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134 |AMAMOTO, MLV. | SANTOS, CM. (Orgs) ismo dependente e classes sociais na América Latina, 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, FERNANDES, F. Sociedade de classes e subdesenvotvimento. 5, ed. S80 Paulo: Glo- bal, 2008. IAMAMOTO, M. V, Se trabalho e questio sock “igo Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, So Paulo: Cortez, 2007. IANNI, O. 0 Ciclo da Reoohugto Burguesa no Brasil. Petropoli LUKACS, G. Par 12es, 1983, Schneider; Ivo sma ontologia do ser social Il. Tradugaio Nél Imi Fortes, Sao Paulo: Boitempo, 2013 [1984] MARCUSE, H. Razio e rea Hegel e o advento da teoria social. Traduggo - M. América Latina, dependencia y globalizacién. Bogota: CLACSO y. lombre Editores, 2008. ro I: critica da economia politica. O processo de produggo ‘Sio Paulo: Boitempo, 2013 [1867] ra ¢ Servigo Social: uma andlise do Servigo Social no Brasil nulo: Cortez, 1994, ewea ns Argentina CAPITULO IV Tendéncias tedrico-politicas no Servico Social argentino nas décadas de 1960 e 1970: a Reconceituagaéo em debate Carina Berta Moljo Margarita Rozas Pagaza José Fernando Siqueira da Silva Roberto Orlando Zampani 136 IAMAMOTO, M.V.| SANTOS, C.M. (Orgs) ¢ Colimbia): determinantes histéricos, interlocugdes meméria, adensando o debate sobre o Movimento de Recon na Argentina’. As consideragdes expostas a seguir recuperam e aprofundam os aspectos tratados nas publicagdes anteriores e nos didlogos travados em diversos espagos coletivos e formativos. O periodo estudado pode ser considerado como de efervescéncia do Servic Permeado por importantes debates dentro das universidades, nos espacos de trabalho, na mi circulagao nacional e internacional da época: Hoy en el Trabajo Social e Selecciones del Servicio S apresentavam as tendét “calor do debate” da segunda metade dos anos de 1960 ¢ primeira metade dos anos de 1970, na particularidade da Argentina. f neces- sario sinalizar, ainda que sumariamente, 0 contexto sécio-hist6rico da América Latina, para posteriormente adentrar na andlise dos periédicos. 1 E pr Pesquisa esta graualmente HISTORIA PELO AVESSO. aw Situando 0 contexto sécio-histérico latino-americano dos anos de 1960 e 1970: a particularidade do Movimento de Reconceituagao na Argentina ino-americano da segunda metade do século XX é ismo (LENIN, 2008) como fa da acumulagao capita- 1, e seus desdobramentos na América Latina como expressao do -apitalismo tardio (MANDEL, 1985). As principais indagagées latino-americanas que nasceram dos lobramentos tedrico-praticos desse contexto sécio-historico foram Imente sistematizadas pela Comissao Econdmica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a partir dos anos de 1950. Entre intimeras e complexas questies, uma indagagao sintetizava as preocupagdes, da época: quuais as causas do subdesenvol respostas a esta pergunta foram muito diversas, com repercussdes te6ricas, econdmicase politicas muito heterogéneas, ecom cias profundas que marcaram decisivamente esta parte do continente americano, 0 desfecho do século XX sob 0 comando da autocracia burguesa e da modernizagio conservadora (ANNI, 2019; NETTO, 1992), ambas impensdveis sem as ditaduras civis-militares e/ou gol- pes administrados a partir das regras institucionais “democréticas”. ‘Mas quais foram as tendéncias, no campo da economia-politica, que sustentaram o debate dos anos de 1960 ¢ 1970 em toda a Amé- rica Latina? Quais as relagdes e impactos no Servico Social até entio praticado em territ6rio latino-americano — o denominado “Servigo Social tradicional” (NETTO, 1992) —e especificamente na Argentina? Sumariamente, tais tendéncias se organizaram em trés grandes linhas compostas por subdivisdes nao menos importantes: a) A“solugio” imperialista, ou seja, a sintonia da economia latino- -americana aos interesses comandados pelo centro do imperialis- ir do final da Segunda Guerra Mun- sua dindmica econdmica, politica e cultural, basicamente 138 