Você está na página 1de 25

IDENTIDADE GASTRONÔMICA: PATRIMÔNIO

IMATERIAL DO OESTE CATARINENSE


Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia Gastronomic identity: immaterial heritage of the catarinense west.
da UFES
Janeiro-Junho, 2018
ISSN 2175-3709 Identidad gastronómica: patrimonio imacial del oeste catarinense.

Cristiane Tonezer RESUMO


Doutora em Desenvolvimento Rural/
UFRGS. Docente do Programa A cultura dos povos está ligada à alimentação e para entender sua
de Pós-Graduação em Políticas
diversidade e especificidade tornam-se imprescindíveis resgatar
Sociais e Dinâmicas Regionais/
UNOCHAPECÓ. Vice-líder do aspectos históricos, visitar o passado e trazer hábitos, costumes
Grupo de Pesquisa Dinâmicas e crenças de cada etnia. Este estudo objetiva resgatar a memória
Regionais e Desenvolvimento Rural/ gastronômica das etnias formadoras do oeste de Santa Catarina.
CNPq Como metodologia utilizou-se a pesquisa-ação, onde além da
tonezer@unochapeco.edu.br revisão de literatura buscou-se descrever as ações de um projeto
de extensão denominado Patrimônio Gastronômico do Oeste de
Marta Nichelle do Amaral Santa Catarina. Como resultado chegou-se aos ingredientes chaves
Mestre em Políticas Sociais e
de quatro etnias: italiana, alemã, cabocla e polonesa e a partir deles
Dinâmicas Regionais/UNO-
CHAPECÓ. Docente nos Curso criou-se um novo prato representando-as, o Revirado.
de Nutrição e Gastronomia/UNO- Palavras-chave: Cultura; Etnias; Alimentação
CHAPECÓ. Coordenadora do Pro-
jeto de Extensão Permanente Pat-
rimônio Gastronômico.
m_nutricionista@unochapeco.edu.
br

Simone Fátima Mascarello Cervini ABSTRACT


Mestranda em Políticas Sociais
e Dinâmicas Regionais/UNO-
The culture of the peoples is connected to their feeding, and to
CHAPECÓ. Profª no Curso Superi-
or de Tecnologia em Gastronomia/ understand it’s diversity and specificity it is very important to rescue
UNOCHAPECÓ. Membro de equi- historical facts, visit the past and bring up habits, costumes and
pe no Projeto de Extensão Patrimô- beliefs of each culture. This study has as its main objective to rescue
nio Gastronômicoda Unochapecó the gastronomic memory of the cultures that formed the west of
simonefmc@unochapeco.edu.br
Santa Catarina. As a method we have used the action-research,
Maria Regina Martinazzo where besides the literary review we tried to describe the actions
Especialista em Operação e Gestão of an extension project called GASTRONOMIC HERITAGE. As
de Restaurantes, Bares e Similares/ a result we have come to the main ingredients of four cultures:
UNOCHAPECÓ. Docente do Curso Italian, German, Caboclo and Polish, and from them we created a
de Tecnologia em Gastronomia/UN-
new plate representing all of them: the Revirado.
OCHAPECÓ
mreginamartinazzo@unochapeco. Key words: Culture; Ethnicities; Feeding
edu.br

Artigo recebido em:


29/09/2017
Artigo publicado em:
26/06/2018

Cristiane Tonezer
238 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

RESUMEN
Revista do Programa de
La cultura de los pueblos está ligada a la alimentación y para Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia
entender su diversidad y especificidad se vuelve imprescindible da UFES
recuperar los aspectos históricos, visitar el pasado y traer los Janeiro-Junho, 2018
ISSN 2175-3709
hábitos, costumbres y las creencias de cada etnia. Este estudio
tiene como objetivo rescatar la memoria gastronómica de las
etnias formadoras del Oeste de Santa Catarina. Como metodología
se utilizó la investigación-acción, donde además de la revisión
de la literatura se buscó describir las acciones de un proyecto de
extensión denominado PATRIMONIO GASTRONÓMICO. Como
resultado se llegó a los ingredientes clave de cuatro etnias: italiana,
alemana, cabocla y polaca y a partir ellos se creó un nuevo plato
que representa a todas ellas, el Revirado.
Palabras-Clave: Cultura; Etnia; Alimentación

1.INTRODUÇÃO A gastronomia de
uma população está ligada à
O ato da alimentação, sua cultura, tradições, oferta
além de ser biológico, é uma de ingredientes e experiência
ação que exige diferentes culinária de seu povo. A cultura
técnicas, manejos e práticas, é um processo dinâmico
constituindo um processo que constrói a identidade
social e cultural (SONATI, permanente dos sujeitos,
VILARTA, SILVA; 2009). suas adaptações e registros.
Alimentar-se não somente Através da cultura de um povo,
define a história do alimento um patrimônio imaterial se
como a de quem o consome. A estabelece e delimita aquela
cultura dentro da gastronomia população e sua história
diferencia povos e costumes, (BURKE, 2006).
já que o alimento pode O Brasil é um país
demonstrar o modo de viver com uma enorme variedade
de uma população. Sabe-se que de etnias, culturas, crenças
além do alimento e das técnicas e valores que estabelecem e
envolvidas, a gastronomia criam suas raízes em diferentes
pode ser entendida também regiões do território brasileiro
como cultura, história de um (DÓRIA, 2014). A cultura
povo, momentos de união e e a história dos povos estão
alegria, confraternização entre ligadas à alimentação e para
famílias e amigos. Através dela entender toda a diversidade e
são desenvolvidos princípios especificidade da gastronomia
científicos alicerçadas nas tornam-se imprescindíveis
descobertas e experiências resgatar os hábitos, costumes e
que visam equilibrar sabores e as crenças de cada etnia e qual
ingredientes aliando o resgate o legado deixado pela etnia na
da memória e da identidade formação da cultura em cada
gastronômica dos grupos região brasileira.
étnicos (DÓRIA, 2014). A região oeste
catarinense também tem

239
sua história traçada pela das etnias cabocla e italiana que
miscigenação de povos, onde trouxeram em seu cotidiano
Revista do Programa de a mistura de raças permitiu herança cultural e gastronômi-
Pós-Graduação em Geografia e firmar a identidade da sua ca (RENK, 1991).
do Departamento de Geografia
da UFES cultura, tradições e experiências Os descendentes das
Janeiro-Junho, 2018 culinárias e alimentares mais diversas etnias acabaram
ISSN 2175-3709
(PIAZZA, 1994). A população formando comunidades e den-
oeste sofreu as mais variadas tro destas existem algumas ini-
influências na gastronomia ciativas de preservação e divul-
por intermédio das etnias gação das tradições culinárias
italiana, alemã, polonesa e e culturais, percebe-se a mo-
cabocla (VICENZI, 2008). Esse tivação em algumas situações
hibridismo cultural presente em se manter o legado que vem
nesta região se caracteriza sendo transmitido por gerações
pela mistura da cultura que através das etnias. Imigrantes
influencia hábitos e costumes. europeus tinham na força do
A presença de diferentes etnias trabalho o ideal da preservação
numa região estabelece mistura da família, costumes religio-
de cultura e hábitos alimentares sos e alimentares, diferente da
democráticos que determinam população cabocla que apre-
a gastronomia regional daquele sentava hábitos e características
lugar. Italianos, alemães, distintas, como por exemplo, a
poloneses e caboclos são baixa inserção destes no merca-
caracterizados como grupos do econômico, seminomadís-
étnicos presentes e marcantes no simo e trabalho coletivo não
oeste catarinense, responsáveis apenas entre os membros da
pela gastronomia praticada na família, mas também entre
região. Esses grupos étnicos, vizinhos e conhecidos. Desta
segundo Dorigon (2015, p. forma devido à grande par-
40) consistem em um grupo ticipação destas etnias na for-
populacional que “se perpetuam mação da região, pretende-se
por meios biológicos e valorizar e reconhecer parte de
partilham de valores culturais sua cultura retratada pela gas-
fundamentais”. tronomia (FARINA, 2006).De
A cultura e a história uma forma geral este mapea-
dos povos estão ligadas, além de mento das etnias e seus hábitos
outros fatores, à alimentação e e costumes será um documento
para entender toda a diversidade importante para registro e con-
e especificidade da gastronomia tribuição para o desenvolvi-
tornam-se importante resgatar mento regional.
os aspectos históricos deixado Os resultados e dis-
por cada etnia na formação da cussões deste artigo estão in-
cultura do oeste catarinense. seridos em um projeto maior
O oeste catarinense de extensão da Universidade
passou por disputas de fron- Comunitária da Região de
teiras e configurações territo- Chapecó - UNOCHAPECÓ
riais acolhendo posseiros que denominado Patrimônio Gas-
passaram habitar a região (VI- tronômico da Região Oeste de
CENZI, 2008). Recebendo as- Santa Catarina. Deste 2015,
sim, inicialmente, influência este projeto é considerado

