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COLÉGIO PEDRO II – CAMPUS DUQUE DE CAXIAS

DISCIPLINA: SOCIOLOGIA
Postagem 11
PROFESSOR FABIO BRAGA DO DESTERRO 29/04/2021

Hoje iniciaremos nossos estudos sobre as relações de trabalho no modo de produção


capitalista. Para isto, iremos discutir algumas ideias de um autor clássico que ainda não havia
aparecido nas nossas aulas: Karl Marx (1818-1883).
O texto abaixo, escrito por Igor José de Renó Machado, Henrique Amorim e Celso Rocha
de Barros, aborda alguns conceitos importantes de Marx, tais como trabalho, força de trabalho,
classes sociais, luta de classes, ideologia, mais-valia e alienação. Faça uma leitura atenta.
Discutiremos o conteúdo deste texto na próxima aula.

O TRABALHO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA


Igor José de Renó Machado, Henrique Amorim e Celso Rocha de Barros

1. Karl Marx: trabalho e classes sociais


A principal obra de Karl Marx, O capital, veio a público em 1867, ano de lançamento do
primeiro volume. Os outros dois volumes foram publicados após a morte do autor em 1883.
Marx foi um dos maiores pensadores de seu tempo. Sua análise foi marcada pela investigação
das relações capitalistas e pela formação e relação das classes sociais. Para ele, a questão-chave
para explicar as transformações sociais é a relação conflituosa entre forças sociais, isto é, entre
classes sociais distintas com interesses antagônicos.
O argumento central de Marx é o de que as sociedades se dividem em classes sociais.
Essa divisão é fruto de um processo histórico de lutas em que um grupo social torna-se
dominante e subjuga os interesses dos demais grupos. No capitalismo, Marx observou que a
burguesia, a classe capitalista, tornou-se dominante primeiro derrotando a nobreza e
instaurando um novo tipo de sociedade. Ao longo de sua ascensão, a burguesia passou a
determinar as formas de governo, a cultura, a política. Dessa maneira, as leis, as regras, as
normas, os gostos e os padrões de consumo, de organização da economia, da ciência e da política
passaram a ser definidos pelos interesses da burguesia. Ou seja, a sociedade capitalista tem
como objetivo central reproduzir a forma de vida burguesa, fundamentada no lucro e
estruturada na produção de mercadorias.
Para gerar lucro, é necessário que haja uma classe produtora de mercadorias, cujo
trabalho é explorado pelos capitalistas. Assim, ao mesmo tempo que a burguesia se constituiu
historicamente, formou-se uma classe antagônica a ela: a classe trabalhadora, ou proletariado.
No processo histórico de formação do capitalismo, a burguesia nascente já explorava o trabalho
de pequenos produtores. Com o crescimento dessa forma de produção, a burguesia tornou-se


Extraído, com adaptações, do livro Sociologia Hoje. 2 ed. São Paulo: Ática, 2016, p.142-145;
154-155.

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dominante e o coletivo de trabalhadores, antigos servos e produtores rurais aumentou na forma
de proletariado industrial. Portanto, as classes sociais fundamentais da sociedade capitalista
seriam a burguesia (a classe capitalista) e o proletariado (a classe trabalhadora).

Assim falou Marx:


“A história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes. [O ser humano]
livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, burgueses de corporação e oficial, em suma,
opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta
ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração
revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta. […]
A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as
oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas condições de opressão, novas
configurações de luta, no lugar das antigas. A nossa época, a época da burguesia, distingue-se,
contudo, por ter simplificado as oposições de classes. A sociedade toda cinde-se, cada vez mais,
em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que diretamente se enfrentam:
burguesia e proletariado”.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista.
Petrópolis: Vozes, 1988. p. 66-67.

Mas por que a classe trabalhadora se deixa explorar? Por que não há igualdade
econômica entre os indivíduos? Segundo Marx, ao longo da História, a formação da classe
trabalhadora advém da expropriação de seus meios de produção, isto é, da apropriação, por
outros, de suas terras, de suas ferramentas, de suas casas e de seus locais de trabalho. A
burguesia utilizaria seu poder econômico, o controle político e do exército para se apropriar dos
meios de produção de produtores livres e forçá-los a vender seu trabalho em troca de um salário
para poder sobreviver, formando, assim, o proletariado urbano. Com isso, o trabalhador seria
obrigado a se submeter a determinações da classe dominante, incluindo o valor do salário, o
ritmo e condições de trabalho e, sobretudo, produtividade. A classe trabalhadora não teria
escolha. Para sobreviver, seria obrigada a vender seu trabalho a um capitalista, no comércio,
na indústria, em uma escola particular, cortando cana-de-açúcar para uma usina produtora de
álcool, etc.
Além disso, uma das teses que Marx desenvolveu no livro A ideologia alemã se refere às
formas de dominação ideológica. Longe de construir uma teoria pautada apenas por questões
econômicas, Marx se preocupou em identificar a constituição de um novo modo de vida. Esse
modo de vida, além de representar as formas de produção e reprodução das classes sociais,
também se expressaria por uma ideologia. Para Marx: “Os pensamentos da classe dominante
são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe
que é o poder material dominante numa determinada sociedade é também o poder
espiritualmente dominante”. Nesse sentido, Marx compreende que a ideologia de uma época

