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Vinícius Neder
Não será uma crise com “hiperinflação” – no último dia 9, o ministro da Economia,
Paulo Guedes, disse que o Brasil pode “ir para uma hiperinflação muito
rápido” se não rolar a dívida pública satisfatoriamente –, mas uma pressão que
aumenta aos poucos, numa “degradação permanente”, diz Pessôa. A saída para
evitar o pior, segundo o pesquisador, é manter o teto dos gastos públicos (regra
que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior), aprovar a proposta
de emenda constitucional (PEC) que cria os gatilhos de corte de despesas,
permitindo o cumprimento do teto, e aprovar uma reforma
administrativa abrangente.
O limite é dado pelo tamanho da dívida (pública), pelo que se considera ser o custo
dessa dívida a médio prazo e pelo que achamos que é capacidade de crescimento da
economia. Esses três parâmetros vão determinar qual o superávit que o Estado
precisa para manter a dívida estável e até diminuí-la. Com uma dívida de 100% do
PIB (Produto Interno Bruto) e um custo de capital (juros) de 4% (ao ano), se a
economia cresce 2%, essencialmente, o superávit primário tem de ser 2% do PIB
para estabilizar a dívida. Só que um país emergente com uma dívida de 100% do
PIB precisa fazer essa dívida diminuir. Um superávit de 2% está no limite, é
arriscado. Na verdade, em algum momento o superávit vai ter de ser mais próximo
de 3%. Isso dá uma ideia do esforço fiscal.
Podemos dizer que temos alguma folga, porque o desemprego está muito
elevado. Por isso, a taxa de juros está bem mais baixa e o crescimento da
economia, durante alguns anos, vai ser mais alto. Há um horizonte de dois anos
pela frente em que a conta (da estabilização da dívida pública) não será desse jeito
que eu fiz. Vamos ter um custo médio da dívida menor do que o crescimento
econômico. Isso dá um fôlego. Agora, se não quisermos fazer uma política fiscal
conservadora, contracionista, para produzir esse superávit e colocar a dívida em
trajetória de queda, é melhor desistir de combater a inflação.
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Samuel Pessôa
Pesquisador do Ibre/FGV
Físico com doutorado em economia pela USP, Samuel Pessôa é chefe do Centro de
Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (Ibre/FGV) e sócio-diretor do Julius Baer Family Office. Também é
professor assistente da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV, no
Rio.
Se a dívida é muito alta, e o governo não está fazendo uma política fiscal para
estabilizar a dívida, quando começa a ter inflação, o Banco Central (BC) tem de
subir juros. A subida de juros contém a demanda (e, assim, arrefece a inflação, já
que os preços sobem quando há mais demanda do que oferta de bens e serviços).
Mas tem um elemento da subida de juros que não contém a demanda. O juro é
renda para alguém, para os detentores da dívida pública. Quando sobem os juros, a
renda dos detentores da dívida pública aumenta. Esse efeito, em geral, é
pequenininho, quando a dívida pública não é muito grande, porque, em geral, os
governos lançam títulos em que os juros estão pré-fixados. Assim, quando o BC
sobe o juro para combater a inflação, o título já emitido tem a mesma taxa. Só nos
novos títulos emitidos no período em que os juros ficarem mais altos (para
combater a inflação) é que vai incidir uma taxa maior. Se no período em que os
juros estiverem mais altos a quantidade de títulos que o governo precisar emitir for
pequenininha, não tem nenhum efeito. Agora, suponha um país que emite uma
parte grande de seus papéis pós-fixados (quando juro do título da dívida pública é
igual à taxa básica, seja ela qual for). É o nosso caso.
● O que acontece?
Quando sobem os juros, imediatamente, a renda do cara que tem papel (e não só de
quem compra títulos novos) aumenta. Suponha, além disso, que o prazo médio de
vencimento da dívida pública é curto. Em um ano, o governo tem de refinanciar
30% da dívida. Se ficarmos um ano combatendo a inflação com juros mais altos,
uma parte grande da dívida vai ser renovada com juro mais alto e, depois de um
ano, já estamos gastando um dinheirão para remunerar aquela dívida. Se além de
tudo a dívida é grande, esse efeito de aumentar a renda do setor
privado (investidores da dívida pública) quando sobe a taxa básica de juros passa a
ser muito importante. Aí, a política monetária perde a capacidade de ser a
reguladora da demanda agregada. Nessa hora, o BC aceita a inflação, não tem mais
como combater. Nessa hora, estamos naquilo que chamamos de “dominância
fiscal”.
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Não gera uma crise. Gera uma degradação permanente da conjuntura econômica. A
inflação começa a subir, o BC não pode combater essa inflação, e ela vai subindo.