b) IAMAMOTO, M.V. | SANTOS, C.M. (Orgs) composta pelo ajuste da produgao interna a objetivos externos, com forte impacto na estrutura das classes sociais e nas suas fragdes dominantes, comandadas por interesses desnacionali- zantes (FERNANDES, 2009, p. 41-120); pela exploracao da forca de trabalho abaixo dos padrées médios (MARINI, 2008); pela submissio tecnolégica e pela obtengao de matérias-primas e mer- cados consumidores titeis 4 economia mundializada. Trata-se da modernizagéo conservadora, que adota procedimentos que, no geral, atualizam o modelo colonial; articulam e associam tragos locais com interesses multinacionais; imbricam resquicios do passado com os interesses econdmicos do presente, tfpicos das revolugdes burguesas realizadas muito tardia e aceleradamente. Seguramente esse proceso se deu muito diversamente por todo © continente latino-americano, como desenvolvimento desigual e combinado (FERNANDES, 1968; OLIVEIRA, 2003), conforme caracteristicas peculiares das nagdes envolvidas. (Os projetos nacionais-desenvolvimentistas edificados ¢ inspirados no debate cepalino, que creditava a industrializagao a chave para destravar 0 desenvolvimento, com valorizagéo de uma politica de substituigdo de importagées, estimulo a industria nacional @ aquecimento do mercado interno. Nesse espago, o Estado 6 agente central que atua na redugao das desigualdades, redirecio- na fundos ptiblicos para politicas de desenvolvimento nacional, particularmente aquelas consideradas estratégicas (energia, par que industrial, gestéo dos recursos naturais, entre outras dreas. importantes). Nao ha aqui uma afronta a propriedade privada, mas, ao contrario, a defesa de setores da classe burguesa com- prometidos com o desenvolvimento nacional, empreendedores dessa dinfmica, de uma “auténtica revolugao burguesa” ede uma ampliagio das camadas médias urbanas e de setores do proleta- riado urbano e rural representados na coalisdo governamental. Residiria nisso sua oposicao ao imperialismo, ao capital externo dito “selvagem”, ou seja, ini nacional ¢ descomprometido com , das camadas HISTORIA PELO AVESSO 139 trabalhadoras locais e com uma maior distribuicao da riqueza socialmente produzida. Os governos dos presidentes Ge! Vargas (1930-1945, 1951-1954), no Brasil, e Juan Domingo Peron (1946-1952, 1952-1955), na Argentina, por exemplo, guardados seus diferentes tempos, espacos e condigGes histéricas, foram experiéncias classicas dessa tendéncia na América Lati pondo um amplo campo por onde se move o que genericamente vem sendo caracterizado como “nacional-popular”. com- ©) As diversas orientagées de esquerda que adensavam 0 debate sobre os profundos problemas gerados pelo modelo dependen- te latino-americano ¢ a necessidade de ruptura com esse tra sécio-histérico (MARINI, 2008; FERNANDES, 2009). Igualmente diversa, essa tradicao relaciona, por diferentes caminhos, de- senvolvimento, ant mo, ruptura com a dependéncia € um forte “espirito” anticapitalista, como transigéo socialista, amplamente ancorada na heterogénea tradicdo marxista. No alimenta ilusdes sobre as possibilidades de humanizar 0 capital € 0 capitalismo, ainda que algumas de suas tendéncias possam defender lutas estratégicas dentro da ordem, com o objetivo de acumular forcas e minar o ordenamento imperialista-dependente por dentro. Podem admitir, portanto, reformas comprometidas com processos populares que desemboquem em transformagoes ‘mais radicais. Nesse sentido, em situagGes pontuais marcadas por processos histéricos especificos, as tendéncias mais radicais do “campo nacional-popular” poderiam se articular com perspectivas de esquerda afeitas & tradicao marxista’ Ora, essa foi a base material que sustentou projetos societarios que alimentaram 0 Movimento de Reconceituagao | \o-americano 3.0 peronismo, por exemplo, na sua amplisima diversidade como movimento, reuni— 1a de Perén — tendéncinsfscstase grupos de esquerda que se opuseramn 1 da primeira metade dos anos de 1970, no tlkimo governo do general. yma esquerda avessa a Persin 208 peronismos. 