da leitura integrada das suas várias componentes artísticas, emerge que a casa é uma
metáfora do mito de Psique, contendo um conto coeso e coerente, quase um Tema com
Variações, das suas metamorfoses. Psique está, segundo a nossa leitura, alegoricamente
presente em todas as obras plásticas que adornam a residência, enfatizando
alternadamente o tema da queda, da visão ou contemplação divina, do conhecimento
superior (gnose) e da iniciação aos mistérios com ele relacionados. Com base nestas
1
José de Almada Negreiros, Assim Fala Geometria, entrevistas em série, conduzidas por António
Valdemar, Diário de Notícias, Lisboa, 9-6-1960, p. 15.
2
José Manuel, Alquimia do sonho: romance poemático, Lisboa, Tipografia Ideal, 1953, p. 15.
3
Ibidem, p. 51.
4
Ibidem, p. 52.
12
5
O termo exegese deriva do grego e é composto por ek (de, fora) e egéomai (tiro, conduzo) e indica o
trabalho de ex-trair, ex-ternar, ex-por o significado profundo dum texto, literário, jurídico, religioso,
visando a sua interpretação profunda.
6
O termo ekphrasis vem do grego e é composto por ek (de) e phrazein (falar), indicando literalmente um
“falar de”, “falar a partir de” um modelo. Trata-se dum processo típico da descrição, que tem raízes
clássicas, tal como lembra, na sua Ars Retórica, Dionísio de Halicarnasso. A história do termo ekphrasis
tem sido acompanhada por Carlos Ceia no seu E-Dicionário de termos literários: “O termo ekphrasis
tornou-se um exercício escolar para aprender a fazer descrições de pessoas ou lugares. O locus classicus
na literatura épica é a descrição do escudo de Aquiles feita por Homero (Ilíada, 18, 483-608). Virgílio
seguiu o mesmo modelo para a descrição do escudo de Eneias na Eneida (8, 626-731). Um outro tipo de
ekphrasis concentra-se em descrições epigramáticas de pinturas e estátuas, como La galeria de Marino e
muita poesia emblemática. O termo alemão Bildgedicht corresponde praticamente ao conceito de
ekphrasis, neste sentido de descrição de uma obra de arte (pintura ou escultura). Os poetas românticos
recorreram amiúde a este artifício, tendo ficado célebre, por exemplo, a "Ode on a Grecian Urn", de
Keats. Naturalmente, o recurso às descrições particulares está presente em muita poesia contemporânea,
sobretudo a partir do momento em que a poesia se tornou cada vez mais próxima da prosa narrativa. Na
literatura portuguesa, o livro Metamorfoses (1963), de Jorge de Sena introduz um tipo de poesia descritiva
que tem como objecto de contemplação toda a obra de arte visual. Este tipo de descrição plástica não
limita o conceito de ekphrasis a uma simples e passiva exposição dos dados observados, mas conduz-nos
a um exercício reconstrutivo do que foi examinado, querendo interferir subjectivamente nas qualidades do
objecto. O poeta ecfrástico raramente se contenta com uma descrição objectiva do que observa, quando
tem a possibilidade de comunicar livremente o seu próprio gosto. A Secreta Vida das Imagens (1991), de
Al Berto, ou Depois de Ver (1995), de Pedro Tamen, podem ilustrar o lado dinâmico da ekphrasis”. Cfr.
http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/E/ekphrasis.htm. Veja-se também: Emilie L. Bergmann: Art
Inscribed: Essays on Ekphrasis in Spanish Golden Age Poetry (1979); Fernando J. B. Martinho: “Ver e
depois: a poesia ecfrástica em Pedro Tamen”, Colóquio-Letras, 140/141 (1996); Maria Fernanda
Conrado: Ekphrasis e Bildgedicht: processos ekphrásticos nas metamorfoses de Jorge de Sena, Tese de
mestrado, Universidade de Lisboa (1996); Murray Krieger: Ekphrasis: The Illusion of the Natural Sign
(1992).
7
A diferença entre os termos exotérico e esotérico deriva da filosofia de Pitágoras que distinguia no seu
ensinamento entre um saber acessível a todos, visível, comum, popular (éx = fora) e um conhecimento
reservado a poucos eleitos, (eso = dentro). Assim os seus discípulos eram designados e distinguidos entre
exotéricos, ou alunos externos à sua escola, e esotéricos, os alunos admitidos no interior da sua escola, os
únicos que podiam ver e ouvir as aulas do filósofo. Entre estes havia uma ulterior distinção entre
esotéricos-acousmáticos, que podiam só ouvir o Mestre, e esotérico-matemáticos, que tinham o privilégio
de argumentar com ele e também ensinar aos acousmáticos. O presente estudo pretende utilizar esta
definição, com o intuito de distinguir entre uma componente explícita, divulgativa, exposta e uma mais
reservada, íntima, privada, na fruição da casa.
13
Desde a sua edificação a Casa passou por vários proprietários. A construção do edifício
deve-se ao arquitecto António Varela, depois da aquisição por Maria da Piedade
Figueiredo Mota Gomes do lote de terreno nº149, com uma área total de 1122 metros
quadrados, à Câmara Municipal de Lisboa em Agosto de 1951, parte por compra directa
e parte por arrematação em hasta pública. Concluídas as obras, em 10 de Fevereiro de
1954, o imóvel manteve-se na posse da primeira proprietária, passando em 1981, após a
sua morte, para o seu filho José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão. Depois do
falecimento deste, a moradia passou para a viúva e para as suas quatro filhas, que a
venderam em 2002 à imobiliária Espácimo. Três anos mais tarde, a nova proprietária
viu a residência do Restelo ser objecto de sucessivas penhoras, acabando por vendê-la
em Janeiro de 2007, a uma outra imobiliária: a Principado do Restelo, com sede em
8
A história da casa foi relatada por José António Cerejo e Maria José Oliveira a Inês Boaventura num
artigo publicado no Público, em 21.02.2009 e em 25.02.2009, e por Luísa Botinas no Diário de Notícias
de 20.02.2009. Para uma bibliografia sobre a Casa veja-se Ana Tostões, Os verdes anos da arquitectura
portuguesa nos anos 50, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1997, p. 60; Fátima
Cordeiro Ferreira coord.; José Silva Carvalho; Teresa Nunes da Ponte; Filipe Jorge Silva, Guia
Urbanístico e Arquitectónico de Lisboa, Associação dos Arquitectos Portugueses, 1987; Helena Roseta,
João Afonso, Joana Morais, Manuel Távora, IAPXX-Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal,
Ordem dos Arquitectos, 2003; Inventário Docomomo Ibérico da Habitação, 2008. Vide também: Obra
23293, Processos 1951, 22260/1955, 15454/1981, Arquivo Câmara Municipal de Lisboa. A Ordem dos
Arquitectos promoveu uma petição para salvar a moradia que atingiu até hoje cerca de 5000 assinaturas:
http://www.petitiononline.com/Alcolena. Cfr. também a proposta do movimento Cidadãos por Lisboa:
http://www.cidadaosporlisboa.org/?no=50400001519,053, apresentada em 18 de Fevereiro de 2009.
14
9
Diário de Notícias, Lisboa, 20 de Fevereiro de 2009, p. 28.
10
Diário de Noticias, Lisboa, 3 de Março de 2009.
15
11
Público, 21 de Julho de 2009.
16
12
Toda a narração é retirada de Eudoro de Sousa, Quem vê Deus, morre... : o mito de psique, sep. do
Atlântico, n. 5, Lisboa, 1947, pp. 1-17. O texto que concerne o mito de Psique, pp. 5-7, aqui readaptado e
resumido, foi dedicado a José de Almada Negreiros e publicado exactamente quatro anos antes do
primeiro projecto de construção da residência da Rua Alcolena, na sequência dum longo convívio que o
professor, filósofo, pedagogo, filólogo, mitólogo teve com o artista. Segundo Joaquim Domingues foi o
contacto com Almada Negreiros e Santana Dionísio que despertou em Eudoro de Sousa o interesse pelo
simbólico, como “síntese sensível da ideia unitária e universal”. Cfr. De Ourique ao Quinto Império.
Para uma Filosofia da Cultura Portuguesa, Lisboa, INCM, 2002. Pela profunda interligação entre a
interpretação sousiana do mito e a representação do mesmo no vitral da autoria de Almada Negreiros que
ornava a casa, e dada a anterioridade do texto face ao projecto da casa, julgamos importante referir esta
fonte e não outras, como fonte iconográfica privilegiada da obra. Vide também Luís Loia, O Essencial
sobre Eudoro de Sousa, INCM, Lisboa, 2007.
17
monstro e pôs-se a perscrutar o seu vulto. Mas para sua grande surpresa Psique, que não
se contentava com o seu amor cego, descobriu a imagem sublime do deus adormecido.
Resultado da visão, Psique estremeceu e o seu corpo ardeu, como a luz da lucerna,
rasgando o véu da noite. Depois, insaciável, levou-a a curiosidade a tocar nas armas que
jaziam aos pés do leito e, de mãos ainda frementes, feriu-se nas setas do poderoso deus:
“assim a ignorante Psique se inflamou de amor por Amor”. É então que uma gota
ardente da lucerna caiu no ombro da divindade, que despertou e desapareceu, não
cuidando da sua própria ferida. Este é o primeiro momento crítico no drama de Psique.
Desde então, vítima de si mesma, a Alma, ou seja Psique, passará toda a sua existência
condenada a um vaguear inquieto pelo mundo em busca daquele Amor que a
desobediência lhe arrancou. Psique, depois de ter recorrido em vão a Ceres e a Juno,
caiu em poder de Vénus, que já então a procurava, não só pela antiga afronta, como
também pela vingança frustrada. Não correspondendo às súplicas da jovem, Vénus
impôs-lhe tarefas superiores às possibilidades humanas, tais como: separar um monte de
sementes diversas, trazer lã dos carneiros do Sol, ir em busca da água estígia e, enfim,
descer aos infernos para de lá trazer num frasco um pouco da formosura de Prosérpina.
Em todas estas provas a Alma foi assistida por Amor que lhe prestou o auxílio
necessário ao bom êxito das provas. As formigas separaram as sementes numa noite de
labor; uma “cana viçosa, suave criadora de música”, aconselhou-a a esconder-se dos
ardores do Sol; a águia, “ave real do supremo Jove”, encheu a urna de água estígia; a
torre, donde Psique intentou atirar-se para “ir ter directamente aos infernos”, ensinou-
lhe o caminho e proporcionou-lhe o viático; e, quando no regresso a invadiu “um sono
infernal e verdadeiramente estígio”, por, mais uma vez, não ter resistido à curiosidade
de abrir o frasco, é o próprio Eros que acorre, “limpando cuidadosamente o sono e
desperta Psique com o inocente toque da ponta de uma das suas setas”. Este despertar é
outro momento crítico no drama de Psique. Mas o segundo ferimento das setas de Amor
conferiu-lhe a imortalidade e o gozo pleno da união perfeita com o divino esposo.
Todos os momentos-chave e os eventos críticos do mito estão dramática e
simbolicamente representados na Casa da Rua de Alcolena.
18
2. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 14, Arquivo Municipal de Lisboa.
3. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de Lisboa.
4. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de Lisboa.
13
Obra 23293, Processo 35792/1951, Arquivo Municipal de Lisboa. Cfr. também a petição on-line
promovida pela Ordem dos Arquitectos «É preciso salvar a Casa da Rua Alcolena, da autoria do
arquitecto António Varela, com murais de azulejo da autoria do pintor Almada Negreiros»,
http://www.petitiononline.com/Alcolena/, op. cit.
21
5. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de Lisboa.
Quanto ao aspecto exterior da casa, notar-se-á que o alçado se ergue numa posição
sobrelevada em relação à rua. A moradia é abraçada por um vasto jardim, que emoldura
a construção, atenuando a sua aparência abstracto-geométrica e o seu purismo
volumétrico. Notamos uma preocupação simétrica na disposição da garagem, com
duplas janelas e duplas escadas, especularmente à esquerda e direita, contradita da
solução arquitectónica, deslocada ligeiramente à direita do eixo vertical sugerido pelo
acesso da rua ao jardim. A coincidência desta preferência pela assimetria, no ideário do
arquitecto, do proprietário e do pintor é bastante singular, como explicaremos adiante.
22
6. Vista principal, virada a Sudoeste, da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro
2008.
Através dum jogo entre claro e escuro, cheio e vazio, duro e mole, mineral e vegetal,
deparamo-nos com um tapete em xadrez disseminado na encosta do terreno sobrelevado
e realizado com quadrados de pedra calcária, alternados com porções de idêntica
dimensão de terra, anteriormente arrelvadas. O padrão axadrezado prolonga-se no muro
que delimita o confim esquerdo da moradia. Confrontando as fotografias antigas do
muro da casa com as actuais, notar-se-á um idêntico claro-escuro que repetia
originariamente a alternância patente na entrada.
8. Pormenor da Fotografia antiga da Casa. Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
14
Ana Tostões, op. cit., p. 60.
24
9. Alçado Sudeste e Nordeste da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
Neste propositado diálogo entre irracional e racional, entre espírito e lógica, entre gnose
(conhecimento intuitivo) e epistéme (conhecimento científico) é tecido o significado
unitário de toda a obra. O pavimento, tal como a construção, simboliza a união entre o
eixo vertical (celeste) e o eixo horizontal (terrestre), ou seja o Tempo e o Espaço, o
Universal e o Particular.
Por isso mesmo, a construção, aparentemente racionalista, é na sua essência
completamente mística, aderindo à componente esotérica de acordo com os interesses
do comitente
Em qualquer dos casos o racionalismo é uma posição extrema, - quase patética. Tu sabes. Tudo era
assimétrico em ti.16
A simetria cujo nome verdadeiro é Magia Branca e em oposição a Magia Negra que é transcendentalista,
não se resume à combinação das linhas simples ou à dos algarismos entre si […]
15
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 35.
16
Ibidem, p. 28.
17
José de Almada Negreiros, Ver, notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia, 1982, p. 84.
25
18
Ibidem, pp. 86-87.
19
O Dr. José Manuel Ferrão, poeta, artista, editor, músico, escolheu assinar os seus trabalhos com um
simples “José Manuel”. Por isso, daqui em diante referir-nos-emos a ele apenas pela sua assinatura.
20
Barbara Aniello, José de Almada Negreiros: do Caos à Estrela dançante, in Artis, Revista do Instituto
de História de Arte da Universidade de Lisboa, n. 6, Lisboa, 2007, p. 347.
26
10. e 11. Epígrafes com citação de Paul Éluard e assinatura do Arquitecto com data. Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008.
Colocada numa cota de terreno sobrelevada, a Casa ergue-se em relação ao nível da rua,
mas ergue-se ao contrário, de cima para baixo, como uma árvore invertida: as raízes,
que estão no alto, são representadas pelos respiradores e chaminés no terraço e as flores
estão geometricamente “implantadas” no pavimento em mosaico na entrada do jardim.
Desta maneira explicar-se-á a enigmática função duma chaminé fingida no terraço, que
não tem qualquer ligação com o interior da casa,
27
13. Alçado Nordeste da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
29
A trama vegetal que percorre a escada é muito mais palpável nas alterações de 1955,
que no desenho original de 1951:
14. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de Lisboa.
15. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal de Lisboa.
16. Dona Maria da Piedade. Fotografia gentilmente cedida por Madalena Ferrão. Espólio familiar.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
31
17. António Paiva, Medalha em bronze, 80 mm, cunhada, 1970 para a Comissão de Construções
Hospitalares, Hospital de Beja. Colecção particular. Fotografia de Barbara Aniello.
21
Devo à generosidade e disponibilidade do professor, escultor, coleccionador João Duarte a publicação
destas medalhas de sua propriedade e a partilha de importantes notícias acerca da actividade de António
Paiva, do qual chegou a ser aluno na Escola de Belas Artes nos anos 1974-1976. Cfr. João Duarte,
Um percurso na medalha em Portugal, fotogr. José Viriato; concepção gráfica Andreia Pereira,
Universidade de Lisboa, 2005, pp. 1-26.
32
18. António Paiva, desenho preparatório para a Medalha em bronze, 80 mm, cunhada, 1970 para a
Comissão de Construções Hospitalares, Hospital de Beja. Espólio Paiva. Fotografia de Barbara Aniello.
19. Planta geral da Obra Rua de Alcolena, Lote 149, autografada por António Varela com indicação das
plantas, árvores e elementos decorativos do jardim. Espólio Ferrão. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro
2008.22
22
Requereu a Senhora Dª. Madalena Ferrão que fosse referido que esta planta foi descoberta pela
investigadora Cátia Mourão e pelo fotógrafo Paulo Cintra, aquando da visita ao espólio da família de José
Manuel Ferrão e de Maria da Piedade Figueiredo Mota Gomes.
34
19A. Esquema a partir da Planta geral da Obra Rua de Alcolena, Lote 149, autografada por António
Varela com indicação das plantas, árvores e elementos decorativos do jardim. Desenho de Barbara
Aniello.
23
Alain Gheerbrant, Jean Chevalier, Bernard Gandet, Dictionnaire des symboles: mythes, rêves,
coutumes, gestes, formes, figures, couleurs, nombres, Paris: Robert Laffont, 1969, pp. 274 e 677.
35
24
Na linguagem das flores, o Salgueiro-chorão indica sem dúvida a melancolia. Esta árvore remete
também para a imagem de uma “amante desventurada”, que “parece murmurar sem cessar: é dos males o
pior a ausência!” e que, exilada, está permanentemente em busca do amado. Cfr. Diccionario da
linguagem das flores, Lisboa: Typ. Lusitana, 1868, pp. 46-47.
25
Ibidem, p. 15. Além destes significados, o Alecrim do Norte representa também “o amor fiel”, vide
Diccionario e linguagem das flores, das cores e das pedras preciosas, Lisboa: Aillaud, Alves, 1913, p.12,
e o profundo entendimento entre amados: “quero o que tu queres”, ibidem, p. 84.
36
20. António Paiva, Baixos-relevos e Escultura. Portal principal da Casa. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.
39
21. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal de Lisboa.
40
22. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de Lisboa.
26
António Duarte, Escultor António Paiva, in Belas-Artes Revista e Boletim da Academia Nacional de
Belas-Artes, Lisboa 1986 a 1988, 3ª série, nº 8 a 10 (especial comemorações), p. 165.
41
23. António Paiva, Dez baixos-relevos. Portal principal da Casa. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro
2008.
O número dez é sagrado para os pitagóricos. Almada Negreiros cita “os dez lugares da
colecção do número” no seu escrito Ver, ligando-os à figura do Pentalfa, ou
Pentagrama, ou Estrela de cinco pontas.
42
24. José de Almada Negreiros, Os dez lugares da colecção do número, desenho publicado em Mito-
Alegoria-Símbolo: monólogo autodidacta na oficina de pintura, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1948,
republicado em Almada Negreiros, José de, Ver, notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia,
1982, p. 260.
O número cinco, em linha com o zero, ocuparia o eixo de simetria da série, dividindo-a
em duas metades. Não por acaso, António Paiva desenha o Pentalfa em 5ª posição.
Almada lembra que, sendo o zero contíguo de um e nove, tanto pode começar como
terminar a série, tornando a colecção dos algarismos circular e potencialmente ilimitada.
Utilizando um verbo a ele muito caro, Almada diz “a colecção recomeça sempre até
infinito” [itálico nosso]:27
27
José de Almada Negreiros, Mito-Alegoria-Símbolo: monólogo autodidacta na oficina de pintura,
Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1948, republicado em José de Almada Negreiros, Ver, notas e prefácio de
Lima de Freitas, op. cit., p. 260 [itálico nosso].
43
A teoria do eterno retorno e do eterno devir é sintetizada por António Paiva na figura
zoomórfica que domina o portal, alusiva ao ouroboros, reunindo os conceitos de
princípio e fim, de vida e morte, de nascença e renascença.
25. António Paiva, Escultura. Portal principal da Casa. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
28
Roob Alexander, Il Museo Ermetico, Alchimia & Mistica, Tachen, Köln, 1997, pp. 402-403 e 421.
44
26. Símbolo alquímico da serpente Ouroboros in Antigo Manuscripto Grego, Bridgeman Art Library Ltd.
v. Corel Corporation.
Não por acaso o proprietário, José Manuel, autor do texto A Alquimia do sonho, 1951
não só explora o tema do eterno fluir do tempo
Há qualquer cousa de profundamente doloroso na consciência. Tudo flui, tudo se perde
irremediàvelmente… A única eternidade do homem é a plena vivência do instante, comunhão com tudo,
indiscriminadamente, em contemplação e humildade, em aceitação e dádiva.29
mas também põe como nume tutelar da sua casa a serpente, o animal alquímico capaz
de se devorar a si mesmo, tal como “o fogo que se alimenta com o fogo […] o fogo que
consome tudo, que abre e fecha todas as coisas”.30 Por isso a serpente é alter-ego da
porta, tal como lembra o proprietário da Casa num seu escrito de 1964:
A cobra: desde o princípio do mundo amaldiçoada rasteja de porta em porta à procura de quê? de um
perdão? de uma esmola? talvez de nada de resto quem a conhece? quem a vê?31
29
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 33.
30
Abraham Eleazar, “Uractes chymisches werk”, Leipzig, 1760, in “Alquimia & Misticismo”, Alexander
Roob, Taschen, Lisboa, 1997, p. 403.
31
José Manuel, Bestiário, Lisboa, Tipografia Ideal, 1964, n. 7.
32
Idem.
45
Depois o príncipe encontrou a sua alma e amou-a tanto tanto tanto que deu a sua vida por ela.
E nesse mesmo instante reconheceu-a e descobriu o seu mistério
A sua alma era também a sua morte.36
33
Emanuel Swedenborg, cientista, filósofo, teólogo, inventor, político, literato, espiritualista sueco do
século XVII-XVIII, descreveu a Ciência das Correspondências na obra Arcana Cœlestia, entre 1746 e
1747.
34
Devo ao arquitecto Hugo Nazareth Fernandes e a uma troca de opiniões num café à tarde a intuição de
que a escultura simulasse um Ómega.
35
José Manuel, Eros, in Eros, revista literária fundada e dirigida por José Manuel, nº. 1 (Abril 1951) - nº
15 (Dezembro 1958), I, 17.
36
José Manuel, Uma história triste, in Eros VIII (Fevereiro 1955), op. cit.
46
27. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de Lisboa.