Cristiane Tonezer
240 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

protagonista na ação de res- transmitidos de uma geração


gate, catalogação, padroni- para outra.Hernandez (2005, Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
zação e divulgação dos pratos p.129) aborda que atualmente do Departamento de Geografia
típicos da cultura da região não existe aspecto da vida so- da UFES
Janeiro-Junho, 2018
oeste catarinense, promotor cial que não seja tratado em ISSN 2175-3709
da socialização e valorização termos de patrimônio. Mas o
do patrimônio histórico gas- que é patrimônio? Um modo
tronômico da região. É um es- de abordar esta questão pode-
paço de qualificação acadêmica ria consistir em analisar a sua
dos cursos de graduação en- função a partir de uma de-
volvidos por meio de atividades terminada tradição. Os obje-
que priorizam a articulação en- tos do patrimônio permitem
tre ensino, pesquisa e extensão interpretar a história e o ter-
para promover a produção e di- ritório no tempo e no espaço.
fusão do conhecimento na área Para Hernandez (2005, p.129)
da gastronomia. o termo patrimônio, por sua
Espera-se a partir vez, relaciona-se, entre outras
deste artigo dar visibilidade e possibilidades, com algo que foi
difundir o histórico da região legado pelo passado ou mais ou
oeste catarinense a partir menos o “passado” que se quer
da culinária, não excluindo conservar. Produzir patrimônio,
conflitos e injustiças sociais por sua vez, refere-se a con-
de alguns povos em relação à verter em patrimônio (ou
outros. construí-lo a partir de) determi-
nados elementos preexistentes,
2. ALIMENTAÇÃO E CUL- selecionados entre outros que
TURA se excluem desse processo.
A relação história e tem-
O ato de se alimentar po fornece sentido à vida cole-
vai além da necessidade fisi- tiva, alimentando o sentimento
ológica, transformando-se em de pertencer a um grupo com
prática cultural, trazendo con- identidade própria. Converter
sigo uma história, um passado o que é próprio em patrimônio
(DA MATTA, 1987). Braga significa “perpetuar a trans-
(2004) complementa que in- missão de uma particularidade
dependentemente das escolhas ou de uma especificidade con-
alimentares, o comportamento siderada própria e portanto
concernente à comida está in- identificada, isto é, permite
timamente ligado à identidade que um coletivo determinado
social, uma vez que a cultura possa continuar vivo – de um
na qual o indivíduo está inseri- lado, idêntico a si próprio e,
do, também é revelada por suas de outro, distinto dos demais”
práticas alimentares. (HERNÁNDEZ, 2005, P. 130).
Conforme Zanchi e Braga (2004) destaca
Etges (2016),a identidade lo- que a cultura pode ser
cal pode ser preservada a par- entendida como um sistema
tir do resgate de receitas, de simbólico, ou seja, um conjunto
modos de preparo e dinâmi- de mecanismos de controle,
cas sociais envolvidas à mesa, planos, receitas, regras e

241
instruções que governam o O ato de se alimentar
comportamento humano. Então delimita as fronteiras de
Revista do Programa de pode-se afirmar que nossos identidade entre os grupos
Pós-Graduação em Geografia e hábitos alimentares fazem parte humanos de uma cultura ou
do Departamento de Geografia
da UFES de um sistema cultural repleto outra, mas também no interior
Janeiro-Junho, 2018 de símbolos, significados e de uma mesma cultura, entre
ISSN 2175-3709
classificações, de modo que os membros que a formam,
nenhum alimento está livre no interior de uma mesma
das associações culturais sociedade, a alimentação
que a sociedade lhes atribui. desenha os contornos dos
Para Menasche et al grupos sociais. Certos alimentos
(2008, p.153), “a comida fala podem ser atribuídos a um
da família e da comunidade. grupo social e rejeitados por
Temperando tradições, a outros (POULAIN; PROENÇA,
comida atualiza identidades, 2003).
ao mesmo tempo em que Segundo Rocha (2010,
sua hibridização evidencia p. 01) a comida exerce um papel
a proximidade, material e fundamental para se pensar
simbólica entre campo e cidade”. a trajetória das mais distintas
Conforme Lévi-Strauss sociedades, pois ao longo da
apud Poulain e Proença (2003, p. história, ela esteve relacionada
08) a cozinha é “uma linguagem a diferentes transformações de
na qual cada sociedade codifica ordem social, cultural, política e
as mensagens que lhe permitem econômica, revelando-se como
significar ao menos uma um dos instrumentos para se
parte do que essa sociedade compreender algumas questões
é”, ainda segundo o sociólogo que permeiam a própria
Lévi-Strauss, a cozinha é um condição humana.
conjunto de ações técnicas, A comida pode ser vista
de operações simbólicas e como um importante meio
de rituais que participam da para se comunicar valores,
construção da identidade sentidos e identidades. Comer
alimentar de um produto é um ato simbólico que não
natural e o transformam em está restrito à necessidade
consumível. de se suprir nutrientes. As
A comida faz parte de profundas transformações em
um universo complexo que ex- nível global vêm alterando
cede as suas funções biológi- profundamente os padrões
cas, para alçar-se como um elo alimentares; a intensificação
significativo na constituição das trocas culturais, reconfigura
identitária dos diferentes povos. os repertórios alimentares
O alimento serviu de impulso e também o seu consumo.
às grandes transformações so- Neste contexto, assim como
ciais ao longo da história. Neste um elemento-chave para a
mundo cada vez mais globaliza- constituição de identidades, a
do, há uma intensificação das comida pode ser pensada como
trocas culturais e econômicas, o um meio de comunicação
que determina uma reconfigu- (ROCHA, 2010, p.04).
ração dos padrões alimentares Conforme Rocha
e do seu consumo (ROCHA, (2010) a comida também se
2010, p.06).
Cristiane Tonezer
242 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

inscreve como um importante afirmação e reconstrução dessas


instrumento para se comunicar identidades, determinados Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
alguns sentidos, assim como elementos culturais (como a do Departamento de Geografia
valores e identidades. Dada comida) podem se transformar da UFES
Janeiro-Junho, 2018
esta condição, ela é concebida em marcadores identitários ISSN 2175-3709
como um meio de comunicação (MACIEL, 2005, p.50).
circunscrito a uma linguagem A cozinha de um grupo
específica. O tema da comida cultural é muito mais do
nos oferece um vasto leque de que um somatório de pratos
perspectivas. considerados característicos ou
A maior revolução emblemáticos. É um conjunto
na alimentação humana [...] de elementos referenciados
com a ruptura no isolamento na tradição e articulados no
continental, quando o sentido de constituí-la como
intercâmbio de produtos de algo particular, singular,
diferentes continentes, ocorrido reconhecível ante outras
no bojo da expansão colonial cozinhas. Ela não pode ser
europeia, alterou radicalmente reduzida a um inventário,
a dieta de praticamente todos convertida em fórmulas ou
os povos do mundo (ROCHA, combinações de elementos
2010, p.02). cristalizados no tempo e no
Segundo Maciel (2005, espaço. Entendendo-se a
p. 49) na alimentação humana, identidade social como um
natureza e cultura se encon- processo dinâmico relacionado
tram, pois se comer é uma ne- a um projeto coletivo que inclui
cessidade vital, o quê, quando e uma constante reconstrução,
com quem comer são aspectos e não como algo dado e
que fazem parte de um siste- imutável, pode-se afirmar que
ma que implica atribuição de essas cozinhas agem como
significados ao ato alimentar. referenciais identitários,
Como um fenômeno social, a estando sujeitas a constantes
alimentação não se restringe a transformações (MACIEL,
ser uma resposta ao imperativo 2005, p.50).
de sobrevivência, ao ‘comer para A tradição alimentar
viver’, pois se os homens neces- nos grupos, em plena transfor-
sitam sobreviver (e, para isso, mação social ou em processo
alimentar-se), eles sobrevivem migratório, refere-se à origem
de maneira particular, cultural- e à recordação, de alto valor
mente forjada e culturalmente simbólico, e se readapta culi-
marcada (Maciel, 2002). Ou nariamente, gustativamente,
seja, os homens criam ‘manei- como ponte entre o destino e
ras de viver’ diferentes, o que a situação presente. Adapta-se
resulta em uma grande diversi- para ser utilizada como identi-
dade cultural. dade. Quando o ciclo alimentar
Uma das dimensões cotidiano se modificou em for-
desse fenômeno é a que mas, saberes, sabores e práticas
se refere à construção de cunhadas no processo de sua
identidades sociais/culturais. inserção, sua expressão ali-
No processo de construção, mentar festiva conseguiu atuar

