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Identidade Gastronomica Patrimonio Imaterial Do Oeste Catarinense
Identidade Gastronomica Patrimonio Imaterial Do Oeste Catarinense
Cristiane Tonezer
238 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
RESUMEN
Revista do Programa de
La cultura de los pueblos está ligada a la alimentación y para Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia
entender su diversidad y especificidad se vuelve imprescindible da UFES
recuperar los aspectos históricos, visitar el pasado y traer los Janeiro-Junho, 2018
ISSN 2175-3709
hábitos, costumbres y las creencias de cada etnia. Este estudio
tiene como objetivo rescatar la memoria gastronómica de las
etnias formadoras del Oeste de Santa Catarina. Como metodología
se utilizó la investigación-acción, donde además de la revisión
de la literatura se buscó describir las acciones de un proyecto de
extensión denominado PATRIMONIO GASTRONÓMICO. Como
resultado se llegó a los ingredientes clave de cuatro etnias: italiana,
alemana, cabocla y polaca y a partir ellos se creó un nuevo plato
que representa a todas ellas, el Revirado.
Palabras-Clave: Cultura; Etnia; Alimentación
1.INTRODUÇÃO A gastronomia de
uma população está ligada à
O ato da alimentação, sua cultura, tradições, oferta
além de ser biológico, é uma de ingredientes e experiência
ação que exige diferentes culinária de seu povo. A cultura
técnicas, manejos e práticas, é um processo dinâmico
constituindo um processo que constrói a identidade
social e cultural (SONATI, permanente dos sujeitos,
VILARTA, SILVA; 2009). suas adaptações e registros.
Alimentar-se não somente Através da cultura de um povo,
define a história do alimento um patrimônio imaterial se
como a de quem o consome. A estabelece e delimita aquela
cultura dentro da gastronomia população e sua história
diferencia povos e costumes, (BURKE, 2006).
já que o alimento pode O Brasil é um país
demonstrar o modo de viver com uma enorme variedade
de uma população. Sabe-se que de etnias, culturas, crenças
além do alimento e das técnicas e valores que estabelecem e
envolvidas, a gastronomia criam suas raízes em diferentes
pode ser entendida também regiões do território brasileiro
como cultura, história de um (DÓRIA, 2014). A cultura
povo, momentos de união e e a história dos povos estão
alegria, confraternização entre ligadas à alimentação e para
famílias e amigos. Através dela entender toda a diversidade e
são desenvolvidos princípios especificidade da gastronomia
científicos alicerçadas nas tornam-se imprescindíveis
descobertas e experiências resgatar os hábitos, costumes e
que visam equilibrar sabores e as crenças de cada etnia e qual
ingredientes aliando o resgate o legado deixado pela etnia na
da memória e da identidade formação da cultura em cada
gastronômica dos grupos região brasileira.
étnicos (DÓRIA, 2014). A região oeste
catarinense também tem
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sua história traçada pela das etnias cabocla e italiana que
miscigenação de povos, onde trouxeram em seu cotidiano
Revista do Programa de a mistura de raças permitiu herança cultural e gastronômi-
Pós-Graduação em Geografia e firmar a identidade da sua ca (RENK, 1991).
