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MEU CORPO É POLÍTICO


A moda como resistência dos corpos
APRESENTAÇÃO
A revista
THE CATEGORY IS...PLURALITY
nasce como uma promessa de
revolucionar o mercado, mostrando
uma moda sem preconceitos.
Isso é moda
Isso é história
Isso é pluralidade

02 THE CATEGORY IS... PLURALITY


the category is...

PLURALITY

Editora Chefe
ANDREA TRIGUEIRO

Pesquisa e Stylist
Eduardo Nobre
@eduardohnobre

Arte e Design
Laura B. Viero
@apsviuarual

Pesquisa e Redação
Maria Paula Maciel
@mariapmaciel

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COLABORADORES
Andrea
Andrea é jornalista e professora da
Universidade Católica de Pernambuco. Sempre
ligada a luta pela igualdade, ela é dedicada e
carinhosa como professora e foi a editora chefe
perfeita para essa revista, ela abraçou o tema
de corpo e alma, entrando na loucura do grupo
de alunos. Nasceu para ser professora, não é
atoa que ela cita Paulo Freire: "Não se pode
falar de educação sem amar"

Eduardo
Eduardo tem 22 anos e trabalha com
publicidade e moda. Ele acredita que
nunca é tarde para se vestir como você
quer, estar na moda é estar se sentindo
bem

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Laura Beatriz

Gaúcha, uma pernambucana de coração.


Laura tem 22 anos, é apaixonada por
design e entusiasta das artes.

Maria Paula
Pequena mente inquieta, Maria Paula tem
23 anos e vê a comunicação como começo,
meio e fim da sua vida. Escrever é seu
grande amor e o audiovisual seu amante.
Uma camaleoa ambulante, pernambucana
bairrista e mística nas horas vagas.

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Silver Screen Collection/ Getty Images

TUTORIAL DE MAQUIAGEM EDIÇÃO ESPECIAL

q u i a g em
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Um

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Com o côncavo marcado, ensinanos a


você como fazer uma maquiagem estilo a
jennie é um gênio!

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06 THE CATEGORY IS... PLURALITY
Depois, passedelicadamente com ajuda de um pincel

A
preparação uma sombra de uma cor bem alegre, vai deixar seu olho
encantador.
da pele é um dos
momentos mais importantes de
uma boa maquiagem. Com a pele
limpa e hidratada faça o uso de um
O charme dessa
bom corretivo. Depois,
época psicodélica
delicadamente,
com ajuda de um era um olho bem
pincel, passe uma sombra chamativo. Use e
de uma cor bem alegre, abuse delineador,
vai deixar seu olho capriche nele, sem
encantador. medo de ousar nos
desenhos e marcar
o côncavo. Faça
também o uso de
ciílios postiços...
vai deixar o olhar
super dramático que
nem o da Barbara
Eden!

Delineador Mari
Maria(29,90), blush e
contorno paleta HER da
color pop (156,90) Modelo Luiza usa corretivo
Bruna Tavares (R$39,99)
Cílios Kiss New York
e sombra power da paleta
(R$ 27,93) e máscara Intrance da color pop
maybelline colossal (28,62) (R$160,00)

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M AT É R I A

“Desculpa, só trabalhamos
com modelos p, m e g”
Juliana* entra numa loja no shopping da
sua cidade e começa a olhar umas rou-
pas, ao se virar para a moça da loja para
pedir seu número ela ouve a seguinte
abm,.
EM UMA ANÁLISE DE
pergunta: ‘é para presente, certo?”. Em
SITUAÇÕES VIVIDAS
algum lugar nessa mesma cidade, Nora,
entra em uma boutique com sua mãe, an- POR PESSOAS REAIS,
tes mesmo de abrir a boca para procurar A GEN TE EX P LORA
um vestido para as festas de final de ano, UM POUCO DA
uma vendedora lhe mediu dos pés a ca-
beça, afirmando “Desculpa, só trabalha- GORDOFOBIA
mos com P, M e G”, e virando de costas. NA MODA.
Poder se vestir é uma necessidade huma-
na. No momento em que a maioria das lo-
jas não faz produtos pensando nos corpos
maiores, elas estão negando a existência Já estamos na segunda década do mi-
dessas pessoas. Estão dizendo que no lênio, mas os preconceitos existentes
mundo não existe um espaço para eles. no mundo da moda continuam cons-
tantes dentro de um universo cheio de
diversidade. O preconceito enfrenta-
do nas ruas é movido pelo que é vis-
to nas grandes mídias de massa. Um
exemplo é na série “Eu nunca…” da
Netflix. Uma história sobre amor entre
os jovens cuja a personagem principal
é uma indiana, mostrando uma grande
diversidade de raças e credos, mas, fa-
Podcast
lha ao fazer do gordo o ridicularizado.
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3rdeyechakra