243
como emblema aglutinador bém é recorrente talvez até em
de um tipo de comensalidade, maior intensidade.
Revista do Programa de um saber especial e um gosto O embasamento teóri-
Pós-Graduação em Geografia e compartilhado que evoca sen- co científico permitiu o início
do Departamento de Geografia
da UFES sações intransferíveis. Além da catalogação de pratos e in-
Janeiro-Junho, 2018 disso, temos que considerar a gredientes típicos e comuns da
ISSN 2175-3709
identidade alimentar na sua região, para tanto utilizou-se
dupla dimensão biocultural, artigos científicos, livros locais
como complexo gustativo e documentários que tratavam
compartilhado por um grupo da cultura culinária regional.
e como um universo simbóli- As técnicas para cole-
co interiorizado que informa ta de dados à campo deram-se
àqueles que o compartilham os através de observação e diálo-
limites entre a cultura e a na- go com os moradores, histori-
tureza, entre o que é próprio e adores e escritores na cidade
o que é distante (PONS, 2005, de Chapecó os diálogos foram
p.103). analisadas a partir da análise de
discurso. Buscou-se perguntar
3.METODOLOGIA aos participantes o significado
de cada alimento e ingrediente
Caracterizada como ao longo da história. Os critéri-
pesquisa-ação a metodologia os de seleção foram: ter nascido
baseou-se na compreensão do na região oeste de Santa Catari-
estudo na prática, ou seja, pro- na; se auto denominar caboclo,
curou-se unificar o estudo à italiano, alemão ou polonês;
ação. A pesquisa-ação pode ser aceitar assinar o Termo de Con-
considerada uma metodologia sentimento Livre e Esclarecido
investigativa que objetiva en- e ser maior de idade. A seleção
contrar a relação teórico práti- foi realizada através da bola de
ca do objeto de estudo, “tra- neve, ou seja, após um primeiro
ta-se de uma metodologia de participante, escolhido de for-
pesquisa na qual há interação ma aleatória, este indicava
entre pesquisadores e pessoas outro e assim sucessivamente,
implicadas na situação investi- buscou-se contemplar todas as
gada com o objetivo de resolver etnias - italiana, alemã, cabocla
ou esclarecer o problema em e polonesa.
questão e cujo processo favorece Dentre as ações desen-
o aumento do conhecimento volvidas no decorrer da pesqui-
de todas as pessoas envolvidas sa, destaca-se a criação de um
no processo” (COLETTE et al, novo prato que contemplasse
2014, p. 57). e valorizasse as culturas alemã,
O campo de estu- italiana, polonesa, indígena e
do e ação foi o município de cabocla, considerando os ele-
Chapecó, este considerado mentos originais de cada cu-
município polo da região oeste linária e agregando as técnicas
de Santa Catarina. Destaca-se da gastronomia. Os testes foram
que diariamente um fluxo in- realizados em laboratório do
tenso de pessoas se deslocam curso de gastronomia da Uni-
de Chapecó para outros mu- versidade Comunitária da
nicípios, o sentido oposto tam- Região de Chapecó – UNO-

Cristiane Tonezer
244 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

CHAPECÓ, desenvolvidos por 8.000 famílias ítalo-brasileiras


profissionais da gastronomia e chegaram ao oeste catarinense Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
aprovados por todos os pesqui- a procura de terras produtivas do Departamento de Geografia
sadores e autores envolvidos. (CEON, 2011). da UFES
Janeiro-Junho, 2018
Os italianos e alemães ISSN 2175-3709
4. A TRANSFORMAÇÃO ao chegarem ao oeste, se
HISTÓRICA DO OESTE DE depararam com os caboclos que
SANTA CATARINA COM- aqui já estavam e resistiram a
PREENDIDA A PARTIR DA presença dos novos moradores,
ALIMENTAÇÃO o que dificultou o processo
de colonização do estado.
A região oeste Santa Esses descendentes da Itália
Catarina foi colonizada por pertenciam a quarta e quinta
europeus vindos do Rio Grande geração de europeus que
do Sul. O processo migratório estavam no RS e, devido à
no início do século XX no escassez de terras, se deslocaram
oeste catarinense e do Paraná para a região oeste no início do
foi organizado por empresas séc. XX através da passagem
colonizadoras privadas, que pelo rio Uruguai (WERLNG,
cuidaram de toda a ocupação 2006).
das terras pelos migrantes Segundo Hass (2007),
oriundos do RS sendo estes “toda ocupação de espaço
descendentes de europeus, implica conflitos que giram
principalmente os italianos, em torno dos diferentes
alemães e poloneses (VICENZI, grupos existentes”, e também
2006). envolvendo conflitos políticos,
Segundo Werlang econômicos e fronteiriços.
(2008), a colonização aconteceu A autora afirma ainda que:
em três etapas. A primeira “nesse período, a violência,
com os índios, os primeiros frequentemente armada, era
habitantes e a herança culinária um dos principais instrumentos
que está presente ainda hoje, a de dominação oligárquica”.
segunda pelos caboclos, povos Os caboclos, ocupantes
miscigenados, que já habitavam natos da região oeste
o oeste do estado quando catarinense, passaram a viver
as empresas madeireiras e em condições miseráveis, e
colonizadoras chegaram em como a condição para a efetiva
busca de terras férteis. E por posse da propriedade era a
fim, a chegada dos europeus, ocupação e exploração da terra,
iniciado pelos colonos italianos algumas passam a ser devolutas,
e alemães que chegaram por e outras foram vendidas por
volta de 1860 provenientes preços baixos, principalmente
do Rio Grande do Sulcom aos donos de colonizadoras
a esperança de encontrar (AURAS, 2001). Eles viviam da
também novas terras e férteis. agricultura e sua produção era
Os italianos ganharam destaque para o a subsistência da família,
nesse processo, pois formaram prezavam por alimentos
a maioria das colônias produzidos nas proximidades
(VICENZI, 2008). Mais de (POLI, 2001).

245
Estes fatos ocorreram para seu chimarrão, que sempre
por volta do início do século foi seu companheiro e presente
Revista do Programa de XX, em consequência da na sua vida. Para fazer a cuia,
Pós-Graduação em Geografia e expansão colonial procedente plantavam a matéria prima,
do Departamento de Geografia
da UFES do Rio Grande do Sul, os chamada porongo, e usavam
Janeiro-Junho, 2018 colonizadores que chegavam à a parte extrema e mais fina,
ISSN 2175-3709
região obrigavam os caboclos a retiravam as partes internas
venderem suas terras afirmando e durante alguns dias eram
que estes não eram capaz de colocadas cinzas e água quente
aproveitá-la (AURAS, 2001). a fim de retirar o amargor. E
O caboclo segundo para que ela tivesse um aspecto
a definição de Poli (1987), visual sempre bonito, passavam
é aquele indivíduo mestiço, externamente a gordura de
resultante da miscigenação do porco e a colocavam ao sol,
branco com o índio, que habita assim obtinha uma aparência
casas de pau-a-pique e barrote e envernizada, este método
dedica-se ao cultivo de cereais. também garantia que a cuia
Para Alba (2002), a população tivesse maior durabilidade
de caboclos era o excedente (POLI, 2002).
da população das fazendas de Plantavam em suas
gado e emigrantes de outras terras, cereais, principalmente
áreas do país, que começaram o milho e o feijão sendo apenas
o povoamento rarefeito em para o consumo próprio. Para
diferentes locais e regiões, cozinhar era comum que a
antes da chegada de imigrantes. cocção fosse diretamente ao
Outro significado comum para fogo, para isso faziam um
o termo caboclo são os de índio suporte com pedras ao redor
aculturado, mestiço de branco do fogo, o qual servia de base
com índio, pessoas de pele para à panela. Para acelerar o
acobreada e cabelo liso, pessoas cozimento, eles cobriam a batata
de origem rural (BENJAMIN, doce, milho verde ou abobora
2010, p. 36). com palha e brasas (RENK,
Os caboclos que 1991). Após a chegada dos
habitavam a área, usavam o colonizadores europeus vários
sistema de rotação de terras, hábitos sofreram alterações
pois quando a terra ficava entre eles os alimentares,
improdutiva, passavam a outro sendo que alguns até foram
mato, derrubavam as árvores abandonados, devido as novas
e faziam queimadas, assim o tecnologias trazidas, como
espaço ficava limpo e poderiam por exemplo, a substituição do
começar uma nova plantação. trempe feito de arrame, onde
Nesse novo local, construíam embaixo era feito o fogo, pelo
seus casebres, que eram feitos fogão a lenha (RENK, 1999).
de finos troncos e cobertos por O pão foi um alimento
folhas de bambu ou muitas recente na dieta dos caboclos,
vezes, de lascas de pinheiro. pois o trigo veio a ser plantado,
Não havia ambição, quando o colhido e manufaturado depois
sol surgia entre as montanhas, da chegada dos imigrantes, que
o caboclo já estava com o fogo trouxeram consigo as técnicas
nas lenhas, aquecendo a água de moinhos. O mais comum

