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Redes compassivas 

Leitura preliminar ao encontro ao vivo no dia 4 de fevereiro de 2019  


(todas as citações são de ensinamentos de Lama Padma Samten) 
 
 
 
Está tudo aberto 
 
“Nós não estamos condenados a viver nos mundos que nós herdamos. O mundo não é 
algo que está pronto, do qual somos vítimas. O mundo nós construímos com nossos 
olhares. Ele é plástico, mágico.”  
 
(TEDx Amazônia, novembro de 2010, ​vídeo completo​) 
 
"As coisas, na verdade, estão todas abertas. Nós podemos simplesmente nos levantar e 
construir os mundos favoráveis. Nós não somos prisioneiros daquilo que está ao redor. 
A nossa prisão está no nível sutil, porque não conseguimos viver de outro modo. [...] 
Parece que o mundo inteiro é isso, abrimos os jornais e é isso, ligamos a TV e é isso, mas 
não é isso — se a gente se levanta e começa a se mover, as coisas estão abertas. Mesmo 
as fronteiras econômicas não são sólidas. As mentes das pessoas têm uma mobilidade. 
Se a gente se dirige às pessoas além das fronteiras, elas respondem além das fronteiras. 
Existe uma comunicação. A compaixão é um processo desse tipo. [...] Compaixão é um 
atravessar das regras, atravessar das fronteiras e das barreiras todas. Podemos 
manifestar amor, compaixão, alegria, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, 
energia constante, concentração e sabedoria em todas as direções, independente das 
paredes e das aparências que as coisas têm. Nós podemos nos dirigir desse modo às 
pessoas e elas começam a responder desse modo também. Esses são os mundos 
verdadeiros. Mas de repente vamos nos desestruturando dentro de papéis, criamos 
mundos rígidos e pensamos que precisamos obedecer àquilo, mas não precisamos, pois 
são mundos fabricados, não são mundos reais. O mundo que atravessa as fronteiras, que 
atravessa as limitações é o mundo verdadeiro." 
 
(Teatro Hebraica, Porto Alegre, em setembro de 2017, ​transcrição​) 
 
 
Desagregação e falta de sonho coletivo 
 
"Estamos educando as crianças para que elas sejam inseridas no processo econômico 
convencional. A educação não brota de uma comunidade raciocinando o que deseja para 
si, quais os saberes necessários para todos andarem melhor. Quase nunca tem uma 
reunião entre mães e pais para pensarem o que seria melhor para a comunidade, o que 
seria melhor para as crianças. Nós estamos num grau de desagregação agora que os 
filhos olham as vidas dos pais e eles não querem copiar. É diferente de outros tempos, 
nos quais os adultos sabiam como viver a vida e as crianças aprendiam. Agora, não. Tem 
uma desconexão. A escola tenta substituir isso, mas onde insere os jovens?A falta de um 
sonho dentro das famílias é mortal para os filhos. Na ausência de um sonho coletivo 
familiar, eles também não são capazes de gerar visões de mundo para si mesmos, não 
conseguem se ver de uma forma elevada. Isso vai fragmentando o tecido social. Vai 
craquelando tudo." 
 
"Que visão de futuro nós oferecemos aos nossos jovens? Qual sociedade imaginamos? 
[...] O processo educacional tem de brotar da comunidade. Caso contrário, ele vai brotar 
do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, da Petrobras, de grandes empresas 
formando gente para trabalhar." 
 
(Abril de 2017 em Timbaúba, PE, ​vídeo completo​) 
 
 
Desempoderamento 
 
"Nós nos dispomos a vender a nossa própria vida, vender nosso tempo, e ficamos feliz 
quando alguém compra, daí temos um emprego. O processo econômico é totalmente 
alienante — e essa alienação começa na escola. Ivan Illich foi um dos primeiros a 
descobrir que esse é um processo adoecedor. Quando tudo dá certo, adoecemos. E 
quando adoecemos o sistema novamente nos preda [vendendo soluções paliativas, 
externas e individuais]. Você perde a capacidade de refletir você mesmo sobre o que 
está te adoecendo."  
 