29. José de Almada Negreiros, painel do portal da entrada secundária da Casa. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008. http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081126N1yIE8zf0Ej96QN9.JPG
(_CCC4559.tif)
A entrada esotérica surge em cariz côncavo face à varanda, cuja convexidade está em
contraponto com a plataforma análoga no piso inferior. O aspecto aberto e ondulado das
duas varandas não só contribui para desmentir a austeridade do bloco ortogonal do
edifício, mas também remete para a raiz mitológica da iconografia do vitral e dos
azulejos que o decoram, assim como alude ao significado oculto e hermético da
48
Quando nasceu Afrodite, os deuses banquetearam-se e, entre eles, estava Poros (o Expediente), filho de
Métis. Depois de terem comido, chegou Pênia (a Pobreza) para mendigar, porque tinha sido um grande
banquete, e ela estava perto da porta. Aconteceu que Poros, embriagado de néctar, dado que ainda não
havia vinho, entrou nos jardins de Zeus e, pesado como estava, adormeceu. Pênia, então, pela carência em
que se encontrava de tudo o que tem Poros, e cogitando ter um filho de Poros, dormiu com ele e concebeu
Eros. Por isso, Eros tornou-se seguidor e ministro de Afrodite, porque foi gerado durante as suas festas
natalícias; e também era por natureza amante da beleza, porque Afrodite também era bela. Pois que Eros é
filho de Pênia e Poros, eis qual é a sua condição. É sempre pobre não é de maneira alguma delicado e belo
como geralmente se crê; mas sujo, hirsuto, descalço, sem teto. Deita-se sempre por terra e não possui
nada para cobrir-se, descansa dormindo ao ar livre sob as estrelas, nos caminhos e junto às portas. Enfim,
mostra claramente a natureza da sua mãe, andando sempre acompanhado da pobreza. Ao invés, da parte
do pai, Eros está sempre à espreita dos belos de corpo e de alma, com sagazes ardis. É corajoso, audaz e
constante. Eros é um caçador temível, astucioso, sempre armando intrigas. Gosta de invenções e é cheio
de expediente para consegui-las. É filósofo o tempo todo, encantador poderoso, fazedor de filtros, sofista.
Sua natureza não é nem mortal nem imortal; no mesmo dia, em um momento, quando tudo lhe sucede
bem, floresce bem vivo e, no momento seguinte, morre; mas depois retorna à vida, graças à natureza
paterna. Mas tudo o que consegue pouco a pouco sempre lhe foge das mãos. Em suma, Eros nunca é
totalmente pobre nem totalmente rico.37
37
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eros
49
30. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de Lisboa.
Do ponto de vista figurativo, o portal esotérico é um singular prelúdio à já referida obra
Começar, 1968-1969.38 Tal como na sua última obra, o autor desenha aqui as evoluções
e revoluções dum pentagrama, perceptível na sua dupla versão invertida em alto à
esquerda e à direita, enquanto atravessa momentos de invisibilidade e momentos de
grande visibilidade (linhas negras e linhas douradas), alternando um percurso linear e
anguloso, com uma passagem circular ou em espiral (linhas vermelhas e douradas). Os
fundos negros alternam-se aos campos vermelhos. A presença simultânea das três cores
remete para a alquimia dos materiais: ouro, chumbo e fogo. Mais ainda. Na peça teatral
de Almada O mito de Psique, 1949, encontramos a citação da famosa caverna do outro
mito de Platão.
A cena representa o interior duma caverna cuja entrada ao fundo é da medida duma pessoa39
38
Para uma análise do painel veja-se: José-Augusto França, Almada: o português sem mestre, Lisboa,
Estúdios Cor, 1974; José-Augusto França, "Começar", in Colóquio, Lisboa, nº 60 (Out. 1970), pp. 20-26;
José Lima de Freitas, Almada e o número, Lisboa, Arcádia, 1977; Lima de Freitas, José, Almada e o
número, Lisboa, Arcádia, 2ª ed. rev., corrigida e aumentada, Lisboa, Soctip, 1990; José de Almada
Negreiros, Ver, notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia, 1982; José Lima de Freitas, Pintar o
sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o pitagorismo e a geometria sagrada, Lisboa, Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, D.L., 1990. João Furtado Coelho, Os princípios de começar, em Colóquio. Artes, n. 100,
Lisboa, Março 1994, pp. 8-23, 75. Barbara Aniello, op. cit.
39
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, em Teatro, Lisboa, Estampa, 1971, p. 171.
50
Sócrates - Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objectos, se a considerares como a
ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu
desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo
inteligível, a ideia do Bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la
sem concluir que ela é a causa de tudo o que de recto e Belo existe em todas as coisas; no mundo visível,
ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é
preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.40
A JOVEM - Olá!
Depois com a ponta da sombrinha vai cautelosamente experimentando a passagem até que entra
perdendo-se na escuridão da caverna.41
Alma gémea da Psique teatral é a Psique representada nos azulejos da varanda exposta
no lado Sudoeste da casa. Daqui em diante, a jovem sofrerá várias metamorfoses: de
Psique em mulher de Cabaret, de mulher de Cabaret em Colombina, de Colombina em
Mãe. Por sua vez, Eros torna-se Arlequim e, de Arlequim, Pai.
O diálogo entre as personagens da peça almadina é um críptico ritual de iniciação entre
mestre e discípulo, nomeadamente Eros e Psique, acerca da gnose ou filosofia do
Conhecimento.
41
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., pp. 172-173.
42
Ibidem, p. 174.
43
Barbara Aniello, op. cit., p. 344.
52
Além disso, Almada dá-nos, noutros espaços da sua escrita, a chave da motivação da
sua escolha cromática, tal como acontece em particular na célebre Cena do Ódio:44
“Sou vermelho-niagara dos sexos escancarados nos chicotes dos cossacos!”,
“Pajem loiro”,
“Amarelo-múmia”,
“Resto de cedros e Fumo de cinzas”,
“Vulcão pirotécnico com chuvas de ouro”.45
Como nos sulcos gravados na pedra do painel da Gulbenkian, estes traços coloridos,
desenhados por Almada no azulejo da entrada dos aposentos privados do proprietário da
casa, veiculam um significado particular: na obra pública representam as revoluções
planetárias da estrela Vénus; na casa privada encarnam a luz da Gnose ou, melhor, a luz
que ilumina o sujeito que atinge a Gnose, em outras palavras Psique. Da exegese dos
textos almadinos, conclui-se que as linhas coloridas do portal esotérico não são mais
que um retrato luminoso do “conhecível” (do que se pode conhecer) e do “conhecedor”
(do sujeito que conhece). A decoração do portal revela-se assim uma abstracção lírico-
geométrica de cariz gnoseológico, à procura dos fundamentos do saber.
O fundo preto do painel de azulejos remete para o mito da caverna platónica e, como
tal, o conhecimento das coisas sensíveis, ou Doxa, é apenas uma sombra da ideia
arquetípica. O iniciado deve passar pelas trevas da imanência, para atingir a luz da Ideia
na sua transcendência. Mais ainda: a cor negra, na estética do proprietário da casa,
ocupa um lugar especial:
É o escuro, é o negro,
é a côr que se não vê! …46
Anjo ou demónio, não sei quem és, não sei quem sou. Em ti, e em mim, o bem e o mal, a beleza e a
fealdade, a verdade e o êrro não surgem como um conflito, - formam uma harmonia, uma unidade. Só há
perversão no que é inautêntico. E tu és pura na tua miséria, na tua grandeza, - és o meu anjo negro, o meu
demónio branco. E eu sou puro na minha miséria, na minha grandeza, - sou o teu anjo negro, o teu
demónio branco.47
44
José de Almada Negreiros, Obras Completas, Poesia, vol. I, Obras Completas, Imprensa Nacional
Casa da Moeda, Lisboa 1986-1993, pp. 47-66.
45
Idênticas policromias encontram-se no painel Começar. Almada quis colorir os riscos gravados na
pedra, segundo uma decisão final dele (França, José-Augusto, Almada: o português sem mestre, Lisboa,
Estúdios Cor, 1974, p. 177). Além de fornecer uma razão didáctica, como orientação na floresta dos
riscos geométricos, estas faixas de cores constituem uma linguagem cifrada, uma mensagem críptica,
esculpida na pedra, semanticamente densa de alusões. De uma leitura teosófica da obra almadina, com
base na carta teosófica das cores, editada por Besant e Leadbeater num texto de 1901, infere-se que o
percurso da estrela se inicia em Começar, pela descida no orgulho e na cólera e, depois de ter superado a
obscuridade da malícia, conhece o brilho dourado do intelecto audaz. Cfr. Barbara Aniello, op. cit., p. 350
e segg.
46
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp.105-106.
47
Ibidem, p. 61.
53
A procurada ambiguidade entre Luz e Trevas, Visível e Invisível, Bem e Mal, Anjo e
Demónio, reflecte o universo filosófico de José Manuel, em busca dum equilíbrio entre
os opostos. O eterno devir, o escorrer do tempo e a contínua transmutação dos seres
estão relacionados com o conceito de Metamorfose.
Psique, cujo mito ocupa os capítulos centrais das Metamorfoses de Ovídio, é emblema
da alma em perpétua mudança espiritual. Este conceito se reflecte na escrita de José
Manuel:
Há uma transformação das imagens. Modificam-se permanentemente. É impossível fixá-las. Do mesmo
modo, a realidade obedece a uma contínua transformação. E a própria consciência é um processo de
sucessivas metamorfoses. Deste modo, há três movimentos no personagem, - o movimento de fora, o
movimento de dentro e o movimento da consciência. De tudo isto resulta um ritmo. E esse ritmo é ainda o
ritmo da vida...48
48
Ibidem, p. 33.
49
Jorge Nemésio, Cultura comunicação e transposição, in Eros I (Abril 1951), op. cit.
50
Agostinho, De vera religione XXXIX, 72, in Augustinianum XXXVIII, I, 1998 [itálico nosso].
54
E por Almada:
Todas as coisas do universo aonde, por tanto tempo, me procurei, são as mesmas que encontrei dentro do
peito no fim da viagem que fiz pelo Universo.52
51
José Manuel, Tema e variações, Tipografia Ideal, 1950, p. 13.
52
José de Almada Negreiros, Confidências, em A invenção do dia claro, II parte, em Obras Completas,
Poesia, p. 171.
55
É nas paredes dos aposentos de José Manuel, contíguas à sua biblioteca privada, que
reencontramos o duplo pentagrama pintado, desta vez, com a ponta virada para cima e
com o vértice rayonnant.
31. e 32. Antecâmara da Biblioteca privada de José Manuel. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
53
José Manuel, Transfigurações, dedicado a Eduardo Viana, in Eros V-VI (Outubro 1953), op.cit., V-VI,
8.
54
Cfr. Barbara Aniello, op. cit., p. 338.
56
36. José de Almada Negreiros, Começar, baixo-relevo em pedra, 2.310 x 12.870, ass., dat., Átrio da
Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção da Fundação Calouste Gulbenkian, reproduzida em Almada
Negreiros, Obra Plástica, curadores Arq. José de Almada Negreiros, Rui Guedes, Bertrand, 1993, n. 111.
Fotografia de António Homem Cardoso.
http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/images/comecar.jpg
No seu percurso, Almada fez duas operações fundamentais e opostas: pôs no centro do
seu Cosmos regenerado o homem perfeito, a figura humana, espelho davinciano das
proporciones divinas e depois anulou essa referência concreta, tangível, substituindo a
figura leonardiana pelo Pentagrama antropomórfico.
Esta posição do Homem no esquema simbólico corresponde ao «homem verdadeiro», expressão máxima
das possibilidades inerentes ao homem como homem, nível onde se completam os chamados «pequenos
mistérios»; corresponde, ainda, ao grau de mestre das iniciações profissionais, tais como as dos
construtores das catedrais da Europa. Compasso e esquadro, «Céu» e «Terra», círculo e quadrado,
encontram no «homem verdadeiro» o termo médio de conciliação e fusão: o «arquitecto» surge, pois,
revestido da qualidade de iniciado capaz de reconstituir o modelo do Universo onde os dois princípios
incomensuráveis se casam, ou ainda de «artista» - no sentido alquímico do termo - operando a união do
círculo e do quadrado numa figura única, a verdadeira «quadratura do círculo».55
Em segundo lugar, para expiar a culpa por ter visto o vulto de Eros. Psique, atrevida
observadora de Eros, é constrangida por Vénus, numa das suas provas de
purificação, a percorrer as trevas do Mal. Mas na sua queda, também, vislumbra-se a
queda de Prometeu, de Ícaro, de Lúcifer: ela cai, para ressurgir à luz do intelecto.
55
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 125-127.
56
Apuleio, Metamorfoses, in De Sousa, Eudoro, Quem vê Deus, morre, op. cit., pp. 7-8.
58
57
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., p.172.
59
É, de facto, nas entranhas da terra que reencontramos Psique, unida ao seu mestre-
parceiro, no vitral58 que originariamente ornava a janela da Biblioteca do proprietário,
virada não exactamente a poente, como já foi afirmado, mas sim a noroeste.59
37. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da Assembleia da República,
Residência Oficial do Presidente, fotografia de Barbara Aniello, publicado em Barbara Aniello, As
metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos,
revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
Portugal define-se no extremo sudoeste, fazendo parte integrante do ocidente e do sul da Europa,
60
exactamente SW.
58
A reprodução aqui publicada foi feita pela autora e foi autorizada pelo Museu da Assembleia da
República. Uma outra reprodução desta obra encontra-se na página 10 do catálogo: AA.VV., Leilão de
Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya, Palácio do Correio Velho, Lisboa, 2000, que
se refere a ela, com o n.º 547, intitulando-a A queda de Ícaro.
59
Devo ao arquitecto Hugo Nazareth Fernandes a sugestão de levar in loco uma bússola com a qual aferi
a orientação da Casa e do vitral, podendo assim confirmar a correspondência entre a obra e os textos da
revista Sudoeste.
60
José de Almada Negreiros, SW: Sudoeste: cadernos de Almada Negreiros, admin. Dário Martins,
Edição facsimilada, Contexto, Lisboa, 1982, n. 1, p. 5.
60
38. José de Almada Negreiros, Portugal no mapa da Europa, publicado em SW: Sudoeste: cadernos de
Almada Negreiros, admin. Dário Martins, Edição facsimilada, Contexto, Lisboa, 1982, n. 1, p. 2.
Tal como na sua revista SW, Almada estabelece no vitral as coordenadas para apontar
ao lugar e ao destino da sua Nação, futura herdeira do Quinto Império, segundo a linha
filosófica que vai de padre António Vieira até Fernando Pessoa.
Este paralelo entre obra figurativa e literária é uma constante da produção artística
almadina.
39. Posição do vitral com respeito à imagem de Portugal no mapa da Europa de José Almada Negreiros.
40. e 41. Casa da Rua Alcolena, chaminé fingida e canteiro. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
Por outro lado, é a revista Eros, fundada por José Manuel, a fornecer, mais uma vez, a
chave interpretativa e a motivação da escolha da localização do Vitral,
61
Devo ao Arquitecto Hugo Nazareth Fernandes esta observação neste contexto.
62
Fernando Guimarães, Poesias, in Eros II (Outubro 1951), op. cit.
62
Aqui, sem véus, e sem nenhum revestimento teatral, Psique e Eros estão representados
nus, de acordo com o mito e com a escrita de Almada:
Ele apresentou-nos nus um ao outro. O Acaso, a deus desconhecido,
a expectativa de todo o instante, e que não tem outra ambição que a
da mesma sorte, outra vida que a própria Harmonia, foi p’ra mim
mais luminoso que o próprio sol: ambos nus a primeira vez que nos
vimos e sem sinal das nossas condições no mundo. Reconheço aqui
a linguagem dos deuses na voz do Acaso.63
De resto, estamos num espaço privado e num ambiente particularmente íntimo da vida
do poeta, filósofo e compositor José Manuel, tratando-se do seu hortus conclusus,
reservado à leitura, ao estudo, à escrita e à recepção de poucos amigos cuidadosamente
escolhidos.
Eu queria amar-te para além de todas as perplexidades, de todas as interrogações….
Princesa ou pastora, humana ou divina, queria-te nua, sem artifícios, sem véus, sem máscaras.65
63
José de Almada Negreiros, Obras Completas, Teatro, vol. VII, op. cit., p. 220.
64
José Manuel, Eros, in Eros I (Abril 1951), op. cit., n. I, 15.
65
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 40.
66
O primeiro estudo sobre o vitral deve-se a Cátia Mourão, Contributo para a análise iconográfica de um
vitral de Almada Negreiros, in Revista de História da Arte, n.º 3, Abril, 2007, Instituto de História da
Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, pp. 269-279.
Veja-se também: AA.VV., Leilão de Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya, op. cit.,
p.10, que se refere à obra com o título de A queda de Ícaro.
63
42. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, aguarela e lápis sobre papel, 16 x 56, n. ass. e n. dat., Col.
Jorge de Brito, publicada no catálogo Almada: a cena do corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém
(de 27 de Outubro de 1993 a 15 de Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 227. Fotografia de Victor Branco e
Campiso Rocha Henriques Ruas.
43. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, estudo para o painel decorativo da residência do Arq.
António Varela, Encosta da Ajuda, Óleo sobre papel, 655 x 3020, n. ass. e n. dat., colecção particular,
Lisboa, publicado no catálogo Almada: a cena do corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27
de Outubro de 1993 a 15 de Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 227. Fotografia de Victor Branco e Campiso
Rocha Henriques Ruas. Republicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo curado por
Rui Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 191.
Almada funde dois momentos-chave do mito: quando Psique contempla o vulto de Eros
através da luz da lucerna, transgredindo a interdição, e quando, por sua vez, Eros
67
As fotografias destas duas obras Eros e Psiquê, estudo para o painel decorativo da residência do Arq.
António Varela, Encosta da Ajuda, Óleo sobre papel, n. ass. e n. dat., colecção particular, Lisboa e Eros e
Psique, aguarela e lápis sobre papel, n. ass. e n. dat., Col. Jorge de Brito, foram retiradas do catálogo
Almada: a cena do corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27 de Outubro de 1993 a 15 de
Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 227. Em particular, o estudo em aguarela foi exposto e publicado no
catálogo da Exposição Almada, curado por Margarida Acciaiuoli, patente no Centro de Arte Moderna da
Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, com o número
435.
64
desperta a sua amada do sono infernal. Estas são as duas circunstâncias críticas do
drama. O primeiro acto custará a Psique a queda, o segundo valer-lhe-á a apoteose.
O aprofundado estudo do mito em chave alegórica, por parte de Almada, está
documentado na citada peça teatral, O mito de Psique, onde Eros não só cumpre várias
tentativas de acordar a mulher, mas simultaneamente lhe relembra, como numa
analepse, o passado atrevimento, aludindo à actual troca de papéis.
Ela deixa cair a cabeça desamparadamente. Ele montando-a animalmente a cavalo, toma-lhe a cabeça
com ambas as mãos e sacode-lha enquanto fala para os lábios dela.
ELE - Mulher, vence o teu sono! Suspende a tua fragilidade! Entende plos meus olhos o que viste
com os teus. Eu falo-te da raça sagrada da mestiçagem dos deuses e humanos que vivem por amor. Por
amor. Por amor.
Tu, mulher minha, que me espiaste pra teres mais certeza prò nosso casamento do que fé no teu
amor, ouve o sangue e a divisa da nossa raça: por amor, por amor, por amor. Tu és da nossa raça, mas o
mundo tem-te. O mundo não é senão casa de humanos e não fecha o espaço todo dentro de si. Olha o que
viste! Foi-te dado olhares, vê! Vê que não te é dado veres senão a ti mesma, não somos deuses, eles
sabem estar sòzinhos, mas vê por eles como hás-de olhá-los pra ficares sozinha, tu.
ELA - Por amor.
ELE - Sim. Por amor. Mulher minha, não te deixes vencer nem por mim, vence tu, respeita o nosso
casamento. Faz como eu por ser igual aos que sabem estar sòzinhos, única diferença sagrada entre
humanos.
ELA - (Conseguindo juntar as mãos.) Que queres que eu te diga, homem? Eu não sei nada de nada,
senão, que estou cheia de espanto e de medo!
Ele retira-se da posição, afaga-lhe as faces com carinho, beija-a na testa e fica de pé ao lado do
divã.
ELE - Também eu não sei nada de nada, nem nada que eu desejei saber, alma da minha alma. Por amor é-
me bastante. Mas tu viste: tens que ver o que viste! É com espanto e com medo que estas coisas nos
servem.
68
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., pp. 176-177.
65
Assim, na Alquimia do sonho, José Manuel descreve a união andrógina do casal unido
no intuito de um recíproco despertar do mundo onírico.
Não sei se me pertences
Não sei se me possuis
Sei que estamos fundidos
Na mesma grande dor70
ELA - Não sei se existo se sonho: sinto-me como fechada dentro de tudo que é teu, e sem eu ter
trazido nada que me pertença
69
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 36.
70
José Manuel, Eros, in Eros I (Abril 1951), op. cit., I, 21.
71
Ibidem, I, 22.
72
Ibidem, I, 34.
66
O divino humaniza-se e o humano diviniza-se, como diz Almada, nas palavras de Eros.
O mito, narrado no Banquete de Platão, descreve o andrógino como filho não do sol,
como os homens, não da terra, como as mulheres, mas da lua. Os andróginos,
participando de ambas as naturezas, masculina e feminina, atreveram-se a projectar a
escalada ao Olimpo, mas Zeus, por punição, separou cada um deles em duas metades,
dividindo-os para sempre. Desde então cada metade está em permanente estado de
insatisfação e procura eternamente a outra metade. Encontrado o “outro” a procura
termina e homens e mulheres fundem-se numa completa e recíproca união.
Almada persegue a ideia unitária do Andrógino, cujo mito é uma das mais recorrentes
ekphrasis do seu corpus, estando presente desde a sua partida para Paris, neste Par de
1920,
44. José de Almada Negreiros, Par, 1920, Lapis e aguarela sobre papel, 293 x 228 mm., col part., Lisboa,
Expo. CAM., cat. 8. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha Henriques Ruas, publicado também
em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 69.
Fotocompográfica, Lda.
45. José de Almada Negreiros, Ilustração para La Raquete japonesa, cuento de Ramón Gomez de la
Serna, 1929, publicado no jornal La Esfera, 26 de Outubro de 1929, pp. 14-15, Madrid, BN Z 6557,
reproduzido em Almada o escritor, o ilustrador, catálogo coord. Manuela Rego, Lisboa, 1993, p. 173.
Fotografia de Luís Carlos.
nos acrobatas e arlequins dos anos ‘20-‘40, que passam duma posição de faces
encostadas
67
46. José de Almada Negreiros, Arlequim e Columbina, 1940, 42 x 30, tinta da china sobre papel, ass. dat.,
col. Miguel Veiga, Porto, fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão, publicado no catálogo
Almada, Expo C.A.M., 1984, [s.l.]. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha Henriques Ruas.
47. José de Almada Negreiros, Arlequim e Columbina, 1938, Aguarela, tinta da china, lápis sobre papel,
533 x 452 mm., ass., dat., col. Arq. Carlos Tojal, Lisboa, fotografia publicada em Vieira Joaquim,
Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 9, Fotocompográfica, Lda.
48. José de Almada Negreiros, Encontro, 1937, desenho para o livro de poemas inédito, BN J. 4349M,
publicado em Almada o escritor, o ilustrador, catálogo coord. Manuela Rego, Lisboa, 1993, p. 79.
Fotografia de Luís Carlos.
68
49. José de Almada Negreiros, Par dançante, pormenor do painel da varanda do 2º piso da Casa da Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicado em Barbara Aniello, As metamorfoses
de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista
semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais,
Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650.tif)
50. José de Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso da Casa da Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicado em Barbara Aniello, As metamorfoses
de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista
semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais,
Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4602.tif)
Mulheres e homens são duas metades da humanidade – a metade masculina e a metade feminina.73
De qualquer modo era preciso recomeçar, voltar outra vez ao princípio, à inocência primeira. Era preciso
que eu abdicasse, que tu abdicasses, que nos fundíssemos num único corpo, numa única alma, e que o
mundo se fundisse connosco, sem crítica, sem análise. Era preciso que a oportunidade viesse, e que tu não
a perdesses, e que eu não a perdesse...74
Tal como Almada, José Manuel reitera também no desenho a efígie do mítico ser, como
acontece nas capas, desenhadas pelo autor, de As quatro Estações,
73
José de Almada Negreiros, A invenção do dia claro, em Manifestos e Conferências, op. cit., p. 57.
