Você está na página 1de 10

INTRODUÇÃO

Esta análise epistemológica refere-se a tese: Proteção Social no Capitalismo:


contribuições à crítica de matrizes teóricas e ideológicas conflitantes de autoria de Camila
Potyara Pereira, do Programa de Pós-Graduação em Política Social - PPGPS da
Universidade de Brasília – UnB, vinculada a Linha de Pesquisa: Política Social, Estado e
Sociedade e sob orientação da Profª. Drª. Ivanete Salete Boschetti
Pereira (2013) cursou graduação em sociologia e pós-graduação na UnB. Atualmente,
é professora na mesma Universidade. A tese foi publicada em formato de livro, com o mesmo
título, no ano de 2016.
A autora foi bolsista CAPES durante todo o processo de doutoramento e fez estágio no
exterior (doutorado sanduíche) no Departamento de Sociologia da Universidade de
Copenhague/Dinamarca.
A linha de pesquisa: Política Social, Estado e Sociedade desenvolve estudos que
abordam as políticas sociais na sociabilidade capitalista, desenvolvidas nas contraditórias
relações entre o Estado e as classes sociais, com enfoque a concepções, bases legais e
institucionais, financiamento, tendências e perspectivas.
Destaca-se ainda que o objeto da tese de Pereira (2013), qual seja, as concepções
idealizadas ou concretamente pensadas sobre a proteção social capitalista, foi escolhido por
sua orientadora, conforme explícito nos agradecimentos (p.5) e na justificativa (p.26).
Conforme Bourdieu (2004) cada campo do conhecimento é um lugar da constituição
de uma forma específica de capital, o capital científico. Os campos são lugares de relações de
força que implicam em tendências e estruturas objetivas, sendo que aqueles que nascem em
um determinado campo possuem vantagens sociais pelo fato de ter domínio das leis não
escritas do sentido do jogo.
Diante disso, compreende-se que a tese analisada se insere em um contexto que
permitiu o diálogo com estudiosos/as renomados/as da área e o acesso a um arsenal de
conhecimento que permitiu aprofundamento na discussão. Por outro lado, esse contexto
direciona a discussão para a defesa de um posicionamento teórico e ideológico dominante
naquele campo do conhecimento1.

1
Além da orientadora, Boschetti, ser referência da discussão sobre Política Social no Brasil, a mãe da autora,
Potyara Amazoneida Pereira-Pereira, é professora emérita da Universidade de Brasília e possui nove livros
publicados sobre Política Social, com destaque para: Marxismo e Política Social de 2010; Política Social: Temas
& Questões de 2008; Necessidades Humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais de 2000 e Política Social e
Democracia de 2001.
1
1. PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

Na introdução da tese a autora apresenta o objeto da pesquisa e sua delimitação, que


se refere às: “concepções idealizadas ou concretamente pensadas sobre a proteção social
capitalista, contidas em oito teorias e ideologias diferenciadas e competitivas, que as explicam
e justificam, bem como influenciam políticas movidas por interesses de classes.” (PEREIRA,
2013, p.23)
A autora destaca duas questões: primeiro o papel das teorias, ideologias e políticas
entre 1945 e 1975 nos países centrais, que inauguraram um padrão de proteção social com
correspondência entre satisfação de necessidades sociais e direitos; e, segundo, o papel das
determinações econômicas, sociais e políticas que estão na base das teorias e ideologias
estudadas e modificam a proteção social nas diferentes fases do capitalismo.
Diante disso, identifica-se que apesar da delimitação histórico (1930-1945) e
geográfica (Europa e Estados Unidos) presente no objeto da pesquisa, a autora ultrapassa a
análise quando discute as mudanças que ocorreram a partir da década de 1970, demonstrando
como o referencial teórico e ideológico tensiona a proteção social e suas atuais perspectivas.
A autora afirma que as medidas de proteção social antecedem o capitalismo,
entretanto, define que o estudo irá privilegiar apenas as desenvolvidas nesse modo de
produção. Antes de apresentar o problema da pesquisa, Pereira (2013) faz uma
contextualização histórica sobre o tema, partindo de como historicamente as sociedades
humanas se organizam para garantir proteção social aos seus membros, sendo a proteção
social entendida como uma necessidade humana histórica, objetiva e universal.
Após, a autora apresenta as primeiras medidas de proteção social pública
desenvolvidas com centralidade no Seguro Social e a instituição da Seguridade Social,
enquanto direito social independente do trabalho. A discussão perpassa as experiências pré-
capitalistas e sua configuração em diferentes momentos históricos até chegar nas perspectivas
atuais.
Identifica-se na introdução categorias como: Classe Social, relação Capital/Trabalho,
Estado e Sociedade, entre outras. Em relação a discussão sobre o Estado na sociedade
capitalista, utiliza-se da referência de Mandel (1982 apud PEREIRA, 2013, p.17), que parte
da análise da atuação do Estado no sentido de “autopreservação e reprodução expansiva do
sistema capitalista”, ou seja, tendo como objetivo evitar e/ou amenizar as crises estruturais do
capital.

