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CIÊNCIA E A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DIGITAL 205

ARTIGO

Princípios científicos que direcionam


a ciência e a tecnologia da informação digital

Scientificprinciplesthatmanagethescience
and the technology of the digital information

Yves-François LE COADIC1

R E S U M O

No quadro de um projeto epistemológico, apresenta-se um breve estudo crítico


de cinco princípios científicos que direcionam e caracterizam, atualmente, os
novos paradigmas informacionais presentes na Ciência e na Tecnologia da
Informação Digital. Nessa disciplina, seja para a construção de conhecimentos
científicos, para a produção de informações científicas, para a comunicação
dessas informações ou para usos na Ciência e na Tecnologia da Informação
Digital, novas estruturas intelectuais são mobilizadas; os princípios científicos
existem e caracterizam paradigmas científicos e tecnológicos. Adotados por
alguns cientistas da informação, objetados ou desvirtuados por outros, essas
estruturas intelectuais encontram-se mais ou menos estabilizadas. Por outro
lado, fortes determinantes sociológicos, econômicos e políticos contribuem
para confundi-las; e a explosão tecnológica mesmo aceita, agrega forte
instabilidade.
Palavras-chave: ciência da informação, tecnologia da informação, informação
digital, epistemologia, princípios científicos.

1
Docente, Departamento Information et Communication Scientifiques et Techniques, Instituição Conservatoire National
des Arts et Métiers, Endereço 2 rue Conté - 75003 Paris, E-mail: <lecoadic@cnam.fr>. Article, ESQUISSE (ISSN
1291-228X) - Août 2003(33):24-29. 09 juillet 2004.
Tradução, adaptação e resumo: Prof. Dr. Raimundo Nonato Macedo dos SANTOS, Docente, Departamento de Pós-Graduação
em Ciência da Informação. Rua Marechal Deodoro, 1099, Centro, 13020-904, Campinas, SP, Brasil. E-mail:
<rnsantos@puc-campinas.edu.br>.
Profa. Dra. Nair Yumiko KOBASHI, Coordenadora, Departamento de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Rua
Marechal Deodoro, 1099, Centro, 13020-904, Campinas, SP, Brasil. E-mail: <nykobash@puc-campinas.edu.br>.
Recebido para publicação em 10/12/2004.

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ABSTRACT

Within the framework of an epistemological project, a short critical study of five


directing scientific principles, characteristic of the new informational paradigms
which are present today in electronic information science and technology, is
presented. In this discipline, either on the level of scientific knowledge construction
or on the level of scientific information production, communication and use, new
intellectual reinforcements are mobilized. Strong scientific principles exist and
characterize new scientific paradigms. Adopted by some information scientists,
thwarted or diverted by others, they are more or less fixed. Moreover, strong
sociological, economic and political determinants come to scramble them and
technological outburst, although accepted, adds a strong instability.
Key words: information science, information technology, digital information,
epistemology, scientific principles.