74
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 36-37.
70
51. José Manuel, capa para As Quatro estações, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1963, desenho do autor.
Reprodução de Barbara Aniello.
e de Alquimia do Sonho:
52. José Manuel, capa para Alquimia do sonho: romance poemático, 1952, Biblioteca Nacional de Lisboa,
desenho do autor. Reprodução de Barbara Aniello.
Em particular, esta última prova o processo de fusão in fieri de dois seres num só. É
como se assistíssemos em directo, como pelo efeito flou de sobreposição das lentes
cinematográficas, à junção do Dois no Um, à mistura das identidades, à união dos
opostos. Estes conceitos filosóficos são bem exemplificados pelo desenho que, partindo
da apresentação justaposta de dois seres separados, brota numa terceira imagem, criada
por sobreposição de alguns simples, estilizados pormenores anatómicos: os narizes
71
tornam-se cabelos, as faces nariz. Uma aura apurada em espiral circunda os seres, de
dois reduzidos a um. A importância do texto na leitura da casa é fundamental e dá-nos
também o espectro dos interesses do proprietário, que terá tido provavelmente
influência nas escolhas estilísticas e iconográficas dos artistas. Na poesia Balada
assiste-se a uma verdadeira alquimia metamórfica da alma e do corpo nos quatro
elementos: ar, fogo, água, terra. Mais do que uma partilha de identidade ou uma fusão
de sexos, trata-se aqui de uma passagem de estados. Corpo e alma tornam-se
alternadamente matéria líquida, sólida, gasosa, abnegando a própria natureza.
BALADA
Vieste tu
e roubaste-me a alma;
vieste tu
e roubaste-me o corpo;
vieste tu
e tiraste-me a mim próprio.
Depois…
na tua voz,
foi néctar
nos teus lábios,
foi sonho
na tua alma;
depois. . .
José Manuel volta ao arquétipo platónico para se apoderar da ideia de coexistência dos
opostos, tornando-o sinónimo de ser perfeito, auto-suficiente e completo.
TEMA E VARIAÇÕES
Tu és presente em tudo
o que pensas e sentes
Porém, em ti não há
lugar para mais nada.
Estás completo em ti mesmo
e enches o mundo todo.76
Neste sentido, a poesia datada de 1950, um ano antes do projecto da casa, é muito
significativa para a leitura do seu programa iconográfico, reflectindo sobre o alquímico
ideal da coincidentia opositorum e a sua ultrapassagem num contexto de contínua
metamorfose (tema e variações) e de busca da alma, evidenciada na epígrafe,
significativamente assinada por Fernando Pessoa.
O tema do equilíbrio dos opostos, ligado ao Amor e ao Conhecimento, é repetido
noutros espaços da sua poética:
PRIMEIRO RETRATO
Em literatura, o pior vício é a definição, a delimitação dos personagens…. Não é possível definir-te,
delimitar-te. Mas há mais. Tu não foste para mim um conhecimento, - mas uma vivência, um sentimento,
uma intuição…
Foste para mim qualquer cousa de vago, impreciso, e simultâneamente concreto, absoluto, - silêncio e
música, distância e proximidade, - todos os contrários, desde fora e desde dentro.77
Ecos deste conceito platónico do Amor encontram-se nos colaboradores da revista Eros.
Filosofia engloba em si o ser e o conhecer. A “gnosia” não é mais do que o veículo intermediário que
permite atingir os “ontos”, como etapa final de toda a filosofia.79
“o espírito, como síntese dialéctica conseguida através da “gnosia”, interpenetra-se estreitamente com o
“ontos”, a vida, pelo seu carácter de vivência. A filosofia não pode ser, portanto, outra coisa senão uma
expressão de cultura, desenvolvimento dialéctico e expressão sintética de vida no espírito.80
75
José Manuel, Sargaços, Coimbra Editora, Coimbra, 1947, pp. 47-46.
76
José Manuel, Tema e Variações, op. cit, p. 20.
77
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 25-26.
78
Jorge Nemésio, Esboço para uma filosofia expressão de uma cultura, em Eros III-IV (Dezembro
1952), op. cit.
79
Ibidem.
80
Ibidem.
73
O binómio Amor e Morte, Eros e Tanathos, aparece citado nas multíplices vozes da
escrita de Almada:
O amor não teme a morte, teme não ter estado na vida.83
81
Eudoro de Sousa, op. cit., pp. 1-17.
82
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, in Teatro, op. cit., p. 178.
83
Ibidem, p. 179.
84
José de Almada Negreiros, Deseja-se Mulher, in Teatro, op. cit., p. 23.
75
O tema do começo, o mito da origem, percorre toda a produção plástica, poética, teatral
de Almada e, como já dissemos, o painel Começar, seria a representação concreta deste
eterno início e desta contínua iniciação.
Psique, portanto, confessa ter renascido na visão de Eros, mas, ao mesmo tempo, fica
cega: se a morte coincide com a visão, a renascença está ligada à cegueira.
Nutre a alma de todos os povos a crença de que só a morte paga o alto preço da contemplação da
divindade: «quem vê Deus, morre», dizem os remotos Séculos, pela voz do povo. Mas há uma alternativa:
«quem vê um deus, morre ou.., cega!». Esta variante, genuinamente grega, da crença universal, nasceu na
religião, desenvolveu-se na poesia, floresceu na filosofia.86
Por isso mesmo, a Psique do vitral, a figura deitada, é apagada, enquanto Eros aparece
aceso, iluminado, cintilante no vitral.
Em perfeita consonância com Almada, José Manuel escreve:
Queria-te morta para te amar em futuro e viver-te em passado.89
Tempo e espaço anulam-se pela Alma que conhece o Amor, bem como se apagam os
confins entre vida e morte,
Eras tu que revivias em mim ou eu que revivia em ti? A união dos corpos e das almas, fora do espaço,
fora do tempo, teria sentido? 90
O proprietário expressa por palavras o mesmo ideal realizado pelo artista em imagens.
De tal maneira à perfeita união corresponde a perfeita confusão e fusão do eu no tu:
E a tua solidão recebeu-me como se eu fosse uma Outra imagem de ti.93
E ainda:
Aconteceste em mim e eu encontrei-me em ti.94
92
Ibidem, p. 22.
93
Ibidem, pp. 25-24.
94
Ibidem, p. 26.
77
A data e a dedicatória da poesia, não podem ser ignoradas num contexto como o do
edifício da Rua de Alcolena, construído em torno do tema da visão e do conhecimento e
decorado por um artista que pertenceu à geração de Orpheu.
O tema da iluminação é estritamente conexo com o da visão.
A biblioteca de José Manuel torna-se, nesse sentido, uma metáfora do Amor e da sede
do saber, que passa através do apagamento dos sentidos, em particular do olhar (órgão
físico), e origina na alma do iniciado uma segunda vida, graças à vista interior (órgão
psíquico). Como no pôr-do-sol, neste vitral sul-ocidental, entrevê-se simultaneamente
uma morte e uma potencial renascença, um apagamento e uma iluminação.
Uma reverberação deste status místico e suspensão estática encontra-se na produção
literária do proprietário da casa e principal fruidor deste espaço privado:
Vendaram-me os olhos. Ceguei, apesar da dolorosa experiência de todos os dias. Aqui, pelo menos, não
sofro. Tudo me é indiferente. Permaneço longe. Quem sou, - o que penso, o que sinto, - deixou de existir.
Perdi consistência. Sou apenas o instinto agindo obscuramente96
De resto o oculto está interligado com o Amor, num contexto místico-sagrado como o
da Biblioteca que acolhia o vitral.
95
José Manuel, Cantata, Tip. Ideal, Lisboa, 1950, p. 14.
96
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 12-14.
97
Ibidem, pp. 17-14.
78
Ocultamente, secretamente sagrei o meu amor… Sei que não exististe como eu te sonhei. Sei que não
descobri o teu segredo. No entanto, ocultamente, secretamente sagrei-te o meu amor.98
Mas, mal aconselhada pelas suas irmãs, é levada pela sua curiosidade a espiar o seu
objecto de Amor. Na peça teatral Psique cumpre por duas vezes este acto transgressivo:
quando espreita pelas portas da caverna, pelas simbólicas portas do conhecimento, o
rosto da mãe do seu amante, e na alcova com o seu amado, como lembra o próprio Eros:
ELE - Seguiste-me. Espiaste-me. Quiseste mais certeza de mim do que segurança em ti.
53. José de Almada Negreiros, Desenho, 1940, publicado no catálogo da exposição Almada, curada por
Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14
de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.
Não por acaso aqui Eros, dialogando com a mãe Vénus, é vestido de arlequim e é
espiado por uma Psique que espreita por detrás duma grande tela-caverna.
Reencontraremos análogos Eros/Arlequins disseminados nas paredes da residência.
Não por acaso Almada substitui a caverna pela tela, sendo para ele o desenho a primeira
e privilegiada forma de conhecimento.
Os olhos são para ver e o que olhos vêem só o desenho sabe.100
98
Ibidem, p. 57.
99
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, em Teatro, op. cit., p. 178.
100
José de Almada Negreiros, Auto-retrato, com dedicatória “Ao meu amigo Mário ribeiro”, Sintra,
1926, col. Part., lisboa, expo. Cam. 84 cat. N. 29.
79
Primeiro o saber passa pelos olhos, depois é o desenho que recolhe esta ciência visual e
a mostra.
80
Na alquimia dos opostos até mesmo os conceitos de Sabedoria e Dúvida estão reunidos,
algo que não espanta num contexto mítico-filosófico como o da Casa, cuja inspiração
platónica é evidente. Numa espécie de socrático-cartesiano duvido ergo sum, textos
literários e figurativos entrelaçam-se na moradia do Restelo.
Podes descrer de tudo,
de tudo podes duvidar.
Só não podes descrer
nem duvidar daquilo que és.103
101
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 31.
102
José Manuel, Primeiro livro de odes, Tipografia Ideal, Lisboa, 1950, p. 23.
103
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 30.
81
Na sua iniciação ao Amor e à Gnose, Psique é instruída por Eros sobre os mistérios
socráticos do auto-conhecimento. Se ver é saber, saber é ter visto e, por consequência,
ter visto é lembrar, de acordo com a teoria da metempsicose platónica:
ELE - Não te ensino nada. Longe de mim que aprendas comigo. Tu sabes isto de nascença. Eu só to dou a
ver: que sejas tu a vê-lo!
ELE - O mundo tem de facto a sua sabedoria e esta é fácil de saber, mas é anónima apesar de ter imolado
tanta gente. O difícil é o nosso, o de cada um: conhecer-se a si mesmo. E uma pessoa não tem mais tempo
do que este: conhecer-se a si mesmo. Como pode alguém parar de conhecer-se se as suas idades o mudam
constantemente?105
Na versão teatral do mito, Almada interpreta a dúvida de Psique como causa da sua
segunda morte. Depois de ter duvidado,
ELA - Mas se eu o não conseguisse?106
suscitando a ira e o desaparecimento de Eros, Psique morre de novo. Mais uma vez,
antes de desaparecer, Eros lança um anátema à amada, culpando-a da sua cegueira:
O súbito desaparecimento de Eros provoca uma solidão e uma dor inefáveis na Alma
que, apesar de continuar viva, conhece a morte:
ELA - Custa-me tanto a estar sozinha. É como se tivessem parado todos os relógios do mundo, e o sol, e
afinal fui eu só que parei desde que ele desapareceu. Ninguém me preveniu de que também havia esta
morte de não passar o tempo em vida.
Consequência deste abandono é a extenuante procura de Eros, por parte de Psique. Por
outras palavras, é a dúvida que desencadeia a busca do Amor pela Alma. Sem o Amor,
ela está condenada ao limbo:
sem estar no humano
sem estar no divino
sem lugar na vida
104
Ibidem, p. 35.
105
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., p. 180.
106
Idem.
107
Ibidem, p. 181.
82
A transformação das imagens no eterno fluir das coisas, no alquímico devir da vida,
coincide com o significado unitário das diferentes formas que Psique encarna ao longo
deste percurso. Na raiz das suas atribulações está o seu pecado. Ela aparece-nos em toda
a sua ambiguidade, semelhante, mas ao mesmo tempo diversa de Eva. Os seus olhos
abrem-se, como os da progenitora, e com eles abre-se a via do conhecimento que torna
Psique, assim como Eva, igual aos deuses.
Scit enim Deus quod in quocumque die comederitis ex eo aperientur oculi vestri et eritis sicut dii scientes
bonum et malum.111
Tanto na bíblia, como nas fontes clássicas, o acto da visão coincide com o da sabedoria.
Almada, que é um modernista com alma de renascentista, herda esta crença e afirma a
prioridade do acto da visão na polifonia da sua escrita e da sua arte.
Foi a própria natureza que pôs a vista ao alto dos cinco sentidos, e a seguir o ouvido, a meia distância da
vista e do olfacto. Esta primazia da vista é a natural do homem.112
108
Idem.
109
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 40.
110
Ibidem, p. 43.
111
“Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele [do fruto] comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis
como deuses, conhecedores do bem e do mal.” Bíblia, Génesis, 3:5.
112
José de Almada Negreiros, Ver, op. cit., p. 76.
113
Ibidem, p. 197.
83
O desejo do conhecimento passa, portanto, pelo desejo da visão. Estes olhos tão ávidos
de imagens, como eram os olhos de Almada desde a sua infância,116 encontram no mito
de Eros e Psique uma alegoria e um símbolo da visão clara e elucidada do homem
renascido e regenerado na escola de Amor.
O binómio Eva-Psique tem um interessante paralelo cromático na parede da Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa.
54. José de Almada Negreiros, Expulsão de Adão e Eva do paraíso, Fachada da Faculdade de Letras,
Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.
http://ic2.pbase.com/o4/21/4921/1/99280202.IfcMWBYS.Lisboa_Cidade_Universitaria1426.jpg
Aqui, Eva é dourada, enquanto Adão é cor-de-rosa. Tal como a figura despertadora do
vitral que assume a cor dourada da iluminação, Eva, sendo fautora da sua própria acção
gnoseológica, desencadeia o Conhecimento superior, colhendo o fruto do saber, do
114
Cfr. infra, nota n. 86.
115
Eudoro de Sousa, op. cit., p. 14.
116
O episódio é contado in Conversas com Sarah Affonso, de Maria José de Almada Negreiros, Arcádia,
Lisboa, 1982, p. 38: “Um dia, era o Zé pequeno, ia a correr por um desses corredores e quando deu a
curva, esbarra com o director que o agarrou assim pelos ombros «diz-me uma coisa. Eu tenho 360 alunos,
e todos têm os olhos na cara, porque é que tu tens a cara nos olhos?!». Almada foi desde então apelidado
“o menino d’olhos de gigante”. Mesmo Almada brincava com a sua alcunha, como atesta a epígrafe do
seu poema O menino d’olhos de gigante: “Dizem que sou eu o menino d’olhos de Gigante, e eu juro pela
minha boa sorte que não sou só eu”, Outubro, 1921, publicado em Contemporânea, Grande Revista
Mensal, dir. José Pacheco, edit. Agostinho Fernandes, ano 1, nº 3, p. 150.
84
Conhecimento do Bem e do Mal. Por isso Eva é dourada, enquanto Adão é cor-de-rosa.
O homem, que tem na figura deitada e dormente do vitral o seu alter-ego, é passivo,
sofre e padece a acção. Por isso Almada adopta a cor mais apagada entre as cores que
compõem a chama do conhecimento.
85
Este poema, dedicado a Almada Negreiros, autor do vitral, precede em sete anos o
primeiro projecto da casa e, significativamente, alude ao ponto cardeal que albergará a
obra. Particularmente indicativo é este contraste entre sombra e luz, resolvido no
encontro e na fusão do escuro e do branco que trocam de lugar um com o outro. Depois
do abandono, a alma vai em busca do amor, mas em vão. A sombra cai e o “eu” cega.
Indicativa duma sensibilidade à luz e à procura da fusão, expressas no vitral, esta poesia
alude veladamente ao Mito de Psique.
Uma função especial desempenharia a lucerna no vitral, significativamente ressaltada
pela cor verde:
«Especialmente instrutiva é a relação da lâmpada com Psique. No mito, atribui-se à lâmpada uma função
que nos esclarece acerca do respectivo lugar nos «Mistérios»...118
117
José Manuel, As Primeiras Canções, Portugália Editora, Lisboa, 1944, pp. 125-126.
118
Eudoro de Sousa, op. cit., p. 14.
86
119
Cfr. infra, p. 13.
120
José Manuel, Primeiro livro de odes, op. cit., p. 14.
121
José de Almada Negreiros, Cena do Ódio, op. cit., p. 48.
122
José de Almada Negreiros, Invenção do Dia claro, ms., Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio
Almada Negreiros, N. 15/1.
87
55. José de Almada Negreiros, Invenção do Dia claro, ms., Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio
Almada Negreiros, N. 15/1. Depósito da Biblioteca Nacional de Portugal, 2007.
http://images.google.pt/imgres?imgurl=http://purl.pt/13858/1/imagens/a1c/107_n15-
1_0001.jpg&imgrefurl=http://purl.pt/13858/1/geneses/1/3-
107.html&usg=__OV1_m_IBYWYxgAT7Aqc3DqZQG3A=&h=539&w=379&sz=43&hl=pt-
PT&start=1&sig2=qQY0A3W4Pg3HdDv0ikTIXA&um=1&tbnid=feWR3N_t5-
zVOM:&tbnh=132&tbnw=93&prev=/images%3Fq%3Dalmada%2Bnegreiros%2Binven%25C3%25A7%
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PT%26lr%3D%26rlz%3D1G1TSED_ITIT318%26um%3D1&ei=W0snS52IIdWA4QbZ-oyaDQ
É a cor verde que escolhe como capa do primeiro número da sua revista Sudoeste,123
56. José de Almada Negreiros, SW: Sudoeste, cadernos de Almada Negreiros, admin. Dário Martins,
Edição facsimilada, Contexto, Lisboa, 1982, capa do nº1. http://publicacoesmaitreya.pt/files/t378
É sempre Verde a sua Hist[ória] (autêntica) para a côr branca e a côr roxa, datada de 5
de Maio de 1921124 e “verde” é a cor que Almada representa num bailado citado no
último dos manuscritos da pequena colecção e datado de 21 de Junho de 1918,125
57. José de Almada Negreiros, N.C. 5 – Invention Vert, 1918, ms., Espólio Almada Negreiros, N 15/5,
Biblioteca Nacional de Portugal, Sala Reservados. Depósito da Biblioteca Nacional de Portugal, 2007.
http://acpc.bn.pt/imagens/colecoes/n15_negreiros_almada_th.jpg
123
José de Almada Negreiros, SW: Sudoeste, op. cit., capa.
124
José de Almada Negreiros, Hist[ória] (autentica) para a côr branca e a côr roxa, ms., Espólio
Almada Negreiros, N 15/4, Biblioteca Nacional de Portugal, Sala Reservados.
125
José de Almada Negreiros, N.C. 5 – Invention Vert, 1918, ms., Espólio Almada Negreiros, N 15/5,
Biblioteca Nacional de Portugal, Sala Reservados.
88
um misto de escrita e de dança de cores, onde o olho egípcio seria uma espécie de
assinatura do artista. Entre as cores-personagens deste Club futurista, o Verde é
interpretado por Almada.
De uma cor verde amarelada, quase dourada, é a pele do Prometeu retratado no
Número, entre o Homem grego, vermelho vivo e o Renascentista, roxo. As cores do
conhecimento (vermelho, fogo vivo) e do fogo alquímico (violeta) derivam do verde-
ouro do místico corpo do Prometeu, simbolicamente representado em cruz.
Da análise da obra poliédrica mas unitária de Almada, deduz-se que a cor verde faz de
trâmite entre as esferas do Divino e Humano, do Conhecível e Inconhecível, do Visível
e Invisível. Por isso, o verde tinge o instrumento de iluminação, a candeia, ocupando
assim o fulcro físico do vitral e também o centro hermenêutico do mito nele
representado.
Voltando ao contexto onde estava colocado o vitral, é importante fazer algumas
considerações. É graças ao filósofo Eudoro de Sousa e à sua exegese do mito, que nos
apercebemos do significado do duplo Pentalfa directo, com a ponta virada para cima,
pintado na antecâmara da Biblioteca. À dupla queda de Psique, visualizada no Portal
esotérico, corresponderá a dupla ascensão de Vénus, na antecâmara da Biblioteca. Aos
dois Pentalfa invertidos fazem de contraponto dois Pentalfa regulares:
Em Psique, ascende a própria Afrodite ao grau lunar, o mais alto que a materialidade da mulher pode
atingir.126
Se a mulher, segundo o mito platónico é filha da terra, é mesmo da terra, que esta
Psique-Vénus atinge o grau lunar, próprio do andrógino, filho da lua.
O símbolo geométrico do Pentalfa é sempre associado a Afrodite. Da grafia do percurso
do planeta Vénus, através do Zodíaco, resulta um traçado geométrico absolutamente
regular: o Pentágono perfeito. Ao longo deste caminho, o planeta alterna fases de
invisibilidade e fases de extrema visibilidade, mas quando se encontra próximo do Sol
manifesta então a sua dupla natureza: é a Estrela da Manhã, dita também Phosphoros,
ou Lúcifer, mas também Estrela da Noite, Hespheros, Afrodite. Na mitologia, Vénus,
invejosa da luminosidade de Psique, ascende qual astro regenerado, depois de a sua
escrava ter ultrapassado todas as provas de expiação, inclusivamente a cegueira e a
morte. Pentalfa invertido, Pentalfa regular.
A temporária exclusão do órgão da vista é condição necessária para o Neófito alcançar
a visão interior:
126
Eudoro de Sousa, op. cit., p. 12.
89
Verdadeira ekphrasis, aflorando o plágio do vitral pela poesia, é este nocturno, pintado
pelo poeta José Manuel:
HORA VIOLETA
127
José Manuel, Transfigurações, dedicado a Eduardo Viana, in Eros V-VI (Outubro 1953), op. cit., V-
VI, 2.
128
José Manuel, Primeiro livro de odes, Lisboa, tip. Ideal, p. 37.
129
José Manuel, Princesinha descalça, Lisboa, tip. Ideal, 1962, X.
90
Aqui tudo fala na obra almadina: a indefinida amante que se “quebra em violáceos tons
de luz”, como no vidro despedaçado do vitral, a alusão aos “vitrais esmaecidos”, ao
místico “momento lilaz”, ao “sonho”, ao “esquecimento”, à coincidencia opositorum da
“harmonia desfeita”, à “ebriedade”, ao “segredo”, à separação, à união. Inspirado pelo
lugar onde compunha, o poeta traduz em poesia a imagem do recíproco despertar da
Alma e do Amor, numa atmosfera suspensa, irreal.
