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Sumário

1. Fundamentos da Termodinâmica

1.1. Definições básicas

1.2. A primeira lei da Termodinâmica

1.3. Segunda lei da Termodinâmica

1.3.1. Ciclo de Carnot e entropia

1.3.2. Entropia, irreversibilidade e a segunda lei

1. Fundamentos da Termodinâmica
Este material é dedicado a dois assuntos principais: a descrição
termodinâmica de misturas e a descrição dos estados de equilíbrio de fase e
equilíbrio químico. Presume-se que o estudante tenha tido contato prévio com a
Termodinâmica Clássica, conhecendo assuntos como a primeira e a segunda leis,
ciclos de potência e refrigeração. Neste capítulo, são apresentados sucintamente
alguns conceitos relacionados a essa parte, para que possam ser revistos caso haja
necessidade.

1.1. Definições básicas


Como toda ciência, a Termodinâmica tem uma terminologia própria, um
conjunto de termos e expressões aos quais se empresta um significado específico.
Vamos definir brevemente alguns desses termos.
O conceito de sistema é comum a outras ciências – é uma porção do
universo considerada como objeto de estudo. O limite do sistema é chamado de
fronteira; vizinhança é a região do espaço contígua ao sistema. As fronteiras podem
ser:
a) rígidas ou móveis,
b) adiabáticas (que não permitem troca de calor), diatérmicas (que não oferecem
resistência à troca de calor) – ou, eventualmente, algo intermediário entre
esses extremos,
c) permeáveis ou impermeáveis,
d) reais (correspondendo a uma barreira física) ou imaginárias (concebidas para
efeitos de descrição de fenômenos).
O termo fronteira também pode ser aplicado à separação entre partes de um
mesmo sistema. Um sistema é simples caso não possua fronteiras internas, caso
contrário é chamado de composto. Um sistema cujas propriedades intensivas sejam
as mesmas em toda a sua extensão é qualificado de homogêneo. Uma porção
homogênea de um sistema (não necessariamente contínua) é chamada fase.
No que diz respeito a trocas de matéria e energia, os sistemas se subdividem
em três categorias. Sistemas abertos trocam matéria e energia com a vizinhança;
sistemas fechados trocam energia, mas não matéria, e sistemas isolados são os que
não trocam nem matéria nem energia.
Funções de estado são, como o próprio nome diz, propriedades do estado do
sistema1. Contrapõem-se às funções de estado as chamadas grandezas de interação
– termo que se refere às diversas maneiras com que as propriedades de um
sistema podem variar pela interação entre suas partes ou com a vizinhança.
As propriedades de um sistema podem ser intensivas ou extensivas. As
primeiras são propriedades que definem o estado do sistema: por exemplo,
temperatura e pressão. As segundas dependem da extensão do sistema, como a
massa e o volume. Propriedades intensivas podem ser obtidas a partir de variáveis
extensivas quando seu valor é dividido por alguma medida de extensão do sistema;
assim, o volume específico (razão entre volume e massa) de uma substância é uma
grandeza intensiva. Por definição, uma variável intensiva não depende da extensão
do sistema. Neste texto, expressam-se propriedades extensivas como F e
propriedades intensivas como F.
Duas propriedades intensivas independentes são necessárias para
descrever o estado de uma substância pura em um estado de agregação. Em geral,
essas propriedades são temperatura e pressão, ou temperatura e volume

1 Em Termodinâmica Clássica não se estudam usualmente os materiais com memória, em que o


estado em um determinado momento depende da história do sistema até aquele ponto.

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específico (ou densidade, ou volume molar).
As principais grandezas de interação, para a Termodinâmica, são o calor e o
trabalho. Dá-se o nome de trabalho à interação cujo efeito é equivalente à aplicação
direta de uma força capaz de produzir deslocamento, e calor à interação que
resulta na aproximação da temperatura de dois corpos inicialmente a
temperaturas diferentes quando colocados em contato.
Denomina-se máquina térmica um dispositivo capaz de trocar calor e
trabalho com sua vizinhança. As limitações a que uma máquina térmica está sujeita
constituíram o principal objeto de estudo da Termodinâmica em seus primórdios.
A finalidade da construção de máquinas térmicas pode ser, por exemplo, converter
calor (obtido, por exemplo, por meio da queima de um combustível fóssil) em
trabalho (energia útil, organizada).