Cristiane Tonezer
246 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

era o pão de milho, porém não o virado de feijão (GIELDA,


muito consumido, pois o café 2008). Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
da manhã consistia em virado O caboclo, apesar de ser do Departamento de Geografia
de feijão (mistura de feijão com marginalizado após a vinda dos da UFES
Janeiro-Junho, 2018
farinha de milho) ou apenas imigrantes, sempre esteve pre- ISSN 2175-3709
feijão, pois além de ser o item sente na economia catarinense
mais disponível, dava energia devido sua mão de obra bara-
necessária para o duro trabalho. ta, explorada pelo colonizador.
Nessa primeira refeição O caboclo trabalhava na ex-
também era muito comum tração de madeira e erva mate,
comer batata doce ou abóbora atividades difíceis, que geravam
como acompanhamento. Outro muita riqueza aos coloniza-
ingrediente da culinária cabocla dores. Ele derrubava, arrastava
era a rapadura fabricada a e a transportava, mas não acu-
partir do melado de cana de mulou nada dessa riqueza, seu
açúcar, acrescentando, às vezes, papel era meramente braçal
o amendoim. (REICHERT, 2008). O mesmo
O almoço caboclo autor cita que “[...] os caboclos
consistia em comer feijão, participam da colonização com
couve, carne de porco, abóbora, a sua mão-de-obra, mas não
milho verde, quirera de milho são incorporados por ela, no
(ensopado de milho quebrado sentido de adquirir uma pro-
e não moído), torresmo e priedade e se fixar nela” (RE-
mandioca. O arroz só veio mais ICHERT, 2008, p. 56).
tarde compor a refeição cabocla, Reichert (2008, p. 56)
o mais comum era a quirera ainda relata que “a identidade
de milho com feijão. Como camponesa cabocla, anterior à
sobremesa o caboclo consumia colonização, vinculada à agri-
canjica, polenta ou batata doce cultura de subsistência e com
sempre acompanhada de leite inserção mínima no merca-
e temperados com açúcar do econômico do extrativis-
mascavo (DEBONA, 2010). A mo da erva-mate e madeira, se
coalhada com farinha de beiju caracterizava pela característica
também eram muito apreciada de povos seminômades, pelo
e muitas vezes o doce de laranja trabalho coletivo e sua alimen-
acompanhava, tanto como tação vinha de uma prática
doce cremoso como a casca agrícola rudimentar, comple-
bem fininha açucarada com mentada com a caça e a pesca.
mascavo. A farinha de beiju era As atividades e a mobilidade
muito consumida e a forma de dos caboclos representavam, no
preparo consistia em deixar o conjunto, uma síntese adapta-
milho de molho por alguns dias tiva da vida econômico-social
para amolecer, e ao atingir certa num processo de utilização do
espessura e maciez, era socada meio imediato, onde cultura e
no pilão até virar farinha, em natureza apareciam como uma
seguida era passada na peneira totalidade”.
e por fim assada. Usavam essa Avançando no tempo
farinha para engrossar caldos, destaca-se que no início do
servir como farofa ou para fazer século XX as Companhias

247
Colonizadoras foram as condições de acomodações,
responsáveis pela imigração higiene e alimentação.
Revista do Programa de das etnias italianas, alemãs e Segundo Piazza (1994),
Pós-Graduação em Geografia e polonesas. Elas dispunham a chegada dos italianos ao oeste
do Departamento de Geografia
da UFES dos Títulos de Posse das terras catarinense deu-se pelo estado
Janeiro-Junho, 2018 e incentivos do governo que do RS em torno de 1916. Após
ISSN 2175-3709
anunciavam uma política a longa viajem até o Brasil e
de povoamento e ocupação posterior deslocamento até o
oferecendo infraestrutura como estado do Rio Grande do Sul,
ruas traçadas, lotes urbanos enfrentaram mais um longo
demarcados, escolas e igrejas. trajeto até o oeste de Santa
(HASS, 2007). Catarina.
A colonização europeia Os pequenos terrenos
alterou os modos de vida do adquiridos, também chamados
oeste catarinense, redesenhando de lotes significavam a busca
aspectos culturais, religiosos de um bem estar econômico,
e culinários. A vinda dos social e familiar. Os hábitos
europeus confrontou os e cultura europeia eram
hábitos alimentares dos muito distintos dos povos
índios e caboclos da região, instalados na região ocupada.
transformando a gastronomia. Os migrantes não aceitavam a
Ao discorrer sobre forma que os caboclos viviam,
a imigração italiana para o trabalhavam e se alimentavam.
Brasil, destaca-se que estes A forma da produção,
começaram a emigrar da Itália armazenamento e comercio
em torno do século XIX devido geram conflitos e preconceitos
à crise governamental instalada (DE BONI, 1983). As terras
naquele país que estabelecia adquiridas pelos imigrantes
altos impostos, deixando muitos estavam identificadas em
moradores sem propriedades. documentos entregues pelas
Diante disso, o povo italiano colonizadoras e os caboclos,
encontrou na imigração a indígenas moradores do oeste
solução para uma vida mais não tinham documentos das
digna e segura. Segundo Baldin terras habitadas, diante disso, as
(1999) entre os anos de 1875 colonizadora scolocavam seus
e 1880 circularam panfletos, capatazes e homens de confiança
jornais, agentes de viagem e à disposição, encarregados de
imigração e conferencistas zelar pelas terras vendidas,
a serviço das Companhias muitas vezes expulsando índios
Estrangeiras de Imigração e caboclos de suas moradas
Europa, principalmente pela (DALL ALBA, 1983). Diante da
Itália e a Alemanha, desenhando situação instalada, os italianos
a América em cores douradas regularizavam o poder sobre
e, especificamente, o Brasil o território, conferindo o
como uma terra tropical direito legal e impedindo a
riquíssima. Assim, as famílias reinvindicação dos caboclos e
italianas venderam suas terras indígenas.
e embarcaram em uma viajem Os italianos tentaram
que poderia durar de 30 à 60 de todas as formas manter
dias em navios lotados sem sua identidade cultural, seus
hábitos culinários, sua religião
Cristiane Tonezer
248 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

