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ARTE: Subdivisão de Publicidade e Propaganda / CECOMSAER

Aeronaves da FAB voaram mais de


1.200 horas durante o Exercício
Operacional Tápio 2019, com o apoio
do Primeiro Grupo de Comunicações
e Controle (1º GCC)

Aerovisão
Prepare seu plano de voo
Edição nº 261 Ano 46
Julho / Agosto / Setembro - 2019

Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea


ENTREVISTA
Tenente-Brigadeiro do Ar

08
Raul Botelho
Chefe do Estado-Maior Conjunto
das Forças Armadas fala sobre
os desafios de promover as
capacidades individuais das
Forças em um cenário de
interoperabilidade

16
MEMÓRIA FAB
Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea

100 anos da Aviação Militar


A Escola de Aviação Militar, criada
em 1919, passsou a se chamar Escola
de Aeronáuica em 1941. No ano de
1969, recebeu a atual denominação:
Academia da Força Aérea.
Acervo UNIFA

EXPEDIENTE

Chefe do CECOMSAER: Diagramação:


Sargento SDE Santiago Moraes Moreira
Brigadeiro do Ar Paulo César Andari Sargento SDE Pollyana Dias Barroso Silva
Publicação oficial da Força Aérea Brasileira, a
revista Aerovisão é produzida pela Agência Chefe da Divisão de Comunicação Integrada: Estão autorizadas transcrições integrais ou parciais
Força Aérea, do Centro de Comunicação Social Coronel Aviador André Luís Ferreira Grandis das matérias, desde que mencionada a fonte.
da Aeronáutica (CECOMSAER).
Distribuição Gratuita
Chefe da Subdivisão de Produção e Divulgação: Acesse a edição eletrônica:
Tenente-Coronel Aviador Claudio Mariano R. Santana www.fab.mil.br/publicacao/listagemAerovisao
Esplanada dos Ministérios, Bloco M, 7º Andar
CEP: 70045-900 - Brasília - DF Impressão: Gráfica Pallotti ArtLaser.
Tiragem: 18 mil exemplares. Edição:
Tenente Jornalista Felipe Bueno de Andrade
Período: Julho / Agosto / Setembro (MTB 5913/PE)
2019 - Ano 46 Tenente Jornalista Jonathan Jayme
Contato: redacao@fab.mil.br (MTB - 2481)

4 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Veja a edição digital

24
OPERACIONAL

Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea


Exercício Operacional
Tápio
Edição de 2019 envolveu 28
Esquadrões, que voaram mais de 1.200
horas; a novidade foi a realização de
pacotes noturnos

30
NOVA AERONAVE
KC-390
FAB se prepara para receber na
Ala 2, em Anápolis (GO), maior
aeronave militar já desenvolvida e
produzida no Brasil

38
BUSCA E SALVAMENTO
Missão: salvar vidas
Esquadrões da FAB acumulam
histórias de resgates que
emocionam militares e vítimas

52
DESENVOLVIMENTO
Contratos de Offset
Acordos ligados aos projetos da
Força Aérea Brasileira ajudam a
trazer investimentos e fomentam o
desenvolvimento da tecnologia na
Base Industrial de Defesa (BID)
SAAB
Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

60
ESPAÇO
Acordo de Salvaguardas
Tecnológicas
Saiba mais sobre o Acordo
assinado entre Brasil e Estados
Unidos

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 5
Aos Leitores

VOOS MAIS ALTOS


A nova edição da revista Aerovisão registra um marco importante no desenvol-
vimento da aviação no Brasil: a entrada em operação da nova aeronave multimissão
da Força Aérea Brasileira, o KC-390, maior vetor militar já produzido no Brasil. É a
primeira unidade das 28 que a FAB receberá e o 1º Grupo de Transporte de Tropa
(1º GTT), sediado na Ala 2, em Anápolis (GO), será o primeiro Esquadrão da FAB a
operar as aeronaves. Esta edição mostra todos os detalhes do novo vetor, que traz
consigo uma grande evolução operacional e tecnológica para nossa instituição. A
publicação também explica como as grandes aquisições da Força, como o KC-390 e o
F-39 Gripen, impulsionam o investimento estrangeiro no Brasil por meio de acordos
offset. E, ainda no viés tecnológico, a revista aborda o desenvolvimento do simulador
do C-95M Bandeirante na Ala 10, em Parnamirim, região metropolitana de Natal (RN),
um equipamento 100% FAB.
Além disso, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) entre Brasil e Estados
Unidos, que foi assinado no mês de março, está em análise no Congresso Nacional e
é pauta frequente de debates e reportagens jornalísticas. Para explicar os principais
tópicos do tema à sociedade, a revista aborda alguns pontos sobre o assunto. Ainda
nesse contexto, há um artigo assinado por Ricardo Sennes, Economista e Doutor Nossa capa:
em Relações Internacionais, que fala sobre a atuação da Força Aérea Brasileira na Esta edição fala sobre a preparação da
integração de políticas no campo da defesa e segurança com as políticas industriais, Força Aérea Brasileira para receber a maior
tecnológicas, educacionais, entre outras. aeronave militar desenvolvida e produzida
no Brasil
A Aerovisão mostra como foi o Exercício Operacional Tápio 2019. Entre abril e
maio, na Ala 5, em Campo Grande (MS), mais de 600 militares e 47 aeronaves simu-
laram ações com vistas a adestrar as Unidades Aéreas e de Infantaria do Comando
de Preparo (COMPREP), em um contexto operacional de missão de paz da Organi-
zação das Nações Unidas (ONU). Os treinamentos têm como objetivo aperfeiçoar as
atividades desempenhadas pela FAB, como, por exemplo, o salvamento de vítimas
de acidentes aeronáuticos, assunto também tratado nas páginas desta edição.
A publicação traz, ainda, uma entrevista com o Chefe do Estado-Maior Conjunto
das Forças Armadas, Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Botelho. Ele explica como ocorre
a interoperabilidade entre Marinha, Exército e Aeronáutica e qual o papel do Ministé-
rio da Defesa perante as Forças Armadas, no desempenho de suas funções. Na seção
Memória FAB, celebramos os 100 anos da Aviação Militar no Brasil, que tem como
berço a Base Aérea dos Afonsos.
A partir de agora, você está convidado para embarcar nessa e em outras repor-
tagens sobre a atuação da FAB para Controlar, Defender e Integrar os 22 milhões de
quilômetros quadrados sob sua responsabilidade. Boa leitura!

Brigadeiro do Ar
Paulo César Andari
Chefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica

6 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Palavras do Comandante

NOSSO BERÇO
O ano de 2019 reservou um marco importante em nossa história: a
Aviação Militar Brasileira completa 100 anos desde seu início no Campo
dos Afonsos, no Rio de Janeiro (RJ). À época, a União doou uma área
para que fosse construído o Aeroclube Brasileiro, inaugurado em 1911,
que tinha como Presidente de Honra Alberto Santos-Dumont. Três anos
depois, foi inaugurada, no mesmo local, a Escola Brasileira de Aviação
(EBA). Mas, foi em 1919 que o Exército Brasileiro criou a Escola de
Aviação Militar. Desde então, o Campo dos Afonsos se firmou como
berço da aviação e da formação dos primeiros aviadores do Brasil.
Foi nesse cenário que histórias marcantes para a Força Aérea Bra-
sileira (FAB) tiveram seus primeiros capítulos, como a do Marechal
do Ar Eduardo Gomes, integrante da primeira turma de observadores
aéreos da Escola. Ainda como Major, ele comandou o Grupo Misto de
Aviação após o nascimento da Arma de Aviação do Exército, em 1927,
que, anos depois, junta-se à Aviação Naval para formar o Ministério
da Aeronáutica.
Se hoje recebemos o KC-390, maior aeronave militar já produzida
no Brasil, e vemos a indústria aeronáutica nacional consolidar uma
trajetória de sucesso mundial, lembremos dos primórdios da indústria
aeronáutica nacional, também originária do Campo dos Afonsos: o Tenente-Brigadeiro do Ar
então Capitão Antônio Guedes Muniz foi projetista do primeiro avião Antonio Carlos Moretti Bermudez
a ser construído em série no Brasil, o Muniz M7. Comandante da Aeronáutica
Atualmente, a Guarnição de Aeronáutica dos Afonsos abrange
organizações que zelam pelo passado e pelo futuro da FAB. O Museu
Aeroespacial (MUSAL) é o maior e mais importante museu de aviação
militar e civil do Brasil, com exposições permanentes e aeronaves histó-
ricas em uma área de mais de 15 mil metros quadrados. Já a Universi-
dade da Força Aérea (UNIFA) e a Escola de Comando e Estado-Maior
da Aeronáutica (ECEMAR) têm a missão de capacitar o efetivo do
Comando da Aeronáutica para o preparo e emprego do Componente
Militar do Poder Aeroespacial, desenvolvendo a ciência aeroespacial
por meio de atividades acadêmicas.
Destacar a importância do Campo dos Afonsos é reconhecer e dar
valor à significativa história da aviação militar e do Poder Aeroespacial.
Se hoje somos capazes de Controlar, Defender e Integrar uma área
de 22 milhões de quilômetros quadrados, administrando recursos
e modernizando meios operacionais, devemos muito à história que
começou, em 1919, no Campo dos Afonsos. A todos que fazem parte
dessa trajetória, parabéns!

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 7
ENTREVISTA

8 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Interoperabilidade: sinergia a
favor da Defesa Nacional
Tenente-Brigadeiro Botelho
assumiu o Est ado- Maior
Conjunto das Forças Armadas
Ele é o Chefe do Estado-Maior Conjunto
em janeiro de 2019 das Forças Armadas (EMCFA) desde janeiro
deste ano, quando foi incumbido de assessorar
o Ministro de Estado da Defesa, tendo como
metas o planejamento estratégico e o emprego
conjunto das Forças Singulares. Natural de São
Paulo (SP) e integrante da FAB desde março de
1973, o Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Botelho
fala sobre os desafios de chefiar o EMCFA e
promover as capacidades individuais das Forças
num cenário de complementariedade técnica e
Sargento Bruno Batista / CECOMSAER

operacional.
TENENTE JORNALISTA JONATHAN JAYME

Quais as atribuições do EMCFA -relacionamento técnico e operacional


nas atividades desenvolvidas pelo das Forças Armadas, potencializando
Ministério da Defesa? o conceito de interoperabilidade tão
O Estado-Maior Conjunto das For- difundido atualmente.
ças Armadas, criado por meio da Lei O EMCFA possui, também, a com-
Complementar nº 136, de 25 de agosto petência de elaborar os planejamentos
de 2010, tem como missão precípua o e doutrinas de emprego; assessorar
assessoramento ao Ministro de Estado nos temas de política e estratégia
da Defesa nos assuntos relacionados ao nacional e setorial de defesa, de inte-
emprego conjunto das Forças Armadas ligência, de serviço militar; promover,
do Brasil e à atuação de forças brasilei- em nível nacional e internacional, o
ras em operações de paz. relacionamento e a cooperação de
Esse emprego conjunto pressu- defesa, logística, mobilização, tecno-
põe uma integração harmoniosa das logia militar, operações de paz; dentre
capacidades presentes e disponíveis outras áreas.
na Marinha do Brasil, no Exército Nesse contexto, verifica-se, desde já,
Brasileiro e na Força Aérea Brasileira. um excesso de atribuições e competências
Ao se empregar meios singulares de para um Estado-Maior que nasceu com
forma conjunta promove-se o inter- vocação estratégico-operacional apenas.

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 9
Como o EMCFA tem atuado para Comandante da Aeronáutica,
Tenent e- Brigadeiro do Ar
promover a doutrina da interoperabi-
Antonio Carlos Moretti
lidade entre as Forças Armadas? Bermudez, acompanhado do
Inicialmente, acredito que inte- Chefe do EMCFA
roperabilidade não seja exatamente
uma doutrina e sim um resultado
ou uma condição atingida por meio
de ações desenvolvidas de maneira
coordenada e integrada.
Assim, as Forças Armadas, identi-
ficadas por uma estrutura de preparo
e emprego singular, são acionadas
para operarem num conceito de
emprego conjunto, em que a com-
preensão clara das regras torna-se
fator determinante para o sucesso de
qualquer operação integrada.
Nesse diapasão, o EMCFA vem
promovendo atividades e exercícios
reais e simulados em que as capaci-
dades individuais de cada Força são
inseridas num cenário de cooperação
técnica e operacional, desde o conhe-
cimento das doutrinas, passando pelo
conhecimento mútuo das capacidades
singulares e culminando com uma si-
nergia de ações integradas em prol do
cumprimento da missão estabelecida.
Não se pode deixar de evidenciar
a necessidade de as Forças Armadas
buscarem uma estrutura em que se
simplifique e se potencialize o me-
canismo de transição do emprego
singular para o conjunto, de forma
célere e eficiente, promovendo os
aspectos de interoperabilidade.
Em resumo, as Forças deveriam
focar na segmentação de estruturas
para preparo e outra para emprego,
enquanto o EMCFA analisa o cenário,
elabora os planejamentos e emprega
os meios necessários para determi-
nada missão.
Acredito que a Reestruturação
da FAB caminhou nesse sentido e,
hoje, há um componente apenas de
preparo, com o Comando de Preparo,
e outro de emprego, com o Comando
de Operações Aeroespaciais, o que
torna o ciclo de comando e controle
mais rápido e de fácil execução.