1.2. A primeira lei da Termodinâmica


Ao contrário do que a maioria das pessoas acredita (e do que dizem alguns
textos didáticos), a primeira lei da Termodinâmica não é a equação de conservação
de energia – ela diz respeito à possibilidade de conversão de calor em trabalho e
vice-versa. Formalmente, pode-se escrever:
“A soma de todas as interações na forma de calor e trabalho em um sistema
fechado é igual à variação da energia interna desse sistema.”
Matematicamente:

𝛥𝑈 = ∑ 𝑄𝑖 + ∑ 𝑊𝑖 ( 1-1 )
𝑖 𝑖

ou, em termos diferenciais2:

𝑑𝑈 = ∑ 𝑑𝑄𝑖 + ∑ 𝑑𝑊𝑖 ( 1-2 )


𝑖 𝑖

Deve-se atentar que, conforme esta equação, o trabalho é positivo quando


realizado pela vizinhança no sistema, e negativo quando realizado pelo sistema na

2 Alguns autores evitam o uso de diferenciais para grandezas de interação. Trata-se de preciosismo:
mesmo livros de Análise Matemática usam dF para diferenciais inexatos. Categorias não devem ser
introduzidas sem estrita necessidade: Q e W são, por sua própria natureza, grandezas de interação,
e como tais, sempre vão depender do processo (ou do caminho).

1. Fundamentos da Termodinâmica 1.3


vizinhança. Entretanto, embora a relação acima seja exata, ainda resta o problema
de definir e quantificar as grandezas envolvidas.
Energia interna. A energia interna é a parcela de energia de um sistema que
é relacionada ao estado do sistema, mas não à sua posição ou sua velocidade. Ela
inclui a energia cinética das moléculas que compõe o sistema e a energia potencial
por meio da qual estas moléculas interagem, mas não inclui a energia cinética do
sistema ou as parcelas de energia potencial relacionadas a campos externos.
Fundamentalmente, a energia interna é independente de referenciais externos ao
sistema.
Trabalho. Há diversas maneiras de realizar trabalho, de modo que há
diversas maneiras de quantificá-lo. Em Termodinâmica, em grande parte dos casos
o trabalho ocorrerá por expansão ou compressão de gases, e esse trabalho é
facilmente quantificável. Da mecânica pode-se lembrar que trabalho é o produto da
força pelo deslocamento. De maneira geral, o trabalho realizado por um
determinado agente é:

𝑊 = ∫ 𝐅 ∙ 𝑑𝐳 ( 1-3 )

em que F é o vetor força e z é o vetor posição.


Consideremos um sistema formado por um gás submetido a uma expansão
ou compressão; consideremos que esse trabalho seja exercido pela aplicação de
uma pressão externa uniforme na fronteira do sistema. O trabalho realizado sobre
ele é:
𝐹
𝑊 = ∫ 𝐅 ∙ 𝑑𝐳 = − ∫ 𝑑(𝑧𝐴) = − ∫ 𝑃𝑒𝑥𝑡 𝑑𝑉 ( 1-4 )
𝐴
atentando ao sinal negativo advindo da convenção de que o trabalho realizado
sobre o sistema seja positivo, pois aumenta o conteúdo energético do sistema.
Deve-se notar que a pressão que aparece na expressão acima é a pressão externa: a
expressão corresponde ao trabalho realizado pela vizinhança no sistema.
Outras formas de trabalho incluem aquele realizado por forças de campo
(como a gravidade) e o chamado trabalho de eixo, como aquele realizado por uma
bomba ou compressor.
Calor. Enquanto o trabalho é uma grandeza comum à mecânica, o calor é