Uma pista interpretativa do significado que para José Manuel tinham as cores está
explícita em Viração:
É o escuro, é o negro,
é a côr que se não vê! …131
Mais uma metamorfose do Visível ao Invisível está nas cores da Íris, que acabam na
fatal escuridão do oculto. Não só José Manuel nos deixa rastos das suas preferências
130
José Manuel, Sargaços, op. cit., pp. 44-45.
131
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 106-105.
91
cromáticas, mas também nos avisa dos sentidos ocultos nas tintas: roxo-sepultura,
verde-elevação, oiro-riqueza, rosa-esplendor, emolduradas mais uma vez pelos
contrários: o baço vítreo branco transparente e o denso, invisível negro escuro. Na
procurada harmonia dos opostos o que é naturalmente visível torna-se invisível e
assiste-se a uma inesperada troca entre as qualidades e a identidade do branco e do
negro.
9.6 As medidas do vitral
Tal como afirmamos no início, a assimetria para Almada Negreiros é o lugar do
transcendente e o transcendente é “despertador dos longos letargos humanos”. O vitral
não só é assimétrico, ocupando a representação das figuras menos do que 3/5 da cena
total, mas também apela à saída do sono, da letargia, da morte, num contexto onde
Psique acorda Eros para espiar o seu vulto e, vice-versa, Eros acorda Psique, do torpor
estígio. Mais ainda: as proporções do vitral remetem para as da estrela de cinco pontas.
O conjunto, que reúne 153 pedaços de vidro polícromo numa moldura rectangular,
dividida em 5 painéis, verticalmente ritmados, forma uma composição aparentemente
descompassada e desigual. Na verdade há uma regularidade no ritmo irregular deste
vitral: nas proporções dos painéis é legível a forma do Pentágono regular, ou Estrela de
cinco pontas. A base do rectângulo que congrega os 5 painéis está em razão áurea face
à base que liga os últimos três, que enquadram as duas figuras. O primeiro e o terceiro
painel, contando a partir da esquerda, são rectângulos áureos.132
Assim apercebemo-nos que não só os painéis, em número de 5, remetem para as cinco
pontas da estrela, mas as proporções que os governam baseiam-se na regra do número
de ouro, pela qual a estrela é construída. De facto, na figura da estrela de cinco pontas,
cada lado é dividido pelo outro adjacente, não na sua metade, mas na sua secção áurea.
Por isso a Maçonaria deu ao Pentalfa o significado particular de "número de ouro", de
"proporção áurea", de medida hermética pela qual a parte menor está em relação com a
maior, como a parte está no Todo. Da análise desta estrela descobriu-se que as relações
numéricas entre as cinco secções geométricas são reguladas segundo a série de
Fibonacci e a regra do número de ouro, cujo valor numérico é aproximadamente 1,618.
A ligação entre as partes e o Todo, o pequeno e o grande, deriva das correspondências
da dita Tábua Esmeraldina, citada por Almada na introdução à Invenção do Dia Claro:
— O pequeno é como o grande
— O que está em cima é análogo
ao que está em baixo.
— O interior é como
o exterior das coisas
— Tudo está em tudo.
HERMES TRIMEGISTA133
132
Não foi possível medir a obra, por esta estar colocada numa posição inalcançável. Faltando as medidas
reais, as minhas conclusões aguardam verificação numa ulterior ocasião.
133
José de Almada Negreiros, A invenção do dia claro, em Obras Completas, Poesia, op. cit., p. 155.
93
Mas o fascínio de Almada pela Estrela não acaba aqui. Como já vimos na sua pesquisa
teórica, ele identifica outras relações numéricas, estabelecendo um lugar para cada um
dos algarismos de 1 a 9.
58. José de Almada Negreiros, Os dez lugares da colecção do número, desenho publicado em Mito-
Alegoria-Símbolo: monólogo autodidacta na oficina de pintura, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1948,
republicado em Almada Negreiros, José de, Ver, notas e prefácio de Lima de Freitas, Lisboa, Arcádia,
1982, p. 260.
Não contente com isto, Almada atribui a cada número um lugar para cada um dos
deuses, transformando o pentagrama num escaparate olímpico.
59. José de Almada Negreiros, pentagrama publicado em Lima de Freitas, Almada e o Número, Lisboa,
Arcádia, 1977, p. 36. Fotografia de Vítor Santos, Atelier Arcádia, publicado em Aniello, Barbara, “José
de Almada Negreiros: do Caos à Estrela dançante”, in Artis, Revista do Instituto de História de Arte da
Universidade de Lisboa, n. 6, Lisboa, 2007, p. 348.
Este escaparate dos deuses é desenhado por Almada debaixo dos nossos olhos, no
filme-documentário Almada, nome de guerra de Ernesto de Sousa134 e é também
gravado nas paredes da Reitoria da Universidade de Lisboa,
134
Ernesto de Sousa, Almada, um nome de guerra, Revolution my body, Lisboa, 1969.
94
60. José de Almada Negreiros, Pentagrama, Fachada da Reitoria da Universidade de Lisboa. Fotografia
de Barbara Aniello.
e é oferecido aos amigos e colaboradores, com escopo didáctico, para explicar a origem
do Mito e dos Deuses:135
61. José de Almada Negreiros, Pentagrama, tinta da china s/papel, ass. s/d., ded., 27 x 21 cm., publicado
no Catálogo da Exposição Colecção Alberto de Lacerda - Um Olhar, editado pela Assírio e Alvim, 2009,
p. 32. Depositado na Fundação Mário Soares, Colecção Alberto Lacerda.
http://www.fmsoares.pt/aeb/dossier14/images/08129.377.jpg
135
O desenho, exibido na recente Exposição sobre António Lacerda, patente de 08/05/2009 a 29/05/2009
na Fundação Mário Soares, está reproduzido no Catálogo da exposição "Colecção Alberto de Lacerda -
Um Olhar", editado pela Assírio e Alvim, 2009, com a dedicatória “Para o Alberto Lacerda, para lhe
mostrar na mitologia a história de Eros e Psique”.
95
Curiosa é a coincidência, embora segundo Almada o acaso não exista, que Psique e
Eros ocupem na estrela o mesmo lugar que no vitral. Psique é retratada com a cabeça
virada para baixo, como um herói caído. Ela é imagem de Ícaro e Prometeu, ocupando
a mesma posição do número 1 no Pentalfa simbólico, desenhado por Almada. Eros,
situado por cima dela, é o zero, como a dizer que o Amor é causa e consequência, início
e fim de todas as coisas, mortais e imortais.
Ao contrário, Afrodite ocupa o lugar número 5, a ponta virada para o céu. Afrodite é a
Deusa Uránia que apadrinha os amores. Almada identifica o 5 com a fecundidade, a
fluorescência.
Dos nove algarismos todos são simétricos na sua correspondência visível com a natureza, menos um.
Este é o cinco, mas imediatamente é ele próprio o centro dos algarismos simétricos, ficando com quatro à
direita e outros quatro à esquerda. Por isto mesmo o cinco é o da florescência, como se disséssemos o
mais elevado.138
136
Cátia Mourão, op. cit., pp. 268-279.
137
José de Almada Negreiros, Mito-Alegoria-Símbolo, op. cit., p. 260.
138
Ibidem, p. 85.
96
O número cinco, ímpar, número simétrico na década perfeita e número gerador da arte,
é símbolo também de Vénus. Na poesia Litoral, em Sudoeste, Almada chama a Vénus
“Stella Mattutina”.
É uma ulterior feliz coincidência reencontrar este escaparate estrelado de deuses
olímpicos, no baixo-relevo da fachada da reitoria da Universidade de Lisboa. Duas
estrelas, idênticas à do desenho aqui em cima, acompanham as figuras de Apolo e
Atenas,
62. José de Almada Negreiros, Apolo e Atena, Fachada da Reitoria da Universidade de Lisboa.
Fotografias de Barbara Aniello.
139
José de Almada Negreiros, Ver, op. cit., pp. 86-87.
140
Ibidem, p. 215.
141
Ibidem, p. 216.
97
63. José de Almada Negreiros, pormenor de Apolo e Atena, Fachada da Reitoria da Universidade de
Lisboa. Fotografias de Barbara Aniello.
64.e 65. José de Almada Negreiros, pormenor de Começar, baixo-relevo em pedra, 2.310 x 12.870, ass.,
dat., Átrio da Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção da Fundação Calouste Gulbenkian, reproduzida
em Almada Negreiros, Obra Plástica, curadores Arq. José de Almada Negreiros, Rui Guedes, Bertrand,
1993, n. 111. Fotografia de António Homem Cardoso e José de Almada Negreiros, Estrela de Dez pontas,
pormenor dos baixos-relevos da Fachada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fotografias
de Barbara Aniello.
O relevo dado à figura de Prometeu remete para a iconografia do vitral que, no meu
entender, alude ao modelo do anjo caído.
98
Quer Almada, quer José Manuel reflectem sobre o tema da descida do homem. Se, para
o pintor, a queda é a perda da unidade, o afastamento do éden,
e da queda do herói.144
Narciso, sentindo-se Deus, precipita-se na lagoa. Na pretensão de se elevar, o homem
conhece a sua ruína. Como um anti-herói, José Manuel auto-retrata-se neste poema
autobiográfico: Narciso de cabeça para baixo.
odeio-me, confesso;
e eu sou o que odeia, o odiado
e o ódio.
Para superar o limite do egoísmo, para sobreviver à queda é necessário fundir os mitos
de Narciso com o do Andrógino:
142
Ibidem, p. 54.
143
José Manuel, To a God Unknown, in Eros III-IV (Dezembro 1952), op. cit., III-IV, 2.
144
Uma interessante reflexão sobre o mito de Narciso e de Prometeu destronado, ergo-terapeuta e
descobridor da ideia encontra-se em José Manuel, Determinismo e Liberdade in Eros XII-XIII (Outubro
1957), op. cit.
145
José Manuel, Sargaços, op. cit., p. 75,
146
Fernando Guimaraes, Narciso e o encontro da morte, in Eros III-IV (Dezembro 1952), op. cit.
99
O único acto para superar (o egoísmo) consiste na resposta que nós damos ao outro. O outro, portanto,
tem que ser, mas tem que ser em mim.147
Esta inversão é conditio sinequa non para inverter o processo da queda e destruição.
A relação inverte-se. No caso do solipsismo ou do egoísmo, como vimos, a transcendência estava em
mim pelo facto de eu ser no outro. Agora a transcendência é em mim.148
O amor do andrógino traduz o amor de mim mesmo como corpo. O seu destino será portanto a posse. Isto
é, a presença total. Mas, para possuir algo, é preciso a distância. A posse é sempre uma das faces da
renúncia. Por isso o andrógino, sendo completo - porque é unidade -jamais se poderá encontrar. Ele será
sempre o pudor de si mesmo.
Em Narciso, o amor que está em jogo é, também, o amor do próprio eu. Não como corpo; mas apenas
como imagem desse corpo. Enquanto no amor do andrógino o amor é a sua posse, no de Narciso ela
nunca se realizará porque Narciso está voltado, não para si, mas para a sua sombra que é do seu corpo,
não a realidade presente, mas a sua imagem alonga da no tempo. A posse de si mesmo no andrógino - por
ser impossível só tem sentido dentro da vida; a de Narciso - sendo possível - só o poderá ter dentro da
morte. É esta a verdade do mito. A morte significa ali a presença do homem no diálogo que ele mantém
com o tempo. Quer dizer: o homem nesse diálogo, que é poesia - e, portanto, criação, - não se destrói.
Caminha como Narciso ao encontro de si mesmo… É nela que o homem se descobre como revelação da
sua própria imagem ou, por outras palavras, como presença do seu próprio ser. A morte chega de nós.
A morte é, pois, a epifania do amor. Só ela torna possível, dentro de nós, o encontro com o outro. Este
encontro é a própria esperança. Mas tal esperança significa também o limiar que separa na nossa alma os
contrários: o ser do não-ser, o bem do mal, a paz do desespero. E esse o abismo que aterroriza os homens
e os afasta progressivamente uns dos outros. Como o dia afasta a noite ou o absoluto outro absoluto. Mas
esta não é a situação irremediável. Porque os abismos só podem separar aqueles que os não amam … 150
Uma tradução visual desta exegese do mito num sentido filosófico-hermético está
contida na varanda da casa virada para Sudoeste, onde se passa por Narciso para chegar
mesa, de pernas para o ar, vestido com um fato de Arlequim, desenhado em losangos,
ocupando a parte central dum triângulo de luz cujo vértice é pretexto para o começo
147
Ibidem.
148
Ibidem.
149
Ibidem.
150
Ibidem.
100
66. José de Almada Negreiros, painel da varanda do piso inferior da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4597.tif)
67. José de Almada Negreiros, Prometeu, baixo-relevo da Fachada da Faculdade de Letras, Universidade
de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello. Publicado em Aniello, Barbara, “José de Almada Negreiros: do
Caos à Estrela dançante”, in Artis, Revista do Instituto de História de Arte da Universidade de Lisboa, n.
6, Lisboa, 2007, p. 352.
Este Prometeu de 1958, gravado na pedra, é o anel de conjunção, a ponte entre os dois
panneaux: mantém o sujeito prometaico de O Número, 1958, e experimenta o suporte
lapidar e as cores de Começar, 1968-1969. Simetricamente a este retrato de Prometeu
encontramos um outro herói caído, gravado no mural da Faculdade de Letras: Ícaro,
descrito como um moderno cavaleiro, enquanto se precipita duma camada cintilante de
101
estrelas. Como por associação livre de ideias, Almada liga Prometeu a Ícaro, ambos
rejeitados por excesso de ambição.
68. José de Almada Negreiros, Ícaro/São Paulo, baixo-relevo da Fachada da Faculdade de Letras,
Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.
http://ic2.pbase.com/o4/21/4921/1/99280202.IfcMWBYS.Lisboa_Cidade_Universitaria1426.jpg
69. José de Almada Negreiros, O Menino da sua mãe, baixo-relevo da Fachada da Faculdade de Letras,
Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello. http://www.cfh.ufsc.br/~magno/FHLP414_z.jpg
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado–
102
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lh’a mãe. Está inteira
É boa a cigarreira,
Elle é que já não serve.
151
Publicado em 1926 em Contemporânea, op. cit., ano 3, nº 1, p. 47.
152
João Gaspar Simões, em Vida e Obra de Fernando Pessoa, história de uma geração, Bertrand, Lisboa,
[s.d.], pp. 29 e ss.
103
o Menino da sua mãe, vítima da sua própria sede de Conhecimento, para depois subir
outra vez e ser igualada aos Deuses na sua Apoteose. É como dizer que o conhecimento
passa pelo amor e pelas suas atribulações.
No átrio da faculdade de letras na Universidade de Lisboa, a tríplice queda alude a essa
clarividência e introspecção. É importante lembrar mais uma afinidade entre Paulo e
Psique: o futuro santo, convertido, ou seja virado sobre si mesmo, não só cai do cavalo,
vítima da sua exuberante ambição, mas também perde, durante três simbólicos dias e
três simbólicas noites, a vista. À queda corresponde a cegueira. Paulo é alter-ego de
Psique. Sofre uma temporária cegueira seguida de uma definitiva iluminação.
Do lado oposto à parede de Paulo, encontramos Prometeu, agrilhoado, cuja posição
curiosamente é assumida no vitral da própria Psique, cruzando os pés, nervosamente
enlaçados num nó que deforma sensivelmente a linha anatómica, acentuando as suas
curvas. Em jeito de grilhão, um fragmento de vidro estreita o tornozelo, simulando a
cadeia prometaica e ligando para sempre Psique ao herói caído.
70. e 71. José de Almada Negreiros, pormenor de Prometeu, baixo-relevo da Fachada da Faculdade de
Letras, Universidade de Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello e pormenor de José de Almada Negreiros,
Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da Assembleia da República, Residência Oficial do Presidente,
fotografia de Barbara Aniello.
O corpo de Prometeu, deitado, com o perfil pintado nas cores do fogo - vermelho-
niagara, cor-de-rosa e amarelo-loiro - padece a tortura pela águia de asas azuis e de
garras e bico negros. O contorno vibrante, irregular do seu ombro esquerdo, os
cabelos encaracolados em forma de chamas sugerem um verdadeiro facho humano
que tenta erguer-se. Ao contrário, a águia precipita-se sobre ele, como chuva, tentando
apagá-lo. A águia que devia ter elevado Prometeu até ao Céu, expressando um desejo
de alta espiritualidade, torna-se tortura, instrumento do Mal. As cores almadinas
remetem para a mistura de humanidade (rosa), orgulho e cólera (vermelho niagara),
mas o homem, passando pela paixão, sofre uma catarse e uma regeneração e torna-se
um ser novo, regenerado, alcançando o estado de divindade áurea (amarelo).
104
O mito de Prometeu, tal como o de Psique, está ligado ao tema da visão. Prometeu é um
vidente, ou seja um clarividente, que pertence à raça dos místicos.153 A etimologia
clássica do nome Προµέθεος remete para o verbo Προµανθεĩν (= prever). Pelo
contrário, Epimeteu é aquele que vê depois, que aconselha depois do acontecimento. Na
queda do herói vislumbra-se a queda de Lúcifer. Ambos são portadores de luz, ambos
desobedecem a Deus, à Autoridade, ambos deixam um rasto luminoso atrás de si,
ambos percorrem as trevas do Mal, mas enquanto Lúcifer age por egoísmo, Prometeu
escolhe o Bem para a Humanidade. Prometeu é um herói maldito, meio deus, meio
homem, portador de luz, a luz do conhecimento do bem e do mal, o brilho da
inteligência, mas também a chama da rebelião.
Paralelamente a Prometeu, Psique luta para alcançar o Conhecimento, a luz do Saber.
Levada pela curiosidade, ela transgride a ordem divina e inelutavelmente cai. Por isso,
a figura deitada no vitral cruza simbolicamente os pés, lembrando assim as cadeias da
punição. Um fragmento vítreo emoldura o tornozelo de Psique, tal como o grilhão
prometaico. Assim, em Psique sobrepõem-se por analogia as figuras de Ícaro, de
Lúcifer, de Prometeu. Como Prometeu, Psique é um sinal de oposição, presa entre dois
pólos: o humano e o divino. Na primeira tentativa de enlevo ela cai, conhecendo
irremediavelmente a derrota, o sono, a morte.
No plano do teatro, Almada indaga Prometeu tornando-o protagonista da peça Aqui
Cáucaso, 1965, onde investiga a etimologia e a semântica do seu nome:
HOMEM: Não saberemos nunca que rever é tanto como prever, que
finito é o mesmo que transfinito.154
153
Helena Petrovna Blavatsky, La chiave della Teosofia, Roma, Astrolabio, 1982, p. 40.
154
José de Almada Negreiros, Galileu, Leonardo e eu, em Teatro, op. cit., p. 216.
155
José de Almada Negreiros, Aqui Cáucaso, Ibidem, op. cit., p. 222.
105
A heroicidade de Prometeu por Almada resume-se na visão. Como diz Prometeu, porta-
voz de Ésquilo, o pecado do homem é que:
Tem olhos e não vê, tem ouvidos e não ouve158
Almada, que põe todo o acento na palavra “ver”, encontra em Prometeu o seu alter-ego,
alguém capaz de ver antes, de pré-ver. Prometeu simboliza o homem e Almada, que
reflecte sobre o mito em vários espaços da sua escrita: na obra teatral, Aqui Cáucaso,
no Ensaio espiritual sobre a Europa, na escrita filosófica, Ver.
Almada reflecte também sobre o papel do homem no mundo. Jogando com a palavra
meio ele contesta e contradiz a definição da Renascença e afirma:
Neste mundo tudo é meio menos o Homem159
sublinhando assim o facto de o homem não ser a metade entre dois mundos, entre
imanente e transcendente, entre a terra e o céu, como dizia Pico della Mirandola, mas
pondo a ênfase no facto de o homem ser o fim, não o meio. A centralidade do Homem
na poética e na estética almadina supera a Renascença, ultrapassa o clássico ditado
Homem medida de todas as coisas.160
Em particular tanto Almada como José Manuel são levados pelo mito a reflectir no
tema da prisão:
PROMETEU AGRILHOADO
156
Ibidem, pp. 235.
157
José de Almada Negreiros, Prometeu. Ensaio espiritual da Europa, in Sudoeste, n.º1, Junho de 1935,
em Obras Completas, Vol. V, op. cit., p. 114.
158
Ibidem, pp. 85-114.
159
José de Almada Negreiros, “As 5 unidades de Portugal”, 1 de Junho de 1935, em Obras Completas,
Ensaios, vol. V, p. 69.
160
A paternidade da citação deve-se a Protágoras que no V século a. C. afirmava
παντων χρηµατων εστιν µετρον ο ανθρωπος.
106
Enfim, o Homem compreendeu que Paraíso, imortal ou mortal, era conquista. E o Homem começou pela
ferramenta chama-se Arte. Com ela abriu cama para universo o do erro, porque o outro já lá estava. Entre
coração e cabeça pôs um vazio as paredes de dentro do vazio em matéria de receber e um dia houve luz
dentro do vazio parecia rachado o fechado vazio parecia ser luz de fora que lhe entrava mas por fora da
luz também vinha do vazio havia a luz de dentro e a luz de fora empurraram-se uma à outra a contenda
era de vida e de morte e só havia uma solução que a luz que vinha de dentro fosse igual à luz que vinha de
fora. E era. Era a mesma. Não podia deixar de ser a mesma. De fora vinha fatal o destino que não era o
destino que vinha de dentro. Com a ferramenta, com Arte o Homem foi tornando fatal também o destino
que vinha de dentro. E primeiro formou-se fatal dentro do vazio o destino da Humanidade inteira e depois
formou-se fatal o destino do Homem, um por um, pessoa por pessoa. Uma vez formado fatal o destino da
Humanidade inteira, e o do Homem, um por um, pessoa por pessoa, acabaram-se de vez os grilhões de
Prometeu. (A personagem ergue os braços sem os grilhões. Levanta-se e também não tem grilhões nos
tornozelos. Avança ao centro da cena.) O encontro da luz que vem de dentro com a luz que vem de fora é
Saúde sempre se lhe chamou Saúde.162
Por outro lado Psique, sendo imagem da Alma que quer conhecer o Amor com os olhos
físicos, conhece irremediavelmente a punição infligida a Prometeu: a prisão. A prisão de
Psique não é representada apenas pelos grilhões exteriores, mas pelo seu próprio físico.
Isto remete-nos para a já citada doutrina órfico-pitagórica da Metempsicose, segundo a
qual o corpo é prisão da alma que se liberta dos grilhões através da morte. Em grego há
uma assonância entre as palavras soma (Corpo) e sema (Prisão), por isso o Corpo é
Prisão da Alma e Soma é jaula de Psique.
161
José Manuel, Novas canções, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pp. 43-44.
162
José de Almada Negreiros, Aqui Cáucaso, em Teatro, op. cit., pp. 249-250.