10 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Quais as principais diretrizes de
sua gestão para ampliar a capacidade
de interoperabilidade das nossas For-
ças Armadas?
O EMCFA foi criado há 10 anos, mo-
mento em que o Ministério da Defesa
completava seu décimo primeiro ano de
criação. Observa-se nesse período que
se migrava de uma estrutura ministe-
rial das Forças Armadas para uma de
Comandos, subordinados a um único
Ministro da pasta de Defesa.
Acredito que o legislador pretendia
inserir o Brasil no concerto de países em
que um Ministro civil, com pretenso
viés político, exercesse o controle objeti-
vo das Forças Armadas, empreendendo
um conceito de emprego conjunto que
já vigorava em muitas Forças da época.
Por certo, sob a influência da cul-
tura militar brasileira do momento, a
estrutura inicial implementada para o
Ministério da Defesa não incorporou
alguns paradigmas que se buscava
superar, o que se pretendeu aperfeiçoar
com a criação do EMCFA.
Assim, um dos grandes desafios do
EMCFA, à luz da diretriz do Ministro
da Defesa, será acomodar uma estrutu-
ra que potencialize o emprego conjunto
das capacidades de defesa das Forças
Armadas, com vistas a causar o efeito
desejado num cenário estabelecido.
Por oportuno, minha diretriz princi-
pal é desenvolver uma estratégia que pro-
jete um conceito moderno de emprego
conjunto, em que as capacidades de de-
fesa sejam estabelecidas por metodologia
adequada, orientadas por prioridades de
defesa de consenso, alinhado à concepção
e a doutrinas atualizadas, fazendo frente
a qualquer hipótese projetada.
Cumpre ressaltar que esse trabalho
vem sendo realizado à luz da meto-
dologia do Planejamento Baseado em
Capacidade (PBC).
Uma equipe dedicada vem cumprin-
do com empenho as etapas do método,
conforme o mnemônico DOPEMAI, no
sentido de potencializar a Doutrina,
que orienta as ações para o emprego;

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 11
a Organização, como melhor forma de considerar que as estruturas, meios e
estruturar o poder Militar para enfrentar profissionais de inteligência estão em
os desafios; o Pessoal, na administração sua maioria atuando de forma segrega-
de recursos humanos qualificados; a “Não se pode deixar de da e com pouco sentido de integração.
Educação, na gestão de competências;
o Material, com foco nos sistemas, nas evidenciar a necessidade Qual a importância da realização de
plataformas e nos equipamentos; e, fi- operações e exercícios conjuntos para a
nalmente, a Infraestrutura, consistindo
de as Forças Armadas defesa e soberania de uma nação?
em todos os meios e serviços de apoio.
buscarem uma estrutura A Soberania e a Defesa nacional
Esse escopo contempla na sua ple- representam a finalidade precípua para
nitude, o sentido de Interoperabilidade. em que se simplifique e se a existência de Forças Armadas cons-
Num segundo momento, porém tão tituídas como instituições nacionais
importante quanto a primeira diretriz, se- potencialize o mecanismo permanentes, conforme previsão legal
ria a construção de uma Estrutura de In- na Constituição Federal do Brasil.
teligência de Defesa, que abarcasse todos de transição do emprego Si vis pacem, para bellum é um pro-
os segmentos da inteligência, com vistas à vérbio em latim que pode ser tradu-
produção de conhecimentos confiáveis e singular para o conjunto, zido como: “se quer a paz, prepare-se
oportunos no apoio ao processo decisório para a guerra.” Assim, desde o tempo
e suporte na formulação e condução do
de forma célere e dos romanos que a Soberania Nacio-
planejamento estratégico militar.
Essa tarefa ainda está nos estágios
eficiente” nal e a Defesa da Pátria demandam
das Forças Armadas preparo continu-
preliminares de estudo e concepção, ado, meios adequados e capacidade
porém denota elevada importância ao de pronta resposta.

Tenente-Brigadeiro Botelho:
“Soberania e Defesa da Pátria
demandam preparo continuado,
meios adequados e capacidade
de pronta resposta.”

12 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Oficial-General assumiu a Chefia
do EMCFA em janeiro desse
ano, em cerimônia realizada em
Brasília (DF)

Esse estado de prontidão somente criação do EMCFA? Quais foram os


é atingido por meio da realização de desafios encontrados?
exercícios e operações conjuntas, sejam “Minha diretriz principal Nestes quase nove anos de criação
reais ou simulados, com vistas a obter do EMCFA, acredito que houve signi-
uma capacidade integrada de defesa, é desenvolver uma ficativa evolução, potencializada por
adequada aos ditames constitucionais e meio da demanda exigida pelos grandes
à estatura político-estratégica do Brasil.
estratégia que projete eventos que aconteceram nesse período.
O amadurecimento do emprego con-
Por intermédio dessas operações
um conceito moderno de junto veio no bojo da necessidade de
e exercícios, levantam-se indicadores
que visam a aperfeiçoar o processo e emprego conjunto, em que coordenação e integração não somente
a metodologia aplicada, ampliando das Forças, mas também de uma variada
a cultura de emprego conjunto nas as capacidades de defesa gama de agências e órgãos que se viram
organizações e, principalmente, fo- envolvidos nos eventos sem muita orga-
mentando a criação de uma massa sejam estabelecidas por nização e sentido de governança.
crítica com conhecimento e aprendi- O aperfeiçoamento do processo de
zado desse tipo de emprego. metodologia adequada, planejamento estratégico para o empre-
Deve-se destacar que, nesse con- go conjunto das Forças Armadas colheu
texto, estão inseridos exercícios com-
orientadas por prioridades muitos ensinamentos desses eventos
binados com a participação de outros ao precipitar a revisão de doutrinas
países, como o exercício FELINO,
de defesa de consenso, e concepções de emprego, regras de
patrocinado pela Comunidade dos alinhado à concepção e a engajamento, dentre outras melhorias
Países de Língua Portuguesa. necessárias.
doutrinas atualizadas” Dentre os desafios que merecem
Como o senhor avalia a evolução destaque, pode-se identificar a existên-
das operações conjuntas desde a cia de uma cultura de interoperabilida-

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 13
de ainda com muitas nuances a serem profissional e pessoalmente, com os de- ridade e aderência com os tratados nos
incorporadas pelo conjunto de atores mais oficiais-generais das Forças coirmãs. Estados-Maiores e demais órgãos das
envolvidos no processo. Desse modo, considero essa relação Forças Armadas e demandam uma inte-
Observa-se, também, a fragilidade interpessoal um dos pilares que emoldu- ração continuada e permanente.
do modelo estrutural adotado para ram o desempenho de um cargo que tem Em adição, acredito ser um diferen-
o EMCFA, em que não favorece os um viés estratégico-militar, contracenan- cial positivo a experiência adquirida em
conceitos clássicos de atuação de um do com um viés político-estratégico, em toda uma vida na Força Aérea Brasileira
Estado-Maior Conjunto, voltado para a que a necessidade de tratar temas com- o que, definitivamente, contribuirá para
sua atividade fim, qual seja, empregar o exercício do cargo de Chefe do EMCFA.
as Forças de forma articulada, integra-
da e sob sua coordenação superior, De acordo com o Ministério das
inserida num contexto de assessora- “Deixo a certeza aos Relações Exteriores, o Brasil tem, atu-
mento estratégico militar ao Ministro almente, cerca de 300 militares atuando
da Defesa e ao Comandante Supremo integrantes da nossa em missões de paz da Organização das
das Forças Armadas. Nações Unidas. Nesse contexto, como o
Com esse foco, acredito que as
gloriosa Força Aérea que, EMCFA coordena a atuação das Forças?
competências do EMCFA estão su- no exercício do cargo Desde o ano de 1956 que o Brasil par-
perdimensionadas e demandam uma ticipa de Operações de Paz. A primeira
análise consciente em todos os seus de Chefe do EMCFA, missão ocorreu quando o país enviou
processos, na busca de uma estrutura um Batalhão de Infantaria de Força de
vocacionada para atender ao objetivo não faltará energia para Paz, Batalhão Suez, para integrar a 1ª
síntese de garantia da defesa da pátria Força de Emergência das Nações Unidas
e da soberania nacional. este filho altivo dos ares, (UNEF1), no conflito árabe-israelense,
junto à Faixa de Gaza. Anos depois,
O senhor é o primeiro militar da pois semeei em toda a contingentes brasileiros estiveram em
Força Aérea Brasileira a ocupar o cargo. Moçambique, Angola, Timor Leste e,
Quais pontos de sua experiência na car-
minha carreira honradez, por 13 anos, no Haiti.
Em resumo, desde a primeira mis-
reira da FAB o auxiliaram no EMCFA?
Primeiramente, deixo a certeza aos
honestidade de propósito, são no Suez, cerca de 46 mil civis, mi-
integrantes da nossa gloriosa Força Aé- lealdade e dedicação sem litares e policiais brasileiros utilizaram
rea que no exercício do cargo de Chefe o capacete azul em 41 operações reali-
do EMCFA não faltará energia para limites ao Brasil” zadas sob a égide das Nações Unidas.
este filho altivo dos ares, pois semeei A atuação do EMCFA é essencial-
em toda a minha carreira honradez, mente de coordenação e ligação entre a
honestidade de propósito, lealdade e ONU e as Forças Armadas. A Chefia de
dedicação sem limites ao Brasil. plexos demanda habilidade em harmoni- Assuntos Estratégicos (CAE) e a Che-
Há um ditado que diz: “Não chores zar interesses nem sempre convergentes fia de Operações Conjuntas (CHOC)
porque acabou, sorria porque aconte- dos atores envolvidos na questão. dividem a responsabilidade em nível
ceu.” Assim iniciei as minhas palavras Com efeito, além do aspecto inter- político, estratégico e operacional para
de despedida da Chefia do Estado- pessoal, a experiência adquirida nesses atender os mandados da ONU, seja
-Maior da Aeronáutica (EMAER), após anos na Aeronáutica, potencializada para o envio de tropas e meios, seja para
três anos de profícuos e gratificantes pelos anos de EMAER, conduzem a o cumprimento de missões individuais.
trabalhos realizados como Chefe do um preparo profissional adequado e O EMCFA também coordena a
EMAER, registrados nos anais da necessário para bem desempenhar o preparação de militares, policiais e
Força Aérea Brasileira por ser um dos cargo que agora ocupo. civis brasileiros e de nações amigas
mais longevos Chefes daquele órgão As atividades desenvolvidas pelos para missões de paz e desminagem
de Direção-Geral. diversos setores do EMCFA, por intermé- humanitária, por intermédio do
Ao finalizar esse período no EMAER, dio das Chefias de Operações Conjuntas Centro Conjunto de Operações de
eu completava 46 anos de serviços pres- (CHOC), de Assuntos Estratégicos (CAE) Paz do Brasil (CCOPAB), vinculado
tados, dos quais 12 como oficial-general, e de Logística e Mobilização (CHELOG), ao Exército Brasileiro, e da Escola de
condição que me oportunizou conviver, abordam temas que têm muita simila- Operações de Paz de Caráter Naval

14 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
(EsOpPazNav), vinculada à Marinha Missões Permanentes do Brasil junto à
do Brasil. ONU com sede em Nova Iorque [nos
Atualmente, apenas um contingen- “O aspecto interpessoal Estados Unidos] e em Genebra [na
te de tropa encontra-se desdobrado, Suíça], em que há um Escritório do
compondo uma Força Tarefa Marítima
e a experiência Conselheiro Militar, ambos sob a coor-
(FTM), no contexto da Força Interina
adquirida nesses anos na denação do EMCFA, e chefiado por um
das Nações Unidas no Líbano (UNII- oficial-general.
FIL), empregando meios navais da Aeronáutica conduzem a Essa competência do EMCFA possui
Marinha do Brasil, com a missão de um relevante viés político-diplomático
conduzir operações de interdição ma- um preparo profissional e coloca o Brasil em posição de destaque
rítima no mar territorial daquele país. no concerto das nações do mundo.
Deve-se registrar que, entre os mi- adequado e necessário Como ensejo desta breve entrevista,
litares desdobrados, há seis mulheres permito-me parafrasear Mahatma Gan-
compondo as estruturas da ONU em para desempenhar o cargo dhi como motivação para o exercício do
Operações de Paz mundo afora. cargo: “Nas grandes batalhas da vida, o
O Brasil, como Estado-Membro da que agora ocupo” primeiro passo para a vitória é o desejo
Organização da Nações Unidas, possui de vencer.”