2
A autora apresenta o formato da proteção social no período 1930-1945 e cita as
políticas econômicas keynesianas, sem mencionar o fordismo, enquanto organizador da vida
social, considerando que a teoria marxista direciona a análise, a relação estrutura e
superestrutura torna-se fundamental.
Na própria tese, no item justificativa, Pereira (2013) afirma a relação entre proteção
social e estrutura social, sendo que tanto a estrutura social influencia na proteção social,
quanto a proteção social impacta na estrutura, formando uma totalidade contraditória.
Na discussão das políticas neoliberais da década de 1970, Pereira (2013) apresenta
elementos da reestruturação produtiva (e sua diferenciação do fordismo). Ela menciona ainda
a adoção da nova base tecnológica (eletrônica, informática e telemática), enquanto mudanças
no mundo de trabalho que impactam na vida social, por meio das exigências do capital em
acumular/dissipar riquezas de diferentes formas.
Sustentada nas análises de Mészàros (1997), a autora procura explicar as políticas
neoliberias de proteção social, com destaque a doutrina monetarista na base econômica e uma
nova logística de proteção social herdada dos Estados Unidos, denominada workfare, que
utiliza da proteção social enquanto „trampolim‟ para o mercado de trabalho flexível (proteção
social pró-trabalho).
Com base nessa construção histórica a autora apresenta o problema de pesquisa:
“trata-se do desafio teórico de entender e identificar, com respaldo histórico, as propriedades
particulares do processo denominado proteção social com as suas ambiguidades e
contradições”. (PEREIRA, 2013, p.22)
As ambiguidades em relação a proteção social são: I) Significado semântico nem
sempre coincide com os objetivos e os resultados de sua aplicação; II) Não segue um fluxo
linear, progressivo e nem assume configuração unívoca; e, III) Pode apresentar-se sob várias
denominações, que indicam diferentes modalidades e complexidades de intervenção.
Sobre as contradições a autora afirma que a proteção social em seu processamento
“tem demonstrado grande maleabilidade em termos de cobertura, compromisso e finalidade, o
que ressalta o seu caráter dialeticamente contraditório.” (PEREIRA, 2013, p.22) Além disso,
seu formato depende das mudanças estruturais e das correlações de forças políticas em
vigência.
A autora destaca que o processo de proteção social não é inocente, nem desprezível,
e exerce um papel fundamental nas sociedades divididas em classes, entretanto, as

3
ambiguidades e contradições não são características especificamente da proteção social, mas
da realidade da qual faz parte.
A hipótese de trabalho é a de que a proteção social no capitalismo não está
exclusivamente comprometida com as necessidades sociais, mas “encerra em si um ardil
ideológico, a ser teoricamente desmontado, visto que ele falseia a realidade por se expressar
semanticamente como sendo sempre positivo.” (PEREIRA, 2013, p.24) Nesse sentido, a
autora afirma que a proteção social sempre foi alvo de interesses discordantes entre
estudiosos, executores e destinatários.
Pereira (2013) apresenta ainda na introdução as questões de partida como fios
condutores da investigação:

O que é proteção social? Por que as denominadas medidas de proteção social são
longevas e perduram, sob diferentes formas e justificações teóricas, no sistema
capitalista se esse sistema conheceu períodos concomitantes de grande abundância e
de notórios desperdícios, além de apropriações desiguais? Quais as possibilidades
dessas medidas atenderem, de fato, as necessidades sociais para além de seu nível
meramente biológico e na perspectiva dos direitos? E como explicar a existência
desses arranjos protetivos, inclusive na fase capitalista de hegemonia neoliberal que
nega a proteção social pública? (PEREIRA, 2013, p.24)

Essas perguntas condutoras estão contidas nos objetivos da tese, sendo o objetivo
geral: “desvendar, embasada no desenvolvimento histórico da chamada proteção social
capitalista, as concepções e explicações teóricas e ideológicas dessa proteção como direito no
contexto da relação dinâmica e contraditória entre desenvolvimento econômico e mudanças
sociais e políticas.” (PEREIRA, 2013, p.24)
E os nos quatro objetivos específicos:

a) Aclarar o significado do termo proteção social mediante a identificação de seus


elementos diferenciais relativos a outros termos correlatos como: seguridade social,
bem-estar social, estar bem, política social, Estado de Bem-Estar, regimes de bem-
estar e regimes de Estado de Bem-Estar; b) Identificar a acepção da proteção social
no capitalismo sob diferentes perspectivas teóricas, ideológicas e políticas; c)
Descobrir se o termo proteção social constitui um conceito, uma designação nominal
ou um constructo, o que exigirá a eleição do termo que mais se coadune com o real
processo de atendimento das necessidades sociais na perspectiva dos direitos; d)
Fornecer, com base nos achados da pesquisa, informações mais complexas e
precisas a respeito do significado de proteção social que, por ser contraditória e não
estar exclusivamente comprometida com as necessidades sociais, deverá ser
conquistada por meio de lutas políticas referenciadas na cidadania. (PEREIRA,
2013, p.25)

O método utilizado na pesquisa, segundo Pereira (2013, p.28), foi “o método


denominado histórico-estrutural que nem se restringe às determinações estruturais (de base

4
econômica) e nem às ações dos sujeitos que fazem a história, mas combina ambos os tipos de
determinações para captar o objeto em seu conjunto.” Portanto, foge do padrão linear de
aproximação com a realidade, mas a compreende enquanto fenômeno complexo e
contraditório. A autora fundamenta-se no autor Otávio Ianni (1986) para definir o método.
Em relação aos procedimentos metodológicos a autora realizou pesquisa
bibliográfica, por meio da qual obteve dados e informações secundárias ou indiretas:

foram pesquisados índices remissivos em literatura especializada; referências ao


termo proteção social, em monografias, dissertações e teses, bem como em artigos e
livros publicados no Brasil e no exterior; documentos oficiais (nacionais e
internacionais), de escopo abrangente e localizado; relatórios de pesquisas realizadas
com finalidades políticas e acadêmicas; matérias divulgadas em veículos científicos
de circulação periódica; entrevistas publicadas, pronunciamentos e editoriais de
autoria de especialistas, veiculados por órgãos de comunicação acadêmica e de
massa; ordenamentos legais; matérias abalizadas disponíveis na internet. Entre o
acervo secundário compulsado destacam-se: Relatórios do Banco Mundial e do
Fundo Monetário Internacional (FMI); publicações e documentos técnicos do
Governo Federal brasileiro; Legislações específicas de proteção social como o
Relatório Beveridge e as Leis dos Pobres; além, evidentemente, de resultados de
estudos científicos e acadêmicos nacionais e internacionais. (PEREIRA, 2013, p.30)

A autora relata que “o conjunto dos dados obtidos foi alvo de tratamento analítico
qualitativo que contemplou o uso de técnicas e instrumentos de captação de conhecimentos e
informações compatíveis com a particularidade do método escolhido.” (PEREIRA, 2013,
p.30)
A autora afirma a dialética-contradição como categoria metodológica central,
contudo, estabelece a tipologia como recurso didático. Justifica que este é um recurso clássico
que objetiva sistematizar dados afins e que, segundo ela, tornou-se hegemônico nas ciências
humanas e sociais. Afirma, na nota de rodapé n.12 (p.12), que a tipologia é um dos mais
pobres recursos analíticos porque não possui comensurabilidade comparativa e simplifica
realidades complexas. Apesar dos limites, é usada desde os anos 1960 por reconhecidos
pesquisadores de proteção social.
O percurso que desenvolveu permitiu a autora confirmar sua hipótese de trabalho nas
considerações finais, definindo que “De fato, o termo proteção social encerra em si um ardil
ideológico, a ser teoricamente desmontado, visto que ele falseia a realidade por se expressar
semanticamente como sendo sempre positivo.” Apoiada na teoria social crítica, que concebe a
proteção social enquanto contraditória em atender interesses do Capital e do Trabalho. E
ainda, “a proteção social, onde quer que tenha sido empregada, sempre foi alvo de interesses