Quando falamos do ser gordo como uma


construção social fica claro que, dentro
dessa pirâmide, vão existir aqueles que
são mais afetados, que nesses casos são
os jovens e as mulheres. Esse público que
A jornalista, professora, mestre e doutora mais sofre é o mais suscetível a transtor-
em Comunicação, Agnes Arruda, afirmou nos alimentares. Ser gordo é resistir todo
em seu podcast “Tamanho grande”, dia, mas resistir cansa, às vezes as pesso-
que apesar da discussão acerca da as só querem existir. Quando você é gor-
gordofobia já existir no mainstream, do, você acorda todo dia com o mantra:
academicamente ela é falha. Por conta
disso, a professora fez do tema sua
Sim, nós...
maior fonte de pesquisas e estudo, e foi R E S I ST I M O S
• •
ouvindo o seu podcast que encontramos OS E
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um dos melhores argumentos sobre “de
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O S •PERTEN

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onde vem a ideia de que as pessoas


O S • PERTEN

gordas são pessoas doentes”. Porque é


nessa afirmação que nascem as primeiras
faíscas da gordofobia, que se alastra
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por todos ambientes, do pessoal ao


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profissional, tirando de tantas pessoas o
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direito de existência, de pertencimento.
Ilustração Eva Uviedo

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Moda sustentável:
uma entrevista com
Yasmin Stefano
Nos últimos anos começou um movimento em
defesa da moda sustentável (uma forma de
questionar o tempo de vida útil das roupas).
Uma das diversas formas de manter o estilo
vintage sem despejar dinheiro para as grandes
marcas e ainda comprar com consciência é
com os brechós.

Pensando nisso, a The Plurality conversou com


Yasmin de Stefano, dona do Brechó Camaleoa,
sobre essa forma de consumo que tem se
tornado cada vez mais conhecida nos últimos
tempos:

Como começou sua relação com a moda O que você classifica como estilo vintage?
sustentável?
Eu acho que começou desde pequena, porque, Eu classificaria com tudo aquilo que a gente
assim, eu acho que veio muito do fato de que eu pega referência do passado para se vestir. Às
nunca tive muita roupa, e nunca fiz questão de ter vezes a gente fica preso a algo como os anos 40
muita roupa. Eu sempre gostei muito das roupas , 50, por estar bem longe. Você realmente está
que eu usava. Nunca achei que precisasse de trazendo uma bagagem de muito tempo. Você
vários modelos, de várias peças de roupas, partes imagina muito as pin ups, quando pensa em estilo
de baixo, partes de cima... Por um lado era pra vintage, volta muito pra essa década de 40 e 50.
economizar, mas também por gostar das peças Vintage é pegar referências de outras épocas,
que eu tenho, sempre levo em consideração cada não importa qual e colocar em com seu estilo de
uma. Você usar peças que você ama, não tem hoje em dia, porque tudo que a gente veste hoje
porque você ter peça no guarda-roupa que você é referência. Os anos 2020 é muito de trazer, de
não gosta, só por ter. Eu sempre valorizei muito celebrar a volta de vários estilos.
eu gostar das minhas peças, estar feliz com elas e
saber brincar com elas.
O seu brechó é todo online como é que vocês
Quando eu entrei na faculdade de design de fazem o atendimento?
moda no Recife, queria ter um dinheirinho extra
para ajudar meus pais com as despesas. Eu O atendimento é todo online, fazemos via
comecei a vender minhas roupas pelo Instagram Instagram e Whatsapp. Primeiramente fazemos
ou Olx, como um brechó e fui tomando gosto, o atendimento todo pelo Instagram e utilizamos
pesquisando cada vez mais sobre moda o Whatsapp caso cliente preferir, para combinar
sustentável, fast fashion, trabalho escravo, todas melhor informações sobre a entrega e pagamento.
essas questões problemáticas que a moda traz pro A pessoa sinaliza a peça que gostou, então a
mundo. gente faz a separação para entrega!