140 TAMAMOTO, M.V. | SANTOS, CM. (Orga) nos anos de 1960 € 1970. No contexto particular argentino, a Recon ituagao inicia-se na segunda metade da década de 1960, ampla- mente ancorada em uma critica ao Servigo Social tradicional, que se alimentava das tenses e contradigées impostas pela modernizagao conservadora em curso por toda América Latina. Inicialmente enri- quecida pelos debates desenvolvimentistas, o movimento radicaliza-se paulatinamente no contexto de lutas populares ¢ repressdo intensa comandada pelo governo militar de Juan Carlos Ongania (1966-1970), direcionada, sobretudo, as universidades ¢ ao movimento operario®. E nesse contexto que os peronismos dos anos de 1970°, a Teolo; da Libertacao estruturada a partir de uma releitura dos evangelhos luz da realidade latino-americana, as contribuigdes de Paulo Freire clandestinamente divulgadas, o espraiamento da Revolugao Cubana por todo o continente, o adensamento da luta de classes, as intimeras organizagoes de resisténcia que iam se constituindo a partir da crise da acumulagio capitalista e do fim de sua onda de crescimento do pés-guerra levam a radicalizagao do Movimento de Reconceituacao na Argentina (MOLJO et al., 2018). das revistas Hoy en el Trabajo Social e iones del Servicio Social, dos editoriais e do contetido publicado por meio de diversos artigos, expressa nitidamente esse processo de radicalizacao. O perfodo situado entre o fim da segunda metade dos AWISTORIA PELO AVESSO. anos 1960 (em especial a partir de 1968-1969 e 1974) marca os “anos de ouro” da radicalizagio do Movimento de Reconceituacao no ter rit6rio argentino. Nao podemos deixar de mencionar os golpes de Estado que aconteceram no Uruguai e no Chile em 1973, perfodo em que a Argentina vivia o que se denominou a “primavera dos pov finda em 1974, quando da morte de Perén, que deixa na presidénci sua mulher Isabelita, assessorada pela extrema-direita. Intensifica-se a repressio oficializada a partir de 1976 com o golpe civil-militar, periodo no qual o Movimento de Reconceituacao perde sua forga na Argentina. Analisar-se-do,a seguir, as revistas acima referenciadas, indicando nelas as tendéncias em curso na épocat. A revista Hoy en el Servicio Social, logo denominada Hoy en el Trabajo Social: trajetéria de disputas tedricas, politicas e ideolégicas A anilise do itinerdrio do Servigo Social na Argentina e de suas cexpressdes tedricas nas décadas de 1960 ¢ 1970 requer, entre outros aspectos, acompanhar um dos principais canais de comunicacao por onde se desenvolveu o debate da profissao. Entre eles, é importante das rots sso no ana IK mencionadas em rans, a teorla da dependéncia cia soca, politica, estudantil wos influénca das corentes guevaristay, trtskistas, le Mao iso de Tosco, vincuado ao Partido Comunista 12 VAMAMOTO, MLV. | SANTOS, C.M. (Orgs) tacar a revista Hoy en el Servicio Social, logo denominada Hoy en el Trabajo Social. Esta revista, publicada entre dezembro de 1964 e dezembro de 1977 (n. 34), envolve exatamente 0 periodo histérico analisado neste capitulo’. Em seus artigos e editoriais, é possivel encontrar grande parte do debate profissional durante esse periodo, suas perspectivas, influéncias, idas e vindas. scida em plena “onda desenvolvimentista”, a revista Hoy en Social apresentou-se como um periédico que se propunha a reestudar profundamente a transformacao da profissao naquele novo contexto (sumariamente exposto no item anterior). Isso envolvia fundamentalmenteas propostas de mudanga /transformacao do Servigo orientadas pelas ideias desenvolvimentistas e modernizadoras, JA desde o primeiro mimero e por dois anos seguidos (que in- iram a publicacdo dos volumes 1 a 7 da revista), a maioria dos artigos foi redigida por professores do Instituto de Servicio Social de Buenos Aires. Este centro de formagao foi pensado a partir da légica do desenvolvimentismo, sob a influéncia da Organizagao dos Esta- dos Americanos, das Nagdes