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uma grandeza própria da Termodinâmica. Historicamente, a quantificação do calor
iniciou-se por comparação de transformações – por exemplo, uma caloria (unidade
antiga e ultrapassada usada para quantificar trocas térmicas) é igual à quantidade
de calor capaz de fazer a temperatura de 1,0 g de água subir de 14,5°C para 15,5°C.
Essa impossibilidade de relacionar facilmente o calor a grandezas mecânicas levou
a algumas confusões no século XIX, cuja solução foi o enunciado da primeira lei.
De maneira geral, definem-se calores específicos, relações entre a
quantidade de calor trocada e a variação de temperatura sofrida pelo sistema em
um sistema fechado. Essa troca térmica pode ocorrer mantendo-se ou o volume ou
a pressão constante. No primeiro caso, estando ausente qualquer interação na
forma de trabalho, a primeira lei mostra:
𝑑𝑄 = 𝑑𝑈 ( 1-5 )
de maneira que:
𝑑𝑄 𝜕𝑈
| =( ) ( 1-6 )
𝑑𝑇 𝑉 constante 𝜕𝑇 𝑉
Define-se calor específico a volume constante como a relação acima
calculada por quantidade de matéria:
𝜕𝑈
𝐶𝑉 = ( ) ( 1-7 )
𝜕𝑇 𝑉
Caso a interação ocorra a pressão constante, é necessário levar em conta a
variação correspondente de volume. Nesse caso, deve ocorrer uma expansão ou
contração contra uma pressão externa equivalente (do contrário haveria uma
variação de volume até as pressões se igualarem) de maneira que se pode
escrever:
𝑑𝑄 = 𝑑𝑈 + 𝑃𝑑𝑉 ( 1-8 )
de modo que:
𝑑𝑄 𝜕𝑈 𝜕𝑉
| = ( ) +𝑃( ) ( 1-9 )
𝑑𝑇 P constante 𝜕𝑇 𝑃 𝜕𝑇 𝑃
Como a pressão é constante, pode-se escrever:
𝑑𝑄 𝜕(𝑈 + 𝑃𝑉)
| =( ) ( 1-10 )
𝑑𝑇 P constante 𝜕𝑇 𝑃

O termo 𝑈 + 𝑃𝑉 aparece em diversas outras ocasições em Termodinâmica,


e por isso se define entalpia (H) como a grandeza tal que:

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𝐻 = 𝑈 + 𝑃𝑉 ( 1-11 )
de modo que se define calor específico a pressão constante como:
𝜕𝐻
𝐶𝑃 = ( ) ( 1-12 )
𝜕𝑇 𝑃
Deve-se notar que as definições de calor específico envolvem somente
funções de estado e são, portanto, propriedades do sistema. Dessa maneira, o calor
específico a volume constante relacionará a variação da energia interna à
temperatura em qualquer situação – mesmo que a transformação específica a que
o sistema esteja sujeito não se relacione diretamente a uma troca de calor.
Finalmente, caso o sistema seja formado por uma única substância, o calor
específico é uma propriedade da substância, função de seu estado (temperatura e
pressão).
A primeira lei da Termodinâmica também se aplica a situações em que haja
fluxo líquido de matéria – ou seja, quando houver troca de matéria com a
vizinhança do sistema. Nesse caso específico, a primeira lei toma uma forma
distinta da encontrada anteriormente: ao eventual acúmulo de matéria
corresponde um acúmulo correspondente de energia interna.
A primeira lei para sistemas abertos tem a seguinte forma:
𝑑𝑈
= ∑ 𝑄̇𝑖 + ∑ 𝑊̇𝑖 + ∑ 𝑛̇ 𝑖 𝐻𝑖 ( 1-13 )
𝑑𝑡
𝑖 𝑖 𝑖

em que os valores de 𝑄̇𝑖 correspondem a taxas de troca de calor, os valores de 𝑊̇𝑖


correspondem a taxas de realização de trabalho (potência), e 𝑛̇ 𝑖 correspondem às
trocas de matéria. Por convenção o valor de 𝑛̇ 𝑖 é positivo para correntes afluentes e
negativo para correntes efluentes. Também é preciso cuidar que a entalpia de cada
corrente (𝐻𝑖 ) é calculada nas condições da corrente, para uma corrente afluente, e
nas condições do sistema, para uma corrente efluente.
É possível explicitar alguns termos a mais na expressão da primeira lei da
Termodinâmica, considerando contribuições específicas ao trabalho e à energia
interna. Muitos desses termos são desprezíveis na maior parte das situações
encontradas em uma indústria química, mas podem não o ser em outras ocasiões.
Além da variação na energia interna, calor e trabalho trocados podem
ocasionar variações na energia potencial gravitacional e na energia cinética do