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Quais peças de vestuário você diria essencial
para alguém que quer andar pela sua cidade
com estilo dos anos 70?

Acho que quando a gente pensa nos anos 70, a


gente lembra muito do ativismo da época, mas
principalmente o movimento hippie, o psicodélico,
é o que a gente mais pensa, é a primeira coisa
que vem pra nossa cabeça. Pra mim é a melhor
década da moda, é a que mais define meu estilo.
Foi uma década muito difícil, muito pesada,
mas também abriu muitas portas para vários
movimentos e para a evolução humana. A partir
dali, as coisas aconteceram, foi muito importante. Na nossa pesquisa notamos que muitos
Eu sempre procuro me aprofundar nas referências brechós sempre trabalham com tamanho
pra não ficar nas mesmas. pequenos, é quase impossível pessoas que
Pra quem quer seguir a década ao pé da letra, não estejam na escala de tamanhos p/m/g
vale apostar em lenços, franjas, estampas, achar peças de moda sustentável e/ou com
geométricas, florais, psicodélicas... E o feito a mão estilo vintage para colocar no seu guarda
veio com muita força, o crochê, as miçangas ... o roupa. O que você acha sobre o tema? Como
artesanato veio com muita força, como forma de você acha que os brechós podem agir para
protesto ao consumismo exagerado. sair desse ciclo vicioso de preconceitos?
Você consumir de quem faz, e dar valor aos
produtores. Como eles estavam tentando quebrar Na minha opinião, o estilo vintage às vezes visa
as regras, viam o artesanato, esse 'feito à mão' muito a marcação de corpos, a marcação de
como um protesto a todo consumismo exagerado. cintura de seios, etc. E muitas vezes a marcação
Tudo que eles queriam quebrar eles usavam as dos corpos vem de um padrão de cintura fina
roupas como um pretexto, que serviu a militância de peito , de perna, enfim, é uma coisa hiper
como uma forma de expressão. sexualizada e a sexualização a gente vê muito
feita com um certo padrão.
Os brechós, por terem esse estilo vintage, vindo
desse histórico de marcação e também de
sexualização de corpos, acaba pecando um
pouco em questão de tamanhos.
Às vezes usando tamanhos grandes em em
modelos mais magras, para dar uma proposta
diferente, mesmo assim eles não estão visando
os corpos maiores. Eu acho que por causa dessa
proposta do vintage com corpo mais marcado,
eles não conseguem visualizar aquela roupa
mais larga no corpo que realmente é feito para
o tamanho daquela roupa, mas ajustando para
corpos mais magros, por essa ser a proposta.
Eles pecam e deviam realmente usar os corpos
maiores para representar aquela roupa, pra
mostrar para as pessoas que elas podem usar,
que elas tem chance, tem lugar e tem roupa para
elas.

