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Além da orientadora, Boschetti, ser referência da discussão sobre Política Social no Brasil, a mãe da autora,
Potyara Amazoneida Pereira-Pereira, é professora emérita da Universidade de Brasília e possui nove livros
publicados sobre Política Social, com destaque para: Marxismo e Política Social de 2010; Política Social: Temas
& Questões de 2008; Necessidades Humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais de 2000 e Política Social e
Democracia de 2001.
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1. PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
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A autora apresenta o formato da proteção social no período 1930-1945 e cita as
políticas econômicas keynesianas, sem mencionar o fordismo, enquanto organizador da vida
social, considerando que a teoria marxista direciona a análise, a relação estrutura e
superestrutura torna-se fundamental.
Na própria tese, no item justificativa, Pereira (2013) afirma a relação entre proteção
social e estrutura social, sendo que tanto a estrutura social influencia na proteção social,
quanto a proteção social impacta na estrutura, formando uma totalidade contraditória.
Na discussão das políticas neoliberais da década de 1970, Pereira (2013) apresenta
elementos da reestruturação produtiva (e sua diferenciação do fordismo). Ela menciona ainda
a adoção da nova base tecnológica (eletrônica, informática e telemática), enquanto mudanças
no mundo de trabalho que impactam na vida social, por meio das exigências do capital em
acumular/dissipar riquezas de diferentes formas.
Sustentada nas análises de Mészàros (1997), a autora procura explicar as políticas
neoliberias de proteção social, com destaque a doutrina monetarista na base econômica e uma
nova logística de proteção social herdada dos Estados Unidos, denominada workfare, que
utiliza da proteção social enquanto „trampolim‟ para o mercado de trabalho flexível (proteção
social pró-trabalho).
Com base nessa construção histórica a autora apresenta o problema de pesquisa:
“trata-se do desafio teórico de entender e identificar, com respaldo histórico, as propriedades
particulares do processo denominado proteção social com as suas ambiguidades e
contradições”. (PEREIRA, 2013, p.22)
As ambiguidades em relação a proteção social são: I) Significado semântico nem
sempre coincide com os objetivos e os resultados de sua aplicação; II) Não segue um fluxo
linear, progressivo e nem assume configuração unívoca; e, III) Pode apresentar-se sob várias
denominações, que indicam diferentes modalidades e complexidades de intervenção.
Sobre as contradições a autora afirma que a proteção social em seu processamento
“tem demonstrado grande maleabilidade em termos de cobertura, compromisso e finalidade, o
que ressalta o seu caráter dialeticamente contraditório.” (PEREIRA, 2013, p.22) Além disso,
seu formato depende das mudanças estruturais e das correlações de forças políticas em
vigência.
A autora destaca que o processo de proteção social não é inocente, nem desprezível,
e exerce um papel fundamental nas sociedades divididas em classes, entretanto, as
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ambiguidades e contradições não são características especificamente da proteção social, mas
da realidade da qual faz parte.
A hipótese de trabalho é a de que a proteção social no capitalismo não está
exclusivamente comprometida com as necessidades sociais, mas “encerra em si um ardil
ideológico, a ser teoricamente desmontado, visto que ele falseia a realidade por se expressar
semanticamente como sendo sempre positivo.” (PEREIRA, 2013, p.24) Nesse sentido, a
autora afirma que a proteção social sempre foi alvo de interesses discordantes entre
estudiosos, executores e destinatários.
Pereira (2013) apresenta ainda na introdução as questões de partida como fios
condutores da investigação:
O que é proteção social? Por que as denominadas medidas de proteção social são
longevas e perduram, sob diferentes formas e justificações teóricas, no sistema
capitalista se esse sistema conheceu períodos concomitantes de grande abundância e
de notórios desperdícios, além de apropriações desiguais? Quais as possibilidades
dessas medidas atenderem, de fato, as necessidades sociais para além de seu nível
meramente biológico e na perspectiva dos direitos? E como explicar a existência
desses arranjos protetivos, inclusive na fase capitalista de hegemonia neoliberal que
nega a proteção social pública? (PEREIRA, 2013, p.24)
Essas perguntas condutoras estão contidas nos objetivos da tese, sendo o objetivo
geral: “desvendar, embasada no desenvolvimento histórico da chamada proteção social
capitalista, as concepções e explicações teóricas e ideológicas dessa proteção como direito no
contexto da relação dinâmica e contraditória entre desenvolvimento econômico e mudanças
sociais e políticas.” (PEREIRA, 2013, p.24)
E os nos quatro objetivos específicos:
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econômica) e nem às ações dos sujeitos que fazem a história, mas combina ambos os tipos de
determinações para captar o objeto em seu conjunto.” Portanto, foge do padrão linear de
aproximação com a realidade, mas a compreende enquanto fenômeno complexo e
contraditório. A autora fundamenta-se no autor Otávio Ianni (1986) para definir o método.
