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Indice

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Brasília50 ANOS

Lista de nomes Nostalgia ESTÉTICA pÁG.62


As personalidades que aparecem 8 Como foram os melancólicos As cúpulas da Câmara e do Senado são a Tradução
ao longo desta edição . últimos dias do Rio de Janeiro 124 da arquiTeTura de Oscar Niemeyer em Brasília,
como sede do governo
Carta ao leitor .. .... . 14 11m espanlO no início dos anos 1960

Primórdios Inauguração
o primeiro dia da capital BRASíLIA - c . 1962 r-QTO. MI\RCEL G., urnEROT I INSTITL"TO MOREIRA SAlLES
As imagens que marcaram o
início de tudo no meio do nada 20 recém-nascida começou 132
na véspera
Ideia Fotografia
Tirar o país do litoral A memória visual daquele tempo
rumo ao interior era tese que 36 é resultado da iniciativa 144
nascera um século antes de gente obcecada
Política Realidade
Juscelino Kubitschek
quis sair do Rio de Janeiro
o dia seguinte começou
com fe ri ado e revoada
porque tinha medo 42 de deputados e senadores ... 146
de ser deposto
Personagem Patrimônio
Oscar Niemeyer ainda o tombamento trai a ideia
se assombra quando recorda original de um lugar inovador 148
a aventura quase impossível . . 50 e experimental

Inovação Moda
Joaquim Cardozo, o calculista o país de 1960
nasceu junto com a fama
dos edifícios improváveis, 58 de Dener, o estilista
morreu triste e só
das primeiras-damas . 156
Arquitetura
Um pequeno guia para entender Design
a importância dos prédios 62 O sumiço dos móveis
de Niemeyer que ornamentavam
os palácios modernistas .164
Depoimento exclusivo
o arquiteto Tadao Ando diz que Cultura
Brasnia transcende os limites 70 A Legiâo Urbana de Renato Russo
é a cara da saudável ironia 166
impostos por Le Corbusier
da juventude brasiliense .
Projeto
O relató rio de Lucio Costa História
é um dos documentos decisivos A famnia do primeiro cidadão
da história brasileira 72 conta a trajetória de
quase um século do Brasil. 174
Urbanismo
Os traçados derrotados Cotidiano
no concurso revelam como o Homo brasiliensis,
poderia ter sido a cidade ... 85 se é que um dia existirá,
é figura ainda em gestação . 182
Perfis
o relato emocionado Frases
dos pioneiros que estiveram 94 As diatribes de quem
ao lado de JK desde o início . apostou no fracasso
Engenharia
do 21 de abril de 1960 186
o épico feito de erguer Economia
uma metrópole em menos Infográfico mostra o crescimento
de quatro anos . . ... .. ... 102 do Distrito Federal 188 CRIADORES pÁG.72
em cinco décadas. Juscelino e Lucio Co.wa, e111 U111 dos marcos iniciais
Finanças da cidade que o urbanista começou a illvellfar
Com Brasília, Juscelino Internet
inaugurou a era do descontrole 120 Depoimentos, filmes, fotos l1a cabine de um I/avio lransallálllico
inflacionário ... e documentos ........ .... 190 PLANALTO CENTRAL - 1957 FOTO JIoAN \1A .~ ZON

6 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRA.sÍLIA 50 A OS


.... "'?8' -.;3'
~ 9"\S..
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Indice Brasília50
OS NOMES DE PERSONALIDADES QUE APARECEM NESTA EDiÇÃO
Citações pela primeira referência em cada reportagem
A Dom QUIXote 50 Joaquim Cardozo 52 .58 Negrete (Renato Rocha) 166
Adauto Lúcio Cardoso 103.186 Dorival Caymmi 80 Joaquim Roriz 168 Nelson Rodrigues 124
Adriano Siri 168 Jofre Mozart Parada 90 Ney Fontes Gonçalves 85
AécIo Neves 52 E Johann Montz Rugendas 144 Nlcolas Behr 168
Affonso Heliodoro 101 Éder Jofre 70,190 John Dos Passos 110 Noel Rosa 139
Alceu Penna 158 Elvis Presley 160 John Lennon 70
Amadeu Oliveira Coimbra 169 Emnio Garrastazu Médici 179 Jorge Zalszupm 164 O
André MalraUIX 58 Emival Caiado 103 José Amádlo 139 Océlio Medeiros 139
André Sive 75 Ernest Boeckmann 169 José Batista Sobrinho (Zé Mineiro) 111 Oscar Niemeyer 14. 25. 29. 50. 58.
Annita Niemeyer 52 Ernesto Geisel 179 José BonifácIo 32. 76 62. 70, 73,85, 97,99. 104. 140.
Antenor Nascentes 171 Ernesto Silva 32,95,104,171 José Carlos de Figueiredo Ferraz 58 147. 152. 160. 164, 168. 182.190
Antonio de Góis 169 Euclides da Cunha 37, 171 José Carlos Sussekind 58 Oswaloo Montenegro 168
Antonio Soares Neto (Toniquinho) 40 Eugênio Gudin 121 José Eduardo Belmonte 172 Ozires Pontes 139
Atahualpa da Silva Prego 99 Evandro Uns e Silva 59 José Uns do Rego 129
Ataulfo Alves 128 José Maria Alkmin 43 p
Athos Bulcão 68 F José Neiva Moreira 139 Paul McCartney 70
Augusto Guimarães Filho 97 Federico Fellini 190 José Pessoa 32 Paulo Antunes Ribeiro 85
Augusto Rademaker 179 Fernando Henrique Cardoso 179 José Roberto Arruda 29 Paulo Fragoso 85
Aurélio Lyra Tavares 178 Fernando Sabino 185 Josué Montello 130 Pedro Álvares Cabral 134
Flávio de Aquino 75 Joubert Guerra 103 Pelé 161
B FranCISco Alves ln Juan Manuel Fangio 147 Peter Scheier 144
Balenciaga 160 FranCISco Pereira Passos 56 Juca Ludovico 44 Pier LUlgi Nervl 58
Bené Nunes 143,163 Francisco Varnhagen 34 Julieta Costa 75 Pierre Verger 144
Bernardo Figueiredo 164 Frei Vicente do Salvador 29 Juracy Magalhães 134. 163. 186
Bernardo Sayão 14,95,104 Juscelino Kubitschek (JK) 14.20,25, R
Bi Ribeiro 172 G 29.41,50.62.95 ,99. 103 121.126. Renato Russo 14. 166,179
Billy Blanco 128 Gabriella Pascolato 161 134,144.146.149,156,171.176, 182 Ringo Starr 70
Bono 70 Garrincha 122.161 Rino Levi 85
Borba Gato 29 George Harrison 70 K
Roberto Campos 104
Boruch Milman 85 Getúlio Vargas 43.95, 176 Kirk Douglas 147 Roberto Cerqueira César 85
Bruno Giorgí 68,171 Giovanni Bosco 37
Roberto Corrêa 168
Burle Marx 68 Guilherme de Almeida 143 L
Rodrigo Melo Franco Andrade 153
Burt Lancaster 147 Gustavo Corção 116,187 LR. Carvalho Franco 85
Rosa de Ubman 158
Le Corbusler 70, 73 ,86, 152
Rubem Braga 124
C H Lemn 50
Ruth de Almeida Prado 160
Café Filho 32,121,178 Helena Costa 73 Uncoln Gordon 121
Cândido de Figueiredo 171 Henrique Teixeira Lott 29,104, 178 LOUlse H. Emmons 142
Herbert de Souza (Betinho) 119 Lucas Lopes 104
S
Carlos Drummond de Andrade 73,129
Samuel Wainer 126
Carlos Lacerda 103, 129,134, Herbert Vianna 172 Lucio Costa 14.25 ,27.29.
Sandra Cavalcanti 187
146,158,187 Hipólito José da Costa 142 62 ,70.85,97,99, 117.
Santos Dumont 99
Carlos Lessa 130 Horácio Lafer 163 149. 166.182.190
n Sarah Kubitschek 101.126.143.158
Carlos Luz 178 Humberto Castello Branco 178 Luís 'f0I
Carlos Murilo Felício dos Santos 46 Luiz Cruls 30 Sebastião Paes de Almeida
Luiz Inácio Lula da Silva 121.130, 179 (não Medonho) 178
Carlota Pereira de Queirós 176
íris Meinberg 104 Seixas Dória 147
Carmem Portinho 35
Israel Pinheiro 25,43,52.85. M Serafim de Carvalho 42
Carmem Verônica 158
Cary Grant 147 95,103,142,163,178 Manuel Bandeira 58 Sérgio Porto
Celly Campello 160 Marcel Camus 130 (Stanislaw Ponte Preta) 158
César Prates 107 Mareei Gautherot 144 Sergio Rodngues 164
Charles Elbrick 179 Jacinto de Thorrnes 143 Marcelo Bonfá 166 Stalin 52
Christian Dior 75,160 Jacques Fath 160 Marcelo Roberto 85 Stamo Papadaki 75
Christopher Wren 77 Jales Machado 35 MárCia Kubitschek 44 . 143. 160
Clarice Uspector 182 Jânio John 185 Márcio de Souza Mello 179 T
Claude Lévi-Strauss 144 Jânio Quadros 29, 111,134, Maria Elisa Costa 73.90, 185 Tadao Ando 70
Clodomir Vianna Moog 30 185,186 Maria Estela Kubitschek 143,160 Tenóno Cavalcanti 187
Clodovil Hernandes 158 Jean Manzon 145 Maria Martins 68 Theodoro Figueira de Almeida 34
Clóvis Pestana 140 Jean-Baptiste Debret 144 Maria Teresa Goulart 162 Thomaz Farkas 145
Coco Chanel 160 Jean-Louis Lacerda Soares 147 Mário Fontenelle 23 ,144 TIradentes 95,134
Jerry Lewis 147 Máno Pinotti 146 Tom Jobim 80, 166
D Jesco von Puttkamer 144 Martha Garcia 162 Tony Curtis 147
Dado ViII a-Lobos 166 João Baptista Figueiredo 101 Martha Rocha 162
David Nasser 130 João Cabral de Melo Neto 58,n Masahlko Harada 70 U
Dener Pamplona 157 João Gabnel Gondim de Lima 144 MauríCIO Roberto 85 Ulysses Guimarães 179.184
Dilermando Reis 52,107 João Gilberto 29.166 Max Bense 145
Dina Merrill 147 João Goulart 134, 1n Mena Fiala 158 V
Dom Carlos Carrnelo 117 João Guimarães Rosa 41 Monsenhor Olímpio de Melo 186 Vera Lúcia Cabreira 52
Dom Henrique de Coimbra 117,134 João Henrique Roeha 85 Vinicius de Moraes 166
Dom José Newton de A. Baptista 143 João Moojen de Oliveira 142 N
Dom Manuel Gonçalves Cerejeira 134 João Paulo 11 182 Nara Leão 160 W
Dom Pedro 11 145 João XXIII 134 Negrão de Uma 178 William Holford 75

8 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECI AL BRAsrLlA 50 ANOS


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veja
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Rodrigo Leite I07 ·0051..leL: ~t-3·:.\S8+-0420. (3..\: 81 ~3-.l505-562STAlWAN: Le\\;i!> Im·I ."lediaSt.~·iceCo.lId. Aoor II ~ U r-,... 4(). Sec . '2 Tun HuaSaUlh RoodTJJpeL tel.. O,!-707· 55 19. foU: ul·709·83..l8.
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12 I NOV EMBRO, 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS www.abril.com.br
A CORRIDA DO OESTE
UMA JANELA.. A inauguração de Brasília {//raiu
ao ce rrado geme em busca de vida nora
e emprego /lO país que /laseia

PARA A HISTORIA PLANALTO CE 'TRAL - 1960


FOTO: REr\t BURR I I MAG'l:\I L \TINSTOCK

inauguração de Brasília. em 21 de abril de 1960. sabe. for coisa do passado . A revista que você tem em

A foi a realização de uma utopia, como foram todas


as grandes epopeias fundadoras de nações. Erguer
uma capital modernista no meio do cenado. a
centenas de quilômetros dos grandes centros urbanos, exigiu
uma visão de mundo tão ampla, corajosa e ousada quanto
mãos foi editada por Fábio Altman. de VEJA , secundado
na tarefa por Susana Camargo e Suely Bordin, insuperáveis
em sua curiosidade histórica e exatidão. e por Paulo Vital e
na seleção de imagens. Foram quatro meses de pesquisas
em [rês dezenas de acervos fotográficos. quase uma
a que levou o homem às grandes navegações e à conquista centena de mapas, atlas e teses acadêmicas .
do espaço. Meio século depois. poucos e lembram das VEJA convidou profissionais com conhecimento
razões, das emoções e das poderosas forças, a favor e contra. especffico obre arquitetura e hi stória para contribuir com
desencadeadas pela construção de Brasília. Era fácil ser artigos exclusivos explicando os ineditismo de BrasIlia.
contrário à aventura do presidente Juscelino Kubitschek. Ronaldo Costa Couto. jornalista e historiador. autor
A empreitada quebraria os cofres do país e traria a inflação, do livro Brasília KllbiTschek de Oli ve ira. conta segredos
dizia- e. Quebrou mesmo. A inflação veio. O Brasil de hoje de JK. Sérgio de Sá. neto de um dos precur ores.
venceu a inflação e a desordem financeira . O país tem a Bernardo Sayão. construtor da Belém-Brasília, investi ga
admiração mundial pela estabilidade política, pela busca da a peculiar cultura produzida no cerrado, cujo ícone
justiça social e pela racionalidade na política econômica. o é a banda Legião Urbana. de Renato Russo . O escritor
mais acabado tripé da modernidade. Muito dessa superação Humberto Werneck faz o minucioso relato do primeiro
foi antevisra pelos traços de Lucio Costa e Oscar Niemeyer. dia da capital, testemunhad9 por ele quando tinha
Eles desenharam não apenas uma cidade, mas uma nação. 15 anos. Diz Altman: "Combinamo a emoção
Esta edição especial de VEJA recupera a grande das testemunha daquele in tante fundamental com
aventura em todos os seus aspectos - humano. a acuidade de informações e fo tografias extraordinárias.
econômico, político, geográfico e arquitetônico. Ela narra O resultado é esta Edição Especial Brasília 50 Anos,
uma magnífica história futurista que ainda vai emocionar desde já uma referência para quem qui ser entender
gerações quando a Brasília dos escândalos, um dia quem o nascimento da cidade que originou o Brasil de hoj e".

14 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRAS ÍLIA 50ANOS


Primórdios

GOYe Z.

Lirnil ' ,;; - .\ IJ . f' " I': , 0 :'J ar.ml l C,, : ,l L, II P iallll:, B ahi a :'Iin. ~ Gf'rflf' :
:.\lina o.; (l I' ,lt' r .\l nft lJ ,1'1 :-,~o; e a , .linda .\l a U ero ', o P,lrá,
~u rrfidr - 7:íO.OOO kil ol1 lol ro, 'lll,H] r a,ln:-;,
PoplIl eân - :;1 1. ~IOO II ti .jIHn l f'~,
C, pilal - J O~'az, rom 21.2(\0 il,l il 'll1l ,',
,irlatlr' - O E ~ l. olv IJ ,'"" lI ~' 'jdad e,', .\ · p rin ip.
\'i:;fa Porlrl B mfim,
,\!!'['i IIHura - 1': , tfl mLu 1 a nnn a d j

aIS' rlão, o caf( I rt 'f nha , 1'"UI1 (' ~ r a "


Indu ~ lrio. - .\s pl'incip,II':-- indn" lri. ::;:ã a pu ' toril a ,lo ncfi ia mrrl rIo
rIo prrparo dI) 1'11 11 I ,
Co mmet'('in - E' fr ,H' 1) I1 I " 111 1 r ' io ~ yalln uja. pxp rl rincipn
('n l IX, (lo ,j \' I', arl'oz, f lllllO , XiU'If IlP , e Ollr ~, I lTa 'lHl, hanha, ll)lirinll , P
:- p cc o~, te,

.' ......

NO CENTRO DO PAÍS O espaço deslil1ado aofulI/lv DislrilO Federal, definido em J893, aparece no Pequeno Alias
do Brasil, de 1922, O pomo demarcado era cOllllecido como Qlladrilálero em/s, referência à missc70 exp/oralória

18 I . OVEMBRO, 2009 I veja I ESPEC IAL BRASílIA 50 ANOS ESPECIAL BRASíLIA 50 A.'lOS I veja I NOVEMBRO, 2009 I 19
Primórdios

A PRIMEIRA VEZ
NO CERRADO

os PÉS NA IMENSIDÃO
Às 7h45 de 2 de oll/ubro de 1956 o DC-J
da Força Aérea Brasileira decolou
do AeroporTO Samos DUlI/onT a cC/minho
do ponto onde seria erguida Brasília. A
pi Ta de 2000 metros para pouso tinha sido
construída na véspera. Depois de descobrir
" a l'astidão descollcerrante do l'a:io ",
Juscelino Kubitschek escreveu no Livro
de Ouro: "Deste P/analto Cel1lral. desta
solidão que em brel'e se transformará em
cérebro das alras decisões nacionais. lanço
os olllos mai lima l'e: sobre o amanhã
do mell país e anrevejo esta alvorada
com fé inquebrallTável e uma confiança
sem limites /10 seu grallde destino ".
PLA ALTOCENTRAI..-21 101 1956
K1fO Jl:.A '\ MA '\'.1.0'\

20 I NOVEMBRO, 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS


DOIS EIXOS
Para o anrrop61ogo carioca MillOn
Gllran, a imagem deslas páginas é " a
mais eXlraordinâria fOLOgrafia do
Brasil moderno, um regisTro semillaL
que simboli::.a o momemo em que
o brasileiro LOI1l0U posse efeTiva de seu
desTino ". Ofor6grafo Mário FOlllelleLle,
a bordo de UIIl nWllonwlOr, pediu ao
piloTO que l'oITasse: " Quero fazer eSTa
foro ". Ela mOSTra o cruzamelllo do Eixo
MOl1umel1fal com o Eixo Rodoviário.
o Eixão, o pOIlLO ::.ero da cidade
imagillada pelo IlrbanislG Lucio COSia.
A hisT6ria descuLpa a
precariedade do regisTro.
BRASíLIA - 19;7
FOfO: MARIO FO''TE.~ELLfJ
ARQUI"O PUBLICO 00 DISTRITO FEDERAL
A REDESCO TA DO BRASil
Em oposição ao bandeirante predador,
Juscelino Kubitschek cultivou a imagem
do pioneiro, o desbravador que tiraria
o país do litoral para levá-lo ao centro.
Foi o nascimento de uma nação
FÁBIO ALTMAN banhada pelo Oceano Atlâmico, com
pessoas "arranhando ao longo do mar
m 1960, um imenso painel da como caranguejos", na metáfora do frei
campanha do marechal Hen- Vicente do Salvador (1564 - c. 1635). A
rique Teixeira Lorr à Presi- densidade populacional à beira-mar
dência da República mostra- chegava, em algumas cidades. a cin-
va o candidato da situação de quenta habitantes por quilômetro qua-
farda ao lado de Juscelino drado. o Centro-Oeste. a meno de
Kubitschek, que terminava seu manda- um - hoje, ali, ão sete habitantes por
to. JK aparecia como "0 grande bandei- quilômetro quadrado.
rante do éculo". com as vestes e a pos- O pre idente pé de vai a, o onô de
[Ura de um Borba Gato. o céu do cerra- Diamantina. o de en olvimentista -
do como moldura. A uni-los - Lo[[ e mas também o capitão do início do
JK -. o traços de Brasília recém- de controle inflacionário -, morreu
inaugurada a partir do de enho e dos em 1976. em um acidente de carro na
projetos de Lucia Costa e Oscar Nie- Via Dutra, com o legado de campeão
meyer. Lorr perderia as eleições para da democracia. JK foi o chefe de esta-
Jânio Quadros. mas eu cabo eleitoral, do que pôs oBra il na modernidade a
o pre ideme bos a-nova, faria história bordo de um Fu ca ao som de João
A ANTE BRASíLIA! ancorado na cidade que ergueu no meio
do nada. Faria história por eu empe-
Gilberto. Mas ele se vangloriava, mais
do que tudo. no fim da vida. de ter in-
nho, razoavelmente bem-sucedido, de duzido. por meio de Brasília. o rena -
introduzir no Brasil uma nova famflia cimento do país. té a aventura no Pla-
de desbravadores. afeitos a abandonar nalto Central, havia um muro entre a
o litoral a caminho do Centro-Oe te. escas ez do interior e a abundância do
Homen e mulheres que deixaram para litoral, em estradas a ligar os doi
trás uma civilização de quarro séculos, pOntO . As diferenças entre as regiões
ainda exi tem. ào muitas e intranspo-
nívei . ma JK deflagrou um proces o
que, nas palavras do atual governador
AVANTE, BRASíLIA do Distrito Federal. José Roberto Arru-
No carla ~ de campanha para as eleições da, repre entou "o rede cobrimento do
de /960 - vencidas por Jânio - , J K Brasil". Para redescobri-Io era preciso
aparece ao lado de TeLreira Lorr como matar o passado, era precL o criar um
;;e fosse o Borba GalO do século XX movimento colado à imagem com a qual
BRASTtTA - 1960
JK aparecia no cartaz de campanha, de
KJfO PEru SOIEI ER L~"·TIT\.õO \lOR EIRA S....U.1iS bota e chapelão em mãos. Tratava- e,
2 1 O\'EMBRO. l0()<) 1veja 1ESPECIAL BRASíLI A 50 Al\OS ESPECIA L BRASÍLIA 50A.\JOS 1veja 1NOVEy!BRO, 2009 129
enfim. de criar uma nova modalidade MISSÃO CRULS, 1892-1893 leiro de seu ancestral de amor pelo tra-
de ocupação. O grupo liderado por um as/ról/omo balho e do seu espírito lúdico contu-
O próprio JK, no livro de memórias belgafe: o primeiro lel'all/amel/LO maz". E mais: "Era preciso discipliná-
Por que Construí Brasília, anotou o da região 110 PlallalLO Cenrral onde lo e organizá-lo a parrir desta base. para
que pensava da conquista de um peda- seria consmtfda a capiwl aproximá-lo do pioneiro norre-ameri-
ço quase virgem de Brasil. Em um pa- GOlÁS-1892
cano: dar a Macunaíma a firmeza de
rágrafo de 150 palavras. e creveu: "Há FOTO AROU I\ O PlrBLlCO DO DISTRITO FEDERAL caráter e a capacidade de empreender
quem confunda pioneiro com bandei- as mudança de propostas e de intere -
rame. já que ambos fazem do desbrava- detém. E do seu rastro. que por algum e de seus amos: queria-se fazer com
memo sua atividade habitual. Emretan- tempo foi efêmero, brotam valores du- que o capitalismo vences. e e tran sfigu-
to, uma diferença enornle o. distancia. radouros: povoado. que se tran. for- rasse as origens escravistas do país. O
O bandeirante descobre e passa à fren- mam em vilas; vilas que se convertem bandeirante tinha que melamorfosear-
te. Sua sina é avançar. Finca um marco. em cidades; e cidade que anuam a es- se no pioneiro".
Poda uma árvore. Faz um monte de pe- lflllUra de uma civilização". Ao perceber. já na campanha eleito-
dras. É rudo que deixa, como sinal de Brasflia. cidade artificial. criada no ral que o levaria ao Palácio do Catete e
ua passagem. Trata-se de uma imagem papel antes de ter geme, apresema to- no primeiros meses de governo no
fugidia. Brilha, e desaparece. Já o pio- do ' os problemas do Brasil real - in- Rio, que qualquer espirro de crise pro-
neiro é influenciado pela atração da ter- clusive os da corrupção debaixo das vocava uma pneumonia e que uma so-
ra. Descobre e fica. É um símbolo do duas cúpulas. a côncava e a convexa, da lução política eria ficar distante da
que e projeta através de um ânimo de Praça dos Três Poderes. Mas é inegável encantadora ma turbulenta Velhacap.
permanência. A jornada pode ser lon- que a cidade costurou algum tipo de ci- JK pô para andar a máquina mudancis-
ga, mas a parada - quando ocorre - é vilização a que se refere JK. Segundo o ta. Tomou emprestada. como cimento
quase sempre mais longa ainda. Planta historiador Luís Carlos Lope , autor de ideológico a mover eus passo . a te e
e e pera pela colheita. ão deixa inal Brasília - O Enigma da Esfinge, JK de Clodornir Viruma Moog (1906-1988),
de sua passagem. porque ele próprio se considerava "nece sário curar o brasi- en aísta gaúcho aUlor de um clássico

30 I NOVEMBRO. :!009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA SOANOS


da sociologia brasileira, Bandeiranres MISSÃO JOSÉ PESSOA, 1954-1955 debaixo do braço e conduziu o primei-
e Pioneiros - Paralelo enrre Duas Convidado pelo presidellle Café Filho. ro comboio.
Clllfllras(1954), es a obra, o esc ri ror, o I/larechal Pessoa (de chapéu) lidera O mapa de Erne to era o resultado
ao comparar as sociedades amelicana e a Comissão de Locali: ação da ova do trabalho de dois grupos de investi-
bra iJeira, conclui que houve '"um sen- Capiral. /la [ril/UI aberLa por Cruls gação científica e geográfica: a Comis-
tido inicialmente espirituaL orgânico e PLANALTO CENTRAL- 1955
são Exploradora do Planalto Central
con lrmivo na t"onnação do ESlado FOTO, CPDOCJFGV (1892-1893). liderada pelo a trônomo
Unidos" e '"um semido predatório. ex- belga radicado no Rio de Janeiro Luiz
trarivi ta e quase ó ecundariamente ritório brasileiro. Para Vianna Moog. o Cml . na cido Loui Ferdinand Crul
religio o na formação brasileira". Nos Brasil é conado de none a uI pelo rio em Diest. amigo do imperador Pedro
E tado Unido. , deu- e rudo pela que deveria . er o da integração nacio- lI, com quem conver ava obre estrela
mãos de pioneiros. 1 o Brasil, dos ban- nal, o São Francisco - que ainda a - e comelas: e a Cornis ão de Localiza-
deirame . JK portamo. ao beber de im corre muito perto da co ta. A Ser- ção da Nova Capital Federal (1954).
Vianna Moog. pen ador de relevância ra do Mar rambém se agiganta paralela comandada pelo marechal lo é Pe soa.
internacional. propunha o de penar de ao litoral, funcionando como mais indicado pelo presidente Café Filho.
um novo bandeirante. uma barreira à integração. Fo se sua Ambas escrutaram o mesmo chão. a
Só ele, parente do pioneiro america- orientação de leste a oe te, ela 'eria I 100 quilômetros do Rio e 1000 quilô-
no, eria capaz de pôr em marcha a in- um corredor. explicação geográfica melTO de São Paulo, originalmente co-
teriorização do Bra il como engrena- foi encampada por JK e po ta a fun- nhecido como Quadrilátero Cruls. naco
gem de riqueza. A escolha do local onde cionar com a agacidade de nomes de terra de 160 por 90 quilômetro .
seria plantada a nova capiral foi feita como Ernesro Silva, hoje aos 95 ano , De. de o fim do século XTX até a elei -
com o objetivo de corrigir LIma disror- '"o pioneiro do ames" , o pediatra por ção de lK, todos os governo. tangen-
ção natural, a inexistência de rotas geo- formação e de bravador por narureza. ciaram a mudança da capital para aque-
gráficas que favoreces em. rumo ao que recebeu JK no cerrado. em outu- le ponto do paí . tal qual um Eldorado.
oeste, o uso de lodo o potencial do ter- bro de 1956, com um mapa da região Era uma ideia à procura de quem a rea-