Unidas e da denominada Aliana para © Progresso. Cabe destacar, todavi sionais e de assessores(as) do Chi 1 meio da recuperagao de experiéncias realizadas nas comunidades de cidades chilenas, seja pela elaboracdo de teorias e conceitos desenvolvimentistas oriundos daquele pais. E importante destacar que a figura central para 0 de- senho e as aces do Instituto de Servicio Social foi a assistente social chilena Valentina Maidagan de Ugarte®. Nos niimeros da revista acima referidos, seus artigos centrais debatem os alcances do desenvolvimento de comunidade, as distintas nagies ditas “em desenvolvimento”, o aprofundamento dos conceitos eas orientacées técnicas para a abordagem do trabalho comunitirio. fluéncia de profis- 9. Primeiro volume editado por Bareix, Cs coitora ECRO. 10. Ugarte publicou o artigo Relaciones Humana y Servicio Social no nimero 3 da revista Ver Molo, Silva e Zampani 2017, pL esc0 y Cla partir de 1965 pela ua ndas essas propostas incluem, mencionam e destacam a ideia de 1e o5(as) assistentes sociais s4o “modernos agentes de mudanca”. No editorial do ntimero 2 da revista é destacado: mportancia de um “Serv del poter star” (1965, p. 2). Sao nitidas as ideias de desenvolvimento e de busca do bem- -estar a partir da intervencao técnica. Os volumes 5 e 6 da revista Hoy... (1965), amplamente aceitos pelo coletivo profissional, revelam \s expectativas de mudanga que contaminavam os profi renascer da profissio com uma orientagao cientifica, moderna © com maior desenvolvimento te6rico, sob a influéncia das teorias da modernizagio, do estrutural funcionalismo e do desenvolvimen- smo, vai de encontro as tendéncias eminentemente tradicionais do Servigo Social na Argentina. Nos volumes publicados em 1965, faz-se referéncia a proibigao de circulagao e difusdo da revista em diversos institutos e escolas de Servico Social no pais. Diante da dendincia de que a literatura apresentada pela revista era comunist © primeiro grande corte e ruptura na formagao e no debate dos(as) trabalhadores(as) citamente, na metade dos anos de 1960, duas caras do Servigo Social ‘Argentina: uma tradicional e outra desenvolvime A revista Hoy en el Servicio Social e a radicalizagao da proposta desenvolvimentista A partir do ntimero 8 da revista, 0 eixo de interlocugao continental de Hoy. se altera, Se, nos primeiros exemplares, eram difundidos e us IAMAMOTO, MV. | SANTOS, CM. (Orgs) lidos artigos com ideias desenvolvimentistas fundamentalmente chi- lenas, a partir desse niimero 0 eixo passa a sustentar-se na construcio de um “Servico Social Rio-Platense”, mediante a interlocucao com autores(as) do Uruguai e posteriormente do Brasil (especialmente da regido sudeste deste pais). E interessante ressaltar que o debate oferecido pelos representan- ) supera o debate técnico tes uruguaios (em especial Herman Krus: desenvolvimentista, propondo questdes que constituem a profissio em si, 0 seu lugar na sociedade, 0 desenvolvimento da consciéncia consicierando as alteragdes em curso. A pergunta central, portanto, para © autor nao passa pelas técnicas necessarias as mudangas, mas pelo alcance dessa mudanga na sociedade e pelo papel do Servico Social como profisséo. Em outras palavras, supera o eixo da “neutralidade técnica” que se esperava dos “agentes de mudanga”, debatendo, em um mesmo processo, 0 papel desse profissional e a natureza dessa mudanea, A interlocugiio com representantes brasileiros ocorte a partir dos niimeros 10 ¢ 11 (ambos publicados em junho de 1967), por meio da participagéo de Seno Cornely"®. Nesses ntimeros, os artigos dio énfase ao papel “politic seja, ao envolvimento nao “neutro” da profissao e dos(as) profissionais como agentes de mudanca. Ou seja, © Servico Social pode e deve assumir a “dimensao politica” em sua acio, contribuir para a conquista do bem-estar das pessoas e recuperar a auténtica cultura popular. Observa-se que, a partir dessa segunda etapa da revista, adquirem forca as nogées de “povo” e do que era visto na época