107
72. Posição da Casa com respeito à imagem de Portugal no mapa da Europa de José Almada Negreiros.
Em particular, Almada concentra toda a decoração azulejar nesta única parede, virada a
Sudoeste, com um claro intuito expositório. Aqui, deparamo-nos com duas varandas
contíguas, contendo respectivamente uma Maternidade e uma Paternidade em estilo
monocromático, preto sobre verde, e uma cena policromática, animada por um Cabaret,
um Par dançante, Acrobatas e Bailarinas. Por baixo, no piso inferior, o espaço é
ocupado por um Arlequim e uma Columbina monocromáticos, enquanto na varanda
adjacente nos deparamos com o mais belo Nocturno jamais pintado em azulejo: um
Casal deitado em frente duma janela aberta, o vento a abanar uma cortina, uma figura
feminina debruçada na varanda, iluminada pelo luar, um barco a deslizar na noite,
transportando um Casal unido num abraço.
Neste sentido mantêm-se substancialmente inalterados os desenhos dos alçados de 1951
e de 1955, onde a vontade de decorar em azulejo a varanda da biblioteca é patenteada
em jeito de esboço, embora mais definido face aos outros azulejos do 1º andar e do
Rés-do-chão, cuja varanda aberta sofre uma mutação em marquise:
108
73. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal de Lisboa.
74. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de Lisboa.
163
José Manuel, A Alquimia do sonho, op. cit., p. 53.
164
José Manuel, O Sonho, in Eros III-IV (Dezembro 1952), op. cit.
109
Grita o escritor na Cena do Ódio. Almada, no seu universo filosófico, liga este conceito
ao da vocação, da pró-vocação e com-vocação, por outras palavras, ao da iniciação. O
seu apelo é silencioso, dirigido aos outros sentidos: vocar quer dizer chamar, convidar,
incitar a nascer uma segunda vez, re-começar. Lembra-nos Almada:
A segunda vez que se nasce assiste-se ao próprio nascimento166
As suas obras começam no silêncio e, depois de um segundo nascimento de natureza
claramente espiritual, voltam ao silêncio.
Nasce segunda vez o que morre a morte primeira.
Nasce-se segunda vez o ser vivo eterno que somos.
Iremos por onde não há adesão possível à segunda vida
Depois é o silêncio que fala
A paz que nos esperava.167
Uma impressão de eterno começo, de contínuo início acompanha toda a vida artística do
poeta-pintor.
Estou sempre às portas da vida,
Sempre lá, sempre às portas de mim168
Na poesia, tal como também na obra teatral, Almada reflecte sobre o cíclico, eterno
suceder-se do tempo.
O BONECO - Cala-te, coração! Deixa ouvir o mar...
A BONECA - Tu também viste o mar?
O BONECO - O mar foi feito por nossa causa!...
A BONECA - Ah!... É assim, juro-te, exactamente assim o mar... Oh! Como tu o viste
bem! Dá-me a tua mão para ser tão grande o silêncio... (Pausa)
O mar!... não acaba nunca o mar!...
O BONECO - O mar começa sempre...169
Vamos do silêncio dito por palavras ao silêncio cénico (pausa), ao infinito re-começo
do mar (O mar… nunca acaba o mar), repetição, não por acaso, em forma de Rondo da
palavra “mar” neste verso. Não por acaso também, esta peça intitula-se Antes de
Começar. Reparamos como este termo-chave volta no curso de toda a produção do
artista.
Como na metáfora marinha não é possível distinguir o fim do início, o espectador fica
desorientado quando, no final da cena, enquanto o tambor anuncia o iminente começo
da representação, desce o pano e surge um grande silêncio.
165
José de Almada Negreiros, Cena do Ódio, in Obras Completas, Poesia, vol. I, op. cit., p. 64.
166
José de Almada Negreiros, Nome de Guerra, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001, p. 37.
167
José de Almada Negreiros, Itinerário sobre o Joelho, in Obras Completas, op. cit., p. 207.
168
José de Almada Negreiros, A sombra sou eu, ibidem, p. 208.
169
José de Almada Negreiros, Antes de Começar, in Teatro, op. cit., p. 203.
110
A luz da estrela procurada pelo autor é um sinal de renovação, surge sobre a própria
madrugada espiritual, alcançando o seu “eu” misterioso.
Oh estrela do meu sonhar!
Sem a tua luz própria
sem o teu distante cintilar
tão fixo lá do teu lugar
eu não podia achar aqui
o sítio do meu mistério.
[…]
Nada do que eu faço é ainda provisório
como na minha meia vida de ontem,
a metade de espera da nova metade que vale por duas!
E assim tinha de ser:
eu jamais saberia nada
senão através das minhas próprias dimensões,
senão à luz da minha estrela,
à luz da aurora do meu mistério
Que o pobre do mundo clama
para que desvendemos cada qual os nossos próprios mistérios!171
170
José de Almada Negreiros, Segunda Manhã, ibidem, p. 187.
171
José de Almada Negreiros, Terceira Manhã, ibidem, p. 189.
111
172
José de Almada Negreiros, Quarta Manhã, ibidem, pp. 190-191.
112
75. José de Almada Negreiros, Maternidade, desenhos publicados em Vieira Joaquim, Fotobiografias do
Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 140. Fotocompográfica, Lda.
http://4.bp.blogspot.com/_1LdrMyScRH4/SePl54Z36bI/AAAAAAAAGa0/3ye3r99F6pw/s400/AlmadaN
egreiros-Maternidade3-Estoril-Bicesse.jpg
76. José de Almada Negreiros, Maternidade, varanda do segundo piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
Do outro lado, o pai sustém o filho pelos braços e, olhando para uma pomba, levanta o
queixo, descrevendo um arco com o pescoço. O filho repete o gesto do pai, simulando
com as palmas abertas e agitadas o voo do pássaro.
114
77. José de Almada Negreiros, Paternidade, varanda do segundo piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4637.tif)
De noite despertas
sòzinha no berço
Apenas a lua
te faz companhia
Ou será um anjo
vestido de luz?
De súbito estendes
as mãos para a vida
Procuras colher
a lua entre os dedos
Nem sequer encontras
a sombra de um sonho173
a disposição fortemente simbólica das três figuras alinhadas no mesmo eixo vertical,
lembra o vitral do Pai, Filho e Espírito Santo na Igreja de Nossa Senhora de Fátima em
Lisboa.
173
José Manuel, Natividade, in Eros XIV-XV (Dezembro 1958), op. cit.
116
78. José de Almada Negreiros, Trindade, Igreja da Nossa Senhora de Fátima, fotografia publicada em
Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006,
Fotocompográfica Lda. http://farm1.static.flickr.com/23/30850423_b95ca2c700.jpg
BOEMIA NO CEU
A José de Almada Negreiros.
I
Arlequim no Céu
II
o primeiro diálogo
Donde vens? perguntaram-lhe os anjos
Não sei venho de longe de muito longe
Porque vieste? perguntaram-lhe os anjos
Não sei minha alma aconteceu aqui
Foi um milagre? perguntaram-lhe os anjos
Não sei eu não o quis nem o pedi
Sabes que reino é este? perguntaram-lhe os anjos
Não sei não sei não sei respondeu Arlequim
Então quem és que não conheces nada?
Sou o eleito de Deus o primeiro entre os anjos
e o último entre os homens
III
Os ecos
174
José Manuel, Boémia no Céu, in Eros II (Outubro 1951), op.cit.
119
IV
o pecado original
E Deus falou assim aos anjos
Ao princípio era o homem e o homem era simples
não conhecia nada e conhecia tudo
os astros eram astros as nuvens eram nuvens
e as flores eram flores
Um dia o homem deteve-se um momento
contemplou profundamente a natureza
interrogou-a e não lhe encontrou sentido
Desesperou-se mas em vão
o abismo estava em toda a parte dentro dele
E desde então o homem sofreu
V
o primeiro milagre
VI
Biografia de Arlequim
VII
Funeral de Arlequim
VIII
Apologia do Arlequim
120
IX
Sermão aos homens do futuro
E os pais ensinaram aos filhos a história de Arlequim
e concluíram meus filhos Arlequim foi apenas um homem
X
o segundo diálogo
No céu os anjos interrogavam
Arlequim qual é o teu segredo?
E Arlequim respondia
Não tenho segredo nenhum
E os anjos insistiam
Arlequim que fizeste de grande na vida?
E Arlequim respondia
Vivi
E os anjos tornavam
Arlequim que mensagem nos trazes?
E Arlequim respondia
Não sei não sei não sei sei apenas que sou
XI
Sermão aos anjos
E Deus ensinou aos anjos
o segredo a grandeza e a mensagem de Arlequim
Depois concluiu simplesmente
Meus filhos Arlequim viveu a inocência da vida
XII
O segundo milagre
Os anjos compreenderam
e não perguntaram mais nada
Seguiram Arlequim por todos os caminhos
e foram jovens outra vez
XIII
Festival de Arlequim
Arlequim reformou o céu
O céu era monótono o céu era triste
Arlequim dançou e brincou
riu muito muito muito
E os anjos dançaram e brincaram com ele
e riram muito muito muito.
XIV
As profecias
Um dia os homens talvez aprendam a lição de Arlequim Serão simples serão puros serão jovens'
Não haverá leis nem mistérios no mundo
Um dia os homens talvez sejam humanos e felizes
121
79. José de Almada Negreiros, Cabeça de Arlequim, lápis, 34 x 22, ass. n. dat., desenho publicado com o
nº 105 [s.l.], em Almada, catálogo da exposição curada por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte
Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984,
[s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.
como afirma José Manuel neste poema que é a apoteose da ingenuidade e genuinidade
e como confessa o autor na introdução da sua peça teatral Pierrot e Arlequim. Um eco
desta identificação Almada-Arlequim encontra-se nas recordações da pintora Sarah
Affonso, sua esposa, nas suas conversas coleccionadas pela nora. Esclarece Sarah que o
significado dos dois, Pierrot e Arlequim, é a oposição:
- Os dois são pobres, não têm nada. Mas um é feliz e cheio de conquistas. O outro é triste, e falhado. O
feliz é o Arlequim, a Colombina é a namorada dele. O Pierrot não tem ninguém e fica a olhar cheio de
tristeza. O Arlequim é o sol, o completo. O Pierrot é a lua, o inacabado.
- Qual é a diferença das vestimentas deles?
- É o contrário. O Arlequim usa uma malha pegada ao corpo feita com todas as cores do arco-iris. O
Pierrot tem um fato todo de franzidos compridos com as mangas compridas, com ar de desmazelo, com
uma cara branca cor-de-lua. - E os lozangos? - Os lozangos é a pobreza, feito de bocados.176
175
Cfr., entre outros, o ensaio de Fernandes da Silveira, Jorge, Almada é nome de Arlequim, em Almada
Negreiros, A descoberta como necessidade. Actas do colóquio Internacional, Porto, 12-14 de Dezembro,
1996, Celina Silva (coord.), edição da Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 1998, pp. 351-358.
176
Almada Negreiros, Maria José de, Conversas com Sarah Affonso, Arcadia, Lisboa, 1982, p. 114.
122
80. e 81. José de Almada Negreiros, Arlequim, varanda do primeiro piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008 e desenho preparatório para Arlequim, publicado no catálogo
da exposição curado por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste
Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, com o nº306 [s.l.]. Fotografia de
Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4592.tif)
177
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 49.
123
82. e 83. José de Almada Negreiros, Columbina, varanda do primeiro piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008 e desenho preparatório para Columbina, publicado no
catálogo da exposição curado por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste
Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, com o nº305 [s.l.]. Fotografia de
Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4596)
84. José de Almada Negreiros, Cabaret, varanda do 2º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (CCC4657.tif)
85. José de Almada Negreiros, Desenho (da colecção Arlequim), in “Contemporânea”, nº 5, Lisboa,
1922, p. 56.
onde um idêntico arlequim ao lado duma mulher posa sentado em frente a uma idêntica
mesa, enquadrada por idênticas cortinas. A alusão ao amor perfeito, na perfeita fusão
dos dois amantes num único ser, remete para a ideia do andrógino, sublinhada pela
junção dos indivíduos e das cadeiras, quase duas metades dum só corpo e dum
elemento só. A mesma ideia é reiterada por Almada ao longo da sua carreira, como
demonstra esta ilustração do Diário de Lisboa, de 1924, que difere da anterior apenas
pela substituição do solar Arlequim pelo mais lunar Pierrot, repetindo na pose e na
legenda o mesmo conceito de síntese entre masculino e feminino.
126
86. José de Almada Negreiros, Pensamentos Loucos, publicado in Diário de Notícias, Lisboa, 1924,
reproduzido em António Rodrigues, Desenhos de Almada no Diário de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 89.
Mas o Cabaret azulejar ecoa uma ainda mais harmoniosa consonância com a já citada
peça teatral Deseja-se mulher, escrita em Madrid, em 1928, e publicada 31 anos depois,
em 1959:
(Desde quase o princípio do diálogo os gestos da mulher têm vindo num crescendo de «coqueterie» à
sedução e até à fascinação. […] A fascinação provocada no homem é evidente, mas não lhe permite acção
nem corresponder à da mulher. Fascinado, radiante, mas sem corresponder […]
Respira fundo nas pontas dos pés. Não cabe em si de satisfação. Parece que sobe em levitação. Volta-se
para onde ela esteve sentada e fica arrebatado a olhar o lugar como se ela lá estivesse.)178
178
José de Almada Negreiros, Deseja-se mulher, em Teatro, op. cit., p. 37.
127
87. José de Almada Negreiros, pormenor de Circo, varanda do 2º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650)
TRANSFIGURAÇÃO
Senti-me transportado aos imos da ficção.
Vi-a uma vez na rua e criei um romance.
Nesta vida, afinal, não há nada que canse:
é só preciso um pouco de imaginação.
Psique, nesta varanda, torna-se mulher de Cabaret, tal como a protagonista de Deseja-se
Mulher e a Manolita da Alquimia do sonho. Na descrição desta última, na altura do
primeiro encontro, pode ser encontrada a razão da vivaz policromia dos azulejos da
varanda virada para Sul.
179
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 11.
180
José Manuel, Sargaços, op. cit., p. 17.
128
PRIMEIRO ENCONTRO MANOLITA: Manolita agradeceu. Agradeceu o quê? Não me lembro, nem
importa. Sei só que tudo em redor oscilou. O instante projectou-se no infinito. Todas as formas, todas as
Cores se fundiram numa única forma, numa única Cor.181
88. José de Almada Negreiros, pormenor de Cabaret, varanda do 2º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4647.tif)
Não um peixe, mas uma sereia encontra-se no mural cimeiro ao do Cabaret. Caligráfica,
estilizada, esta sereia azulejar, desenhada como que pela ponta de um pincel,
89. José de Almada Negreiros, Sereia, pormenor da varanda do 1º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4607)
181
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., pp. 7-8 e 19.
182
Ibidem, p. 19.
129
formava um “par” com uma outra sereia, em tapeçaria, realizada por Sarah Affonso,
variante dum seu óleo de 1939 e duma em cerâmica.183
90. 91. e 92. Sarah Afonso, Sereia, Manufactura das Tapeçarias de Portalegre, fotografia publicada em
AA.VV., Leilão de Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya, Palácio do Correio Velho,
Lisboa, 2000., que a ela se refere com o n.º 681, p. 139; Sereia, 1939, 1200 x 800, óleo sobre tela,
fotografia publicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo curado por Rui Mário
Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 93
http://pinturaportuguesa.blogs.sapo.pt/arquivo/sarah_afonso3g.jpg; Sereia prato em cerâmica
policromada, 300 mm. de diâmetro, fotografia publicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta,
catálogo a cura de Rui Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros,
Cascais, 1996, p. 87.
183
A reprodução aqui publicada foi retirada da página 139 do catálogo: AA.VV., Leilão de Pintura e
Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya, op. cit., que a ela se refere com o n.º 681.
130
De súbito a tempestade
escureceu a paisagem
que eu recordo com saudade
93. José de Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso da Casa da Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008. Publicado em Barbara Aniello, As metamorfoses
de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista
semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais,
Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4602.tif)
184
José Manuel, As novas canções, op. cit., p. 27.
131
94. José de Almada Negreiros, Trapezistas, pormenor do desenho preparatório do painel da varanda do 1º
piso da Casa da Rua de Alcolena. Gentil concessão da Fábrica Viúva Lamego. Fotografia Gestifer,
publicado in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos,
Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.
Desta maneira o pólo feminino e o masculino voltam a reunir-se, tal como no mito. O
nome Eros, gravado no casco do barco, não deixa espaço a dúvidas acerca da natureza
desta união. Eros e Psique reconstituíram-se num ser andrógino, único e completo. Não
só os dois corpos entrelaçando-se desenham um nó em forma de oito, sinal de infinito,
mas também a sombrinha, que tanto nos lembra a protagonista da peça teatral almadina,
é metade em gomos e outra metade em curva, tornando-se uma síntese, quase um ex-
libris, da perfeita síntese dos contrários. Como é habitual, um reflexo desta escolha
figurativo-numérica encontra-se na reflexão filosófica:
Ambos os sexos começam pelo dois e têm a mesma correspondência com o oito, o ovo Órfico185
Mais uma vez, um eco desta iconografia ressoa nas páginas da peça teatral Deseja-se
mulher, que constitui uma verdadeira fonte, juntamente com O mito de Psique, para a
exegese do mito do andrógino em Almada e para a questão da ekphrasis da sua obra na
casa de Rua de Alcolena. Curiosamente, a peça acaba com um divertido epílogo
amoroso entre um marinheiro e uma sereia, involuntariamente caída na sua rede. A
caprichosa criatura luta com ele e acaba por prendê-lo na mesma rede que antes a
aprisionava. Desta cómica união nasce um pequeno ser humano com duas caudas de
185
José de Almada Negreiros, Ver, op. cit., p. 101.
132
peixe e a peça conclui-se com o flash dum fotógrafo surgido para imortalizar o
evento.186
É sem dúvida no teatro que está a chave para a compreensão da proximidade entre as
imagens do barco e da sereia do painel azulejar. Mas como nos habitua Almada, na
extraordinária coerência da sua obra, existe um eco em chave satírica deste dueto
teatral numa historieta do período de Madrid, datada de 1927
95. José de Almada Negreiros, La sirena pobre, publicado in El Sol, 7 de Dezembro de 1927,
reproduzido em El alma de Almada el impar: obra gráfica, 1926-1931, org. Bedeteca de Lisboa, textos
de João Paulo Cotrim, Luis Manuel Gaspar; fot. Joaquim Cortés, Luis Pontes, Lisboa, Camara
Municipal, 2004, p. 156-157.
186
José de Almada Negreiros, Deseja-se Mulher, in Teatro, op. cit., pp. 64-65.
133
96. José de Almada Negreiros, Desenho, publicado em Deseja-se Mulher, publicado em Teatro, Lisboa,
Estampa, 1971, p. 63, reproduzido também em António Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica,
Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 64/h.
Mais ainda. Uma aura de luz envolve o barco e o casal, semi-encoberto pela hera,
símbolo de amor e fidelidade, desenhando claramente uma forma: é o coração.
97. e 98. José de Almada Negreiros, Desenho, 1922, publicado em Histoire du Portugal par cœur, em
Contemporânea, Grande Revista Mensal, dir. José Pacheco, edit. Agostinho Fernandes, ano 1, nº1, 1922,
p. 30, publicado também em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand,
Lisboa, 2006, p. 67, já publicado no catálogo da exposição Almada, curada por Margarida Acciaiuoli,
Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984),
Lisboa, 1984, [s.l.], fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão, reproduzido também em António
Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 65 e José de
Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, Publicado em Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na
Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios
e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de
2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4602.tif)
99. José de Almada Negreiros, Capa para a peça de teatro Deseja-se Mulher, reproduzida em António
Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 64.
Por isso, como acontece frequentemente em Almada, a Matemática não coincide com a
Filosofia: a Filosofia precede a Lógica.
187
Jorge Nemésio, Humanidade e Cultura, in Eros II (Outubro 1951), op.cit.
135
100. José de Almada Negreiros, Dança e Circo, pormenor da varanda do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicada em Barbara Aniello, As metamorfoses de
Psique na Cada da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista semestral
de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa,
Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650.tif)
101. e 102. José de Almada Negreiros, pormenor varanda do 1º e 2º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicadas em Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique
na Cada da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de
edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa,
Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4602.tif)
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650.tif)
Para explicar a exegese da iconografia do Arlequim que Almada elege para a parte
exotérica da casa, temos que recorrer novamente aos textos teatrais do artista:
Para eu não me perder de ti depois do palmo de areia entre as rochas fui pedir emprestado um fato à
altura da bastança em que vivias com os teus. E com este fato vieram todas as mentiras da razão do
emprestado. Foi a ti que eu menti? Não. Foi a mim? Também não. Foi ao mundo que não é ninguém.
E menti por nós, por gente. Não se pode mentir a alguém, só pode mentir-se ao mundo. Ele é
presunçoso: pouco lhe importa que a mentira seja ciência, ou poder, ou qualquer outra glória do
mundo. Ele sabe que terá tudo menos verdade.188
Para viver no mundo, Eros precisa dum disfarce e, não por acaso, escolhe uma máscara
da Commedia dell’arte que se serve da mentira como instrumento de sobrevivência
entre os outros, “a gente”. Se o engano é ferramenta essencial para lidar com o mundo
exterior, o Eros/Arlequim recomenda a honestidade interior:
A verdade é nossa, da gente, exactamente de cada um. A ti, mulher, sòzinha ou também minha, só te
peço que nunca te mintas a ti mesma. Contra o mundo, contra quem for, contra mim mesmo, se o for,
mente se preciso for para não te mentires a ti mesma.189
Nem o proprietário é alheio ao interesse pelo mundo circense representado nas paredes
exteriores da casa:
quando eu era menino, o meu único vício era o circo e o fogo de artifício. Eu amava o espectáculo e vivia
o espectáculo.190
188
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., p. 179.
189
Idem.
190
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 27.
137
Todos têm opinião sobre a vida e a morte. O clown diverte. A sua opinião tem olhos para dentro. Ele é o
coração do mundo. As crianças riem. A sua opinião tem olhos para fora. Os outros, os profissionais da
vida, usam óculos escuros para disfarçar o sono. Não riem, nem choram, - bocejam. A sua opinião não
tem olhos para dentro nem para fora…Mas a prostituta vê tudo. Vê para dentro, vê para fora. Contempla
de Sírius o espectáculo dos homens e dos deuses. E o espírito crítico.191
Para o proprietário, a vida será uma comunhão e uma oferenda, os homens serão unidos
por uma irmandade espiritual. Assim, em Polichinelo no circo, assiste-se quase a uma
transfiguração mística do artista do circo, cujo corpo se torna pura luz, irradiante e
deslumbrante, desatada pela sua nudez: Polichinelo “era o sol que nascia”.194 Se antes
assistíamos a uma ascensão mística de Arlequim, aqui com Polichinelo temos uma
transfiguração. É interessante notar quantas imagens circenses ocorrem na trans-
memória criativa do dono da Casa, rodeado no seu quotidiano por uma análoga
iconografia.
191
José Manuel, O Clown e a Prostituta, dedicado a Vittorio de Sica, in Eros V-VI (Outubro 1953), op.
cit.
192
Ibidem.
193
Ibidem.
194
José Manuel, Polichinelo no circo, in Eros V-VI (Outubro 1953), op. cit.