32 I NOVEMBRO. }009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS


Ideia
-

Os projetos antes da hora


o arquitero Jeferson Tavare , da USP BRA.S][LUA
CIDADE HISTORICA DA AME.,..A
de São Carlos, resgarou o desenho Â

~~~I
. il
anteriores ao tempo do concurso
de Brasília promovido por JK

· I,
~ ~

1936, CARMEM PORTlNHO 1948, lALES DE MACHADO


Desenho de inspiração lIloderniSIG O plano do deplllado federal
de aUTOria da lerceira mulher a se fo rmar apresenTava a rede de eSTradas a liga r
em engenharia 110 Brasil. em 1925 o Plallallo ao reslO do país

1927, AUTOR
DESCONHECIDO
Documel1lo 1930, THEODORO
encontrado /10 FIGUEIRA DE
1955, VERA CRUZ
Car/ório de Regislro ALMEIDA
de Imól'eis de (/ definição do marechal José Pessoa.
O hiSToriador usa pela
Plmwllilla a capiTaI- de Traços semelhantes
primeira ve::: o Ilome
aos de Lucio COSTa - rem o nome inspirado
Brasília na cOllcepçc7o
na alcunha original do Bras il
da cidade

li zasse. Nascera com José Boni fácio , O


Patri arca da Independência, que sugeri - dade. Mai de uma vez, depois do lrê
ra o nome de Perrópoli ou Bra ília. épicos anos de consrrução, o presidente
ainda na Constituinte de 1823 , para a di se que a existência de Brasília sem-
nova capital. Crescera um pouco mai pre fora "a piração geral do pai ". O
tarde, por meio do diplomata e hi toria- professor de ociologia Márcio de Oli-
dor Francisco Ado lfo de Varnhagem , veira, da Uni versidade Feeleral do Para-
para quem a transferência civilizari a o ná, autor de uma detalhada disserração
senão. Muito tempo ames de Lucio de me ·trado obre as origens ele Brasí-
Co ra vencer o concur o. Brasília já lia, faz a indagação incômoda ma ne-
aparecera em e boço , di ver as vez e ce ária: "Se Brasília já era uma a pi-
com a avenidas monumentais, típicas ração geral do paf e JK e lava co nven-
do modemi. mo na arq uiterura, que a cido do fato , omo explicar ua au ên-
tomariam conhecida. cia no plano de meta, ori ginal ?". Brasí-
JK romou pos e dessa linba hi tóri- lia ó iria a e tornar a mera de número
~DA Dl fURO, 31, a mera- íme e, depoi do primeiro
ca. fez-se herdeiro del a e criou um a ci-
comício da viloriosa campanha de
34 1NOVEMBRO.2(X19 1veja 1ESPECIAL BRAS ÍLI A 50 Al\;OS
ESPECIA L BRAS ÍLI A 50 A. OS 1veja 1NOV EMBRO.2(Xl9 135
COMBOIO NO ERMO 1955. Uma resposta possível à demora
A bordo de jipes, a primeira i/lcursc7o a caminho é que a ideia implesmente ainda não
da flllura cidade. "Os reículos iam /lafreme. existia: JK a alimentou por nece sidade
e a estrada atrás ", di-;. ErnesfO Silva. conhecido polftica. "Depois, ele recomou a histó-
como "o piolleiro do ames" ria do Brasil, por meio de li ro e cri-
PUNALTO CE TRAL - 2 I 10 I 1956
tos por colaboradores e re isra, ligada
FOTO; \RQL1VO PESSO.\ L DE ER"'ESTO S Tt\~\ à empreitada brasiliense, para dar a im-
pressão de que seu governo não fazia
mai que realizar um destino, a interio-
rização do Brasir', afirma Oliveira.
Houve, na formação do mito, fal sifi-
cações. Nos relatos de Brasília, conta-se
com paixãO o sonho do padre italiano
Giovanni Bosco, que em meado do sé-
culo XIX fizera referência a um "Ieito
muito largo, que pania de um pontO onde
e fomlava um lago, situado entre os pa-
ralelos 15 e 20 graus de latitude uI".
Dormindo, Bosco deparou com a ima-
gem de uma "terra prometida, donde
correrá leite e mel". Brasília, poi . Tudo
muito adequado não fosse o sumiço, nas
versões oficiais alimentadas por JK, de
um trecho em que Bosco dissera ter avi '-
tado uma cordilheira e, enlre colchetes, a
Bolivia. Com um detalhe: Bo co nunca
pôs o pés no Planalto Central.

Um meio para muitos fins. Tendo ou


não culri ado retroativamente a histó-
ria, tendo ou não trabalhado com mito .
JK fez de Brasília uma cidade de suces-
so desigual como o país que a cerca.
Enquanto o PIB brasileiro cresceu em
média 4.8% ao ano de 1961 a 2000. o
do Distrito Federal teve expansão de
57,8% (veja gráfico /la pág. 189). Bra-
sília. numa definição já con agrada, foi
"um meio para muitos fins". Serviu aos
inrere es políticos de JK. Serviu para
invenrar uma nova economia que fugis-
e da tradicional cabotagem na franja
litorânea. Ao paí descontínuo até o
início dos anos 60, sem ligações terres-
tres, ofereceu estradas como a Belém-
Brasília. Ao isolado errão cantado por
Euclide da Cunha, ofereceu a chance
de imegrar-se ao Brasil. E por fim,
como corolário da aventura, represen-
tou o na cimento de uma ideia de na-
çãO num país continental. O 21 de abril
de 1960 é um instante fundador como o
foram o 7 de erembro de 1822 e o 15
de novembro de 1889. •
ESPEClAL BRAS ÍU A 50 AI'\OS I veja I O UT UBRO. 2009 137
Política

,
POR UEJK CON U BRASILIA?
Sapo pula por precisão, não por boniteza,
ensinou Guimarães Rosa. Juscelino precisava
ficar longe do Rio, sob o risco - e com receio
- de ser deposto antes do fim do mandato
RONALDO COSTA COUTO * os motores são desligados. A porta se
abre, um passageiro elegante, ri onho,
atar, no senão goiano. 12000 ágil e inquieto, pouco mais de 50 anos.
habilantes. 4 de abril de 1955, muito bem ve tido. acena enrusiasmado
10 da manbã. O bimotor Dou- para a pequena multidão que o espera. É
gla DC-3 PP-ANY fura a nu- Ju celino Kubitschek de Oliveira, go-
ven negra, circula a cidadezi- vernador de Minas até cinco dias antes,
nha, embica exaro para a pista de que chega para seu primeiro comício de
terra batida. desliza macio. perseguido candidato da coligação PSD-PTB à Pre-
por lio de poeira. Para, manobra, laxia. sidência da República.

odiálogo de 4 de abril de 1955


o senhor mudaria Cumprirei na íntegra
a capital, conforme a Constituição. Durante
: determinado
I
o meu quinquênio,
: nas Disposições
I
farei a mudança da sede
: Transitórias
I
do governo e construirei
: da Constituição?
I
a nova capital.
: Antonio Soares Neto, Juscelino Kubitschek,
• -cõ,retõ, de següros,- - . candidato a presidente,
autor da pergunta aparentemente
decisiva pego de surpresa

A LARGADA Alllollio Soares NelO (no de taque) milll/lOs ames de por Juscelino comra a parede. 110 primeiro comEcio de campanha

40 I OVEf\ffiRO. 2009 I veja I ESPECIAL BR<\sfuA 50 A\;OS


Pol·...·I'~

udo à brasileira. Foguetório.

T cumprimento muita agitação e


deslocamento para a pracinha
central, onde se comprime a
maior multidão da história de Jataí:
mais de I 000 pes oa . Tudo pronto.
preparativos para a celebração das
cinco décadas de Brasília, ele já fe te-
jou seu cinquenrenário particular.
'"São os 55 anos da minha pergunta".
diz. O que, para muiro oaria como
de curso de medicina em Minas. Com
boa vontade e ba lante candura, alé po-
deria ser. Mas. nas Minas do manhoso e
pragmático PSD de José Maria Alkmin.
todo mundo sabe que em política a ver-
comitiva e lfderes goiano no palan- arrogância, para Toniquinho, agora são vale mai do que o fato, JK esco-
que, cai um toró de fazer gosto. Corre- advogado apo entado. morando em lheu a simbólica e totalmente mudan-
ria. disper ão, alguém chama para o Goiânia. é apenas o regi tro de um cista Jataí porque abia que o coração
galpão da oficina mecânica. Mais de momento hi tórico. A pergunta fez ° do Bra il era o ambiente e o palco mais
200 pessoas entram, espremem-se. conhecido. a pergunta o auroriza a ter adequados para anunciar seu principal
ocupam todos os espaços. Põem JK so- uma imagem de Juscelino no cartão compromisso: a construção da nova ca-
bre a carroceria de um velho caminhão de vi ita. a pergunta o levou a ser con- pital e a interiorização do de 'envolvi-
à espera de conseno. vidado para a inauguração de Bra ília memo, com ênfa e em energia e trans-
Orador vibrante, ele dispara discur- (embora. lembra com humor, de sorri- portes. A futura Bra ília. centro irrac\ia-
so sedutor. Fala do que fez em Minas, so largo, tenha sido barrado no baile dor de de envolvimento. seria o marco
de democracia e de envolvimento. in- de gala do 21 de abril de 1960). Em de eu governo.
dustrialização, energia e tran portes, ua memórias, Por que Cons[/'llÍ Bra- A deci ão já eSlava tomada. O que
fim da miséria, empregos, ocupação sília, JK diz que a capital nasceu em houve em Jataí foi o anúncio do hi tóri-
territorial. cumprimento fiel das leis e Jataí e que ouviu a mesma indagação co compromisso público do candidato.
da Con tituição. No final, inova: abre o no demais comicios. A ideia o aju- Mais: polftico habilidoso e pragmático,
comício para perguntas. como modo de dou a fi gar apreciável apoio no ime- consciente da fone resi tência à mudan-
encerrá-lo. Um primo do chefe local rior, inclusive no Nordeste, Venceria ça. principalmente no Rio, o astuto JK
Serafim de Carvalho se anima. É Anto- as eleições de 3 de outubro de 1955 preferiu não tomar a iniciativa de reve-
nio Soare Nelo, o impálico corretor com apenas 33,82% dos voto ·. lá-la. Melhor fazê-lo perto do local pre-
de uma seguradora, 29 ano . Ofegante. Almoço, congraçamemo (lá eSlava visto, urpreendido por justa e e pontâ-
voz embargada. ma tudo na ponta da Toniquinho, claro). hora de partir para nea cobrança popular de obediência à
língua, indaga se o candidato "mudaria o comício seguinte, em Anápolis. O Constituição. Coisa fácil de combinar,
a capital, conforme determinado nas DC-3 urra. patina levemente na lama, provocar ou induzir. Solução brilhante,
Disposições Transitórias da Constitui- avança, posiciona-se. acelera mais. engenhosa, politicamente mais palatá-
ção". JK conhecia a senha de cor e sal- dispara bonito e empina roncando para veL lnclusive junto ao poder militar,
teado. Tinha lutado muito para aprovar o céu agora limpo. Embaixo. aplauso guardião da Carta Magna e tão influente
a ideia. Mas, talentoso aror político. e emoção, Todo abiam que Ju celino em tempo de Guerra Fria. Como um
desses capazes de aparecer vestidos de era homem de palavra, de grandes de- verdadeiro democrata poderia descum-
piloto de jato 'uper õnico, valentes e safios e até de corajosas aventuras de- prir o que a Constituição mandava e o
destemidos, aparentou espamo, refletiu senvolvimentisla '. Provara isso na pre- povo cobrava?
teatralmente alguns segundos e respon- feitura de Belo Horizome e no governo Juscelino não tirava o assunto da ca-
deu: "Cumprirei na íntegra a Constitui- de Minas, Tinha experiência urbanísti- beça. Deputado constituinte em 1946.
ção. Duranre O meu quinquênio. farei a ca arrojada e inovadora: a Pampulha, lutara duro pela mudança da capital.
mudança da sede do governo e cons- com ua arquitetura precursora da bra- Ao lado de Israel Pinheiro e outros
truirei a nova capital'·. iliense. Dispunha, portamo, de cre- aliado , conseguiu incluir a regra de-
Euforia . Um tro ão de palmas, gri- denciais e equipe para concretizar a clamada por Toniquinho. Dizem que
to de entu iasmo. Era o que todo cidade moderna, diferente. foi porque ninguém acreditava que sai-
queriam saber. O sonho maior de ria do papel, e, ao não sair, a derrota
Goiás e de quase rodo o Brasil pro- Município pessedista. Mas por que a es- política seria inevitável.
fundo. Toniquinho garante que nada colha do Planalto Central como palco JK fez o que pôde para que a nova
foi combinado. Hoje, às vé pera dos para o comicio inaugural, lugar de com- capital fo se no Triângulo Mineiro, per-
plicado aces o e e casso eleitore ? Por to de Tupaciguara. Perdeu por cinco
LÁ VAMOS NÓS que não Belo Horizonte. Rio. São Pau- voros para o Planalto Central, dos goia-
Sem eSTradas, inruía o presideme, lo. Recife. Salvador. Porto Alegre ou nos. Chegou a Jataí abendo o que que-
a 1l00'a capiral/em/ia a lugar nenhum. outra grande cidade? Há quem acredite ria. Sabia que os membros da Comi são
A Belém-Brasíliafoi inslrumelllO que foi por ser Jatar o município pro- de Localização, criada por decreto de
allcia/Ila reIórica de Juscelino porcionalmente mais pessedista do país. Getúlio Vargas em 1953. estavam pres-
BELÉM·BRASíLlA - 1958 FOTO JI''' \1," 7.0'
Outros, que JK qui prestigiar o amigo tes a indicar o sítio da futura capital. ali
jataiense Serafim de Carvalho. colega ao lado, Sabia que o governador goiano
42 1 OVEMBRO.2009 1 veja 1 ESPECIAL BRASÍLIA 50 'OS
ESPECIAL BRASíLIA 50A-\lOS 1 veja 1 NOVE.\1BRO.20091 4 3
Política

A JATO
Carism(Ílico e afeiro
ao lIlarkelillg
político ames de
a exp ressc70 exisl ir,
JKfa: U/II 1'00
supersônico

RIO DE J ANE fRO -


NOVEMB RO DE 1957
FOTO: AGE~C Ir\ o GLOBO

VARIG, VARIG, VARIG


Ellfre o Palácio do Carele e o Catezinho,
em Brasília, .IK aprove irava as rrC/l'e.l'sias
de mais de Irês horas para dormir
EM voo DE C R UZE IRO- c. 195711960 FOTO, JEAN \1A'''ZON

Juca Ludovico iria ao limite do po ível JK disse várias vezes à filha Márcia Palácio do Catete era vuln eráve l. O
pela causa. o fim de 1954, cinco me- Ku bitschek que cons iderava o Bras il presidente fi cava ex posto, acuado. o
e. ames da ida a Jataí, já em pré-cam- praticameme ingovern ável do Rio. discur o de ca mpanh a de Belém do
panha, JK visÍ[ou Goiás. Ficou lá quase Que se ficasse lá e aderisse à rotina Pará, JK desabafou: " ão é pos fvel
uma emana, a sunrando, falando de in- pre idencial aca baria deposto. Teria que cinquenta cidadãos na capital da
[eliori zação, integração nacional, capi- de presidir co m um pé no Ri o e omro República estejam a inquietar e a amea-
[ai no Planalto. no Pl analto - os mes mos pés co m çar 50 milhõe de bras il eiros".
O sapo pula não é por boniteza, po- meias, em cima da mesa, qu e ex ibiri a Vivera de peno a cri se qu e leva ra
rém por precisão. Fazer nova capital já cassado, pouco antes de morrer. ao sui cídi o de Getúlio Vargas. em
não era só paixão política, visão geo- agos to do ano anteri or. Acompanhara
política estratégica ou meta-sfnrese do Bravata. A segunda metade dos anos a lma fi nal, era seu candidato a presi-
fmuro programa de desenvo lvimento. 50 era um ambi ente político-militar de nte. Sabia que, no Rio, qualquer
Bras íl ia emrou para a hi stória dos tem- emoldurado pela Guerra Fria, min ado di scur o políti co mai contundenre
pos de JK como a meta da. meta., a de pelo assa nh amento imervencioni sta prod uzia perturbações. Bastava uma
nú mero 3 1, acrescentada de última de lideranças militares. Pesado. amea- declaração des temperada ou mesmo
hora, o ápice do presidenre que queria çador, envenenado pela luta qu ase uma bravata de algum general ou al-
fazer cinquenta anos em cinco. corpo a corpo pelo poder. O própri o mirame ou brigadei ro para tra umati -
44 I NOVEMB RO, 2009 I veja I ESPECIAL BRAS ÍLI A 50 ANOS
Política

zar e in [abilizar o governo . Alé mani - da. Por que, emão, o aremo Juscelino NA VELHA CAPITAL
fe [ações de rua de esrudantes contra deixou nas memórias que a cidade nas- No Rio de Jalleiro.
o preço de comida e pa sagens de ceu de um aparre político. aquela per- dejinilil'ame/lle IO/lge do podeI;
bonde punham a Presidência da Repú - gunta de Toniquinho? Ninguém sabe. lirm'a os saparo po rqlle linha
blica em xeque. Clima intolerável. O Sua delicadeza e o imere se . mi [érios um problema nos dedões.
Rio respira a agitação e golpi mo. e manhas eleirorais do PSD mineiro [e- que doíam com j requêllcia
Era imperioso mudar. Fazer a nova ca- rão rido pe o deci ivo? RIO DE JANEIRO- \97 \
piral aceleradamente, governar de lá Ou erá que a explicação e [á é num t-OTIl 1)<\\<10 OR,..," " ' (;(j

no fim do mandaw . certo João Guimarãe. Ro a. amigo fiel


Carlos Murilo Felício do Santos, de JK. companheiro de farda e medicina
primo e parceiro fiel de JK. diz que bas- na Polícia Mili[ar de Mina Gerais?
ravajuntar povo na freme do Palácio do Rosa ensinava que "comar é muiro difi-
Ca[e[e para os ranques saírem à rua. ne- culroso. ão pelo ano que e já pa a-
gócio perigosís imo. Coma que JusceLi- ram. ma pela astúcia que têm certas
no esrava preocupado com e sa vulnera- coisas passadas". _
bilidade muilo ame de ser eleito. Qual
a safda? A mudança da capiml. para * Ronaldo Costa Couto. economisra
cumprir a Con riruiçâo e de envolver o e escriLOr. é douLOr em hislória
imerior. Daí, re alve- e, a incorporação pela Sorbot/Ile ( Paris IV) e aLuor
de Bra. J1ia como me[a-símese. de Br~ íli a Kubilschek de Oliveira
Construir e inaugurar Brasília no ho- (Ed. Record) e de Malarazzo
rizonte de governo foi decisão audacio- (Ed. Plalleta ). ESlá concluindo
a e complexa. longameme amadureci- biografia de Bernardo Sayão

46 I NOVEMBRO. ~009 I veja I ESPEC IAL BRASÍLI A 50 ANOS


Personagem

o passado
o PRESENTE de arquiteto
tombado sempre
incomodou

CONTíNUO Niemeyer,
mais interessado
nos trabalhos

DE OSCA
que faria do que
naqueles
já construídos

SÉRGIO RODRIGUES partidária que ernpre marcou sua car- infcio do anos 40, o curvilíneo conjun-
reira. "O problema era erguer uma cida- lO da Pampulha por encomenda de Ju -
Dias ames de ser imernado de em menos de cinco anos. então a mi- celino Kubitschek, então prefeito de
no Hospiral Samaritano, no Rio, nha parte era fazer uma arquitetura mais Belo Horizonte. Niemeyer sempre en-
no fim de serembro, para a relirada imples, mai ' fácil". lembra. sob o olhar fatizou - e volLa a enfatizar agora, por
da ves[cula e de um tumor no cólon, de um Dom QuixOle de ucaLa, Uma via das dúvidas - que na capilal minei-
o arquileLO de Brasília recebeu VEJA sombra de sorriso maroto passa por seu ra foi plantada a emente da nova capi-
para dar sua Fersão do /lascimemo rosto vincado. "Mas não fiz nada di o. tal federal. O futuro presidente desen-
da cidade arrificial. Por exempl o: as colunas do Alvorada volvimelllista encomrara seu arquiteto.
podiam ser mais fáceis de con. rruir, sem E seu arquiteto encontrara um estilo -
scar iemeyer, o homem aquelas curvas. Mas foram ela que o para sempre,
que ensinou o concreto ar- mundo inteiro copiou." O busto de Lenin sob uma das prate-
mado a voar, compleLará Espamo é uma palavra-chave no di - leira arqueada de livro que forram as
102 anos no próximo dia 15 curso de Oscar, como o chamam ami- paredes não é o único sinal de desafio
de dezembro, mas ainda é gos e colaboradores. Resume o efeito ao tempo no ar do e crirório, que ie-
capaz de se assombrar de beleza inesperada que toela boa ar- meyer comi nua perfumando com a fu-
quando recorda a avemura quase impos- quitetura deve provocar. segundo a car- maça de ua cigarril ha. "Uma coisa que
sível da consrrução de Brasília. "Fico tilha que ele conserva inalterada desde eu noto quando olho para trás é que.
e pamado". diz a VEJA. corpo miúdo a juventude. A ideia é que " 0 ujeito quando comecei Brasília, eu pensava
engol ido pela cadeira na sala dos fundos pare e se espante", No caso de Bra. í1ia. exatamente igual a hoje" , diz. a voz bai-
de seu escritório volrado para o mar de diz, "a arquitetura de fantasia valeu a xa - mas ainda clara - , cheia de cur-
Copacabana. onde, devido à dor em uma pena porque tomou a cidade mais co- vas e chiados cariocas. Essa resistência
vénebra fissurada. já não tem podido nhecida". mas a mesma ceneza jél esta- ele concreto elas ieleias que o moldaram
aparecer para trabalhar com a disciplina va em sua cabeça quando projetou. no explica muita coisa, desde a coerência

IMODESTO "As colunas


do Alvorada podiam ser mais fdceis de
cOf/.wruil; sem aquelas curvas, Mas
foram elas que o /1/undo imeiro copiou "
BRASÍLIA - c. 1960
FOTO Rf'ti RlRRI \IA(,~~M

50 I NOVEMBRO, 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS


Personagem

de sua obra ao longo de tantas décadas esse ponto de vista, entende-se Antes do choque de realidade, contu-
até o fato de que. entrevistado hoje. ele
continua produzindo respostas - às ve-
ze com as mesmas palavras - que já
e tavam em seu livro Minha Experiên-
cia em Brasília, lançado em 1961. Lá,
D que Brasília esteja "tão longe".
como ele diz ao jusrificar uma
de suas muita lacuna de me-
mória obre os ano de 1956 a 1960.
É po sível que a distância eja uma
do, houve tempo de e crever um épico.
"Era aquele sol. a terra vazia e cheia de
poeira. Tínhamos de tomar banho de
marthã e à noite. Era uma coisa radical",
recorda. Coube ao arquiteto escolher-
como aqui. se enconrram expressões- metáfora daquela, geográfica, que ou algum verbo semelhanre que inclua
chave como "liberdade plástica", as qua e o fez desistir da encomenda de uma dose de aleatório, como seria de
curvas feminina como in piração. ima- JK ao pi ar pela primeira vez na deso- e perar em terreno quase desprovido de
gens poéticas sobre "palácios suspen- laçi'íO poeirenta do Planalto Cenrral. marcos e acidentes - o local onde seria
sos, leves e brancos, nas noites sem fim esse ca o, porém. (rata-se de uma fincado o Palácio da Alvorada. antes de
do Planalto". distância medida no tempo e não no existir o Plano PilolO. "com capim a no
Envelhecimento físico à pane, o ho- espaço. Na ' palavras de Niemeyer. os bater no joelho ". Os projetos saíam
mem mudou pouco. Tanto nas convic- cinquenta anos da capital do país ora de sua prancheta diretamente para a
ções políticas - cominua fiel ao co- se espicham em "oitema". ora sofrem mesa do calculista, Joaquim Cardozo. e
munismo e admirador do ditador 0- um abatimento para virar "quarenta. o próprio original eguia então para a
viético Josef Stalin, que diz ter sido ei lá". Ni'ío e trata de falta de luci - obra. "Não havia programas", diz ie-
"demonizado pela mídia" - quanto na dez. mas de desapego a detalhes. Da meyer, referindo-oe à falta de infornla-
capacidade de e enrusiasmar com o experiência de Brasília ele preservou, ções minimamente precisas obre as
trabalho. É diffciJ mantê-lo intere sado como repetiu em cenrenas de emre- con truções que lhe cabia projetar. a
por muito tempo na conversa sobre vi tas, o prazer da convivência com os companhia de Israel Pinheiro, pre iden-
uma cidade construída há meio século, amigos que levou consigo - "nem to- te da ovacap. visitava pessoalmente as
me mo sendo a cidade um caso prova- dos arquitelOs, alguns só para a gente instalaçõe governamentais no Rio de
velmente único na história de tela em poder conversar e esquecer a arquile- Janeiro para comar salas. medir espaços
branco enrregue ao gênio de um arqui- lLlra" - e os animados saraus promo- - e depoi multiplicar tudo por dois ou
teto. iemeyer vibra mais ao falar dos vidos por JK ao som do violão de Di- rrês. O que ainda eria pouco. "0 Palá-
prédio oficiais que o governador mi- lermando Reis. Mas guardou obretu- cio do Planalto foi feito para 150 pe -
neiro Aécio Neves lhe encomendou, do a sensação de ter vivido uma utopia soas. Tem 600", diz. O clima de impro-
do tearro que está sendo erguido neste igualitária, morando nas me. ma. ca- viso não exclufa que tões financeira ..
momemo na cidade argemina de Rosa- a geminadas dos operários e comen- iemeyer concebeu rudo o que Brasília
rio ou da praça "fantástica, monumen- do ao lado deles no me mo re tauran- tem de monumental recebendo um salá-
tal"' que projetou para o governo do te, "como uma grande família, sem rio de funcionário público. ma . quando
Cazaquistão. ão é por acaso que, preconceilOs nem desigualdades". faltou dinheiro para construir o chama-
apó uma união de 76 anos com Anni- Pronta a cidade, registrou em Minha do Catetinho. a residência de madeira
ta. que morreu em 2004, ele se casou Experiêllcia... sua decepçãO com o que abrigmia o pre 'idente da República
novamente há três anos com Vera Lú- fim do sonho: "Agora lLldo mudou, e durante a obras, o próprio arquiteto e
cia Cabreira, 62 anos. sua secretária sentimos que a vaidade e o egoí mo ourros amigos de JK levantaram em-
de de 1992. Seu tempo de vida se dila- aqui estão presentes e que nós mes- préstimo num banco.
ta para abarcar uma filha, quatro netos, mos estamos voltando. pouco a pou- "Foi um período que me afa rou de
treze bisnetos e cinco trinetos. ma. pa- co. aos hábitos e preconceitos da bur- muita coi a". lembra. Seu pai , tam-
rece um pre eme sem fim. guesia que tanto detestamos". bém cbamado Oscar. morreu quando>

AVESSO A MUDANÇAS
..... : .. "Uma coisa que 11010 quando olho para
Irás é que, quando comecei Brasília.
ti , - ,
I
eu pensava exawmellle igual a hoje". di:
RIO DE J ANElRO - 2009
FOTO I',\U .O \ nAI.!

52 I NOVEMBRO. 1009 I veja I ESPECIAL BRASÚJA 50 Al'-:OS


»>

MAQum
O arquiTelO /lO
escriTório da
ovacap ,'islumbra
a cidade que
começa a nascer
BRASíLIA - c. 1957/ 1960
r-aro: ARQUIVO PUBLICO
00 DISTRitO A:UhRAI

5~ I NOVEMBRO. 1009 I 'IIeja I ESPECIAL BRASIUA 50 A OS ESPECIAL BRASÍLIA 50 Al'lOS I veja I NOVEMB RO, 2009 I 55
Personagem

ele estava "no meio do deserto". Por a comunidade brasiliense rejeitou, de- ARQUITETO OFICIAL
questões de segurança, sua mulher, que clara magoado: "Eu achei que tinha o Com J K, lima relaç(/o de pouca ami::.ade
ficou no Rio, deixou a Casa da Canoas, direito de fazer e sa praça" . O romba- mas muita confiança, desde os pri11leims
a bela residência de concrero e vidro que mento da capital do país o incomoda. pmjef05 da Pampul/w
ele construíra no início do anos 50 "Se o Brasi l fos e lombado, o prefeiro BRASÍLlA-19S9
(hoje rombada pelo Patrimônio Históri- Pereira Passos não teria feiro essa aveni- FOTO: ARQl'I\ O DO \tE\ tORIAl JK
co e pane da Fundação Oscar ie- da tão importante". diz, referindo-se à
meyer), e se mudou para um apanamen- Rio Branco. artéria de inspiração pari-
to. Aves o a viagens aéreas, o arquiteto sien e rasgada no centro do Rio de Ja-
sofreu um grave acidente de carro a ca- neiro no início do século XX. "Tudo
minho do Rio que o deixou pre o "por muda. Quando a água do polo derreter, o
um mê " a uma cama de hospital. Nie- mar vai ubir e todas as cidades litorâ-
meyer parece levar em conta rodo esse neas terão de ser modificadas" , especu-
investimemo pessoal quando, comen- la. A Praça da Soberania está na gaveta,