5
discordantes entre os seus estudiosos, executores e destinatários.” (PEREIRA, 2013, p.285,
grifos da autora).
Diante disso, Pereira (2013, p.286) propõe que “o termo proteção social, para ter um
mínimo de inteligibilidade e capacidade comunicativa deve apresentar-se quase sempre
adjetivado: capitalista, socialista, residual, socialdemocrata, pública, privada, focalizada,
universal, parcial, total, entre outras qualificações.”

2. PERSPECTIVAS TEÓRICAS E ASPECTOS CONCEITUAIS

A perspectiva teórica adotada é a teoria crítica identificada na maneira como a


autora construiu o conhecimento, ou seja, elegeu o percurso metodológico, principais
referências e as categorias de análise. Além disso, se posiciona teoricamente e
ideologicamente em vários momentos do texto.
A tese foi dividida em quatro capítulos. No capítulo 1 apresenta o referencial
teórico sustentado na Lei Geral de Acumulação Capitalista detectada e formulada por
Marx, apoiada no próprio ator, em Clauss Offe (1991) e Mandel (1975). No campo da
proteção social, apresenta as análises de Ian Gough (1979 e 1982), como pioneiro nos estudos
do bem-estar baseado nesse pano de fundo.
A autora apresenta ainda uma explicação básica das categorias que considera central:
Necessidades e Preferências; Direitos e Mérito; Igualdade e Desigualdade; Estado de Bem-
Estar; Política Social; Regime de Estado de Bem-Estar e Regime de Bem-Estar; e, Bem-estar
social (Social Welfare); Estar bem (Wellbeing).
Apesar das dicotomias nos subtítulos (Necessidades e Preferências; Direitos e
Mérito; Igualdade e Desigualdade), a autora procura demonstrar contradições, porém, devido
a abrangência do estudo, somente esclarece esses conceitos e diferencia uns dos outros, não
conseguindo fazer uma análise mais aprofundada.
Pereira (2013) apresenta todas as categorizações sobre as teorias e as ideologias no
campo da proteção social desenvolvidas, historicamente, por diferentes autores e elege duas
principais para adotar no esquema teórico da tese, aquelas elaboradas por: Ramesh Mishra
(1981) - teorias - e George e Wilding (1994) - ideologias.
Essas duas tipologias foram mescladas na tese e, por meio delas, construídas as
matrizes: liberal, social-democrata e socialista discutidas nos capítulos 2, 3 e 4. A autora
afirma que a escolha se deu devido ao fato dos autores adotarem uma perspectiva totalizante,