138
103. José de Almada Negreiros, Circo, varanda do 2º piso da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4650.tif)
104. José de Almada Negreiros, Arlequim e bailarina, desenho preparatório para Circo, publicado no
catálogo exposição Almada, a Cena do corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27 de Outubro
de 1993 a 15 de Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 150, lápis sobre papel 500 x 325 mm., ass., n. dat., ded:
para a Rusa 1° aniversario. Col. Rusa Bustorff Burnay, fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha
Henriques Ruas. Republicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo a cura de Rui
Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 185.
195
O documentário, que contém uma visita às reservas do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste
Gulbenkian guiada por Jorge Molder, foi transmitido pelo Canal 2 da RTP, no dia 12 de Junho de 2000
no âmbito do programa Acontece.
140
105. José de Almada Negreiros, Cabaret e Dança, pormenor da varanda do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4648.tif)
106. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 4, Arquivo Municipal de Lisboa.
e com uma fotografia mais antiga da Casa, deduz-se que o tecto, posteriormente
fechado, era originariamente aberto, a formar um jogo em trompe-l’œil e em
continuidade com a pérgula.
141
107. José de Almada Negreiros, Cabaret, fotografia antiga da varanda do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena, Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, espólio Varela.
108. Fotografia antiga da entrada do Jardim da Casa da Rua de Alcolena, Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008, espólio Varela.
109. António Varela, Casa de Rua Alcolena, Escada de acesso à cobertura do Terraço, Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008.
Esta dupla “chuva oblíqua” de sol, penetrando pelo terraço, pelas pérgulas verdadeira e
fingida da varanda do andar de cima e pela pérgula da garagem, oferecia um autêntico
divertissement entre o jogo da luz pintada e a luz natural. A esta chuva oblíqua de sol e
de fogo responde, segundo Hugo Nazareth Fernandes, o desenho ziguezagueante das
seis portadas em madeira da entrada da garagem, típico de Varela em outras obras, que
poderá aludir simbolicamente ao arquétipo da água .
143
110. António Varela, Casa de Rua Alcolena, Porta da Garagem, Fotografia de Hugo Nazareth Fernandes.
111. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4598.tif)
112. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4603.tif)
Seguindo o percurso do astro, reparamos, por cima do ângulo, do qual brota a árvore do
Bem e do Mal (mais uma associação Columbina/Psique/Eva), no disco solar, à direita,
coroado de andorinhas.
José Manuel é autor duma colectânea de poemas para uma andorinha chamada
Astrid:196
196
José Manuel, Poemas para uma andorinha chamada Astrid, Tip. Ideal, Lisboa, 1960.
146
113. José Manuel, capa para Poemas para uma andorinha chamada Astrid, Biblioteca Nacional de
Lisboa, 1950, desenho do autor.
Mais uma metáfora e metamorfose de Psique, que depois de ter conhecido “as entranhas
da morte”, atinge a segunda união com Eros. Da queda para o voo. Da morte à
ascensão.
Voltando à análise, assistimos a um esplêndido nocturno, onde a mulher se debruça da
varanda e olha para uma lua incandescente entre as cortinas, quase uma Ísis helenístico-
romana que se revela ao iniciado no meio da Noite e nos umbrais da Morte.
Naturalmente vislumbra-se nela o mito transfigurado de Psique:198
197
Ibidem, p. 5.
198
Eudoro de Sousa, op. cit., pp. 1-17.
147
114. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4605.tif)
Em particular, esta “lua solar” contemplada pela alma é o místico sol de meia-noite que
aparece ao iniciado nos mistérios de Ísis:
Cheguei aos confins da morte, e tendo marchado sobre o limiar de Prosérpina, voltei dali conduzido
através de todos os elementos. À meia-noite vi o Sol cintilando com cândida luz, cheguei à presença dos
deuses celestes e infernais e adorei-os de perto.199
I
Este diálogo silencioso de Psique com a lua-sol parece ter um reflexo na escrita dos
colaboradores de Eros.
199
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 19.
148
115. José de Almada Negreiros, pormenor do desenho preparatório para a varanda do 1º piso da Casa da
Rua de Alcolena. Fotografia Gestifer, publicado em Burlamaqui, Suraya, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.
Nas suas metamorfoses, Psique encarna várias vidas e várias identidades, de acordo com
os protagonistas da escrita do comitente. Em particular, no poema A princezinha,
encontram-se vários temas que fazem deste poema um d’après da moradia
200
Maria Pilar López, Poemas, in Eros, VII Antologia contemporânea (Novembro 1954), op. cit., VII, 1.
201
Eudoro de Sousa, op. cit., p. 8.
149
116. José Manuel, capa para Princezinha descalsa, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1952, desenho do
autor.
Desenhada como Psique, com asas de pássaro, esta princesinha cumpre no poema uma
simbólica viagem, começando pela união com o amado, a meio caminho entre a
comunhão mística e o vampirismo.
aproximou-se de mim enquanto eu dormia e abraçou-me tinha fome tinha sede tinha frio
alimentou-se da minha carne bebeu o meu sangue vestiu-se com o meu corpo
depois quando me abandonou eu estava morto
mas ela continuou a minha vida
através da minha carne do meu sangue do meu corpo através do meu sonho o advento
depois duma viagem colheu-a o sono, durante 7 simbólicos dias, o oitavo, tornou-se estátua de sal,
passando pelo esquecimento, relembrou-se do passado e sofreu o chamamento da morte, morreu segunda
vez, superando varias tentativas e obstáculos.
202
José Manuel, Princesinha descalça, Lisboa, op. cit., p. 22.
150
No fim deste roteiro, no lado Sudoeste da Casa, não resta que sublinhar mais uma
astúcia de Almada. A disposição dos azulejos é forjada de tal modo que os temas,
aparentemente variados, se reduzem, na realidade, a um só: a união do feminino e do
masculino. Por um lado, esta união é personificada pela Maternidade e Paternidade, na
varanda do andar de cima à esquerda, e pelo casal, primeiro separado e depois abraçado
no barco, na varanda do andar de baixo à direita. Por outro lado, a união é encarnada
pelo Arlequim e Columbina que, no andar de baixo, emolduram respectivamente à
direita e à esquerda a cena correspondente, no andar de cima, ao Cabaret, à Dança e ao
Circo. A composição, na sua totalidade, aparenta ser um quiasmo, dispondo-se, os
quatro temas, em forma cruzada e simétrica, agrupados dois a dois, segundo o esquema
gráfico da letra grega “χ”.
151
117. José de Almada Negreiros, pormenor da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (_CCC4606.tif)
Mais uma vez temos que recorrer à sua peça teatral para explicar o sentido desta opção:
ELA - Se te entendo, pra ti o mundo é contra nós?
ELE - Não: é forçoso. É caminho. E o nosso é a Vida, somos nós.
ELA - Dizes que a Vida é fora do mundo?
ELE - Não: por cima. Exactamente por cima do mundo. (Põe uma mão por cima da outra.) E se for
necessário, devemos mentir ao mundo (Aponta a mão de baixo) para não nos mentirmos a nós
mesmos. (Aponta a mão de cima.). O arco é forçoso, o que vive é a flecha.
ELE - Se o mundo for por cima, pesa na Vida.203
O próprio detalhe da assinatura na obra de arte total que Almada constrói, em absoluta
coerência com o resto da decoração da casa, apresenta uma dupla leitura, exotérica e
esotérica. Por um lado, Almada alude ao elemento reconhecível do chapéu de Arlequim,
por outro à arma de Eros: o arco.
De resto, Eros é nome de Arlequim, tal como Arlequim é nome de Almada, por isso os
três vultos se encontram reunidos no emblema da assinatura.
O arco une alto e baixo, tal como o duplo pentagrama, invertido ou não. Mais uma vez é
coincidencia opositorum. Um paralelo figurativo desta emblemática e geométrica
203
José de Almada Negreiros, O mito de Psique, op. cit., p. 179 [sublinhado nosso].
152
assinatura está na Capela de São Gabriel em Vendas Novas, datada de 1951, o mesmo
ano do primeiro projecto da moradia de António Varela.
118. José de Almada Negreiros, Anunciação, vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951.
http://4.bp.blogspot.com/_IiPPmMhZYOE/RpZA30LUYtI/AAAAAAAAAIM/IfB8IhNCz9I/s400/379_7
908.jpg
119. e 120. José de Almada Negreiros, recto e verso do postal, desenho-estudo para o vitral da Capela de
São Gabriel, em Vendas Novas, 1951. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, Espólio Varela.
Coincidência, essa, que não pode ser casual, dados os interesses comuns e a comum
inspiração filosófica. Emoldurados por uma vesica piscis estão Maria e Gabriel. No
momento da revelação e saudação angélica, um raio de luz ilumina um óculo no chão,
contendo água, símbolo do tabernáculo que é Maria, primeira Igreja uterina. O anjo,
retratado no vitral da Capela de São Gabriel na sua função de revelador dos planos
divinos, de mediador do Saber, de ponte entre Céu e Terra, é alter-ego de Eros-Psique.
De facto, se rodássemos 90 graus a imagem, evidenciar-se-ia uma extraordinária
afinidade entre o anjo e a figura supina, no vitral que ornava a Biblioteca do proprietário
da moradia. Se os corpos dos amantes descrevem uma vesica piscis deitada, um óculo
deriva da circularidade dos gestos.
153
121. José de Almada Negreiros, pormenor de Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da Assembleia da
República, Residência Oficial do Presidente, fotografia de Barbara Aniello. Publicado em Barbara
Aniello, “As metamorfoses de Psique na Cada da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total”, em
Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
A insistência sobre o motivo da vesica piscis é atestada pelo estudo para um outro vitral
da Capela de Vendas Novas, onde não uma, mas duas vesicas perpendiculares
circunscrevem o mapa de Portugal.
154
122. José de Almada Negreiros, estudo para vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951,
óleo, publicado em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa,
2006, p. 154. Fotocompográfica Lda.
Recuso qualquer condescendência, qualquer tolerância com o público. Por exemplo, a descrição lema,
minuciosa de todas as tentativas frustradas, de todas as esperanças inúteis. Recuso porque a minha
linguagem é o símbolo. E todo o símbolo é necessàriamente breve, sintético, vertiginoso, sibilino. Aliás,
simbólica ou narrativa, a verdade é sempre fictícia, misteriosa. Sobretudo aqui.204
204
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 37.
155
Eu próprio não compreendo, nem explico. O meu clima é o sonho. Abandono-me ao sonho. É o meu
maior crime, é o meu maior castigo, é o meu maior perdão.205
Toda a arte é confissão, confidência, revelação íntima. Eu não escrevo, - escrevo-me. Linguagem e
mensagem identificam-se comigo. Para quê qualquer tentativa de auto -retrato? Francamente, não sei. No
entanto, é preciso.208
Quero mostrar-me, revelar-me, confessar-me, e sinto que é impossível... Estas palavras que escrevo são
apenas arabescos, pormenores decorativos, sugestões de alma. No fundo, eu próprio me desconheço.209
Não obstante isso, José Manuel, superando todas as suas reticências, dedica um auto-
retrato poético da sua alma a José de Almada Negreiros:
CONFISSÃO
Por sua vez o pintor ilustrará muitas das suas colectâneas, sigilando-as com o rosto
estilizado de Orfeu.
205
Ibidem, p. 38.
206
José de Almada Negreiros, citando Goethe em Ver, op. cit., p. 247.
207
José de Almada Negreiros, A Minha Dedicatória a Vera Sergine, 1923, De Teatro, citado in Furtado
Coelho, João, Almada Dixit, Livros Horizonte, Lisboa, 2009, p. 97.
208
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 49.
209
Ibidem, p. 50.
210
José Manuel, Primeiras canções, op. cit., pp. 126-127.
156
123. 124. e 125. José Manuel, capas para As primeiras canções, 1944, Novas Canções, 1946, Sargaços,
1947, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1952, desenhos de José de Almada Negreiros. Reprodução de
Barbara Aniello.
Fiel ao seu credo, Almada escolhe a lírica figura mitológica onde se fundem poesia e
música, vida e morte, apolíneo e dionisíaco. Mais uma vez Orfeu representa aquela
união dos opostos que, enquanto artista, Almada desde sempre procurava e da qual a
Casa é claro indício.
157
126. 127. e 128. Fotografias de António Varela, espólio familiar, reprodução de Barbara Aniello, António
Paiva, arquivos Faculdade de Belas Artes, reprodução de Barbara Aniello, José de Almada Negreiros,
publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006,
p. 152. Fotocompográfica Lda.
http://static.blogstorage.hi-pi.com/photos/jmgs.fotosblogue.com/images/mn/1207593080/7-de-Abril-de-
1893.jpg
se pressupunha um fundo estético e ideológico comum. A integração torna-se pois neste caso sinónimo
de criação colectiva de uma obra na qual, por via de regra, a pintura e a escultura se inserem
harmoniosamente, sem conflito, no «meio» arquitectónico ou urbano.211
Por outro lado, como lembra o escultor Domingos Soares Branco, a participação do
escultor e do pintor na construção de edifícios públicos e privados era devida a uma
postura camarária da época. O escultor e o pintor deviam participar na decoração dos
edifícios numa determinada percentagem, embora raramente participassem nas fases de
ideação e no projecto, unicamente reservadas ao arquitecto.
Da memória descritiva do projecto deduz-se que foi António Varela a envolver José de
Almada Negreiros na decoração da Casa. A amizade entre os dois remontaria pelo
menos à década de ‘40, como testemunham as provas encontradas no espólio do
arquitecto.212 Enquanto ambos os artistas já se tinham afirmado no panorama artístico
nacional, o envolvimento do jovem António Paiva, que na altura tinha apenas 25 anos,
terá sido impulsionado por conhecidos próximos da família da proprietária, Maria da
Piedade.213
Não obstante a carência de informações ao nosso dispor, ousamos crer que o nosso caso
pertence à primeira modalidade, sintética e simbiótica, da integração das artes descrita
por Leopoldo Almeida, que não por acaso foi professor de escultura de António Paiva.
Mais ainda, a Moradia apresenta-se como um caso extraordinário, excepcional, dada a
riqueza, complexidade e, ao mesmo tempo, unidade dos temas. Assim, como numa
polifonia, as vozes do pintor, do arquitecto e do escultor interpretaram
harmoniosamente a obra, concertando as próprias ideias e afinando as próprias
divergências.
211
Leopoldo C. de Almeida, Comentário sobre a integração das Artes Plásticas, in Arquitectura, Revista
de Arte e Construção, n. 101, Lisboa, Janeiro-Fevereiro 1968, pp. 5-6.
212
Cfr. Almada Negreiros: um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993, p. 78.
213
As presentes conclusões devem-se a entrevistas feitas a testemunhas.
14.1 António Jorge Rodrigues Varela
130. António Varela, Alçado Poente da residência construída para José Duarte Moreira Rato e Francisco
Vilhena, publicado in Varela, António, “Uma moradia portuguesa”, in A arquitectura portuguesa e a
cerâmica e edificação reunidas, revista mensal técnica e artística, Agosto de 1938, nº 41, ano XXX, 3ª
série, p. 12.
214
“Varela, António Jorge Rodrigues”, in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Verbo, Lisboa, 1980-
1986, vol. XXXIV, p. 182.
215
As datas de nascimento e morte do artista (17/11/1902 - 3/06/1962) foram-nos referidas por Maria do
Céu Rodrigues Varela Pimentel de Figueiredo e Maria do Rosário Varela e Baeta da Veiga. A
Enciclopédia Luso-Brasileira refere 1/11/1902 e não cita o ano da morte. O Dicionário de Arquitectos
Activos em Portugal do século I à Actualidade de José Manuel Pedreirinho, Edições Afrontamento, 1994,
menciona o nascimento em 17/11/1902 e relata o ano de morte em 1963, não em 1962, tal como afirmam
os familiares.
216
António Varela, “Uma moradia portuguesa”, in A arquitectura portuguesa e a cerâmica e edificação
reunidas, revista mensal/técnica e artística, Agosto de 1938, ano XXXI, 3ª série, pp. 10-13.
163
131. Vista Noroeste da entrada principal da Casa de Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.
132. Interior da Casa correspondente à parede Noroeste, com pentagrama pintado e óculo-janela.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
164
Gostaríamos de interpretar este motivo decorativo posto por Varela como uma rosa-dos-
ventos, apontando sempre para o Oeste, mas vista por fora sinistrorsa, por dentro
dextrorsa. Posta em jeito de diafragma entre exterior e interior, a rosa sugere uma
osmose entre dois ambientes, o da casa e o do jardim, remetendo para a orientação
peculiar da construção face aos pontos Cardeais.
A ligação entre José Manuel e António Varela é atestada pelo poema a ele dedicado:217
AS SETE MÁSCARAS
A António Varela.
A primeira máscara dizia: Calem-se todos. Todos se calavam. A segunda máscara escrevia anúncios
nas paredes: É proibido sonhar.
O poeta esperou toda a vida. Quando morreu, a terceira máscara exclamou: Ousaste demasiado.
Obedeceste à primeira máscara mas traíste a segunda. Serás castigado com a morte. Morrerás para
todos os homens.
Falou em vão. O poeta ressuscitou do outro lado do espelho. As sete máscaras reuniram-se em torno da
mesa pé-de-galo.
Todas elas pareciam contrariadas. Gesticulavam com desespero. O poeta não cumpria a sentença. Com
certeza tinha um pacto com o diabo. A quarta máscara dirigiu-se ao espírito do mal. Que todos os
espelhos se quebrem, disse ela. O espírito do mal sorriu e retirou-se. Estava cansado de inutilidades.
As sete máscaras indignaram-se muito com ele. Abandonaram a mesa pé-de-galo e dirigiram-se à
bruxa. A bruxa recebeu-as com indiferença profissional.
As máscaras entreolharam-se, perplexas. Somos as sete máscaras, as sete, gritaram elas. Pois sim, pois
sim, murmurou a bruxa, num bocejo. Que quereis afinal? perguntou. Salvar a nossa honra, disse a
quinta máscara. Estou muito ocupada, desculpou-se a bruxa. Voltem amanhã.
As sete máscaras encolheram os ombros, com tristeza.
Saíram para a rua e procuraram assustar os pardais. Era um recurso. Esforçavam-se por conservar
alguma dignidade. Mas os pardais tinham-se habituado às extravagâncias dos homens. Não se
preocuparam.
Que venha uma praga de gafanhotos!, gritou a sexta máscara. Ora os gafanhotos acabavam de ser
exterminados segundo os processos mais modernos da técnica.
Foi uma decepção. As sete máscaras tinham perdido toda a autoridade. Sentiam-se desconsideradas
perante o mundo. Começaram a gritar por socorro. Nesse momento, imprevistamente, o poeta saiu do
espelho e procurou auxiliá-las. Francamente estava comovido. A sétima máscara exultou. É o momento
da vingança, exclamou ela. Quando o poeta se aproximou, cravou-lhe um punhal no coração. Mas o
poeta estava morto. Não podia morrer duas vezes. As sete máscaras tinham-no confundido com um
homem. Ora ele era apenas um fantasma. Num instante desmascarou-as todas. Transformou-se num
espelho e colocou-se em frente delas. Cada uma reflectiu uma imagem semelhante. Afinal todas se
pareciam com o poeta. Morreram de pasmo. Eram sete corpos com sete punhais cravados no coração.
217
José Manuel, As Sete Máscaras, in Eros IX (Fevereiro 1956), op. cit.
165
133. José de Almada Negreiros, Cabaret, varanda do 2º piso da Casa de Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JPG (_CCC4648.tif)
Uma mesa análoga, mostrando uma figura em pose de meditação, foi encontrada no
espólio da família Varela. Esse desenho aparenta ser uma reprodução do retrato de Sá
Carneiro por Almada.
134. e 135. Desenho anónimo e inédito encontrado no Espólio Varela (Varela?), Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008 e José de Almada Negreiros, Retrato de Mário de Sá-Carneiro, gravura, 1963,
reproduzida em José-Augusto França, Almada: o português sem mestre, Lisboa, Estúdios Cor, 1974, p.
35. Fotografia Neogravura Lda. http://multipessoa.net/media/labirinto/passos-imagens/351.png
166
Quase uma iconografia da melancolia, esta, que se torna da contemplação pela variante
do olhar virado para cima, para as estrelas, para o transcendente. Pelo contrário, um
Arlequim melancólico foi assinado em 1922 por Almada, salientando o carácter
introspectivo, reflexivo e absorto do filósofo debaixo da máscara, imergido na sua
meditação interior.
136. José de Almada Negreiros, Arlequim, 1922, publicado no catálogo da exposição Almada, curada por
Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14
de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.], fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão, já publicado
em Lima de Freitas, Almada e o Número, Lisboa, Arcádia, 1977, p. 34, fotografia de Vítor Santos, Atelier
Arcádia.
Estando este Arlequim também sentado numa mesa idêntica às outras é o trait-d’union
entre o desenho encontrado no acervo Varela e o azulejo da Casa. É supérfluo lembrar a
particularidade da mesa de pé-de-galo ser um meio de comunicação com o
transcendente. A mesa escolhida por Almada é, portanto, o elemento que põe em
contacto o imanente com o transcendente, o aquém com o além.
O conto de José Manuel dedicado ao arquitecto tem sem dúvida um cariz fortemente
esotérico, do qual salientaria apenas dois aspectos: a função do vidro-espelho
167
despedaçado, tal como o vitral, que é composto por fragmentos de vidro reunidos, e a
identificação final do sujeito com o objecto da contemplação, fusão, esta, que percorre
toda a iconografia da Casa como já dissemos anteriormente.
O convívio entre António Varela e José de Almada Negreiros é atestado pela presença
de importantes primeiras edições de livros oferecidos pelo pintor ao arquitecto com
dedicatórias muito afectuosas.218
Em particular realçamos uma primeira edição da Invenção do Dia Claro, de 1921:
137. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de A Invenção do Dia Claro, Espólio Varela.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://4.bp.blogspot.com/_1O80CFZ_Yu8/SJNeQen9h3I/AAAAAAAACcM/9k5pwR2CKzM/s400/DIA
+CLARO.jpg
Uma primeira edição de A Chave Diz: Faltam Duas Tábuas e Meia de Pintura no Todo
da Obra de Nuno Gonçalves, 1950
218
Agradeço encarecidamente à Senhora Dona Maria do Céu Pimentel, sobrinha de António Varela, por
me ter permitido o acesso e a publicação de parte do espólio do arquitecto.
168
138. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de A chave diz: Faltam duas tábuas e meia de
pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves “o pintor português que pintou o altar de S. Vincente na Sé
de Lisboa”, Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
com dedicatória:
139. José de Almada Negreiros, dedicatória “Ao António Varela com um abraço do seu amigo”, ass., dat.
Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
140. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de Mito-Alegoria-Símbolo, Espólio Varela.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://3.bp.blogspot.com/_EQnaPSHM4MU/Slz-9Y_jpGI/AAAAAAAABoM/-
CsbpHlqpKQ/s320/Mito+-+Alegoria+-+S%C3%ADmbolo.jpg
141. José de Almada Negreiros, Dedicatória “Ao António Varela, a quem chamo António como ao meu
irmão António”, Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
170
É particularmente significativo, na minha opinião, que três das mais filosóficas obras do
pintor, com dedicatórias, se encontrem no espólio do arquitecto, sintoma duma
familiaridade que não pode ser ocasional nem formal.