tando a receme polêmica obre o projero ma o pre ente contínuo de O car ie-
da monumental Praça da Soberania, que meyer ainda tem vista para o futuro. •
56 I 'OVEMBRO, :!OO9 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS
Inovação

A POESIA CONCRETA
DE JOAQUIM CARDOZO MÚLTIPLAS me parece bem difí-
Homem de formação ATIVIDADES cil". Ames. o próprio
PoeTa. chargiSTa, Nervi criticara o tra-
renascentista, o professO!; filósofo balho de Cardozo,
calculista de Niemeyer e, por fim ,
el/gel//leiro
atávico rompedor de
normas, por con i-
transgrediu todas as derar que ele de. re. -
peitava padrõe estabelecidos, e essa
normas da engenharia. postura era arriscada. "Mas. ao contrá-
Morreu triste e só rio do que e tabelece o sen o comum , a
engenharia só avança quando rompe as
normas", afirma o engenheiro Yopanan
FÁBIO ALTMAN Rebello, diretor técnico da Y con, de São
Paulo, estudioso da obra de Cardozo.
Brasília moderni sta não No fim dos anos 50, as regras de en- Rebello lembra uma máxima do enge-
existiria sem Joaquim Ma- genharia estabeleciam o uso de no máxi- nheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz,
ria Moreira Cardozo, o per- mo 6% de barra de ferro nas e truUlras prefeito de São Paulo entre 1971 e 1973.
nambucano que calculou de concreto. Cardozo pôs 20% de ferro para quem os ditames cartesianos, rigo-
os edifícios de Oscar ie- na trama das colunas, rompendo com os rosos, davam coma "apenas dos abis-
meyer. Cardozo era um in- modelos de cálculo em voga. Hoje. com mos. esquecendo-se dos buraco corri-
telectual da Renascença no Recife da o avanço da tecnologia e da resistência queiros". Por isso. muitas vezes, é preci-
primeira metade do éculo XX. Poeta dos materiais. é possível conseguir o so de afiá-los.
(parceiro modernista de Manuel Ban- mesmo efeito com apenas 3% de metal.
deira e João Cabral de Melo Nero), "Cardozo foi um transgressor", diz Intuição. Na cúpula invertida da Câma-
chargista, professor universitário, editor José Carlos Sussek.ind, o mais recente ra dos Deputados. Cardozo criou uma
e (iló 01"0 diletante, entrou para a hislÓ- calculista de Niemeyer, quarenta anos rede de anéi de aço embutidos no con-
ria da capital como o engenheiro civil ao lado do arquitero. O que era concreto creto. Niemeyer se lembra da euforia do
que transformou possibilidades em cer- armado, sOITi Sussek.ind, virou uma tra- discreto parceiro, que lhe telefonou
teza . Para Niemeyer, com quem traba- ma de "aço à milanesa" na concepção para dizer: "Encontrei a tangente que
lhara na Pampulha, era o brasileiro mais de Cardozo. Não fosse ele, o ministro vai permitir que a cúpula pareça apena.
culto que existia. francês da Cultura André Malraux, em pousada na laje".
Cardozo buscava na matemática a es- visita a Brasília, não poderia ter dito Até hoje não se sabe de que maneira
belteza, os vão audacio os e as curva que"a co lunas do Alvorada são o ele- Cardozo fazia os cálculos - a inexis-
rabiscadas por Niemeyer. Como conse- mento arquitetônico mais importante tência de arquivos é empecilho. "Ele in-
guir, nas colunas do Alvorada, que elas desde as colunas gregas". tuía as estlUturas e someme depois as
tocas em o chão e o teto muito deLicada- Cardozo inovou lambém nas delgadas calculava", afirma Rebello . "Os atuais
mente, parecendo flutuar, "leves como lajes. O italiano Pier Luigi ervi ( 1891- programas de compulador, apesar de
pena", na definição do arquiteto - e ain- 1979). o grande mestre das eSUlJ(uras. 100% precisos, parecem rer matado a
da assim sustentar o edifício? Cardozo capaz de pôr tudo em pé, espantou-se ao intuição." No caso de Cardozo, imagi-
de respeitou as nonnas técnicas corri- ver o Palácio Ttamaraty. Ao se deter dian- nação e engenharia andavam juntas. "A.
queiras e chegou a uma . olução. Para o te do mezanino do Ministério das Rela- estruturas planejada') pelos arquitetos
arquiteto e urbanista Jeferson Tavares. da ções Exteriores. confessou : 'Projetei modernos são verdadeiras poesias", di-
USP de São Carlos. ele alimentava "um uma pome com 3 quilômetros de exten- zia. '"Trabalhar para que se realizem es-
prOleslo si lencioso contra a obviedade". são, mas conseguir esta espes ura de laje es projeLo é concretizar uma poe ia."

58 I 'OVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS


o homem que calculava mOITeu triste A CURVA CERTA
e praticamente só (era olteiro. sem fi-
lhos) em 1978, aos 8 l anos. Em feverei-
Anéis de aço embl/lidos garamiram a lOngeme
buscada na cúpula illvertida do Congresso
AINVENÇÃO
ro de 1971, uma obra desenhada por CÂMARA OOS DEPL"TADOS-1959
DE FERRO
Niemeyer e calculada por ele, o Pavilhão
da Gameleira, em Belo Horizonte, desa-
Faro: ~t"RCEL GAL TIi EROTII:'\STITL'TO MOREIR.A. SALLES
As técnicas
bou. provocando a morre de 68 operá- de Cardozo
rio . Cardozo foi inicialmente condena-
do. em 1974. a doi ano e dez me. e. de
6% de ferro nas
estruturas de concreto
prisão. m recur o de apelação do juris- era o patamar
ta Evandro Lins e Silva o ab olveu. ma estabelecido pelas
já era tarde. Chorava muito, diariamente. normas
os úlrimos anos de vida, deprimido . . u- internacionais
mia no corpo magro. Um ano antes de nos anos 50
mon·er foi convidado por iemeyer, ge-
nero o, a pas ar um tempo com ele no 20% de ferro foi
Rio. Hospedado num hotel em Copaca- a quantidade usada por
Joaquim Cardozo nas
bana. ia diariamente ao e critório do ar-
tramas do Alvorada
quiteto para conver. ar. Mas já tinha per-
dido pane da lucidez. num proces. o que • O recurso permitiu que
e acelerara. Joaquim Cardozo é o pilar as colunas fossem esbeltas
mais injustiçado da história da constru- mas fortes o suficiente para
ÇãO de Bra J1ia. • ALVORADA As esrrwuras de mera I deram força às coLullas sustentar a laje do palácio

ESPEC IAL BRASÍLIA 50 Al'OS 1veja 1 QVEMBRO.2009 159


Arquitetura

NIEMEYER,
MODO
DE USAR
Um pequeno guia para entender
a importância histórica e o prazer
estético dos edifícios federais
TEXTO: ANDRÉ CORREA DO LAGO· realização estampada no ' jornais, nas
FOTOS: CRISTIANO MASCARO revi las e na pri ncipais publicaçôe de
arquÍ[etura do mundo. Entendeu. rapi-
impo ível di ociar o car damente, que a arquitetura de iemeyer.
iemeyer de Bra f1ia. O PIa- por ser popular e de qualidade. podia
no Piloro, realizado a partir trazer ganhos políticos.
do projero de Lucio Costa. Juscelino queria o mesmo para a ca-
valoriza particularmenre a ar- pital federal. Os desafios, no entanto,
quiterura de iemeyer, pois eram incomparáveis: a escala era muito
a grandes avenidas, perspectivas e par- maior. havia pouco prazo para projetar
ques permitem ver os edjfício de vários um grande número de obras com fun-
ângulos e de forma desimpedida. Prova- ções diferentes. Era necessário criar um
velmeme, nenhuma cidade na história novo monumenlalismo que simbolizas-
teve um arquÍ[ero "oficial" com tantas e ao mesmo tempo uma ociedade jo-
realizaçõe e tanto poder. O resultado é vem, ousada. dinâmica e democrática.
um conjunto impressioname, com me- Era muita coisa. Juscelino nflo tinha
lhores e piores momentos, a meio cami- tempo para concur os e debate . . e, co-
nho entre a irracionalidade dos que ve- mo conhecia a capacidade de Niemeyer
neram iemeyer cegamenre e a daque- de criar formas marcantes e atraente .
le que o criticam automaticamente, deu-lhe a tarefa. Com a fama - nacio-
ancorados numa suposta dificuldade de nal e internacional - estabelecida, pa-
viver e trabalhar dentro do prédios por recia natural a escolha do arquitero para
ele con truídos. o desafio de Brasília.
Niemeyer foi e colhido para projetar
roda as edificações monumentais da
nova capital por deci ão de Juscelino
Kubit chek. Prefeiro de Belo Horizon-
te. no início do. anos 1940 ele já havia PALÁCIO DA ALVORADA
pedido ao arquÍ[ero de enho para as Inaugurado em 1958, rem
principai instalações da Pampulba. um colunas que podem serJacilmellle
no o bairro da cidade. Juscelino viu sua desenhadas por crianças

62 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRA íUA 50 ANOS


itetura

epois da Pampulha. iemeyer

D
A arquitetura de Brasflia está hoje fir-
havia rapidamente provado que mada no imaginário brasileiro. A colu-
seu talento não e limitava a na do Alvorada ão um do ímbolo
apena um grande êxito - em do pais, adotadas até nas fachada de ca-
pouco ano já era reconhecido como as imple do interior. A entrada de
um do maiores arquiteto de ua gera- honra do Planalto levou à expre ão' u-
ção. Mo trara-se capaz de ter papel de bir a rampa". iemeyer, ao contrário da
de taque no projew da sede das ações maioria de eu colega, nunca fez "ar-
Unida (1947), em ova York: de reali- quitetura para arquiteto ". Seu edifício
zar construções de grande e cala como são criado de maneira que tenham qua-
o Edifício Copan (1951 ) e o Parque do lidades perceptíveis em diferentes di-
Ibirapuera (inaugurado em 1954). am- mensões, a depender do observador, do
bo em São Paulo: ou ainda o Edifício mai ingênuo ao mai exigente. A saber,
iemeyer (1954), em Belo Horizonte. os quatro pas o fundamentai. gradati-
Projetos domé ticos como a Casa Ca- vos. para entender iemeyer:
vanela (1954), em Petrópoli . e sua
própria ca a no Rio (Ca a das Canoa . 1. O prédio , para quem o vê de relan-
1952) completavam. em pouco mai de ce, apre emam formas marcames. belas
dez ano . uma lista que os grande ar- e simples;
quiteto raramente conseguem reunir
em uma carreira. 2. Para aquele que o ob ervam com
s realizaçõe. mais notáveis de maior atenção e um pouco mai de tem-
iemeyer em Brasília são as do cha- po, novas caracterfstica se revelam.
mado período heroico, do inicio da obrerudo a notáveis diferenças segun-
con truÇão. em 1957. à inauguração. do O ângulo pelo qual o conjunto está
em 1960. Heroico ante os acriffcios sendo visto;
pe oai de trabalhar em condições in-
'alubres, no meio do nada. como dizia 3. Entrar nas obra - ei . o segredo do
Ju celino. E ali, na poeira vermelha do terceiro momemo - é um pa eio por
cerrado. nasceram da prancheta do ar- soluçôe originai. principalmente no
quiteto projetos que e wrnariam ÍCo- tocante aos aces os (escadas, rampa .
ne da arquitetura mundial. O Con- ponte ): e
gre 50, o Palácio do Planalto. o Supre-
mo e a Catedral. O Alvorada, cujas 4. Uma quana dimen ão é destinada
ponas se abriram em 1958. havia ido aos ob ervadores com maior interesse
projetado antes mesmo da escolha do nas arte, que podem e deleitar com o
Plano Piloto. Outra obra-prima do ar- detalhamento engt!nho o. as ideias ines-
quiteto na cidade. o Palácio ltamaraty peradas e a contribuição de diferentes
foi projetado depoi do govemo Jusce- arri tas, cuja intervençõe 'ão de en-
lino e terminado no fim do anos 1960. volvidas em conjumo com o arquiteto.
já com o militares no poder.
Com e es edifícios. que apre enta- O apelo popular da arquiterura nie-
vam oluçõe e formas ao mesmo tem- meyeriana vem da duas primeiras di-
po variada. chamativas e elegantes. e mensões: com apena um olhar ou uma
com uma arquirerura que con eguia foto. o edifício é reconhecível. é um
transmitir ao conjunto uma rara coe- marco, é um ícone. O próprio iemeyer
rência. iemeyer wmou- e definitiva-
mente uma e tTela. Firmou- e então a
percepção. pre sentida por Juscelino,
de que era um arquiteto diferente dos
outro grande arquitew. admirado CAPELA DO PALÁCIO
por eus pare. pela crftica especializa- DA ALVORADA
da. pelo público mais culto e pelo "ho- A n·ansparência. por meio de imensos
mem comum". ridros. como sillônimo de invelllil'idade

64 I ' OVEMBRO.2009 I veja I ESPECI


Ar uitetura

traduziu essa condição: "Quando me


pedem um prédio público, procuro ra-
zer diferente, criar surpresa, porque sei
que os pobres poderão, ao meno , pas-
sar e ter um momento de prazer ao ver
uma coisa nova". As colunas do Al vora-
da, as cúpulas do Congresso acionai e
a rampa externa do novo Museu acio-
nai (2006) podem ser facilmente dese-
nhadas por crianças, apesar de sua com-
plexidade e sofisticação. O arquiteto
criou uma ponte entre suas obras e
aquela pe soas que, geralmente, são
indiferentes à arquitetura. Na realidade,
eliminou a distância que a maioria dos
arquiteto ' e tabelece com o público.
A terceira dimensão é perceptfvel por
meio da circulação entre os espaços. A
entrada do Alvorada. por exemplo, é
claramente indicada pela ruptura do rit-
mo das coluna. que dá acesso a um hall
de pé-direito alto. Sobe-se por uma ram-
pa que dirige o olhar para uma parede de
azulejos dourados, para chegar ao ' sa-
lões que abrem caminho a uma varanda
de piso preto que reflete a colunata inin-
terrupta. Nesse trajeto, a sensação de
que se está entrando em um palácio é
muito clara. A transparência, a originali-
dade das colunas e a forma de circular
em seu interior mostram uma grande in-
ventividade. O Alvorada é, indi curivel-
mente, o primeiro palácio do movimen-
to moderno: país nenhum tinha posto
antes de 1958 seu presidente numa cai-
xa de vidro. A me ma atenção à circula-
ção - como e fosse um rito de inicia-
ção - pode ser sentida na Catedral: a
entrada é feita por uma rampa que de ce
em um túnel negro, de maneira a tornar
ainda maior o impacto de ver a claridade
do interior do templo e a leveza da estru-
rura. Circular pelo Congres o ou pelo
Planalto provoca sensações similares.
A quarta dimensão, a mai comple-
xa. está particularmente presente no
Palácio !tamarary, onde jardin de Ro-

PALÁCIO ITAMARATY
A escadaria cun'a da e/llrada
eSlá ell/re as mais belas do século XX
66 1 o EMB RO. 2009 1veja 1ESPECIAL BRASíLIA 50 A;\OS ES PECIAL BRASfLIA 50 ANOS 1veja 1NOVEMBRO. 2009 167
Arquitetura

beno Burle Marx e obras de Athos Bul- nhocão" da Universidade de Brasflia ou CONGRESSO
cão. Bruno Giorgi. Maria Martins e o Museu do Índio, não é o caso: apenas NACIONAL
[amos ourros ani tas podem er con- dua ou rrês camada de percepção e Com apenas um olhar
templados em espaços imenso e estru- verificam. ou ullla JOIO. o edifício
turalmente ou ados. com iluminação e Mas me mo quando o projeto é reconhecível, é um
ventilação naturais. A e cadaria curva não e tão entre o mais bem- ncedi- marco, 11111 ícone
da enrrada está enrre a mai belas do dos há um padrão de qualidade. Im-
século XX. O acabamento excepcional, põem-se. portamo. admiração e cari-
que a socia o concrelO aparente aos nho pelo que representam para nos a
melhore materiais. conrribui para que história o edifícios do início da aven-
seja impossível a indiferença. [Ura brasilien e. A descoberta mais
Apesar de Niemeyer empre ter fa- atenta dos melhores ediffcios de Nie-
vorecido a importância da intuição ao meyer na capital e tá certamente entre
e referir à forma de rrabalhar. seu edi- a experiências mais enriquecedora
fício ão o resultado de um talemo ine- da cultura de no so tempo. _
gável, polido por um longo proces o de
fonnação e ampla cultura. as . ua. me- * André Correa do Lago, diplomara
lhores obra, a quatro dimen õe de e c/irico de arquilefllra, é () awor de
sua arquitetura recebem grande aten- Oscar iemeyer: uma Arquitemra da
ção. a realizações mais recente ,co- Sedução (BEl, 2007) e edilOr do lirro
mo o Mu eu acionaI e a Biblioteca. sobre os einquema anos de Brasília a
ambos no Setor Cultural Sul, ou quando ser publicado em 20 JO pela ImprellSa
o projeto é mal executado. como o " mi- Oficial do ESTado de São Paulo

.- ....:.... --
,

ITAMARATY ReLÍne arquilelllra ao paisagisl1w de Burle MG1:r e a obras de Alhos Buleão, Maria Manills e Bruno Giorgi

68 1 OVEMBRO. 2009 1 veja 1ESPEC IAL BRA íLlA 50 'OS ESPECIAL BRASíLI A '0 A:--JOS 1veja 1NOVEMB RO. 2009 169
Exclusivo

Para o arquiteto
TODASAS Tadao Ando,
a obra de Niemeyer
POSSIBILIDADES transcende os limites
impostos pelo·
DO CONCRETO modernismo
de Le Corbusier

scar iemeyer é um arquiteto singular que

O materializou no o sonho de "desejar criar cidade


ideais de acordo com a ordem arquitetônica".
Como exemplo do sonho de um arquiteto
realizador de sonhos há igualmente o projeto criado
por Le Corbusier para a cidade indiana de Chandigarh, - - -
no início do anos 50. EntrelantO, o impaclo da capilal
Brasília é de uma natureza absoluramenre diversa do
projeto do arquiteto franco-suíço.
As dua . gigamescas cúpula ' alinhadas do Congresso
aciona], a re idência do pre ideme com eus arco em
formaro de bumerangue. a catedral semelhante a uma nave
espacial. Em cada uma de ua obras se delineia um cenário
arquiletônico enérgico e dinâmico, a pomo de eu, que
comecei minhas atividade de arquireto no Japão trinta ano,
depois de iemeyer. não ter sido capaz de aceirá-las
plenamente com meu bom enso.
iemeyer LIabalhou com Lucio COSla e Le Corbusier e, de rorma lão excepcional as possibilidade do concreto
aprendendo arquitetura em meio ao modernismo sem se como matéria-prima e a continua sen ação de tensão
entregar aos dogmatismo fáceis. reconstituiu os princípio que nos oferece.
arq uitetônico ' no ambienle peculiar brasileiro, fazendo com Mesmo com mais de J 00 anos de idade, Niemeyer não
que se desenvolvessem alé criar um cenário arquiletônico deixou de LIabalhar. Desejo mani reslar aqui minha mai
moderno que só poderia urgir no Brasil. profunda gratidão e re peito ao Grande Mestre. •
lO atual pó -modemi mo, eu trabalho reveste-se de
um significado ainda maior e mais profundo. Mas o que
mal. impressiona é o faro de iemeyer, depois de ensaiar Tadao Ando, arquiTeTO japonês nascido em 1941 ,
uma conclusão para o moderni mo. não ter se contentado vencedor do PrêmiO Prit: k.er em 1995 e professor
com essa po ição glorio a. Ele continuou a correr em emérito da Uni\'ersidade de Tóquio, é um dos nomes mais
direção a um novo mundo arquitetônico. respeiwdos em sua atil'idade. Para Bano, do U2, "Ando é
As formas ousadas e delicadas desenhadas ob Paul, 10hl1, George e Ringo numa só pessoa, um budisIa
estruturas acrobáticas intensificaram-se com o decorrer punk com olhar presbiteriano " . AutOdidata, ele com eçou
do lempo. Foram cliadas sucessivameme, por meio a desenhar apenas em meados dos anos 60. Ames, foi
de eu lraço. obras que ocullam uma força que tran cende caminhoneiro e lutador de
os limites não apenas do modernismo como de toda a boxe. Ando chegou li lUla,. com
arquitetura. Masahiko Harada, o japonês
Em panicular, nada melhor para chamarmo de ane que em 1965 tirou de Éder Jofre
do que a série de obras de iemeyer depoi. de , eu retorno o T[Tltlo mundial de peso-Raio,
da Europa para o Brasil. quando o país voltou à democracia conquistado em 1960, I/m pouco
e ele retomou os desenhos em sua terra natal. ão po ' o depois da fundação de Brasília,
deixar de admirar seu lalemo em conseguir explorar no apogeu dos anos JK.

70 I NOVEMBRO. 2(XJ9 I veja I ESPECI AL BRASÍLI A 50 A OS


J
,

I - êl FÁBIO AlTMAN

, <
!i; ircunspecro como sem-
o
u pre. Lucio Costa condu-
o zia o Hillman bege pelas
u
3 ruas do Rio. do Leblon
/ ao Centro, a caminho do
<
'/l
< Ministério da Educação
U
e Saúde Pública. o Palácio Capanema,
/""". ./ na Rua da rmprensa. número 16. AI i. na
obreloja do edifício projetado pelo pró-
prio Lucia em 1937 com a ajuda de
Charles-Édouard Jeanneret, dito Le
Corbusier (1887-1965), e de cinco jo-
vens arquitetos brasileiros. entre eles
NA ÚLnMA HORA O car iemeyer, estavam reunido o
O documento com ete membro. do júri que escolheria o
24 págillas de projero para a construção de Bra í1ia,
papel fiO formato além de alguns assessores.
A4, além de uma / Chovia naquele 11de março de 1957,
prancha com O uma egunda-feira. Falta am dez minu-
traçado, é datado ros para as 7 da noite. dez minutos por-
de 10 de março tanto para o encelTamento do prazo e ·ta-
de 1957, ,'éspera belecido para a entrega do . trabalho ' ao
do pra-;.o final para A - concur o. quando o carro encostou à

~-
o concurso

-A UM
porta principal do prédio moderni ta.
Um guarda chegou a reclamar da mano-
bra, proibida. As filhas de Lucio. Maria
Elisa, esrudante de arquiterura, e Hele-
na. ainda menina, saíram correndo com

ABISCO E
~"""", ~", 1'Q)~
:I '-~#tlI~ De la
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I .....
<-
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~
~.Sl _Q A
~

.:IIS s.....-ow....
J7 ........ _ __ .... N> ..... ~ c: .... t1t.
Assim Carlos Drummond de Andrade
2=3 C: lJo'~
.2A. w:.....,._ " ,
~ se referiu ao relatório escrito Lucia Costa
em sua p rimeira
e desenhado por Lucio Costa, visita ao cerrado
depois da vit6ria
um dos documentos,... fundamentais do relaT6rio

--- - embora quase deseonhecido -


da história do urbanismo brasileiro
BRASiuA - 19-7
f-oTO JEAN ~IA.'ZO~

72 1:>IOVEMB RO.2009 1'II9ja 1 E PECgu. BRASíLIA 50 Al'\os ESPECIAL BRASfuA 50 A..'IOS 1veja 1 OVEMBRO, 2009 173
------------------- -------~--
- -- ~' [?~i ~o/..o- tIl!!
~ 1~!~c... A Á ~r. ( ~
MÁQUINA DE ESCREVER prancha de canão duro debaixo do bra- que a cidade de Bra ilia, inexistente e
o manuscrito de Lucio foi levado ço. Uma das folha ' levava colado o tra- completa. como um germe contém e re-
a uma firma da Rua da Quitanda, çado da cidade. na improvável forma de ume a vida de um homem. uma árvore,
no Rio de Janeiro, com a avião, em e cala de 1/25000, a nanquim uma civilização". escreveu Drummond.
orientação de que fosse e colorido com lápi de cor. Outras qua- "Era um rabi co e pul ava."
v~> /0
\ . datilografado em espaço 2 trO cal10linas tinham, cada uma.. eis pá- "Rabi co". como e percebe. era a
~1 e se fizessem duas cópias. ginas datiJografada . com alguns pouco palavra comum a definir o relatório de
desenho . da memória descritiva do pro- Lucio Costa. Quem primeiro o viu. por
~ C-~~:;, jeto. Eram 3857 palavras que começa-
vam com um pedido de desculpas pela
direiro hereditário, foi Maria Elisa. "a
cobaia ideal", segundo ela mesma diz.
~ ~~\J' r~ ~.
! K. V\-1 ",' " 4. ,
t
;>"""""c:::::::; ;: •
A
t7
"apresentação sumária".
Um funcionário da Novacap, a Com-
porque além de filha estudava arquite-
tura. Maria Elisa lembra de ter sido cha-
panhia Urbanizadora da ova Capital. mada pelo pai. na cobenura onde mora-
recebeu a documentação e entregou um vam no Leblon. ao voltar da praia. Ele
recibo. de número 26. O que se deu do estava no terraço de trás, onde funcio-
outro lado do guichê foi revelado anos nava eu e critório ("embora o escritó-
depois. em 1974, em texro para a revi ta rio de Lucio fos e ua cabeça", diz ela).
Manchefe, por Aávio de Aquino, arqui- Animado, uando. de creveu .. tintim
teto que trabalhava com iemeyer (ele por tintim a nova capital". Levá-la ao
mesmo um do jurado ): "Uma hora an- concur o cu LOU apenas 25 cruzeiro .
te , Niemeyer, Sir William Holford. Lucio ganhou I milhão de cruzeiro .
~l.. André Sive, Stamo Papadaki e eu fomos mas deixou o dinheiro no banco, à mer-
/'- / ~~j ~ V{('~ ~~1. ~ jantar rapidamente no restaurante Alba- cê da inflação.
mar. O clima era de desolação. Lamen-
) d ("'~ ~sS(v:r/ .rI L-(> ~
I •
~~~ 14
tá amos que os tJabalho até então en- Prêmio com Christian Dior. A Brasília
I I" /' ) tregues não estive sem à altura do plano de papel nascera um ano ante, em
urbaní rico de uma grande capital". 1956. numa cabine do navio Rio Jachal,
l'-''''~ ~ s ~2.Vr o OGRAFIA A chegada do papelório de Lucio, no doze dias de viagem entre Nova
I~
t...-..,
I Acorreção do português foi feita mandado a um e critório da Rua da York e o Rio de Janeiro. Lucio - viú-
Quitanda para ser datilografado em es- vo, sempre acomparthado das filhas -
( ~ ~
I ~
-" -', :~ ~~ t-7" ~
por Drummond. Não houve
mudança de estilo, tampouco
erros. Lucio escrevia em português
paço 2. impô novo ânimo ao grupo,
depois de breve decepção. as palavras
fora aos E tados Unido para receber
homenagem, ao Jado do e tili ta CM -
antigo; punha uh" onde já não de Aquino: "Então nos aproximamos tian Dior, da Parsons The ew School
/~ I havia; escrevia "summaria " em vez das pranchas. (... ) Ficamos desiludidos. for Design. O trabalho solitário. com-
/ ~ ~
>4t..u, ~ :> f'-t'-~ J..., h GA-~ ~U/ /l--4C 5 de sumária e "prompta" Niemeyer entou-se num caixote. a ca- partilhado apena com Maria Elisa e
no lugar de pronta. beça entre a mão . Ma o presidente Helena, era o conforto a uma dor ince -
da comissão julgadora. Sir William ante - em 1954. Ju!ieta. a Leleta. mu-
I ) I\.--u / 1 '- HolforcL começou a estudar as pran- lher de Lucio desde 1929. morrera num
chas (ele lia italiano e um pouco de es- acidente de carro na e trada Rio-Perró-
panhol). De vez em quando perguntava poli . Lucio era quem dirigia o automó-
o significado de uma palavra. De re- vel o mesmo Hillman bege com o qual
pente exclamou, entu iasmado: "Mas fora ao Palácio Capanema na undécima
~/P)~ A I. esta é a maior contribuição urbaní úca hora da entrega), e ele sempre alimen-
do século XX!". tou, di cretamente, o sentimento de cul-
5", /7~ \
Ptf~ ~,l~ /(' O poeta Carlo Drummond de An- pa pela tragédia.
drade - vizinho de mesa de Lucio no A lri teza. revelam amigo , o fizera
8° andar do Ministério da Educação, ainda mai di ereto. Homem que. na
parceiro no Serviço do Patrimônio Hi - palavra de Drummond. "não tinha nem
I tórico e Artí tico acional (Sphan) -. de leve ar importante, e parecia me mo
&> a quem couberam uma da primeiras querer e ocultar de todo e de tudo. até
JeituraJ do texto e a correção ol1ográfi- do nome Lucio Co. ta, tanto que a<;. ina-
ca, tivera reação semelhante, de crita va os eu parecere com um e maecido
~,...,, / /1-
..... , f I

\~
- .s.. '(... __ 4 l ;--..-..-.,
Í'ITEGRA DO
DOCUMENTO EM numa de suas crônica . "Peguei da fo-
Lha e rive entre o dedo nada meno
LC. saído do toco de um lápi que era
todo o eu equipamento de trabalho".
j~ L-t \.r' ~
1 _ .feja .com

,
I
dl-t I / J.:. r/~~JI ESPECLAL BRASfLLA ofu'lOS I veja I NOVEMBRO. 2009 175
. .
.

