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ROCÍO MONTES
Santiago do Chile - 29 OCT 2021 - 20:37 BRT
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31/10/21, 10:43 Ricardo Brodsky: “As sombras de Allende e Pinochet continuam pairando sobre nossas cabeças” | Internacional | EL PAÍS Brasil
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O chileno Ricardo Brodsky, diretor do museu Benjamín Vicuña Mackenna, fotografado em Santiago em 28 de outubro.
CRISTIAN SOTO QUIROZ
O Chile está no meio de um turbilhão de mudanças profundas. A convenção que redige a nova
Constituição completa quatro meses de trabalho —do ano que tem de prazo para propor um
novo texto—, a economia sofre tremores inéditos, o debate público parece marcado pela
intolerância e no dia 21 de novembro acontecem as eleições legislativas e presidenciais em um
pleito polarizado: os favoritos são Gabriel Boric —da Frente Ampla de esquerda em aliança com
o Partido Comunista— e José Antonio Kast, o candidato do Partido Republicano, de extrema
direita. Em meio a esse processo, Ricardo Brodsky tem sido uma das poucas vozes de esquerda
que analisou o momento contra a corrente e sem medo da impopularidade, em questões
espinhosas como a validação da violência para alcançar mudanças profundas. Atual diretor do
Museu Vicuña Mackenna, este bacharel em Literatura foi embaixador durante o Governo de
Ricardo Lagos e entre 2011 e 2016 dirigiu o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, espaço
que relata o golpe de Estado e a ditadura de Augusto Pinochet por meio da experiência das
vítimas.
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Resposta. O Chile está atravessando uma mudança cultural e de ciclo político. A explosão social
de outubro de 2019 evidenciou a ruptura dos consensos da transição, que sempre foram acordos
forçados pela capacidade de veto da direita. E, para além deles, hoje se questionam as normas
implícitas de convivência, entre as quais estava a rejeição da violência e a aceitação do
monopólio das armas para as forças do Estado.
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P. O senhor vê incerteza?
R. Efetivamente, há uma grande incerteza porque este momento está marcado pela crise
econômica deixada pela pandemia, por um parlamentarismo de fato que se inclinou para um
populismo exacerbado, por uma convenção constituinte inédita e por eleições presidenciais e
legislativas que como nunca antes estão carregadas nos extremos e despertam os fantasmas do
passado. Portanto, o coquetel é bastante explosivo: violência urbana e rural, inflação, crise
migratória, radicalização política, deslegitimação das autoridades —principalmente da polícia—
e uma provável recessão à vista. Tudo isso, ademais, com promessas eleitorais difíceis de
sustentar e um futuro institucional incerto.
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P. Como se explica que, possivelmente, a eleição presidencial seja definida entre Kast e Boric?
R. Na esquerda surgiu uma nova geração ligada aos movimentos estudantis que questiona o
neoliberalismo. E na direita, diante da bancarrota do setor, fortaleceu-se a ideia de se
entrincheirar em um extremismo tipo VOX ou Bolsonaro, ignorando as necessidades de
mudança da sociedade chilena e fenômenos novos como o feminismo ou a maciça migração
venezuelana. A verdade é que ainda não está dito quem passará para o segundo turno, mas
qualquer extremo que passar será obrigado a moderar seu discurso e seu programa.
R. Não sabemos, porque na coalizão liderada por Boric coexistem essas duas esquerdas e isso é
parte do problema. Admiradores de Chávez, Maduro e Ortega estão no Partido Comunista e na
Frente Ampla. Creio que Boric acredita firmemente nos valores democráticos e, embora ceda
com demasiada facilidade às pressões da ultraesquerda e do populismo, tem uma ampla
margem de acordo com essa esquerda ou centro-esquerda humanista e defensora dos direitos
humanos que tem experiência de Governo e não está em sua coalizão.
P. Por que em um país como o Chile —que viveu a ruptura da democracia e seus horrores na
ditadura— os adversários políticos voltam a se ver como inimigos?
R. É uma boa pergunta que também me faço. De alguma maneira as sombras de Allende e
Pinochet continuam pairando sobre nossas cabeças. O trauma continua presente e não se vê
muito claramente como conjurá-lo. Eu diria que é um problema da memória traumática do
Chile e dos usos e abusos dessa memória. No Chile a direita e parte da esquerda recorrem à
memória traumática que submete o presente ao passado, que nos deixa presos no conflito, em
vez de buscar nessa memória o que é exemplar, nas palavras de Todorov. Precisamente, o
exemplar poderia ser suspender por um instante as afrontas recebidas para reconhecer as
responsabilidades compartilhadas na crise política que levou ao fim de nossa democracia.
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R. A transmissão intergeracional foi muito forte. As pessoas que não tinham nascido sofrem as
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violações dos direitos humanos de seus familiares como se fossem na própria carne, com o
agravante da idealização e da romantização da Unidade Popular de Salvador Allende e da épica
antiditatorial: tudo isso leva à intransigência e à autoproclamação de uma superioridade moral.
Na direita, a agitação do anticomunismo é parte de uma identidade profunda e às vezes violenta,
principalmente nos militares presos na cadeia de Punta Peuco [onde cumprem pena por
violações dos direitos humanos].
R. É um processo inédito e cheio de incógnitas. É preciso considerar que esta assembleia tem
vozes que pela primeira vez no Chile conseguem se fazer ouvir e fazer parte dos que vão
construir um novo contrato social. Mulheres, representantes dos primeiros povos, pessoas
independentes. É um enorme desafio que, além disso, se encontra com uma busca ativa do
fracasso por parte de um setor da direita mais extrema. Ou seja, ninguém pode garantir o
sucesso, por isso é tão importante que a maioria da Convenção não se entregue e comece a
construir a casa de todos.
P. O presidente Sebastián Piñera foi denunciado perante o Tribunal Penal Internacional (TPI)
por crimes contra a humanidade cometidos durante os protestos de 2019. Qual é a sua opinião?
R. Acredito que é abusivo assimilar Piñera a Pinochet, o que tem sido a intenção permanente de
alguns grupos. É isso que está por trás dessa denúncia ao TPI. As violações dos direitos humanos
ocorridas no país em 2019 foram resultado de uma violência desmedida por parte das forças
policiais que não tinham os protocolos de ação nem os meios adequados a uma democracia para
restabelecer a ordem pública. No entanto, o Instituto Nacional de Direitos Humanos chamou a
atenção para a escassa resposta do sistema judiciário e do Ministério Público às 2.499 denúncias
que apresentou em relação a estes acontecimentos, das quais apenas 28 foram formalizadas.
Também deve ser dito que não houve reparação às vítimas de trauma ocular, incluindo aquelas
que perderam completamente a visão, o que é muito grave.
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