(Maio de 2018, ​vídeo completo​) 
 
 
Inteligência não humana e isolamento 
 
"A conexão da responsabilidade universal com a visão espiritual é introduzida por S. S. o 
Dalai Lama através da seguinte reflexão: “Não importa quanto poder tenhamos, nem 
quanto recursos tenhamos, a felicidade vai depender de nossa dimensão de afeto, de 
carinho, de compaixão e de amor. Se nós não tivermos isso, a nossa vida vai parecer 
muito infeliz e sem sentido”. Nós, seres humanos, somos cooptados por uma aspiração 
de atingir poder e recursos, mas isso é um engano. Esses poderes e recursos não vão 
proporcionar a experiência que todos buscamos e que só vem com compaixão, amor e 
afeto. 
 
No tempo da nossa cultura atual vemos ações de desenvolvimento que não contemplam 
estes valores, é como se fossem originadas fora do âmbito humano. São geradas por 
uma lógica que não é mais propriamente humana uma vez que não tem por objetivo 
explícito trazer felicidade e reduzir o sofrimento, mas são referenciadas por números 
abstratos e sem emoção. 
 
As organizações referenciadas assim não têm emoções humanas mas têm aspirações de 
dominação e de recursos. Dentro dessa perspectiva podemos dizer que nós, seres 
humanos, estamos quase “colonizados” por este tipo de inteligência alienígena. Ou seja, 
é como se surgisse uma “inteligência”, que não é uma inteligência humana 
propriamente, e que começa a gerar os processos todos com uma lógica própria onde a 
felicidade ou infelicidade dos seres humanos nem é contemplada. E aí, nós, seres 
humanos, temos que nos juntar e priorizar a reintrodução dos valores humanos. Nossa 
fragilidade é sermos cooptados por este tipo de inteligência cuja ação, se continuada, 
não apenas nos trará crescente infelicidade como também destruirá o suporte da vida 
sobre o planeta. 
 
Sob o ponto de vista dessa inteligência não humana e fria, quando nós não estamos bem, 
ela não oferece uma visão investigativa que busque a origem dos desequilíbrios, mas 
indica soluções externas na forma de substâncias químicas de felicidade ou de alívio ou 
apoio psicológico como se você fosse unilateralmente desequilibrado. Em todos os 
momentos há por trás a visão de que a realidade é sólida na forma como se oferece, 
assim é o mundo real. Surge sempre a sugestão: reprograme sua mente, pois o problema 
é seu! A verdade é isso que está aqui! 
 
Entendendo assim tentamos nos “ajustar”. As dificuldades são tratadas a portas fechadas 
como se fossem problemas individuais. Mesmo que a introdução desta cultura acarrete 
o surgimento de uma epidemia de doenças comportamentais e emocionais o que as 
pessoas pensam é: “esse desajuste é meu!” O problema parece individual e a pessoa é 
tratada individualmente. Surge uma epidemia de pessoas que se drogam e são tratadas 
uma a uma. Surge uma epidemia de pessoas que não tem inserção social e que tentam 
romper isso do jeito que puderem, e aí também são tratadas com violência, uma a uma. 
Gostaria de ver estudos estatísticos que tratem disso. 
 
Em dois pontos temos o desequilíbrio. As pessoas que abandonam a visão ampla e 
tentam em vão obter o resultado de felicidade e segurança que almejam e as pessoas 
que mesmo aspirando não encontram a entrada e estão alijadas deste processo também 
ficam infelizes. Em nenhum ponto há um ganho real. 
 
(Palestra para a comunidade do Coque, Recife - PE, em agosto de 2004. Trecho maior 
aqui​ e também no livro "Mandala do lótus") 
 
 
O resumo das notícias 
 
"Os próprios meios de comunicação estão presos no paradigma econômico e na 
estrutura formal de poder, enquanto tem outras coisas acontecendo que estão 
contornando essa estrutura econômica e essa estrutura de poder. As notícias que vêm 
são sempre assim: “as estruturas de poder estão abaladas”. Isso se dá porque nós vemos 
contravenções por todos os lados. Nesta visão, é como se só as estruturas de poder 
importassem. Mas isso não importa muito. A gente acha um escândalo que coisas 
horríveis estejam acontecendo por todo lado, mas coisas horríveis por quê? Porque a 
estrutura de poder não está conseguindo responder à demanda para ela se manter no 
controle das coisas. É isso. Essas são as notícias. O tempo todo a gente está dizendo: 
“Olha, não dá. A polícia não dá conta, o judiciário não dá conta, o legislativo não dá 
conta, o executivo não dá conta, o sistema democrático não dá conta, o exército não dá 
conta, nada está dando conta.”O processo econômico não dá conta. Essa é a notícia que 
a gente ouve o tempo todo. Mas e aí? O mundo desabou? Não, o mundo não desabou." 
 