do Departamento de Geografia
da UFES cultura, tradições e experiências Os descendentes das
Janeiro-Junho, 2018 culinárias e alimentares mais diversas etnias acabaram
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(PIAZZA, 1994). A população formando comunidades e den-
oeste sofreu as mais variadas tro destas existem algumas ini-
influências na gastronomia ciativas de preservação e divul-
por intermédio das etnias gação das tradições culinárias
italiana, alemã, polonesa e e culturais, percebe-se a mo-
cabocla (VICENZI, 2008). Esse tivação em algumas situações
hibridismo cultural presente em se manter o legado que vem
nesta região se caracteriza sendo transmitido por gerações
pela mistura da cultura que através das etnias. Imigrantes
influencia hábitos e costumes. europeus tinham na força do
A presença de diferentes etnias trabalho o ideal da preservação
numa região estabelece mistura da família, costumes religio-
de cultura e hábitos alimentares sos e alimentares, diferente da
democráticos que determinam população cabocla que apre-
a gastronomia regional daquele sentava hábitos e características
lugar. Italianos, alemães, distintas, como por exemplo, a
poloneses e caboclos são baixa inserção destes no merca-
caracterizados como grupos do econômico, seminomadís-
étnicos presentes e marcantes no simo e trabalho coletivo não
oeste catarinense, responsáveis apenas entre os membros da
pela gastronomia praticada na família, mas também entre
região. Esses grupos étnicos, vizinhos e conhecidos. Desta
segundo Dorigon (2015, p. forma devido à grande par-
40) consistem em um grupo ticipação destas etnias na for-
populacional que “se perpetuam mação da região, pretende-se
por meios biológicos e valorizar e reconhecer parte de
partilham de valores culturais sua cultura retratada pela gas-
fundamentais”. tronomia (FARINA, 2006).De
A cultura e a história uma forma geral este mapea-
dos povos estão ligadas, além de mento das etnias e seus hábitos
outros fatores, à alimentação e e costumes será um documento
para entender toda a diversidade importante para registro e con-
e especificidade da gastronomia tribuição para o desenvolvi-
tornam-se importante resgatar mento regional.
os aspectos históricos deixado Os resultados e dis-
por cada etnia na formação da cussões deste artigo estão in-
cultura do oeste catarinense. seridos em um projeto maior
O oeste catarinense de extensão da Universidade
passou por disputas de fron- Comunitária da Região de
teiras e configurações territo- Chapecó - UNOCHAPECÓ
riais acolhendo posseiros que denominado Patrimônio Gas-
passaram habitar a região (VI- tronômico da Região Oeste de
CENZI, 2008). Recebendo as- Santa Catarina. Deste 2015,
sim, inicialmente, influência este projeto é considerado
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instruções que governam o O ato de se alimentar
comportamento humano. Então delimita as fronteiras de
Revista do Programa de pode-se afirmar que nossos identidade entre os grupos
Pós-Graduação em Geografia e hábitos alimentares fazem parte humanos de uma cultura ou
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da UFES de um sistema cultural repleto outra, mas também no interior
Janeiro-Junho, 2018 de símbolos, significados e de uma mesma cultura, entre
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classificações, de modo que os membros que a formam,
nenhum alimento está livre no interior de uma mesma
das associações culturais sociedade, a alimentação
que a sociedade lhes atribui. desenha os contornos dos
Para Menasche et al grupos sociais. Certos alimentos
(2008, p.153), “a comida fala podem ser atribuídos a um
da família e da comunidade. grupo social e rejeitados por
Temperando tradições, a outros (POULAIN; PROENÇA,
comida atualiza identidades, 2003).
ao mesmo tempo em que Segundo Rocha (2010,
sua hibridização evidencia p. 01) a comida exerce um papel
a proximidade, material e fundamental para se pensar
simbólica entre campo e cidade”. a trajetória das mais distintas
Conforme Lévi-Strauss sociedades, pois ao longo da
apud Poulain e Proença (2003, p. história, ela esteve relacionada
08) a cozinha é “uma linguagem a diferentes transformações de
na qual cada sociedade codifica ordem social, cultural, política e
as mensagens que lhe permitem econômica, revelando-se como
significar ao menos uma um dos instrumentos para se
parte do que essa sociedade compreender algumas questões
é”, ainda segundo o sociólogo que permeiam a própria
Lévi-Strauss, a cozinha é um condição humana.
conjunto de ações técnicas, A comida pode ser vista
de operações simbólicas e como um importante meio
de rituais que participam da para se comunicar valores,
construção da identidade sentidos e identidades. Comer
alimentar de um produto é um ato simbólico que não
natural e o transformam em está restrito à necessidade
consumível. de se suprir nutrientes. As
A comida faz parte de profundas transformações em
um universo complexo que ex- nível global vêm alterando
cede as suas funções biológi- profundamente os padrões
cas, para alçar-se como um elo alimentares; a intensificação
significativo na constituição das trocas culturais, reconfigura
identitária dos diferentes povos. os repertórios alimentares
O alimento serviu de impulso e também o seu consumo.