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sistema; ademais, também é possível levar em conta componentes de energia
cinética e potencial gravitacional dos fluxos mássicos afluentes e efluentes:
𝑑
(𝑈 + 𝐸𝑘 + 𝐸𝑝 ) = ∑ 𝑄̇𝑖 + ∑ 𝑊̇𝑖 + ∑ 𝑛̇ 𝑖 (𝐻𝑖 + 𝐸𝑘,𝑖 + 𝐸𝑝,𝑖 ) ( 1-14 )
𝑑𝑡
𝑖 𝑖 𝑖

Para a maioria das aplicações da Termodinâmica clássica de fluidos, os


termos de energia cinética e potencial são desprezíveis.
Os problemas envolvendo apenas a primeira lei normalmente incluem a
determinação do estado final de um sistema após ser submetido a uma
determinada transformação (como troca de calor ou realização de trabalho) e a
determinação das trocas necessárias para que seja atingido um determinado
estado final.

1.3. Segunda lei da Termodinâmica


As leis da Termodinâmica surgem no contexto do estudo de máquinas
térmicas. Essas máquinas possuem um fluido de processo, executa um ciclo: recebe
calor (por exemplo, em uma caldeira), executa trabalho (ao passar em uma
turbina), cede calor e recebe trabalho para ser realimentado à caldeira, voltando ao
estado inicial.
Como o estado inicial é igual ao estado final, a variação de energia interna
do fluido de processo será igual a zero ao executar um ciclo. Isso quer dizer que a
soma de trabalho e calor trocados pelo fluido de processo será sempre igual a zero:

∑ 𝑄𝑖 + ∑ 𝑊𝑖 = 0 ( 1-15 )
𝑐𝑖𝑐𝑙𝑜 𝑐𝑖𝑐𝑙𝑜

ou, em termos diferenciais:

∮ 𝑑𝑄 + ∮ 𝑑𝑊 = 0 ( 1-16 )

O objetivo de uma máquina térmica é obter o máximo de trabalho a partir


de uma determinada quantidade de calor (que é obtido, por exemplo, pela queima
de um combustível em uma caldeira). Define-se rendimento de uma máquina como
a razão entre o trabalho líquido executado e o calor obtido da fonte de calor:
1
𝜂=− ∑ 𝑊𝑖 ( 1-17 )
𝑄𝑓𝑜𝑛𝑡𝑒 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑙𝑜𝑟
𝑖

1. Fundamentos da Termodinâmica 1.7


É lógico que o rendimento real de uma máquina vai depender de como ela
foi construída, se não há vazamentos, etc. Entretanto, existe uma limitação natural
ao rendimento – mesmo uma máquina perfeita não pode ter 100% de rendimento.
Essa limitação é consequência da segunda lei da Termodinâmica.
Existem diversas formulações para a segunda lei da Termodinâmica (o que
colabora para sua “má fama”). Em sua formulação mais simples, ela diz:
“É impossível haver um processo cujo único efeito seja a transferência de
calor de um corpo a uma determinada temperatura a outro corpo a uma
temperatura mais alta.”
Essa formulação da segunda lei tem um caráter até certo ponto intuitivo: se
colocarmos próximos dois corpos em temperaturas diferentes, o mais quente
tenderá a esfriar e o mais frio, a esquentar. O que a segunda lei diz é que é
impossível haver um processo que faça o contrário e não cause transformações em
outros corpos: é uma generalização de uma observação corriqueira.
A segunda lei tem várias consequências – ela limita não somente os
processos que tentam transferir calor de uma fonte fria a uma fonte quente, mas
também vários outros processos que, por combinação com outros possíveis,
produzam esse efeito. Um corolário do enunciado anterior é:
“É impossível haver um processo cujo único efeito seja a conversão em
trabalho de todo calor retirado de uma única fonte.”
Como é possível converter totalmente trabalho em calor, caso um processo
que convertesse todo calor em trabalho fosse possível, poderíamos retirar calor de
uma fonte fria, convertê-lo totalmente em trabalho, e converter esse trabalho em
calor cedido a uma fonte em temperatura maior, violando a segunda lei da
Termodinâmica.
Desse modo, qualquer processo cíclico que obtenha trabalho a partir do
calor cedido por uma fonte deve necessariamente ter uma etapa em que calor é
cedido a outra fonte. Chamamos fonte quente àquela que está em temperatura
maior, e fonte fria, obviamente, àquela em temperatura menor.
Para avançar na análise, define-se processo reversível. Um processo
reversível é simplesmente um processo que pode ser realizado em sentido inverso
(ou seja, em que o sistema passa pela sucessão inversa de estados, com calor e