como “popular” Progressivamente, e até os néimeros publicados em 1972, a ra- dicalizagio das ideias desenvolvimentistas vai se explicitando. Junto com a palavra “mudanga” vao aparecendo propostas ¢ debates sobre 1, Assistente sociale profesor, autor de obras sobre o Servo 12. Seno Comely doutorou-se em Servign Social [AMISTORIA PELO AVESSO. us ransformagao das estruturas”. A organizagao e participagao co- wunitéria sao substi pacdo popular”. F relevante ressaltar que é exatamente nesse perfodo que se avanga a resisténcia far na Argentina e se concretiza o crescimento da Unidade Popular que democraticamente levou Allende a presidéncia do Chile em novembro de 1970. Nesse contexto de radicalizagio progressiva, mas contrad ale destacar as mengdes nos editoriais de Hoy en el Servicio Social \imeros 13 € 14, de fevereiro de 1968, e 16 e 17, de abril/maio de 1969) a duas importantes referéncias da época: 0 Documento de Araxé (CBCISS, 1986), simbolo da modernizagao conservadora no Servigo iro, € as contribuigées de Paulo Freire 4 area, referéncia progressista na drea da educacao também junto as camadas populares. O editorial de fevereiro de 1968 tece comentarios elogiosos ao Documento de Araxé organizado pelo Centro Brasileiro de Cooperagio is (CBCISS) no Brasil. A referéncia con- se orgullee 70, el ya casi famoso DOCUMENTO el trabajo de mayor transcendencia y los siltimos » de Paulo Freire intitulado EI rol del trabajador soc O texto ¢ saudado com veeméncia, sobretudo por contribuir e debater o compromisso dos profissionais com a agao. Questi neutralidade” do desenvolvimentismo por meio de um compro profissional com os novos tempos. Sobre Paulo Freire, o editorial da revista Hoy en el Servicio Social expressa: ricas pedagégicas que redes- e la conciencia humana, ” (1969, p. 4). revista 146 IAMAMOTO, MLV. | SANTOS, CM. (Oras) /AMISTORIA PELO AVESSO wr © editorial do ntimero 18, de junho e julho de 1970, destaca 0 A revista Hoy en el Trabajo Social: a busca por vinculo do processo de Reconceituagao da profissao com a realidade um Servico Social latino-americano, transformador subdesenvolvida latino-americana. Propde-se, assim, pensar seu apor- e peronista? te a partir do “desenvolvimento nacional” com gradativa énfase na “questao nacional” e na consolidagao de uma “profissao latino-ame- Definitivamente, entre 1972 ¢ 0 niimero 30 da revista, de 1975 ricana”, A revista sadida progressivamente os movimentos estudantis que, em diferentes escolas, faculdades e institutos, rejeitam as ideias tradicionais ou desen imentistas e reivindicam novos planos de estudos e novos contetidos. antecedeu o golpe de Estado na Argentina em 1976), é possivel bservar uma tendéncia intitulada “transformadora e revolucionéria”, deteve a hegemonia da revista durante esse periodo. Todavia, importante ressaltar como iam convivendo, dentro dessa mesma ndéncia, as posides dos(as) autores(as) que respondiam as diversas orrentes de pensamento ali inseridas. ssde 0 ntimero 24 da re O niimero 21, de julho de 1971, expressa um corte importante no itinerdrio da revista, corte esse que se expressa na mudanga de nome: de Hoy en el Servicio Social passa-se a Hoy e) Para explicar essa modificacao, o editorial do per a 0 momento de mudangas, de desenvolvimento das ideias ista (setembro de 1972), é possivel ossivel entao reconhecer a existéncia de uma tendéncia no processo de onceituacdo que se expressava em uma formula dialética-mecanica istrada por meio da tese, 0 Servigo Social; da antitese, o anti-Ser- e da sintese, prética derivada da ciéncia critica — hé af cismo. Um quadro extraido do editorial do mimero revela a forma para entender a ica para esse exercicio tedrico-prético. O quadro, a seguir detalhado e extraido da propria revi DSSTENCA SOCAL seco socal Benético-filantrépica Desarroltista i (ceformas) TRABAJO SOCIAL Revolucionario (transformacién) Figura 1 SERVICIO SOCIAL © termo “trabalho social” se articula com a “praxis social”, re- lagdo esta que sustenta uma profissdo comprometida ¢ transforma- dora. Nese momento, 6 possivel verificar a existéncia de tendéncias heterogéneas, assim denominadas: a) tendéncia tradicional do Servigo Social; b) tendéncia moderna-cesenvolvimentista; c) tendéncia auto~ denominada transformadora e revolucionéria. 