Tenente-Brigadeiro Botelho
foi Chefe do Estado-Maior da
Aeronáutica por três anos

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 15
MEMÓRIA FAB

100 anos de história

No Rio de Janeiro (RJ), a região do Campo dos Afonsos


abrigou as primeiras organizações encarregadas de
implantar a atividade aérea no Brasil. Na década de 1910,
foram erguidos prédios e executadas intervenções que
viriam a criar um campo de aviação, de acordo com as
necessidades do então Ministério da Guerra. Os projetos
aeronáuticos acabaram por revolucionar a história nos
anos seguintes: há 100 anos, em 1919, a inauguração da
Escola de Aviação Militar.
TENENTE JORNALISTA JOÃO ELIAS*
TENENTE JORNALISTA FELIPE BUENO

16 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Acervo UNIFA

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 17
N
o início do século XX, um dos
grandes desafios do Exército
Brasileiro era a moderniza-
ção do material bélico e a formação
do pessoal militar, adequando meios
e recursos humanos para o novo
período. Com o invento de Alberto
Santos-Dumont, em 1906, a aviação
se mostrava um caminho aberto para
novas descobertas. Nas galerias do
Congresso Nacional, nas páginas de
jornais e revistas e nos salões de reuni-
ões civis e militares, ocorriam intensos
debates em favor do desenvolvimento
aeronáutico militar, nascendo, assim,
associações preocupadas com o domí-
nio dos céus brasileiros.
Agremiações como o Aeroclube
Brasileiro e a Confederação Aérea
Brasileira surgiram a partir de 1911, e
campanhas como “Dêem Asas ao Brasil”
foram lançadas - ações que cobraram
do governo um esforço a fim de satis-
fazer essa demanda. Em 1912, a escolha
de um espaço favorável ao estabele-
cimento de uma instituição dedicada
à formação de pilotos e mecânicos
permitiu o atendimento dos anseios
nacionais, transformando parte da an-
tiga Fazenda dos Afonsos no primeiro
campo exclusivamente voltado para a
aviação no Brasil. A inauguração da
Escola Brasileira de Aviação (EBA),
em 1914, lançou a pedra fundamental

Acervo UNIFA
daquele espaço, que passou a ser co-
nhecido como campo de aviação, na
Fazenda dos Afonsos. Em 1916, a EBA
foi substituída pela Escola de Aviação,
administrada pelo Aeroclube Brasilei-
ro, no mesmo local.
A Primeira Guerra Mundial apresen-
tou ao mundo a efetividade da aviação
para fins militares. Em outubro de 1917,
o Congresso Nacional decretou e o Presi-
dente sancionou a condição de estado de
guerra entre o Brasil e o Império Alemão.
O Brasil enviou para a França um grupo
de oficiais para fomentar parcerias no Em 1916, Aeroclube Brasileiro
segmento, o que resultou em um acordo foi inaugurado nas instalações
de cooperação militar. As lições aprendi- utilizadas pela antiga Escola
Brasileira de Aviação
das pelo mundo com o final do conflito

18 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
apontaram para doutrinas militares ven-
cedoras, e o Brasil, signatário do Tratado
de Versalhes, contratou, ao final de 1918,
a Missão Militar Francesa de Aviação.
Enquanto isso, a Marinha organizou
o primeiro Núcleo Militar de Aviação do
Registro dos hangares e pátio Brasil. O então Presidente Wenceslau
de aeronaves da Escola de Braz fundou a Escola de Aviação Na-
Aviação Militar no início da val e o país negociou a aquisição dos
década de 1920
primeiros aviões militares brasileiros.
No mesmo período, Santos-Dumont
foi ao Palácio do Catete, antiga sede do
Governo Federal no Rio de Janeiro (RJ),
oferecer seus conhecimentos e serviços
em prol da aviação brasileira.
Mas, implantar a Escola de Aviação
Militar, a partir de 10 de julho de 1919,
não foi tarefa fácil. O Ministério da Guer-
ra criou regulamentos e diretrizes, im-
portou material aeronáutico da Europa,
preparou mão de obra e construiu novos
hangares e demais estruturas adequadas
ao novo momento da aviação militar
no Brasil. A Missão Militar Francesa de
Aviação esteve à frente da organização
de 1919 a 1931, tomando como base as
experiências da utilização em guerra
de uma das armas mais modernas – o
avião. O primeiro Comandante da Escola
Acervo UNIFA

foi o Tenente-Coronel Estanislau Vieira


Pamplona, e os primeiros aviadores lá
brevetados pilotaram o Bréguet 14 A2/
B2. A infraestrutura militar dedicada à
aviação e ao fomento do planejamento
Acervo UNIFA

para o emprego de meios aéreos culmi-


naram na criação da Arma de Aviação do
Exército Brasileiro (1927). A aviação no
Brasil ficou, por muitos anos, dividida
entre o Exército e a Marinha. Entretanto,
a criação de uma força nova e indepen-
dente há muito fazia parte dos planos de
alguns idealistas.
O Ministério da Aeronáutica foi ins-
tituído em janeiro de 1941 e, logo após
a sua criação, sentiu-se a necessidade
de intensificar a formação de pessoal.
Devido às necessidades da Segunda
Vist a aérea da Escola de
Guerra Mundial, a Força Aérea foi obri-
Aviação Militar no Campo dos gada a criar um programa de aceleração
Afonsos (RJ), registrada no de formação de pilotos e especialistas.
início da década de 1930
Ao herdar as Aviações do Exército e da

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 19
Acima, chegada do Graf Zeppelin ao
Campo dos Afonsos em 1932

Marinha, a duplicidade de centros de ção da nova Escola de Aeronáutica. O


formação deveria ser sanada. Extintas a interior de São Paulo foi eleito, desta-
Escola de Aviação Militar e a Escola de “A transferência para Pi- cando-se o trecho compreendido entre
Aviação Naval, era criada, no Campo as cidades de Rio Claro e Ribeirão Preto.
dos Afonsos, a Escola de Aeronáutica, rassununga foi uma decisão Em 1960, foi inaugurado, em Piras-
que iria centralizar toda a formação de sununga, o destacamento precursor da
estratégica de fundamental
oficiais aviadores. Na ponta do Galeão, Escola de Aeronáutica. O ano de 1968 foi
destinada à formação do pessoal de importância para a viabili- coroado com a chegada das aeronaves
manutenção, foi criada a Escola de Espe- a jato T-37C, que marcariam o início de
dade da instrução aérea de
cialistas de Aeronáutica, nas instalações uma nova era na instrução de cadetes. Em
da antiga Escola de Aviação Naval. cadetes nos moldes do que a 1969, a Escola de Aeronáutica no Rio de
No período pós-guerra, ocorreu a Janeiro recebeu a denominação de Aca-
chegada de aeronaves mais modernas,
AFA realiza nos dias atuais. demia da Força Aérea e, em decorrência,
como os Vultee BT-15 e North American No espaço aéreo do Rio de o destacamento de Pirassununga passou
AT-6D. Devido à intensificação de a denominar-se Destacamento Precursor
tráfego aéreo no Rio de Janeiro, foi
Janeiro, seria impossível alo- da Academia da Força Aérea. Em dezem-
necessário um novo local para voos de car as áreas necessárias para bro de 1970, o Campo dos Afonsos viu
instrução de pilotagem militar. Uma sua última turma de cadetes receber o
comissão de oficiais foi formada para realizar o voo de instrução” brevê de oficial da Força Aérea.
escolher esse local, isento das limitações No ano de 1971, a Academia da
do Campo dos Afonsos, para a constru- Força Aérea foi transferida, definiti-

20 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Acervo UNIFA
vamente, do Campo dos Afonsos para somente por São Paulo, Rio de Janeiro,
Pirassununga, sendo o seu primeiro Brasília e Belo Horizonte. Anualmente,
comandante o Brigadeiro do Ar Ge- na TMA-YS, ocorrem mais de 130 mil
raldo Labarthe Lebre. Desde então, movimentos de aeronaves, sendo que
a AFA formou mais de 6.500 Oficiais mais da metade desse movimento é
Aviadores, 2.100 Oficiais Intendentes, justamente de aeronaves de instrução
450 Oficiais de Infantaria e cerca de 190 sediadas na AFA”, explica o atual
cadetes de nações amigas. Comandante, Brigadeiro do Ar David
“A transferência para Pirassununga Almeida Alcoforado.
foi uma decisão estratégica de fun- Após a transferência da AFA, o
damental importância para a viabi- Campo dos Afonsos abrigou o Grupo
lidade da instrução aérea de cadetes de Apoio dos Afonsos (GAP) e outras
nos moldes do que a AFA realiza nos organizações até a criação da Universi-
dias atuais. No espaço aéreo do Rio dade da Força Aérea (UNIFA), em 1983,
de Janeiro, seria impossível alocar quando recuperou a tradição de ensino
as áreas necessárias para realizar o da guarnição. Atualmente, o local abri-
voo de instrução. Para se ter ideia do ga duas unidades de ensino além da
volume do tráfego aéreo gerado pela UNIFA, a Escola de Aperfeiçoamento
instrução de voo, a Terminal Academia de Oficiais da Aeronáutica (EAOAR) e
(TMA-YS) é a quinta terminal mais a Escola de Comando e Estado-Maior
movimentada do país, sendo superada da Aeronáutica (ECEMAR).

Acervo UNIFA

Passagem da Diretoria de Aviação


do Exército no Salão Nobre da
Escola de Aviação, em 1941.

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 21
Nessa página, o Brigadeiro Clóvis de
Athayde Bohrer posa em monumento
da UNIFA; ao lado, imagens históricas do
acervo do Oficial-General

22 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Arquivo pessoal
Palavras de um veterano
Oriundo da Escola Preparatória de Cadetes do
Exército, em Porto Alegre (RS), ingressei na Escola de
Aeronáutica em 1943, aos 18 anos de idade, em 8 de
março. Minha turma foi a segunda inteiramente formada
naquela organização e a primeira que nela realizou o
curso completo, pois a anterior, face ao conflito mundial

Arquivo pessoal
que então ocorria, teve seu período escolar reduzido.
Até 1941, a Escola formava oficiais e graduados
aviadores, observadores aéreos e graduados especialistas.
Após a criação do Ministério da Aeronáutica, passou a
formar apenas oficiais aviadores. O curso de especialista
passou à Escola de Especialistas de Aeronáutica, loca-
lizada na Ponta do Galeão, Ilha do Governador (RJ).
Naquela época, o curso da Escola de Aeronáutica
compreendia três anos de atividades aéreas e culturais.
O voo tinha três estágios: o primário e o básico eram
desenvolvidos em aeronaves Fairchild PT-19 e Vultee
BT-15. No estágio avançado, os cadetes eram divididos
nas turmas das Aviações de Caça e de Bombardeio. Os
que se destinavam à Caça voavam o North American
T-6; já os de Bombardeio utilizavam o Cessna UC-78
bimotor, o Beechcraft AT-11 bimotor e o Beechcraft
AT-7 bimotor.
Além das partes cultural e aérea, a educação física
tinha importante papel na vida do cadete, o que se de-
via, em grande parte, ao inesquecível Capitão Aviador
Jerônimo Batista Bastos, extraordinário motivador. As
competições com as demais escolas militares e entidades
civis estimulavam a existência de um salutar espírito de
corpo entre os cadetes. As atividades desportivas eram
particularmente estimuladas pelo então Comandante,
Coronel Aviador Henrique Raymundo Dyott Fontenelle,
que deixou seu nome gravado com letras de ouro na
Arquivo pessoal

história da Escola de Aeronáutica.


Após ser declarado Aspirante a Oficial, como inte-
grante da Turma de Pilotos de Bombardeio, fui classifi-
cado no 3º Grupo de Bombardeio Médio, sediado na Base
Aérea do Galeão, equipada com aeronaves B-25 Mitchell.
Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

- Brigadeiro Clóvis de Athayde Bohrer, Comandante


da AFA de janeiro de 1976 a março de 1979.