INTRODUÇÃO arquivo, um jornal, uma cadeia de televisão ou


de rádio, consideram que não necessitam nem
Neste estudo epistemológico sobre os da Ciência e nem da Tecnologia, necessitando
princípios científicos característicos dos novos tão somente de conhecimentos práticos. Os
paradigmas informacionais, optamos por apro- programas de ensino das instituições que
ximar Ciência e Tecnologia porque, na atualidade, formam os profissionais (escolas e estruturas
uma cultura informacional requer não apenas uma universitárias de biblioteconomia, de documenta-
cultura científica mas também uma cultura ção, de conservação (patrimônio), de arquivística,
tecnológica. Além disso, para que possamos de jornalismo), são, muito freqüentemente,
argumentar sem sermos estigmatizados de programas de formação profissional e não
cientificistas, assumimos que não existe ciência programas de formação científica ou tecnológica.
sem tecnologia e nem tecnologia sem ciência.
Optamos também por discutir, neste
O primeiro postulado acaba de ser estudo, somente a informação digital, isto é, o
validado pela poderosa associação de cientistas conhecimento comunicado a um ser consciente
e profissionais americanos de informação que, por meio de uma mensagem (signos), inscrita
em 2001, acrescentou “Technology” à sua sobre um suporte digital (sinais digitais e ópticos).
denominação American Society for Information São esses suportes que utilizamos de forma
Science (ASIS) que, anteriormente, fazia men- crescente.
ção somente à Ciência. O segundo postulado Uma avalanche de informações eletrônicas
está longe de ser compartilhado na França por na Internet e as aplicações a elas relacionadas
aqueles que trabalham com a biblioteca, a (jornais, livros, revistas, fóruns, conferências,
documentação, o museu, os arquivos, o jornalis- sites, bibliotecas, museus, etc. todos e todas
mo e as mídias. eletrônicas), como também a progressiva informa-
Pior ainda, os responsáveis pelas ativida- tização dos métodos de trabalho, ilustram o
des nesses ambientes (responsáveis por sua fenômeno, o que torna desnecessário justificar
organização, administração, gestão); os que exaustivamente o fato. Dos dispositivos de
praticam a “arte” de organizar uma biblioteca, entrada e saída de dados aos dispositivos de
um centro de documentação, um museu, um transmissão - linhas físicas ou ondas hertzianas

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-, passando pelos dispositivos de estocagem e um estudo crítico de seus métodos e por fim,
de tratamento - computadores -, todas as novi- um estudo crítico de suas conclusões.
dades técnicas da informação têm em comum o A história de uma ciência e de sua
fato de emitir, receber, veicular e memorizar, tratar tecnologia, portanto, de suas técnicas, é também
sinais eletrônicos, ou seja, ondas de elétrons
de grande interesse. Se é primeiramente
(ou de sinais ópticos - vagas de fótons). Daí o
memória, ela introduz de imediato uma dimensão
nome genérico de técnicas eletrônicas (e
crítica; ademais, ela tem valor heurístico e
fotônicas) que utilizamos no lugar de técnicas
metodológico.
de digitalização (bits).
Abordaremos somente o processo
Os sinais elétricos, que assumem
epistemológico e este, restrito aos estudos dos
apenas dois valores (sinais biná-
rios) - representados tradicionalmente princípios, ou seja, dos seus fundamentos. O
pelos números 0 e 1 (binary digit or conhecimento verdadeiro, segundo Descartes,
bit) são, convencionalmente, denomi- deve começar pela busca dos princípios - os
nados sinais digitais. Porém, existem conhecimentos primeiros - e, em seguida, deduzir
também sinais analógicos e técnicas as certezas. Ele criticava nas disciplinas que
analógicas. Assim, o eletrônico é uma lhe foram ensinadas o fato de elas não se
tecnologia analógica e, também, uma basearem em fundamentos sólidos e, além
tecnologia digital. Portanto, como se disso, de se limitarem ao verossímil. É o caso,
trata de técnicas que utilizam, essen- na atualidade, do conglomerado francófono das
cialmente, sinais digitais é sensato assim denominadas ciências da “Informação e
falar de técnicas eletrônicas digitais ou da Comunicação”.
eletrodigitais.
Nós nos limitaremos ao estudo crítico dos
Feitas as escolhas, somos forçados a cinco princípios científicos adotados, na atuali-
constatar que nos encontramos frente a uma dade, pela Ciência da Informação (CI). Trata-se,
ciência e a uma tecnologia dispersas e turbu- portanto, de estudo epistemológico parcial, uma
lentas. Assim, faz-se necessário lidar com um vez que ele deveria comportar também um estudo
conjunto ilimitado de conhecimentos científicos crítico dos métodos e das conclusões dessa
e técnicos que se singularizam: ciência.
pela ininterrupta aparição de conceitos,
l Sabemos do papel importante dos princí-
métodos, modelos, leis, etc. pios que orientam o pensamento científico. Ele
necessita, nos diferentes domínios em que é
l por um crescimento exponencial da
exercido, de princípios diretores que orientem
capacidade de transmissão de sinais elétricos,
as pesquisas e unifiquem as teorias, para o pior
de sua digitalização, dos fluxos de tratamentos
e para o melhor. Esses marcos gerais da lógica
de dados informatizados, etc.
científica constituem o fermento gerador de
Tal fato requer atenção crítica e um descobertas, podendo, no entanto, transformar-
trabalho de conceituação rigoroso. Para isso há se, ao longo do tempo, em obstáculo ao seu
somente um caminho a ser seguido: o processo desenvolvimento.
epistemológico (da filosofia das ciências e das Esses princípios são na maioria das vezes
técnicas), acompanhado por um processo históri- representações mais ou menos metafóricas de
co (da história das ciências e das técnicas). um conjunto de fenômenos. No entanto, se a
O estudo crítico de uma ciência que analogia é um conceito interdisciplinar fecundo
constitui sua epistemologia é, primeiro, um que facilita a passagem das idéias de um domínio
estudo crítico de seus princípios, em seguida, para outro, ela pode também bloquear por longo