148 IAMAMOTO, M.V.| SANTOS, C.M. (Orgs) Rodolfo Kusch' ofereceu importante aporte para esse “giro te6rico” na época. O autor publicou artigos em trés ntimeros seguidos da revista (25, 26 e 27), fazendo criticas as teorias desenvolvimentistas ¢ propondo a recuperagio de uma “cultura americana”, com indicag6es alternativas para pensar o pol desde a realidade da América Latina e as consideragoes das dimensoes indigenas e populares como parte dessa proposta. 0 © 0 econdmico Essa forma de assumire propor ideias de mudanga/transformagio a partir do Servico Social 6 fortemente influenciada pelo clima politico daquele momento. Endossa com isso um dos perfis predominantes 1a versio argentina do proceso de reconceituacao: peronista, nacional E interessante destacar que, se nos ntimeros 16 e 17 saida-se festivamente a chegada de Paulo Freire ao debate do Servico Social no ntimero 25, de dezembro de 1972, o autor € criticado incia, Os criticos argumentam que sua obra foi propés a criticar e tem sua trajetéria usta quizds los comos que 3, con sede en Ginebra (Suiza) p. 25). Levantam-se criticas propondo que a apenas reformistas e se apresentam como ob: transformacio. /AISTORIA PELO AVESSO 9 A partir desses ntimeros da revista, é possivel identificar uma como agio liberta- lora. Dito com outras palavras, 0 Servigo Social deve pautar-se na bertagio dos povos. Sio recuperadas referéncias da época em que ibertagdo, com mengao especial a Frantz de 1975), lideranga central da época para pensar processos revolucionarios e descolonizadores. Portanto, ida a énfase no nacional-popular nessa tiltima tendéncia do ao salientar © perfil da profiss4o e dos profissionais \do-americano, pré 0 a orientagdes revolucionarias mente a favor da libertagdo nacional. meétodos e as formas de abordagem; os editoriais refletem o peso da fa repressdo militar com uma tinica mencao a aparicao dos restos mortais de Luis Frum (“baleado em confronto”, segundo reportagens de jornais). Nesse momento, desaparece da revista Hoy en el Trabajo Social qualquer tipo de referéncia a conceitos, apreciagdes ou mesmo lavras que remetessem ao Servico Social, até entdo, identificado no transformador, Em dezembro de 1977, publicou-se o tiltimo ntimero da revista m el Trabajo Si revela os esforgos e os sonhos de profissionais na Argentina da ca. Por doze anos 0 periédico documentou diversos emba- travados pelo coletivo profissional, em especial aqueles que navam permanentemente o lugar da profissao nas relagdes is, sua forma de intervir na realidade, a relagdo estabelecida om os segmentos sociais mais pobres e 0 papel cumprido pelo A anélise minuciosa de seus 34 ntimeros vdenados da tera servis de inspinacto para nu intelectuas de mur. 150 IAMAMOTO, MV. | SANTOS, CM. (Org) Revista Selecciones del Social Work, logo denominada Selecciones del Servicio Social: uma tentativa de sintonizar a profissdo com 0 Servico Social mundial A revista Selecciones del Social Work comegou a ser publicada nos primeiros meses de 1968, em Buenos Aires, pela Editora Humanitas. sigao dos profissionais de toda A izada da profissto. A revista inicialmente se baseou na tradugao de alguns artigos da revista Social Work — originalmente publicados pela National Association of Social Work dos Estados Unidos —, além de divulgar artigos, resenhas e informes de producao local. Nao ha diivida de que essa iniciativa surgiu com explicita influéncia da produgio teérica norte-americana, fato reconhecido desde o primei- ro editorial: + organizaciones profesionales” (1968, p. 3). Cabe destacar contou com a apresentagio de Caroline Ware, uma das al) impulsionadoras do denominado método olvimento de comunidade nas escolas de