, • -
. :..,: t·:
~]I~ •
Companhia Urbanizadora da Nova
Capital do Brasil

. . -.4:.. 4. T

PROTOCOLO
••• PATRONO Sem vaidade RECIBO
A referência a José Bonifácio foi o evidentes. o desa- Asfilhas de Lucio
modo encontrado para indicar Que a pego lhe pennitia entregaram a
mudança da capital era ideia antiga. ter a bainha da cal- papelada ILO guichê
• Lucio fecha o texto com outra ça feita com gram- do MinisTério
citação a Bonifácio: "Brasília, capital peador. A si mpli- da Educaçcio.
aérea e rodoviária ; cidade-parque. cidade era condi- Fallavam de-:.
Sonho arQuissecular do Patriarca." ção que o autori- minuTOS para
zava a trabalhar o Ténnino do pra-:.o.
P.P.B. num canto absur- em II de março
São as iniciais de Plano Piloto de damente apinha- de /95 7
BrasOia. A expressão "plano piloto" do de papéi . li-
não nasceu com a capital brasileira . vros e caixas e dirigir. já no fim da ida, - com a tradição brasileira. "Era um
- Foi criada por Le Corbusier para
definir os projetos das cidades Que
imaginava no papel.
um Fusca com um rombo no assoalho.
Não que Lucio de conhecesse a impor-
tância de suas ideias na construção da
olhar antropofágico como fora o da Se-
mana de Arte Moderna de 1922", diz
Tavare . "Era a oma do antigo, da ar-
arquitetura e do urbani mo brasileiros, quiteLura coloniaL com as impo ições
um do mai refinado intelectuais a e - do novo," Visto aos olhos de hoje. pode-
r- crever e pensar em pormguês (e fran- e dizer que mismrava Ouro Preto com
• cês). Mode to, até o ano 1980 ele e Brasília. Não havia conuadição por er
refelia à capital como "Bra ília, cidade
, inventada". nte o . umiço de seu nome,
ao me mo tempo defensor do patrimô-
nio - cargo de Lucio no ministério -
apagado pela notoriedade de Niemeyer, e criador de uma cidade do amanhã.
c ,- embora não cultivas e mágoa. passou a Há, no documento de Brasília. lírico à
usar OuLra definição: "Bra ília, cidade Drummond e eco como João cabral de
1 • que inventei". Melo eto, ao meno uma frase antológi-
E que cidade era es a, nascida do ca. usada para definir o que brotava do
r papéis hoje naturalmente amarelados? uaço: " asceu do gesto primário de quem
O próprio Lucio go tava de repeLir, a as inala um lugar ou dele toma po e-
, quem lhe perguntasse, a reação do in-
glês Holford depois da eleção. " Li o
dois eixos cruzando- e em ângulo reto, ou
eja, o próprio inal da cruz".
seu texro três ezes: na primeira, não
RESISTÊNCIA entendi: na segunda, entendi ; e, na ter- Moderno, e não modernista. A cruz era
MaQuis é a expressão em ceira, f enjoyed", dis e Holford, ao ex- o mai evidente símbolo de apego à
francês para designar a vegetação plicar seu entusiasmo. a aprecraçao uadições. Lucio não escondia o aborre-
fechada onde se escondiam final. ao re saltar a simplicidade e a cimento quando era chamado de "mo-
os fugitivos da Justiça na Córsega . clareza da ideia, comparava-a aos derni ta". Preferia er identificado co-
Por extensão, foram chamados planos de "Pompeia, de ancy. de mo "moderno", e ponto. Admitia rer
de maQuis os grupos de Londres, feiro por Wren. e de Pari. de bebido na premissas de Le Corbusier.
•• resistência a regimes como Luí XV". no princípios da cidade-parque, do
, o franQuismo na Espanha
e a ocupação alemã na França,
Era um manife to a anteceder uma
obra de arte. ,. ão um manife ro como
espaço aberro , dos pilotis, como fize-
ra com o Parque Guinle, no Rio. dos
durante a 11 Guerra Mundial. foi o do dadaí tas ou do futurista ", ano 1940. "Ma ele bu cou na tradição
, , diz o arquitero Jeferson Tavares, estu- ua escala", diz Maria Elisa. Para ela,
dioso da hi tória de Bra t1ia, "porque "O gabarilO de sei andares nas quadra
, , estes iam conua alguma coisa. opu-
nham-se ao e tabelecido, apenas nega-
brasiliense nada tem a ver com o
Ciam, é o gabarito tradicional pré-ele-
vam o passado". vador: a escala monumental a sumida,
o caso de Lucio Costa, o relatório determinante do caráter de capital que
que engendrara Bra rua era o casamen- Brasilia tem desde o início. também
to de algun do pilare do moderni mo não tem nada a er com os Ciam",
- na linha de Le Corbu ier e dos con- O urbani ta. empre discretamente.
• gressos internacionais de arquitemra ó mo trava real aborrecimento quando
moderna (Ciam). no ano 1920 a 1950 lhe diziam que BrasOia era cidade em
ESPECIAL BRASíLIA 50 NOS I veja I NOVEMBRO. 2009 177
ARCO E FLECHA E AVIÃO
Poucas coisas irritavam mais o urbanista Lucio
Costa que a versão de que o projeto de Brasnia
havia sido inspirado na forma de um avião.
"É uma analogia aceitável, mas seria o cúmulo
do ridículo planejar uma cidade parecida com
um avião. Assim, ela se parece com uma cruz,
libélula, nave espacial ou um arco e flecha.
Cada um enxerga aquilo que quer", dizia.

%0 O

4-

c 1,
ba
.e t - o
~

~ndo ao longo o 8o
ü
;:)

eixo n ..J
L:J
o
<
'"<
o ixos,
ESPECIAL BRA !LIA 50 A..'10S 1veja 1Nove1BRO. 2009 179
Projeto

CROQUIS
'o nOl'io Rio
JachaL em 1956.
lia lI"Gl'essia
de do;.e dias
de 01 '0 Yor,!;
ao Rio, Lucia
já esboçava o
fraçado IIrbal10
da capifal.
illc/lIsil'e
o desenho
dos ed(fícios
adminisf Taf il'os
depois
efemi;.ados por
Oscar Niemeyer
CASA DE I.UCIOCOS1A

vida. que do papel saíra fria. Em novem- junto de sei ' gaveta ' de aço de um ar- mildade. uma cuna e 'crita à revista
bro de 1984. numa de suas rara visitas à qui o que dorme num contêiner no qual americana Time em maio de 1960. ele
capital. ele teve reação inteligente ao er foi instalado um duro de ar condiciona- retrucava reportagem que. para tratar do
entrevi rado na plataforma da rodoviária do. O lugar. precário ma criativo. amo- cao e da briga política na inaugura-
pelo lamal do Brasil, tendo às costas O rosamente cuidado por familiare. e ção de Bra. f1ia, de. tacara a ausência do
Congre. o e a Esplanada dos Ministé- amigos. com dinheiro próprio e da Pe- invemor nru festividades. E. creveu Lu-
rios. Olhava para os ônibus, para o co- trobra . e tá dentro do Jardim Botânico, cio: ·'Senhores. Acompanhei e aprovei
mércio de camelôs. para o bruaá. "1 to no Rio. nas in talaçàe ' do In tiruro An- o de envolvimento do projeto de Bra 'í-
tudo é muito diferente do que eu tinha tOnio Carlos Jobim. A gavetas mai lia a partir do e critório da ovacap no
imaginado para esse cenu'o urbano. co- baixas do armário têm o. traços de Lu- Rio. e acredito que a execução da ideia
mo uma coi 'a requintada. meio co mo- cio. separado por folhas de papel vege- original e mostrou melhor do que o es-
polita. Ma ' não é. Quem tomou conta tal. As de cima, a ' partitura ' e letras perado. ão vou até lá por doi ' moti-
dele foram e es bra ileiro verdadeiros ong1l1aJ de Dorival Caymmi ( 1914- vo : em primeiro lugar. porque de ejo
que construú'am a cidade e estão ali legi- 2008). Ao lado. em sala conrígua. o deixar rodo o crédiro de expres ão ar-
timamenre. É o Brasil... Eles estão com a acervo de Tom Jobim (1927-1994). Lu- quitetônica e da construção propria-
razão. eu é que estava errado." cio CO. ta, o urbani. ta. ajudou a definir meme dita da cidade para Tiemeye r e
Lucio Costa. na. cido em Toulon, na oBra. il. por meio do relatório que anre- Israel Pinheiro; em . egundo lugar. por-
França, em 1901. morreu ao 96 ano. cede Brasl1ia. tanto quanto Caymrni e que minha mulher, Leleta. teria adorado
Seu principal legado. e te que era um Jobim fizeram com a música. estar lá. e prefiro comparrilhar com ela
rabisco e pul a\'a. hoje e tá em um con- Só não teve o mesmo renome por hu - a impo ibilidade de fazê-lo". _
oI ·OVEMBRO.2009 I veja I ESPECIAL BRAsíLIA SOA. os
Urbanismo

o FUTURO
Os traçados derrotados
no concurso revelam como
poderia ter sido a capital ,
UE UNCA SERA
PROJETO CLASSIFICADO EM 2° LUGAR
Autores: Boruch Milman, João Henrique Rocha DéBORA RUBIN

e Ney Fontes Gonçalves


urante apenas cinco dias, de 12 a 16 de março de

D 1957. o júri internacional avali ou 26 projetos para a


construção de Brasília. O ediral estabelecia alguns
parâmetros para norrear a seleção: a capital deveria
ser diferente de qualquer Olma cidade. para expres-
sar "a grandeza de uma vontade nacional". Sua principal ca-
racterística deveria ser a administração pública, para onde
rodas as funções convergiriam. Quatro projeros atenderam a
essas exigência '. e competiram até o final.
Houve confusão. O arquitero Paulo munes Ribeiro, repre-
sentante do InstitU[o de Arquireros do Brasil, não concordou
com a escolha do plano de Lucio Costa. Alegou pressa na de-
cisão. reclamou de arbitrariedade e sugeriu que fossem reuni -
dos os onze mell10res projeros. A panir deles. propunl1a mon-
tar um grupo de trabalho para pensar o desenho da nova capi-
tal. Israel Pinheiro. o presidente da Novacap, rechaçou a ideia.
Diz Oscar iemeyer, um dos jurados: "O fAB queria anu lar o
concurso e dele se ocupar oficialmente. [srael surpreendeu-se.
pedindo a Antunes Ri-
PROJETOS EMPATADOS EM 3° LUGAR beiro que me procu-
Autores: Rino Levi, Roberto Cerqueira César, Autores: Marcelo e Maurício Roberto, rasse. A conversa roi
L.R. Carvalho Franco e Paulo Fragoso do escritório M.M.M. Roberto curta e radical. Disse-
lhe que encontravam
da minha pane todos
os obstáculos na defe-
sa do plano de Lucio,
praticamente o vence-

__
'-"- _
. -.-. ...... . . . ......
.
dor". Os derrotados re-
clamaram de jogo de
canas marcadas .
VEJA recriou Bra-
. ..............."""'--
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_ sília tal como foi ima-


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ginada pelo segundo
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colocado e pelos dois
grupos que empata-
ram em terceiro lugar.
Saiba como Brasí-
lia ficaria nas próxi-
mas páginas.
ESPECIAL BRAS fLLA 50 ANOS I veja I NOVEMBRO. 2009 I 85
Torres de 300 metros de altura
desafiavam os engenheiros e o prazo

O •• •
arquiteto modernista Rino Levi já era uma celebridade
no fim dos anos 50. Fora presidente do escritório paulistano
do Instituto de Arquitetos do Brasil em 1954 e 1955.
Para BrasOia , imaginou torres gigantes, de 75 a oitenta andares,
com 300 metros de altura, 400 de largura e 18 de profundidade •
- pouco menores, portanto, que a Torre Eiffel. Seriam bairros verticais,
superblocos a arranhar o céu. Alguns pavimentos, entre os andares,
funcionariam como ruas, com serviços e comércio.
Para fazer a interligação de tudo, existiriam elevadores de
dois tipos: os grandes, que levariam às avenidas; e os menores,
para transportar as pessoas para casa . Os jurados ficaram
impressionados, mas jogaram a toalha ante a impossibilidade
de construção dessa cidade futurista dos Jetsons no prazo político de
3ºLUGAR Avaliação dos jurados
(EM PATADO)
três anos estabelecido por Juscelino. Os próprios autores, no memorial PRÓS CONTRAS
descritivo do projeto, deram as pistas da derrota no concurso: Autores: Rino Levi, Roberto
• Boa aparência • Do ponto de vista plástico, são os edifícios
"Talvez esta seja a cidade do século XXI e os homens que a projetaram Cerqueira César, L.R. Carvalho de apartamentos que dão feição à capital -
• Boa orientação
e a calcularam já estejam com seus passos trilhando as vias super- Franco e Paulo Fragoso não os edifícios governamentais
rápidas do ano 2000 pa ra diante". Ficou para depois, ou nunca.
• Altura desnecessária; resistência aos ventos
88 1 OVEMBRO.2009 1veja 1ESPEC IAL BRASíLIA OANOS
ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS 1veja 1 OVEMBRO.2009 189
.Ismo

AO PERQEDOR, U..MLUGAR 3ºLUGAR


(EMPATADO)
Avaliação dos jurados

PRÓS CONTRAS

NA BEl EM-BRASllIA PARAGOMINAS, 2009


Os hexágonos, em imagem de smélile
Autores: Marcelo e Maurício
Roberto, do escritório
M.M.M. Roberto
• O programa para construção
e financiamento é prático e realista
• O estudo sobre a utilização da terra é
• É válido para qualquer cidade numa
região plana; não é especial para Brasnia
• Não é o plano para uma
o traçado fo i usado por Paragominas, no Pará, o melhor e mais completo do concu rso capital nacional
que o atribui erroneamente a Lucio Costa

P
arecem imensos quiosques. As sete Mozart Parada, geólogo muito próximo a JK.
unidades urbanas previstas pelo Houve, portanto, uma involuntária troca de
escritório M.M.M. Roberto teriam autoria. Ap resentado à confusão, Márcio
72 000 moradores. No centro de cada unidade Roberto, filho de um dos autores do projeto
haveria um setor governamental. "A ideia era que obteve o terceiro lugar no concurso, parece
fazer uma capital com caráter de cidade perplexo. "Que absurdo' , diz. "Mas naquele
do interior", diz a arquiteta Aline Moraes Costa tem po não havia mesmo muito respeito a
Braga, autora de (/m)Possíveis Brasílias, direitos auto rais~ Maria Elisa Costa, filha de
dissertação de mestrado pela Unicamp. Lucio, também nunca ouvira falar da história.
O projeto é pivô de um imbróglio em A falsa informação é repetida na justificativa •
Paragominas, no Pará , à margem da Belém- do projeto de lei nO554, de 2007, que
Brasília . Os documentos oficiais do município tramita no Congresso, para a criação de uma
perpetuam um erro - informa m que o traço zona de exportação em Paragominas. Pode-se
urba no é resultado de uma planta de Lucio constatar a semelhança dos croquis de 1957
Costa , "a qual havia concorrido, junto a outras, com o traçado de Paragominas por
pa ra o projeto de construção de Brasília , meio do Google Earth.
classifica ndo-se assim em quarto lugar".
Os desenhos teriam sido presenteados, em
1958, ao fundador da cidade por Jofre

90 I NOVEMBRO.2009 • 3 I ESPECIAL BRASÍLI A 50 'OS


ES PECIAL BRASÍLIA 50 A'lOS I veja I , OVEl\1B RO.2009 191
..
',.~ ~--.

A VO DOS PIONEIROS
TEXTO: FÁBIO ALTMAN
FOTOS: PAULO VITALE
o FAZ-TUDO DO de barracões e rendas. montado dentro
do terreno do Plano Piloto. de modo a
rransferi-Io para regiõe. mais disrantes.
na gênese da chamadas cidades-sate1ite.

COMEÇO DA AVENTURA "Tenho orgulho de viver num lugar que


ajudei a con truÍf". diz, em voz baixa,
embora não e conda saudo i ra decepção
com o inchaço da metrópole, "que foi
Ernesto Silva j á estava lá quando JK pen ada para reI' 500000 habitanres e ho-
fez a visita inaugural ao Planalto Central je lem cinco veze mai :' O fundador mo-
ra na Superquadra Sul 105. uma das pri-
meira . ainda com o formaro oliginal.
m 12 de etembro de 1958, um uma das imagen hi tóricas do pri- É per onagem tãO anrigo, mas tão an-
versinho publicado no Cor- mórdios. aquela em que JK aparece to- tigo na história bra. i1ien. e, que parece
reio da Manhã carioca debai- mando café na Fazenda do Gama. em 2 já rer chegado idoso (tinha 40 anos). É o
xo do tÍrulo "Bra ília e a de ourubro de 1956. diame de porcos e próprio Ernesto quem coma uma outra
musa " re um ia o papel de galinhas. lá e lá ele, com o mapa da re- hi tória curio a a envolver eu nome. É
rrê dos principais persona- gião nas mãos. De 1953 a 1955. indicado o reI aro publicado em 1962 na revista da
gens da consrrução da cidade: por Getúlio Vargas. ele fora secretáIio da Associação Atlética Banco do Brasil.
Comis ão de Localização da ova Capi- E 'rá as im no original: "Depois de mais
" 0 açlÍcar e o mel são filhos de Israel. tal do Brasil. Era. ponamo. já naquela de dua emana em que e falou , dema-
A carne e o pão são filhos do Sayc7o. época. memória viva. incomornável. siadamente, nas escola . sobre a funda-
E o resLO ? Erne to, nascido no Rio, pediatra de ção de Brasília e seu construtores a
É do ErneslO ". formação. cuidou de algun dos proble- profes ora aproveita a data de 21 de
mas mais complexos do. primeiro ano abril para falar também de Tiradentes.
I rael era I rael Pinheiro ( 1896- 1973), de Brasília: o istema educacional e de Quai o companheiros de Tiradente .
presideme da ovacap, a Companhia aúde. Dificuldade? Recorria- e ao Er- pergunta a mestre. A re po ta: Emesro
rbanizadora da ova Capilal. Sayão nestO. Ele negociava com o moradore Silva e Bernardo Sayão'·. _
era Bernardo Sayão (190 1-1959), já
mítico consrruror de estradas. responsá-
vel pela Belém-Brasília. rambém dire-
lor da empre a que LOcava as obra. Er-
nesro Silva, o único da trinca ainda vi-
vo. é chamado pelo amigo de "o pio-
neiro do ame ". Tem 95 ano recém-
complerado . Foi el quem recebeu a
comitiva de Juscelino na primeira vez
em que o presideme pôs os pés no pon-
to do cerrado onde hoje e rá a caplraJ.

CAFÉ COM PORCOS E GALINHAS


Juscelino l'isira a Fazenda do Gama,

P ALTO CENTRAL - 2 I 10 I 1956


FUfQ, MÁRIO FO~'TE."ELLE '\RQLI'O P("SUCO 00 OF

94 I NOVEMBRO. ~009 I veja I ESPECIAL BRASfLIA 50 'OS


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96 I \lOVEMBRO.2oo9 I veja I ES PEC IAL BRASÍLIA 50 AKOS


,
nas instalações", ri. Aos que criavam
REGUA ECOMPASSO desenhos de pessoas e bonequinhos
para ilustrar as plama , recurso lúdi-
co tradiciona l dos arquitetos. pedia

DE UM TEMPO SEM GPS que fossem apagados. "0 projeto já


foi aprovado. não precisa de frescura
não. quem va i manipu lar isso é o
pessoal lá na obra: '
o engenheiro Augusto Guimarães Filho tirou Guimarães. modesto, resume seu
traba lho a mera transposição das ideias
a cidade do papel para erguê-la no chão defendidas por Lucio Costa no me-
morial desc ritivo da nova cidade.
ouve um momento fundamen - vas e cotas altimétricas sem erro '." "Peguei aq uele rel atório e o botei pa-

H tai na construção de BrasJ1ia. Sua equipe únha onze pessoas.


sem o qual ela jamais airia do
papel: a transferência do dese-
nho em escala 1/25000 para o chão de
A panir do Rio. lembra Guima-
rães, tudo era feito com ze lo mate-
mático c improvisação heroi ca. À
verdade. A tarefa coube ao engenheiro . fa lta de mesa . . ele encomendou trin-
ra constru ir sem nen huma dificuld a-
de". diz. "Não tive de pergunt ar a ele
abso lutamenre nada, tudo estava dito
ali." o escritório do pequeno aparta-
mento onde vive. em Niterói Guima-
civil Augusro Guimarães Filho. hoje ta pona e cavaletes. "Apena pedi rãe tem pendurada na parede a cópia
com 97 anos. homem de sorri o aberto ao arquitetos e enge nh eiros que am pli ada do Pl ano Piloto de Lucio
e rigor cartesiano. AuguStO trabal hara u assem meias brancas, porque te- Costa que ele U. ou entre 1957 e 1960
com Lucio Co la no Parque Guinle. no ri am de tirar os sapato. para ubir para pôr de pé uma cidade inteira. _
Rio, nos anos 40. a época do concur-
'0 de Brasília. projetavam juntos a sede
do Banco Aliança. incorporado pelo
llaú, na praça carioca Pio X. Viam-se
lOdos o dias. e no enranto Guimarãe
. ó soube que Lucio desenhara o traça-
do vencedor da nova capital ao ler a
notícia no jornal. O convire para rraba-
lhar com Brasflia foi trarado como
mi osão. Lucio fez du as única observa-
ções : a primeira é que e taria ubordi-
nado a Oscar Niemeyer. A segunda:
Niemeyer é que montaria a equipe.
Guimarães foi nomeado che re da Divi-
. ão de Urbani smo da ovacap. a Com-
panhia Urba ni zadora da ova Capital.
sediada no Ri o. em 1957.
ProjelO em mãos, ele definiu para
que lado Brasília ficaria em relação à BRAÇO DIREITO
nascente do sol. Bateu o martelo - e. De óculos. ao
nesse caso, literalmente - da ESLaca lado de Lucio
Zero, a cruz formada pelo eixos Mo- COSIa. 110
numental e Rodoviário. o início de tu- escriTório do
do. Ao cotejar a documentação topo- Minislério da
gráfica previamente apresemada com o Educação. /lO Rio.
010 brasiliense. descobriu que havia Guilllarães só
erros. A solução foi "puxar" a cidade soube da escolha
800 metros ao sul. Tudo fe ito no lápi , do CO/lCllrso pelos
sem os recursos moderno. , como o jornais do dia
GPS. "Mas garamo que o computador RIO DE JANEIRO -
não daria mais precisão ao que fize - C. 1957/ 1960
mos". afi rm a. "Apontamo retas. cur- "UIO: CA'>A DE I L. t'IOCOSTA

ESPECI A L BRA síLIA 50 A". OS 1veja 1NOVEMBRO. 2(Xl9 197


,"
Perfis

98 NOVEMBRO. 200<) I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 A '0


o CONSTRUTOR DA mente. o Lanciu Sport conversível não
pegava, e a meninada era convocada a
empurrar a baratinha. ão tardou para
que o dono do automóvel, cujo nome as