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tempo o progresso na compreensão de um revistas. Elas não têm periodicidade regular, são
fenômeno. Dessa forma, a analogia da irrigação, vendidas mais freqüentemente por fascículo e
na fisiologia, bloqueou por muito tempo o não por assinatura e podem ser reeditadas. São
desenvolvimento da compreensão da circulação também, revistas de tribos. Criadas por um
sanguínea. Assim, acreditamos que a utilização indivíduo, à imagem de um grupo restrito, de um
imprecisa da analogia da transmissão do sinal laboratório, elas se constroem permanecendo
elétrico, pelas Ciências Sociais e Humanas, fiéis à linha de pensamento do seu criador,
bloqueou o desenvolvimento da compreensão da deixando pouco espaço à polifonia enunciativa,
comunicação das informações, fenômeno social à expressão das controvérsias que, comumente,
e humano por excelência. animam as comunidades científicas. Isso se
manifesta pelo recurso tão freqüente aos
fascículo temáticos.
O P R I N C Í P I O P R O D U T IV I S T A Por exemplo: Chamada à contribuição
(E-C O N S T R U Ç Ã O)
para a revista... sobre a noção de....
Uma chamada é lançada para contri-
Definição buições de 10 a 15 páginas, vindas de
horizontes disciplinares variados. Os
A chegada da eletrônica que se traduziu melhores artigos serão selecionados
na mudança dos suportes tradicionais (papéis, para publicação na revista.
filmes, etc...) para os suportes eletromagnéticos Liderados por um membro do grupo, esses
e ópticos eletrônicos e o desenvolvimento da fascículos orientam a produção de ciência e,
informática e da transmissão a distância de sinais desse modo, impedem a expressão livre e natural
elétricos portadores de informações (telecomuni- da comunidade científica. Em decorrência desse
cações) reforçaram as tendências produtivistas
tribalismo, a comunidade intelectual francesa, a
em matéria de informação. O exemplo dos
SFSIC, não tem uma revista científica, enquanto
eletronic archives ou bancos de pré-publicações
a associação profissional e científica francesa,
lançadas pelos físicos é, nesse sentido,
a ADBS, tem uma revista que seleciona os
significativo. O banco francês, criado em abril
artigos por meio de um conselho de avaliadores
de 20022 , por pesquisadores da Ciência da
anônimos.
Informação e da Comunicação recolheu, em
menos de um ano, tanto ou mais artigos do que Por outro lado, a profissionalização gene-
o total de publicações francesas editadas ralizada da pesquisa conduziu, como bem o
nessas duas áreas. sabemos, os homens e as mulheres (elas ainda
Diferentemente das revistas francesas de são pouco numerosas) que se dedicam à
Ciência da Informação (como Documentaliste - pesquisa, a esperar da comunidade científica não
Sciences de L’information, Bulletin des somente um status mas também um benefício,
Bibliotheques de France ) e das revistas de maneira direta para os pesquisadores
científicas em geral, as revistas francesas de profissionais e de maneira indireta para os
ciência da comunicação (Reseaux, Quaderni, pesquisadores de universidades. Essa é uma
Cahiers de Mediologie, Communication & causa de desregulação aguda na medida que a
Organisation, Hermes) são em sua maioria publicação de um artigo deixou de ter como
revistas híbridas (revista-livro ou livro-revista) que objetivo a consagração, mas transformou-se em
se assemelham mais a livros coletivos do que a um imperativo fundamental para obter ou