e suas famílias unidas, porém, bovina era apenas utilizada


esta era uma tarefa difícil, até em datas especiais, pois além Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
colherem sua própria safra, por de cara, na propriedade eram do Departamento de Geografia
exemplo, tiveram que usufruir mais úteis para o trabalho na da UFES
Janeiro-Junho, 2018
de uma alimentação baseada roça, na produção do leite e ISSN 2175-3709
na etnia cabocla, sempre seus derivados para consumo.
adaptadas e reconstruídas. Já as aves domésticas, como a
Após começarem produzir seus galinha, o pato e os marrecos
próprios insumos, retomaram forneciam ovos para o consumo
hábitos alimentares típicos e penas para fabricação de
italianos (DUCATTI NETO, travesseiros, e outros utensílios
1979). para a família (ONGHERO,
Os hábitos alimentares dos 2014).
italianos eram baseados no Esses imigrantes
consumo de cereais como trouxeram consigo algumas
o milho e trigo, hortaliças, sementes, e as plantaram assim
destacando-se o tomate e feijão. que se fixaram em suas terras.
A partir desses alimentos, pães Devido a terra ser virgem
e massas eram produzidas, as e haver grande quantidade
massas com molhos vermelhos de águas, as sementes ali
e com caldo de feijão, a plantadas, cresciam facilmente,
tradicional minestra (sopa de motivando-os a trabalhar. Com
feijão) ficaram conhecidas, o intuito de protegê-las dos
bem como a polenta e a broa, animais, faziam cercas ao redor.
ambas de milho. Ovos, carne de Um de seus primeiros atos foi
frango e porco também eram o plantio do radicchio, uma
muito consumidos, o consumo salada que acompanhava quase
da carne bovina era limitada que diariamente a polenta.
pois este animal servia de Em relação aos temperos
auxílio para o trabalho pesado das comidas, comumente
(GRANELLA, 200). usavam: sálvia, salsa, alho,
Quando os primeiros cebola, cebolinha, manjerona,
italianos chegaram ao Brasil, pimentas, além do uso de
depararam-se com a ausência vinho branco como tempero,
dos alimentos comumente tornando os alimentos
usados na Itália. Segundo apetitosos, saborosos e mais
pesquisas de Oliveira (2006) fáceis de digerir. Das frutas
em registros históricos nas excedentes da colheita faziam
fichas das antigas mercearias,os compota e doces em caldas,
gêneros alimentícios mais como uma forma de armazenar
comprados pelos italianos eram (PERTILE, 2012).
a cebola, o alho, queijo, linguiça, O costume trazido de
açúcar, farinha de trigo e o seu país de origem de preparar
arroz. embutidos teve importante
A culinária baseava-se papel na culinária italiana,
inicialmente, em pratos à base visto a maior durabilidade do
de carne de pequenos animais que o consumo da carne in
criados na propriedade como natura. Quando carneavam
o porco e as galinhas. A carne porcos produziam salame,

249
copa e torresmo, quase tudo com batata cozida na água),
era aproveitado, até mesmo galinhada, macarronada,
Revista do Programa de os miolos eram cozidos polenta e salada (HIRSCH,
Pós-Graduação em Geografia e na frigideira com banha, 2005).
do Departamento de Geografia
da UFES temperados com sal e pimenta O habito de tomar
Janeiro-Junho, 2018 ou até fritos. A banha era obtida vinho, por algum tempo passou
ISSN 2175-3709
através da fritura de pedaços de por restrições, pois os vinhos
carne rendendo-lhes inúmeras comercializados aqui eram de
latas, sendo possível algumas má qualidade e caros, levando
vezes até comercializar o o imigrante italiano a começar
excedente, usavam banha em suas próprias plantações de
todos os preparos, e também uva. O colono recém-chegado
a manteiga. Frituras eram em 1875 não trouxe mudas de
muito apreciadas nas refeições videiras para iniciar o cultivo,
e também em lanches, como porém, devida a paixão pela
grostolli, uma massa doce, viticultura, buscou contato
que proporcionava alegria ao com agricultores alemães já
consumido, era uma forma de instaladas nas terras gaúchas
premiar o trabalho ao final do desde 1824 e algum tempo
dia (PICOLI, 2011). já cultivavam uma variedade
De manhã, alguns da uva Isabel, para consumo
bebiam o café, mas o mais próprio. No início, cultivaram
consumido era uma mistura para o consumo da família,
de chá de erva mate com leite, pequenos vinhedos, devido
acompanhava-se muitas vezes à fertilidade do solo virgem,
com a fortaia, mistura do salame, a umidade e o sol quente do
ovos e queijo juntamente com verão fizeram de frutificação
a polenta brustolada, feita abundante (PIAZZA, 1994).
da sobra do dia anterior. O A culinária italiana
almoço nos dias de trabalho rapidamente influenciou
era na lavoura, onde levava-se as outras etnias da região e
o alimento em cestas por eles também recebeu influência dos
mesmos confeccionadas, assim que aqui já estavam instalados.
como seus chapéus. Nelas havia Na gastronomia, a cultura logo
polenta, radicci, vinho, pão, ovos contagia a alimentação do
fritos, salame, algum pedaço de outro e logo um bem imaterial
carne, e algumas vezes arroz. começa ser registrado.
Em casa comiam feijão, sopa de Assim como a cultura
feijão muitas vezes acrescentada italiana, a cultura alemã
com macarrão, ou até batatinha também chegou ao Brasil através
ou abóbora. A noite também da colonização e imigração
tinham o costume de fazer de povos vindos da Europa.
polenta para o café da manhã Implantada no país desde
do dia seguinte. Uma sopa 1818, a colonização estrangeira
com massa geralmente era o começou com a fundação da
jantar dos italianos no período colônia suíça no Rio de Janeiro
colonial. Aos domingos a com a autorização de D. João
comida variava, porém era VI (ROCKENBACK, 2004). O
feito apenas um prato, como governo brasileiro investiu na
agnoline, nhoque (massa migração de imigrantes alemães

Cristiane Tonezer
250 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

para suprir a mão de obra na começaram o plantio de


região do Rio Grande do Sul alimentos para manterem sua Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
no início do século XIX, no alimentação e o sustento da do Departamento de Geografia
oeste catarinense e Paraná no família. Como foram trazidos da UFES
Janeiro-Junho, 2018
século XX, enviando através de como meio de mão de obra, ISSN 2175-3709
navios várias famílias também começaram a preparar as terras
com o intuito de colonizar para a lavoura, as estradas,
terras que não eram povoadas. as construções e tudo o que
Após se instalarem nas regiões precisavam para sobreviver.
rurais seus costumes foram Alguns dos colonos conheciam
modificados gradualmente pelo trigo, cevada, repolho,
fato da diferença climática entre couve folha, batata inglesa,
a região da Alemanha e do Rio videira, leite, carne de porco e
Grande do Sul, transformações defumados. No Brasil, muitos
que se dividiam desde suas alimentos seriam incorporados
vestimentas até seus hábitos à sua dieta, como feijão, milho,
alimentares (THOMÉ, 2004). aipim, amendoim e diversas
Os colonos alemães frutas antes desconhecidas,
se uniam para formar suas também o chimarrão e a cachaça
comunidades, as principais seriam por eles adotados. A
construções eram a escola, o partir daí, sua cultura e hábitos
cemitério, a igreja e a moradia alimentares começaram a
do pastor ou padre, como sofrer mutações, já que eles não
também as picadas, estradas tinham todos os produtos antes
e suas próprias casas, já que conhecidos em suas receitas.
quando chegaram foram Com o tempo, após
mandados para locais que eram a estabilização das famílias,
inabitados e inexplorados. começaram a vender carne
Alguns imigrantes saíram do de porco, banha, torresmo,
Rio Grande do Sul em busca ovos e manteiga, e assim,
de mais terras, de lugares mais podiam comprar o que não
produtivos e maiores em Santa produziam em suas terras.
Catarina. Alguns alemães Como sofreram adaptações,
instalaram-se em Chapecó, conheceram e incluíram a
Xanxerê e cidades próximas, batata doce na alimentação,
a maioria vinda através da em que assavam-na no forno
migração do próprio estado a lenha e utilizavam como
catarinense. lanche junto de pão, melado
Após a legalização de e käschmier (leite talhado em
limites dos estados de SC e PR, que se acrescenta água quente
uma parte do vale do Rio do e sal) e frutas. Muitas colônias
Peixe foi colonizada a partir de tiveram contatos com outras
lavouras e terras para plantio, culturas, como por exemplo, a
predominantemente por italiana, a polonesa e a cabocla,
alemães e imigrantes vindos nesse contexto é importante
na época do pós-primeira ressaltar que a gastronomia dos
guerra mundial. Quando imigrantes sofreu mutações
colonos alemães fixaram-se mas não deixou a originalidade
nas terras do oeste catarinense, de suas receitas de lado, como