PISTA DO AEROPORTO crianças desconheciam. fosse apelidado


de Calhambeque.
Em abril de 1957, dezenove anos de-
pois. portanto. das peladas no Leme,
Nas memórias de Atahualpa da Silva Prego há houve alvoroço com a chegada de uma
comiriva ao Catetinho. a residi:ncia de
espaço até para brincadeiras com Lucia Costa JK no Planalto Central. consrruída com
projeto de Oscar Niemeyer. Conta
m livro-diário comprado na Pa- não. Ele se recorda com saudosismo. Alahualpa. ligando os dois episódios de
pelaria União, no Rio de Janei- rindo sozinho. do modo como reencon- sua linha do tempo particular:" vancei
ro. em 1956. já com as páginas U'ou um dos personagens cruciais na um pouco mais numa das frestas de
naruralmenre amarelada Q:uar- aventura imaginada por JK. curiosos, enu'e ombros. cabeças e baJTi-
da um dos lesouros de Brasflia. Éü re- Em 1938, Atahualpa costumava jo- gas, e vi ol hando para a enorme cópia
lato minucioso do engenheiro Atahual- gar bola com a garotada na Ru a Gusta- vegeral da planta um personagem de mi-
pa SchmÍlz da Silva Prego. o responsá- vo Sampaio. no bairro do Leme. no Rio. nha meninice. Era o urbanista Lucio
vel pela construção da pista do aeropor- De uma casa ao lado do campinho de Costa. era o Calhambeque". Alahualpa
10. Sem ela. lu celino não leria feito as paralelepípedos afa. quase diariamen- diz ler safdo de fininho para ver se do
sucessivas viagens ao Planalto CentraL te. um cidadão alto, de chapéu-panamá, lado de fora do Catetinho havia um Lan-
Construí-la era fundamental. porque com feições próxima ' às de Santos Du- eia como o de antigamente. Ele nunca
pane do material da construção de Bra- monto "Farto bigode. sisudo em seu fez eS 'e relato a Lucio. por receio de
sJlia foi levada por aviões. O livrelO é o pone circunspecto". coma. 1nvariavel- con Lranger o urbanista de Brasllia. _
"Diário Ar-T. sigla emprestada do no-
me da obra. Atahualpa guarda-o com
carinho. matéria-prima para um livro de
memória. que lançará em breve. lei-
tura de uma das primeiras enu·adas. em
25 de outubro de 1956. é um retrato de
quão pioneiros foram os primeiro ho-
mens e mulheres a desbravar a região.
"Permaneci em Luziânia à procura de
pessoal carpinreiro. lábuas. caibros,
pregos elc .... escreve o engenheiro. "En-
viei. pelo telégrafo. mensagens para a
firma no Rio. Obtive informações obre
a eSlrada Vianópolis-Luziânia, de 18 lé- o MESTRE
guas. Reservei na pensão Juca da Ponte DO ASFALTO
acomodações para a chegada de moto- O encollfro
ristas. de nosso primeiros caminhões. de Ara/lIIalpa
com maleriais e equipamentos para ofi- (no destaque) com
cina. Observei que roda tarde costuma o presidel/le e
chover na região." Israel Pillheiro.
Atahuulpa, de 83 anos. hoje vive de mão na boca.
num casarão no lIo da Boa Visla. no "Sinal de que ele
Rio. É homem bem-humOJado, capaz já estava com
de misturar numa me ma frase detalhes l"onrade de sair ".
técnico do solo de laterita. tfpico do ri o engenheiro
cerrado. com lembranças daquele rem-
po em que os político tinham de obe- IlRASiuA
- c. 195711960
decer aos engenheiro '. porque eles é '-OTO:""RQU\O Pl BI ICO
que abiam o que dava para erguer ou DO Df

:-IOVE\·IBRO. 200<J 199


~1II1Iri::l~CI
Perfis

100 I t\OVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS


ELE AINDA CHORA
POR JUSCELINO
Subchefe do Gabinete Civil, Affonso Heliodoro
conversava com o presidente até no banheiro
ada parece enfraquecer o coro- Heliodoro viu JK pela primeira vez te militar do Planalto. para ouvir que " 0
nel reformado Affon o Helio- em 1933. O futuro pre idente era capi- pessoal do etor militar não gostou do
doro. ubchefe do Gabinete Ci- tão-médico no Ho piral Militar da For- monumemo. porque é evidente, na está-
vil da Presidência da República ça Pública. em Belo Horizonte. Helio- rua que ficará postada lá em cima. a re-
de 1957 a 1961. os 93 anos. al[jvo. ca- doro começava a trilhar carreira na f rênci a à foice e ao martelo do. comu-
paz ele subir e de. cer a escadas de sua PM. ascera também em Diamantina nistas". Hou ve pressoe. para não , ubi -
casa no Lago Sul de Bra ília com facili- e tinha sido aluno da mãe de JK. "Ju - la. Oscar iemeyer e Sarah Kubirschek
dade. não toma remédios. Dua pílulas celi no tinha 31 ano . eu apenas 17. ameaçaram entrar na Ju tiça. Coube a
diária - de vitamina A e ácido fólico mas fizemos ólida amizade" , coma Heliodoro er a pome emre a família e
- bastam para mantê-lo firme. Ele só Hei iodoro. "Era homem carismático. o governo militar. Ele tentava conven-
perde o prumo quando lembra ter so- de conversa fácil, adorava comar his- cer os generais de que o ímbolo co-
nhado com Juscelino Kubitschek na tórias." Mesmo depois da morte de JK. munista. embora ev idente, era mira-
noite anterior. os doi numa cerimônia em 1976. Heliodoro cominuou a aju- gem. té que veio a ordem do presi-
oficial. e chora. Por quê ? "Porque ele dar o amigo. Em 1981. às vésperas da dente João Baptisra Figueiredo: "Sobe
era um homem admirável:' inauguração do Memorial JK, Heli o- a estátua". Subiu. e Affon o Heliodoro
O adesivo no vidro de trá. do carro doro foi convocado inúmeras vezes tomou pO .. e como o primeiro diretor
dá pioras do fascín io de Heliodoro pelo pelo general ewron Cruz. comandan- do memorial. _
criador de Brasília: "JK. Procura- e
outro". Como Outro não bá. o presiden-
te virou um miLO a ditar a vida do ami-
go. dormindo ou acordado. Pasras de
pIá ti co guardam a troca de correspon-
dência e os documentos relativos ao
Plano de Metas de Juscelino, que He-
liodoro ajudou a administrar. Há uma
carta de 18 de julho de 196-1-. tradução
da proximidade de ambo . . "Todas as
manhãs. ao despenar. penso que ainda
vou encontrá-lo no meu quarro e no
meu banheiro para os primeiro ' co-
mentários do dia" , e cre e JK. "HábiLO
velho que trouxemos de Mina , leva-
mo ao Rio. tran ponamo para Brasí-
lia e novamente para o Rio."

FIDELIDADE Tleliodoro acolllpanholl


JK dllf(/Ilfe décadas de cafés da f/7alll/{l.
dos C/nos 30 ao exílio, em Paris e Nova
York. depois do golpe de j 964

RIO DE JANEIRO-c. 195711%1 rO Ill '"\IU 'O "r S u "

·OVEMBRO. 1009 I 101


ria

A SAGA DA CONS Há uma única unanimidade, o épico


feito de erguer uma metrópole do nada
em menos de quatro anos
RONALDO COSTA COUTO havia lhe comado o acomecido na en-
tranha udenistas. Só aprovaram porque
io de Janeiro. Copacabana, concluíram que Bra Dia inacabada eria
1961. A carioquinha de 5 o mmulo político do presideme. Quan-
anos adora Brasnia e JK é do o udenista Adauto Lúcio Cardoso
amigo de seu pai. Ela provo- perguntou ao lider Carlos Lacerda se a
ca a babá: capital ia mesmo mudar, ouviu: "Vai
nada. Juscelino não é de nada. Isso aí
- Quem fez o céu? vai é desmoralizá-lo. porque ele não
-Foi Deus. dará conta".
- Eo mar? Pro ocação e desafio. Bra flia ago-
-Foi Deus. ra. além de prioridade, é questão de
-Eeu? honra para JK. O sucesso e a velocida-
- Também foi Ele, menina. Foi Deus de da con trução passam a ser parte de
quem fez tudo. eu jogo de sobrevivência e afirmação
- É. Mas Brasília foi o Juscelino. polftica.
A aprovação do projeto. vitória fun-
Polêmica muito antes de na cer. damental, garame a criação da Nova-
apaixonadamente idolatrada ou execra- cap, empresa que comandará o planeja-
da, Brasília produziu pelo menos uma mento. a urbanização e a construção
unanimidade. talvez a única: sua cons- com cana branca. Sancionado em alar-
trução no ermo goiano em apenas 43 de, convene-s em lei em 19 de setem-
me e , desde a primeira vez em que JK bro de 1956. JK ganha ampla liberdade
pôs os pés no cerrado, é um feiro admi- de ação para construir Brasília - ainda
rável. Do governo. da arquitetura e da sem definição da data de inauguração.
engenharia, dos con trUlore e técni- Ma quem dirigirá a poderosa em-
cos, do exército de candangos movido presa? Precisa ser alguém confiável,
a necessidade. identificado com a causa mudancista.
Palácio do Cmete, meados de setem- experiente em obras, de pulso fone. Ou
bro de 1956. O Congre o apro a o pro- seja: precisa er o enérgico engenheiro
jeto de lei da construção de Brasília. JK Israel Pinheiro da Silva. homem franco.
comemora a notícia com lágrima . Diz de poucas palavras e sorrisos. e de mui-
ao velho amigo Jouben Guerra. compa- ta ação. O problema é que ele e a famí-
nheiro de de os tempos de prefeito de lia e. tão muito bem e felizes no Rio de
Belo Horizome: "Hoje é o dia mais feliz Janeiro. Depurado federal, preside a co-
da minha vida. E abe por que o projeto biçada Comis ão de Orçamenro.
foi aprovado? Eles pensam que não vou É complicado tirá-lo de lá para ir tra-
conseguir execmá-Io'·. balhar e morar no maro. Complicado e
O deputado oposicionista goiano con u·angedor. Por duas vezes. JK e te-
Emival Caiado, emusiasta da mudança, ve com ele. rodeou. rodeou, e não fez o
convi te. Era urgentí imo, preci ava dar
um jeito. Acionou então o PSD mineiro.
Logo inventaram um pretexto e cosrura-
ram um voo de Belo Horizonte ao Rio
em que o. dois ficariam à vontade. O
SENADO FEDERAL pequeno avião decolou. passou Santos
BRASTuA - c. 1957
Dumolll, Barbacena Juiz de Fora. e
HJTO '\A IKT I (;AUTl lfR(JI"II'STI rL'TO \ 10RtJ RA S~LLtS nada. JK falava obre política. governo,
ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS I veja I NOVEMBRO. 2009 1103
·E nharia

Minas, Diamantina, família, o tempo e zartZa pra lá e pra cá no meio do mato


o vento, mas não entrava no assunto. ralo e das árvores retorcidas. vestido
Depois de Perrópolis, quase chegando. como se fos e a resraurante sofisticado
Israel resolveu a parada: "Tá bem. Ju - de Paris. Bem corrado temo claro, len-
celino, você não precisa me convidar, cinbo no bolo superior do paletó. ca-
eu aceito". misa imaculadamente branca. bela gra-
1 rael é nomeado em 24 de etembro vata italiana, chapéu de feltro. resplan-
de 1956, juntamente com o diretor exe- decentes sapatos pretos. Olha tudo, faz
cutivo Bernardo Sayão - o novo ban- uma pergunta aU'á da oulra. Sonha o
deirame de JK, ice-governador de futuro no meio do dia e do nada. Fala de
Goiás e exImio engenheiro construtor uma cidade monumental, moderna e
de estradas - e o diretor adminisrrativo deslumbrante.
Ernesto Silva. O quano nome aiu de Caminha, anda de jipe com Nie-
Iisra aíplice da UDN: o depurado mi- meyer até o pomo mais alto. Depois so-
neiro Íris Meinberg. Chefe do Departa- brevoa a área da futura Brasília no teco-
mento de Urbanismo e Arquitetura: O - teco de Sayão. Parecendo vê-lo. indica
car iemeyer. e de creve palácios, praças, avenidas
Estava quase tudo pronto para a monumentais, estradas de ace SO, um
grande aventura. Só faltava o dinheiro. lago gigantesco, aeropono internacio-
Como financiar o megaprojeto. pesado nal e muito mais. O avião pousa na pre-
até para as grandes economias de en- cária pista de terra. Perplexo com o que
volvidas? JK dizia que os recursos sai- já viu e sobretudo com o que não vira, o
riam de sua cabeça. Argumentava que canesiano marechal Teixeira Lott. far-
o crescimento rápido resultante da es- dado, olho apertados pela luminosida-
calada de inve limento. produziria de, chovendo suor, aproxima-se:
novo equilíbrio da economia, num pa- - Ma o senhor vai mesmo cons-
tamar mais alto. Terminaria por e tabi- truir Bra ília aqui. presidente?
lizar a moeda e as finanças públicas. - Vou, meu caro ministro. E aqui
Precisava desse di cur o que sobrepu- vou tenninar o nosso governo e passar a
nha a política à economia política. Ti- faixa ao sucessor.
nha de fazer gastos que estarreciam e ConfOlmado, Lott vai a iemeyer:
arrepiavam e pecialista e assessore - Os prédios do Exército serão mo-
do porre de Roberto Campos e Lucas dernos ou clássicos?
Lopes. O Plano de Metas exigia ga tos - uma guerra, o senhor prefere ar-
públicos monumentais. mas modernas ou clás ica ?
De olta ao Ri o, JK faz publicar
Prédios do Exército. Serrão de Goiás, edital de concurso para o Plano Piloro
cerradão bruto. local da consrrução de de Brasília. Era indispen ável e ur-
Brasflia, 2 de outubro de 1956. dia bo· geme fixá-Ia em termos arquitetôni-
nito, primeira visita de JK. O veterano cos e urbanísticos. projetar e de enca-
Dougla DC-3 embica para a pista de dear as obras. " ão iniciaria a cons-
terra vermelha improvisada por Sayão. trução da capital para deixá-la, ao fim
Pancada de pneu batendo no chão á - do meu governo, inacabada. Os meu
pero. muita poeira, solavancos, e pron- sucessores a abandonariam, e a ideia
to. Saem JK, o marechal Teixeira Lott, morreria de novo."
miniStro da Guerra. diverso outro mi-
nistros e a ses ore . O voo fora turbu-
lento. Muitos estão assustados. Num
pau fincado ao lado da pista, vê-se a to -
ca tabuleta em que o otimi mo quase
infinito de Sayão anotou: "Aeroporro
Vera Cruz". São lIMO. ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS
O urbanf simo pre idente mosrra en- BRASÍUA - c. 1958
tusiasmo. Sob oi de e tourar mamona, FOTO; \IA RCEI , GAt..:" tCROTIJ'~TI"lITO MOREIR.\ SJ,.l lbS

104 I :>IOVEMBRO.2009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS


io de Janeiro, Horel Amba sador. o meio da festa. Juscelino pede a

R
CONGRESSO
NACIONAL Rua Senador Dama . 12 de outu- Sayão que 'e in ·tale na área. "Quando,
Os dois edifícios bro de 1956, encomro do cha- presidemeT' "Omem," Sayão decola
anexos à Câmara mado "boêmios patriota " do para Anápoli . o dia eguime. começo
e ao Senado, Juca's Bar, amigo de JK Pre entes da manhã, volta dirigindo um caminhão
com 28 andares O. car iemeyer e uma penca de par- barulhemo, com a mulher. Hilda. e me-
cada um, usaram ceiros, entre ele o eresreiro Cé ar rade do filho. Lia e Lílian. Feliz da
aço imponado dos Prates e o violonista Dilermando Reis. ida. estaciona debaixo de uma árvore
ESTados Unidos Surge a ideia de con truir uma re idên- próxima e arma ua barraca de lona.
BRASÍLIA - c. 1958
cia provi ória para o pre ideme em Promo: um direror da Novacap já e. lá
fOTO : \tARCEL (iAlffHEK(1! Brasília. Niemeyer e boça o projeto na morando em Brasília com a família.
L'STlTUTO \lORLlRA SALLJ:s hora. m palácio ro co, de rábua . de- Juscelino: "Com Sayão à te ta dos tra-
pois apel idado de ··Catetinho". USlen- balhos. a atividade redobrou. Quem
tado por gros os tronco de madeira de olhas e o local onde e ta a sendo ini-
lei. ão havia tijolos nem pedras no en- ciada a con trução de Brasília sempre o
dereço: clareira no meio do maro. Fa- veria: chapelão na cabeça: ro to quei-
zenda do Gama. Bra. ília. Prazo de mado de . 01. suando em bica. Estava
con truÇão: dez dia.. em roda parte e empre em arividade.
Em 10 de novembro de 1956. JK e Re ervava para si as tarefas mms árduas
pequena comitiva chegam no DC-3 e perigo a e a e ecuta a com eu
para a fe la de inauguração. Mú ica, inextinguível bom humor. À beleza viril
boa comida, boa bebida. Há uísque de do fí ico privilegiado, aliava-se invejá-
qualidade. mas falta gelo. De repente. vel formação moral. Era bom por natu-
cai um pé-d'água as u ·tador. bombar- reza e bravo por instimo'·.
deando granizo. sim que o [empo- Sayão morreu em 15 de janeiro de
ral pa a, rodo correm para fora , ca- 1959. com apena 57 anos. atingido
ram o que podem. dão graça a Deu , por um gigame co galho de uma árvo-
brindam a São Pedro. re de 40 metro , quando conava a mata »>

Tecnologia
~ ~

NEM TUDO QUE ESOllDO SE DESMANCHA NO AR


o aço - e não o concreto - salvou do atra o os principais prédios
"N ão há arquitetura sem tecnologia" é uma das
mais conhecidas definições de Oscar Niemeyer,
Volta Redonda e transportadas de trem até Anápolis (GO)
e por rodovia até Brasnia. Para as obras dos ministérios
o mais dedicado defensor do uso do concreto e dos anexos do Congresso, inaugurados em 1959
armado, um dos primeiros a utilizá-lo em formas curvas. e 1960, foram importadas 15000 toneladas de uma
Niemeyer, no olhar leigo, é sinõnimo de concreto. Na empresa americana .
construção de Brasnia, contudo, ante a pressão do tempo Como não houvesse técnicos no Brasil, a montagem
imposta por JK, houve extraordinários avanços no emprego ficou a cargo da americana Reymond Pill, estabelecida
do aço. Típico das edificações americanas, base dos como Construtora Planalto. A dificuldade: mão de obra que
edifícios de Chicago, raríssimas vezes ele tinha sido usado soubesse trabalhar com o novo material. '~ntigamente,
no Brasil. O aço, e não o concreto, nasceu com Brasnia . quando se terminava uma estrutura, viam-se apenas lajes
As construções com moldes de madeira recheados e apoios", dizia Niemeyer, anos após a construção de
de cimento pediam tempo, significavam lentidão. Com Brasnia. "A arquitetura vinha depOis, secundária, e eu queria
estruturas metálicas, apenas depois revestidas de o contrário, essa junção das estruturas com a arquitetura ."
concreto, tudo era mais rápido. O Brasnia Palace Hotel, As imagens dos esqueletos de aço de Brasnia em
de 1958, utilizou 905 toneladas de aço, fabricadas em construção são algumas das mais bonitas daquele tempo.
106 I . OVEMBRO.2009 I veja I ESPECIAL BRASiuA -O ANOS ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS I veja I :-:OVEMBRO. 1009 I 107
PALÁCIO DA ALVORADA
LAGO PARANOÁ
BRASÍLIA - 10 16 11960
\lARJO FO'"TE~ELLEJARQLWO PlllUCO DO DISTRITO FEDERAL
fechada para dar passagem à Rodovia
Belém-Brasília. Per 'onagem perfilado
na revista Life por John Dos Pa . o ,era
um miro cujo enterro parou o cerrado.
num féretro de jipes. caminhões e tra-
rore . Foi o plimeiro mártir da con tru-
ção de Brastlia.
A No acap, durante e depoi de
Sayão. tinha tarefas de dois tipos: as ur-
geme e as urgentfssimas. Além do con-
curso para o Plano Piloto. precisava
iniciar o aeroporto definitivo. preparar a
e tratégica rodovia para Anápoli . abrir
estradas entre os canteiros de obra .
construir prédios provisórios para a ad-
ministração e instalar- e; fazer aloja-
mentos para funcionário e operálios.
providenciar à pressa os projeLo da
residência presidencial. de um grande ESPERANÇA
horel. do próprio aeroporto. da U ina do AO CHEGAR
Paranoá; estruturar o serviço de água e Candangos
esgoro. implantar imediatamente serra- desembarcam
rias e olarias e muitíssimo mais. Con- /l a Cidade Livre.
tam que um engenheiro ranheta cerro Em menos de
dia de abafou: "Se tudo aq ui é prioritá- três aI/OS, eles
rio. não há prioridade". já eram 20000.
Rel'olrado , não
Três turnos. A burocracia é mínima. A aceiwral7l deixar
empre a [roca a complicadas licilaçôe () lugar que
pública por breves concorrências ad- I'irou urbe allles
ministrativas ou mesmo por admini tra- da capiwl
ção contratada. Mandava e desmanda-
va. Consegue impor ritmo acelerado às CIDADE LIVRE -
c. 1957·]960
obras. Regime contínuo de três turnos FOTO: A RQUIVO PÚBLICO
de oiro horas. rigorosa cobrança do cro- DO DISTRITO FEDbRAL

nograma de execução de cada obra. aLa-


que imultãneo em várias frentes. O
canteiro cresce espetacularmente a par-
tir de fevereiro de 1957. No começo de
rores novos de vários tipos e poderosas
escavadeiras revolvendo a terra. furan-
Incentivo fiscal 'A mãe de Brasnia" é o apelido do Núcleo Bandeirante,
que, na sua gênese, em dezembro de 1956, foi
porque, antes de a Brasília do Plano Piloto existir, a Cidade
Livre virara uma aglomeração urbana incontornável, ímã de
1958, olhos Lreinados já podiam perce- do buracos. criando clareiras, preparan- a Cidade Livre. Com residências e lojas erguidas riquezas. A JBS-Friboi, a maior empresa do mundo no setor
ber a e trutura da metrópole. do terrenos para obra públicas. Crate- de madeira, telhas metálicas e amianto, de modo a evidenciar de carnes, começou a crescer ali, pelas mãos de José Batista
JK conta que só quem olhava de
cima tinha ideia da magnitude. diversi-
ras recém-aberras engolindo roneladas
de concrero.
AZONA FRANCA sua suposta vocação efêmera, brotou como centro urbano
pa ra receber os trabalhadores que construiriam Brasília.
Sobrinho, o Zé Mineiro, o pai dos atuais dirigentes da
companhia. Em 1957, com apenas cinco funcionários, ela virou
dade e complexidade dos trabalho . En-
genheiros e mestres de obra de mapa na
Rede de água, e goro. eletricidade.
edificações. Estacas endo fincadas para DA CIDADE LIVRE Era livre porque, tal qual as zonas francas, não cobrava
impostos. Os lotes destinados ao comércio , indústria e serviços
fornecedora de carne para as construtoras da capital,
cujos operários viviam na Cidade Livre.
mão. equipe de dezenas, centenas. mi- suporrar andaimes no prédios que nas- foram arrendados pelo prazo máximo de quatro anos. Eram mais de 20000 pessoas. Quando o governo começou
lhare de homens apre sados trabalhan- ciam. Torres metálica de estaçõe de o aglomerado provisório, Ca lculava-se que, ao fim das obras, os moradores voltassem à a se movimentar de modo a tirá-Ias do lugar, houve protestos,
do dia e noite nos canteiros e na abertu- telecomunicações pontificando em vá- terra natal ou se transferissem para o Plano Piloto e vizinhança. brigas e manifestações. A ideia era levar a população para as
ra da via públicas. Ao longo delas. rios lugares. enviando men agens com
isento de impostos, Aideia original de funcionar como mero almoxarifado do que vizinhas Taguatinga ou Gama, ou mesmo para o Plano Piloto.
incontáveis armações de pinho para os pedidos de material indispen ável à po- cresceu tanto que Ocorria ali ao lado, nos andaimes da construção brasiliense, Em 1961, no governo de Jânio Quadros, a pressão popular
vergalhões de ferro das vigas de cimen- pulação. às con truçõe ' e à manutenção não funcionou. chegou ao ápice, no Congresso, na forma de lei. Nascia o
foi impossível tirá-lo Núcleo Bandeirante, hoje com mais de 40000 moradores -
ro armado. Dúzias de caminhões rodan- do equipamentos. Guindastes ubindo e Ficou tristemente conhecida, entre os moradores, uma frase
do de um lado para outro. entupido de descendo com cargas trazidas ou levadas do lugar de Israel Pinheiro, presidente da Novacap: "Em abril de 1960, uma cidade de vida mais real, a rigor, do que aquela cultivada
material de construção. Dezenas de tra- pelos caminhões, carregando material. mando os tratores para esmagar tudo". Eles nunca chegaram, nas superquadras do Plano Piloto.

ESPECIAL BRASíLIA 50 A OS I veja I NOVEMBRO, 1009 I I I I


Engenharia

as entando vigas. Polias girando sem pa-


rar. buzina locando, sirenas soando,
morore acelerando. Edifício que come-
çam a romar forma. Sons de morore e
máquinas, barulbo de metal batendo em
metal. de martelos. de serras e errore.
de preparo de cimento. carga e descarga
de material. vaivém incessante.
Formigueiro de máquinas, materiais
e gente. Até a inauguraçãO. em 21 de
abril de 1960, foi projetada e concluída
boa pane das principais construções: o
conjunto do Congre so acionai: o Pa-
lácio do Plana]ro; o Supremo Tribunal
Federal; onze edifícios ministeriai ; o
Palácio da Alvorada (inaugurado em
junho de 1958); erviço de eletricidade.
de água e de esgoro; mai de 3000 mo-
radia ; hospital público com 500 leito ;
in tal ações da Impren a acional; ho-
tel de turismo com 180 apartamentos;
aeropono provisório; escola; clube
náutico; concha acústica; estrutura bá-
sica da Catedral Metropolitana: a pe-
quenina Ermida Dom Bosco: a Igreja
de ossa Senhora de Fátima: a estrutu-
ra básica do Teatro acionaI: a e tação
rodoviáJia: o grande eixo rodoviário e a
barragem do Rio Paranoá. Falrava mui-
ta coi a ainda deu -se a inauguração
com o que exi tia. mas já havia uma ci-
dade a re pirar.