(Fevereiro de 2017, Viamão - RS, ​vídeo completo​) 
 
 
Compaixão e processo econômico 
 
“A compaixão é que sustenta o mundo, não o processo econômico. Nesse momento 
estamos nessa bolha: nós acreditamos que o processo econômico é a base do mundo, 
mas não é. A base do mundo é nossa capacidade de nos interessarmos uns pelos outros. 
Isso é o que faz as coisas se ampliarem e melhorarem, isso é o que sustenta as coisas. 
Sua Santidade o Dalai Lama diz que cada um de nós foi sustentado sem nenhuma 
expectativa de retorno. Nós fomos cuidados, isso não é uma atividade econômica. 
Quando as coisas afundam, surgem catástrofes e grandes dificuldades, como é que 
resolvemos? Surgem muitos voluntários, as pessoas se autoorganizam e fazem tudo 
melhorar. Isso é o que sustenta o funcionamento do mundo. 
 
Quando os pais e mães não conseguem cuidar de seus filhos, aparece alguém para 
cuidar. Quando não aparece, surgem obstáculos — e esse é um outro ponto muito 
importante. Por exemplo, agora nós estamos vivendo o que eu considero uma 
incompreensão toda essa violência urbana que estamos vivendo. Pensamos que são as 
pessoas, continuamos com a visão de criminalizar um a um. É como se estivéssemos em 
uma epidemia, mas tirando cada pessoa doente, sem nos darmos conta de que é uma 
epidemia. […] Nós precisamos de mais antropólogos estudando essas populações: o que 
está acontecendo? Por que tantos jovens estão agindo assim? A noção individual é 
assim: “Esses jovens não são boas pessoas”. Nós temos o processo econômico, que nós 
chamamos do processo normal, e nós temos as pessoas excluídas do processo 
econômico. Nós estamos tão presos a essa visão de acreditar que a única solução é a 
inserção no processo econômico. Mas o processo econômico, como ele se estabelece, 
não tem lugar para todos e nem é feito para isso. […] 
 
Então nós imaginamos que o mundo vai se equilibrar porque pegamos uma porção de 
pessoas com visões sectárias que puxam tudo para si. Isso não vai dar certo. O que é o 
processo econômico? Um monte de gente puxando tudo para si. Esse processo não 
resolve. Quem estuda a economia do sistema capitalista sabe que existe sempre uma 
bolsa grande de seres excluídos do processo econômico. Mas, na forma em que estamos 
olhando hoje, os excluídos do processo econômico estão excluídos da vida, estão 
excluídos do mundo, eles não tem lugar, porque o mundo se confunde com o processo 
econômico. E esse é um problema, porque o mundo é alguma coisa muito mais ampla do 
que o processo econômico, mas hoje nós os fundimos. Nós fomos colonizados pela visão 
econômica, então essas pessoas não têm lugar. […] 
 
Na medida em que nós vemos uma dificuldade do processo econômico de absorver as 
pessoas, os jovens (especialmente a partir da crise de 2008 na Europa e nos EUA) se 
sentem excedentes e calculam que talvez nessa vida eles não venham a trabalhar de 
modo formal. E aí vem a pergunta: “O que eu faço com a minha vida?”. Esse é uma boa 
pergunta. Considero uma pergunta essencial. 
 
A dificuldade que nós estamos vivendo vem pela predominância da visão econômica 
como algo que resolve a nossa vida. Ou seja, nossa vida é assim: ter um emprego, poder 
comprar as coisas que a gente quer, poder viver mais ou menos como a gente quer e ter 
uma visão de futuro para outras coisas que a gente vai comprar… Isso não é a vida! Mas 
ela se torna. E então a falência desse processo vem com esse tipo de crise, com esse 
conflito. […] 
 
Estamos em um ponto de desatrelar o processo econômico do processo social, do 
destino político, da vida da população: o que nós fazemos com as crianças, como 
podemos andar? O processo econômico não vai dar conta disso, até mesmo por razões 
ambientais. […] 
 
Então as pessoas começam a se organizar. Começam a surgir o movimento das 
comunidades, eles se aproximam da natureza, tentam se juntar para gerar outros 
objetivos e viver a vida de um outro jeito — processos que não deveríamos ter 
abandonado. O processo econômico é um ornamento, uma construção dentro de uma 
coisa mais ampla. Mas nós não deveríamos abdicar da nossa vida para isso. Então 
imagino que estejamos vivendo nesse tempo. Nosso desafio é esse: como podemos viver 
de modo mais amplo?” 
 