às grandes transformações so- Neste contexto, assim como
ciais ao longo da história. Neste um elemento-chave para a
mundo cada vez mais globaliza- constituição de identidades, a
do, há uma intensificação das comida pode ser pensada como
trocas culturais e econômicas, o um meio de comunicação
que determina uma reconfigu- (ROCHA, 2010, p.04).
ração dos padrões alimentares Conforme Rocha
e do seu consumo (ROCHA, (2010) a comida também se
2010, p.06).
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como emblema aglutinador bém é recorrente talvez até em
de um tipo de comensalidade, maior intensidade.
Revista do Programa de um saber especial e um gosto O embasamento teóri-
Pós-Graduação em Geografia e compartilhado que evoca sen- co científico permitiu o início
do Departamento de Geografia
da UFES sações intransferíveis. Além da catalogação de pratos e in-
Janeiro-Junho, 2018 disso, temos que considerar a gredientes típicos e comuns da
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identidade alimentar na sua região, para tanto utilizou-se
dupla dimensão biocultural, artigos científicos, livros locais
como complexo gustativo e documentários que tratavam
compartilhado por um grupo da cultura culinária regional.
e como um universo simbóli- As técnicas para cole-
co interiorizado que informa ta de dados à campo deram-se
àqueles que o compartilham os através de observação e diálo-
limites entre a cultura e a na- go com os moradores, histori-
tureza, entre o que é próprio e adores e escritores na cidade
o que é distante (PONS, 2005, de Chapecó os diálogos foram
p.103). analisadas a partir da análise de
discurso. Buscou-se perguntar
3.METODOLOGIA aos participantes o significado
de cada alimento e ingrediente
Caracterizada como ao longo da história. Os critéri-
pesquisa-ação a metodologia os de seleção foram: ter nascido
baseou-se na compreensão do na região oeste de Santa Catari-
estudo na prática, ou seja, pro- na; se auto denominar caboclo,
curou-se unificar o estudo à italiano, alemão ou polonês;
ação. A pesquisa-ação pode ser aceitar assinar o Termo de Con-
considerada uma metodologia sentimento Livre e Esclarecido
investigativa que objetiva en- e ser maior de idade. A seleção
contrar a relação teórico práti- foi realizada através da bola de
ca do objeto de estudo, “tra- neve, ou seja, após um primeiro
ta-se de uma metodologia de participante, escolhido de for-
pesquisa na qual há interação ma aleatória, este indicava
entre pesquisadores e pessoas outro e assim sucessivamente,
implicadas na situação investi- buscou-se contemplar todas as
gada com o objetivo de resolver etnias - italiana, alemã, cabocla
ou esclarecer o problema em e polonesa.