6
revelada na criação de tipologias mais completas, e pela adoção de um posicionamento
crítico, dialético e politicamente posicionado.
A autora também afirma que poucos são os estudos da proteção social pelo seu
prisma processual, contraditório e dialético. A sua tese é uma tentativa de preencher essa
lacuna, além de clarear conceitos (muita vezes usados como sinônimos ou percebidos como
positivos) e construir uma definição de proteção social.
Pereira (2013) optou por ordenar as teorias e ideologias em três matrizes, quais
sejam: I) Matriz Residual, que engloba a Teoria Funcionalista, incluindo a Teoria da
Convergência, e a Ideologia da Nova Direita; II) Matriz Socialdemocrata ou Institucional, que
engloba a Teoria da Cidadania; a Ideologia da Via Média e o enfoque da Administração
Social; e, III) Matriz Socialista, que engloba a Ideologia do Socialismo Democrático e a
Teoria e a Ideologia Marxista, incluindo a teoria marxiana, isto é de Marx.
A autora apresenta as Matrizes sustentada nos autores clássicos da cada teoria, o que
demonstra domínio e conhecimento aprofundados de diferentes perspectivas teóricas. No final
da matriz residual, compara as teorias Funcionalista, da Convergência e da Nova direita e
apresenta como elas orientam a experiência Estadunidense, assim como as orientaçõe do
Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional sobre as ações de proteção social, apresenta
também suas contradições.
Da mesma forma faz com a Matriz social democrata, comparando as teorias da
Cidadania, da Via Média e da Administração Social e apresenta a experiência escandinava e
seus limites. Em relação a matriz socialista, a autora apresenta e depois faz a comparação do
Socialismo Democrático e a Teoria Marxista, contudo, argumenta que não existe experiências
que possam ser apresentadas nessa matriz, pois, não reconhece as experiências da China,
União Soviética, Cuba, Vietnã e Coréia do Norte. A autora compartilha da opinião de
Mészáros (1997; 2002), Mandel (1975b) e Wood (2003), “de que uma vivência genuinamente
socialista deve, além de suprimir o modo capitalista de produção, romper com a lógica do
capital em todas as esferas. Do contrário, apenas se substituirá o capitalista por outro agente
opressor.” (PEREIRA, 2013, p.281)
A discussão da Teoria e Ideologia Marxista (presente na matriz socialista) a partir de
Marx ficou mais frágil se compararmos com as anteriores, considerando que a proteção social
não foi seu objeto de estudo, então Pereira (2013) apoiou-se na discussão que Marx faz da
legislação fabril inglesa e do Programa de Gotha, tentando fazer as mediações com a
discussão da proteção social.

7
Apesar das tentativas da autora em manter-se marxiana, compreende-se que
centralizar Marx é insuficiente para discutir a complexidade da proteção social. A autora cita
os marxistas no Socialismo Democrático, neste caso, ficou evidente os problemas das
tipologias, em que rotula os autores e limita suas contribuições ao próprio objeto de estudo.

3. CRITÉRIOS DE OBJETIVIDADE E NEUTRALIDADE CIENTÍFICA/ SENSO


COMUM

A autora utiliza a teoria social crítica para construir conhecimento e para busca da
verdade na área da proteção social. Sader (2007), na introdução da obra “Ideologia Alemã”,
afirma que se o mundo é criado pelos homens, mesmo inconsciente, portanto, há relação
intrínseca entre eles. Diante disso, essa perspectiva teórica não pretende afirmar qualquer
dicotomia entre sujeito e objeto, pois, compreende que os sujeitos constroem a realidade. Esse
entendimento que se inicia com Hegel, difere das preposições anteriores, nas quais a
objetividade somente seria possível com o distanciamento entre sujeito e objeto.
A não neutralidade do estudo se expressa também na escolha da pesquisadora pelo
objeto (proteção social, considerando que pertence a esse campo do conhecimento enquanto
sujeito social) e na sua definição na pesquisa (demarcando que refere-se a proteção social
definida por interesses de classe). A escolha da contradição, enquanto categoria metodológica
central, também direciona para apreender o movimento do objeto em suas múltiplas
determinações. A contradição, não como sinônimo de falsidade, mas sim como apreensão do
movimento real dos fenômenos.
Assim, as categorias centrais de totalidade, contradição, luta de classes, relação
estrutura e superestrutura são identificadas no texto, principalmente, nos momentos em que a
autora faz a relação entre estrutura econômica e proteção social. A desigualdade social e suas
consequências (pobreza, insegurança, entre outas) se acirram nesse modo de produção e se
modificam as maneiras de enfrentamento, principalmente, pelo Estado (orientado por teorias e
ideologias), conforme as mudanças na economia e as tensões da luta de classes.
Pereira (2013) se posiciona teoricamente e ideologicamente na crítica às matrizes
residuais e social-democrata. Além disso, ao citar Mishra, um dos autores de maior influência
em seu estudo, afirma que: “A opção pela neutralidade [...] é uma opção politicamente
posicionada: conservadora, a favor das classes e grupos dominantes.” (MISHRA, 1981 apud
PEREIRA, 2013, p.99)

8
Além disso, concluiu, no último parágrafo da sua tese que

A supressão deste modo de produção é a única via pela qual a humanidade pode
passar do “reino das necessidades para o reino da liberdade” (ENGELS, 1975). A
proteção social, histórica e contraditória, como bandeira de luta consciente e crítica
contra o despotismo do capital, pode contribuir neste processo. (PEREIRA, 2013,
p.288)