(Setembro de 2016, Viamão - RS, ​vídeo completo da palestra​) 
 
 
Sentar em roda 
 
"O processo econômico não é do mal. O processo econômico é apenas o processo 
econômico. Ele não é a vida nacional, nem nunca quis ser. Mas nós não acordamos para 
isso, então ficamos sempre caudatários do processo econômico, que acaba virando uma 
ideologia, uma realidade que domina o nosso imaginário — a gente só fala dele. Por 
exemplo, nós estamos agora em uma crise. Mas essa crise é muito maior sob o ponto de 
vista do processo econômico do que sob o ponto de vista da realidade ampla. Mas só se 
fala nisso... E o resto? Como é que estamos nos mantendo apesar de toda essa crise? 
Nós temos um coração pulsando não sabemos onde. Se formos analisar o tamanho da 
crise, a quantidade de políticos, empresários e os valores trilionários envolvidos... 
deveria ter tudo afundado, o Brasil deveria já ter sido partido ao meio e estar 
queimando. Mas, não. Sob o ponto de vista da grande mídia, só ouvimos sobre isso. 
Então a mídia não está noticiando alguma coisa que está acontecendo. É importante não 
ficarmos limitados. Dentro da mídia, há muitas pessoas lúcidas. [...] Nesse momento, eu 
não consigo ver um acordar que não seja sentar em roda, se reunir localmente e 
começar a assumir a visão do que precisa ser feito. Esse é um processo convergente: a 
gente se entende uns aos outros. Quando começamos a andar assim, nós temos casa em 
todos os lugares, tem uma riqueza que se abre." 
 
 
Autoorganização com energia e alegria 
 
"Nós precisamos de visão. E eu acho que a visão, em primeiro lugar, não é no aspecto 
grosseiro, é no aspecto sutil. Ela vai se sustentar no aspecto sutil. E no aspecto sutil ela 
é essencialmente auto-organização e reencantamento. Eu acho que o reencantamento é 
crucial porque, por exemplo, o sistema econômico como um todo e a burocracia se 
desenvolvem junto com isso, tiram a alma das pessoas, entristecem e adoecem as 
pessoas. O reencantamento é um aspecto, poderíamos dizer, revolucionário. Ou seja, o 
nosso coração retorna. O mundo econômico entristece as pessoas que vencem dentro 
do processo dele. Vocês vão ver as pessoas adoecendo, entrando em depressão, 
suicidando... Não importa a classe de renda que tenham. E, por outro lado, as pessoas 
que não penetram nisso também ficam raivosas, passam mal, ficam violentas, têm uma 
série de problemas. O sistema econômico tira a alma das pessoas, desconecta da 
natureza, remove o aspecto estético, remove a beleza. Então, esse é um ponto super 
importante: como nós podemos nos engajar nas coisas com a alegria e a energia 
presentes?" 
 
(Junho de 2018, Viamão, RS) 
 
 
Compre sua vida de volta 
 
"Esse conceito de perder a vida ou vender a vida dentro do processo econômico, acho 
ele muito interessante. Às vezes desafio às pessoas dizendo assim: se você é rico, se 
você sente realmente que tem recursos, você compre a sua vida de volta. Você não 
precisa vender o resto da sua vida, você compre a sua vida pra usar." 
 
(No evento “Educação para o futuro”, SESC Vila Mariana, São Paulo - SP, em março de 
2014, ​vídeo completo​) 
 
 
Não temos inimigos 
 
"O ponto central é nós não termos inimigos. Nós todos estamos amassados, oprimidos e 
opressores, num processo de dor e dificuldades. A questão não é eleger inimigos e 
imaginar que vamos a algum lugar. Nós estamos, aqui, liberando todo mundo de seus 
papéis e dificuldades em meio ao mundo. Estamos todos atropelados. 
 