1. Fundamentos da Termodinâmica 1.8


trabalho tendo seu sinal invertido). Algumas restrições devem ser respeitadas por
um processo reversível:
A troca de calor deve ocorrer sempre entre corpos à mesma temperatura. Se
houvesse no processo o aquecimento de um fluido frio por um fluido quente, o
processo inverso não aconteceria.
O trabalho de expansão e compressão deve ocorrer sempre em condições de
igualdade entre pressões interna e externa. Pela mesma razão, se um gás a uma
pressão maior se expande comprimindo um gás a pressão menor, o processo
inverso seria impossível.
Devem inexistir atritos e perdas mecânicas. O atrito sempre se opõe ao
movimento, qualquer que seja o sentido em que ele ocorre: se o atrito ocorre em
uma determinada etapa, se o processo for revertido o atrito ocorrerá em sentido
oposto, violando a definição de reversibilidade.
Um processo que obtenha calor de uma fonte quente, realize trabalho e
descarte calor para uma fonte fria pode ser, em princípio, revertido – um
refrigerador é um equipamento que justamente retira calor da fonte fria (interior)
e, empregando trabalho, descarta calor para a fonte quente (ambiente).
Uma primeira consequência do conceito de reversibilidade e da segunda lei
da Termodinâmica é:
“Todos os processos cíclicos reversíveis que operem entre duas fontes devem
ter a mesma eficiência.”
A razão para isso é que, se houver dois processos cíclicos irreversíveis
operando sobre as mesmas condições, mas com eficiência diferente, podemos
inverter o ciclo menos eficiente, e o resultado é um processo cujo único efeito é a
transferência de calor da fonte fria à fonte quente.
“Entre todos os processos cíclicos possíveis que operem sob as mesmas
condições, o processo reversível é o mais eficiente.”
O raciocínio para entender essa afirmação é semelhante: supomos que
exista um processo irreversível mais eficiente, invertemos o processo reversível, e
provamos que o resultado é a transferência de calor do fluido frio para o quente
sem outra transformação.
Finalmente, como corolário:

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“A eficiência de um processo reversível que opere entre duas fontes deve
depender somente das temperaturas dessas fontes.”

1.3.1. Ciclo de Carnot e entropia


Usando o conceito de reversibilidade, prova-se que a eficiência de processos
cíclicos reversíveis depende somente das condições do processo, e que o processo
reversível é o mais eficiente entre quaisquer outros possíveis. A questão agora é:
como calcular a eficiência de um processo reversível?
Carnot criou um ciclo reversível para o qual se pode calcular a eficiência. Ele
supôs um processo em que um gás ideal passasse pelas seguintes transformações:
a) Expansão isotérmica: o fluido de processo, na mesma temperatura (T1) da fonte
quente, dela recebe calor isotermicamente, em processo no qual ele se expande,
b) Expansão adiabática: o fluido de processo expande-se adiabaticamente até sua
temperatura diminuir até a temperatura (T2) da fonte fria,
c) Compressão isotérmica: o fluido de processo é comprimido isotermicamente em
T2, e nesse processo, calor é rejeitado para a fonte fria,
d) Compressão adiabática: o gás é comprimido adiabaticamente até a temperatura
T1 da fonte quente.
Esse processo é conhecido como ciclo de Carnot, em homenagem a seu
idealizador. Note-se que em cada etapa do processo somente transformações
reversíveis têm lugar, de maneira que todo o processo é reversível.
O cálculo da eficiência de um ciclo de Carnot é trabalhoso, mas o resultado é
simples:
𝑇1 − 𝑇2
𝜂= ( 1-18 )
𝑇1
Esse é o rendimento máximo possível de uma máquina térmica. Como
qualquer processo cíclico reversível tem o mesmo rendimento, seu valor não
dependerá do fato de um gás ideal ser ou não usado como fluido de processo: a
eficiência será a mesma para qualquer ciclo reversível que opere entre as mesmas
temperaturas.
Na busca pela maior eficiência, muitas vezes os pesquisadores imaginaram
diversos equipamentos que, quando corretamente analisados, seriam capazes de