questão e cujo processo favorece Dentre as ações desen-
o aumento do conhecimento volvidas no decorrer da pesqui-
de todas as pessoas envolvidas sa, destaca-se a criação de um
no processo” (COLETTE et al, novo prato que contemplasse
2014, p. 57). e valorizasse as culturas alemã,
O campo de estu- italiana, polonesa, indígena e
do e ação foi o município de cabocla, considerando os ele-
Chapecó, este considerado mentos originais de cada cu-
município polo da região oeste linária e agregando as técnicas
de Santa Catarina. Destaca-se da gastronomia. Os testes foram
que diariamente um fluxo in- realizados em laboratório do
tenso de pessoas se deslocam curso de gastronomia da Uni-
de Chapecó para outros mu- versidade Comunitária da
nicípios, o sentido oposto tam- Região de Chapecó – UNO-
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Estes fatos ocorreram para seu chimarrão, que sempre
por volta do início do século foi seu companheiro e presente
Revista do Programa de XX, em consequência da na sua vida. Para fazer a cuia,
Pós-Graduação em Geografia e expansão colonial procedente plantavam a matéria prima,
do Departamento de Geografia
da UFES do Rio Grande do Sul, os chamada porongo, e usavam
Janeiro-Junho, 2018 colonizadores que chegavam à a parte extrema e mais fina,
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região obrigavam os caboclos a retiravam as partes internas
venderem suas terras afirmando e durante alguns dias eram
que estes não eram capaz de colocadas cinzas e água quente
aproveitá-la (AURAS, 2001). a fim de retirar o amargor. E
O caboclo segundo para que ela tivesse um aspecto
a definição de Poli (1987), visual sempre bonito, passavam
é aquele indivíduo mestiço, externamente a gordura de
resultante da miscigenação do porco e a colocavam ao sol,
branco com o índio, que habita assim obtinha uma aparência
casas de pau-a-pique e barrote e envernizada, este método
dedica-se ao cultivo de cereais. também garantia que a cuia
Para Alba (2002), a população tivesse maior durabilidade
de caboclos era o excedente (POLI, 2002).
da população das fazendas de Plantavam em suas
gado e emigrantes de outras terras, cereais, principalmente
áreas do país, que começaram o milho e o feijão sendo apenas
o povoamento rarefeito em para o consumo próprio. Para
diferentes locais e regiões, cozinhar era comum que a
antes da chegada de imigrantes. cocção fosse diretamente ao
Outro significado comum para fogo, para isso faziam um
o termo caboclo são os de índio suporte com pedras ao redor
aculturado, mestiço de branco do fogo, o qual servia de base
com índio, pessoas de pele para à panela. Para acelerar o
acobreada e cabelo liso, pessoas cozimento, eles cobriam a batata
de origem rural (BENJAMIN, doce, milho verde ou abobora
2010, p. 36). com palha e brasas (RENK,
Os caboclos que 1991). Após a chegada dos
habitavam a área, usavam o colonizadores europeus vários
sistema de rotação de terras, hábitos sofreram alterações
pois quando a terra ficava entre eles os alimentares,
improdutiva, passavam a outro sendo que alguns até foram
mato, derrubavam as árvores abandonados, devido as novas
e faziam queimadas, assim o tecnologias trazidas, como
espaço ficava limpo e poderiam por exemplo, a substituição do
começar uma nova plantação. trempe feito de arrame, onde
Nesse novo local, construíam embaixo era feito o fogo, pelo
seus casebres, que eram feitos fogão a lenha (RENK, 1999).
de finos troncos e cobertos por O pão foi um alimento
folhas de bambu ou muitas recente na dieta dos caboclos,
vezes, de lascas de pinheiro. pois o trigo veio a ser plantado,
Não havia ambição, quando o colhido e manufaturado depois
sol surgia entre as montanhas, da chegada dos imigrantes, que
o caboclo já estava com o fogo trouxeram consigo as técnicas
nas lenhas, aquecendo a água de moinhos. O mais comum
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Colonizadoras foram as condições de acomodações,
responsáveis pela imigração higiene e alimentação.
Revista do Programa de das etnias italianas, alemãs e Segundo Piazza (1994),
Pós-Graduação em Geografia e polonesas. Elas dispunham a chegada dos italianos ao oeste
do Departamento de Geografia
da UFES dos Títulos de Posse das terras catarinense deu-se pelo estado
Janeiro-Junho, 2018 e incentivos do governo que do RS em torno de 1916. Após
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anunciavam uma política a longa viajem até o Brasil e
de povoamento e ocupação posterior deslocamento até o
oferecendo infraestrutura como estado do Rio Grande do Sul,
ruas traçadas, lotes urbanos enfrentaram mais um longo
demarcados, escolas e igrejas. trajeto até o oeste de Santa
(HASS, 2007). Catarina.