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DA MODA
À POLÍTICA:
AS INFLUÊNCIAS

Nouve
uvelle
lle
NO ONTEM E NO HOJE

Vague
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Q
uando Godard criou um dos maiores clássicos
da Nouvelle Vague, o filme Masculin Féminin
(1966), ele utilizou elementos que fizeram, deste,
um filme notável dentro do período cinematográfico que
passava o cineasta e é considerado pelos críticos como
representativo da França e Paris dos anos 60. Feito dois
anos antes dos movimentos de maio de 1968, o filme
explora a sexualidade na juventude e as transformações
pelas quais a França (e o mundo) estavam passando.
Se a vida inspira a arte… a arte inspira a vida. Se movimentos
artísticos não existissem, o mundo nunca conseguiria ir avante em
suas lutas. A influência da Nouvelle Vague está presente em tudo:
da moda, com a sensualidade das femme fatale até as lutas dos
estudantes, que exclamavam em seus protestos com pixações
nos muros, exclamando frases como “la poésie est dans la rue”
(a poesia está nas ruas), como uma forma de mostrar como

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essa juventude, os estudantes, estava indo atrás da mudança.
A Nouvelle Vague é a responsável por criar um dos padrões
de beleza que considero um dos mais problemáticos: o da
mulher - a femme fatale - que normalmente vai ser loira,
branca com as bochechas rosadas, com um corpo esbelto-
alegando que a elegância só é atingida quando você possui
os atributos criados por uma sociedade machista e patriarcal.
A situação piora quando analisamos quem eram as vilãs
Cléo das 5 às 7 (1961)
desse filme: normalmente mulheres que não se encaixam Agnes Varda
nesse padrão. Um exemplo clássico pode ser encontrado
no filme Domicile Conjugal (1970), que possui uma vilã que
se junta com dos maiores personagens criados por Truffaut
(o Antoine Doinel) para trair sua esposa, é uma asiática. Os
estereótipos criados na mídia, principalmente em um cinema
tão clássico como o francês, perduram até os dias de hoje.
É preciso quebrar esse preconceito, entender que tudo que
conhecemos na sociedade é uma criação social e ideológica.
Da mesma forma, é preciso reconhecer a grandeza da
Nouvelle Vague mas também saber criticar as raízes deixadas Pedro, o louco (1965)
por ela que - frutificou frutos podres. É saber olhar para Jean Luc Godard

uma negra ou uma latina e ver a mesma graça e elegância


das femme fatale e não enxergá-las como um fragmento
de uma carne esperando apenas para ser devorada.
Mas, nada significa apenas tristezas, pois é graças ao
movimento criado por Goddard e Truffault que o cinema
mundial até hoje enxerga uma presença tão forte dessa arte, o
estilo e a maquiagem clássica (olhos de gatinho com blush nas
maçãs da bochecha) até hoje são amados. É saber reverenciar
Agnes Varda, por ter sido uma das mulheres pioneiras como
cineastas numa época que era rodeada por homens e por
Antoine e Colette
sempre fazer filmes em que o foco era exatamente isso: a (1962)
personagem feminina. Não como desejo do homem, mas como François Truffaut

um ser que existe e vive, com inseguranças e incertezas, mas


com felicidade. Afinal, ela criava sua arte para poder revelar o
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melhor das pessoas e sem deixar de falar das injustiças vividas
que se fazem presentes até hoje no cotidiano das mulheres no
audiovisual: “Existem mulheres cineastas que admiro muito e
não ganham nada”. Ela também foi sábia por, no topo do
seu privilégio, saber enxergar o padrão de beleza sempre
existente: Em 1975, Agnès Varda fez um documentário curto,
Réponses des Femmes – Notre Corps, Notre Sex, e nele há uma
entrevista que diz que a sociedade não permite que as mulheres
Entre amigas (1960)
Claude Charbrol
envelheçam. A própria Varda dizia que há uma expectativa por
mulheres lindas, loiras, magras. Algumas são, a maioria, não.
O legado da Nouvelle Vague não acaba apenas nas influências
políticas e na moda, ela tem uma ligação direta com o movimento
do Cinema Novo - um dos grandes momentos do cinema
brasileiro, encabeçado pelo cineasta baiano Glauber Rocha
- influenciando a criação de um cinema brasileiro se opondo
ao antigo, que tentava explorar um estilo mais hollywoodiano.