251
por exemplo, a participação férteis, os grupos de poloneses
da batata inglesa e do repolho da segunda ou terceira geração
Revista do Programa de fermentado (chucrute) em suas decidem então, migrar para
Pós-Graduação em Geografia e preparações (MENASCHE, Santa Catarina, conhecida pela
do Departamento de Geografia
da UFES 2007). sua fartura (JADWISZAK,
Janeiro-Junho, 2018 Em 1920 começou 2009).
ISSN 2175-3709
a ser observada a presença A colonização polonesa
de imigrantes poloneses em em Santa Catarina ocorreu
Chapecó também oriundos do em áreas novas ou próximas
Rio Grande do Sul. Os povos das colônias já existentes de
poloneses fixaram-se entre as alemães e italianos. Um total de
colônias já existentes de outras 16 famílias da aldeia Siolkowice,
etnias, muitas vezes seguindo Região da Alta Silésia,
os roteiros dessas colonizações. chegaram à Santa Catarina no
(PIAZZA, 1994). Com a ano de 1869. Na região oeste,
Polônia em crise, sem alimentos a partir de 1920, instalaram-
e poucas condições de plantio se nas cidades de Chapecó,
em uma terra arenosa, muitos Itá, Mondaí, Nova Erechim,
poloneses decidem emigrar Faxinal dos Guedes, Descanso,
para o Brasil, o qual na época São Lourenço do Oeste,
estava à procura de mão de Belmonte, São Miguel do Oeste
obra para substituir os escravos e União do Oeste, contribuindo
(MARQUETTO, 2016). então para a caracterização
Com sentimentos de da cultura europeia da região
esperança e de uma vida nova, (JADWISZAK, 2009).
os poloneses vieram para o A região oeste de Santa
Brasil no final do século XIX Catarina foi umas das últimas
e início do XX, porém este áreas colonizadas do estado
processo não foi como eles por poloneses. Essa etnia
esperavam, isso porque durante contribuiu com a economia do
o processo de instalação e estado através da extração de
acolhimento, não foi dado a madeira. (JADWISZAK, 2009).
eles dinheiro, nem comida e A comunidade polonesa era
nem a moradia prometida pelo produtora de erva mate, com
governo brasileiro, relatando característica familiar, sem
um início de muita luta e grande expressão na época
sofrimento (RODYCZ, 2002). (MARQUETTO, 2016). Sua
Após a chegada alimentação era composta de
e desembarque em áreas feijão, trigo, milho e batata.
litorâneas, o povo polonês Todos os alimentos provinham
abrigou-se junto aos europeus. da agricultura e eram produzidos
Com o passar dos meses, o em casa e pelas mulheres. Os
Governo Brasileiro distribuiu pratos reconhecidos até hoje
pedaços de terras para os como típicos são: Bigos, cozido
poloneses, mas ao invés de carne de porco, chucrute e
de receberem terras para temperos; Golabki,um prato
cultivo, receberam terras para feito de folhas de repolho
desbravamento no Rio Grade do recheadas com carne bovina
Sul. Com escassez de alimentos, ou suína e arroz, em forma de
sem ajuda e com terras pouco trouxinhas; Pierogi, um pastel

Cristiane Tonezer
252 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

FIGURA 1: Revirado: o prato


Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia
da UFES
Janeiro-Junho, 2018
ISSN 2175-3709

Fonte: Autores, 2015.

FIGURA 2: Caldo de Feijão.

Fonte: Autores, 2015.

FIGURA 3: Polenta mole

Fonte: Autores, 2015.

253
de massa cozida onde o salgado crispe acompanhado com e pão
leva recheio de ricota e tempero de broa assada.
Revista do Programa de verde e o doce é recheado com Destaca-se que cada
Pós-Graduação em Geografia e frutas da estação; Paksi é uma ingrediente do revirado repre-
do Departamento de Geografia
da UFES receita de sonho recheado com senta um porquê na história de
Janeiro-Junho, 2018 goiabada; Sernik que é uma torta cada etnia.
ISSN 2175-3709
de requeijão com uvas passas; O caldo de feijão pre-
Barscz é uma sopa de beterrabas to (Figura 2) faz parte da ali-
que pode ser consumida fria ou mentação dos caboclos desde
quente e outros que valorizam os primórdios da colonização
ingredientes tradicionais (DÓRIA, 2014). Existem muitas
(MARQUETTO, 2016). espécies de feijões consumidas,
Ainda hoje o grupo mas o feijão mais utilizado em
étnico polonês, presente em Santa Catarina é o feijão pre-
Chapecó e região, busca resgatar to. A região sul é responsável
a cultura, dança, folclore, por uma grande parcela da
gastronomia e arquitetura produção do país e essa infor-
polonesa, demonstrando quais mação nos mostra a importân-
as heranças desse povo para cia desse ingrediente na cesta da
a região, qual a história da população (EPAGRI, 2015). De
chegada até sua instalação no uso universal, é nítido que sua
estado de Santa Catarina. existência no meio culinário
atual vive a margem, pois não
5. DIFERENTES CULTURAS se percebe com frequência o
EM UM MESMO PRATO: O uso do mesmo em receitas mais
REVIRADO elaboradas. Existem centenas
de variedades, mas ele aca-
Diante da ba assumindo características
contextualização da cultura próprias das famílias quando o
alimentar cabocla, italiana, temperam. Pode-se então con-
alemã e polonesa, os autores do sidera-lo singular na culinária
projeto de extensão Patrimônio regional ou local, pois cada lu-
Gastronômico da Região Oeste gar tem seu próprio tempero ou
de Santa Catarina colocaram- receita. (DÓRIA, 2014).
se no desafio de criar um único O feijão era cultivado
prato que valorizasse cada etnia: tantos pelos caboclos como pelos
o Revirado. migrantes europeus. Os colonos
Reunindo ingredientes implantaram a produção nas
comuns da alimentação dos pequenas propriedades para
caboclos, italianos, alemães sustento familiar e também
e poloneses, criou-se o visavam a comercialização.
intercâmbio entre elementos Se dedicavam ao cultivo do
dessas diversas culinárias milho principalmente (RENK,
que se encontraram e 1991). Já os caboclos sempre
complementaram ao longo da produziam para consumo
história no oeste. próprio e prezavam pela comida
O revirado (Figura 1) é de casa, com sabores da terra
composto por um espelho de e valorizavam tudo que era
caldo de feijão preto, polenta produzido nas proximidades.
mole com queijo colonial, ragu
suíno e com cobertura de couve
Cristiane Tonezer
254 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

FIGURA 4: Ragú suíno e pão de milho


Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia
da UFES
Janeiro-Junho, 2018
ISSN 2175-3709

Fonte: Autores, 2015.

FIGURA 5: Couve crispe

Fonte: Autores, 2015.

FIGURA 6: História escrita: material ilustrado

Fonte: Autores, 2015.

255
FIGURA 7: Utensílios: toalha bordada e colher de pau

Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia
da UFES
Janeiro-Junho, 2018
ISSN 2175-3709

Fonte: Autores, 2015.

Sobre a polenta mole alimentar de consumir suínos.


com queijo colonial e pão de O hábito de tomar sopas é de
broa assada(Figura 3) destaca- origem Europeia. Existe uma
se que do milho e da mandioca, divisão entre as culinárias dos
se produzia a farinha que caboclos e europeia, a qual
era bastante usada no Brasil podemos chamar de secos e
colônia. O pão era considerado molhados respectivamente
luxo para a população em geral (DÓRIA, 2014). A preparação
e era geralmente substituído molhada, como carne ensopada
pela farinha de milho (PINTO e a sopa são expressivo na
E SILVA, 2005). A Farinha de culinária alemã e italiana. O
milho integrante da polenta ragu suíno, visualmente lembra
começou a ser introduzida um frango desfiado refogado,
quando apareceram os moinhos porém o sabor surpreende ao
de moagem. A polenta, típica sentir que é carne suína, esta
da culinária italiana, tornou-se característica sensorial remete
um hábito alimentar. A farinha a lembrança da culinária
de milho e o feijão devido ao europeia.
fácil acesso, começam a fazer A couve crispe (Figura
parte da alimentação também 5), é a fritada da couve man-
dos caboclos (RENK, 1991). teiga em gordura bem quente
O ragu suíno (Figura 4), deixando o vegetal crocante. Ela
um cozido de carne em molho foi inserida no prato por repre-
até se tornar uma sopa, também sentar a vegetação de fácil culti-
faz parte do revirado. Destaca- vo e consumido pelos caboclos
se que a carne está sempre e pelos europeus. Para os imi-
relacionada a fartura desde grantes europeus, esse consumo
o processo de colonização. A aconteceu como substituição
criação de animais faz parte da antes de terem seus produ-
história do consumo dos povos, tos tradicionais cultivados.
com a chegada dos italianos e Após criado o prato, re-
alemães, estes trazem o hábito alizou-se um evento para sua
Cristiane Tonezer
256 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