Visitantes ilustres. Na inauguração, a


ovacap contabilizou 360000 metro '
quadrado de construção concluída.
mais de 106000 em final de execução e
37000 em andamento. Ponanto. mai de
500000 metro quadrado de área con -
truída ou semiconstruída em apena trê
anos e meio, não incluídas as edifica-
ções a cargo dos instituro de Previdên-
cia, da Caixa Econômica Federal, do
Banco do Brasil, da Fundação da Casa
Popular e de outras entidades. As ativi-
dade privadas começavam a florescer.
JK visitava as obras duas eze por
semana do início de 1957 ao fim de
1958, quando concluiu que Brasília já
e tava garantida. Decolava do Rio de-
poi. do expediente, pousava no cerrado
por volta de 11 da noite. inspecionava
obras até de madrugada e voltava ao
Rio. o começo. no surrado mas seguro
I 12 I :-IOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 MOS ESPECV\L BRASiLV\ 50 Al'<OS I veja I l'OVEMBRO. _009 I 113
nharia

Douglas DC-3. dormindo numa cama


eSlreila. Depois, num quadlimolor LUr-
Tragédia
boelice Vi coum, mais veloz e espaço o.
Trazia vi itames ilustres do mundo in-
teiro. mostrava a cidade, orgulhava- e. A ORDEM: É PROIBIDO PARAR
Em 10 de novembro de 1956, havia
232 operários em toda a área. Em feve-
o suposto assassinato de operários num canteiro
reiro de 1957, cerca de 3000 candangos de obras ainda hoje é um fantasma brasiliense
e mai de 200 máquinas em atividade
m mito ronda a construção de Brasília: com sobras das roupas da Força Aérea

U
incessante. Em julho de 1957, o ano da
criação da Cidade Livre, depois úcleo a suposta matança , em 8 de fevereiro de Brasileira. Eram chamados a manter a ordem
Bandeirante, já havia 12700 residentes. 1959, um domingo de Carnaval , de um porque Brasília não podia parar.
Taguatinga, a maior cidade-satélite, é de grupo de operá rios da construtora Pacheco Depoimentos contrad itórios impediram um
1958. início de 1959: mais de 30000 Fernandes. Os crimes teriam sido cometidos desfecho para o caso, agora transformado em
candangos no canteiro de obras. popula- pela Guarda Especial de Brasília (GEB), lenda. Um cozinheiro diz ter visto operários
ção total superior a 60000 habitame . vinculada à Novacap. Desde sempre, o episódio sendo mortos na cama , ainda adormecidos.
faz parte da história secreta da construção. Houve relatos de corpos jogados no Lago
Candango típico. O cearense 10. é 1- Em diversas versões, os mortos vão de Paranoá, ainda seco. As investigações nada
ves de Oliveira, Seu Zé, acha que nas- um a onze, com mais de sessenta feridos comprovaram , e prevaleceu a suspeita de que
ceu em 1938. ma não tem certeza. É e paralisações em solidariedade aos a escaramuça, real , tenha sido ampliada por
um candango Irpico. adora Brasília. assassinados. Os motivos: uma briga líderes sindicalistas - ou tirada do mapa pelas
Tem quatro fi lhos e quatro neros. ão corriqueira , na cozinha, entre dois traba lhadores autoridades, a mando de Israel Pinheiro. Não
e quece um só dia a filha que perdeu ou a explosão de protestos pela má qualidade houve condenações. Não se conhecem o nome
para o câncer há alguns anos. Comeu da alimentação do acampamento, ao lado do dos mortos ou sepulturas. O massacre virou
nu vens de poeira na construção do Palácio da Alvorada . Os policiais - um efetivo lenda - menor apenas que uma outra , segundo
Congres o acional e dos ministérios. de 300 pessoas, recrutadas entre os própriOS a qual dezenas de operários morreram ao
A eu modo. no português pos ível. candangos - tinham justificada fama de erguer os "28" (referência aos 28 andares de
descreve os pri meiros tempo: agressividade, eram eles que impunham cada um dos dois edifícios anexos do
"Vi m mais meu pai no pau de arara, o toque de recolher. Cortavam a água para Congresso, aqueles que formam um "H" entre
numa carroceria braba de caminhão. impedir banhos, e sem banho ninguém ousaria as cúpulas), e ainda hoje seus fantasmas
Levou foi muitos dia. Ai fiq uei no acam- procurar prostitutas na Cidade Livre. Os rondam o lugar, tal qual os arranca-línguas que,
pamenro duma firma que eu trabalhei soldados usavam uniformes de cor cáqui , feitos no folclore de Goiás, atacam os bois no pasto.
nela, a Construrora acional . Cons-
truindo aquele colosso onde tem aque-
las duas bacia grande em cima da laje.
uma virada pra riba e outra virada pra
baixo (Câmara dos D eplllados e Sena -
do Federal). Trabaiei muiro lá. Trabaiei
adoidado! Vi quando tava só nos buraco
e nas ferrage, na armação. Aqueles pré-
dio e também os dos ministero. Trabaia-
va de servente. Pegava à 7 da manhã e
largava à 6 horas da larde. Quando
apertava muilo o serviço. a genre ia até
as LO da noite a semana rodinha. Tinha
um inrervalinho no meio do di a. Ai a
geme ia pro acampamemo da acionai,
que era ali peno, naquele cerradão bra-
vo. Era gente dimais!
"Eles armaro certinho aquelas bacia
de lá, as duas já redonda. Eu vi aquilo
no ferro puro-puro! Sem concrero. sem REFEITÓRIO Operários comem no canreilv do I nsfill/fO de Aposellladoria e Pensões dos Bancârios.
nada. Ai ia fazendo as ferrage e a fôr- A alimemação era IIIIl dos principais problemas da companhia qlle administrava as obras

ma de madeira pra botar o concrelO. Por BRAS IllA - 24 15 1 1958 FO'I'U ""RIO FON1õNELLflARQUIVO I>(BUCO IX) DISTRITO FEDER.'L

I I~ I ~ovE~rBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRAsíLIA 50 ANOS ESPECIAL BRASLLIA 50 ANOS I veja I NOVEMB RO, 2009 I 115
n. . ...:lnharia

MORADA PROViSÓRIA
O Palácio de Tábuas. desenhndo por
Niemeyer, subiu em menos de um mês
BRAs fLlA - 1957
FOTO, ARQUIVO PESSOAL OE ERNESlQ SlLVA

dentro, aquilo é tudo ocado. Tem uma


escada arrodiando por dentro, a geme
começava de baixo e safa lá em cima do
derradeiro negoço. Assim uma roda,
abeirando as parede. Tanto a bacia de
boca pra riba como a outra de boca pra
baixo é um sistema só, arrodiando.
Agora, depois de tudo prontinho, eu
num vi mais como é que ficou. Depois
de pronto eu não voltei lá, não. A gente
não pode entrar lá dentro. Deixam, não.
Só quando lava na obra mesmo. Até que
não tenho muito vontade de ir lá, não.
Durrungo era o dia da gente fazê as
compra. Tudo lá no Núcleo Bandeiran-
te, que era onde tinha as coisa. Naquele
tempo. a geme num via mui é aqui. Era
só a piãozada. E. se tinha alguma, era
muito difice. Num podia nem chegá
perto. A barra era pesada".

"Encheu, viu?!" A maioria das emprei-


teiras era paulista, predominavam os tra-
balhadores nordestinos. Dizia-se que mi-
neiro mandava, paulista ganhava dinhei-
ro, nordestino trabalhava e Goiás sempre
saía lucrando. Além da cidade, o governo
Kubitschek construiu mais de 20000
quilômetros de rodovias, grande parte
para interligar Brasflia às várias regiões
do país. Mais de 5 600 quilômetros de
estradas já existentes foram asfaltados.
Até a formação do Lago Paranoá vi- PRAÇA DO CRUZEIRO A celebração
rou polêmica. Quase concluída a barra-
gem, o engenheiro e cronista Gustavo
TRÊS ANOS E SETE MESES religiosafa::;ia referência àquela
de 26 de abril de 1500 (à esq.). oficiada por
Corção dizia que não haveria acumula- DE TRABALHO dom Henrique de Coimbra em Cabrália
ção de água, devido à porosidade do solo Os momentos fundamentais de 1956 a 1960 BRASfLlA - 3 I 5 I 1957
do cerrado. Isso incomodava lK, deixa- F01ü :.tARIO ro:--'1DHJ..ElACER\"O PIJ'Buco DO OISTRfTO FEDERAL
va-o tenso, mesmo diante das boas infor-
mações técnicas. Quando tudo ficou
pronto e a água se acumulou. enviou um
telegrama a Corção: "Encheu, viu?!". 19 de setembro 2 de outubro 22 de outubro 10 de 31 de 18 de fevereiro 11 de março 15 de 2 de abril 3 de abril 3 de maio
Muita obra, portanto muita corrup- O Congresso aprova Juscelino Kubitschek Início das obras do Inauguração dezembro JK assina a escritura Encerramento março Inauguração Início Dom Carlos
ção. como manda o adágio? Certamen- lei que determina faz a primeira visita Palácio de Tábuas, o do Catetinho Concluída pública pela qual das inscrições lucio Costa da pista de das obras Carmelo reza
te houve. talvez não ainda em escala a transferência da ao ponto no cerrado Catetinho, desenhado a Ermida o estado de Goiás para o concurso venceu o 3300 metros do Palácio a primeira
industrial. Nisso, os tempos eram me- capital e a criação onde seria construída por Oscar Niemeyer, Dom Bosco, transfere à União de construção concurso do do aeroporto da Alvorada missa de
nos bicudos. Pioneiros lembram episó- da Novacap a capital residência oficial a primeira obra a posse e o domínio de Brasília. Plano Piloto Brasília
dios de pequena corrupção. Como ca- durante as obras de alvenaria do perímetro do que Dos 63 inscritos, na presença
minhões que chegavam lotados de será a capital federal apenas 26 de 15000
areia numa construção, eram pesados, apresentam pessoas
safam novamente, davam uma volta, projetos
ll6 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ES PECIAL BRASfu A 50 ANOS ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS I veja I NOVEMBRO. 2009 1117
eram pesados de novo, e assim por
diante.
O arquiteto e pesquisador pauli tano
Rodrigo Amaral descobriu que na No-
vacap de Israel Pinheiro quem compra-
va não pagava nem recebia o material.
Quem pagava não comprava nem rece-
bia. E quem recebia não comprava e
não pagava. Por que o cuidado? Porque
corriam rios de dinheiro público no cer-
rado brasiliense. Gastos colossais, im-
pressionante quantidade e diversidade
de obras, controle interno precário, con-
trole externo distante. o começo, nem
bancos havia. Tudo era pago com di-
nheiro vivo, armazenado numa robusta
construção da Novacap na Candan-
golândia, com grossas paredes de con-
creto. comandada por Israel. Diziam os
adversários que até material de constru-
ção era trazido de avião. a custo exorbi-
SEIS PISOS No tante. Denunciavam roubalheira e es-
DESBRAVAMENTO começo, apellas cândalos, armavam investigações.
A BR-OJO. atualmenre as habitações Onde está o homem, está o perigo.
conhecida como Rodovia da Asa Sul, hoje Onde estão os empreiteiros também? O
Bernardo Sayão. tem a mais rica, sociólogo Herbert de Souza. o Betinho,
2772 quilômetros, dos foram entregues gostava de contar uma anedota em que
quais 450 denrro da aos moradores Deu e o diabo resolvem fazer as pazes.
F/oresTa A11la:ônica BRASÍLL.. -c. 1958-1960
Para comemorar, combinam con truir
BELÉM-B RASí LI A - 912 1 1959 FOTO, ARQt:IVO PÚILlCO
sólida ponte entre o céu e o inferno.
FOTO· AGt~CIA ESTADO DO DISTRITO FEDERo\L Acertam o projeto, marcam a inaugura-
ção para um ano depois. Doi mese , o
trecho do capeta já despoma e o de Deus,
HERÓI RURAL não. Seis meses, o diabo tem 50% pron-
Para JK. Sayão (à dlr. ) tos e Deus, nada. Quase um ano, satanás
era "bom por narure:a e pede audiência e reclama: "Minha parte
bral'o por illSlinlO " já está quase conclufda e nem . inal do
AÇAlLÂNDIA - 12 1 12 I 1958
resto. Assim não dá!" Deus: "Preciso de
FOTO ~lÁRlo FO:-ITE:-ULElARQL"IVO
sua aj uda. Não há empreiteiros aqui no
PlllLlCO DO DISTRITO fEDERAL céu. Estão lodos no inferno". _

10 de outubro 7d 4 de janeiro 3 de junho 18 de junho 30 de junho 10 de julho 15 de Janeiro 10 de fevereiro Dezembro 17 de abril 21 de abril
JK sanciona a lei JK e Bernardo Início das obras do Primeiro Começam as obras Inauguração do Início das obras Morte de Inauguração da Fim das Israel Pinheiro, Às 9h30, os
que fixa a data Sayão, o construtor Congresso Nacional. telegrama da Esplanada Palácio da Alvorada, do Supremo Bernardo Rodovia Belém- primeiros obras do mandachuva Três Poderes
de 21 de abril da Belém-Brasília, Os dois anexos - os enviado de dos Ministérios, do Brasnia Palace Tribunal Federal Sayão Brasnia blocos de Congresso e da Novacap, é da República
de 1960 para a sobrevoam o prédios em forma de Brasnia para também com vigas Hotel, da Avenida e do Palácio do apartamentos, do Supremo nomeado prefeito são instalados
mudança traçado previsto "H", de 28 andares cada JK, no Rio metálicas das Nações e do Planalto na Tribunal de Brasnia. simultaneamente
para a rodovia um - seriam construídos Eixo Monumental superquadra Federal Primeira ligação em Brasnia
a partir de estruturas 108 sul telefõnica com
metálicas compradas o Rio
nos Estados Unidos

11 I NOVEMBRO. 1009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS ESPECIAL BRASÍLIA 50 A


Finan as

Garanta o seu lote


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Comprando a

G ç-
I

OI B A SI L I
....
M EL EMPREGO DE DINHEIRO

/
que toda aquela pletora de desenvolvi-

BARAfUNDA mento representou, na realidade, o sa-


crifício de apenas 2 cruzeiros, em cin-
co anos, para cada brasileiro".
Apelou-se para a emi ão de di-
nheiro. os tais 2 cruzeiros por cidadão.

CONTABIL
porque todas as outras forma de fi-
nanciamento das obra não funciona-
ram, e pecialmente a venda de terre-
no atrelada à chamada "Obrigação
Brasflia", anunciada como ótimo ne-
gócio que pouca gente quis. Os terre-
nos no Planallo Central viraram moeda
Juscelino inaugurou a era do descontrole fácil. promes a vã. Ao receber os joga-
inflacionário com a mudança para o Planalto dores campeões mundiai de futebol
em 1958. JK prometeu a eles um peda-
ço de ten'a no cerrado. enhum deles
uanto cuswu Brasília? Eugê- O. defen ore. de Juscelino Kubit.- jamais recebeu o naco anunciado, foi o
nio Gudin. ministro da Fa- chek nunca apresentaram cifra porque que revelou o presidenre Lula na ceri-
zenda de Café Filho de ago - lhe era impo sível calculá-Ias e politi- mônia de cinquenta ano do título. em
w de 195-1. a abril de 1955, camente interessante escondê-Ias. A 2008. JK alegaria depoi que não pôde
inimigo polfúco de JK e una- confusão estabelecida pela ovacap. a doar o chão vermelho aos jogadores
ninúdade intelectual. fez uma empresa responsável pela construção, porque nada fizera pelos pracinhas que
estimativa: 1.5 bilhão de dólares. Levou impedia clareza na inforrnaçõe. Os lutaram na II Guerra. e estes pediam
em conta apena o ga lO públicos, amigo de JK tentaram reduzir a esti- alguma compensação. As dua turmas
sem falar "no tremendo desperdício in- mativas de Gudin e Gordon a um em- ficaram sem nada.
direw com (ran porte ,viagen para cá bate empobrecedor e tolo: a sanha do Havia uma barafunda contábil, e
e para lá, dobradinhas, perda de tempo", imperiali.las ante o de. envolvimenti - ela explica a au ência de uma estima-
e. creveu o economista. Em valores de mo terceiro-mundista de JK. O próprio tiva oficial para o cu to da construção.
hoje. aplicando-se apenas a correção presidente, em entrevista citada pelo A Comissão Parlamentar de lnquérito
monetária americana. a cifra seria equi- livro QlIanfO CUSfOlI Brasília, do jorna- criada em setembro de 1960 para Íll-
valente a 19,5 bilhõe de dólares. Com lisla Maurfcio Vaitsman, defendeu- e veslÍgá-la terminou sem conclusão,
juros de 3% ao ano, padrão médio de de modo populista, ao explicar por que mas com algumas descobertas. Foi
taxação, chega-se a um valor atual de emitira 134 milhões de cruzeiros em encontrado cerca de I milhão de com-
83 bilhõe de dólares. É quase seis ve- cinco anos de governo: "Isso quer dizer provantes de despesas paga - de 'se
zes o ga to previsto para a Olimpíada lOlal, apena 46000 processos de pa-
de 2016, no Rio, de 1-1. bilhões de dóla-
re . Outro modo de medir o tamanho do o CUSTO DA CAPITAL* gamento estavam devidamente forma-
lizados. "Para 964 000 outros paga-
desembolso é compará-lo ao PIB. o Brasília custou 6 veze mentos efetuados, não ex i. tiam com-
início dos ano 60. e se valor equivalia o orçamento estimado para a provante reai ", escreve o pe quisa-
a 10% de toda a riqueza brasileira. Olimpíada de 2016, no Rio dor Ib Teixeira na revista Conjuntura
Tran pondo- e em 2009 os mesmos Econômica, da Fundação Getulio Var-
10%, tem-se algo próximo a 161 bilhões ga . "Em muitos ca. o , eram imple
de dólares. embora qualquer compara- vales." ão havia livro-caixa. tam-
ção de PIB em diferente períodos his- pouco regi tros bancários. "Para er-
lóriCO ' seja frágil. O ex-embaixador
americano no Bra iI Lincoln Gordon,
••• li.,~~, Brasília 1960 guer os palácio ' de Brasflia, JK prati-
camente quebrou o in liLULOS de Pre-
em depoimenro ao Congresso do Esta-
do Unido em 1966, estimou um valor
83 b" ões de dólares vidência", afirma Teixeira.
Dá-se como certo - entre oposicio-
muiw parecido ao de Gudin. Rio 2016 ni tas da então UDN e ituacionisras-
que a emissão monetária alimentou a
MEDO DE APOSTAR Houve muilO pouca 14 bilhões de dólares inflação brasileira. Em 1956. ela foi de
procura pelos lOTes, recurso que • A esumanva é de EugêniO Gudin, feita em 1969. 24.5%; em 1960, chegou a 30.5%. A dí-
capitalizaria as obras ma não fUllciollou recalculada em valores atuais vida externa, engordada por emprésti-
ESPECIAL BRAsíLIA 50 ANOS I veja I NOVEMBRO. 2009 I 121
PROMESSA, E SÓ
AS CONTRADiÇÕES DA ECONOMIA NOS ANOS JK JK prometeu terrenos aos
campeões de /958, como Garrincha.
o Brasil cresceu,... ... a produção Eles nunca foram ellfregues
(aumento do PIB ) de cimento aumentou,...
(em milhões de toneladas 4,4 mos a erviço de Bra ília. altou de '2,7
de Portland) milhõe para 3.7 milhões de dólare .
m do. principais credores era o Ex-Im
Bank. a agência americana de fomenro
às exponações. OBra il de JK. cujo le-
ma era cinquema ano em cinco, real-
10,8% 9,8% 9,4% mente cre ceu - mas deixou pendura-
da uma conra salgada e demagógica.
Ao romper com o FMI em 1959-
dizendo que o atendimento das exi-
1956 1957 1958 1959 1960 1956 1957 1958 1959 1960 gência do Fundo fepre entaria o
"aniquilamento do paí . deixando o
povo pa sando fome" - , JK inaugu-
... mas a inflação ...e a dívida rou o tempo em que O FMI virou de-
mudou de patamar... externa cresceu mônio, . imbologia simpli ta e reduto-
(correspondente (em milhões de dólares) ra, egundo a qual o organismo queria
ao IGP-DI ) apena humilhar o Brasil. quando e
tratava omente de cumprimento -
24,5% 3,7 ou de. cumprimenro - de critério.
técnico . Hoje, o FMI como monstro
parece figura de um pa 'sado pré-hi -
tórico, pré-q ueda do Muro de Berlim .
em me mo o PT acredita nele. "Ju -
celino inaugurou o de controle infla-
cionário no Bra il", afirma o pesqui -
. ador Eu. táquio Rei.. do emesis.
1956 1957 1958 1959 1960 1956 1957 1958 1959 1960 grupo de estudos atrelado ao C PQ e
• A Inftação caiU em VIrtude de queda abrupta de preços dos produtos alimentícIos em um pafs até então fundamentalmente agrícola ao lpea. "Seu tempo foi o apogeu da
Fontes: LJlls Raull. Conrreras. IBGE. FGVe Banco Cenrral irre pon abilidade fi cal." _

122 I NOVE~BRO. 1009 I veja I ESPECIAL BRASILIA 50 Al'\OS


ENCANTO #IIItt#

NAOSE
TRANSFERE
Como foram os melancólicos
(mas nem tanto) últimos dias do Rio
de Janeiro como sede do governo
SÊRGIO RODRIGUES

o dia 2 1 de abril de 1960, o


último do Rio de Janeiro
como capital da República.
dois de seus principais cro-
nistas - nenhum deles ca-
rioca de nascimento. o que
era típico de uma metrópole que se pre-
tendia a "síntese do Brasil" - viveram
experiências opostas. O capixaba Ru-
bem Braga se desgarrou dos amigos que
iam conferir o desfile das escolas de
QVEM NÃO CHORA
samba na Avenida Rio Branco. um even-
tO sintomaticamente bagunçado, pro-
NAO MAMA
movido sem dinheiro e com escassez de Havia muita reclamação,
policiamenro pelo Departamenro de Tu- mas a população do Rio aceitara
rismo da prefeirura para comemorar o
na cente estado da Guanabara. Depois Brasília - Ibope*
de ver no Leme os fogos de artifício que
saudaram a meia-noite, Braga entrou
solitário numa boate e, ao sair, consta- 80% acreditavam que JK tinha acelerado
tOu melancolicameme que a lua min- o desenvolvimento brasileiro
guame era agora uma "lua estadual".
aquele momento. o pernambucano
7 %aprovavam a mudança da capital
elson Rodrigues estava longe de tudo 62% acreditavam que a nova capital traria
is. o - do Rio e da melancolia -. em benefícios ao país
plena festa de inauguração de Brasília,
esta sim uma comemoração rica. finan- 24% desaprovavam a iniciativa
ciada por um "crédito especial de • Pesquisa realizada em março de 1960

124 1~OVEMBRO. 2009 1veja 1ESPECIAL BRAS ÍLIA 50 ANOS ESPECLA.L BRAS ÍLIA 50 ANOS 1veja 1:\'OVEMBRO.2009 1125
Cr$ 150 milbões", como noticiou na O cisma aberto em sua elite cultural
primeira página o jornal anti brasiliense deixa claro que o ruo de Janeiro che-
Tribuna da Imprensa. Conrrariando sua gou aos últimos momemos de seus 71
lendária aversão a viagens Nelson ti- anos como capital da República - e
nha aceitado carona num dos ônibus dos 197 desde que se tornara sede da
que o Centro de Preparação de Oficiai colônia, em 1763 - imerso em confu-
da Reserva (CPOR) - onde um de eu são. Uma confusão construída parale-
filhos prestava serviço militar - aluga- lamente ao trabalho dos candangos,
ra para levar oitenta estudantes secun- crônica por crônica, samba por samba.
daristas aos festejos. A caravana saiu conversa por conversa, pelo menos des-
do Rio no di a 20 para uma desconfor-
tável viagem de vinte horas. Em troca
da hospedagem no Planalto Central , o DESPEDIDA
maior dramaturgo brasileiro negociou Juscelino, ao lado de dona Sarah,
enviar para o jornal Úllima Hora, de alguns minislros e funcionários. desce pela
Samuel Wainer, uma crônica a ser pu- úlTimLl re: a escadaria do Palácio do CaleTe
blicada no dia 22, o primeiro da Fede- RJO DE JANEIRO - 20 I 4 I 1960
ração rede enhada. roro, Act.'lC(A EST'úXl

A rixa dos cronistas

Um túnel ou um N a Praça dos Três


viaduto leva anos para Poderes, o brasileiro que
ser construído no Rio, não viajou nada, que
qualquer obra se arrasta não passou do Méier, é
miseravelmente, por atravessado pela certeza
falta de verba - e vamos fanática: a Praça de
fazer uma cidade nova São Marcos não chega
nos confins do Judas. aos pés da nossa.
Rubem Braga, contra a mudança Nelson Rodrigues, a favor da mudança
N

buscava a rima com o nome da nova pelo autor entre os antirnudancistas que. vermelha do Planalto Central. Em tran-
de o inicio de 1957, quando começou a Era natural que a capital preterida fosse tempo da inauguração. Políticos amoti- se épico - o mesmo que o levara a de-
ficar evidente até para os céticos que capital para tomar o rumo OpOSLO: sobretudo no Rio e em São Paulo, pulu-
palco das principais batalhas. nados ameaçavam criar um Senado pa- clarar que, "a partir de Juscelino, surge
Juscelino Kubitschek não estava brin- Não se tratava de mera rixa de lirera- "Levo comigo Conceição e Dorotília / lavam na imprensa e nos meios politicos
ralelo no Rio, alegando falta de condi- - estes puxados pela retórica inflama- um novo brasileiro" -, Nelson imagi-
cando ao dizer que levaria a capital em- tos. A novidade de concreto armado que ções de trabalho na ovacap. Na área violão e tamborim. / Vou fazer samba
em Brasília". da do udeni ta Carlos Lacerda, dono da nou o dia em que veria Drummond num
bora. Aquilo eria bom para oBra il. brotara em tempo recorde no meio de da cultura popular, o racha ganhou cor- canteiro de obra da nova capital, "dan-
A imprensa guardou os melhores re- TribuJla da Imprensa e líder das mano-
mas ruim para a cidade? Um desastre Goiá era um ímã de avenrureiro em po nos ambas anrípodas de Bil1y Blan- do rijas e sadias marteladas".
gistros da briga. O título da crônica que bras que haviam tentado impedir JK de
para ambos? Excelente para todos, com busca de enriquecimento rápido. mas co e Ataulfo Alves. O primeiro, que em Havia mudancistas mais sóbrios. O
pagou a hospedagem de e1son Rodri- tomar posse. "A derrota dos cretinos"
exceção dos barnabés? O Rio, agora deixava apavorados os funcionários pú- 1957 chegou a ter sua execução proibi- e critor paraibano José Lins do Rego
autônomo. ganharia mais atenção de gues em Bra ilia - e que mereceu cha- fazia mira no poeta mineiro Carlos
blicos federais habituados à vizinhança da extraoficialmente na Rádio Nacio- defendia a rese corriqueira de que o go-
seus governantes? Brasilia dividiu os mada de primeira página na Última Drummond de Andrade, outro carioca
da praia e ao consumo elegante na Ga- nal. apregoava que, por não ser "índio verno federal precisava se isolar dos
brasileiros em duas facções, a dos "mu- Hora - era "A derrota dos cretinos". de adoção, que em uma crônica no Cor-
leria Menescal - destes, apenas 1.1 % nem nada". não iria para Brasflia, "nem "problemas locais" de uma grande cida-
Não foi Rubem Braga o alvo escolhido reio da Manhã tinha criticado a poeira
dancistas" e a dos "antimudancistas". tinha sido transferido para Brasilia a eu nem minha farrulia". O segundo re-

oduelo dos sambistas


Eu não sou índio nem nada
Não tenho orelha furada
Nem uso argola pendurada no nariz
Não uso tanga de pena
E a minha pele é morena
Do sol da praia onde nasci
E me criei feliz
Não vou, não vou pra Brasília
Nem eu nem minha família
Mesmo que seja pra ficar cheio de grana
A vida não se compara
Mesmo difícil, tão cara
Eu caio duro mas fico em Copacabana

o, em Não Vou pra Brasília,


contra a mudança

Trabalhador eu sei que sou


Me dê um palmo de terra, doutor
Garante a minha família que eu vou
Levo comigo Conceição e Dorotília
Violão e tamborim
Vou fazer samba em Brasília
Parto, saudoso do meu Rio de Janeiro
Mas eu vou ficar famoso
Lá serei o primeiro

Samba em Brasília,
__ a favor da mudança
ASAÍDA. .. .• .ACHEGADA
Caminhão de mudança leva móveis e Desolação do funcionário público no
do Palácio Monroe, sede do Senado TIO Rio ____ cenário seco do novo Distrito Federal
BRAsíLIA _ 1960 FOTO, PETER SCHEIERlI 5111'\!1'O MOREIRA $ALLES
RIO DE JA EIRO - 51 41 1960 FOTO, ."RQU IVO ~ACIO~~l