Explode como hiperinflação? Acho que não, não explode. O processo de reinflação
de uma economia é suave, é persistente, pode ser até meio rápido, mas não é
descontínuo (com ruptura), principalmente para uma economia que tem tantas
reservas como a brasileira. As reservas amortecem os choques.
Não é. O quadro que o ministro descreveu seria válido para a situação que tínhamos
em 1998, quando uma parte grande da dívida era denominada em dólar. Ou em
2002, um quadro de aceleração inflacionária mais rápida. Para haver
descontinuidade, o país tem de ter muitos passivos denominados em dólar.
Uma parte significativa desse choque inflacionário de alimentos tem como origem a
desvalorização do câmbio (alta do dólar) este ano. O câmbio está desvalorizando
desde janeiro de 2018 e não teve pressão inflacionária, não teve repasse cambial.
Por que agora está tendo? O que importa para saber se vai ter repasse cambial, além
do desemprego, já que numa economia com muito desemprego o repasse é sempre
menor, é a natureza do choque cambial. Esse fator, para o Brasil, é até mais
importante do que o mercado de trabalho. Há dois tipos de choque cambial. O
Brasil é um grande exportador de commodities (matérias-primas com cotação
internacional). Vamos supor que, em três meses, as commodities têm um aumento
de 30%. Numa economia com câmbio flutuante, naturalmente, há uma
compensação: se as commodities ficaram mais caras em 30%, o câmbio vai se
valorizar (o dólar vai cair) em 30%. E vice-versa. As commodities perdem valor, o
câmbio desvaloriza (o dólar sobe). Esse mecanismo acontece quase
automaticamente, pela operação do mercado financeiro. É uma das maravilhas do
câmbio flutuante, porque protege a inflação brasileira das oscilações das
commodities no mercado internacional. Nesse caso, não tem repasse cambial,
porque quando desvaloriza o câmbio (o dólar sobe), aquela desvalorização está
compensando um monte de commodities que ficaram mais baratas. Por isso,
muitas vezes, o câmbio anda muito e não tem nenhum repasse.
O que está gerando agora a desvalorização do câmbio foi a covid, o choque externo,
que atinge todas as outras moedas de países emergentes. Só que a nossa moeda se
desvalorizou mais. Tem uma componente da desvalorização brasileira que é um
problema doméstico, de natureza política, associado à dificuldade de resolver o
nosso problema fiscal. Isso bate no câmbio. Nos últimos dois trimestres, era para o
câmbio ter se valorizado (o dólar ter caído), porque as commodities ficaram mais
caras no mercado internacional. Pelo mecanismo de compensação, o câmbio
deveria ter se valorizado para compensar, mas não só ele não valorizou como a
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É, o câmbio não vai a R$ 10. Com muitas reservas, tem um limitador. O câmbio vai
se desvalorizando aos pouquinhos. Com muita dívida em dólar, o processo se
retroalimenta. Com ativos (reservas internacionais) em dólar, o processo não se
retroalimenta, porque, conforme se valoriza o dólar, a sua dívida (pública) cai. E
isso ameniza o problema.
Samuel Pessôa
Estamos fazendo o que todos os países fizeram. O problema é que fizemos mais do
que os outros e o nosso ponto de partida era pior do que os outros. Evidentemente,
as pessoas (investidores) estão menos preocupadas com o endividamento em todo
mundo, porque todos entendem que a natureza do choque é externa. Agora, o Brasil
é dos que estão na pior situação. Fomos provavelmente o emergente que mais
gastou por conta da pandemia e nosso ponto de partida era um dos piores.
Se tirar o teto, o câmbio vai para R$ 7,00 ou R$ 7,50. O teto está funcionando,
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muito. Está funcionando na sua função de economia positiva, que é dar uma âncora
para a restrição orçamentária do setor público. É a garantia de alguma solvência
para o setor público. Isso ajuda a manter os riscos mais baixos. Agora, o teto tem
também uma função de economia política. É auxiliar a sociedade a resolver o
conflito distributivo. Isso está funcionando. Aprovamos a reforma da Previdência.
Se o governo não fosse tão inepto na liderança, já teríamos aprovado mais coisas.
Agora, nada impede que se troque o teto por outro teto, outra regra fiscal, mas,
antes de mexer no teto, temos de construir outra âncora. Antes de fazer um novo
teto para gastar mais, temos de aprovar no Congresso novos impostos. Pode até ter
um ano de defasagem para os novos impostos entrarem, mas tem de aumentar a
capacidade arrecadatória. O problema fiscal é termos regras que obriguem o gasto
público a subir mais do que o PIB sistematicamente. O teto só impõe uma trava
nesse processo, de uma maneira muito grosseira, porque trava tudo, mas tem de ser
grosseiro mesmo, exatamente para gerar uma economia política favorável à
mudança.
Samuel Pessôa
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● É possível reequilibrar as contas sem tirar dos pobres para dar para
os paupérrimos?
Expediente
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