Quando nós falamos das minorias, parece que em algum lugar tem alguém culpado de 
alguma coisa. Esse é um ponto que a gente deveria evitar. [...] Na visão budista, se temos 
um problema, estamos presos no samsara. Esse que é o nosso problema. A gente precisa 
superar isso. Não importa qual seja o ser que está em sofrimento no samsara. Se a gente 
eleger os outros seres do samsara como o nosso problema, nós não estamos indo numa 
boa direção. O problema é o samsara como um todo. 
 
Eu sugiro essa direção, mas nem sempre isso é possível. As pessoas precisam falar sobre 
as dores das várias dificuldades. E está bem. Nesse caso, é melhor uma coisa como 
psicodrama, um círculo de composição de cura com as várias etnias, sentando em roda 
e cada um vestindo a sua roupa, confessando as suas dificuldades e a suas opressões e 
as suas fraquezas também. Esse é um ponto. 
 
Na perspectiva budista, ninguém leva nada de lugar nenhum. Quem pensa que leva está 
com problemas. Opressores e oprimidos, estamos no mesmo barco, sendo moídos por 
um tipo de visão que não está levando a lugar nenhum. [...] Mas que isso não nos limite 
também de ver a nossa capacidade de indignação, ver o que está acontecendo e 
melhorar especialmente. Se eleger inimigos, é como se a gente não estivesse fazendo 
uma conversa apreciativa. Nós estaríamos fazendo uma conversa de crítica. No 
momento em que a gente aponta inimigos, as pessoas se defendem e não temos mais a 
possibilidade de convergir em direção a alguma coisa mais elevada. A gente vai ficar se 
olhando como grupos opostos. Isso é um processo que vai nos enfraquecer. 
 
Então, a gente está numa coisa ampla. Dentro dessa visão ampla, acho super importante 
olhar todos esses aspectos [...]. Quando a gente vê o processo econômico devastando 
tudo, é melhor não eleger inimigos. É melhor tentar fazer outra coisa. E, com isso, a 
gente tenta ajudar as próprias pessoas que estão presas dentro desse processo [...]. 
Como é possível olhar para os opressores sem ter raiva? Não tem raiva porque os 
opressores estão oprimidos pelo próprio processo que eles estão sustentando. Eles não 
são nem ideologicamente aquilo, estão empurrados para dentro daquilo. Quando a 
gente se divide e aponta o outro como inimigo, dentro do samsara, a gente deixa 
escapar a questão central. Quando a gente elege inimigos, simplifica a questão. O 
verdadeiro problema escapa e termina surgindo num outro lugar com outras pessoas. 
 
Hoje, isso está acontecendo na nossa cara. A gente continua dizendo: isso é o Trump! 
Mas isso não é o Trump, isso é um software. Esse software é o inimigo, que vai apertar 
as várias etnias e abusar das várias pessoas, dos vários grupos, nos vários lugares, 
incluindo as pessoas que estão gerindo o próprio processo. Elas vão perdendo a 
juventude, vão morrendo nas guerras e não têm solução nem para os filhos deles. 
 
Isso é o samsara. Que a gente não se perca nisso. Que a gente não se olhe como 
inimigos uns dos outros, nós não somos. Se somos, estamos com problemas. Esses 
problemas de relações surgem também, mas o problema de relação é o software. [...] 
Nós, como seres humanos, podemos gerir tudo de um outro jeito. A gente não precisa 
desse software. [...] Esse é um ponto super importante. Nós temos um problema que é o 
samsara: a ignorância, as emoções perturbadoras que brotam pela Roda da Vida. Elas 
nos aprisionam, nos sustentam, nós sentimos que somos aquilo, nos tornamos 
monstros... Mas não somos monstros. A nossa natureza ultrapassa isso. 
 
Se a gente pegar as pessoas e olhar, julgar, provar, condenar e executar, isso é 
insuficiente. Porque a coisa é maior do que isso, é um software. Se nos tornamos 
inimigos uns dos outros, vamos enfraquecendo. Não vamos a lugar nenhum. Nós 
precisamos de uma abordagem positiva, precisamos nos aliar, precisamos nos perdoar, 
precisamos dos ciclos de cura. Isso é essencialmente a visão budista." 
 