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social é a expressão da maneira como a classe dominante pensa a sociedade. O modo de vida,
tanto do ponto de vista material como intelectual de um momento histórico, seria, portanto, à
imagem e semelhança do modo de vida da classe dominante. Se estamos nos referindo às
sociedades feudais, nas quais a classe dominante era a nobreza, o conjunto de ideias, a ideologia
predominante seria a da nobreza. Se estamos falando da sociedade capitalista, na qual a classe
dominante é a burguesia, a ideologia predominante seria a da classe burguesa ou capitalista.

Você já pensou nisto?

Para Marx, o trabalho teria como objetivo gerar lucro ao capitalista. Toda a produção seria
organizada com base nesse objetivo. Apesar de a produção ser toda realizada pelos trabalhadores,
estes ficam apenas com uma pequena parte dessa produção. A maior parte seria exatamente o lucro.
Você já se perguntou o porquê desse tipo de produção? Por que é necessário organizar a produção
com base no lucro? Quais são as implicações dessa forma de organização? Você acha que os
mecanismos de organização do trabalho colaboram para a geração do lucro? Reflita sobre alguns
aspectos da organização do seu trabalho ou do trabalho de pessoas de sua família.

A classe capitalista teria como ponto central de sua dominação reproduzir a exploração
do trabalho. Para isso, a produção industrial seria cada vez mais incrementada, tanto nas
formas de gerência quanto em relação à introdução de novas tecnologias. Mas por que é sempre
necessário desenvolver mais e mais a produção de mercadorias? Marx entende que quanto mais
o trabalhador é controlado, maior será sua produtividade e menor será seu poder político.
Assim, a substituição do trabalhador por uma máquina é uma iniciativa do capitalista para
obter um número maior de mercadorias, aumentando a produtividade do trabalho. Com a
máquina a produção aumenta, e aumenta também o controle do capitalista, pois os
trabalhadores passam a responder ao ritmo e ao tempo da máquina. Ou seja, o capitalista usa
a máquina tanto produtivamente quanto politicamente. Ao submeter o trabalhador a um ritmo
que ele não comanda, o capitalista força o trabalhador a aumentar a produtividade do trabalho.
Podemos resumir essa questão com a seguinte frase: é preciso que tudo mude para que
nada se transforme. Ou seja, é preciso sempre desenvolver a produção com novas tecnologias e
formas de organização, para que: 1. a produção aumente e, com isso, aumentem os lucros dos
capitalistas; e 2. aumente o controle do capitalista sobre a classe trabalhadora. Portanto, para
Marx, o desenvolvimento do capitalismo se baseia na exploração e na dominação da classe
trabalhadora pela classe capitalista. Nesse sentido, as classes sociais se chocam e as
transformações históricas e sociais se desenrolam com base nesse choque, nessa luta entre
classes sociais antagônicas.
De um lado, os trabalhadores reivindicam, por meio dos sindicatos ou por outros tipos
de organização, melhores salários e condições de trabalho. De outro lado, os capitalistas querem
aumentar seu lucro. Existe, então, um embate entre forças sociais opostas. Toda a sociedade

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seria, portanto, baseada em relações contraditórias, que inspiram confrontos políticos
originários da divisão social em classes.