divulgação e apreciação para a de extensão Patrimônio


sociedade de Chapecó e região. Gastronômico da Região Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
Assim, o evento reuniu pes- Oeste de Santa Catarina, isso do Departamento de Geografia
soas, cerca de 120 pessoas de porque, esta união possibilitou da UFES
Janeiro-Junho, 2018
Chapecó que puderam ouvir não apenas a elaboração de ISSN 2175-3709
o relato da pesquisa e seus re- um saboroso alimento, mas
sultados e um documentário também a compreensão de
com os autores envolvidos na que diferentes culturas podem
pesquisa, tanto os que con- “sobre” viver em um mesmo
taram a história quanto os que espaço, tornado este um lugar
registraram a história da gas- melhor.
tronomia do oeste catarinense. A população do oeste
O evento prestigiado catarinense enfrentou muitas
uniu cultura e gastronomia disputas no passado, princi-
e trouxe o entendimento da palmente por território. Estas
história de um lugar e através lutas ainda permanecem em
dela o resgate do saber fazer de alguns locais da região, assim
um povo. O prato apresentado como preconceitos historica-
pode difundir valores e costumes mente construídos. Cabe ques-
de uma região deixando um tionar estas características e,
legado para as futuras gerações, assim como na construção de
e para manter viva a cultura um prato comum, construir
gastronômica de um povo. um novo cenário, de respeito às
As etnias envolvidas diferenças.
tornaram-se uma e a receita
elaborada, baseada em um 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
conceito histórico, harmonizou
ingredientes comuns em Este estudo teve como
todas as culturas. Alguns objetivo resgatar a memória
relatos recebidos, de dois gastronômica das etnias
convidados, sobre o evento: formadoras do Oeste de Santa
Catarina levando em conta
“[...] hoje todas se tornaram que o ato de se alimentar
uma só cultura no oeste ultrapassa a função de suprir as
catarinense”. Convidado 1.
“Revirado é uma inesperada necessidades biológicas, indo
surpresa. Uma mistura de além e caracterizando o modo
nostalgia do fogão à lenha de viver de uma população.
da casa da dos avós com a A região oeste catarinense
criatividade, originalidade e tem sua história traçada pela
inovação [...]”. Convidado 2.
miscigenação dos povos, dentre
as etnias estão a cabocla, a
Os convidados re-
italiana, a alemã e a polonesa.
ceberam uma lembrança
A etnia cabocla é a mais
(Figura 6 e 7) relatando a
antiga das culturas analisadas
história do projeto realizado e
neste estudo, anterior à
utensílios utilizados até hoje.
colonização, europeia, sua
Unir os hábitos
alimentação estava vinculada
alimentares de uma região em
à agricultura de subsistência
um mesmo prato foi um desafio
e com ausência de comércio
para a equipe do programa
desta produção. Por volta
257
de 1860 inicia-se a chegada buscou integrar ingredientes
dos europeus, primeiro comuns de cada cultura.
Revista do Programa de vieram os italianos e alemães, Através do alimento
Pós-Graduação em Geografia e após os poloneses. A vinda mostrou-se que a diversidade
do Departamento de Geografia
da UFES dos europeus confrontou produz novos e melhores
Janeiro-Junho, 2018 os hábitos alimentares dos sabores, daí a importância
ISSN 2175-3709
índios e caboclos da região, deste estudo, pois ao provar
transformando a gastronomia. o revirado compreende-se
Se os caboclos até que nenhum ingrediente é
então viviam da agricultura superior ou inferior do que
e sua produção era para outro, sendo todos necessários
o consumo da família, as para que o prato final se torne
empresas colonizadoras, por algo gastronômico e audacioso.
sua vez, tinham uma outra A pesquisa tem sua
lógica, a da produção intensiva originalidade, pois até então
para o mercado. Também não se conhece estudos que
destaca-se que como os antigos buscam, através de um projeto,
moradores do oeste não tinham unir diferentes etnias. Como
documentos das terras que desafio de continuidade colo-
habitavam, as colonizadoras ca-se a necessidade de dar vós
expulsavam os índios e caboclos às etnias ainda não contempla-
de suas moradas, o que gerou das, com destaque para a indí-
inclusive lutas sangrentas entre gena, isso porque, reconhece-se
diferentes etnias. que este povo tem muito à en-
Diante deste contexto sinar através de seus hábitos ali-
de lutas e transformação a mentares.Até então foram estes
equipe do projeto de extensão os frutos colhidos, cabe agora
viu-se desafiada a criar, através continuar divulgando este novo
da alimentação das diferentes prato, carregado de simbolis-
etnias, algo que tentasse mos, e quem sabe em um futuro
unir e valorizar as diferentes próximo, inserir novos sabores.
culturas do oeste catarinense,
surge assim o revirado, que

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBA, Rosa S. Espaço urbano: os agentes da produção em Chapecó.


Chapecó: Argos, 2002.

AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da Irmandade


Cabocla. 4ed. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2001.

BALDIN, Nelma. Tão fortes quanto à vontade: história da imigração


italiana no Brasil: os Vênetos em Santa Catarina. Florianópolis:
Insular, 1999. 279 p.

BENJAMIN, Roberto. A África Está Em Nós. História e Cultura


Afro-brasileira. 2ª Edição. Livro 03. Editora Grafset. João Pessoa,
Paraíba. 2010.

Cristiane Tonezer
258 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

BRAGA, Vivian. Cultura Alimentar: contribuições da antropologia


da alimentação. Saúde em revista, Piracicaba, n.6 (13): 37-44, 2004. Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia
BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. São Leopoldo: UNISINOS, da UFES
Janeiro-Junho, 2018
2006. ISSN 2175-3709

CARLOS RODYCZ, Wilson. Colônia Lucena Itaópolis: Crônica


dos imigranates poloneses. Florianópolis: BRASPOL, 2002.

DA MATTA, R. Sobre o simbolismo da comida no Brasil. O correio


da UNESCO, Rio de Janeiro, n. 15 (7), p. 22-23, 1987.

DALL ALBA, João Leonir. Imigração italiana em Santa Catarina:


documentário. Caxias do Sul: EDUCS, 1983. 182 p.

DE BONI, Luis A.; GOMES, Nelci R.. Entre o passado e o desencanto:


entrevistas com imigrantes italianos e seus descendentes no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São
lourenço de Brindes, 1983. 128 p.

DEBONA, Narcelio Inácio. O CABOCLO DE PALMA SOLA E


ARREDORES: Depoimentos sobre as décadas de 1930 – 1960.
UFPR Curitiba, 2010.

DÓRIA, Carlos Alberto. Formação da culinária Brasileira. São


Paulo: Três Estrelas, 2014.

DUCATTI NETO, Antonio. A vida nas colônias italianas. Porto


Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brin, 1979.
167 p.

EPAGRI –Informações Técnicas: Feijão. Disponível em: <http://


www.epagri.sc.gov.br/?page_id=1356>. Acesso em: 08 ago. 2015.

FARINA, Daniela. Documentário Desbravadores do Oeste:: O


oeste catarinense em cena. Cadernos do Ceom, Chapecó, Sc, v. 25,
n. 19, p.53-78, jun. 2006. Disponível em: <https://bell.unochapeco.
edu.br/revistas/index.php/rcc/article/download/2048/1126>.
Acesso em: 04 abr. 16.

GIELDA, F. Monique. A comida como traço étnico da cultura


cabocla no limiar do século XXI. Revista Grifos. 2008.

GRANELLA, Maritânia; DMITRUK ORTIZ, Hilda Beatriz.


Memória histórica de ocupação e povoamento de origem italiana
em Novo Tiradentes, RS. 2000. 74 f : Monografia (conclusão do
curso de história) Universidade do Oeste de Santa Catarina, 2000.

HASS, Monica. O linchamento que muitos querem esquecer.