—Lama Padma Samten (janeiro de 2018 em Timbauba, PE, ​áudios​) 
 
Como operar em rede 
 
"A gente faz um primeiro movimento prático, sem uma decisão de que aquilo vá até o 
fim, e espera para ver como o entorno reage. Eu considero isso de grande importância 
porque nós não estamos separados. Quando a gente se movimenta, a gente movimenta 
tudo em volta. Então é melhor ver como o movimento em volta reage ao nosso 
movimento. Quando a repercussão é favorável e benéfica, nós seguimos andando." 
 
(Novembro de 2016, Viamão - RS, ​vídeo completo​) 
 
 
Liberdade além da reação causal 
 
"Se a gente está dentro de uma bolha mental onde essas coisas todas acontecem, a 
gente encontra uma causalidade para isso, a gente considera que isso é verdadeiro. A 
gente está imerso na linguagem da causalidade. A causalidade é um perigo verdadeiro. 
Vai passar o tempo que a gente vai olhar a linguagem da causalidade como uma época 
obscura semelhante a da Inquisição. Aquilo era uma coisa densa. Tem uma obviedade do 
aspecto não-causal, mas a gente não vê isso. A gente vê tudo causal. A gente vai 
convertendo tudo. Do mesmo modo que nesse tempo a gente vai convertendo tudo para 
economia, a gente converte assim, “desenvolvimento é crescimento econômico”. A 
gente não consegue raciocinar … Todo mundo raciocina desse modo. Isso é uma nuvem 
de obscuridade.  
 
Do mesmo modo, a gente fica olhando processos de transformação a partir de 
causalidade; ​a gente esquece o fato de que a gente pode simplesmente mudar​. A gente 
acredita em diagnóstico, fixa, prende o outro em diagnóstico, depois usa um método 
causal para mudar, e não tem resultado. Por exemplo, nós não estamos num tempo em 
que a luminosidade é o nosso recurso. Nós temos a liberdade de fazer as 
transformações, a gente não trabalha nenhum método desse tipo. A gente trabalha em 
métodos causais, e acredita que nós somos fixados, e a gente justifica a nossa fixação 
por eventos que aconteceram… a fixação não vem dos eventos, a fixação vem da fixação! 
A solução para a fixação não é um outro evento, é a não-fixação. A não-fixação está 
sempre disponível para nós. A gente não vê isso. A gente vê a necessidade de um outro 
evento, de um outro treinamento, de uma outra coisa, de um outro condicionamento. 
Isso complica as coisas, assim, isso complica, atrapalha. 
 
Com respeito à saúde também, é uma coisa curiosa. A gente poderia, por exemplo, 
estimular todo o processo óbvio, que é o processo natural de sustentação da saúde do 
corpo. Mas a gente tem uma tendência a acreditar que eu tenho que fazer alguma coisa 
heróica e diferente para contrabalançar um efeito. Então a gente trabalha menos com a 
nossa capacidade de cura, de estimular a própria capacidade de cura. A gente fica 
localizando desequilíbrios para introduzir métodos artificiais para reequilibrar. Mas a 
gente não se dá conta que nós temos os processos naturais para nos reequilibrar, senão 
nós ja estaríamos mortos há muito tempo. Aí a gente introduz os fatores artificiais, 
eventualmente os fatores artificiais prejudicam a saúde, trazem outros problemas, 
problemas colaterais." 
 
(Outubro de 2015 em Viamão, RS - ​vídeo completo​) 
 
 
Criticar o inverno não cria a primavera 
 
"Quando o olho muda pra primavera, como diz o mestre Dogen, tudo se torna 
primavera: em todas as direções que eles olhem, mesmo que ainda tenha neve, eles 
sabem que é a neve que tá derretendo, mesmo que as plantas não estejam todas 
brotadas, eles sabem que têm os brotinhos que vão eclodir. Eles adivinham a primavera, 
então a primavera é vista.  
 
O olhar é que é o determinante. Todo movimento de Chenrezig [da compaixão] é um 
movimento de criar primavera. Esse ponto eu não vou analisar profundamente porque a 
gente já olhou muitas vezes, ou seja, o inverno, esse tempo de obscuridade mental, ele 
não é necessariamente uma imposição. Esse tempo de aflição é algo superável, ele não 
tem uma base que o sustente que não seja a própria incapacidade nossa de ver a 
primavera. Esse é o ponto. 
 