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http://archiveSIC.ccsd.cnrs.fr/

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conservar um emprego. Vem daí o famoso ditado dúvida, com as novas tecnologias da
anglo-saxão “Publique ou Pereça”. Deve-se a isso informação...
a explosão do número de publicações, portanto, Não está na hora de achar, graças à dinâ-
da quantidade de informações, explosão essa mica do suporte eletrônico, soluções para esse
que obedece a uma lei de crescimento famoso dilema? De reintroduzir aquilo que os
exponencial. procedimentos de controle, de codificação,
praticamente eliminaram, ou seja, as controvér-
sias científicas? O artigo, tornado público sob a
Crítica
única responsabilidade de seu autor(a) ou
autores(as) pode ser objeto de um debate que
Diante da quantidade, o que acontece
termina uma vez dirimida a controvérsia. O
com a qualidade? Para avaliá-la, apelamos às
autor(a) ou autores(as) decidirá sobre seu
citações. As citações, como bem o sabemos,
arquivamento ou não, ou seja, sobre sua
indicam a linha histórica do saber e refletem uma
publicação definitiva. A e-qualidade terá tudo a
dívida intelectual. Elas servem para descrever a
ganhar.
configuração das audiências que usam os textos
científicos em um domínio determinado. Mas
elas podem também ter utilizações desviantes
O PRINCÍPIO INTERACIONISTA
e obedecer a outras motivações: citações-
(e-comunicação)
-recompensa para agradecer ao seu superior,
citações-políticas para que o artigo seja aceito,
para valorizá-lo, citação-álibi destinada a dissipar Definição
o ceticismo, citação-persuasão, auto-citação. Se
consideramos o pequeno número de citações As comunidades científicas são, antes de
recebidas pelos artigos (mais de 60% não são tudo, redes de organizações e de relações
citadas nunca), pode-se pensar que há muitas sociais formais e informais, com várias funções.
publicações de pouca qualidade. Uma das funções predominantes é a função
Para lutar contra essa super produção comunicativa. O papel da comunicação é o de
de má qualidade, J.D. Bernal propôs, em 1948, assegurar a troca de informações sobre os
que as revistas científicas fossem abolidas e que trabalhos em andamento, em colocar os
fosse estabelecida uma distribuição centralizada pesquisadores em contato, em interação.
dos artigos (o ancestral de nossos bancos de Fenômeno social, a comunicação da
pré-prints). Essa proposta provocou reações informação realiza-se por meio de interações que
hostis por parte das sociedades científicas e dos ocorrem somente porque os indivíduos esperam
editores que não tiveram sua comunicação obter alguma vantagem. Portanto, a caracterís-
apresentada durante a conferência. Mas ele tica marcante da troca social é a reciprocidade,
também errou, no começo da guerra fria, ao ter que se traduz no conceito atual de interatividade.
ficado no campo socialista! Recentemente, J.C.
Gardin falou da super produção de publicações
em Ciências Humanas e escreveu: Crítica
...o volume e os ritmos de produção da
literatura em Ciências Sociais também Infelizmente, cometeu-se, na Ciência da
têm com o que se preocupar. (...), não Comunicação (e em Ciência da Informação), uma
seria mais razoável repensar as formas confusão conceitual que consiste em considerar
de publicações, em relação, sem como análogos o conceito de informação da

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teoria matemática da transmissão de sinais suprimida pelos procedimentos autoritários.