Em relação aos procedimentos metodológicos a autora realizou pesquisa
bibliográfica, por meio da qual obteve dados e informações secundárias ou indiretas:
A autora relata que “o conjunto dos dados obtidos foi alvo de tratamento analítico
qualitativo que contemplou o uso de técnicas e instrumentos de captação de conhecimentos e
informações compatíveis com a particularidade do método escolhido.” (PEREIRA, 2013,
p.30)
A autora afirma a dialética-contradição como categoria metodológica central,
contudo, estabelece a tipologia como recurso didático. Justifica que este é um recurso clássico
que objetiva sistematizar dados afins e que, segundo ela, tornou-se hegemônico nas ciências
humanas e sociais. Afirma, na nota de rodapé n.12 (p.12), que a tipologia é um dos mais
pobres recursos analíticos porque não possui comensurabilidade comparativa e simplifica
realidades complexas. Apesar dos limites, é usada desde os anos 1960 por reconhecidos
pesquisadores de proteção social.
O percurso que desenvolveu permitiu a autora confirmar sua hipótese de trabalho nas
considerações finais, definindo que “De fato, o termo proteção social encerra em si um ardil
ideológico, a ser teoricamente desmontado, visto que ele falseia a realidade por se expressar
semanticamente como sendo sempre positivo.” Apoiada na teoria social crítica, que concebe a
proteção social enquanto contraditória em atender interesses do Capital e do Trabalho. E
ainda, “a proteção social, onde quer que tenha sido empregada, sempre foi alvo de interesses
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discordantes entre os seus estudiosos, executores e destinatários.” (PEREIRA, 2013, p.285,
grifos da autora).
Diante disso, Pereira (2013, p.286) propõe que “o termo proteção social, para ter um
mínimo de inteligibilidade e capacidade comunicativa deve apresentar-se quase sempre
adjetivado: capitalista, socialista, residual, socialdemocrata, pública, privada, focalizada,
universal, parcial, total, entre outras qualificações.”
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revelada na criação de tipologias mais completas, e pela adoção de um posicionamento
crítico, dialético e politicamente posicionado.
A autora também afirma que poucos são os estudos da proteção social pelo seu
prisma processual, contraditório e dialético. A sua tese é uma tentativa de preencher essa
lacuna, além de clarear conceitos (muita vezes usados como sinônimos ou percebidos como
positivos) e construir uma definição de proteção social.
Pereira (2013) optou por ordenar as teorias e ideologias em três matrizes, quais
sejam: I) Matriz Residual, que engloba a Teoria Funcionalista, incluindo a Teoria da
Convergência, e a Ideologia da Nova Direita; II) Matriz Socialdemocrata ou Institucional, que
engloba a Teoria da Cidadania; a Ideologia da Via Média e o enfoque da Administração
Social; e, III) Matriz Socialista, que engloba a Ideologia do Socialismo Democrático e a
Teoria e a Ideologia Marxista, incluindo a teoria marxiana, isto é de Marx.
A autora apresenta as Matrizes sustentada nos autores clássicos da cada teoria, o que
demonstra domínio e conhecimento aprofundados de diferentes perspectivas teóricas. No final
da matriz residual, compara as teorias Funcionalista, da Convergência e da Nova direita e
apresenta como elas orientam a experiência Estadunidense, assim como as orientaçõe do
Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional sobre as ações de proteção social, apresenta
também suas contradições.
Da mesma forma faz com a Matriz social democrata, comparando as teorias da
Cidadania, da Via Média e da Administração Social e apresenta a experiência escandinava e
seus limites. Em relação a matriz socialista, a autora apresenta e depois faz a comparação do
Socialismo Democrático e a Teoria Marxista, contudo, argumenta que não existe experiências
que possam ser apresentadas nessa matriz, pois, não reconhece as experiências da China,
União Soviética, Cuba, Vietnã e Coréia do Norte. A autora compartilha da opinião de
Mészáros (1997; 2002), Mandel (1975b) e Wood (2003), “de que uma vivência genuinamente
socialista deve, além de suprimir o modo capitalista de produção, romper com a lógica do
capital em todas as esferas. Do contrário, apenas se substituirá o capitalista por outro agente
opressor.” (PEREIRA, 2013, p.281)
A discussão da Teoria e Ideologia Marxista (presente na matriz socialista) a partir de
Marx ficou mais frágil se compararmos com as anteriores, considerando que a proteção social
não foi seu objeto de estudo, então Pereira (2013) apoiou-se na discussão que Marx faz da
legislação fabril inglesa e do Programa de Gotha, tentando fazer as mediações com a
discussão da proteção social.
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Apesar das tentativas da autora em manter-se marxiana, compreende-se que
centralizar Marx é insuficiente para discutir a complexidade da proteção social. A autora cita
os marxistas no Socialismo Democrático, neste caso, ficou evidente os problemas das
tipologias, em que rotula os autores e limita suas contribuições ao próprio objeto de estudo.