A gente privilegia a conversa apreciativa, porque é uma conversa que já se dá num 
âmbito de primavera: nós estamos criando a primavera! A linguagem crítica é uma 
linguagem que critica o inverno, mas se eu fico criticando o inverno isso não quer dizer 
que eu consiga criar a primavera, entende? Na verdade, ​enquanto eu critico o inverno, 
eu me consolido no inverno, eu dou muita densidade, dou solidez para o inverno​. 
Então, não é que a gente não seja capaz de criticar o inverno, a gente pode criticar 
longamente o inverno... A questão é que o processo crítico do inverno só ocorre dentro 
da bolha correspondente àquele universo, então se nós criticamos duramente aquilo, 
nós ficamos presos aos referenciais que embasam o próprio processo crítico. Então essa 
é que é a questão. 
 
Então, se nós formos com sucesso até o final do processo crítico, ele se esgota, aí nós 
paramos e pensamos enfim: "E aí, fazemos o quê?" Pelo processo da primavera, surge 
um atalho direto: "O que nós queremos construir?" Porque o engano não é de alguém, a 
gente não precisa criticar alguém, nem condenar, nem prender, nem qualquer outra 
coisa. O que gente precisa é ajudar, seja quem for, a se mover na primavera, se mover 
dentro de uma visão mais ampla. Esse que é o ponto, esse que é o desafio." 
 
(Setembro de 2018, Viamão - RS, ​vídeo completo​) 
 
Um resumo do que podemos fazer agora 
 
“Sua Santidade o Dalai Lama afirma que a compaixão é a base da sociedade, não a 
economia, e lembra que todos desde nossa infância fomos e somos apoiados a fundo 
perdido por uma rede compassiva. Hoje está claro que essa rede inclui a multiplicidade 
de seres da biosfera e ela mesma constitui a vida desde sempre. 
 
Quando sentados em roda, nos olhamos diretamente e pensamos sobre o que está 
andando bem e como melhorar nossas vidas, brilha a inteligência compassiva fundadora 
das redes que dão sentido a nossas vidas. Somos então capazes de entender e acolher as 
visões e os mundos dos outros, e surge a auto-organização como a capacidade coletiva 
de criar soluções práticas e ações em meio ao mundo. 
 
Nosso desafio presente é acionar a inteligência da rede compassiva e definir nossas 
prioridades e visões de futuro, assim uma nação é fundada. Precisamos ultrapassar o 
estreitamento da visão herdada do passado colonial que nos coloca na posição inferior 
de criar e sustentar uma elite e dela demandar as soluções que nunca vêm. 
 
Quando olhamos os países que tiveram êxito dentro da visão econômica mas 
enfraqueceram as redes de inteligência compassiva, vemos que atualmente se 
defrontam com epidemias como depressão, mortes por overdose, suicídios, violência 
nas escolas, TDAH, expansão da população carcerária, endividamento dos governos e da 
população, violência urbana, concentração de poder e renda, sectarismo, radicalismo – 
as pessoas perderam o sentido de suas existências. Não é isso que precisamos. 
 
A agenda das eleições finda com a divulgação dos resultados. A agenda das redes de 
inteligência compassiva é permanente, a transformação é silenciosa, mas visível. No 
tempo imediato a prioridade brasileira não é reprimir e manter as pessoas em prisões, 
mas assegurarmos que as visões de mundo e as estruturas que levaram a tantos 
sofrimentos sejam transformadas. Precisamos de pacificação e reordenamento 
institucional. O culpado é a estreiteza da visão. Não temos inimigos. Isso se aplica a 
todos os âmbitos e não apenas ao mundo político.” 
 
(No Zero Hora, durante as eleições no fim de 2018) 
 
Para quem tiver mais de tempo, sugerimos assistir a 
apenas um desses vídeos: 
 
● Autoorganização, reencantamento e redes compassivas​ (17/maio/2018) 
● Reencantamento do mundo: outros mundos são possíveis​ (30/set/2018) 
● Palestra de início de ano​ (1/jan/2019) 
● Autoorganização e sonho coletivo: como operar em rede​ (6/nov/2016) 

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