Servigo Soci Os primeiros ntimeros da revista estdo repletos de artigos tra- om autores(as) que aportam ideias sobre o Caso mento de iva a busca permanente das “fontes ainda que se estimule um debate com especifi- cidade técnica, articulada as experiéncias norte-americanas capazes de contribuir com a agao profissional na realidade argentina e latino- -americana da época E interessante ressaltar que primeiro periodo da revista, em especial no editorial do ntimero 7 (setembro de 1969) Destaca: trai pPlarece como A ISTORIA PELO AVESSO ertido de pronto en una actitud rei 10s razonables con otras que no lo son tanto” (p. 3). tar que essa inquietude ocorre em um periodo ado pela influéncia de diferentes movimentos estudantis na Ar- ina, em que o Resariazo, o Cordobazo e 0 Mendozazo sao exemplos + resisténcia contra a ditadura militar do general Organia. Trata-se experiéncia de unidade de luta estabelecida entre o movimento rabalhadores(as) € os movimentos estudant Selecciones del Servicio Social: a mesma revista com énfase latino-americana A partir do ntimero 9, publicado no més de marco de 1970, a re- vista muda de nome. Selecciones del Servicio Social passa a org: e mantém: experiéncias de Se grupo e comunidade, mas agora envolvendo experiéncias do centro- experiéncias comunitarias-desenvol Oniimero 12 de Selecci del Servicio Social, de dezembro de 1970, trata a reconceituagao como um movimento em seis de seus art del 70". A partir desse nimero, o debate sobre 0 Movimento de Reconceituagao prioriza a andlise da “metodologia”. Os artigos intre outros temas, reconhecer ou nao a existénci do Servigo Social”, pensar se a reconceituagao é grande influéneia no Sevigo Socal Suas obras foram dda Argentina 132 IAMAMOTO, M.V.| SANTOS, CM, (Orgs) um “método” e refletir sobre a relaao desse debate com a ciéncia. Por outro lado, segue publicando artigos com perfil desenvolvimentista, assuntos comunitarios, temas sobre o desenvolvimento nacional, sobre aeducagao como caminho ao desenvolvimento — assuntos recorrentes na revista em seus diferentes ntimeros. Selecciones del Servicio Social entao concentraré seu debate em artigos sobre 0 Movimento de Re- conceituagao e o desenvol Selecciones del Servicio Social abandona a Reconceituaco: primeiro a “andlise” e depois a critica No ntimero 23, publicado em 1974, sao apresentadas as primeiras criticas & Reconceituagao nos artigos “Achagues y del servicio so- cial reconceptualizado” (Ezequiel Ander-Egg) e “La Servicio social” (Ruben Ortega)'*. O ntimero 26 (do segundo quadrimestre de 1975) faz criticas & reconceituagao na América Latina e anuncia uma nova etapa do debate profissional. Ffetivamente este ntimero marca 0 fechamento do debate reconceituador tendo como base uma consul- ial sacién del Trabajo S América Latina, processado descriti- 1a revista. A esta consulta, responderam 27 autores(as) de A revista se limita a publicar as diferentes respostas sem Social esoxio agen, professor da Universidad Clea de Cayo le ServigoS A HISTORIA PELO AVESSO 153 emitir qualquer opiniso sobre elas. Trata-se de importante exemplar para entender e analisar os debates latino-americanos sobre a profissa0 » momento histérico. Os diferentes artigos mostram a diversi- iferentes formas de mero 23, Selecciones del Servicio Social passa a nao considerar relevante ituacao, dedicando-se a questes voltadas as © editorial do ntimero 28 (do primeiro quadrimestre de 1976) mnsidera superado © Movimento de Reconceituacao. E citado o tra- y-americano do Peru (fevereiro de 1976), em que, segundo a revista, “se oyeron algunas voces precursoras :bos” (EDITORIAL, 1976, p. 2). E essencial destacar que, marco de 1976) trata do tema do golpe finaliza suas publicagdes em 1978 com o ntimero 38. O editorial 7 referéncia a problemas econdmicos do pais e a baixa quantidade revista, fato que levou aos editores a suspender a io Social revela uma revista de pe! ta influéncia norte-americana na p! ainda que com tentativas sucessivas de