elétricos e o conceito de informação do processo Porém, o princípio dirigista, não interacionista,
de comunicação humana. tem uma vida longa, como prova a recente
Ao adotar a teoria de Shannon e Weaver, tentativa da Société Française des Sciences de
toda a comunidade de profissionais da l’Information et de la Communication (SFSIC)3
informação e da comunicação foi vítima ou de impedir o acesso à sua lista de discussão
cúmplice do erro provocado por esta analogia aos não associados. Para especialistas em
(ver acima). Essa teoria predomina no campo comunicação isso é o cúmulo.
da comunicação. E é lamentável que tenha sido
chamado de informação o conceito desenvolvido
O PRINCÍPIO DO CONSUMO
por Hartley. De fato, a medida da entropia
(e-utilizador)
informacional (utilização de um conceito físico
que constitui outra impostura notória na área) é
aplicável aos símbolos, mesmos aos sinais mas Definição
nada tem a ver com a significação.
Estabelecem-se as comunicações O objetivo principal de um produto
humanas com base na teoria de transmissão de informacional, de um serviço de informação, de
sinais elétricos que, por essa razão se tornam um sistema de informação, deve ser pensado
autoritárias, diretivas, unidirecionais. em termos dos usos que são feitos da informação
e dos efeitos desses usos. A função mais
O modelo resultante, largamente divul-
importante do produto, do sistema é, pois, a
gado e ensinado, particularmente nas escolas
maneira como a informação modifica essas
de jornalismo e nos departamentos de Ciência
atividades. Eles devem, por esse fato, ser
da Comunicação das universidades, coloca em
“orientados aos usuários”.
cena um “emissor” que “comunica” uma
mensagem a um “receptor”: existe alguém que Porém, o que significa um produto infor-
fala; os demais são um “bando de mudos” mação, um serviço de informação, um sistema
(BATESON). Jornais, televisão, rádio, todas as de informação “orientado ao usuário”? É, por
mídias ditas de massa (ou mais exatamente, exemplo, uma biblioteca na qual a satisfação
para influenciar as massas) funcionam segundo dos usuários e a qualidade dos serviços são
este modelo. A teoria dos meios de comunicação objetivos reconhecidos e compartilhados pelo
de massa tenta, desse modo, explicar a distri- conjunto das pessoas da instituição. Uma
buição de informação ao público sob a influência biblioteca “orientada ao usuário” tem foco
dos meios de comunicação de massa e dos explícito nas necessidades de informação do
mediadores, os jornalistas. Esse modelo é, de usuário. Todas as decisões são tomadas dentro
fato, adotado nos setores da documentação, nas de um quadro institucional que coloca o usuário
bibliotecas, museus e nos arquivos. em posição central, não importando se as
decisões digam respeito ao planejamento, às
Esse modelo é menos presente na
operações ou à gestão.
Internet. O desenvolvimento dos correios
eletrônicos, das listas de discussão, dos fóruns,
trabalhos colaborativos assistidos por computa- Crítica
dor, etc. (que muito deve aos pesquisadores da
Ciência da Informação e da informática) A centralização no usuário cria um novo
reintroduziu esta dimensão interativa que foi tipo de taylorismo/fordismo. De fato, embora

3
assinatura gratuita: <mailto:sympa@sunserver?subject=subscribe%20agorasfsic>.

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esse modelo pareça estar desaparecendo no mídias audiovisuais são diretamente