*Com colaboração da Academia da Força Aérea e da


equipe de pesquisa histórica da UNIFA

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 23
OPERACIONAL

Prontos a
qualquer hora
No Exercício Operacional Tápio 2019,
Esquadrões realizaram treinamento intenso
voltado para missão de paz da ONU.
TENENTE JORNALISTA CRISTIANE DOS SANTOS

A
República Centro-Africa- uma triste rotina, sofrendo há anos segundo trimestre de 2019, na Ala
na, ou República da África com guerra após guerra. 5, em Campo Grande (MS). Na oca-
Central, é uma nação do Ao avistar um cenário como esse, sião, foram cumpridas mais de 1.200
continente africano. Sem fronteira com necessidade de emprego da horas de voo na execução de 16 tipos
marítima, seu território é rodeado força para estabilização do país por diferentes de ações de Força Aérea,
pelo Sudão (a leste), República De- meio de uma missão de paz da Orga- com envolvimento de mais de 600
mocrática do Congo (ao sul), Congo nização das Nações Unidas (ONU), militares da FAB e 47 aeronaves,
(a sudoeste), Camarões (a oeste) e a Força Aérea Brasileira (FAB) ades- entre aviões e helicópteros. A Mari-
Chade (ao norte). O país é coberto trou, de forma intensa durante 25 nha do Brasil, o Exército Brasileiro
por savanas e abriga reservas de ani- dias, seus Esquadrões e Unidades de e a Força Aérea dos Estados Unidos
mais selvagens. A nação africana se Infantaria. Com essa concepção, foi (USAF) participaram do exercício
encontra em uma parte do continente planejado o Exercício Operacional para realizar intercâmbio operacio-
onde o genocídio e a barbárie são Tápio (EXOP Tápio), que ocorreu no nal e alguns treinamentos.

24 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Aerovisão
Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea
A novidade na edição de 2019 do Exercício
Operacional Tápio foi a realização noturna de
COMAO, com a utilização de equipamentos
como Night Vision Goggles e flare

Para o ano de 2019, três cenários em missões da ONU. De acordo com Todo o treinamento envolveu
distintos são o foco do adestramento o Comandante da Ala 5 e Diretor do atividades que estabelecem a combi-
das equipagens, utilizados para norte- EXOP Tápio, Brigadeiro do Ar Augusto nação adequada de pessoas e meios
ar os exercícios operacionais: o EXOP Cesar Abreu dos Santos, o treinamento para alcançar determinado efeito.
Tínea, voltado para o treinamento de foi baseado em capacidades e faz parte Nesse contexto, foram realizados oito
um conflito convencional com uma da doutrina operacional da instituição. Composite Air Operations (COMAO),
força aérea inimiga; o EXOP Caribides, “Nestes três cenários, temos o de guerra traduzido na doutrina brasileira como
também direcionado para um cenário clássica de força aérea, voltado para a Missão Aérea Composta, quando há
de guerra regular, mas com foco na superioridade aérea; temos o cenário envolvimento silmultâneo de várias
área marítima; e o EXOP Tápio, com marítimo; e temos o cenário de guerra aeronaves e Esquadrões em uma
viés de guerra irregular, ou seja, o irregular, o Tápio, que, no nosso enten- missão. Os COMAO aconteceram in-
combate é contra forças insurgentes ou dimento, é a hipótese mais provável tercalados com workshops e voos para
paramilitares, comumente encontradas de emprego da Força Aérea”, afirmou. nivelamento de conhecimento.

Aerovisão
Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 25
Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea
Missões Noturnas
Os COMAO são complexos: po- O Tenente Aviador André Affonso
dem envolver até 100 militares em 30 Vidal, integrante do Esquadrão Puma
aeronaves de performances diferentes, (3º/8º GAV), observou que a realização
que objetivam o cumprimento de di- do voo noturno durante o EXOP Tápio
versas ações simultâneas, em tempo cumpriu a missão do exercício - o ades-
reduzido e espaço limitado. O desafio tramento em cenário de combate. “No
é unir os vetores de forma sinérgica, voo noturno, a nossa intenção é negar
segura e complementar um ao outro, a detecção visual pelo inimigo. Então,
considerando as doutrinas e as pecu- nós voamos baixo e com todas as lu-
liaridades de cada aviação. A intenção zes apagadas, dificultando bastante a
do exercício também é a integração das identificação”, explica.
aeronaves, visando potencializar as ca- O Major Aviador Edgar Barcellos
pacidades de emprego e permitir que Carneiro, integrante do Esquadrão
o ingresso no território inimigo ocorra Centauro (3º/10º GAV) e comandante
de forma otimizada. No EXOP Tápio, de um COMAO noturno, ressaltou
o adestramento ocorreu também no o desafi o de unir diversas ações às
período noturno, com a utilização de variadas aeronaves da Força Aérea.
flare, equipamento usado para desviar “Tivemos aeronaves de caça a jato e de
mísseis guiados pelo calor, e NVG caça turbo hélice, tanto para emprego
(óculos de visão noturna, do inglês quanto para designação de ataque
Night Vision Goggles). Foram oito CO- contra outras aeronaves; de transpor-
MAO, sendo quatro após o anoitecer. te, realizando coordenação aérea para

Ao todo, 50 aeronaves de asas fixas e rota-


tivas cumpriram mais de 1.200 horas de voo
nos céus do Mato Grosso do Sul durante os
25 dias de missão

26 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
infiltração e exfiltração de evasor e
lançamento de paraquedistas e de
carga; e helicópteros, no resgate e
na escolta”, exemplificou.
Além disso, também era con-
siderada a tática de cada aviação,
a segurança e, principalmente, a
sinergia das ações. “Outro desafio
foi conciliar a segurança da opera-
ção com a parte tática. Tinha que
ser extremamente seguro e cumprir
totalmente o requisito tático”, disse
o Major Carneiro.
Para cumprir a tarefa em meio à
escuridão, a tripulação usou óculos
de visão noturna. Praticamente to-
das as aeronaves voaram com NVG.
O Exercício Operacional Tápio 2019 reuniu Aquelas que não possuíam o equipa-
28 Esquadrões Aéreos e 600 militares entre mento, voaram separadas, em apoio,
abril e maio na Ala 5, localizada em Campo
mas dentro do pacote.
Grande (MS)
A complexidade do idioma tam-
bém foi introduzida de forma gra-
dativa nos COMAO: inicialmente,
briefing, fraseologia, contato com a
força no solo, conversação e debrifing
foram feitos em português; a cada
evento, o inglês foi gradativamente
inserido, até chegar a 100% da lín-

“É a oportunidade
gua estrangeira, como nas missões
da ONU.

de unir todas as
Outro incremento foi em relação
à avaliação. Cada ação foi aferida,

aviações e montar
por meio de equipamentos de gra-
vação, sinal de GPS e relatórios,

treinamentos baseados
buscando o resultado, principal-
mente, do engajamento entre a

nos aprendizados que


antiaérea e a aeronave. O Chefe da
Célula de Avaliação do Exercício,

adquirimos; por isso,


Major Aviador Arthur Ribas Teixei-
ra, explica a importância de aferir

é essencial avaliar
as necessidades de preparo. “É um
exercício diferente, se comparado
Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea

resultados”
com outros realizados pela FAB.
É a oportunidade de unir todas as
aviações e montar treinamentos
baseados nos aprendizados que
adquirimos; por isso, é essencial
avaliar resultados”, disse.

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 27
“Esse foi o grande
Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea

desafio: reunir as
unidades operacionais
para analisar nossa
aplicação, nosso preparo,
e, com isso, utilizar da
melhor forma nossas
capacidades”

28 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Integração entre Esquadrões
Até 2016, os exercícios aconteciam trabalho integrado com a Aviação de
de forma isolada no âmbito das extintas Reconhecimento e com a tropa do Es-

Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea


Forças Aéreas (FAE). Desde o início do quadrão Aeroterrestre de Salvamento
processo de Reestruturação da FAB, o (EAS), mais conhecido como PARA-
Comando de Preparo (COMPREP) pas- -SAR, para identificação de eventual
sou a adestrar os esquadrões em exer- obstáculo, por exemplo.
cícios conjuntos. No Tápio, foi possível O Tenente Aviador Matheus Cerutti
treinar, por exemplo, a aplicação de asas Martins, piloto do Esquadrão Onça
rotativas em ações de Busca e Salvamen- (1º/15º GAV), participou do EXOP
to em Combate (CSAR, em inglês Combat Tápio e acredita que o sucesso de uma
Search and Rescue). O Atendimento Pré- missão se deve não apenas às poten-
-Hospitalar Tático (APH) foi um dos cialidades das aeronaves e tecnologias
adestramentos do CSAR, inclusive com empregadas, mas também às capacida-
atividades noturnas. A proposta foi co- des das tropas. “Temos a oportunidade
locar os homens de resgate em situações de refletirmos sobre o poder da Força
hostis e sob ameaça para realização de Aérea, que vai além das aeronaves e
atendimentos médicos. das tecnologias. É importante também
O Tápio procurou conciliar missões contar com tropas coesas, treinadas e
de ataque, de apoio aéreo aproxima- disciplinadas. É o que encontramos
do, de reconhecimento e de CSAR. aqui. Esse tipo de exercício exigiu
A Aviação de Transporte foi bastante muita coordenação para que tudo
requisitada nas ações operacionais. O ocorresse conforme planejado. Esse
C-95M Bandeirante, o C-130 Hércules foi o grande desafio: reunir as unida-
Utilização de aeronaves de asas rotativas
e o C-105 Amazonas realizaram lan- de operacionais para analisar nossa
nas ações de Busca e Salvamento em
Combate (CSAR) foi treinada no EXOP çamento de cargas e de pessoal, em aplicação, nosso preparo, e, com isso,
Tápio, com realização de Atendimento todas as modalidades e em várias áreas utilizar da melhor forma nossas capa-
Pré-Hospitalar Tático (APH) diferentes, onde foi preciso realizar um cidades”, concluiu.

Cabo André Feitosa / Agência Força Aérea

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 29
NOVA AERONAVE

KC-390:
a nova aeronave
multimissão
A Força Aérea Brasileira (FAB) se prepara para receber
a maior aeronave militar desenvolvida e produzida no
Brasil. O KC-390 chegará à Ala 2, em Anápolis (GO), e
suas características multimissão contribuirão para a FAB
desempenhar sua missão de Controlar, Defender e Integrar
22 milhões de quilômetros quadrados.
TENENTE JORNALISTA RAQUEL ALVES

30 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Aerovisão
Jul/Ago/Set/2019
31
Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea
A
nova plataforma multimissão Produzidos com uma configuração composto por militares de diferentes
da Força Aérea Brasileira para atuar em variados cenários e com organizações da FAB foi criado com
(FAB), desenvolvida pela tecnologia de ponta, os aviões cumpri- a proposta de atuar no projeto do jato
Embraer Defesa e Segurança, apresenta- rão missões de transporte de cargas e e fazer sua implantação operacional.
-se como uma das mais modernas pro- de tropa, lançamento de paraquedistas, Além de pilotos, mestres de carga,
postas da categoria. As duas primeiras reabastecimento em voo, apoio a mis- operadores de equipamentos espe-
unidades, previstas para 2019, ficarão sões humanitárias, combate a incêndios ciais e mecânicos também atuam no
sediadas na Ala 2, em Anápolis (GO), e florestais, busca e salvamento e evacu- grupo. “A proposta é que possamos
serão entregues em condições de cumprir ação aeromédica. Após a nova aerona- agregar os conhecimentos das avia-
diversas missões. Ao todo, 28 aeronaves ve chegar a Anápolis, será iniciada a ções e consolidá-los à doutrina da
adquiridas irão compor a frota da FAB. instrução aérea dos pilotos e demais aeronave para que ela esteja prepara-
Robusto e de alta capacidade téc- tripulantes, para que, em seguida, estes da para executar as ações que a Força
nica, o KC-390 se concretizou a partir possam atuar na operacionalidade e Aérea Brasileira precisar”, destaca o
do conceito e ideais de pilotos e enge- doutrina da aeronave. Major Aviador Carlos Vagner Veiga,
nheiros da FAB que almejavam superar Devido à capacidade multimissão um dos integrantes do grupo. O
demandas acima das já cumpridas da aeronave, os primeiros pilotos KC-390 é o resultado de um esforço
pelo C-130 Hércules. O novo avião, de KC-390 foram selecionados con- envolvendo a FAB e a Embraer, que
considerado a maior aeronave militar forme as competências adquiridas apostaram no investimento em ensi-
desenvolvida e fabricada no Brasil, tem nas suas Aviações de origem, sejam no e pesquisa para ter, em território
cumprido todas as fases de testes nas Caça, Patrulha, Reconhecimento ou nacional, profissionais altamente
mais diversas situações. Transporte. Nesse sentido, um grupo qualificados.