128 I NOVEMBRO. 2009 I wja I ESPEClAL BRASfLIA 50 ANOS


de. Os antimudancistas também tinham JK, político hábil, trarou de afagar
colorações variadas. Enquanto o mara- esse orgulho na despedida. No pro-
nhense Josué Montello lamentava a grama de rádio Voz do Brasil de 19 de
partida das autoridades federais, "gran- abril de 1960, mandou um recado à
des figuras que e ajustavam à impor- cidade, dizendo que seus "centros de
tância" do relevo carioca, Rubem Braga cultura prosseguirão jorrando a luz
mal disfarçava o despeiro ao prever que que dirige a marcha do Brasil para o
"pelo menos no caráter" faria bem ao seu grande destino". o dia seguinte,
Rio a migração da "fauna mais graúda ao descer a escadaria do Palácio do
dos animais de rapina" para o Planalto Catete pela última vez, derramou al-
Central. O ciúme era lão disseminado gumas lágrimas. E no fim tudo aca-
que chegava a ser explíciro no texto pu- bou em festa popular, com "centenas
blicado por David Nasser na revista O de milhares de pessoas" (a conta é do
Cruzeiro de 7 de maio de 1960: "Obri- jornal O Estado de S. Paulo) tomando
gado. Juscelino, por haveres trocado "a Avenida Rio Branco, Largo da
esta cidade por uma paixão recente. O Lapa e vias adjacentes". À meia-noite
Rio te agradece por Brasflia, a noiva do dia 20, o samba deu lugar a um bu-
que preferiste a um velho amor". zinaço e à marchinha Cidade Maravi-
lhosa, recém-transformada em hino
Café society. Tratava-se, porém, de da Guanabara. Na guerra ruidosa en-
um ciúme temperado por autossuficiên- tre mudancistas e antimudancistas.
cia. Ao mesmo tempo em que listava entre a ciumeira e a euforia, não so-
as mazelas urbanas que poderiam ter brara espaço para uma reforma insti-
sido resolvidas pelos duros de dinhei- tucional que equacionas e o futuro
ro canalizados para Brasília - falta político e econômico de uma cidade
de água crônica, enchentes, trânsiro desabituada de ser província. Qua-
engarrafado, favelização -, a im- renta anos depois, com amargura, o
pren a da cidade fazia variações sobre economista Carlos Lessa anotaria no
o tema "Encamo não se transfere", livro O Rio de Todos os Brasis: "O
ilustrado por uma foro da Praia de Co- Rio cedeu os direitos de primogenitu-
pacabana no Jornal do Brasil de 21 de ra em troca de um praro de lentilhas".
abril de 1960. O "encanto" não englo- Deu-se pane da recuperação da auto-
bava pouca coisa. O Rio acabava de estima carioca em 2 de outubro deste
adicionar mais um tijolinho ao edifí- ano, quando a cidade foi anunciada
cio de sua fama internacional com o como sede da Olimpíada de 2016. "0
ucesso do filme Orfeu Negro, de Rio é uma cidade que perdeu muitas
MarceI Camus, Palma de Ouro em coisas ao longo da história", disse o
Cannes. Exportava para o resro do Bra- presidente Lula. "Foi capital, foi co-
sil. via col unismo social e revistas de roa portuguesa, e aparece no jornais
grande vendagem como O Cruzeiro e em notícias ruins. E hora de retribui-
Manchete, um espetáculo de boa vida e ção a um povo maravilhoso:' _
elegância conhecido como café society
e simbolizado pela sofisticação da boa-
te Sacha's, frequentada até por JK. E
embalava tudo isso na batida da bossa
nova, produro de sua classe média SOLIDÃO
praiana, que naquele ano de 1960 ven- Apenas 1.1%
deria nos Estados Unidos mais de 1 dos funcionários públicos
milhão de cópias de Samba de Uma federais trocou o lilOral
NOla Só e Desafinado. Como poderia o pelo cerrado
Peixe Vivo competir com aquilo? "Es- nos primeiros dias
pírito e coração do Brasil", pontificou da mudança
o Correio da Manhã em editorial. BRASÍLIA - 1960
"continuamos sendo nós." FaTO' PETIõR SCHEJERIL'ISTrTI;TO ~OREIRA SALLES

130 I OVEMBRO.2009 I veja I ESPECIAL BRASfLLA 50 ANOS


o CHOQUE DO NOVO
Mesas ao ar livre,
garçons e muita elegttncia
fia quenre noile de
depois do parto

132 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS


Inauguração

EMoçÃO DE PRESIDENTE
A JOIO do choro de JK /la missa
eSTará em lOdos os jornais, menos
na Tribuna da tmprensa, do
oposicionista-mor Carlos L{lcerda
CREDENCIAL BRASÍliA. 111 41 1960
O crachá de Trabalho dos jornalisTas Hl10 .\KQI , I \O HYI()(iKA H UJ UI OCH H)IIOIU:.\

HUMBERTO WERNECK brasileira, rezada por frei Henrique de o breu da noite planaltina. ão é de e. -
Coimbra. capelão da e. quadra de Pedro pamar que na primeira fila o presidente
mpaciente como o fundador da ci- Álvares Cabral. Trazida do museu da Sé JusceHno Kubitschek. tenha caído no
dade, o primeiro dia da nova capital de Braga, em Ponugal, a velha cruz não choro, cobrindo o rosto com a mão di-
da República começou na véspera. foi a única relfquia incorporada à oleni- reira. A foto estará em todo o jornais
Faltavam cinco minuros para a meia- dade: minuros mais tarde. no instante da - menos na Tribuna da Imprensa. do
noite quando, na Praça dos Três Po- Consagração, repicou o sino cujo toque oposicionista-mor Carlos Lacerda, que
dere , aos olhos de 30 000 pes oas. teria anunciado em Vila Rica a execução optará por outro flagrante, no qual JK
o cardeal porruguês dom Manuel Gon- de Tirademe em outro 21 de abril, o de cont"abula com João Goulan. para in i-
çalves Cerejeira, represemante do papa 1792. Nesse momemo, as luzes da pra- nuar que o presidente e seu vice passa-
João xxm, deu início à celebração de ça, até então apagadas, se acenderam ram a missa cochkhando.
uma mis a solene. Sobre o altar, erguia- teatralmente, ao mesmo tempo em que Lacerda, claro, não está em Brasflia.
se a cruz de ferro que, 460 anos antes, dois porrento. os holofotes miraram o lânio Quadros. candidato da oposição
abençoara a primeira missa em terra céu. conando com seus fachos coloridos que vencerá as eleições presidenciais de

BOM PERDEDOR Jurae)' Magalhães, governador da Bahia, Tinha apOSTado com J K que Brasflia Ilão ficaria prOnTa a Tempo.
80111 perdedO/; emregou a gravata com pequenos quadrados prelOS e brancos que o presideme IIsaria /las/estas (à dir.)

134 I :-IOVEMBRO.2009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 A os


LUZES TEATRAIS outubro. também não. Mas outros anti-
Depois do repicar do sino, mudancistas deram as caras, ainda que
portelltosos holofores meio amarradas. Nenhum deles de-
iluminam o breu da lIoire monstrará mais Jair play do que Juracy
plal/a/fina na \'éspera Magalhãe , o governador da Bahia. Ele
do grande dia ha ia apo tado com JK que Brasflia não
ficaria pronta a tempo. Bom perdedor.
BRASíLIA - 20 1411960
FOTO. SERGIO JORGE trouxe uma gravata e a entregou ao pre-
sidente no dia 20. Made in USA , tem
pequenos quadrados preros e brancos e
cusrou 5 dólares. JK vai usá-Ia neste dia
21, quando receber o corpo diplomáti-
co, e em seguida, na primeira reunião
com seu ministério.
Antes disso, porém, ele terá outros
compromi so. a sua agenda para e ta
quinta-feira praticamente não há re pi-
ros. O presidente esteve na Praça do
Três Poderes até pelo menos I da ma-
nhã. poi aos 47 minuros do dia 21 , ter-
minada a missa, ouviu- e uma audação
de João XXlI1 diretamente de Roma,
A TURMA pelas ondas da Rádio Vaticano. Às 8 da
DANçou POUCO manna. lá estava ele outra vez na praça,
No baile de gala houve para ouvir o roque de alvorada pela ban-
mais illleresse pelo Palácio da do Batalhão de Guardas. Cinco mi-
do Planalto do que pela nuros mais tarde, ali mesmo, coube-lhe
orquesTra de Bené Nunes hastear a bandeira brasileira. já osten-
BRASLLIA - 211 ~ 11960
tando a novidade de uma 22" estrela.
correspondente ao recém-criado estado
FOTO, ARQL1"0 Pl.1IlICO
DO DISTRITO r-EDERAL da Guanabara.

ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS I veja I :->OVHABRO.2009 I 137


Ina

VOLTA AO MUND NAS MANCHETES


r\UURf.SIL
\ unl CaljUal.' "ku(
O

BRASILlA
HA ABIERTO
SU PUERTAS

FRANÇA: "No Brasil uma capital acaba de nascer' ESPANHA: "Brasflia abriu suas portas'

ESTADOS UNIDOS: "A Brasflia de Kubitschek. ALEMANHA: "Começa a mudança para


Onde antes a onça rugia, surge uma metrópole" a capital na floresta. Rumo a Brasflia! "

AO VIVO, EM PRETO E BRANCO Fecho do discurso de JK na rápida reu- ral. uma foto vai registrar a cena dos examinando a nova casa e reencontran- Como ainda não existiam acomodações RETIRANTES Afamília
Mas foi também a estreia brasileira nião ministerial: "Neste dia - 21 de ministros chegando em revoada, com do companheiros". Os oposicionistas. para todos e o Brasília Palace Hotel es- nordestina na Praça dos Três
de lima nOl'idade americana, o videoteipe abril - consagrado ao alferes Joaquim suas togas negras agitadas pelo vento. como era de esperar, e opunham - tive se lotado, houve deputados e ena- Poderes Tillindo de no\'a
BRASÍLIA· 21 1411960
José da Silva Xavier, o Tiradentes, ao o Congresso acionai. contará a Fo· "diversos achavam que a decoração do dores dividindo um mesmo teto, no que BRASÍLIA 11960 fUrO. RE."É BllRRJ ' \IAG ~l"l
FOTO: JESCO vo:o\ Pl"1"11\.A.\1ER I ACERVO IGPA I t:'CG 1380 ano da Independência e 71 0 da Re- Il1a de S.Paulo. "o ambiente geral era de plenário carecia de suficiente solenida- a Tribuna da Imprensa classificou de
púbUca, declaro, sob a proteção de euforia e admiração". De de lumbra- de. ou faziam reparo sobre o funciona- "coletivismo". O sufoco imobiliário
À 8h30, agora sim. com a gravata Deus, inaugurada a cidade de Brasília. mento até, pode- e dizer: acosLUmado memo da casa". contribuiu para estre sar o deputado jornali ta José Amádio, da revista O
de Juracy Magalhães, JK vai receber capital dos Estados Unidos do Brasil". ao mobiliário pesado e vetusto do Palá- Contrariando previsões de que al- maranhense José eiva Moreira, res- Cruzeiro, simpática a JK). "parou um
55 embaixadores estrangeiros no Palá- Primeiro ato do Executivo. a sinado em cio Monroe, no Rio de Janeiro, "os e- guns parlamentares teriam como cama ponsável pela mudança da Câmara e do caminhão e 'requisitou' o móveis que
cio do Planalto, olenidade que não po- eguida: mensagem ao Congre so Na- nadare, sentados em suas cadeiras, fa- uma "folha de jornal", que nem no sam- Senado, que baixou no ho pital. iam nele". reservado para seu colega
derá se estender além de sessenta minu- cional propondo a criação da Universi- ziam-na~ girar. examinando o funciona- ba O Orvalho Vem Cailldo, de Noel Ro- O deputado cearense Ozires Pontes, paraense Océlio Medeiros. Outro. con-
tos. pois para as 9h30 está marcada a dade de Brasilia. mento de tudo e apreciando a decoraçãO sa. nenhum deles ficou sem pouso. Ma tendo encontrado sem mobília o aparta- tou ainda José Arnádio. "figura de pre -
in talação simultânea dos três poderes Em outro canto da praça, à entrada do plenário e das galerias". Algun . ocorreram problema , alguns dos quais mento que lhe foi destinado, "saiu para tígio na República", mandou um avião
da República, cada qual na ua casa. do prédio do Supremo Tribunal Fede- "mais expansivos, pareciam criança resolvido de maneira pouco onodoxa. a rua com um revólver" (o relato é do buscar travesseiros e cabides no Rio de
138 1:-IOVEMBRO.2009 1veja 1ESPECIAL BR.-'\SÍUA 50 A OS ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS 1veja 1NOVBlliRO, 1009 1139
Ina

As eSfil1lGlil'as l'ão de
150000 a 250000 pessoas
najomada inaugllral

rOfO, ARQUIVO PÚBUCO DO DISTRITO FEDERAL

Janeiro. Muüa gente reclamou da espe-


ra nos três únicos restaurantes de nível
em funcionamento, mas também do
sanduíche de monadela a 70 cruzeiro .
(O aláIio minimo era de 5900 cruzei-
ros. ou 392 dólares, que em 2009 COT-
responderão a 735 reais.)

Cinquentão meio calvo. os palácios


da Praça dos Três Poderes, mais de
uma pessoa, não necessariamente ca-
piau, enrrou com rudo nas paredes en-
vidraçadas, "modernidade" à qual nem
todos estavam habituados. o prédio
do Congresso, um segurança barrou a
enLrada de um cinquemão meio cal vo.
porque ele vestia blusão em vez de pa-
VISITANTES Ames da letó. até que alguém identificasse o vi-
chegada de depllfados itante: Oscar iemeyer. O deputado
e senadores. o passeio público gaúcho Clóvis Pestana tornou-se pio-
no Congresso Nacional neiro em acidentes de rrânsito brasi-
BRASÍLIA. 21 14 1 1960 lienses ao ser atropelado, sem maior
FOTO: THO~1AZ F.'\RKAS I I~STITlIO )10REIRA S.<\LlES
gravidade. por uma Rural Willys
140 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRASluA 50 ANOS
Inauguração

uma da estrelas da incipiente indúsrria DISCURSO JK I'ai ao púlpito


automobilística nacional, ao lado do do Palácio ckJ PlanallO.
DKW-Vemag. do Fusca (que ainda não Ali, em janeiro do ano
tinha o apelido). do Dauphine, do Ae- seguillle, ele passaria o cargo
ro-Willys, do Simca Chambord e, en- a }anio QlIadros

Fauna sação da en ações. do luxuo o FNM


2000, fabricado no paí sob licença da
BRASú.IA . 21 14 11960
FOTO" Rt::,'t- 8CKKI / \iA(it\l!\1

o ROEDOR italiana Alfa Romeo e batizado "JK".


Foi ao volante de um desse reluzentes
xará que Ju celino, na tarde do dia 20.
DO CERRADO fez sua enrrada apoteótica em Brasnia,
vindo do Catetinho, para receber a cha- Correndo de lá para cá. de compro-
misso em compromisso, em meio a fra-
ve da cidade das mãos de Israel Pinhei-
Juscelinomys candango, ro, o presidente da Novacap. O conejo ques, casacas, canolas e uniformes mi-
a espécie identificada em 1960, de mais de 200 carros arrás do JK de JK litares. foram poucos os eventos a que o
levantou tanta poeira que, segundo a pre idente JK não compareceu. E teve
está provavelmente extinto Folha de S. Paulo, os motori tas nada na cerimônia de instalação da Arquidio-
viam "além de 4 metros". ce e de Brasília, quando tomou posse o
ão foi preciso uma CPI ou um

N
primeiro arcebispo da cidade, dom José
repórter arguto para descobrir em Roupas de domingo. A poeira, ineluta- Newton de Almeida Baptista; na essão
Brasnia uma espécie até então velmente, esteve não ó no ar como no conjunta do Congre so Nacional, aplau-
desconhecida de roedor, exatamente cenrro das conversas. "As cores predo- dido de pé durante intermináveis minu-
no ano em que os poderes da República minante ' da moda feminina em Brasí- tos; na inauguração do Monumento Co-
lá se instalaram, nem parece ter havido lia serão areia, brique, bege e marrom", memorativo da instalação do governo
malícia na divulgação do achado. vaticinara com arca mo a Tribuna da federal em Bra flia, ao lado do "Prínci-
O descobridor foi o biólogo mineiro João Imprensa. Ourros jornais, sem ignorar pe dos Poetas Brasileiros". Guilherme
Moojen de Oliveira (1904-1985) , que em a poeirada. deram mai ênfase aos en- de Almeida, que desfiou os ver os de
1960 deparou no cerrado com um animal cantos das mulheres pre entes. "A be- ua "Prece atalícia a Brasília"; na pa-
de pequeno porte (14 centímetros mais leza arquiretônica de Brast1ia está de rada militar; no desfile em homenagem
uns 10 centímetros de cauda) da famnia um ceno modo empanada pela beleza aos 60000 candangos que consrruíram
Cricetidae e, em homenagem ao construtor e graça de um mundo de lindas mulhe- a cidade, e que agora, com sua família e
da cidade, batizou-o de Juscelinomys res que, ainda hoje, chegam para as sua roupas de domingo, por ela pas ea-
candango. Como até hoje apenas f~stas da inauguração", galanteou a vam, orgulhosos. misturados a cerca de
nove indivíduos foram avistados, Ultima Hora. O Cru-:.eiro amalgamou 150000 visitantes segundo algun cál-
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente mulher e cidade para ver em Brasflia culos, ou 250000, segundo ourro .
e dos Recursos Naturais Renováveis "um brotinho. ainda inexperiente, ain- Às 22h30, quando já rolava no Eixo
(Ibama) decidiu incluir o roedor na lista da inculto. sem maquilagem", a pró- Monumental uma grande festa popular,
das espécies provavelmente extintas. Bem pria "Lolita do Planalto". Sem derra- JK vestiu ca aca para, com dona Sarab,
mais tarde (1999), a cientista americana mamento de sa ordem. a imprensa recepcionar 3 000 convidados num baile
Louise H. Emmons encontrou na Bolívia esrrangeira fez de Brast1ia um grande no Palácio do Planalto, ao om da or-
<: uns parentes do animal descrito no Brasil assumo. No âmbito doméstico, uma quesrra do pianista Bené Nunes. "Nunca
ri e decidiu estender a eles a denominação das novidades do 21 de abril de 1960 verei um espetáculo mais chique do que
~ Juscelinomys. AMoojen se deve ainda a foi o lançamenro de um diário que re- a inauguração de BrasOia" , exagerou na
~ descoberta, também no Planalto Central, cuperou o título daquele que é consi- revista Manchete o colunista Jacinto de
~ de uma nova espécie de jararaca. derado o primeiro jornal brasileiro, o Thormes. Em O CTlIzeilv, José Amádio
ffi Correio Bra-:.iliense, criado por Hipóli- informará que"a turma dançou pouco" ,
~
lO José da Co la em 1808. No me mo mas "comeu e bebeu muito". A 2 da
dia. os Diários Associados. de Assis manhã do dia 22, o presidente bateu em
Chateaubriand, também inauguraram a retirada, não em antes recomendar às
TV Bra rIia. que pô no ar a primeira filha , Márcia e Maria Estela. que não
rede de televi ão do país, levando ima- pas as em das 3. Depois de ter conse-
gens da festa até Belo Horizome e Rio guido antecipá-lo em alguns minutos.
o feioso anifIUIl foi descoberto e de Janeiro. Foi também a e treia brasi- JK prolongara por duas horas o dia mais
classificado por um biólogo mineiro leira do videoteipe. glorio o de ua vida. _
142 I NOVEMBRO, 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS os I veja I t\OVEMBRO. 2009 I 143
Fotografia

CA ADORES
DE IMAGENS
Não houve preocupação do governo no
registro do momento histórico - a memória
visual daquele tempo é resultado da
iniciativa de gente obcecada e aventureira
a infância da televisão, de ImIgrante eram de estirpe diferente
escassas transmissões ao vi- daquela dos brasileiros João Gabriel
vo e videoteipe engatinhan- Gondim de Lima (1925-1994), envia- MARCEL GAU11IEROT
do, os fotógrafos foram fun- do especial de um jornal de Fortaleza (1910.19961
damentais na história visual ao cerrado, do químico de formação Olran I apaixonol/-se pelo
dos primeiros anos de Bra- lesco von Puttkamer (1919-1994) , de Bro 11 ao lu Jublabá.
escreveram capítulo especial pais alemãe , e de Mário FontenelJe romance de Jorge Amado
na aventura. "Revelaram a nova arquite- (19 19-1986), um mecânico de aviões PETER SCHElER
tura e o que havia por trás dela, os ope- piauiense que se aproximou de lK e a (1908·19791
rários que buscavam o futuro num lugar partir dessa proximidade fez as fotos O a/tml1o em aUfOrrttrlUO
inóspito", diz a arquiteta Sonia Maria certas no lugar certo (é dele a imagem no Pu/dela da Alvorada
Milani Gouveia, e tudiosa do assunto. do cruzamento inaugural que aparece
m primeiro raciocínio pode fazer crer no início desta edição de VEJA). Gon- rar-se no imperador dom Pedro 11, que agência Magnum. as eram iniciati-
que os profissionais das lentes tenham dim, Jesco e Fontenelle tinham o olhar instituiu a figura do "photographo da vas pessoais, de gente obcecada.
tido. em meado do século XX. função candango, "o ponto de vista de quem Casa Imperial' em 1851. Existem ima- Nunca existiu preocupação oficial
emelhante à de pintore como o fran- construía a nova capital", diz o antro- gens do nascimento de Brasília - par- de documentar um momemo épico do
cês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) pólogo e fotógrafo Milton Guran, pes- te delas heroicamente guardada pelo país. Como sempre, é a iniciativa pri-
e o alemão Johann Moritz Rugendas quisador do Laboratório de História Arquivo Público do Distrito Federal. vada que preserva os documentos his-
(1802-1858), que no século XIX mos- Oral e Imagem da Universidade Fede- momado anos depois da inauguração tóricos. Os negati vos de GaurherOl,
rraram, por meio das mi sões artística . . ral Fluminense. da cidade - porque havia relações de Scheier e Farkas fazem pane do acervo
o exotismo brasileiro ao exterior. no Com uma máquina Leica presentea- amizade e compadrio. Fontenelle, por- do In tituto Moreira Salles. São a tra-
tempo da escravidão e colônia. A com- da por JK. Fontenelle fez imagens que que Juscelino go tava dele. Gaurheror. dução em preto e branco de uma frase
paração é indevida, porque profissio- naquele tempo soavam como mero re- porque Niemeyer o convocara para a do filósofo alemão Max Bense, que em
nais como o francês Mareei Gamherot gistro burocrático, espetacular senso de empreitada. Havia também repórteres ] 961 esteve no Planalto. "Essa cidade
(1910-1996) e o alemão Peter Scheier oportunidade, e hoje têm força seme- fotográficos de órgãos de imprensa, é um evento visual, como um cartaz",
(1908-1979) já viviam no Bra il quan- lhante à do registros de Claude Lévi- como Jean Manzon. e apaixonado co- escreveu no livro 1I1leligência Brasilei-
do foram em busca da urpresa do novo Strauss no Bra il dos anos 30 e de Pier- mo Thomaz Farkas. além de corre - ra (Co ac aif"y). "Bra ília exige da
no Planalto Central. "Embora tivessem re Verger, um pouco mais tarde, ao pondentes internacionais. como os da consciência um novo sentido para a
um olhar exógeno. de fora estavam mo trar o parente co entre o povo da métrica, mas o matiz topológico de sua
completamente adaptado à cultura na- Bahia e o de Benin , na África. concepçãO é revelado pelo fato de que
cional". afirma Sonia Maria. É espantoso, do ponto de vista da MÁRIO FONTENElLE se pode, a partir de qualquer ponto de
Ainda que tivessem raízes tropicais, memória de um país, que o governo de (1919-19861 vista. repre entar a cidade comprimida
condição que barrava o olhar deslum- JK não tenha montado uma equipe de Mecdnlco de avllJt . era amigo pessoal ou distendida, relativamente aumenta-
brado do desconhecido, os fotógrafos registro documental - bastaria in pi- de Juscelino Kub/Is flek da ou diminuída." •
144 1:>IOVEMBRO. 2009 1veja 1ESPEC IAL BRASÍLIA 50 ANOS ESPEC1AL BRASÍLiA 50 ANOS 1veja 1:'\OVEMBRO.2009 1145
Realidade

o DIA
SEGUINTE
Para deflagrar um hábito e antecipar um mau
costume, o cotidiano de Brasília começou
com um feriadão e tentativas (malsucedidas)
de CPls. Mas o Grande Prêmio JK de
velocidade foi um tremendo sucesso
CEcíLIA PINTO COELHO mobilismo nas avenidas e do Campeo-
nato Brasileiro de Barcos no Paranoá
rasília fez- e BrasIlia, ou ao -, e como o cotidiano e anuncia se
menos a Brasília do poder, árido. houve debandada geral. Pelo EIXO RODOV1ÁRIO· 2J 141191íO
no dia seguinte ao cortar de menos 500000 pessoas acompanharam FOIOo ARQUIVO PI.'BLlCO

fita. Começou com um feria- as festas no 21 de abril de 1960. Mui- DO DlSTlUm fl-Dl-.R ~I

dão - sexta-feira, 22; sába- tas chegaram antes, gradativamente,


do. 23: e domingo, 24 -. hospedando-se nas cidades-satélite.
porque ninguém é de ferro e os deputa- em casas de família, ou mesmo em lu-
do e senadores tinham mai que fazer gares distantes. O 22 de abril foi o do apartamentos para mostrar o estilo placar uma CPI. No ano da inaugura- preiteiro encarecera a construção. Não
no Rio com promessa de sol. Nem bem caos, porque quem chegara de avião de vida que Brasflia reservava ao futu- ção. nove comissões foram registradas avançou, e ficou por isso mesmo.
começara a vida da nova capital e já queria retornar do mesmo modo, e rá- ro, um futuro que a rigor só chegou em no Diário do Congresso Nacional. Com plenários vazios. e à falta de
brotara a "campanha do retorno". Um pido, mas não havia espaço para todos. 1970, já durante o governo Médici. Uma delas. publicada no periódico em restaurantes para freq uentar, ia-se ao
grupo de dezenove senadores da oposi- O Ministério da Aeronáutica leve de ins- Um pas eio pelo jornais daqueles 25 de agosto daquele ano. foi criada cinema. No Cine Brasília, desenhado
ção liderada pela UDN de Carlos La- talar uma força-rarefa. Convém lem- dias - os de oposição, claro - dá o para investigar as condições da cons- por Oscar Niemeyer no Plano Piloto.
cerda reabriu simbolicamente o Palá- brar que a ponte aérea Brasília-Rio só tom do vazio criado depois da euforia. trução de Brasília. da organização e re- com I 200 lugares, os destaques da pri-
cio Monroe. na Cidade Maravilhosa. valeria a partir de 26 de abril. Correio da Manhã de 21 de abril: ''Bra- gulamentação de seus serviços públi- meira emana foram Anáguas a Bordo.
Em BrasIlia. só voltariam à labuta no sília é um pandemônio". Diário Cario- cos. A comissão. de autoria do deputa- com Cary Grant e Tony Curris; O Dis-
fim de maio. a segunda-feira. 25 de Casa Cor. Nem tudo eram andaimes. ca do mesmo dia: "Brasília se inaugura do Seixas Dória, udenista de Sergipe, cípulo do Diabo, com Kirk Douglas e
abril. primeira jornada útil, a Câmara Deu-se prioridade à Praça do nês Po- sem depósito de lixo: o que havia virou e tava prevista para funcionar por no- Bun Lancaster; e A Canoa Furou, com
do Deputados não teve quórum para deres e à Esplanada dos Ministérios, favela". Tribuna da Imprensa: "Sena- venta dias, mas não chegou a nenhuma Jerry Lewis. Na Cidade Livre - o atual
sessão e um dos ministros do Supremo embora o anexo central do Congresso dores pedirão a volta do Congresso: conclusão. Fracassou também a tentati- úcleo Bandeirante - , roíam-se unhas
Tribunal Federal foi à imprensa para (o prédio em forma de "H") e os edifí- Brasília é um caos". As reportagens va de alcançar o governo de JK com a com o faroeste A Lei do Mais Valenle e
explicar por que se recusara a perma- cios dos ministérios não pudes em fun- eram unânimes - e nesse caso mesmo CPI do Vidro Plano, montada em 1959 a aventura TempesTade em Sangof{/n-
necer no cerrado. A revista Time ame- cionar plenameme. No selores residen- entre os órgãOS favoráveis a JK - em para de cobrir como o casamemo dos dia. Difícil, quase impo fvel , era con-
ricana relatou a reprimenda de JK ao ciais, apostou-se na Asa Sul - mas ali destacar a poeira que sobrara depois de imensos janelôes do modernismo na seguir ingresso. "Brasília não era uma
mini tro da Saúde, Mário Pinotti, que também. na inauguração. apena 11 ,8% a poeira baixar e o lixo que se acumula- arquitetura com os interesse dos em- capital, nem mesmo uma cidade, à épo-
retomou ao Rio. "Se o enhor não vol- de um total de noventa uperquadras ra. O Jornal do Brasil resumiu o am- ca de ua inauguração", afirma Márcio
tar, melhor renunciar.'· Pinoni deu o planejadas estava terminado. Havia um biente: "Deputado. sem ter onde morar ANÁGUAS A BORDO A comédia de Oliveira, do Departamento de Ciên-
pinote, e logo estava em Brasília. jeitão de Casa Cor: desde 1959, quando começam hoje mesmo a volrar ao Rio". com TOIl)' Curlis e Dilla Merrill foi um cias Sociais da Universidade Federal
Depois da festa - ao fim do Grande fora inaugurado o primeiro edifício de Quem ficou. para não perder o cos- dos deswques do Cine Brasília, proje/ado do Paraná, estudioso daqueles dias de
Prêmio Juscelino Kubitschek de auto- seis andares, a Novacap mobiliou um tume. ou para inaugurá-lo. temou em- - evidemememe - por Niemeyer corajo o pioneirismo. •