As duas faces da
felicidade (1965)

A
Agnes Varda
NOUVELLE VAGUE
DUROU MENOS
DE TRÊS DÉCADAS
MAS DEIXOU FRUTOS
INESQUECÍVEIS E É POR
ISSO QUE A PLURALITY
TRAZ UMA LISTA DE SEIS
FILMES PARA CONHECER
Uma mulher é uma
mulher (1961) A NOUVELLE VAGUE.
Jean Luc Godard

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MEU
CORPO É
POLÍTICO
A expressão kálon vem do grego e em uma tradução mais livre pode
ser considerada a primeira palavra conhecida a tentar definir o que é
belo. Em sua tradução literal, kálon significa ‘aquilo que agrada’.
Ela pode ser encontrada em vários textos da mitologia grega, que com
seu teor questionador buscam definir tudo que poderia se conhecer no
mundo, inclusive definir o que é belo:

“Aquilo que não é belo, é amado. Aquilo que belo não é, não é amado”
Assim disse o poeta Teógnis.

Mas… Isso significa que quem é belo não merece amor?

Não podemos nos enganar, padrões de


beleza sempre existiram: desde a primeira
vênus datada no XXX milênio a.C, passando
pela Vênus de Botticelli, no século XV ou
até mesmo pelas modelos que estampam a
capa das revistas, outdoors e passarelas com
sua nudez, em uma semelhança a deusa da
beleza, mostrando para um mundo que se
você não é igual a elas, você não merece
amor.

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As mulheres ocidentais já são libertas de várias Mas, os danos do mito da beleza não são
amarras da sociedade: com o sufrágio, conhe- aplicáveis apenas no bolso, eles falam dire-
cido como a primeira onda feminista, elas ga- tamente com a saúde da mulher, como, por
nharam o voto. Com a mística feminina, elas se exemplo com a síndrome da “feiura” imagi-
libertaram sexualmente e recusaram o papel nária, nome popular para uma doença co-
de dona de casa. A sociedade precisou procu- nhecida como transtorno dismórfico corporal.
rar alguma forma de amarrar-las em um eterno Quem apresenta esse transtorno transforma
ciclo de infelicidade: os padrões de beleza uma simples característica, como uma pintura,
inalcançáveis acontecem por isso. Essa forma em um “defeito imaginário” e imaginável. A
de controle social se difundiu no que hoje é pessoa insatisfeita com sua imagem corporal,
conhecido como a teoria do mito da beleza: que entende como não correspondentes aos
padrões exigidos pela sociedade e dá início
a prejuízos sociais, ocupacionais e psíquicos.
Uma pessoa com dismorfia sente-se insegura
“À medida que as mulheres se liberaram da com o próprio corpo a ponto de isolar-se.
Mística Feminina da domesticidade, o mito
da beleza invadiu esse terreno perdido, Além do psicológico totalmente abalado,
expandindo-se enquanto a mística definhava, doenças como disformia apresentam danos
para assumir uma tarefa de controle social” físicos, como com as já conhecidas anorexia
Naomi Wolf e bulimia. Transtornos ligados ao desejo por
magreza extrema, influenciado pela moda
das passarelas de Paris e Milão e suas mo-
delos esqueléticas. Uma pesquisa publicada
Uma cruel forma de controle porque ao criar
pela Abril, mostra que entre jovens de 16 e 25
padrões inalcançáveis faz com que as pes-
anos, pode existir uma faixa de até 10% da
soas, principalmente as mulheres, não consi-
população que é vítima dessas doenças.
gam enxergar as maravilhas que são por si,
sempre vão focar no que falta. É no consumo
de produtos que não fazem bem para elas, O mito da beleza existe em vários lugares.
como os sucos promovidos pelas Kardashians Nos desfiles como o Victoria’s Secret Fashion
prometendo um corpo igual ao delas, corpo Show onde para eles o mundo se define a
que (diga-se de passagem) foi alcançado via mulheres cis, brancas, magras e altas. Também
cirurgias plásticas. É um eterno ciclo vicioso de
está no fado de a maioria das capas da Vo-
busca pela perfeição que não existe. gue ainda ser apenas de mulheres brancas,
cis, magras. Ele está presente nos mesmos
A busca por essa perfeição deixa as mulheres estudos levantados pela própria Wolf que des-
num status financeiro menor que o homem. De cobriram o conhecido QBP (qualificação de
acordo com as pesquisas de Wolf, uma mulher beleza profissional), que funciona sutilmente
estadunidense gasta, em média, 20 mil dólares na forma de colocar as relações de trabalho
por ano com estética, buscando uma perfei- em uma rede de exploração, exigindo da mu-
ção inalcançável. lher uma “elegância profissional”, a obrigando
a tentar se encaixar nos padrões eurocêntricos
sob a ameaça de não suceder na sua carreira.