259
Chapecó, 1950-1956. 2 ed. Chapecó: Argos, 2007.

Revista do Programa de HERNÁNDEZ, Jesús Contreras. Patrimônio e Globalização: o caso


Pós-Graduação em Geografia e das culturas alimentares. In: CANESQUI, Ana Maria. GARCIA,
do Departamento de Geografia
da UFES Rosa Wanda Diez. Antropologia e nutrição: um diálogo possível.
Janeiro-Junho, 2018 Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, p. 129-146, 2005.
ISSN 2175-3709

HIRSCH, Maria Adelaide Pasquali. Ernesto Bertaso de Verona a


Chapecó. Chapecó: Argos,2005

JADWISZAK, Grazyna et al. DA ‘Polska’ à terra prometida: O


legado polonês em Santa Catarina e um tributo à comunidade do
Chapadão/ Orleans. Florianópolis: Insular, 2009.

MACIEL, Maria Eunice. Cultura e alimentação, ou o que têm a


ver os macaquinhos de Koshima com Brillat-Savarin? Horizontes
Antropológicos, 16, 2002.

MACIEL. Maria Eunice. Identidade Cultural e Alimentação. In:


CANESQUI, Ana Maria. GARCIA, Rosa Wanda Diez. Antropologia
e nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ,
p. 49-56, 2005.

MARIA MARQUETTO, Rut; SERAFIM TUSI DA SILVEIRA,


Jõao. Produtos agroalimentares e desenvolvimento regional. Santo
Ângelo: FuRI

MENASCHE, Renata. A agricultura familiar à mesa: saberes e


práticas da alimentação no Vale do Taquari. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2007.

MENASCHE, Renata. MARQUES, Flávia Charão. ZANETTI,


Cândida. Autoconsumo e segurança alimentar: a agricultura
familiar a partir dos saberes e práticas da alimentação. Revista de
Nutrição. Vol 21, Campinas, 2008.

MENASCHE, Renata. Saberes e sabores da Colônia: alimentação e


cultura como abordagem para o estudo rural. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2015.

OLIVEIRA, Flávia Arlanch Martins de. Padrões alimentares em


mudança: a cozinha italiana no interior paulista. Revista Brasileira
de História, Marília, São Paulo, v. 26, n. 51, p.47-62, 10/jun.2006.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-01882006000100004>. Acesso em: 04 maio
2016.

ONGHERO, André Luiz. Colonização e constituição do espaço


rural no oeste de Santa Catarina. XXVII Simpósio Nacional de
História. Natal RN. 2013.

Cristiane Tonezer
260 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini
Cristiane Tonezer Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Maria Regina Martinazzo Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

ONGHERO, André Luiz. Nova Erechim: da colonização à


emancipação. Chapecó, SC: CEOM/Unochapecó; Nova Erechim, Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
SC: Prefeitura Municipal de Nova Erechim, 2014. 167 p. do Departamento de Geografia
da UFES
Janeiro-Junho, 2018
ONGHERO, André Luiz. Retratos e memórias da história de ISSN 2175-3709
Formosa do Sul. Chapecó: CEOM/Unochapecó, 2012.

PERTILE, Krisciê; GASTAL, Susana. Turismo e gastronomia:


As vozes italianas e a culinária da imigração. Vii Seminário de
Pesquisa em Turismo do Mercosul, Caxias do Sul, 17 nov. 2012.
Disponível em: <http://www.ucs.br/ucs/tplVSeminTur /eventos/
seminarios_semintur/semin_tur_7/gt14/arquivos/14/01_16_42_
Pertile_Gastal>. Acesso em: 03 mar. 2016.

PIAZZA, Walter F. A colonização de Santa Catarina. 3. Ed.


Florianópolis: Lunaedelli, 1994.

PICOLI, Bruno Antonio. Sono Tutti Buona Gente: a fabricação da


superioridade italiana. Cadernos do CEOM, Chapecó, SC , v.24,
n.35, p. 337-348, dez. 2011

PINTO E SILVA, Paula. Farinha, feijão e carne seca: Um tripé


culinário no Brasil Colonial. São Paulo: Senac, 2005.

POLI, Jaci. Caboclos: pioneirismo e marginalidade. Cadernos


CEOM Chapecó, FUNDESTE, 2 ( 3): 3-34, out. 1987.

POLI, Odilon Luiz. Camponeses no Oeste Catarinense - Cadernos


do Ceom. Chapecó, SC: Unochapecó, v. 15, n. 14, (dez. 2001).

POLI, Odilon Luiz. Cultura e modo de vida camponês no Oeste


Catarinense: as bases para a organização e frente à crise dos anos
70 / 2002.

PONS, Silvia Carrasco I. Pontos de Partida Teórico-metodológicos


para o Estudo Sociocultural da Alimentação em um Contexto de
Transformação. In: Antropologia e nutrição: um diálogo possível.
Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, p. 101-128, 2005.

POULAIN, Jean-Pierre, PROENÇA, Rosana Pacheco da Costa.


O espaço social alimentar: um instrumento para o estudo dos
modelos alimentares. Revista de Nutrição. Campinas: 16(3):245-
256, jul./set., 2003.

REICHERT, Patrício. Diferenças culturais entre caboclos e


teuto-brasileiros de Porto Novo: a segregação social do caboclo,
Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em
Geografia, Porto Alegre: UFRGS, 2008.

RENK, Arlene. A luta da erva: um ofício étnico da nação brasileira


no oeste catarinense. 2. ed. rev. Chapecó: Argos, 2006. 250 p. 261
RENK, Arlene. A colonização do oeste catarinense: as representações
dos brasileiros. Cadernos do CEOM - Ano 19, n. 23 - CEOM: 20
Revista do Programa de anos de memórias e histórias no Oeste de Santa Catarina.
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia
da UFES RENK, Arlene. Migrações: de ontem e de hoje. Chapecó: Grifos,
Janeiro-Junho, 2018 1999.
ISSN 2175-3709

ROCHA, Carla Pires Vieira da. Comida, Identidade e Comunicação:


a comida como eixo estruturador de identidades e meio de
comunicação. Disponível em <http://www.bocc.ubi.pt/_esp/autor.
php?codautor=1923>, acesso em 23/09/2017.

ROCKENBACK, Sílvio Aloysio. Imigração alemã: 180 anos –


história e cultura. Porto Alegre: CORAG, 2004.

SONATI, J. G.; VILARTA, Roberto; SILVA, Cleiliane de Cassia;


Influências Culinárias e Diversidade Cultural da Identidade
Brasileira: Imigração, Regionalização e suas Comidas - In Qualidade
de Vida e Cultura Alimentar. 11/2009, ed. 1, IPES EDITORA, Vol.
1, pp. 11, pp.137-147, 2009

THOMÉ, Nilson. Pioneirismo da imigração Alemã, em Santa


Catarina, na Região do Contestado. Caçador: UnC/Museu do
Contestado, 2004.

VICENZI, Renilda. Colonizadora Bertaso e a (des) ocupação no


Oeste Catarinense. Cadernos do Ceom, Chapecó, Sc, v. 25, n. 19,
p.301-318, jun. 2006. Disponível em: <https://bell.unochapeco.edu.
br/revistas/index.php/rcc/article/download/2061/1139>. Acesso
em: 04 abr. 2016.

VICENZI, Renilda. Colonizadora Bertaso e a (des) ocupação no


oeste catarinense. Cadernos do Ceom, Chapecó. 2006.

VICENZI, Renilda. Mito e história na colonização do oeste


catarinense. Chapecó: Argos, 2008.

VICENZI, Renilda. Mitos e história na colonização do Oeste


Catarinense.Chapecó: Argos,2008.

WERLANG. Alceu Antonio. A colonização do Oeste Catarinense.


Argos, 2008.

WERLANG. Alceu Antonio. Disputas e ocupações do espaço no


Oeste Catarinense. Argos. CHAPECÓ 2006.

ZANCHI, Verenice; ETGES, Virgínia Elisabeta. O alimento como


estratégia de atração turística nos vales do Rio Pardo e do Taquari
– RS. In. Produtos agroalimentares e desenvolvimento regional.
Santo Angelo, FuRI, p. 361-374, 2016.

Cristiane Tonezer
262 Maria Regina Martinazzo
Identidade gastronômica: Patrimônio imaterial do oeste catarinense
Páginas 238 a 262
Marta Nichelle do Amaral
Simone Fátima Mascarello Cervini

Você também pode gostar