setor secundário, industrial, ele vem se desenvol- dependentes dos indicadores “midiamétricos” de
vendo no setor de serviços. Novas formas de audiência porque o maná publicitário irriga
pressão sobre os trabalhadores e trabalhadoras somente se os indicadores são favoráveis. Avalia-
emergem ligadas sobretudo à exigência do se, assim, seu grau de submissão.
usuário, do cliente. De forma paradoxal, é nas
atividades cada vez mais numerosas, atividades
de contatos com os usuários, que se encontram O PRINCÍPIO MÉTRICO
as formas de trabalho mais severas, mais rígidas, (E-M E T R I A)
mais próximas do taylorismo, mesmo que elas
comportem um aspecto relacional.
Definição
Atenção, o neoliberalismo também
contribui: o uso da informação e dos serviços de Na área da informação, há regularidades,
informação não rimam necessariamente com distribuições e relações mensuráveis, universais.
gratuidade, dão lugar às figuras do cliente e Porém, só recentemente foi reunido o corpo
consumidor: desses conhecimentos matemáticos e assim,
l no setor dos serviços públicos, a tiveram início suas aplicações aos setores
mercantilização dos produtos culturais é culturais, aos setores de troca de informação,
crescente. A Biblioteca Nacional da França cobra que gerou a informetria e a suas derivações, a
bibliometria, a museometria, a mediametria, a
ingresso de entrada. A lei de empréstimo foi
cientometria e a webmetria. Lembramos que a
imposta pelos editores às bibliotecas púlbicas,
aplicação matemática à análise dos fenômenos
não sem segundas intenções. A contribuição
sociais e humanos não é recente: BUFFON,
audio-visual do serviço público da rádio-televisão
sobre a Aritmética moral, CONDORCET sobre a
continua a ser recolhida, enquanto os tempos
sistematização dos escrutínios, etc., abriram o
de emissões consagradas à publicidade e,
caminho. Todavia, foram a economia (no fim do
portanto, as receitas publicitárias, não cessam
século XIX), a demografia, a psicologia (1910) e
de aumentar. Praticamente, não existe um só
mais tardiamente a sociologia (1950) que
museu com entrada gratuita. iniciaram às pesquisas matemáticas. Daí a
Exemplo, “o Louvre: um euro a mais econometria, a psicometria, a sociometria. Mas
pelo bilhete de entrada. A partir de 2 de isto não foi feito facilmente. Assim, na biologia,
fevereiro de 2004, o bilhete de acesso, os trabalhos quantitativos demora-ram a ser
tarifa cheia, é de 8,5 euros. Péssima
citados. Para poder publicar e legitimar trabalhos
notícia para os professores: eles
quantitativos em biolo-gia, no começo desse
somente serão isentados quando
acompanhados de uma turma de século, PEARSON, um estatístico (conhecido
alunos. As visitas de pesquisa e por seu coeficiente) foi levado a criar uma nova
preparatórias serão por sua conta ou revista científica, a revista Biometrika.
de seus estabelecimentos. Também, atualmente, no setor da cultura,
l no setor privado, há pesquisas siste- da educação, da pesquisa, uma boa gestão dos
máticas ter atualizados os conhecimentos sobre serviços públicos necessita mais e mais da
as práticas dos usuários dos sites WEB e para utilização de uma extensa variedade de ferra-
identificar os comportamentos típicos, cujo mentas de gestão adaptadas aos contextos
objetivo é o de converter um visitante em um culturais, educativos, científicos, ao tamanho e
comprador: no e-cliente. Os programas das às características dos serviços. São ferramentas