A autora utiliza a teoria social crítica para construir conhecimento e para busca da
verdade na área da proteção social. Sader (2007), na introdução da obra “Ideologia Alemã”,
afirma que se o mundo é criado pelos homens, mesmo inconsciente, portanto, há relação
intrínseca entre eles. Diante disso, essa perspectiva teórica não pretende afirmar qualquer
dicotomia entre sujeito e objeto, pois, compreende que os sujeitos constroem a realidade. Esse
entendimento que se inicia com Hegel, difere das preposições anteriores, nas quais a
objetividade somente seria possível com o distanciamento entre sujeito e objeto.
A não neutralidade do estudo se expressa também na escolha da pesquisadora pelo
objeto (proteção social, considerando que pertence a esse campo do conhecimento enquanto
sujeito social) e na sua definição na pesquisa (demarcando que refere-se a proteção social
definida por interesses de classe). A escolha da contradição, enquanto categoria metodológica
central, também direciona para apreender o movimento do objeto em suas múltiplas
determinações. A contradição, não como sinônimo de falsidade, mas sim como apreensão do
movimento real dos fenômenos.
Assim, as categorias centrais de totalidade, contradição, luta de classes, relação
estrutura e superestrutura são identificadas no texto, principalmente, nos momentos em que a
autora faz a relação entre estrutura econômica e proteção social. A desigualdade social e suas
consequências (pobreza, insegurança, entre outas) se acirram nesse modo de produção e se
modificam as maneiras de enfrentamento, principalmente, pelo Estado (orientado por teorias e
ideologias), conforme as mudanças na economia e as tensões da luta de classes.
Pereira (2013) se posiciona teoricamente e ideologicamente na crítica às matrizes
residuais e social-democrata. Além disso, ao citar Mishra, um dos autores de maior influência
em seu estudo, afirma que: “A opção pela neutralidade [...] é uma opção politicamente
posicionada: conservadora, a favor das classes e grupos dominantes.” (MISHRA, 1981 apud
PEREIRA, 2013, p.99)
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Além disso, concluiu, no último parágrafo da sua tese que
A supressão deste modo de produção é a única via pela qual a humanidade pode
passar do “reino das necessidades para o reino da liberdade” (ENGELS, 1975). A
proteção social, histórica e contraditória, como bandeira de luta consciente e crítica
contra o despotismo do capital, pode contribuir neste processo. (PEREIRA, 2013,
p.288)
Portanto, coerente com a teoria social crítica que adota, se posiciona concordando
que com a definição da matriz socialista (proteção social pública, gratuita e universal),
comprometida com a satisfação das necessidades humanas e enquanto necessária para criar
condições de superação da sociedade de classes, uma vez que o bem-estar pleno não é
possível nessa sociedade porque exige outro conjunto de valores. Coloca ainda a centralidade
do Estado na proteção social, mesmo em outras sociedades.
A autora se afasta do senso comum em suas análises, pois, todas as categorias
adotadas são abordadas por meio de um referencial teórico e/ou ideológico e suas
contradições, no sentido da busca pela totalidade. É claro que algumas categorias não são
aprofundadas devido às escolhas da tese de clarear alguns conceitos.
Além disso, é evidente o percurso metodológico adotado, de acordo com o critério de
cientificidade, se mantém coerente em todo o texto com a teoria adotada no estudo. A
contradição mais evidente da tese é o uso das tipologias (apesar das críticas da autora e de
inúmeras justificativas - devido ao uso nos estudos de proteção social) que limitaram a análise
da matriz socialista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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ser sempre adjetivada (focalizada, universal, pública, entre outras nomenclaturas), permite um
questionamento, se a proteção social não é uma categoria, nem um conceito, afinal o que é
então?
Após a análise do estudo de Pereira (2013) e considerando que a autora não explícita
uma definição, pode-se dizer que Proteção Social é uma ação pública (mas também executada
pela Família, Mercado e Comunidade) teoricamente e ideologicamente orientada que deve
estar sempre adjetivada, porém, isto mantém o dilema da discussão, em que o termo é
utilizado sem que se tenha clareza ao que se refere, por isso, a principal contribuição do
estudo é demonstrar que proteção social não é sinônimo de Bem-Estar-Social, Welfare State,
Estado Social, Estado Providência, entre outras.
Pereira (2013) segue a tendência dos estudos sobre proteção social realizados no
Brasil em dois aspectos. Primeiro, apesar de apontar os privilégios dos homens, brancos,
urbanos, industriais, vinculados ao mercado de trabalho formal e sustentados no trabalho
feminino doméstico no acesso a proteção social pública, não questiona o adjetivo “universal”
presente na definição da proteção social do período (1945-1970).
Segundo, ao se referenciar as experiências dos países centrais (Estados Unidos e
Europa) não os localiza na dinâmica do capitalismo mundial (na divisão internacional de
trabalho) e, ainda, sem refletir que esses países somente puderam garantir proteção social aos
seus membros a custa da exploração e da não proteção das populações dos países periféricos.
REFERÊNCIAS
BORDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico.
São Paulo: Unesp, 2007. p.17-69
SADER, E. Método de Marx. In: MARX, K; ENGELS, F. A Ideologia Alemã: crítica da mais
recente filosofia alemã e seus representantes. São Paulo: Boitempo, 2007.
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