entender atar os temas do Servigo Social na América Latina. A aborda- |, sempre critica as propostas do Servigo Social reconceituado, isso e nas wostra que o periédico ignorow a riqueza do debate do momento, jendendo propostas por ela consideradas “reais” & profissio na América Latina, 154 |AMAMOTO, MLV. | SANTOS, CM, (Orgs) Consideragées finais E impossi desconsiderar a relacdo intima entre o Movimento de Reconceituagao, 0 contexto dos anos 1960 ¢ a primeira metade dos anos 1970, em que se compreendem os sucessivos golpes civis- res impostos 4 América Latina e as forcas sociais em disputa. A modernizacao conservadora se impés sem deixar de buscar certo tipo de aproximacao com a realidade latino-americana. Sendo as- sim, os debates sociopoliticos, culturais e econdmicos, bem como as refragdes da questo social nas particularidades sécio-histéricas de cada formacao social “marcam ¢ moldam” os tempos do exercicio profissional e da formagao profissional. Hi de se destacar ainda a importancia do desmascaramento da lade cientifica”, ou seja, o reconhecimento da dimensao po- litica da profissao e da necessidade de uma perspectiva critica, como condigao para o exercicio profissional comprometido com os interes~ ses dos(as) trabalhadores(as). A critica deveria dar conta da andlise de situacdes concretas de sujeitos coneretos, mas também subsidiar a criagao de estratégias de superagio das situacdes de miséria e de degradacao social. Nesse ponto, é preciso levar em conta o sentido do trabalho educative como organizagao, planejamento de politicas sociais ¢ ressaltando a relacdo entre sociabi- lidade e politicidade e considerando a cultura popular genuinamente latino-americana. Sendo assim, é importante repensar o lugar que ocupam 0s sujeitos no trabalho profissional doa) assistente social sem despolitizé-los. ~articipagao popular’ Eimportante destacar como o debate tesrico e politico foi travado nas duas revistas aqui referenciadas, que comecaram a circular prati- camente no mesmo momento histérico. Se a primeira se originou das ideias desenvolvimentistas, cujo bergo original foi o Grupo ECRO, a segunda rapidamente se radicalizou, assumindo uma postura mais proxima e fiel as propostas reconceituadas. Esta, inicialmente pensada com 0 objetivo de socializar o debate internacional do Servigo Social (p: iamente norte-americano), considerado titil A América Latina, ANISTORIA PELO AVESSO 155 passou a publicar experiéncias e reflexdes latino-americanas. Nao abandonou, todavia, a seara fértil da modernizagao-conservadora. Caberia um estudo atual sobre o legado deixado por essas tradigdes no Servigo Social argentino. desafio que hoje se impde ¢ recuperar criticamente o legado construido para pensar 0 momento presente, articulando as ages profissionais progressistas atuantes no interior da prépria profissio, 0 trabalho interdisciplinar, as potencialidades e as limitagdes do Servic Social em tempos de retomada conservadora-reacionéria e crescimento da extrema-direita em escala planetaria. A particularidade argentina se inscreve na recente recusa a0 neoliberalismo encarnado nos qua- tro anos de governo macrista e na eleigo de uma ampla coalisio de centro-esquerda. A luta politicos e sociais (circuns- s & emancipacao politica) ¢ essencial. No horizonte, permanece 0 jetivo da emancipagdo humana de homens e mulheres. Seria este legado mais importante deixado pelos setores progressistas da re- ituagao latino-americana? cri conceit ALAYON, N. (ong). Tinbajo soci rcano: 40 afos de la Reconceptua- lizaciin. Buenos Aires: Espacio Editorial, 2005, CBCISS. Teorizagio do Servigo Social: documentos de Araxé, Teresépolis e Sumaré. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1986. FERNANDES, F, Sociedade de classes e subdeservotvinento, Rio de Janeiro: Zahar, 1968, FERNANDES, F. Capilalismo dependente e classes sociais na América Latina. So Buenos Aires, n. 1-4, 1965. 5-20, 1965-1970, Aires,

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