A selar a evidente amizade entre os artistas fica um fino e preciosíssimo desenho, cujo
estilo pertence à série da década dos anos ‘10-‘20, até agora inédito:
142. José de Almada Negreiros, Desenho inédito, ass. e dat. (1921). Espólio Varela. Fotografia de Nuno
Nazareth Fernandes.
143. José de Almada Negreiros, Acrobatas, 1919, lápis e esferográfica s/papel, 291 x 218, ass. dat.,
Espólio Varela. Fotografia de Nuno Nazareth Fernandes.
144. Anónimo, No Circo, gravura encontrada no Espólio Varela. No verso: “Pertence ao arquitecto
António Varela. Queremos ser do Almada Negreiros. Basta ter sido do tio António e ter estado numa
exposição por ser um bom quadro. O arquitecto Tinoco está convencido que é do Almada Negreiros”.
Fotografia de Barbara Aniello.
145. José de Almada Negreiros, Autoreminescência (auto-retrato), tinta da china s/papel, 190 x 115, ass.
dat., ded., Paris 1949, Espólio Varela, Fotografia de Nuno Nazareth Fernandes.
146. Fotografia dum jantar com amigos, entre os quais José de Almada Negreiros (terceiro a contar da
esquerda), Sarah Affonso (quarta a contar da direita), António Varela (primeiro a contar da direita).
Espólio Varela. Reprodução Barbara Aniello.
147. Jantar em honra de Almada, 1941. Entre os convidados, António Varela, de pé à esquerda do artista.
Fotografia publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand,
Lisboa, 2006, p. 147. Fotocompográfica, Lda.
175
148. Fotografia de António Paiva, encontrada no Espólio familiar. Reprodução de Barbara Aniello.
219
António Duarte, Escultor António Paiva, op. cit., pp. 165-167.
176
149. António Paiva, escultura para a Exposição de Bruxelas, Grande Prémio Individual, 1958.
Reprodução de Barbara Aniello
220
A biografia do artista foi reconstruída essencialmente a partir da consulta dos Arquivos da Secretaria
da Faculdade de Belas Artes. Agradecemos a autorização do Director da Faculdade e a ajuda
imprescindível do Professor João Duarte. As restantes notícias foram retiradas do Catálogo Escultura e
Desenho de António Paiva, da Galeria de exposições do Diário de Notícias, Lisboa, 1958, pp. 1-4, do qual
reportamos os títulos das obras: 1 – D. Quixote «Bronze» 2 - D. Quixote «Gesso» 3 - Cabeça De Mulher
«Barro Cozido» 4 - Cabeça De Velho «Bronze»,5 - Ceifeiro «Bronze» 6 - Cavaleiro «Bronze» 7 - Mulher
Deitada «Bronze» 8- Homem Com Peixe «Cimento» 9 - Acrobata «Gesso» 10 - Cristo «Bronze» 11-12 -
Pratos «Barro Cozido» 13 - Cabeça «Pedra» e Desenhos, em parte do outro Catálogo da XLVI
177
Exposição de Pintura a óleo e escultura, promovida pela Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa,
1949, onde estão referidas as obras Cabeça de rapaz (estudo) e Máscara de velho (estudo).
221
Patrício António, A medalha portuguesa no século XX, Europália, Bruxelles, 1991, p. 92.
222
Tivemos a notícia que provavelmente a estátua se encontraria no espólio da família Ferrão, que
infelizmente ainda não autorizou a consulta.
178
150. e 151. António Paiva, São Francisco de Assis, estátua em gesso publicada na capa da revista Menina
e Moça, Março, 1971, nº 267 e estudo para São Francisco de Assis, espólio Paiva.
152. António Paiva, São Jorge e o Dragão escultura em terracotas, não assinada, colocada num edifício
224
na rua Guilhermina Suggia, em Lisboa. Fotografia de Barbara Aniello.
224
Este São Jorge e o Dragão faz parte de uma série de terracotas, não assinadas, colocadas na rua
Guilhermina Suggia, em Lisboa, em edifícios dos anos ’50, decorados por António Paiva. Devo esta
referência ao escultor Domingos Soares Branco, que testemunhou a sua execução e colocação.
180
153. Atelier de António Paiva, gessos entre os quais estudos de Rainha Santa Isabel de Estremoz e busto
para Luís Vaz de Camões. Fotografia de Barbara Aniello.
154. e 155. António Paiva, Cavalos em madeira e gesso. Atelier Paiva. Fotografia de Barbara Aniello.
onde o tema do cavalo é o mais recorrente,
156. e 157. António Paiva, desenhos, espólio familiar. Fotografia de Barbara Aniello.
182
inclui algumas peças de cariz esotérico que se aproximam dos temas enfrentados no
portal da Casa, como a referida medalha da árvore invertida e uma outra cunhada em
1974:
158. António Paiva, medalha comemorativa, publicada em Porfírio, José Luis, Bosch: Artistas
contemporâneos e as tentações de Santo Antão, Ministério da Educação e Cultura, Lisboa, 1973.
159. António Paiva, medalha comemorativa para o 50º Aniversário da Direcção Geral dos edifícios e
Monumentos Nacionais, cunhada em 1979. Fotografia de Barbara Aniello.
225
Cfr. infra nota n. 18.
183
160 e 161. António Paiva, medalha comemorativa para a Companhia portuguesa de Cimentos Brancos,
cunhada em 1969. Fotografia de Barbara Aniello.
162. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para o painel do 1º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.
Analogamente à medalha, encontramos nos azulejos por baixo do barco dos amantes,
enlaçados no abraço erótico, um cisne-pelicano emblema do sacrifício e imolação por
amor aos outros.
O convívio entre José de Almada Negreiros, José Manuel e António Paiva é confirmado
pelas testemunhas vivas encontradas.226 Segundo a filha do escultor, o pintor visitava
com frequência o atelier do pai, que se encontrava ao lado do estúdio de João Hogan e
Virgílio Domingues, com os quais convivia diariamente. Uma série de arlequins dos
226
Aqui fica o meu profundo agradecimento à esposa e à filha do artista, Senhora Dª. Alice Berta
Gonçalves Alves e Senhora Dª. Maria Luísa Alves de Paiva, que muito generosamente me
disponibilizaram acesso ao espólio do artista.
184
163. e 164. António Paiva, Arlequins, desenhos encontrados no Espólio familiar. Fotografia de Barbara
Aniello.
165. António Paiva, O teatro, prova de agregação na ESBAL, gesso, 1970. Fotografia publicada em
Memórias em Gesso, Exposição do Acervo Escultórico da Faculdade de Belas Artes da Universidade de
Lisboa, 1996, curada por João Afra, José Miranda e José Fernandes Pereira, p. 26.
227
José-Augusto França, "Começar", in Colóquio, nº 60, Lisboa, Out. 1970; França, José-Augusto,
Almada e o teatro, INATEL, 1980; França, José-Augusto, Almada, Artis, Lisboa, 1963; França, José-
Augusto, Almada, Fundação Calouste Gulbenkian, ACARTE, Lisboa, 1985; França, José-Augusto,
Almada: o português sem mestre, Lisboa, Estúdios Cor, 1974; França, José-Augusto, Os anos 40 na arte
portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1982; Vieira Joaquim, Almada Negreiros,
Fotobiografias Século XX, Bertrand, Lisboa, 2006; Almada, a cena do corpo, op. cit., Almada Negreiros:
um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993.
228
Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 15.
188
167. Porfírio Pardal Monteiro, José de Almada Negreiros, Jorge Barradas, Prédio na Rua do Vale do
Pereiro em Lisboa. Fotografia de Laura Castro-Caldas.
http://i.pbase.com/o6/21/4921/1/37856136.PMet4JyU.Lisboa_Sao_Mamede3412.jpg
A união da antiga tradição portuguesa com uma estética nova e inovadora é visível no
traço almadino, nas linhas onduladas e nervosas nas quais se movimentam os losangos,
quase a derramar os próprios contornos numa lagoa verde-desbotada constelada de
pintinhas brancas. A solução dinâmica encontrada por Almada dissolve o risco dum
desenho rigidamente geométrico, que no seu revestimento total poderia ter pesado na
leveza do edifício, o qual resulta, pelo contrário, extremamente plástico e quase
ascendente na verticalização dos motivos.
229
Ibidem, p. 16.
189
168. Porfírio Pardal Monteiro, José de Almada Negreiros, Jorge Barradas, pormenor do prédio na Rua do
Vale do Pereiro em Lisboa. Fotografia de Laura Castro-Caldas.
http://i.pbase.com/o6/21/4921/1/37856135.pLh0kK16.Lisboa_Sao_Mamede3417.jpg
230
Ibidem, p. 31.
231
Ibidem, p. 36.
190
169. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para o painel do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.
232
Ibidem, p. 37.
191
170. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para Cabaret, painel do 2º piso da Casa da Rua de
Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 37.
171. José de Almada Negreiros, azulejo, Casa-Atelier em Bicesse, publicado in Suraya Burlamaqui,
Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996,
p. 38.
172. José de Almada Negreiros, pormenor do painel do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JPG (CCC4603.tif)
173. José de Almada Negreiros, Nu à janela, gouache, 1946, 48 x 34, ass. dat., colecção particular,
publicado no catálogo da exposição Almada, curada por Margarida Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna
da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.].
Fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão.
174. José de Almada Negreiros, painel de azulejos para a Livraria Ática, publicado in Almada Negreiros:
um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993.
175. e 176. José de Almada Negreiros, estudos para azulejos da Escola Patrício Prazeres, Lisboa, 1956,
publicados in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e
relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 39.
Nos anos ‘60, Almada volta a revestir uma residência privada de azulejos. Trata-se
duma moradia inteiramente recoberta de motivos geométricos, “uma composição
modular, de um só módulo que, utilizado em posição inversa e em jogo de cores,
produz, através da junção de quatro azulejos, um desenho de linhas que se cruzam em
diagonal sobre fundo de losango (sempre o losango do arlequim) e folhas estilizadas em
cruz”.233 Curiosamente esta casa encontra-se na Rua de Alcolena, fisicamente a pouca
distância da outra, no número 36, mas qualitativamente longínqua com respeito à de
António Varela.
177. e 178. José de Almada Negreiros, azulejos para a moradia na Rua de Alcolena, nº 36, publicados in
Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 38.
233
Ibidem, p. 38.
195
No que respeita ao vitral, executado para a biblioteca privada de José Manuel, Almada
enfrenta um desafio duplamente insólito e único ao longo do seu percurso de artista:
trata-se da primeira e única encomenda privada para um vitral de tema profano e não
sacro.
Com excepção feita pelo tríptico de painéis envidraçados para os Salões da Fábrica de
Fogões Portugal, 1948 e para o conjunto de vitrais para a sede do Tribunal de Contas,
Almada ocupar-se-á da técnica do vitral exclusivamente no âmbito da arquitectura
religiosa. Em todo o caso, nunca realizará um vitral para fruição privada com tema
mitológico ou profano.
Depois da realização dos vitrais para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, concluídos
em 1938, com o arquitecto Pardal Monteiro, onde encontramos a já referida Trindade,
Almada executará os Vitrais para o Seminário Maior de Cristo-Rei, nos Olivais em
1950, ainda em parceria com o arquitecto. A colaboração com Pardal Monteiro, criador
da “primeira igreja moderna de Portugal”,234 valer-lhe-á o epíteto de “o mais arquitecto
dos pintores portugueses” que consagrará Almada no panorama da decoração sacra
portuguesa.
Em anos mais próximos da encomenda do Restelo, são duas as obras que, no nosso
entender, fazem de ponte entre os vitrais públicos e o privado: a Igreja do Santo
Condestável em Lisboa e a Capela de São Gabriel em Vendas Novas, ambas realizadas
em 1951.
Iconograficamente Almada estuda as possibilidades de um espaço sagrado, preenchido
pela presença extra-ordinária do arcanjo da Anunciação. No vitral da Casa, este espaço
torna-se mítico, com a figura deitada de Psique resultante duma rotação de 90 graus do
arcanjo das Capelas. O mitológico, tal como o sagrado torna-se assim símbolo da
condição humana, que necessita duma descida do alto para baixo (Arcanjo) ou duma
queda (Eros-Psique) para alcançar o conhecimento (gnose) por meio do Amor.
234
Cfr. Porfírio Pardal Monteiro, in Memória descritiva, Processo CML, n.º 52.440, 1934.
196
179 e 180. José de Almada Negreiros, Anunciação, 1951, Igreja do Santo Condestável, Lisboa, fotografia
publicada em Almada Negreiros: um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993, p. 49 e José de Almada
José de Almada Negreiros, Anunciação, vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951.
http://www.snpcultura.org/fotografias/igreja_santo_condestavel/15.jpg
http://4.bp.blogspot.com/_IiPPmMhZYOE/RpZA30LUYtI/AAAAAAAAAIM/IfB8IhNCz9I/s400/379_7
908.jpg
Êxito duma amálgama entre as obras para as igrejas e para a biblioteca é o vitral
fingido, misterioso e gigantesco, de cinco metros de altura, concebido em 1965 para a
peça teatral Auto da Alma, realizado com colagens de papel de cera e fita isoladora, em
simulação de vidro.
197
181. José de Almada Negreiros, Vitral, 1965 para a peça teatral Auto da Alma de Gil Vicente. Fotografia
publicada em Vítor Pavão dos Santos, O escaparate de todas as artes ou Gil Vicente visto por Almada
Negreiros, Instituto Português de Museus, 1993, p. 63.
Nesta peça de Gil Vicente, Almada assina a encenação, os figurinos e a cenografia para
contar o enigma da Alma que, despojada de toda a sua Vanitas, se entrega à Igreja
Triunfante. Aqui, na moldura sacra que envolve a peça, Almada comenta as aventuras
de uma Alma que, como Psique, desejando o Conhecimento Supremo supera várias
provas e tentações, apresentando-se às autoridades, no fim das suas peregrinações, como
Nuda Veritas.
Em particular, é no primeiro diálogo entre a Alma e o seu Anjo da Guarda que se
encontram as mais salientes correspondências entre a peça vicentina e a obra da Rua de
Alcolena.235 Porta-voz o Anjo, encontramos a mais perfeita descrição da Alma:
Alma humana, formada
De nenhũa cousa feita,
Mui preciosa,
De corrupção separada,
E esmaltada
Naquella frágoa perfeita, gloriosa!
235
Gil Vicente, Auto da Alma, Tipografia da Enciclopédia Portuguesa, Porto, 1926, pp. 40-41.
198
Na metáfora vegetal, entre dois pólos opostos, em “alta costa”, situa-se a Alma que do
Céu provem e ao Céu tem de voltar.
Por último surge o apelo para sair do sono e da imobilidade, dada a essência efémera e
fátua do dia que, tal como a vida, está prestes a findar.
Alma bem-aventurada,
Dos anjos tanto querida,
Não durmais!
Hum ponto não esteis parada,
Que a jornada
Muito em breve é fenecida,
Se atentais.
A árvore humana, o sono despertado, este elanguescer do crepúsculo… tudo isto faz-nos
lembrar os temas da Casa e do vitral. Psique é na Casa o que a Alma é no Auto.
Na sua resposta, a Alma vicentina remete para a Psique almadina:
Anjo que sois minha guarda,
Olhai por minha fraqueza
Terreal!
De toda a parte haja resguarda,
Que não arda,
A minha preciosa riqueza
Principal.
Temendo a queda, a Alma recomenda-se ao Anjo, responsável pela sua vigilância, tal
como Eros que socorre Psique nas suas provas expiatórias.
Mais um elemento liga Psique à Alma: é esta alusão ao ardor, à chama. Fraqueza e
riqueza, terreal e principal estão contrapostos no discurso da Alma, que espera não
extinguir, não consumir no fogo o seu Bem mais precioso. Do mesmo modo, no vitral,
199
Psique torna-se uma chama ardente de desejo e o seu corpo acende-se como um archote
por cima do apagado corpo terreal do amado.
Mais uma vez, é o teatro que Almada amava definir como “o escaparate de todas as
artes”, a unir os caminhos sacros e profanos, públicos e privados da sua obra. Assim, a
Casa, a Alma, Psique e o Teatro encontram-se ligados num nó indissolúvel.
Como diz o filósofo Paulo Sinde, a Alma tem a sua origem no outro mundo e vem a este
para dar celestes flores, não rosas que têm espinhos, símbolo da peregrinação terrestre,
mas primulas, ou primaveras, símbolo da peregrinação celeste.
Se a alma é uma planta, o caminho da regeneração, da demanda da vida nova, é o que deve percorrer o
neófito, que etimologicamente significa “nova planta”. […] Todas as plantas têm duas raízes, que
correspondem a dois tipos de alimento: uma raiz alimenta-se da humanidade da treva, do mineral e a
outra da luz do céu; só por distracção chamamos ramos às raízes do alto. É do encontro das duas raízes
que nascem a flor e o fruto. […] O homem é também essa dupla raiz mas, ao contrário da planta, tem a
raiz visível na terra e a invisível no céu. E é também no encontro de uma com a outra que ele se realiza –
nem só terra, nem só céu, porque o homem tem uma missão criadora a realizar aqui. Como diz Gil
Vicente: Planta nesse valle posta/Pêra dar celestes flores/Olorosas. A sua missão é de aproximar a terra,
236
subtilizando-a, do céu.
Tal como a Casa, Psique sofre esta tensão entre alto e baixo e padece também uma
inversão, na sua dupla viagem do céu para a terra e vice-versa. À sua queda segue a
apoteose. Tal como na dupla escadaria de acesso à moradia e na escada para o terraço, a
Alma pode descer e subir ao longo da árvore invertida que é a Casa da Rua de Alcolena,
do sensível ao inteligível
como lemos na epigrafe platónica da revista Eros de José Manuel.
No fim deste breve excursus através da arte da azulejaria e do vitral na extensa obra
almadina, podemos concluir que a Moradia do Restelo, assinada em co-autoria com
António Varela e António Paiva e comissionada pela família Fróis Ferrão é, sem
dúvida, um exemplar único e irrepetível.
Nesta obra o pintor abandona o azulejo de padrão, utilizado noutros edifícios, públicos e
privados, anteriores e posteriores à data dos painéis da Casa, e realiza um revestimento
exterior figurado e geométrico, sem ser modular, um geométrico-lírico poderíamos
defini-lo, tal como fez em algumas construções públicas lisboetas. Os azulejos
alegóricos da moradia da Rua de Alcolena, pela qualidade que os caracteriza, pela
técnica experimental e mista que os distingue, pela posição virada ao exterior, pelo
destino privado e não público, ocupam um lugar muito especial não só na produção
almadina, mas também no panorama da cerâmica artística portuguesa do século XX.
236
Pedro Sinde, Terra Lúcida. A intimidade do homem com a natureza, Pena Perfeita, 2005, pp. 28-29.
Devo ao arquitecto Hugo Nazareth Fernandes a descoberta deste precioso livro.
200
Tudo pode ser motivo de poesia: uma estrela, um corpo de mulher, um lago, uma cidade em ruínas, -o que
quer que seja. De resto, o objecto só importa depois de transfigurado. De certo modo irrealiza-se, ou
melhor, transrealiza-se, porque não perde realidade, toma outra realidade.237
O que conta não é o objecto, mas a sua transfiguração. Como dizer que o texto, no
nosso caso, é um pré-texto. A Casa não é fim, mas meio de um discurso que quer pôr o
acento no processamento das imagens, desprezando o seu resultado.
Prosseguindo no seu raciocínio, o proprietário quase nos fornece um roteiro da casa:
De início (o objecto) está exposto, simplesmente, - despido de toda e qualquer significação. O sentido que
ele possa vir a ter depende de quem o observa, ou recorda, ou imagina. Só depois de absorvido pela
consciência se torna significativo.238
Este é o percurso do visitante que, acedendo pelo portal esotérico (início), entra na
Biblioteca e contempla o vitral de Eros e Psique (objecto despido). Logo o sujeito é
chamado a três operações: observar (visão), recordar (memória) e imaginar (visão
interior). Uma vez feitos estes três passos para a sua iniciação e uma vez que o objecto
tenha sido “absorvido pela consciência” o visitante pode prosseguir nas metamorfoses
mais explícitas de Psique e contemplar a sua perfeita união com Eros.
Gostaria de frisar a operação da memória. É através desta passagem que a Alma,
segundo Platão, pode cumprir a sua instrução. Na filosofia platónica a Alma (Psique)
não morre, mas muda de identidade, (do grego meta: mudança + en: em + psiquê:
alma), renascendo, após ter esquecido a sua vida anterior, através da passagem pelas
águas do rio Lete, o rio do olvido. Para Platão, conhecer não quer dizer aprender ex-
novo, mas sim relembrar o que foi limpo pelas águas do Lete, voltar atrás da própria
reincarnação. O processo iniciático da gnose passa portanto através do olhar físico, da
memória, da visão interior. Psique sofre assim uma Metempsicose, ou seja muda,
transformando-se em outras identidades, mas no fim torna-se, através da memória, uma
Psique regenerada.
O objecto visto, recordado, imaginado torna-se, no universo de José Manuel, matéria
poética. Assim ele confessa a própria atitude ekphrástica:
O poeta vai mais longe. Não se limita a dar-lhe um sentido de circunstância, procura recriá-lo,
fornecendo-lhe, dentro de outras coordenadas, uma nova presença, uma nova dimensão, um novo
dinamismo. O objecto é assim re-exposto, não como realidade ontológica, mas como realidade poética.
Por uma verdadeira alquimia da sensibilidade e do pensamento, ele ressurge, numa outra perspectiva,
como um símbolo mais ou menos activo, mais ou menos intencional. 239
Deste modo, na escrita do poeta, todo o pré-texto que é a sua Casa torna-se texto. Como
isso foi possível?
237
José Manuel, Antologia Contemporânea, Jean Cocteau, in Eros XII-XIII (Outubro 1957), op. cit.
238
Ibidem.
239
Ibidem.
203
Tudo é possível
dentro da alma240
Recolhido na sua “mansão inteligível”, como diria Sócrates de quem Platão é porta-
voz,242 José Manuel procura a Unidade, confessando no seu romance poemático:
Sou incapaz de resolução - polarizo-me. E cada nova situação é um novo problema inexplicável,
insolúvel. Não encontro nunca a solução. Vivo em dissonância. Mas, no fundo, muito no fundo, - espero
sempre. Todos os dias procuro a estrela da manhã, - qualquer cousa como um caminho.243
A Estrela da Manhã, também dita Phosphoros, ou Lúcifer, não é outra coisa que a
iconografia do Pentalfa invertido do portal iniciático. Como dizer “todos os dias inicio,
todos os dia retomo o caminho, re-começo”. Procurada no céu ou nas reproduções em
azulejo e pintura das paredes exteriores ou interiores da casa, esta estrela é uma chave
simbólica de Auto-Conhecimento. Assim arte e biografia coincidem:
Há em mim uma dupla existência. Sou simultâneamente tese e antítese (sensível, intelectual e emocional).
Mas não realizo nunca uma síntese. Porque não há continuidade lógica na vida.244
240
José Manuel, Transfigurações, dedicado a Eduardo Viana, in Eros V-VI (Outubro 1953), op. cit., V-
VI, 6.
241
José Manuel, Antologia Contemporânea, Henri de Lescoët, in Eros XIV-XV (Dezembro 1958), op.
cit.