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Hoje em dia pessoas morrem por conta do mito da beleza. Crianças
não se acham suficientes, adolescentes acreditam que nunca vão ser
amadas, e pessoas adultas definham por dentro tentando se manter
sãs numa sociedade que as excluem a cada dia que passa, tirando a
sua liberdade e lembrando que você não é nada se não for bonita.

Para sobreviver dentro dos padrões dessa sociedade é necessário


muita clareza e muita força. E é imprescindível papel das pessoas
que enxergam essa injustiça: elas tem que vestir uma farda de
militância. Mas, quem milita está cansado. As pessoas não querem
depender da beleza, elas querem apenas existir sem se preocupar em
seguir os padrões. Elas querem SER.

Mas, como mudar isso?

A MODA COMO
RESISTÊNCIA DOS CORPOS

A revista The Category is… Plurality, é, an- O mundo é antigo e já existem décadas e
tes de mais nada, uma revista de moda. Isso décadas desde as primeiras revoluções e li-
porque enxergamos a moda como um vetor bertações tanto feministas quanto raciais. Mas,
de mudanças. É definhar por dentro o mito da a gente sabe que quanto menos privilegiado
beleza, é pegar os elementos que eles usam uma pessoa é, mais elas são obrigadas gastar
para definir os padrões altamente preconceitu- seus recursos numa tentativa de se encaixar no
osos e jogar na cara dos ditadores da beleza padrão e fazer parte da sociedade.
que não aceitamos mais.

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Mas, uma vez a cada lua vermelha, nasce no
mundo pessoas que vão contra a cultura. Que
trazem à cena pessoas que vão gerar uma
identificação na população. A visibilidade
promove igualdade social. A maior parte da
população ainda é invisível, na publicidade,
no cinema, na passarela. Em suma, nas mídias.

Claro que não podemos esquecer dos artistas


que questionaram o gênero com seu estilo an-
drógeno, como Bowie e Jagger. Muito menos
do movimento de moda camp, encabeçado
pelas drag queens de Nova Iorque.

De pouco a pouco o mundo vai mudando e


ainda bem que existem pessoas que procuram
ser a mudança. E nós aqui da Plurality traze-
mos algumas delas como exemplo:

O ESTILISTA

RONALDO FRAGA

O genial estilista Ronaldo Fraga


convida pessoas que não possuem
espaço midiático para serem seus
modelos: gordos, velhos, com pernas
biônicas. Elas desfilam e aparecem
sempre por suas redes sociais (@
fragaronaldo no Instagram). Ele, que se
autointitula um errante navegante, usa
da sua rede social para, além de exibir
suas criações, militar sobre os temas
diversos e se fazer resistência em um
mundo tão dividido e preconceituoso.

correio*

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A CANTORA

LIZZO
Cantora, rapper, flautista e
maravilhosa. Acho que é assim
que deve-se começar a falar
sobre essa artista incrível que
não para de ter seus hits alegres
e contagiantes tocando pelas
rádios do mundo inteiro desde
2018. Ela carrega sua luta para
pertencer ao mundo em todas as
suas falas, sempre enaltecendo
o self love. Ela é um exemplo
maravilhoso de que quando
você não quer ouvir a sociedade
falar o quão não suficiente você
é e decide se amar, nada vai te
parar. Suas músicas mostram de
descontraída e brincalhona que
você é a sua própria alma gêmea
rollingstone (citando sua música Soulmate).