Testes de evacuação de
tropa realizados na Ala 1,
em Brasília (DF)

Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea

32 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea
As duas primeiras unidades do
KC-390 devem ser entregues à
FAB ainda em 2019

Capacidade e versatilidade largura e 2,95 de altura, espaço suficiente ao mesmo tempo. “Um KC-390 poderá
Com capacidade de transportar até para acomodar equipamentos de grandes reabastecer, inclusive, outro KC-390,
23 toneladas, em velocidade máxima dimensões, além de blindados, peças de ampliando a autonomia do segundo.
de 870 km/h, o jato redefine o modelo artilharia, armamentos e até aeronaves. Esse é um fator inédito na Força Aérea”,
de operação de uma aeronave de trans- Possui, ainda, todos os acessórios neces- destaca o Capitão Aviador Anderson
porte em ambientes diversos, pistas sários para facilitar o carregamento, a Dias Santiago, militar da aviação de caça
não preparadas e com uma autonomia retenção e o descarregamento de cargas, que também faz parte do grupo do proje-
destacável. Com 23 toneladas de carga como anéis para amarração, bandejas to. A capacidade de ser reabastecido em
a bordo, o KC-390 pode voar até 2.730 de roletes, trilhos e sistemas de travas voo coloca a aeronave num patamar de
km de distância. Se a carga for de 14 eletrônicas de fixação, sendo totalmente alcance global e permite deslocamento lo-
toneladas, o alcance sobe para 4.914 compatível com os equipamentos de gístico em tempo de paz ou de conflito, a
km, o suficiente para sair de Manaus transporte aéreo militar já existentes. ser realizado sem paradas em aeroportos
(AM) e ir até a Cidade do México ou O jato também pode levar 80 militares intermediários, otimizando sobremanei-
Santiago, no Chile. Sem carga, em voo equipados; ou 64 paraquedistas em uma ra as operações aéreas.
de traslado, é possível percorrer até configuração de transporte de tropa; ou,
5.958 km de distância. Esses números ainda, 74 macas e equipe médica em uma Tecnologia de ponta
são alcançados porque os tanques da configuração de evacuação aeromédica. O KC-390 foi concebido para ser
aeronave podem levar 23,2 toneladas de O KC-390 tem também os equipa- uma aeronave de transporte militar
combustível, além de o avião também mentos necessários para transferir parte com tecnologia de ponta embarcada.
poder ser reabastecido em voo. do combustível para outros aviões e O avião possui pilotagem facilitada
O compartimento de carga do KC-390 helicópteros, podendo realizar duas por um sistema de comando de voo
tem 18,5 metros de comprimento, 3,45 de operações de reabastecimento em voo eletrônico fly-by-wire que, além de dar
Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 33
Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea
Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea

Acima, KC-390 realiza ensaio em


voo durante período de certificação
civil; ao lado, detalhe da parte externa
da aeronave multimissão

maior eficiência para pilotagem, tam- comandos. O sistema de aviônicos foi com o radar Gabbiano T20, instalado
bém proporcionará uma integração desenvolvido pela empresa norte-ame- no nariz da aeronave. No modo de
com os demais sistemas. Um exemplo ricana Rockwell Collins, que dispensa acompanhamento de alvos, o equipa-
é o lançamento de carga. O uso dos o uso de relógios, medidores e termô- mento pode rastrear mais de 200 em-
controles eletrônicos vai mensurar o metros. O KC-390 também é equipado barcações simultaneamente, podendo
comportamento do avião durante a com um avançado radar tático, com as ainda ser usado no combate às ativi-
missão, que responde a essa dinâmica funcionalidades Spot SAR, modos de dades ilegais, como pesca predatória
e repassa as informações ao piloto. A meteorologia e ar-ar. e pirataria. É possível também utilizar
nova aeronave da FAB foi planejada A expressiva autonomia do jato o radar para identificar manchas de
para que todas as missões sejam reali- também pode ser usada para missões óleo ou realizar o mapeamento de
zadas com as capacidades e tecnologias de busca, com horas de voo dedicadas áreas terrestres.
existentes no avião. à localização de uma embarcação As aeronaves estão previstas para
Na configuração do cockpit, são naufragada, por exemplo. Para essa chegar à Ala 2 ainda este ano, mas, an-
cinco displays, com telas que facilitam missão, além de contar com postos tes disso, a comissão de recebimento
a navegação do piloto e a atuação nos de observação, o KC-390 é equipado fará um check-list para a conferência
36 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
da aeronave, quando serão inspeciona- Certificação certificado seja comercializado no Bra-
dos todos os sistemas, equipamentos e Em 2018, o KC-390 recebeu a certifi- sil e inserido no Registro Aeronáutico
funcionalidades. Ou seja, todo aparato cação de Tipo de Aeronave da Agência Brasileiro (RAB).
do KC-390 será conferido para poste- Nacional de Aviação Civil (ANAC), Este ano, a aeronave passou por
riormente ser executado o voo de rece- que permite que o avião possa ser co- ensaios de certificação para o cum-
bimento com tripulação da Embraer e mercializado e operado em todo o ter- primento de diversas missões, como
do Instituto de Pesquisas e Ensaios em ritório brasileiro. A certificação de tipo Reabastecimento em Voo (REVO)
Voo (IPEV). “Essa conferência é muito é emitida pela ANAC quando o projeto e lançamento de carga pelos méto-
importante, pois caso seja detectada da aeronave demonstra ter cumprido dos Container Delivery System (CDS)
qualquer não conformidade, a empresa todos os requisitos operacionais, de e Combat Offload (saída da carga
executará a devida correção para que segurança e de proteção ambiental da aeronave durante o táxi, sendo
a aeronave possa ser aceita”, explica o obrigatórios para a operação. Isso depositada diretamente no solo por
gerente operacional do projeto KC-390, evidencia que o nível de segurança da ação da inércia ou sobre tambores à
Major Aviador Reinaldo Alves da Silva, aeronave é compatível com padrões medida que a aeronave se movimenta
do Comando de Preparo (COMPREP). internacionais e permite que o modelo no solo).

KC-390 no pátio da Ala 1, em Brasília


Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea

(DF), durante a cerimônia alusiva ao Dia


do Aviador, no ano de 2018

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 37
BUSCA E SALVAMENTO

Do drama ao final feliz


Esquadrões da Força Aérea Brasileira acumulam histórias
marcantes e emocionantes de resgates de sobreviventes em
situações trágicas.
TENENTE JORNALISTA JONATHAN JAYME

38 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Fuselagem de uma aeronave
avistada pela tripulação de um
H-60L Black Hawk da Força
Aérea, em meio à vegetação
fechada do ambiente amazônico

S
e fosse possível descrever o som da mas do PT-ICN, deixa claro como foram
esperança, provavelmente o piloto os dias de buscas. O militar estava a
comercial Marcelo Balestrin, de 40 bordo do H-60L, engajado na missão
anos, diria que é como o som do rotor na manhã do dia 3 de dezembro – uma
de um helicóptero. Prestes a se tornar aeronave SC-105 Amazonas já realizava
estatística de tragédias aeronáuticas, buscas desde o dia 1º.
esse foi o ruído que deu a ele e ao amigo As atividades do Black Hawk
Jhon Cleiton Venera uma chance para foram iniciadas a partir da capital
o recomeço da vida. Após quatro dias mato-grossense. “Decolamos de ma-
perdidos em mata fechada, feridos, sem nhã, bem cedo. Voamos até as 19h30
alimento, água, abrigo ou expectativas naquele dia com a ideia de não achar
de salvamento, os dois homens foram apenas destroços, mas sim os sobrevi-
resgatados por militares da Força Aérea ventes. Foi desgastante, mas ficamos
Brasileira (FAB) a bordo de um helicóp- atentos”, descreveu o sargento. No
tero H-60L Black Hawk. dia seguinte, os voos continuaram.
O acidente ocorreu em 30 de novem- A tripulação fez várias tentativas de
bro do ano passado, em Cáceres (MT), encontrar sinais que indicassem a
a 220 quilômetros da capital Cuiabá. A localização das vítimas.
aeronave, que saiu de Pimenta Bueno Ali, dentro da área de busca, mas
(RO), teria como destino Santo Antônio ainda sem serem vistos, Marcelo e Jhon
do Leverger (MT). Ainda em tratamento Cleiton lutavam pela vida. “Entramos
para curar as sequelas físicas da queda no quarto dia de agonia. No primeiro
da aeronave PT-ICN, Marcelo também dia eu tinha ficado preso nas ferragens.
carrega as lembranças e o sentimento No segundo, sai de joelho e me joguei
de gratidão. “Vou levar isso por toda para fora”, conta o piloto comercial,
a minha vida. Só posso agradecer por que teve os dois pés, o braço direito e
não terem abandonado a gente e conti- o maxilar fraturados, além de vários
nuarem com as buscas. Lembrarei disso ferimentos pelo corpo.
eternamente”, diz. Naquele dia 4 de dezembro, ain-
Os agradecimentos são direcionados da pela manhã, as vítimas ouviram
aos tripulantes dos Esquadrões Pelicano o som do helicóptero de resgate.
(2º/10º GAV) e Pantera (5º/8º GAV), além Tentaram sinalizar, fizeram barulho,
dos integrantes do Esquadrão Aeroter- mas ainda não foram avistados. No
restre de Salvamento (EAS, também co- período da tarde, a tripulação, sem
nhecido como PARA-SAR), pessoas que êxito, voltou à base e recebeu a ordem
estão acostumadas a içar vítimas sem para fazer novas buscas. “Na primei-
vida e que se emocionam ao cumprir ra pernada [trecho de deslocamento
missões de resgate com sobreviventes. pré-determinado], não avistamos a
“Nosso lema é nunca desistir, manter aeronave, mas alguém da tripulação
a chama da esperança acesa e dar um teve a impressão de ter ouvido o sinal
conforto para alguma família. Um Peli- do ELT [Emergency Locator Transmit-
cano tem que ter essa abnegação.” Desde ter, um sinalizador de emergência].
Esquadrão Pelicano

sua primeira fala, o Sargento Vinícius No retorno, passamos pelo mesmo


de Souza Melo, do Esquadrão Pelicano, local e um tripulante avistou a aero-
integrante da missão que salvou as víti- nave. Vimos que dois sobreviventes
Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 39
Marcelo Balestrin e Jhon
Cleiton Venera foram res-
gatados após quatros dias acenavam”, relata o piloto da FAB que “Preciso parabenizar essa tripulação
perdidos na selva amazôni- participou do resgate, Tenente Aviador pela experiência e pelo treinamento que
ca; o resgate foi realizado Fábio Rachildes Pinto. tiveram. Sinto-me tão feliz por ter sido
por militares dos Esqua-
drões Pelicano, Pantera e resgatado por eles e sei que eles também
Aeroterrestre de Salvamen- Emoção se sentem assim. Vibramos muito e me
to (PARA-SAR) O Sargento Vinícius se recorda da emociono toda vez que falo sobre eles e
euforia que tomou conta da tripulação. queria muito encontrá-los novamente”,
“Foi muito bom saber que iríamos levar finaliza o piloto Marcelo.
pessoas vivas.” O integrante do 2º/10º
GAV ainda gravou o momento em que “Ela tinha que ir junto, também era
encontrou os dois pilotos acidentados. uma sobrevivente”
No vídeo, a emoção fica evidente nas Quando os resgateiros do Esqua-
palavras de Jhon Cleiton: “Vocês são drão Harpia (7º/8º GAV), localizado em
anjos!”, gritou. Manaus (AM), foram acionados para
As vítimas foram levadas ao Aeropor- salvarem possíveis sobreviventes de
to de Cuiabá, onde foram recebidas pelo um acidente aéreo próximo à fronteira
atendimento médico de urgência e pelos com o Peru, certamente não esperavam
familiares. De lá, elas foram conduzidas encontrar a cadela Princesa entre as
até o Pronto-Socorro Municipal de Várzea vítimas da queda. Em 17 de dezembro
Grande (MT) e transferidas para uma de 2018, a aeronave de matrícula PT-KIL
unidade de saúde particular de Cuiabá. caiu próximo à cidade de Tabatinga

40 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
(AM) com Princesa e outros três
ocupantes – o piloto José Adelmo
Araujo Santiago, de 52 anos, e os
passageiros Marinêz Ferreira de
Souza, 35, e Francisco Sales de
Souza, 16.
Participante do resgate, o Ca-
Esquadrão Pelicano

pitão Médico Waldyr Moyses de


Oliveira Junior lembra que a tri-
pulação, apesar de não portar
equipamentos específicos para o
resgate de animais naquele dia, foi
unânime quanto ao salvamento da
Esquadrão Pelicano

cadela. “Uma concordância ime-


diata: ela tinha que ir junto. Afinal
de contas, ela também era uma so-
brevivente”, conta ele, que é Chefe
da Subseção de Saúde Operacional A aeronave PT-ICN foi localizada na tarde
do Hospital de Aeronáutica de Ma- assemelha ao caso de Mato Grosso de 4 de dezembro de 2018, após quatro
naus (HAMN). O militar disse que, quanto à emoção e aos sentimentos dias de intensas atividades de busca
para içar Princesa, havia ainda a de missão cumprida dos militares e de
dificuldade causada pelo estresse alívio às vítimas, com a conclusão de
do animal. “No final, prendemos a mais um resgate com sobreviventes.
coleira peitoral da cadela junto ao O Capitão Waldyr descreve essa como
corpo do resgateiro. Ninguém ficou uma das maiores alegrias que já sentiu.
para trás.” “Uma sensação indescritível. Quando
o primeiro homem desceu e avisou que Abaixo, registro das rotas de busca reali-
A situação inusitada vivida no
zadas até a detecção da aeronave PT-ICN.
estado amazonense, no entanto, se havia sobreviventes, vibramos muito