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de análise das necessidades de informação da sociedade cheia de fatos e números, pode ser
comunidade carente, de gestão e avaliação e de empregada para fazer sensacionalismo, para
mensuração de performance, que permite à inflar resultados ou para simplificar ao extremo:
instituição dispor de uma bateria de indicadores. o primeiro rádio! a primeira televisão! o primeiro
Website! o primeiro livro! os 10 artigos científicos
No outro extremo, o processo mercantil
mais importantes! os 50 filmes mais importantes!
que invade particularmente a Internet e as mídias,
etc.
audiovisuais entre outros, promove a realização
de análises estatísticas elaboradas sobre a E a e-qualidade de tudo isso?
“relação com o cliente” (Customer Relationship
Management, ou CRM) e com as audiências:
O PRINCÍPIO ELETRODIGITAL
- estatística de acompanhamento das (e-digital)
atividades de sites: audiências por hora, data
(dia, semana, mês), número de sessões, de
máquinas, de páginas visitadas, de clics, etc.; Definição
- audiências das emissões de televisão;
Na tecnologia da informação, torna-se
- quantidade de entradas nos cinemas, cada vez mais importante o lugar do suporte
etc. eletrônico (o elétron), o que encoraja os
entusiastas da tecnologia a profetizarem o fim
do suporte papel. É necessário admitir que as
Crítica performances da tecnologia digital conjugada
com a optoeletrônica (fóton) são particularmente
Porém, por falta de unidades de medidas
impressionante. Elas promovem a neutralização
coerentes, de ferramentas confiáveis e de
vertiginosa do espaço e do tempo:
métodos comprovados, continua sendo difícil, por
l 500 livros de 300 páginas em um
exemplo conhecer:
disquete de 15 gramas;
- os números reais de consultas dos sites,
l 500 livros de 300 páginas transmitido
o acompanhamento das emissões de radio ou
em 1,25 segundos para o mundo inteiro.
de televisão, etc.
- os valores precisos das mudanças
sóciodemográficos e socioprofessionais do
Crítica:
núcleo da população não atendida pelo
Daí o slogan avançado: Tudo eletrônico;
organismo de informação, etc.
tudo digitalizado” e, o princípio diretor eletrodigita-
Em Ciência da Informação e em Ciência lização. Isso relembra um slogan do mesmo tipo
da Comunicação, hoje é possível enumerar, apresentado, há trinta ano pelos entusiastas da
classificar, distribuir e medir por meio de eletricidade nuclear: “tudo elétrico; tudo nuclear”.
ferramentas estatísticas e matemáticas; os O que queria dizer que todos os eletrodo-
primeiros dentre eles são os números. Mas, se mésticos funcionariam com eletricidade e que
os números permitem classificar, ordenar, medir, as fontes alternativas de energia (carvão, gás,
também permitem mentir. Suspeitemos do poder petróleo) seriam abandonadas. E que, em
de fascinação que têm os números e os algaris- seguida, a produção de eletricidade não poderia
mos simples nas organizações. A linguagem ser feita senão em centrais nucleares. Verifica-
secreta da estatística, tão atrativa numa -se que tais predições não se realizaram.

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Da mesma forma, o plano de cabeamento ciência, um arcabouço intelectual é mobilizado


do território francês com fibra óptica, lançado em Ciência da Informação. Mostramos como ela
com o slogan “Tudo fibra óptica, tudo digitalizado, ocorre na construção dos conhecimentos científi-
não foi conduzido a contento: o cabo co-axial cos, na produção das informações científicas,
não foi abandonado e o herteziano está reapare- na comunicação dessas informações ou nos
cendo. Pode-se vislumbrar outros horizontes não- seus usos. Existem fortes princípios constitutivos
digitalizados, mas quânticos, biológicos e um deste arcabouço, que caracterizam os para-
digmas, um programa de pesquisa, conforme
futuro digitalizado, não binário mas ternário,
Lakatos. Adotados por uns, contrariados ou
quaternário, e outros futuros não-digitais, um
deformados por outros, eles demoram a se
retorno do analógico, por exemplo.
estabilizar. Além disso, determinantes socioló-
gicos, econômicos e políticos consideráveis
contribuem para confundir e a explosão das
CONCLUSÃO
tecnologias, ainda que aceitas, promovem uma
No quadro de um trabalho epistemoló- grande instabilidade.
gico, optamos por um breve estudo crítico de Para continuar a desenvolver um estudo
cinco princípios diretores em destaque, na epistemológico de envergadura dentro desta
atualidade, em Ciência da Informação. São temática e explicitar melhor esse programa, faz-
esses princípios que parecem, atualmente, se necessário completar este estudo com
orientar mais fortemente o pensamento e as trabalhos críticos sobre os métodos e as
práticas profissionais do setor, quer na atividade conclusões desta mesma ciência em uma
universitária quanto na industrial. Como em toda perspectiva histórica.

REFERÊNCIAS

LAFOUGE, TH.; LE COADIC Y.F. Un prêté pour un GARD I N , J.C. Modèles et récits in
vendu - Pénombre, n°25, avril 2001. Disponível em: “Épistémologie des sciences sociales” – sous
<http://www.unil.ch/penombre/25/16.htm>. la direction de J.M. BERTHELOT. Paris: PUF,
LATOUR, B. Science in action [s.l.] Open University 2001.
Press,1987.

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