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gerar trabalho: eram os chamados motos perpétuos. É costume classificar motos
perpétuos em dois tipos: os de primeira espécie funcionariam violando a primeira
lei da Termodinâmica (criando energia ex nihilo, ou seja, do nada), e os de segunda
espécie, que violariam a segunda lei (convertendo integralmente calor em
trabalho, ou operando com eficiência maior que a de um processo reversível).
Vamos analisar um pouco mais a expressão do rendimento de um ciclo de
Carnot. Pela primeira lei da Termodinâmica aplicada a esse processo:
𝑄1 + 𝑄2 𝑇1 − 𝑇2
𝜂= = ( 1-19 )
𝑄1 𝑇1
cujo rearranjo fornece:
𝑄1 𝑄2
+ =0 ( 1-20 )
𝑇1 𝑇2
o que sugere que, em um ciclo reversível, a razão entre o calor trocado e a
temperatura em que a troca de calor ocorre tenha um comportamento análogo à
variação de uma propriedade. Estendendo essa equação, pode-se verificar que em
um ciclo reversível em que calor seja trocado com n fontes, valerá a equação:
𝑛
𝑄𝑖
∑ | =0 ( 1-21 )
𝑇𝑖
𝑖=1 𝑟𝑒𝑣

e, tomando o limite de mudanças infinitesimais:


𝑑𝑄
∮ | =0 ( 1-22 )
𝑇 𝑟𝑒𝑣
ou seja, em qualquer ciclo reversível, a razão do calor trocado pela temperatura
conserva-se. Seguindo a sugestão dessa expressão, define-se uma função chamada
entropia.
Consideremos uma transformação qualquer em um sistema fechado. A
primeira lei da Termodinâmica diz que:
𝑑𝑈 = 𝑑𝑄 + 𝑑𝑊 ( 1-23 )
Se o sistema em questão está sujeito somente a trabalho de compressão ou
expansão, e se esse trabalho ocorre de maneira reversível:
𝑑𝑈 = 𝑑𝑄 − 𝑃𝑑𝑉 ( 1-24 )
pois nesse caso a pressão externa deve ser obrigatoriamente igual à interna. Dessa
expressão vem que:

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𝑑𝑄 𝑑𝑈 𝑃
| = + 𝑑𝑉 ( 1-25 )
𝑇 𝑟𝑒𝑣 𝑇 𝑇
Define-se entropia como a função S tal que, para uma substância pura ou
uma mistura de composição constante3:
1 𝑃
𝑑𝑆 = 𝑑𝑈 + 𝑑𝑉 ( 1-26 )
𝑇 𝑇
No caso de uma transformação reversível, tem-se:
𝑑𝑄|𝑟𝑒𝑣 = 𝑇𝑑𝑆 ( 1-27 )
No caso de um processo irreversível, desaparece essa relação direta entre
variação de entropia e calor trocado – da mesma forma como desaparece a relação
entre trabalho realizado e pressão do sistema.
Pode-se fazer uma analogia entre calor e trabalho e as funções de estado
envolvidas. A força motriz de um trabalho de expansão ou compressão é a pressão,
e o que ocorre na realização de trabalho é uma variação de volume. No caso do
calor, a força motriz é a temperatura, e a grandeza cuja variação está envolvida no
processo é a entropia:
𝑑𝑈 = 𝑇𝑑𝑆 − 𝑃𝑑𝑉 ( 1-28 )
Observemos que a entropia é indefinida a menos de uma constante aditiva.
Entre quaisquer dois estados, é sempre possível calcular a variação de entropia,
mas conforme essa definição, é impossível calcular o valor absoluto da entropia.
Também é preciso salientar a restrição de que a composição deve permanecer
constante: posteriormente veremos o que acontece quando a composição varia:
existe uma variação de entropia relacionada ao próprio ato de misturar duas
substâncias diferentes em uma mesma fase, mesmo que temperatura e pressão,
por exemplo, permaneçam constantes.