Esquadrão Pelicano

Serra do Mangaval, em Cáceres


(MT): área onde o avião com dois
sobreviventes foi localizado

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 41
e isso só nos incentivou a continuar a
tirar aquelas pessoas dali”, relembra.
Acostumado a participar de res-
gates, o militar relata que este era “Encontrá-los vivos
um caso que demandava ainda mais
agilidade na prontidão das equipes. foi uma sensação
“Fomos informados de uma tentativa
de pouso forçado, o que nos deixou maravilhosa. Isso não
com esperança de que houvesse sobre-
viventes. Pela possibilidade de vítimas tem preço para um
vivas, tínhamos que agir rapidamente,
decolar o quanto antes”, detalha. médico, um enfermeiro,
O helicóptero H-60 Black Hawk da
FAB decolou na madrugada de Manaus uma tripulação SAR.
para Tabatinga, uma distância de mais
de mil quilômetros. “O tempo não era Em vez de resgatar
bom, chovia. A visibilidade era ruim,
exigindo mais concentração de todos corpos, encontramos
nós. Ao encontrarmos o local do aciden-
te, verificamos que não havia condições sobreviventes”
de pouso e descemos no guincho. Pri-
meiro foram os homens SAR [do inglês
Search and Rescue, busca e salvamento],
e eu desci em seguida para ajudar na Ao lado, cadela Princesa é resgatada
condução das vítimas”, conta. pelo Tenente Edson Mendes da Costa;
abaixo, efetivo do Esquadrão Harpia
envolvido na busca do PT-KIL

Esquadrão Harpia

42 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Esquadrão Harpia
O Capitão ainda se lembra do ce-
nário encontrado. De acordo com ele,
José Adelmo estava mais ferido, com
dores nas costas e pernas, escoriações
no rosto, e precisou ser imobilizado. As
outras vítimas estavam em choque. “O
tempo de envolvimento no resgate foi
de duas horas. Foi um nível de adrenali-
na muito alto, correndo contra o tempo,
enfrentando chuva”, recorda o médico.
Ao final, os ocupantes do avião PT-
-KIL foram recebidos pelo Hospital de
Guarnição do Exército de Tabatinga.
“Encontrá-los vivos foi uma sensação
maravilhosa. Isso não tem preço para
um médico, um enfermeiro, uma
tripulação SAR. Em vez de resgatar
corpos, encontramos sobreviventes”,
emociona-se.

Em alto mar
Seja na terra ou no oceano, no
Norte, Sul, Leste ou Oeste do país,
os Esquadrões da FAB acumulam
histórias de resgates de sobreviventes
que marcam a vida das vítimas e dos
militares. Uma missão de salvamento
em alto mar, a aproximadamente 200
Esquadrão Harpia

quilômetros da costa da cidade de Rio


Grande (RS), aconteceu no dia 14 de
maio de 2019. O Esquadrão Pantera
(5º/8º GAV) resgatou um marinheiro
de 60 anos que teve complicações car-
díacas quando estava na embarcação.
A Tenente Aviadora Maria Luisa
Michelon Silveira fez o procedimen-
to de içamento em convés em sua
primeira missão real. “Para nós do
Esquadrão, que vivenciamos situações
de emergência em qualquer escala,
foi indescritível a sensação de decolar
para participar de um resgate real.
Pessoal e profissionalmente, sinto-me
realizada após o cumprimento dessa
missão”, conclui.

Vítima da queda do PT-KIL


sendo socorrida e transportada
pelo H-60 Black Hawk da FAB

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 43
44 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
ARTE: Subdivisão de Publicidade e Propaganda
Simulação de intercept ação de
aeronave realizada por um A-29
Super Tucano do Esquadrão Flecha
(3º/3ºGAV), sediado na Ala 5, em
Campo Grande (MS)

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 45
TECNOLOGIA

Voando sem sair do chão


Simulador da aeronave C-95M Bandeirante
totalmente desenvolvido pela FAB, já está
em uso na Ala 10 e representa economia de
recursos para a Instituição.
TENENTE RELAÇÕES PÚBLICAS JULIANA LOPES

46 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Aerovisão
Jul/Ago/Set/2019
Sargento Marcella Perez / Ala10

47
O
s futuros pilotos da aero- piloto. Nele, conseguimos simular mui- simuladores da aeronave apenas no
nave C-95M Bandeirante já tas situações para estimular o raciocínio modelo original, em que os contro-
contam com um novo equi- durante os procedimentos normais e de les dos sistemas são analógicos, não
pamento que vai auxiliar na sua for- emergência. Possui a aviônica moder- compatíveis com a nova versão da
mação: o FTD (do inglês Flight Training nizada, visualização externa para os aeronave. Para garantir o treina-
Device, Dispositivo de Treinamento de pilotos e uma melhor capacidade de mento dos pilotos, a FAB mantinha
Voo). A inauguração ocorreu no dia monitoramento das ações pelo instru- um contrato de uso do simulador na
22 de abril, na Ala 10, em Parnamirim, tor”, analisa o Tenente Aviador Victor versão do modelo original.
região metropolitana de Natal (RN). Augusto da Silva, um dos instrutores. “Nós temos uma série de deman-
Nessa organização, os aviadores for- Para o Aspirante Christian Martins das na instrução que são atendidas
mados na Academia da Força Aérea Pasini, o treinamento auxilia no ganho com a utilização do novo equipa-
(AFA), em Pirassununga (SP), fazem de confiança para iniciar as instruções mento. Com certeza isso irá gerar um
o curso de especialização operacional. aéreas. “As missões no simulador ganho operacional para os nossos as-
O FTD reproduz exatamente a ca- acrescentam muito na instrução, pois pirantes que, no futuro, vão mobilizar
bine do avião, os controles, os sistemas conseguimos praticar procedimentos e, as Unidades Operacionais da FAB”,
eletrônicos e as situações de emergên- principalmente, situações de emergên- avalia o Comandante do Esquadrão
cia que podem ocorrer durante o voo. cia que não seriam possíveis de serem Rumba, Tenente-Coronel Aviador
Ele é utilizado principalmente pelo simuladas em um voo real”, constata. Eduardo Fatme Michelin, respon-
Esquadrão Rumba (1º/5º GAV) na es- A necessidade do simulador sur- sável pelo Curso de Especialização
pecialização operacional dos pilotos. giu depois que a Força Aérea Brasi- Operacional no 1º/5º GAV e também
“Como instrutor eu acho uma exce- leira (FAB) recebeu os aviões Ban- pela doutrina operacional da aeronave
lente ferramenta para o treinamento do deirante modernizados, pois existem C-95M Bandeirante na Força Aérea.

Sargento Marcella Perez / Ala10

48 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Aerovisão
Desenvolvimento
O projeto foi totalmente desenvol-
vido pelo Centro de Computação da
Aeronáutica de São José dos Campos
(CCA-SJ). Uma equipe especializada,
composta por 13 militares, entre avia-
dores, engenheiros e graduados das
áreas de tecnologia da informação e

Sargento Marcella Perez / Ala10


eletrônica, foi liderada pelo Chefe da
Divisão Técnica do Centro de Com-
putação, Coronel Engenheiro Sérgio
Ricardo de Assis.
“A capacidade técnica da equipe
Novo simulador do C-95M foi desenvolvido no CCA-SJ, em São José dos Campos (SP)
foi determinante para o desenvolvi-
mento do equipamento. Realizamos
um trabalho de engenharia extrema-
mente complexo, com foco e compro-
metimento para entregar o necessário
no prazo definido”, afirma o Coronel
Sérgio Ricardo.
O desenvolvimento do primeiro
simulador operacional da FAB signi-
fica a aquisição de uma nova expertise
pela Força Aérea, trazendo maior
autonomia para a continuidade das
atividades operacionais.
Para garantir a adequada manu-
Sargento Marcella Perez / Ala10

tenção do equipamento, durante o


período de implantação do simulador,
uma equipe do Grupo de Logística
(GLOG) da Ala 10 foi capacitada pelo
CCA-SJ para realizar as manutenções
rotineiras nas máquinas. Além de
Aspirantes em especialização no Esquadrão Rumba, na Ala 10, já utilizam o equipamento elaborarem o Manual de Utilização,
os técnicos do CCA-SJ ministraram
um treinamento que durou cerca de
um mês aos graduados da Seção do
Simulador do GLOG.
“Nós fomos capacitados  para
realizar a manutenção rotineira da
plataforma eletrônica responsável
pelos comandos da aeronave. O maior
desafio foi entender a linguagem
específica da aviação, porque, sendo
da área de informática, não havíamos
Soldado Macário / Ala 10

trabalhado com aviação ainda. Mas,


interagindo com os instrutores e
estagiários, aprendemos”, ressalta o
Sargento Jhonatan da Costa Sena, um
dos integrantes da equipe.
Simulador desenvolvido pelo CCA-SJ reproduz cockpit modernizado do C-95M Bandeirante

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 49
Comprar ou fazer?
Em 2018, após tentativas de contra- operacional no Bandeirante, e em um Segundo o levantamento feito pelo
tar empresas de tecnologia aeroespacial tempo menor do que o ofertado por Centro de Computação, comparando
capazes de produzir o simulador do outros fabricantes. as etapas de aquisição ou pesquisa e
Bandeirante modernizado, o CCA-SJ “O mais importante é a capacidade de desenvolvimento para construção do
elaborou um estudo de viabilidade identificar o que é necessário para a FAB simulador, o custo do equipamento
incluindo como alternativa o desenvol- e tomar uma boa decisão entre comprar fabricado pela Força Aérea foi infe-
vimento de um simulador de voo de ou fazer. Para esse projeto, refletimos rior a R$ 200 mil. Entre as propostas
baixo custo para o C-95M, produzido sobre até que ponto era interessante recebidas pela FAB, a de menor valor
pelo próprio Centro de Computação. O comprar e o que era melhor desenvolver, ultrapassou os R$ 6 milhões.
estudo demonstrou que seria possível aproveitando soluções que já existem no Ao longo de 20 anos de operação,
desenvolver um equipamento finan- mercado e as capacidades disponíveis a estimativa é que o simulador do
ceiramente viável, que atendesse às na Força”, analisa o Chefe do CCA-SJ, CCA-SJ tenha um custo final de cerca
necessidades da formação e elevação Coronel Aviador Rainer Ferraz Passos. de R$ 2,65 milhões. Se o equipamento
Sargento Marcella Perez / Ala10

Além de ser mais barato que a aquisição de um equipamento, a construção de um simulador próprio propiciará também uma economia a lon-
go prazo para a FAB: em 20 anos, é estimado que sua manutenção poupe mais de R$ 40 milhões comparado a equipamentos concorrentes

50 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Sargento Marcella Perez / Ala10
Após concluir o simulador do C-95M Bandeirante, o CCA-SJ se dedica a uma segunda unidade do equipamento e planeja, ain-
da, desenvolver um simulador para reproduzir o voo do T-27 Tucano, avião utilizado para instrução aérea de cadetes na AFA

tivesse sido fornecido por uma empre- aeronave utilizada pela Academia da
sa privada, a FAB teria um gasto final
estimado em mais de R$ 44,4 milhões.
“O mais importante Força Aérea (AFA) para a instrução
aérea dos cadetes aviadores. A ideia é
Além disso, a Instituição espera redu- é a capacidade de explorar ainda mais as possibilidades.
zir os custos com o contrato para uso “Para o desenvolvimento desse simu-
em instituições privadas, com o trans- identificar o que é lador, pretendemos usar o cenário com
porte e com a estada dos instrutores e cockpit, como fizemos para o C-95M, e,
alunos fora de sede. necessário para a em paralelo, um dispositivo com óculos
Agora, o CCA-SJ tem como projeto
se dedicar a uma segunda unidade
FAB e tomar uma boa de realidade virtual. Os instrutores da
AFA vão experimentar as duas opções
do FTD C-95M Bandeirante. Ao mes- decisão entre comprar e levantar os requisitos necessários para
mo tempo, a organização já começou que cada modelo funcione na instrução,
a planejar uma nova proposta para ou fazer” para definirmos qual a melhor solu-
simulação de voo do T-27 Tucano, ção”, antecipa o Coronel Rainer.