Portanto, coerente com a teoria social crítica que adota, se posiciona concordando
que com a definição da matriz socialista (proteção social pública, gratuita e universal),
comprometida com a satisfação das necessidades humanas e enquanto necessária para criar
condições de superação da sociedade de classes, uma vez que o bem-estar pleno não é
possível nessa sociedade porque exige outro conjunto de valores. Coloca ainda a centralidade
do Estado na proteção social, mesmo em outras sociedades.
A autora se afasta do senso comum em suas análises, pois, todas as categorias
adotadas são abordadas por meio de um referencial teórico e/ou ideológico e suas
contradições, no sentido da busca pela totalidade. É claro que algumas categorias não são
aprofundadas devido às escolhas da tese de clarear alguns conceitos.
Além disso, é evidente o percurso metodológico adotado, de acordo com o critério de
cientificidade, se mantém coerente em todo o texto com a teoria adotada no estudo. A
contradição mais evidente da tese é o uso das tipologias (apesar das críticas da autora e de
inúmeras justificativas - devido ao uso nos estudos de proteção social) que limitaram a análise
da matriz socialista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo de Pereira (2013) apresenta uma contribuição importante para a área da


Proteção Social, ao clarear conceitos e demonstrar como as teorias e ideologias direcionam as
ações, possibilitando ao/a leitor/a um panorama das discussões desenvolvidas. Entretanto,
suas hipóteses já haviam sido respondidas pelos próprios autores que utilizou.
A autora demonstra que embora rica em conteúdos morais, a proteção social ainda
carece de teorização, o que abre espaço para novas pesquisas que possam avançar na
produção do conhecimento sobre a temática.
Além disso, ao afirmar que a proteção social “não constitui uma categoria teórica, já
que não possui um significado ontologicamente sustentado; e não se coloca como síntese
explicativa que possa ser traduzida em um conceito” (PEREIRA, 2013, p.286), por isso, deve

9
ser sempre adjetivada (focalizada, universal, pública, entre outras nomenclaturas), permite um
questionamento, se a proteção social não é uma categoria, nem um conceito, afinal o que é
então?
Após a análise do estudo de Pereira (2013) e considerando que a autora não explícita
uma definição, pode-se dizer que Proteção Social é uma ação pública (mas também executada
pela Família, Mercado e Comunidade) teoricamente e ideologicamente orientada que deve
estar sempre adjetivada, porém, isto mantém o dilema da discussão, em que o termo é
utilizado sem que se tenha clareza ao que se refere, por isso, a principal contribuição do
estudo é demonstrar que proteção social não é sinônimo de Bem-Estar-Social, Welfare State,
Estado Social, Estado Providência, entre outras.
Pereira (2013) segue a tendência dos estudos sobre proteção social realizados no
Brasil em dois aspectos. Primeiro, apesar de apontar os privilégios dos homens, brancos,
urbanos, industriais, vinculados ao mercado de trabalho formal e sustentados no trabalho
feminino doméstico no acesso a proteção social pública, não questiona o adjetivo “universal”
presente na definição da proteção social do período (1945-1970).
Segundo, ao se referenciar as experiências dos países centrais (Estados Unidos e
Europa) não os localiza na dinâmica do capitalismo mundial (na divisão internacional de
trabalho) e, ainda, sem refletir que esses países somente puderam garantir proteção social aos
seus membros a custa da exploração e da não proteção das populações dos países periféricos.

REFERÊNCIAS

BORDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico.
São Paulo: Unesp, 2007. p.17-69

PEREIRA, C. P. Proteção Social no Capitalismo: contribuições à crítica de matrizes teóricas e


ideológicas conflitantes. Tese de doutorado. Universidade de Brasília – UnB: Programa de
Pós-Graduação em Política Social - PPGPS. Brasília, dezembro de 2013.

SADER, E. Método de Marx. In: MARX, K; ENGELS, F. A Ideologia Alemã: crítica da mais
recente filosofia alemã e seus representantes. São Paulo: Boitempo, 2007.

10

Você também pode gostar