1.3.2. Entropia, irreversibilidade e a segunda lei


No desenvolvimento anterior pôde-se notar que a noção de entropia está
intimamente ligada à reversibilidade de uma transformação. De que maneira se

3 Rigorosamente, a definição envolve a hipótese de que o diferencial correspondente à equação que


define dS seja um diferencial exato. Isso pode ser demonstrado matematicamente para um gás ideal,
mas precisa ser assumido para outras substâncias.

1. Fundamentos da Termodinâmica 1.12


relacionam mais diretamente entropia, irreversibilidade e a segunda lei da
Termodinâmica – ou, em termos mais específicos, de que maneira se relaciona a
variação de entropia em um processo com sua irreversibilidade?
Pode-se provar que, em uma troca pura de calor, a entropia total (sistema +
vizinhança) aumenta no caso de um processo irreversível, e mantém-se constante
no caso de um processo reversível. A generalização dessa observação constitui um
enunciado mais abrangente da segunda lei:
“Em qualquer processo, a entropia total do sistema e de suas vizinhanças não
pode diminuir, mantendo-se constante somente no caso de processos reversíveis.”
Esse é um enunciado mais geral do que os apresentados anteriormente, pois
não faz menção a trocas de calor ou execução de trabalho, nem fontes de calor, e
pode-se, a partir dele, demonstrar os outros; por essa razão, ele será usado
doravante.
Por que em um processo reversível a variação de entropia total deve ser
nula? Porque, por definição, se um processo é reversível seu inverso tem de ser
possível. Se a entropia total em um processo aumenta, no processo inverso a
entropia total diminuiria (pois ela é uma função de estado), o que não pode
acontecer por esse enunciado da segunda lei.
Esse enunciado da segunda lei abre caminho a que se possam estudar
processos de maneira mais geral. A primeira consequência é o fato de se poder
relacionar entropia e troca de calor para um corpo independentemente de sua
vizinhança. Uma consequência é que existe um limite superior à quantidade de calor
que um corpo pode absorver em uma determinada mudança de estado. O limite
superior impede a conversão completa de calor em trabalho, a ausência de limite
inferior não impossibilita a conversão completa de trabalho em calor. Integrada em
um ciclo qualquer:
𝑑𝑄
∮ ≤0 ( 1-29 )
𝑇
em que igualdade vale no caso de um processo reversível.
Uma consequência desse enunciado é o chamado teorema do trabalho
máximo:
De todos os processos que levam um sistema de um estado a outro, o trabalho

1. Fundamentos da Termodinâmica 1.13


máximo possível de ser realizado pelo sistema é aquele dado por um processo
reversível.
É possível mostrar que todos esses enunciados são equivalentes.
Finalmente, como a entropia é uma grandeza que, de maneira geral, não se
conserva, pode parecer estranho falar de um balanço de entropia. Na verdade, um
balanço de entropia é útil em permitir inferências sobre a possibilidade de um
processo ser ou não factível. No caso de sistemas abertos, observa-se que a
entropia pode variar a) pela troca térmica, b) pela entropia de cada corrente
afluente ou efluente, e c) pela possibilidade de que entropia seja gerada dentro do
sistema. Assim, pode-se estender a equação anterior para incluir a troca de
entropia associada à troca de matéria:
𝑑𝑆 1
= ∑ 𝑄̇𝑖 + ∑ 𝑛̇ 𝑖 𝑆𝑖 + 𝑆̇ 𝑔 ( 1-30 )
𝑑𝑡 𝑇
𝑖 𝑖

O termo de geração de entropia não pode ser negativo, sendo nulo apenas
para transformações reversíveis.

1. Fundamentos da Termodinâmica 1.14

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