A colonização europeia Os pequenos terrenos
alterou os modos de vida do adquiridos, também chamados
oeste catarinense, redesenhando de lotes significavam a busca
aspectos culturais, religiosos de um bem estar econômico,
e culinários. A vinda dos social e familiar. Os hábitos
europeus confrontou os e cultura europeia eram
hábitos alimentares dos muito distintos dos povos
índios e caboclos da região, instalados na região ocupada.
transformando a gastronomia. Os migrantes não aceitavam a
Ao discorrer sobre forma que os caboclos viviam,
a imigração italiana para o trabalhavam e se alimentavam.
Brasil, destaca-se que estes A forma da produção,
começaram a emigrar da Itália armazenamento e comercio
em torno do século XIX devido geram conflitos e preconceitos
à crise governamental instalada (DE BONI, 1983). As terras
naquele país que estabelecia adquiridas pelos imigrantes
altos impostos, deixando muitos estavam identificadas em
moradores sem propriedades. documentos entregues pelas
Diante disso, o povo italiano colonizadoras e os caboclos,
encontrou na imigração a indígenas moradores do oeste
solução para uma vida mais não tinham documentos das
digna e segura. Segundo Baldin terras habitadas, diante disso, as
(1999) entre os anos de 1875 colonizadora scolocavam seus
e 1880 circularam panfletos, capatazes e homens de confiança
jornais, agentes de viagem e à disposição, encarregados de
imigração e conferencistas zelar pelas terras vendidas,
a serviço das Companhias muitas vezes expulsando índios
Estrangeiras de Imigração e caboclos de suas moradas
Europa, principalmente pela (DALL ALBA, 1983). Diante da
Itália e a Alemanha, desenhando situação instalada, os italianos
a América em cores douradas regularizavam o poder sobre
e, especificamente, o Brasil o território, conferindo o
como uma terra tropical direito legal e impedindo a
riquíssima. Assim, as famílias reinvindicação dos caboclos e
italianas venderam suas terras indígenas.
e embarcaram em uma viajem Os italianos tentaram
que poderia durar de 30 à 60 de todas as formas manter
dias em navios lotados sem sua identidade cultural, seus
hábitos culinários, sua religião
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copa e torresmo, quase tudo com batata cozida na água),
era aproveitado, até mesmo galinhada, macarronada,
Revista do Programa de os miolos eram cozidos polenta e salada (HIRSCH,
Pós-Graduação em Geografia e na frigideira com banha, 2005).
do Departamento de Geografia
da UFES temperados com sal e pimenta O habito de tomar
Janeiro-Junho, 2018 ou até fritos. A banha era obtida vinho, por algum tempo passou
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através da fritura de pedaços de por restrições, pois os vinhos
carne rendendo-lhes inúmeras comercializados aqui eram de
latas, sendo possível algumas má qualidade e caros, levando
vezes até comercializar o o imigrante italiano a começar
excedente, usavam banha em suas próprias plantações de
todos os preparos, e também uva. O colono recém-chegado
a manteiga. Frituras eram em 1875 não trouxe mudas de
muito apreciadas nas refeições videiras para iniciar o cultivo,
e também em lanches, como porém, devida a paixão pela
grostolli, uma massa doce, viticultura, buscou contato
que proporcionava alegria ao com agricultores alemães já
consumido, era uma forma de instaladas nas terras gaúchas
premiar o trabalho ao final do desde 1824 e algum tempo
dia (PICOLI, 2011). já cultivavam uma variedade
De manhã, alguns da uva Isabel, para consumo
bebiam o café, mas o mais próprio. No início, cultivaram
consumido era uma mistura para o consumo da família,
de chá de erva mate com leite, pequenos vinhedos, devido
acompanhava-se muitas vezes à fertilidade do solo virgem,
com a fortaia, mistura do salame, a umidade e o sol quente do
ovos e queijo juntamente com verão fizeram de frutificação
a polenta brustolada, feita abundante (PIAZZA, 1994).