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 51
DESENVOLVIMENTO

Projetos que compensam


Acordos de compensação relacionados a projetos estratégicos da
Força Aérea Brasileira (FAB) trazem benefícios para a indústria
nacional de defesa. No caso dos projetos F-39 Gripen e KC-
390, mais de 20 empresas e instituições públicas nacionais são
beneficiadas, principalmente, com transferência de tecnologia.
TENENTE JORNALISTA EMÍLIA MARIA

52 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
SAAB

O desenvolvimento do F-39
Gripen, em parceria com a
Suécia, prevê a transferência de
tecnologia para o Brasil

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 53
P
róximas a terem suas operações pensação – ou Offsets – relacionados
iniciadas na Força Aérea Brasi- ao desenvolvimento e à fabricação

IFI
leira (FAB), as aeronaves F-39 das duas aeronaves. A COPAC é res-
Gripen e KC-390 representam benefí- ponsável por gerenciar os projetos de
cios que vão além das novas capacida- desenvolvimento, aquisição e moder-
des que trarão para as Forças Armadas. nização de equipamentos e sistemas
Para a indústria brasileira, os Projetos aeronáuticos.
FX-2 e KC-390 – como são chamados no Segundo informações apresenta-
âmbito da FAB – possibilitaram uma das pela Comissão, a FAB formaliza
série de acordos e vantagens. o compromisso e as obrigações de
Segundo a Comissão Coorde- cada fornecedor ou subfornecedor
nadora do Programa Aeronave de estrangeiro para compensar as im-
Combate (COPAC), existem mais de portações realizadas. Relacionado ao
20 empresas e instituições públicas Projeto F-39 Gripen, foi firmado um
beneficiadas pelos Acordos de Com- Acordo de Compensação diretamente Equipe de Especialistas do IFI
em visita técnica à fábrica da
SAAB para acompanhamento
dos Projetos de Transferência
Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

de Tecnologia

A COPAC conta com assessoria


técnica do Instituto de Fomento
e Coordenação Industrial (IFI)
para acompanhar e fiscalizar a
execução de acordos

54 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
com a empresa SAAB, envolvendo a
realização de 63 contratos de Offset,
beneficiando empresas e instituições
“Apenas no primeiro públicas brasileiras. No que se refere
semestre de 2019, a COPAC ao Projeto KC-390, são quatro Acordos
com subfornecedores estrangeiros, to-
realizou cinco processos talizando 20 contratos de compensação.
E as assinaturas continuam acon-
relacionados a obrigações
tecendo, conforme explica o Chefe da
de compensação referentes Subdivisão de Acordos de Compen-
sação, Tenente-Coronel Intendente
aos projetos F-39 Gripen e
Rodrigo Antônio Silveira dos Santos.
KC-390" “Apenas no primeiro semestre de
2019, a COPAC realizou cinco pro-
cessos relacionados a obrigações de
compensação referentes aos projetos
F-39 Gripen e KC-390”, contabiliza.
Um dos mais recentes, o Acordo
de Compensação assinado com a In-
ternational Aero Engines (IAE) – em-
Sargento Paulo Rezende / Agência Força Aérea

presa responsável por componentes


do KC-390, por exemplo, traz cinco
projetos de Offset, implementados em
diferentes Estados do Brasil, como São
Paulo, Minas Gerais, Bahia, Goiás e
Amazonas. O objetivo é a capacitação
nacional para a realização de serviços
de revisão geral (overhaul) e inspeções
do tipo HSI (Hot Section Inspection)
de motores produzidos pela Pratt &
Whitney Canadá (PWC). O valor total
de créditos de Offset deste acordo é de
mais de 900 milhões de dólares.
“A PWC trabalha com motores
e está capacitando empresas e ins-
tituições públicas nacionais para
prestarem o apoio e realizarem a ma-
nutenção desses sistemas no futuro”,
comenta o Tenente-Coronel Silveira.
Ele explica que a frota de aeronaves
civis e militares na América do Sul
utiliza 7.200 motores PWC, sendo
3.400 somente no Brasil, em aplicações
nas áreas militar, agrícola e comercial.
Assim, com a conclusão de todos os
Apenas com a SAAB, Projeto projetos relacionados a esse acordo,
Gripen rendeu ao Brasil 63 a IAE e a PWC terão estabelecido no
contratos de Offset, beneficiando Brasil a mais extensiva rede de reparo
empresas e instituições nacionais
e de revisão geral sul-americana, ca-
paz de atender aos clientes militares
e civis da região.

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 55
International Aero Engines (IAE)
firmou Acordo em decorrência
da aquisição do V2500-ES,

COPAC
motor empregado no KC-390

Entenda os Acordos de Compensação teóricos e práticos, cessão de documen-


Em 2002, o Ministério da Defesa tação técnica, licenças, suporte técnico
aprovou a Política e as Diretrizes de
“O Offset se resume e transferência de hardware e software.
Compensação Comercial, Industrial pela ideia de reciprocidade, Além da transferência de tecnologia,
e Tecnológica, atualizada por meio também é comum a contratação de
da Portaria Normativa nº 61, de 22 de
ou seja, se o Brasil faz mão de obra nacional, sendo o ideal
outubro de 2018. Entre as estratégias um grande investimento que um projeto de Offset possua uma
previstas no documento, está definido combinação dessas transações.
que devem ser utilizados “o poder no exterior, precisa se “O Offset se resume pela ideia de
de compra e o poder concedente das beneficiar de alguma reciprocidade, ou seja, se o Brasil faz
Forças Armadas para a negociação de um grande investimento no exterior,
práticas compensatórias, baseadas nas maneira. Então, o que se precisa se beneficiar de alguma ma-
significativas importações do setor de tenta fazer é aumentar neira. Então, o que se tenta fazer é au-
produtos de defesa”. mentar a autonomia tecnológica das
Portanto, os Acordos de Compen- a autonomia tecnológica empresas da Base Industrial de Defesa
sação, também conhecidos como Offset, (BID). Não há uma contrapartida
das empresas da Base
referem-se a qualquer prática compen- financeira direta, mas os projetos são
satória originada de uma importação de Industrial de Defesa (BID). valorados para garantirmos que atin-
bens ou serviços por parte do governo, jam 100% da compensação acordada”,
Não há uma contrapartida
com a intenção de gerar benefícios de na- reforça o Tenente-Coronel Silveira.
tureza industrial, tecnológica e comercial financeira direta, mas os A FAB também possui a Política
para o país comprador. e Estratégia de Compensação Co-
As transações de Offset mais ado-
projetos são valorados para mercial, Industrial e Tecnológica,
tadas pelo Brasil, presentes em mais garantir que atinjam 100% documentada por meio da Diretriz
de 80% dos projetos, envolvem algum do Comando da Aeronáutica (DCA)
grau de transferência de tecnologia,
da compensação acordada” nº 360-1, que detalha a atuação da
concretizada por meio de treinamentos Aeronáutica nos processos de Offset.

56 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
Acompanhamento dos Créditos de Compensação”, explica Aeroespacial Brasileiro no mercado
Para acompanhar e fiscalizar a o Chefe da Subdivisão de Compensação global. “Usando uma metáfora, é pos-
execução de cada acordo sob sua res- Industrial, Comercial e Tecnológica do sível dizer que os benefícios advindos
ponsabilidade, bem como implemen- IFI, Major Especialista em Comunica- do Offset são como sementes entregues
tar Projetos de Compensação junto às ções Alexander de Mello Lima. às empresas, que podem frutificar,
empresas beneficiárias, a COPAC conta Para trabalhar diariamente com dependendo do solo que as recebe (es-
com a assessoria técnica do Instituto algum dos aproximadamente 170 pro- forço da beneficiária) e das condições
de Fomento e Coordenação Industrial jetos de Offset acompanhados pelo IFI, climáticas (condições do mercado em
(IFI), unidade da FAB subordinada ao a unidade dispõe de profissionais de geral)”, exemplifica.
Departamento de Ciência e Tecnologia diversas áreas, como engenharia, ad- O Tenente-Coronel Silveira reforça
Aeroespacial (DCTA). ministração e contabilidade, que se de- essa potencialidade. “O Offset não é da
O Instituto concentra especialistas dicam exclusivamente à atividade.“Só COPAC ou da FAB, é do Brasil. Estamos
para prover assessoria técnica de alto em 2018, emitimos mais de 50 pareceres pensando no país e, para agregar valor
nível e orientar as organizações con- sobre transações de Offset que somavam à Base Industrial de Defesa, buscamos
tratantes na condução das negociações cerca de 1,2 bilhão de dólares. Esses pa- projetos que sejam sustentáveis. O me-
e no cumprimento dos Acordos de receres são extremamente importantes lhor resultado, por exemplo, é aquele
Compensação. “Prestamos assessoria para a certificação de que a transferên- em que um projeto venha a gerar ex-
em todas as fases do processo, desde a cia de tecnologia e demais benefícios portação. Ou seja, que nossas empresas
emissão dos requisitos do instrumento fossem efetivamente concretizados”, montem estruturas de negócio que
convocatório, na seleção e análise dos ressalta o Major Mello. tragam para o país competências que
projetos, na negociação do contrato e, De acordo com o militar, o Offset futuramente se sustentem sozinhas e
posteriormente, na fiscalização da exe- representa uma ferramenta para inse- que sejam competitivas não apenas no
cução dos projetos e reconhecimento rir as empresas do Parque Industrial mercado nacional”, defende.

Uma das atribuições do IFI


é acompanhar ensaios de
certificação, como foi o caso

Sargento Bianca Viol / Agência Força Aérea


dos testes para evacuação de
tropas do KC-390

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 57
ARTE: Subdivisão de Publicidade e Propaganda
Aeronave C-97 Brasília pousa no ae-
ródromo de São Joaquim (AM), para
apoiar o Pelotão Especial de Fronteira
(PEF) sediado na localidade
Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

60
ESPAÇO

Jul/Ago/Set/2019
Aerovisão
Acordo viabiliza o uso
comercial do Centro de
Lançamento de Alcântara

N
o início de 2019, os governos do Brasil e dos
Estados Unidos da América assinaram, em
cerimônia oficial em Washington (DC), o
Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que trata
da proteção de tecnologias sensíveis e estratégicas na
área espacial, com vistas a evitar a sua proliferação e
que elas possam cair em mãos erradas. Tal Acordo tem
o potencial de viabilizar a comercialização de operações
de lançamento de satélites e outros artefatos espaciais
que possuam tecnologia norte-americana embarcada a
partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA),
organização da Força Aérea Brasileira (FAB). Após a
ratificação do Acordo pelo Congresso Nacional, o CLA
poderá realizar lançamentos de foguetes e espaçonaves,
com fins pacíficos, de quaisquer nacionalidades, que
contenham componentes americanos. Confira oito
perguntas e respostas sobre o tema.
TENENTE JORNALISTA FELIPE BUENO

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 61
2 Por que os Estados Unidos?
Sem o Acordo de Salvaguardas
Tecnológicas com os Estados Unidos,
qualquer centro espacial do Brasil ficaria
impedido de operar artefatos que conte-
nham algum componente ou tecnologia
norte-americana, e esta é a barreira
para a ampla atividade comercial no
CLA. Atualmente, aproximadamente
80% dos artefatos espaciais em todo o
Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

mundo possuem algum componente


norte-americano. Logo, sem o AST com
os Estados Unidos, a atividade comercial
seria economicamente inviável e o Brasil
ficaria praticamente fora do mercado de
lançamentos espaciais. É do interesse do
Brasil fomentar esse tipo de atividade co-
mercial, pois gerará recursos substanciais
para o desenvolvimento local, regional e
para o Programa Espacial Brasileiro. Para
Em linhas gerais, do que se trata
1 o acordo?
os Estados Unidos, o AST é uma proteção
tecnológica. Para o Brasil, é a oportu-
O Acordo de Salvaguardas Tecnoló- nidade de agregar recursos e viabilizar
gicas (AST) representa um compromisso a consolidação do Programa Espacial
entre dois países de modo que estes se Brasileiro, gerando desenvolvimento tec-
comprometem a proteger e garantir que Acima, detalhe da plataforma de
nológico, social e econômico para o País.
suas respectivas tecnologias e patentes lançamento; abaixo, instalações do
serviço de meteorologia do CLA
estejam seguras contra a utilização ou
a cópia indevida. Assegura, ainda, que,
mesmo em uma operação envolvendo
mais de um país, cada um terá sua tecno-
logia protegida e respeitada. Tal acordo é
comum entre as nações que possuem ou
Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea

operam centros de lançamento espaciais.