Essas pessoas resistem e quando existe resistência, o mundo vai se tornando um


lugar melhor. O mito da beleza ainda vai nos assombrar por um bom tempo, mas,
um dia por vez, a gente muda isso. Coloque sua melhor roupa, abra um vinho e
coloque um espelho na sua frente enquanto brinda à vida e descubra a delícia
que é se apaixonar por você mesmo.

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O P ODER
FEMI NIN O DAS
AR TI STAS DA
SEGUNDA
O N DA F E M IN ISTA

Foi com a mística feminina que


as mulheres ganharam mais
liberdade, desde a década de Sunlight (1978)
Joan Semmel Joan Semmel
1960 até os dias de hoje: a força Artista plástica que começou sua carreira nos anos 70. Sua
feminina é uma história que arte se resume a reconhecer seu próprio íntimo, com fotos
de seu corpo em situações cotidianas da vida: observando.
nunca para de crescer.  Existe uma certa sensualidade em conhecer seu corpo, foi
nessa época que a masturbação feminina se tornava um
tema mais comentado: as mulheres precisavam conhecer seu
próprio corpo para conhecer o verdadeiro prazer.

N as artes as mulheres começaram


a mostrar cada vez mais o seu
poder e até hoje a gente se pega se
espelhando nessas pioneiras. Isso
porque elas exercem um poder de
influência cultural muito grande. E
agora a PLURALITY vai te mostrar
mulheres que foram essenciais e até
Gal Gosta Índia (1973) hoje exercem grande influência na arte,
Gal Costa
tanto na gringa quanto aqui no Brasil.
Como ela mesmo se auto intitula
A moda está correlacionada a
em seu álbum de 2015, a Gal é
momentos históricos e atos políticos.
estratosférica: revolucionária e
Por exemplo, desde a segunda onda
inquieta. Um dos grandes rostos do
feminista, foi iniciada uma nova etapa da
movimento da tropicália ela teve
emancipação feminina. A moda foi capaz
capas de discos censuradas pela
de transmitir os valores da libertação
ditadura pela sua sensualidade. Na
sexual e cultural, proporcionando a
foto: capa do disco Índia, que foi
expressão através das roupas. 
censurada pela ditadura.

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vogue

Stevie Nicks
Rainha do boho e bruxa nas
horas vagas, Stevie Nicks foi
uma das primeiras mulheres
a encabeçar uma banda de
rock, sempre exigindo o mesmo
pagamento e tratamento
igual ao de seus parceiros do
Fleetwood Mac. Conhecida
por seu estilo cigana, ela nunca
aceitou as normas da sociedade, se
recusando a ter filhos por saber que
nunca poderia se dedicar 100% pelo
seu amor pela música.

Donna
Summers
Rainha da disco music, Summer
é até os dias de hoje de extrema
importância para a música mundial.
Um dos momentos inesquecíveis de sua
carreira foi sua música Once Upon a
Time que tendo como tema o conto de
fadas Cinderella. Foi um início na longa
luta racial para que a mídia veja em
mulheres negras a princesa dos contos
de fada. 
buzzfeed THE CATEGORY IS... PLURALITY 00
30 THE CATEGORY IS... PLURALITY
Bruno Lima/Banco de Imagens MTur Destinos

CRÔNICA

Um Recife 50 anos depois

MARIA PAULA FAZ UMA ANÁLISE DA CIDADE DO RECIFE DOS


ANOS 1970 COM O HOJE; INSPIRADA PELAS CRÔNICAS DO
INESQUECÍVEL JORNALISTA PERNAMBUCANO, RENATO CARNEIRO
CAMPOS, QUE FORAM DOCEMENTE REGISTRADAS NO LIVRO SEMPRE
AOS DOMINGOS.

Algumas pessoas possuem o hábito de sonhar acordada, pegando histórias ouvidas e apli-
cando às suas próprias vidas. Eu sou assim. Tenho o hábito de fugir de mim com histórias dos
outros. Seja assistindo um filme ou lendo um bom livro. Logo na primeira semana de quaren-
tena eu já reclamava de uma coisa: “Já li todos os livros da minha biblioteca!”, meu pai pen-
sou rápido e disse “você já leu o livro de Renato?”. Resolvido! Tinha achado um livro novo.