da sobra do dia anterior. O A culinária italiana
almoço nos dias de trabalho rapidamente influenciou
era na lavoura, onde levava-se as outras etnias da região e
o alimento em cestas por eles também recebeu influência dos
mesmos confeccionadas, assim que aqui já estavam instalados.
como seus chapéus. Nelas havia Na gastronomia, a cultura logo
polenta, radicci, vinho, pão, ovos contagia a alimentação do
fritos, salame, algum pedaço de outro e logo um bem imaterial
carne, e algumas vezes arroz. começa ser registrado.
Em casa comiam feijão, sopa de Assim como a cultura
feijão muitas vezes acrescentada italiana, a cultura alemã
com macarrão, ou até batatinha também chegou ao Brasil através
ou abóbora. A noite também da colonização e imigração
tinham o costume de fazer de povos vindos da Europa.
polenta para o café da manhã Implantada no país desde
do dia seguinte. Uma sopa 1818, a colonização estrangeira
com massa geralmente era o começou com a fundação da
jantar dos italianos no período colônia suíça no Rio de Janeiro
colonial. Aos domingos a com a autorização de D. João
comida variava, porém era VI (ROCKENBACK, 2004). O
feito apenas um prato, como governo brasileiro investiu na
agnoline, nhoque (massa migração de imigrantes alemães
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por exemplo, a participação férteis, os grupos de poloneses
da batata inglesa e do repolho da segunda ou terceira geração
Revista do Programa de fermentado (chucrute) em suas decidem então, migrar para
Pós-Graduação em Geografia e preparações (MENASCHE, Santa Catarina, conhecida pela
do Departamento de Geografia
da UFES 2007). sua fartura (JADWISZAK,
Janeiro-Junho, 2018 Em 1920 começou 2009).
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a ser observada a presença A colonização polonesa
de imigrantes poloneses em em Santa Catarina ocorreu
Chapecó também oriundos do em áreas novas ou próximas
Rio Grande do Sul. Os povos das colônias já existentes de
poloneses fixaram-se entre as alemães e italianos. Um total de
colônias já existentes de outras 16 famílias da aldeia Siolkowice,
etnias, muitas vezes seguindo Região da Alta Silésia,
os roteiros dessas colonizações. chegaram à Santa Catarina no
(PIAZZA, 1994). Com a ano de 1869. Na região oeste,
Polônia em crise, sem alimentos a partir de 1920, instalaram-
e poucas condições de plantio se nas cidades de Chapecó,
em uma terra arenosa, muitos Itá, Mondaí, Nova Erechim,
poloneses decidem emigrar Faxinal dos Guedes, Descanso,
para o Brasil, o qual na época São Lourenço do Oeste,
estava à procura de mão de Belmonte, São Miguel do Oeste
obra para substituir os escravos e União do Oeste, contribuindo
(MARQUETTO, 2016). então para a caracterização
Com sentimentos de da cultura europeia da região
esperança e de uma vida nova, (JADWISZAK, 2009).
os poloneses vieram para o A região oeste de Santa
Brasil no final do século XIX Catarina foi umas das últimas
e início do XX, porém este áreas colonizadas do estado
processo não foi como eles por poloneses. Essa etnia
esperavam, isso porque durante contribuiu com a economia do
o processo de instalação e estado através da extração de
acolhimento, não foi dado a madeira. (JADWISZAK, 2009).
eles dinheiro, nem comida e A comunidade polonesa era
nem a moradia prometida pelo produtora de erva mate, com
governo brasileiro, relatando característica familiar, sem
um início de muita luta e grande expressão na época
sofrimento (RODYCZ, 2002). (MARQUETTO, 2016). Sua
Após a chegada alimentação era composta de
e desembarque em áreas feijão, trigo, milho e batata.