242
Cfr infra, p. 18. Platão, A República, trad. e notas de Maria Helena da Rocha Pereira, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1993, livro VII, pp. 317 e segg.
243
José Manuel, Alquimia do sonho, op. cit., p. 54.
244
Idem, p. 54.
245
José Manuel, Antologia Contemporânea, in Eros XIV-XV (Dezembro 1958), op. cit.
204
E o poeta? No recolhimento aparentemente hermético, impenetrável dos símbolos - por timidez? por
pudor? - vai procurando, discretamente, traduzir-se em enigmas - em oráculos - que são como portas
abertas para o mistério de toda uma vida.246
No teatro todos são um; toda a arte que passa do particular para o geral faz imediatamente teatro;
Desde o princípio do mundo até hoje não houve mais de duas pessoas: uma chama-se a humanidade e a
outra o indivíduo uma é toda a gente e a outra é uma pessoa só.247
E Psique?
182. José Manuel na sua Biblioteca com o seu Fox Terrier, Jagodes. Ao fundo, o vitral de Eros e Psique.
Fotografia gentilmente concedida por Madalena Ferrão. Espólio familiar. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.
246
Ibidem.
247
José de Almada Negreiros, Pierrot e Arlequim, Personagens de teatro, in Manifestos e Conferências,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, pp. 101-103.
205
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206
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Cerejo, José António e Oliveira, Maria José e Boaventura, Inês, artigos publicados no
Público, em 21.02.2009 e 25.02.2009.
Cordeiro Ferreira, Fátima coord.; Carvalho, José Silva; Nunes da Ponte, Teresa; Silva,
Filipe Jorge, Guia Urbanístico e Arquitectónico de Lisboa, Associação dos Arquitectos
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207
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Tostões, Ana, Os verdes anos da arquitectura portuguesa nos anos 50, Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1997.
2. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 14, Arquivo Municipal de
Lisboa.
3. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de
Lisboa.
4. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de
Lisboa.
5. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal de
Lisboa.
10. e 11. Epígrafes com citação de Paul Éluard e assinatura do Arquitecto com data.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
14. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de
Lisboa.
15. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal
de Lisboa.
16. Dona Maria da Piedade. Fotografia gentilmente cedida por Madalena Ferrão.
Espólio familiar.
17. António Paiva, Medalha em bronze, 80 mm, cunhada, 1970 para a Comissão de
Construções Hospitalares, Hospital de Beja. Colecção particular. Fotografia de Barbara
Aniello.
212
18. António Paiva, desenho preparatório para a Medalha em bronze, 80 mm, cunhada,
1970 para a Comissão de Construções Hospitalares, Hospital de Beja. Espólio Paiva.
Fotografia de Barbara Aniello.
19. Planta geral da Obra Rua de Alcolena, Lote 149, autografada por António Varela
com indicação das plantas, árvores e elementos decorativos do jardim. Espólio Ferrão.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
19A. Esquema a partir da Planta geral da Obra Rua de Alcolena, Lote 149, autografada
por António Varela com indicação das plantas, árvores e elementos decorativos do
jardim. Desenho de Barbara Aniello.
21. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal
de Lisboa.
22. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de
Lisboa.
27. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de
Lisboa.
30. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 52, Arquivo Municipal
de Lisboa.
213
35. José de Almada Negreiros, O número, 1958, tapeçaria em lã, Manufactura das
Tapeçarias de Portalegre, Tribunal de Contas de Lisboa, Colecção Tribunal de Contas
de Lisboa, 2600 x 7090, reproduzida em Almada Negreiros, Obra Plástica, curadores
José de Almada Negreiros, Rui Guedes, Bertrand, 1993, n. 83. Fotografia de António
Homem Cardoso. Publicado em Aniello, Barbara, “José de Almada Negreiros: do Caos
à Estrela dançante”, in Artis, Revista do Instituto de História de Arte da Universidade de
Lisboa, n. 6, Lisboa, 2007, p. 331.
http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/images/o_numero.jpg
36. José de Almada Negreiros, Começar, baixo-relevo em pedra, 2.310 x 12.870, ass.,
dat., Átrio da Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção da Fundação Calouste
Gulbenkian, reproduzida em Almada Negreiros, Obra Plástica, curadores Arq. José de
Almada Negreiros, Rui Guedes, Bertrand, 1993, n. 111. Fotografia de António Homem
Cardoso.
http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/images/comecar.jpg
37. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da Assembleia da
República, Residência Oficial do Presidente, fotografia de Barbara Aniello, publicado
em Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca
da obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº
30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009,
pp. 106-113.
39. Posição do vitral com respeito à imagem de Portugal no mapa da Europa de José
Almada Negreiros.
40. e 41. Casa da Rua Alcolena, chaminé fingida e canteiro. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.
42. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, aguarela e lápis sobre papel, 16 x 56, n.
ass. e n. dat., Col. Jorge de Brito, publicada no catálogo Almada: a cena do corpo,
Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27 de Outubro de 1993 a 15 de Janeiro
1994), Lisboa, 1993, p. 227. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha Henriques
Ruas.
43. José de Almada Negreiros, Eros e Psique, estudo para o painel decorativo da
residência do Arq. António Varela, Encosta da Ajuda, Óleo sobre papel, 655 x 3020, n.
ass. e n. dat., colecção particular, Lisboa, publicado no catálogo Almada: a cena do
corpo, Exposição no Centro Cultural de Belém (de 27 de Outubro de 1993 a 15 de
Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p. 227. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha
Henriques Ruas. Republicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo
214
curado por Rui Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada
Negreiros, Cascais, 1996, p. 191.
44. José de Almada Negreiros, Par, 1920, Lapis e aguarela sobre papel, 293 x 228 mm.,
col part., Lisboa, Expo. CAM., cat. 8. Fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha
Henriques Ruas, publicado também em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-
Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 69. Fotocompográfica, Lda.
45. José de Almada Negreiros, Ilustração para La Raquete japonesa, cuento de Ramón
Gomez de la Serna, 1929, publicado no jornal La Esfera, 26 de Outubro de 1929, pp.
14-15, Madrid, BN Z 6557, reproduzido em Almada o escritor, o ilustrador, catálogo
coord. Manuela Rego, Lisboa, 1993, p. 173. Fotografia de Luís Carlos.
46. José de Almada Negreiros, Arlequim e Columbina, 1940, 42 x 30, tinta da china
sobre papel, ass. dat., col. Miguel Veiga, Porto, fotografia de Mário de Oliveira e
Gustavo Leitão, publicado no catálogo Almada, Expo C.A.M., 1984, [s.l.]. Fotografia de
Victor Branco e Campiso Rocha Henriques Ruas.
47. José de Almada Negreiros, Arlequim e Columbina, 1938, Aguarela, tinta da china,
lápis sobre papel, 533 x 452 mm., ass., dat., col. Arq. Carlos Tojal, Lisboa, fotografia
publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros,
Bertrand, Lisboa, 2006, p. 9, Fotocompográfica, Lda.
48. José de Almada Negreiros, Encontro, 1937, desenho para o livro de poemas inédito,
BN J. 4349M, publicado em Almada o escritor, o ilustrador, catálogo coord. Manuela
Rego, Lisboa, 1993, p. 79. Fotografia de Luís Carlos.
49. José de Almada Negreiros, Par dançante, pormenor do painel da varanda do 2º piso
da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicado em
Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da
obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30,
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp.
106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4650.tif)
50. José de Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso
da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, publicado em
Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da
obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30,
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp.
106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
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51. José Manuel, capa para As Quatro estações, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1963,
desenho do autor. Reprodução de Barbara Aniello.
52. José Manuel, capa para Alquimia do sonho: romance poemático, 1952, Biblioteca
Nacional de Lisboa, desenho do autor. Reprodução de Barbara Aniello.
215
55. José de Almada Negreiros, Invenção do Dia claro, ms., Biblioteca Nacional de
Portugal, Espólio Almada Negreiros, N. 15/1. Depósito da Biblioteca Nacional de
Portugal, 2007.
http://images.google.pt/imgres?imgurl=http://purl.pt/13858/1/imagens/a1c/107_n15-
1_0001.jpg&imgrefurl=http://purl.pt/13858/1/geneses/1/3-
107.html&usg=__OV1_m_IBYWYxgAT7Aqc3DqZQG3A=&h=539&w=379&sz=43&
hl=pt-PT&start=1&sig2=qQY0A3W4Pg3HdDv0ikTIXA&um=1&tbnid=feWR3N_t5-
zVOM:&tbnh=132&tbnw=93&prev=/images%3Fq%3Dalmada%2Bnegreiros%2Binve
n%25C3%25A7%25C3%25A3o%2Bdo%2Bdia%2Bclaro%26hl%3Dpt-
PT%26lr%3D%26rlz%3D1G1TSED_ITIT318%26um%3D1&ei=W0snS52IIdWA4Qb
Z-oyaDQ
56. José de Almada Negreiros, SW: Sudoeste, cadernos de Almada Negreiros, admin.
Dário Martins, Edição facsimilada, Contexto, Lisboa, 1982, capa do nº1.
http://publicacoesmaitreya.pt/files/t378
57. José de Almada Negreiros, N.C. 5 – Invention Vert, 1918, ms., Espólio Almada
Negreiros, N 15/5, Biblioteca Nacional de Portugal, Sala Reservados. Depósito da
Biblioteca Nacional de Portugal, 2007.
http://acpc.bn.pt/imagens/colecoes/n15_negreiros_almada_th.jpg
61. José de Almada Negreiros, Pentagrama, tinta da china s/papel, ass. s/d., ded., 27 x
21 cm., publicado no Catálogo da Exposição Colecção Alberto de Lacerda - Um Olhar,
editado pela Assírio e Alvim, 2009, p. 32. Depositado na Fundação Mário Soares,
Colecção Alberto Lacerda.
216
http://www.fmsoares.pt/aeb/dossier14/images/08129.377.jpg
66. José de Almada Negreiros, painel da varanda do piso inferior da Casa da Rua de
Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4597.tif)
72. Posição da Casa com respeito à imagem de Portugal no mapa da Europa de José
Almada Negreiros.
73. António Varela, Obra 23293, Processo 35792/1951, Folha 53, Arquivo Municipal
de Lisboa.
74. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 11, Arquivo Municipal de
Lisboa.
217
76. José de Almada Negreiros, Maternidade, varanda do segundo piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
77. José de Almada Negreiros, Paternidade, varanda do segundo piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4637.tif)
78. José de Almada Negreiros, Trindade, Igreja da Nossa Senhora de Fátima, fotografia
publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros,
Bertrand, Lisboa, 2006, Fotocompográfica Lda.
http://farm1.static.flickr.com/23/30850423_b95ca2c700.jpg
79. José de Almada Negreiros, Cabeça de Arlequim, lápis, 34 x 22, ass. n. dat., desenho
publicado com o nº 105 [s.l.], em Almada, catálogo da exposição curada por Margarida
Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho
a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e
Gustavo Leitão.
80. e 81. José de Almada Negreiros, Arlequim, varanda do primeiro piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008 e desenho preparatório para
Arlequim, publicado no catálogo da exposição curado por Margarida Acciaiuoli, Centro
de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de
1984), Lisboa, 1984, com o nº306 [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo
Leitão.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4592.tif)
82. e 83. José de Almada Negreiros, Columbina, varanda do primeiro piso da Casa de
Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008 e desenho preparatório
para Columbina, publicado no catálogo da exposição curado por Margarida Acciaiuoli,
Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de
Outubro de 1984), Lisboa, 1984, com o nº305 [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e
Gustavo Leitão.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4596)
87. José de Almada Negreiros, pormenor de Circo, varanda do 2º piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4650)
89. José de Almada Negreiros, Sereia, pormenor da varanda do 1º piso da Casa de Rua
de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081128W7uXO5am1Ri35HP1.JP
G (_CCC4607)
90. 91. e 92. Sarah Afonso, Sereia, Manufactura das Tapeçarias de Portalegre,
fotografia publicada em AA.VV., Leilão de Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção
Canto da Maya, Leilão de Pintura e Escultura Portuguesa, Colecção Canto da Maya,
Palácio do Correio Velho, Lisboa, 2000., que a ela se refere com o n.º 681, p. 139;
Sereia, 1939, 1200 x 800, óleo sobre tela, fotografia publicada em Sarah
Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo curado por Rui Mário Gonçalves, Miguel
Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 93
http://pinturaportuguesa.blogs.sapo.pt/arquivo/sarah_afonso3g.jpg; Sereia prato em
cerâmica policromada, 300 mm. de diâmetro, fotografia publicada em Sarah
Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo a cura de Rui Mário Gonçalves, Miguel
Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais, 1996, p. 87.
93. José de Almada Negreiros, Par abraçado, pormenor do painel da varanda do 1º piso
da Casa da Rua de Alcolena. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008. Publicado em
Barbara Aniello, As metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da
obra de arte total, em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30,
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp.
106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4602.tif)
97. e 98. José de Almada Negreiros, Desenho, 1922, publicado em Histoire du Portugal
par cœur, em Contemporânea, Grande Revista Mensal, dir. José Pacheco, edit.
Agostinho Fernandes, ano 1, nº1, 1922, p. 30, publicado também em Vieira Joaquim,
Fotobiografias do Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 67, já
publicado no catálogo da exposição Almada, curada por Margarida Acciaiuoli, Centro
de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho a 14 de Outubro de
1984), Lisboa, 1984, [s.l.], fotografia de Mário de Oliveira e Gustavo Leitão,
reproduzido também em António Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica, Câmara
Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 65 e José de Almada Negreiros, Par abraçado,
pormenor do painel da varanda do 1º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008, Publicado em Barbara Aniello, As
metamorfoses de Psique na Casa da rua de Alcolena: em busca da obra de arte total,
em Monumentos, revista semestral de edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral
dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4602.tif)
99. José de Almada Negreiros, Capa para a peça de teatro Deseja-se Mulher,
reproduzida em António Rodrigues, Almada Negreiros: obra gráfica, Câmara
Municipal de Lisboa, Lisboa, 1993, p. 64.
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4650.tif)
103. José de Almada Negreiros, Circo, varanda do 2º piso da Casa da Rua de Alcolena.
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
220
http://www.cidadaosporlisboa.org/imgs/imagens/1235081125H7pXU1sp9Hc61QV3.JP
G (_CCC4650.tif)
104. José de Almada Negreiros, Arlequim e bailarina, desenho preparatório para Circo,
publicado no catálogo exposição Almada, a Cena do corpo, Exposição no Centro
Cultural de Belém (de 27 de Outubro de 1993 a 15 de Janeiro 1994), Lisboa, 1993, p.
150, lápis sobre papel 500 x 325 mm., ass., n. dat., ded: para a Rusa 1° aniversario. Col.
Rusa Bustorff Burnay, fotografia de Victor Branco e Campiso Rocha Henriques Ruas.
Republicada em Sarah Afonso/Almada: exposição conjunta, catálogo a cura de Rui
Mário Gonçalves, Miguel Torga, João Vasco, Arq. José de Almada Negreiros, Cascais,
1996, p. 185.
106. António Varela, Obra 23293, Processo 2306/1955, Folha 4, Arquivo Municipal de
Lisboa.
109. António Varela, Casa de Rua Alcolena, Escada de acesso à cobertura do Terraço,
Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
110. António Varela, Casa de Rua Alcolena, Porta da Garagem, Fotografia de Hugo
Nazareth Fernandes.
113. José Manuel, capa para Poemas para uma andorinha chamada Astrid, Biblioteca
Nacional de Lisboa, 1950, desenho do autor.
116. José Manuel, capa para Princezinha descalsa, Biblioteca Nacional de Lisboa,
1952, desenho do autor.
119. e 120. José de Almada Negreiros, recto e verso do postal, desenho-estudo para o
vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008, Espólio Varela.
121. José de Almada Negreiros, pormenor de Eros e Psique, vitral, 400 x 50, Museu da
Assembleia da República, Residência Oficial do Presidente, fotografia de Barbara
Aniello. Publicado em Barbara Aniello, “As metamorfoses de Psique na Cada da rua de
Alcolena: em busca da obra de arte total”, em Monumentos, revista semestral de
edifícios e monumentos, nº 30, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais,
Lisboa, Dezembro de 2009, pp. 106-113.
122. José de Almada Negreiros, estudo para vitral da Capela de São Gabriel, em Vendas
Novas, 1951, óleo, publicado em Vieira Joaquim, Fotobiografias do Século XX-Almada
Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 154. Fotocompográfica Lda.
123. 124. e 125. José Manuel, capas para As primeiras canções, 1944, Novas Canções,
1946, Sargaços, 1947, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1952, desenhos de José de
Almada Negreiros. Reprodução de Barbara Aniello.
126. 127. e 128. Fotografias de António Varela, espólio familiar, reprodução de Barbara
Aniello, António Paiva, arquivos Faculdade de Belas Artes, reprodução de Barbara
Aniello, José de Almada Negreiros, publicada em Vieira Joaquim, Fotobiografias do
Século XX-Almada Negreiros, Bertrand, Lisboa, 2006, p. 152. Fotocompográfica Lda.
http://static.blogstorage.hi-
pi.com/photos/jmgs.fotosblogue.com/images/mn/1207593080/7-de-Abril-de-1893.jpg
137. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de A Invenção do Dia Claro,
Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
http://4.bp.blogspot.com/_1O80CFZ_Yu8/SJNeQen9h3I/AAAAAAAACcM/9k5pwR2
CKzM/s400/DIA+CLARO.jpg
138. José de Almada Negreiros, Capa da primeira edição de A chave diz: Faltam duas
tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves “o pintor português que
pintou o altar de S. Vincente na Sé de Lisboa”, Espólio Varela. Fotografia©Paulo
Cintra, Novembro 2008.
139. José de Almada Negreiros, dedicatória “Ao António Varela com um abraço do seu
amigo”, ass., dat. Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra, Novembro 2008.
141. José de Almada Negreiros, Dedicatória “Ao António Varela, a quem chamo
António como ao meu irmão António”, Espólio Varela. Fotografia©Paulo Cintra,
Novembro 2008.
142. José de Almada Negreiros, Desenho inédito, ass. e dat. (1921). Espólio Varela.
Fotografia de Nuno Nazareth Fernandes.
223
143. José de Almada Negreiros, Acrobatas, 1919, lápis e esferográfica s/papel, 291 x
218, ass. dat., Espólio Varela. Fotografia de Nuno Nazareth Fernandes.
146. Fotografia dum jantar com amigos, entre os quais José de Almada Negreiros
(terceiro a contar da esquerda), Sarah Affonso (quarta a contar da direita), António
Varela (primeiro a contar da direita). Espólio Varela. Reprodução Barbara Aniello.
149. António Paiva, escultura para a Exposição de Bruxelas, Grande Prémio Individual,
1958. Reprodução de Barbara Aniello
150. e 151. António Paiva, São Francisco de Assis, estátua em gesso publicada na capa
da revista Menina e Moça, Março, 1971, nº 267 e estudo para São Francisco de Assis,
espólio Paiva.
152. António Paiva, São Jorge e o Dragão escultura em terracotas, não assinada,
colocada num edifício na rua Guilhermina Suggia, em Lisboa. Fotografia de Barbara
Aniello.
153. Atelier de António Paiva, gessos entre os quais estudos de Rainha Santa Isabel de
Estremoz e busto para Luís Vaz de Camões. Fotografia de Barbara Aniello.
154. e 155. António Paiva, Cavalos em madeira e gesso. Atelier Paiva. Fotografia de
Barbara Aniello.
156. e 157. António Paiva, desenhos, espólio familiar. Fotografia de Barbara Aniello.
158. António Paiva, medalha comemorativa, publicada em Porfírio, José Luis, Bosch:
Artistas contemporâneos e as tentações de Santo Antão, Ministério da Educação e
Cultura, Lisboa, 1973.
159. António Paiva, medalha comemorativa para o 50º Aniversário da Direcção Geral
dos edifícios e Monumentos Nacionais, cunhada em 1979. Fotografia de Barbara
Aniello.
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162. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para o painel do 1º piso da Casa
da Rua de Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui,
Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 37.
165. António Paiva, O teatro, prova de agregação na ESBAL, gesso, 1970. Fotografia
publicada em Memórias em Gesso, Exposição do Acervo Escultórico da Faculdade de
Belas Artes da Universidade de Lisboa, 1996, curada por João Afra, José Miranda e
José Fernandes Pereira, p. 26.
168. Porfírio Pardal Monteiro, José de Almada Negreiros, Jorge Barradas, pormenor do
prédio na Rua do Vale do Pereiro em Lisboa. Fotografia de Laura Castro-Caldas.
http://i.pbase.com/o6/21/4921/1/37856135.pLh0kK16.Lisboa_Sao_Mamede3417.jpg
169. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para o painel do 2º piso da Casa
da Rua de Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui,
Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 37.
170. José de Almada Negreiros, desenho preparatório para Cabaret, painel do 2º piso da
Casa da Rua de Alcolena. Fábrica Viúva Lamego. Publicado in Suraya Burlamaqui,
Cerâmica mural portuguesa contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal
editores, Lisboa, 1996, p. 37.
173. José de Almada Negreiros, Nu à janela, gouache, 1946, 48 x 34, ass. dat., colecção
particular, publicado no catálogo da exposição Almada, curada por Margarida
Acciaiuoli, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (de 27 de Junho
a 14 de Outubro de 1984), Lisboa, 1984, [s.l.]. Fotografia de Mário de Oliveira e
Gustavo Leitão.
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174. José de Almada Negreiros, painel de azulejos para a Livraria Ática, publicado in
Almada Negreiros: um percurso possível, INCM, Lisboa, 1993.
175. e 176. José de Almada Negreiros, estudos para azulejos da Escola Patrício
Prazeres, Lisboa, 1956, publicados in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa
contemporânea: azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 39.
177. e 178. José de Almada Negreiros, azulejos para a moradia na Rua de Alcolena, nº
36, publicados in Suraya Burlamaqui, Cerâmica mural portuguesa contemporânea:
azulejos, placas e relevos, Quetzal editores, Lisboa, 1996, p. 38.
179 e 180. José de Almada Negreiros, Anunciação, 1951, Igreja do Santo Condestável,
Lisboa, fotografia publicada em Almada Negreiros: um percurso possível, INCM,
Lisboa, 1993, p. 49 e José de Almada José de Almada Negreiros, Anunciação, vitral da
Capela de São Gabriel, em Vendas Novas, 1951.
http://www.snpcultura.org/fotografias/igreja_santo_condestavel/15.jpg
http://4.bp.blogspot.com/_IiPPmMhZYOE/RpZA30LUYtI/AAAAAAAAAIM/IfB8IhN
Cz9I/s400/379_7908.jpg
181. José de Almada Negreiros, Vitral, 1965 para a peça teatral Auto da Alma de Gil
Vicente. Fotografia publicada em Vítor Pavão dos Santos, O escaparate de todas as
artes ou Gil Vicente visto por Almada Negreiros, Instituto Português de Museus, 1993,
p. 63.
182. José Manuel na sua Biblioteca com o seu Fox Terrier, Jagodes. Ao fundo, o vitral
de Eros e Psique. Fotografia gentilmente concedida por Madalena Ferrão. Espólio
familiar.
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