O Brasil já tem um acordo dessa natureza
com a Ucrânia; e os Estados Unidos têm
com Rússia, China, Índia, Ucrânia e Nova
Zelândia. Especificamente nesse AST, os
Estados Unidos autorizam o Brasil a lan-
çar foguetes e espaçonaves, nacionais ou
estrangeiras, que contenham componen-
tes ou tecnologias americanas. O Brasil,
por sua vez, garante que a tecnologia
norte-americana contida nesses artefatos
esteja protegida. Assim, o AST propicia
que as instalações do CLA possam ser
utilizadas para o manuseio de tecno-
logias norte-americanas em atividades
comerciais de operações de lançamento
de foguetes, garantindo investimentos
por meio de contratos comerciais com
empresas nacionais e internacionais.

62 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
3 O acordo coloca em risco a so-

Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea


berania do Brasil sobre o CLA?
Não! O AST não é um acordo
militar, tampouco está relacionado
à implantação de uma base norte-
-americana em Alcântara ou ao uso
exclusivo do CLA pelos Estados Uni-
dos. O AST apenas autoriza o Brasil a
lançar foguetes e satélites, nacionais
ou internacionais, que contenham
componentes norte-americanos. Toda
a jurisdição e controle da área são
brasileiros: transporte, processos
aduaneiros, tudo será analisado por
autoridades brasileiras, em conjunto
com representantes norte-americanos.
O Acordo prevê que todo transporte
de veículos de lançamento, espaçona- Alcântara será utilizada para
ves, equipamentos e afins, para ou a 4 atividades bélicas?
partir do território brasileiro, deverá Não. Além de ser direcionado para
ser autorizado e, se necessário, moni- o uso comercial, o Acordo impede a

Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea


torado pelo Governo dos Estados Uni- atividade que não tenha cunho pacífico
dos. No Brasil, tais artefatos passarão no CLA. No Artigo III do AST, o Brasil
pelo controle alfandegário de acordo se compromete a não permitir o lança-
com as leis e regulamentos brasileiros, mento, a partir do CLA, de qualquer
serão acompanhados por uma decla- artefato de propriedade ou sob controle
ração de conteúdo do Governo dos de países que estejam sujeitos a sanções
Estados Unidos e poderão ser inspe- estabelecidas pelo Conselho de Seguran-
cionados por brasileiros na presença ça das Nações Unidas ou que tenham
de representantes do Governo norte- governos que prestam apoio a atos de
-americano, garantindo que não haja terrorismo internacional. Entre outros
nenhum equipamento não relacionado compromissos, o Brasil é signatário,
a atividades de lançamento. O acesso desde 1995, do Regime de Controle de
ao CLA será controlado normalmente Tecnologias de Mísseis (MTCR, da sigla
pelo Ministério da Defesa, com a par- em inglês Missile Technology Control
ticipação da Agência Espacial Brasi- Regime). Criado em 1987 pelo Canadá,
leira (AEB), do Ministério da Ciência, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino
Tecnologia, Inovações e Comunicações Unido e Estados Unidos, o MTCR é um
(MCTIC) e de outras instituições. As acordo internacional de caráter político,
áreas restritas, onde devem ser manipu- entre 35 países, destinado a limitar a
ladas as tecnologias americanas, serão proliferação de tecnologias que possam
designadas pelo Brasil e pelo Estados ser utilizadas na confecção de armas de
Unidos, sempre dentro da jurisdição destruição em massa, químicas, biológi-
do território nacional, inclusive com cas e nucleares, e seus vetores, os mísseis.
acesso permitido aos órgãos policiais, Por isso, o CLA não permitirá o ingresso
em casos de emergência. Cabe esclarecer de equipamentos, tecnologias, mão-de-
que o Brasil pode aprovar ou restringir -obra ou recursos financeiros oriundos
o acesso de pessoas credenciadas pelos de países que não sejam membros do
EUA. Todas as situações sempre serão MTCR, exceto se acordado entre Brasil
de comum acordo. e Estados Unidos.

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 63
Sargento Bruno Batista / Agência Força Aérea
O CLA possui estrutura para operar comercialmente e, à medida que diferentes veículos forem lançados, seu portfólio também aumentará

Quais os benefícios para o ria uma receita de US$ 10 bilhões por ano larga, saneamento, segurança pública,
Brasil e para o Maranhão?
5 a partir de 2040. Assim, o investimento entre outros. Estima-se que o Brasil per-
O mercado espacial global movi- no Programa Espacial Brasileiro (PEB) deu aproximadamente US$ 3,9 bilhões
menta cerca de US$ 350 bilhões anual- seria alavancado, beneficiando o País (aproximadamente R$ 15 bilhões) em
mente, e estima-se que, até 2040, a cifra e, especialmente, a região onde o CLA receitas de lançamentos não realizados,
alcance US$ 1 trilhão anuais. A operação está situado. Além de gerar empregos considerando-se apenas 5% dos lança-
comercial de um centro espacial pode e impulsionar as atividades comerciais mentos ocorridos no mundo nos últimos
dar ao Brasil o potencial necessário para locais, a integração do Centro com a co- 20 anos, além de não desenvolver o
se inserir de forma contundente no setor munidade também gerará melhorias na potencial tecnológico e econômico da
espacial. Estabelecendo uma meta con- educação local, com a formação de mão região. A atividade comercial do futuro
servadora, após a aprovação do AST, se de obra especializada e no incremento Centro Espacial de Alcântara (CEA) será
o Brasil obtiver 1% do volume negociado da infraestrutura básica do município o indutor do surgimento de um polo
na área espacial global, isso representa- e da região, incluindo acesso à banda tecnológico na região de Alcântara.
Sargento Johnson Barros / Agência Força Aérea

A localidade de Alcântara
(MA) foi selecionada pela
Missão Espacial Com-
pleta Brasileira (MECB)
na década de 1980 para
abrigar o CLA

64 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão
GOOGLE IMAGENS
O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas não
prevê a transferência de tecnologia entre
Brasil e Estados Unidos, mas os investimen-
tos obtidos por meio da utilização comercial
Por que é tão importante que isso do CLA fomentarão o setor espacial
6 seja feito em Alcântara especifi-
8
camente? Os países vão trocar tecnologias
O litoral norte do Brasil é uma loca- entre si? Isso pode atrasar o desenvol-
lidade privilegiada para abrigar centros vimento espacial do Brasil?
de lançamento. Próxima ao Equador, O Acordo não trata da transferência
a área possui ótima capacidade para de tecnologia entre os países e nada
lançamentos de artefatos espaciais tanto O CLA tem a infraestrutura impede o desenvolvimento do Progra-
em órbitas equatoriais quanto polares.
7 necessária para tais operações? ma Espacial Brasileiro. No entanto, os
No início dos anos 1980, especialistas Sim. O CLA tem a infraestrutura investimentos e a experiência obtida
membros da Missão Espacial Completa necessária pronta para lançamentos. com a utilização comercial do CLA
Brasileira (MECB) analisaram locais que Porém, mesmo com equipamentos podem impulsionar o setor no Brasil.
pudessem atender aos requisitos técnicos modernos, diferentes modelos de Ainda em função da aprovação do AST
e logísticos para sediar um centro espa- veículos lançadores demandam insta- e da inserção do Brasil no multibilio-
cial. A Força Aérea Brasileira, inclusive, lações específicas. Quando adaptações nário mercado espacial internacional,
já operava o Centro de Lançamento da forem necessárias para o lançamento de será possível estabelecer cooperações
Barreira do Inferno (CLBI), em Natal determinado veículo, as modificações e internacionais com outros países, o que
(RN), mas os estudos evidenciaram investimentos necessários serão de res- poderá alavancar o Programa Espacial
severas restrições para lançamentos de ponsabilidade das empresas interessa- Brasileiro, promovendo pesquisas
veículos maiores a partir daquele Centro. das. Quanto mais empresas utilizarem científicas em tecnologias de ponta e
Assim, Alcântara (MA) se destacou entre o Centro de Lançamento de Alcântara, alavancando o desenvolvimento sus-
as cidades concorrentes, ganhando um maior será o portfólio do Centro para tentável da base industrial do setor
Centro de Lançamento em 1983. atender a cada situação específica. espacial no Brasil.

Aerovisão Jul/Ago/Set/2019 65
VOO MENTAL Os artigos publicados nesta coluna são de responsabilidade exclusiva de seus autores e
não representam necessariamente a opinião do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica

Força Aérea Brasileira combina


defesa-ensino-inovação-indústria
ço entre as políticas no campo da defesa entre projeto de defesa e segurança e o
e segurança com as políticas industriais, projeto de desenvolvimento econômi-
tecnológicas, educacionais, de segurança co, tecnológico e de integração do país
pública, de integração logística e territo- seja implementado de forma enfática.
rial, de gestão de informação, que residirá Sendo um país continental com amplas
o vigor e o sentido estratégico das Forças fronteiras terrestres e marítimas, com
Armadas. A forma pela qual se estrutu- enorme população embora concentrada
rou e atua a Força Aérea Brasileira parece em grandes cidades costeiras, com eco-
se aproximar a essa visão. nomia vultosa e com razoável grau de
Com o avanço dos acordos multilate- industrialização, mas com enorme atraso
rais – tanto na Organização Mundial do tecnológico, inserido em um contexto
Arquivo pessoal

Comércio, como na Organização para a com baixíssima ameaça externa tradicio-


Cooperação e Desenvolvimento Econô- nal, mas com enormes desafios relativos
mico –, que restringem os incentivos às à ameaças externas não tradicionais e
Por, Ricardo Sennes. Economista empresas, o desenvolvimento de progra- segurança interna, existe um espaço
e Doutor em Relações Internacio- mas de tecnologia dual ganha ainda mais significativo para fazer do esforço militar
nais. Senior Fellow do Atlantic
importância. A crescente necessidade de parte da agenda de avanço produtivo e
Council (Washington, DC) e do
Centro Brasileiro de Relações In- escolas voltadas à engenharia em áreas tecnológico do país.
ternacionais (CEBRI) críticas faz dos investimentos na forma- Segundo o relatório de 2017 do Sto-

N
ção de quadros das Forças Armadas um ckholm International Peace Research
ão é trivial definir o papel estra- importante vetor para isso. A estrutura- Institute, o Brasil tem gastos militares
tégico e o desenho das Forças ção de centros de pesquisas aplicadas de cerca de USD 23 bilhões ao ano. É o
Armadas de um país. Pesam trabalhando com tecnologias de ponta 13º maior orçamento militar do mundo.
nessa discussão as ambições e o con- Estamos atrás, obviamente, das grandes
texto geopolítico do país, as concepções A estruturação de centros potências – Estados Unidos, Reino Unido,
dominantes e o histórico das lideranças França, China, Rússia -, mas também atrás
militares, capacidade econômica e tec- de pesquisas aplicadas tra- de países como Austrália (USD 25 bilhões)
nológica disponíveis, grau de integração balhando com tecnologias de e Arábia Saudita (USD 64 bilhões). Em
entre elites civis e militares, desafios co- termos de gastos militares com o % do
locados no campo da segurança interna, ponta e combinando projetos PIB, o Brasil figura em uma posição inter-
disponibilidade orçamentária, dentre civis e militares é outro espaço mediária, com cerca de 1,3%. Bem longe
vários outros fatores. de países como Estados Unidos, França,
Em contextos onde ameaças de guer- para forte integração entre Índia – cujos gastos ficam entre 2,3 e 3,3%
ras são reduzidas e o desafio geopolítico do PIB -, e da Rússia, cujos gastos são sur-
se concentra cada vez mais no diferencial
esforço militar e civil. preendentemente de 5,3% do PIB. Porém,
entre as capacidades econômicas, produ- estamos acima de países como México
tivas e tecnológicas dos países, fica cada e combinando projetos civis e militares (0,6%), Canadá (1%) e Indonésia (0,9%).
vez mais evidente que a definição do é outro espaço para forte integração en- Dessa forma, o contexto é favorável
papel das Forças Armadas não se refere tre esforço militar e civil. Se o primeiro para o Brasil ampliar de forma deci-
apenas ao componente militar e segu- exemplo nos remete à Embraer e empre- siva o esforço de educação, inovação
rança stricto sensu. Essa definição pode, e sas coligadas, o segundo nos remete ao e empreendimentos em áreas críticas
deve, estar diretamente relacionada com Instituto Tecnológico de Aeronáutica e ao desenvolvimento do país, tendo
outros temas de interesse do país. Nos o terceiro ao Departamento de Ciência as tecnologias duais de nova geração
dias de hoje, os componentes não militares e Tecnologia Aeroespacial e ao Instituto como eixo estruturador. A FAB já deu
dessa definição passaram a ser tão rele- Nacional de Pesquisas Espaciais. exemplo de que isso é possível. Trata-
vantes quanto os estritamente militares. O Brasil apresenta todas as condições -se agora de pensarmos em ampliar e
Será na articulação e no mútuo refor- para que esse conceito de integração aperfeiçoar esse conceito.
66 Jul/Ago/Set/2019 Aerovisão

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