litorâneas, o povo polonês Todos os alimentos provinham
abrigou-se junto aos europeus. da agricultura e eram produzidos
Com o passar dos meses, o em casa e pelas mulheres. Os
Governo Brasileiro distribuiu pratos reconhecidos até hoje
pedaços de terras para os como típicos são: Bigos, cozido
poloneses, mas ao invés de carne de porco, chucrute e
de receberem terras para temperos; Golabki,um prato
cultivo, receberam terras para feito de folhas de repolho
desbravamento no Rio Grade do recheadas com carne bovina
Sul. Com escassez de alimentos, ou suína e arroz, em forma de
sem ajuda e com terras pouco trouxinhas; Pierogi, um pastel
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de massa cozida onde o salgado crispe acompanhado com e pão
leva recheio de ricota e tempero de broa assada.
Revista do Programa de verde e o doce é recheado com Destaca-se que cada
Pós-Graduação em Geografia e frutas da estação; Paksi é uma ingrediente do revirado repre-
do Departamento de Geografia
da UFES receita de sonho recheado com senta um porquê na história de
Janeiro-Junho, 2018 goiabada; Sernik que é uma torta cada etnia.
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de requeijão com uvas passas; O caldo de feijão pre-
Barscz é uma sopa de beterrabas to (Figura 2) faz parte da ali-
que pode ser consumida fria ou mentação dos caboclos desde
quente e outros que valorizam os primórdios da colonização
ingredientes tradicionais (DÓRIA, 2014). Existem muitas
(MARQUETTO, 2016). espécies de feijões consumidas,
Ainda hoje o grupo mas o feijão mais utilizado em
étnico polonês, presente em Santa Catarina é o feijão pre-
Chapecó e região, busca resgatar to. A região sul é responsável
a cultura, dança, folclore, por uma grande parcela da
gastronomia e arquitetura produção do país e essa infor-
polonesa, demonstrando quais mação nos mostra a importân-
as heranças desse povo para cia desse ingrediente na cesta da
a região, qual a história da população (EPAGRI, 2015). De
chegada até sua instalação no uso universal, é nítido que sua
estado de Santa Catarina. existência no meio culinário
atual vive a margem, pois não
5. DIFERENTES CULTURAS se percebe com frequência o
EM UM MESMO PRATO: O uso do mesmo em receitas mais
REVIRADO elaboradas. Existem centenas
de variedades, mas ele aca-
Diante da ba assumindo características
contextualização da cultura próprias das famílias quando o
alimentar cabocla, italiana, temperam. Pode-se então con-
alemã e polonesa, os autores do sidera-lo singular na culinária
projeto de extensão Patrimônio regional ou local, pois cada lu-
Gastronômico da Região Oeste gar tem seu próprio tempero ou
de Santa Catarina colocaram- receita. (DÓRIA, 2014).
se no desafio de criar um único O feijão era cultivado
prato que valorizasse cada etnia: tantos pelos caboclos como pelos
o Revirado. migrantes europeus. Os colonos
Reunindo ingredientes implantaram a produção nas
comuns da alimentação dos pequenas propriedades para
caboclos, italianos, alemães sustento familiar e também
e poloneses, criou-se o visavam a comercialização.
intercâmbio entre elementos Se dedicavam ao cultivo do
dessas diversas culinárias milho principalmente (RENK,
que se encontraram e 1991). Já os caboclos sempre
complementaram ao longo da produziam para consumo
história no oeste. próprio e prezavam pela comida
O revirado (Figura 1) é de casa, com sabores da terra
composto por um espelho de e valorizavam tudo que era
caldo de feijão preto, polenta produzido nas proximidades.
mole com queijo colonial, ragu
suíno e com cobertura de couve
Cristiane Tonezer
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Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
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FIGURA 7: Utensílios: toalha bordada e colher de pau
Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia
da UFES
Janeiro-Junho, 2018
ISSN 2175-3709
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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259
Chapecó, 1950-1956. 2 ed. Chapecó: Argos, 2007.
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