Abrir essa leitura sabendo praticamente nada sobre Renato ou se eu iria gostar do seu
estilo de escrita, eu pensava: será que ainda vou enxergar o Recife que ele tanto fala?
Fui pega de surpresa! Em “Sempre aos Domingos” eu vi que o tempo, embora nos ofe-
reça prazeres efêmeros, não muda tanto. Eu reconheço as ruas do Recife, reconheço
os mesmos problemas sociais do Brasil, eu me reconheci no meio de tantas palavras.

Na crônica “Cai o pano”, onde Renato lamenta a morte do Teatro Popular do Nor-
deste, ele fala: “Algo me diz, porém, que tudo seria realizado de maneira muito mais
harmoniosa se os poderes competentes não deixassem morrer, por falta de ajuda, ins-
tituições de importância cultural”. O tempo passa, mas não mata o que foi dito nes-
sa passagem. Se hoje visse essa frase solta em qualquer rede social, acharia que é

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Cartao Postal - Vista Parcial - Recife - Pernambuco - Anos 1970 - Mercator

mais uma crítica de algum corte do Bol- rar por Recife. Encontrei alguém que compar-
sonaro e seu governo da morte à cultura. tilhava do meu mesmo desespero. Quando
analisei, quarenta anos não fizeram muita
Encontrei nessa leitura um consolo: alguns tex-
diferença para analisar o sentimento que é
tos, escritos na época de um tempo tenebroso
existir na terra dos altos coqueiros, do povo
que se vivia o Brasil, encaixavam-se ao que
artista que tem música e cor a cada esquina.
hoje vivemos: a sensação de estarmos presos
e o medo, como brasileiro, do que o futuro vai Falar sobre os personagens do dia a dia:
anunciar. Um senhor na década de 1970 já “O novo rico”, “a grã-fina”, as “panelinhas”
entendia a mesma angústia que tantos que ele tinha tanto medo de fazer
jovens do ano de 2020 possuem. parte; todos personagens da
nossa vida foram citados
“Confesso: ando com medo
de uma das formas mais
de receber notícias[...] é
descontraídas que tive
muito raro receber no-
o prazer de ler. Rena-
tícias boas”. Essa frase
to Carneiro Campos
me fez rir. Porque eu
escrevia como se já
enxerguei o que pas-
tivesse destrinchado
sa na minha cabeça
todos os segredos da
todo dia ao acordar.
vida e agora se divertia
Agora acordo e per-
com eles. Falava sobre
gunto a minha mãe “al-
o seu presente sem saber
guma notícia boa?”. Se não
que 50 anos depois ainda
for boa, não me interessa.
poderia ser citado como novo.
Mas, saindo um pouco da cabeça
Eu acredito que quando lemos um
de alguém que vive em tempos pandêmicos,
bom livro, não o fechamos e continuamos os
eu preciso fazer um agradecimento a Renato.
mesmos. À medida que eu lia, eu lamentava
Como nunca o conheci, escrevo essa crônica.
nunca tê-lo o conhecido. Notei sua escrita
Ele me deu novos olhos para um Recife que
mudar com o passar do tempo, a partir do
amo, mesmo que às vezes as hastes da pon-
que acontecia na sua vida pessoal. Enquanto
te de ferro me façam pensar em uma prisão.
a doença o tomava, eu o via ser mais ale-
O amor pelo que é nosso. Crônicas sobre a gre mesmo sempre falando da morte, do
alegria passageira do Carnaval. Gostar do medo. Não tinha tempo para lamentos. Em
Recife no final de uma tarde, quando a cida- uma de suas últimas crônicas antes de virar
de ganha uma paleta de cor azul e dourada. pó de estrela, ele disse: “O homem precisa
Disso, eu entendo. Me emocionei várias vezes brincar de ser alegre”. Pareceu, para mim,
em que o via reclamar, mas sempre se decla- um bom recado para deixar ao se despedir.

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