2. Força de trabalho e alienação


A desigualdade econômica é estrutural em nossa sociedade: está presente desde o início
do capitalismo, ganhando novos contornos e feições em cada conjuntura histórica. Vimos que
essa desigualdade tem relação com os meios de produção. Na formação do capitalismo, classes
sociais distintas se estruturaram e com base nelas estruturou-se também uma forma de viver
e de consumir. Essa divisão estabeleceu uma separação entre aqueles que têm os meios de
produção e os que não os têm.
Segundo Marx, essa relação não é apenas uma relação econômica. A divisão entre classes
sociais impõe formas de vida específicas. Por exemplo, o acesso aos transportes das classes
trabalhadoras não é o mesmo que o das classes capitalistas; o acesso à educação também não.
Poderíamos listar muitas outras diferenças em relação à saúde, habitação, consumo, lazer, etc.
Assim, apesar das leis, regras e normas que aparentam garantir a igualdade entre as
pessoas, há diferenças sociais significativas entre elas. Para Marx, essa questão é estrutural
nas sociedades divididas em classes, como a sociedade capitalista. No entanto, a diferença em
relação às outras sociedades que antecederam o capitalismo é que até então as diferenças entre
as classes eram formais e estruturais. Já no capitalismo, parecemos iguais, formalmente todos
temos os mesmos direitos e oportunidades; porém, de fato somos recortados por diferenças
estruturais relacionadas à divisão entre os que têm e os que não têm como produzir sua
subsistência.
Segundo Marx, a desigualdade social é fruto da divisão da sociedade em classes. Aqueles
que têm os meios de produção (dinheiro, prédios, capital, ações na Bolsa de Valores, etc.)
compram o trabalho daqueles que não têm esses meios.
A questão se torna ainda mais complexa quando falamos em força de trabalho. Quando
o capitalista paga pelas atividades desenvolvidas numa empresa ou indústria em um mês, o que
ele está pagando? Por exemplo, se um grupo de trabalhadores está empregado em um ramo da
construção civil, e se no fim do mês todos esses trabalhadores forem pagos pelo conjunto de
seus trabalhos, o capitalista não terá lucro.
Isso quer dizer que o capitalista paga pela força de trabalho (a capacidade de trabalho) e
não pelo produto de todo o trabalho realizado naquele período. Quando alguém recebe seu
salário mensal, acredita estar recebendo o total de seu trabalho, mas, na verdade, essa quantia
representa apenas uma parcela do trabalho desenvolvido durante o mês. Marx entende que
nessa relação de troca há uma aparência (salário pelo trabalho) e algo oculto (salário apenas
por parte do trabalho). Essa ocultação seria uma forma de alienação.

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Como vimos, o trabalhador vende sua força de trabalho, mas só recebe por uma parcela
do período em que a empregou. Segundo Marx, aí existe uma dupla dimensão. A primeira
dimensão é a alienação do trabalhador, que veremos em seguida. A segunda é a mais-valia,
termo cunhado por esse autor para explicar essa relação de apropriação do produto do trabalho
como um todo e o pagamento de apenas uma parte dele. Na economia marxista, mais-valia é a
diferença entre o valor que o trabalhador produz e o seu salário. O salário equivale a apenas
parte do valor produzido pelo trabalhador e o restante é a mais-valia, apropriada pelo capitalista.
Por exemplo, em um mês, uma montadora produz 100 automóveis, mas não paga o valor dos
100 carros para os trabalhadores. Paga apenas uma parte desse valor: a outra parte é o lucro
do capitalista.

Você já pensou nisto?

O lucro é uma forma de rendimento que está relacionada ao trabalho. O lucro é maior à medida
que se paga menos pela força de trabalho. Se o capitalista corta o salário de seus empregados, seu
lucro é maior; se ele aumenta os salários, seu lucro é menor. Por isso, há um movimento constante
para reduzir o valor da força de trabalho, com o objetivo de aumentar os lucros. Reflita sobre essa
questão: existe a possibilidade de chegar a uma condição mais equilibrada entre trabalhadores e
capitalistas? Em que medida é possível criar regras e normas para a diminuição das desigualdades
sociais?

Assim, a finalidade de toda a produção de mercadorias no capitalismo não é atender a


necessidades individuais ou coletivas com produtos úteis, e sim valorizar o capital. Marx afirma
que a mercadoria precisa ser útil, afinal ninguém compraria algo sem utilidade, seja um
eletrodoméstico, seja um programa de computador. No entanto, o que define o valor da
mercadoria não é sua utilidade, mas a quantidade de trabalho contido nela.
É com base nesse raciocínio que Marx diferencia o trabalho produtivo do trabalho
improdutivo. Não se trata de um juízo de valor: o que define o trabalho produtivo não é sua
importância social, política ou econômica. Trabalho produtivo é aquele que produz diretamente
uma nova quantidade de valor com base na exploração do trabalho. O trabalho de um médico
não assalariado, por exemplo, é improdutivo, pois não produz diretamente mais-valia, ao
contrário daquele exercido pelo trabalhador assalariado da montadora.
A outra dimensão desta relação é a alienação do trabalho: o trabalhador se aliena — se
distancia — do produto de seu próprio trabalho, pois tudo aquilo que produziu torna-se
propriedade de outra pessoa. O resultado do trabalho não pertence mais ao trabalhador, pois
esse produto pertence ao capitalista, na forma de propriedade privada. Ao se alienar do produto
de seu trabalho, segundo Marx, o trabalhador se aliena do seu próprio trabalho, isto é, de sua
atividade vital como ser humano, alienando-se, com isso, do que o caracteriza como ser
humano.

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