146 1. 'OVEMBRO. 2009 1veja 1ESPEClAL BRASÍLIA 50 ANOS ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS 1veja 1NOVEMBRO. 2009 1147
EIXO MONUMENTAL, 1960 EIXO MONUMENTAL, 2009

,
LIBERTEM O ESPI ITO DE BRASILIA
o tombamento, assegurado modem i ta urban ísticos, arquitetÔnico e burocráticos de
vida citadina que a fundaram. Ao longo dos anos, tornei-me
comentários como um pro resto contra e sa prisão e seu.
carcereiro . Ofereço-os como um apelo aos cidadão de
para descrever o choque do novo. Muitos imaginavam que
o universo de inovações da cidade moderni ta - não só ua
por uma camada de leis, conhecido como um "crítico de Brasília". Ainda que o seja.
continuo um vigoro Odet'ensor daquilo que os candango
Bra ·rua para reviver a cidade como um espaço nacional
e pecial de experimeOlação. dedicado à solução de
~u'quiLetura e 'eus vaSlO e paço 'em esquina nem praças.
ma também eu novo i lema educacional. a au ência de
trai a ideia original de um lugar com o quais trabalhei para investigar a hi rória da sua importante problema da vida urbana conremporânea. propriedades privada. a distribuições igualitária de recur os
cidade de creviam como endo o espírito de Brasília: ua Ma ante me deixem de crever e se e pírito. porque ao funcionário. enrre muita outras - produziria um
inovador e experimental invocação para romper com Opa ado, para ou ar imaginar receio que muito po sam ler se e quecido de que i . o já e tranhameOlo radical que teria como re ultado, nas pala ras do
um futuro dit'ereme, para abraçar o moderno como um definiu o que havia de e. . encial e glorioso a re peito da relatório de 1963 da ovacap a re. peito da ua admini rração
JAMES HOLSTON * campo para experimenro e ri co - um espírito que os cidade. Brasília sempre foi ao me mo tempo radicalmente da capital. publicado na ua revista Brasília. "a inexistência de
in pirou a criar uma cidade de ramo modos inovadora. e tranba e familiar, eparada e integrada ao re to do Brasil. di criminação de cla se ociais (, .. ). e as im (seria ) educada.
e cobri aquilo que o pioneiro candangos para além da sua arquitetura e urbani mo. Ju Lificando seu apoio ao Plano PilOlO modem i la de Lucio no Planallo. a infância que con. lfuirá o Brasil de amanhã.
chamavam de " 0 espfrim de Bra f1ia" no começo De de os dia pioneiro de Bra ília, no entanto, es e Co ta para a cidade, o pre idente Kubitschek argumentou. já que Brasília é o glorio o berço de uma oo\'a civilização" .
da década de 80. quando vivi durante doi anos espírito tem sido epultado ob camadas de preservação em eu livro de memórias. Por que COIlSlrtlí Brasília, que.
no Di ·trito Federal. Eu e 'rava fazendo a legal que o impedem de in 'pirar nova ' geraçõe de cidadãos "devendo constituir aba 'e de in'adiação de um si 'lema Sentido de invenção. Se e ' aBra ília parece
inve ligação de campo para o meu livro obre bra ilien e . que impedem e e cidadão de o u arem de bra ador (de deseI11'Oil'imemo) ( ... ). (Brasília) leria de incongrueOlememe brasileira, ua con trução e
a cidade, publicado inicialmente no E tados para tomar a cidade viva com ua próprias experiência . er, forço amente. uma metrópole com caracteríslica de envolvimento expres am ao me mo rempo um jeiro
e depoi no Brasil (A Cidade Modernisla , 1993 ). Ele continua. em vez di so, algemado ao erviço de diferenre . que ignora e a realidade comemporânea e e noravelmenre brasileiro de fazer a coi as: um enrido de
Ele con idera o extraordinário pri ilégio e de igualdade algun pouco velho pioneiro e eu herdeiros, para quem voltas e, com todo o eus elememo constitutivo , para o invenção, uma aptidão para a impro i ação, um de ejo de
de Bra. flia - . egundo vário. indicadore. , a cidade mais e. . e e. pfrito . er e apen~ à . ua vi. ão de Bra ília. Ele. a fu turo". Brasflia moderni. ta perrurbou o mundo familiar . up rar com saltos. É a nece .. idade de . er moderno que vê a
desigual do Brasil na época da minha pe qui a - como governam como gerontocratas. rei indicando o privilégio da década de 50. com ua exibição de modernidade. falta de recur o como uma oporrunidade para a ino ação.
originado não primariamente nos fato 'ub equenre à ua e a exceção para de vez em quando retirá-lo da ua tumba a regulamemação e progre o. ramo que a ua primeira Afinal. os pioneiro con trurram Bra ília em pouco mai de
inauguração. ma principalmeOle na premi a do modelo fim de ju (ificar um projelo de eu iOlere se. Ofereço e e geraçãO de habilaOle cunhou um lermO e pecial. bra ilile. o'ê ano . Ele lran formaram um lugar no meio do nada,
14 1 :'>10 EMBRO. ~009 I veja I ES PECIAL BR SILlA 50 ANOS ES PECLA.L BRA lUA 50 ANOS I veja I :-':OVEMBRO.2009 11-19
Patrimônio

ssa nova concepção motivou os candangos a inovar experimento significativo. O que é relevante é que

E
marcado com um X no chão. não só em uma cidade habitável Essa qualidade especial deriva menos da em todos os domínios da construção e organização os pioneiros ousaram pensar experimentalmente tanto em
em tempo recorde, mas também naquela que apresentou ao identidade de Brasília como capital das capitais da cidade. Se hoje a maioria de nós celebra as escala local quanto nacional e ofereceram seus resultados
mundo todo em 1960 o mais moderno urbanismo. Para isso, do que das sua concepções fundadoras como uma 'invenções da arquitetura e do planejamento urbano para avaliação. de modo que pudéssemos aprender com eles
empregaram táticas de bricolagem; experimentaram em todos os cidade experimental, uma cidade projetada para de Brasília. é só porque as outras foram menos óbvias. A e desenvolvê-los mais. O importante na avaliação
campos. Por isso. reproduziram no pioneirismo de Brasília o arriscar algo novo - precisamente a característica experimentação in pirou a escolas da cidade. seus hospitais, do pioneiJismo de Brasília é que lanto os ucessos quanto
distinto estilo do Brasil de inventar sua modernidade. fundadora que seu pioneiros chamaram de "O sistemas de tráfego. organização comunitária, di tribuição os fracas os derivam da mesma fonte. a saber. seu espfriro
Não é surpreendente que essa distinção abunde em espírito de Brasília". Esse talento para inovar da propriedade. administração burocrática, abastecimento de se arriscar à inovação.
contradições. Por exemplo, como a capital nacional tinha de ser estruturou a cidade com um novo sentido de espaço. de água. saneamento básico. culto religioso, agricultura,
diferente, os planejadores de Brasília pretendiam excluir tempo e propósito nacionais. que se tornaria "uma arte, dança, teatro, música e outras coisas. Os pioneiros Memória coletiva. Se o espfrito de Brasília é, portanto,
características indesejadas "do resto do Brasil". Daí que o Plano base de irradiação", como disse Kubitschek, a fim acrediravam que os experimentos de BrasOia introduziriam o do experimento. não é perverso que essa cidade esteja
Piloto tenha proibido o desenvolvimento de periferias urbanas de transformar toda a nação na qual foi inserida. Daí novos hábitos sociais. instituições e padrões como modelos congelada no tempo. que toda a área urbana do Plano Piloto
para os pobres, típicas de outras cidades. Mesmo assim, ainda o regime de trabalho árduo que construiu a capital que transformariam tudo ao seu redor. Eles acreditavam em seja legalmente tombada por camadas locais. nacionais
antes da inauguração da capital, em 1960, as polfticas públicas ler sido conhecido nacionalmente como "o ritmo fazer a vida urbana brasiliense diferente, não pelo exotismo. e internacionais de preservação jurídica? Se essa cidade
j~ haviam criado deliberadamente uma periferia empobrecida de de BrasJ1ia", definido como uma construção nacional mas para estabelecer uma arena de experimentação na qual experimental se rornou assim um memorial. que memória
CIdades-satélite, "abrasileirando" suas fundações. Entretanto, a 36 horas por dia - "doze durante o dia. doze à noite. se resolveriam importantes problemas nacionais. ela registra? Um memorial nunca conta a história inteira.
cidade regional resultante - o privilegiado Plano Piloto e suas e doze pelo entusiasmo". Isso expressa perfeitamente Ao avaliar essas iniciativas. fica claro que algun aspectos Em vez disso. ele seleciona cenas condições que os autores
periferias - não reproduz simplesmente o Brasil ao seu redor, a nova invenção espaço-tempo da modernidade deram certo e outros fracas aram. É preciso enfatizar. querem preservar e ignora outras. Se o e pírito de um lugar
que os planejadores buscaram negar. as suas combinações do de Brasília, a qual articula a possibilidade de mudar porém, que tal resultado é característico de qualquer _ o que os romanos chamavam de genius loei - consiste
radicalmente diferente e do familiar, Brasília conÚllua distinta o curso da história. acelerando o tempo e
na constelação de cidades brasileiras. impulsionando o Brasil para um futuro radiante.

SUPERQUADRA 205 SUL, 2009


SUPERQUADRA 205 SUL, c. 1958

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;ª: -.._--- - - ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS I veja I 'OVEMBRO.2009 11 5\
150 I NOVEMB RO, 2009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS
no que é colocado e deslocado na memória coletiva, será que o APELO DE JUSCELINO e de então. foi protegida por trê camadas legais
o genius de Brasília foi traído pela pre ervação? Pior. foi
rraído por um punhado de fundadores que, ao pre ervar a
cidade como seu próprio memorial. negam às gerações
subsequentes de cidadãos bra ilienses o eu direito à cidade.
a oportunidade de fazê-Ia ua e construir a cidade que ele
Em 15 de junho de 1960. menos
de dois meses depois da
inauguração, em billzete enviado
a Rodrigo MeLo Franco
D adicionais. Em J987. o governo do Distrito
Federal regulamentou o artigo 38 por meio do
Decreto n° 10829 , dando àquele artigo uma nova
e pecificação e aplicação. Também em 1987, Bra í1ia
recebeu uma inédita proteção internacional como
desejam habitar. ua chance de e tender es e e pírito de Andrade. chefe do Parrimônio re ultado de uma intensa campanha bra i1eira: a Unesco
experimenração para sua própria vida e seu próprio tempo? Hislórico, JKjá pedia o garanriu sua preservação ao in crever o Plano Piloto
rombamenro Cinclu ive os bairro do Lago) na ua Lista do Patrimônio
a verdade. essa questões emergiram logo no Mundial , Cultural e Natural. É a maior área urbana do

N começo da história de Brasília. Elas apareceram


em conflitos decisivos nos quais planejadores e
administradore estabeleceram a imposição do
modelo Costal iemeyer/Ciam a sigla para os Congressos
lnternacionais de Arquitetura Moderna, criados em 1928
"A única defesa para BrasOia está
na preservação do seu Plano Piloto.
Pensei que o tombamento do
mesmo poderia constituir elemento
seguro, superior às leis que estão
mundo e a única cidade viva contemporânea tão
preservada. Além disso, é um dos poucos locais do século
XX selecionados para a li ta, junto com Auschwitz,
o Memorial da Paz de Hiro hima e a Bauhau em Weimar
e Dessau. Finalmente, o governo brasileiro declarou
por Le Corbusier e outros) como um meio de suprimir no Congresso e sobre cuja Bra nia tombada em 1990. in crevendo-a no Livro
a inevitável insurgência de processos inesperados e aprovação tenho dúvidas. do Tombo Histórico, uma inscrição regulamentada por
conrraditório - exemplos bem conhecido envolvem Peço-lhe a fineza de estudar esta aro. do Secretariado do Patrimônio Histórico e Artístico
o repúdio ao projeto antirruas dos setores comerciais possibilidade, ainda que forçando acionaI (Sphan) e do lnstiruro Brasileiro do Patrimônio
locai pelos moradores das primeiras superquadras e um pouco a interpretação do Cultural (IBPC). O IBPC definiu tal preservação em uma
as "invasões" de operários pobres da co nstrução civil patrimônio. Considero indispensável publicação oficial , Patrimônio CltLTUraL, em 1992:
no Plano Piloto, o que levou à ua remoção para as uma barreira às investidas "Qualquer alteração no gabarito dos prédios. no plano
cidades-satélite (e à criação de periferias das periferias). demolidoras que já se anunciam dos eixos, avenidas e lotes. no uso e nas funções dos
O problema com esse regime é que ele incorpora todas vigorosas. Grato pela atenção." lotes e nas áreas verdes dentro do perímetro preservado
as facetas da vida experimental de Brasília sob os ditames deveria, em princípio, ser evitada. Alleraçôe nece sárias
de apenas uma, que era experimental na década de 50, deveriam ser profundamente estudada e cuidado amente
a da arquitetura e planejamento modernistas. executada para garantir a pre ervação da característica
Afinal. o e pírito de essenciais do Plano
Brasília inspirou a CIDADE LIVRE, AVENIDA CENTRAL, 1960 NÚCLEO BANDEIRANTE, AVENIDA CENTRAL, 2009 Piloto e a ua
expressões particulares qualidade de vida".
de Costa e Niemeyer.
Portanto. es as Desigualdade. É razoável
expressõe não definem argumentar que a
o li mite do espírito; excepcional "qualidade
em vez disso. de vida" do Plano Piloto
abrangem-no. e tá na verdade
ão deveria, também, arraigada numa história
continuar inspirando de exrraordinária
outro? desigualdade
Brasília hoje é e e rratificação
preservada por muitas (excepcional até pelos
camadas legai . O que padrões brasileiros),
é tombado é o conceito baseada em privilégio
urbano original do exclusivos, e que mantê-
projeto de Costa (1957). la custa à nação quantias
o Plano Piloto. mas não exorbitante. Ponamo
o bairro do Lago nem não é o ca o de que a
as periferias. De fato. legi lação que fixa tal
Brasília nasceu "qualidade de vida" seja
preservada. quando o enão um meio de usar
Plano Piloto e tomou recurso. público. para
lei com a inauguração preservar o privilégio das
da cidade (Lei n° 3751, elite à cu ta de outro
artigo 38, abril de 1960). cidadão - na verdade,
152 I OVEMBRO.2009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 A OS ESPECIAL BRASíLIA 50 os I veja I :>IOVEMBRO.2009 I 153
ASA NORTE, 1960

que e tabeleça uma mania das elites por meio da lei pre ervar Brasflia como um campo de experimentação, de visível a vitalidade da vida urbana como debates sobre o de planejamento. Em vez disso, é um desenvolvimento
e de con 'elhos de planejamento, e dê podere a uma inovação contínua. Deveria também pre ervar Brasília como próprio urbanismo. A densidade desse registro produz cidades caótico. Se na teoria o tombamento compromete o espíriro
gerontocracia de fundadore para manter sua vi ão, um lugar e pecial no Bra iI onde e e tipo de risco é po sfvel. ricas em experiência e recompensa aquele que a conhecem. de Brasília, na prática ele não evita efetivamente a
enquanro priva as gerações mai joven da oporrunidade Congelar Brasília em um momento trai e e espíriro. Os vasros espaços vazios de Brasília precisam conter tais corrupção do seu corpo. Entender como fazer o mercado
de definir a sua própria? Além do mai . a pre ervação ju taposições, cujo fri on é o melhor meio não ó de nutrir contribuir para experimento de urbanismo que tratem de
de Br~ nia conta uma hi tória muito parcial. a de eu a ideia fundadora de Brasflia como um experimento, mas problemas ociais imponantes seria um feito inestimável.

M
inha uge tão não inclui de forma alguma entregar
planejadore e arquiteros de elite, ma não a do operário o Plano Piloto à força do mercado e à especulação também de perpetuar a imponância do eu experimento Na década de 50. Brasília ou ou ser uma inovação no
que con truíram a cidade e se rebelaram contra a sua imobiliária. Em vez di so. ignifica promover arquitetônico inicial, do eu projero modernista Co tal urbanismo. Como a maioria dos experimento
exclu ão. Ela também negligencia a hi tória de funcionário experimentos controlado em todos o aspecto iemeyer/Ciam. ignificativo , a sumiu o risco de se submeter à avaliação
que desenvolveram propo taS novas, ma não arquitetônicas. do urbani mo, incluindo a habitação, a educação. o erviço da opinião pública. Hoje, continua endo imponante
para a vida urbana. Deveria sua pre ervação comemorar médico , o transpone e o governo. Essas iniciativas vão Lobo da especulação. Além do mais. as leis de pre ervação comemorar os experimentos particulares dos fundadores
tal privilégio ocial e espacial? necessariamente responder ao Plano Piloto de Costa, ma de Brasflia são na prática muitas vezes burladas pela de Brasília, mas só no contexto de celebrar a ideia maior
Sem dúvida. debater prós e contras de as afirrnaçôe também podem partir dele para a con ideração de novo ' negligência e pela corrupção, um destino comum demai da da modernidade como experimento e lisco, que é O 'eu
de encadearia uma torrente de paixõe , em nece ariamente problemas. De a forma. o planejadore poderiam pre ervar adlTÚnistração por e taLUto. Muita vez e ouvi moradore de e píriro. Tran corrido cinquenta anos da inauguração
cbegar a uma conclu ão completamente atisfatória. Talvez muilos a pecros da cidade modernista. ao mesmo tempo em Brast1ia argumentar que abandonar a preservação permitiria da cidade, é hora de libertar o espíriro de Brasília. _
meno polêlTúco fo e concluir que não há menção, nes e que permitiriam que Brasilia se toma e uma cidade dotada que o lobo da e peculação do mercado devora e a cidade.
pronunciamento a re peito da pre ervação de Brasília. àquilo de camadas com outra formas de urbani mo. O que faz com Minha re po ta é que. inegavelmente, o rombamento falha * James Holston é professor de anTropologia /la Unil'ersidade
que na minha opinião é a maio importante da~ . ua. que cidade. como Paris, ova York. Roma São Franci. co e em proteger a cidade do. male da e peculação e da da Califómia em Berkeley. É al/lor dos Ih 'TOS A Cidade
"características e enciais". ou eja. eu e píriro de invenção. São Paulo sejam interes ante é que elas não e baseiam em corrupção. Por exemplo, o crescimento do Setor Hoteleiro Modernisra - Uma Críúca de Brasília e Sua Utopia, de 1993.
Se e e e pírito é e encial. e e a pre ervação e de tina a apenas um modelo. mas ão dotada de camada com vi õe one nem e adéqua ao Plano Piloro. nem egue a lógica da e. recelllemellle, lnsurgem Ciúzenship: Di JUllcIions
proteger o e encial. então no IlÚnimo o tombamento deveria de cada geração que viveu nel as. E a ju tapo ição toma competição de mercado, nem constitui um novo experimento of Democracy and Modemity in Brazil (2008)

15-l I . OVEMBRO. 1009 I veja I ESPECIAL BRASILIA 50 A os


Moda

o país de 1960
o JK DA ALTA-COS nasceu junto
com a fama
de Dener, o
costureiro que
É LUXO SÓ
o cosrureiro, 1/0 rempo
desdenhava
em que não se di:ia dos políticos
esrilista, no início da
década de 60: "Tenho
mas sabia que
ho-rror a polírica ". o corte malfeito
assim mesmo. com o
h(fen /lO lugar errado
podia tomá-los
c. I961 -=--- ridículos
FOTO ano sn.PAKOFFI
L"STtTUTO ~ORElRA SAllES


DÉBORA CHAVES

ra mais fácil entender o Bra il


da virada dos anos 50 para o
60 por meio do embate di-
dático - ou você era i , o.
ou era aquilo. O Sedan VW
1200, o primeiro Fusca. saído
da linha de montagem em janeiro de
1959. ou o Simca Chambord? Ju celino
ou Carlos Lacerda? PSD ou UD ? As
Certinha do Lalau, as beldades de car-
ne (muita) e osso e 'colhidas pela colu-
na de Stani law Pome Preta no jornal
ÚllimG Hora. ou as garotas a traço de
aquarela do Alceu. cujo de enho apa-
reciam em O Cru:eiro ? Brasília ou Rio
de Janeiro? a moda, da fuzarca mes-
mo era opor a carioquíssima Ca a Ca-
nadá, comandada por Mena Fiaia, à
pauli térrima Peleteria Americana, da
uruguaia Rosa de Libman, depois cha-
mada de Madame Rosita. Vivia-se a in-
fância, nas coxias, de uma briga que NOVO EXPOENTE DE CLASSE E BELEZA NA MODERJ
no vime ano eguimes cresceria a
pomo de e [Ornar muito divertida: De- PAlSAGEMBRASDJURA
ner Pamplona, então com 24 ano ver-
su Clodovil Hernande . de 23. Em CER1lNHAS DO LALAU

SI CA '-:.'~
1959. o cosrureiro Dener ganhou o X
prêmios Agulha de Ouro e de Platina do GAROTAS DO ALCEU
reputado Festival da Moda. Em 1960. a A arri- Cannem Verônica.
láurea dourada ficou com Clodo i\. cobiçada ....edele (à esq.). apareceu
Em eu livro de memórias, Dener -
O Luxo, de 1972. relançado em 2007. o
paraense radicado no Rio conta que co-
ao longo de de: a/lOS I/a Iis1agem
do crolli.wa e hlltllorisca Srallislaw
Pome Prera. pseudônimo
CHAMBO
meçara sua carreira de corre e co Lura, de Sérgio PorlO: era a versão FUSCA
ao improvávei 13 anos. na maison ca-
rioca. Ficou pouco tempo, um ano e
em carne e os o do desenho
de Alceu Penna
X
tanto. Sua primeira cliente: Sarah Ku-
SIMCA CHAMBORD
Gell/llno carro de passeio
bit chek. "esposa de um polftico famo-
brasileiro. o Sedall VW chegou
o e que precisava de um ve tido de
às ruas em janeiro de 1959-
noite para a comemoração de mai uma
seu avesso foi o gral/dão
itória de eu marido". nas lembrança
Clwmbord. o primeiro
do estilista. A Canadá fez a roupa da
alllOmól'el de luxo
primeira-dama para o baile de gala de
fabricado 110 paI
2l de abril de 1960, no Palácio do Pla-
nalLo. Sarah ve Lia um LOmara que caia
de organza branco, rebordado em ponto
cadeia com fio de ouro. lantejoula. vi-
drilho e cri tai tran parente e doura-
do. . no. depois, num des. e. mal-en-
tendidos que construíam a carreira po-
lêmica de Dener, a donas da Canadá
de mentiram tê-lo contratado.
15 I 'OVEMBRO.2009 I veja I ESPECIAL BRASI LIA 50 os ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS I veja I I'\OVEMBRO. 2009 I 159
Moda

LOOK FAMíLIA
A Canadá era a Daslu da época. Im- LOOKFESTA Juscelino, de terno
portava casacos de pele e roupas de esti- O primeiro-casaL
de três botões,
listas consagrados como Christian Dior, /lO baile inaugural,
ao lado de Saral!
Jacques Fatb e Balenciaga, mas também e/e de casaca,
e das filhas, Márcia
produzia a sua própria coleção de a1ta- Saral! de longo
e Maria ESle/a.
co rura e prêt-à-porrer. É provável que a fOmara que caia.
ELas veSlem
maior parte das socialires presente à eSfOLa, colar
I'ariações de tailleur.
noite de inauguração de Brasília vestis- de pérolas de sele
com casaquelOs
se alguma criação de Mena Fiala. É voLTaS. Lul'as
bem-comporIados
100% cerro que, à entrada do ediffcio crês-quarfOs e
-o destaque
projetado por iemeyer. houve muita ca17eira dourada
é o primoroso
luta para não enterrar o salto alto no bar- BRASÍLL4.-2114 11960 (/cabamemo dos
ro rubro-ferruginoso do cerrado - que FOTO: DIVULGAç..\OI bOlões forrados
o dissesse Ruth de Almeida Prado, qua- EXPOSIç.'O MENA flALA
com o mesmo fecido
trocentoDa de quatro costados, cuja foto
da rOl/pa
atraves ando o chão entre o 50000 can-
dangos que acompanhavam o festim de BRASÍLIA - 21 14 11960

fogos de artifício virou norícia de jornal. FOTO: ARQllYO FOTOGRAFlCO


SLOCH EDITORES
pelo estrago estético.

Organza de seda pura. O vestido de ga-


la usado por Sarah, aos 51 anos. deixa-
va em evidência o busto e a cintura.
Realçava os quadris, com camadas e ca-
madas de tecido, como ditava a moda.
ele. foram usados 12 metros de organ-
za de eda pura e mai de 5000 cristai .
tos e os conjuntinhos de banlon. Tudo cos, do algodãO patropi. As limitações
vidrilhos e lantejoulas distribuídos pe- impostas pela rr Guerra para a importa-
los bordados florais. Eram tempos de muito comportado e clássico. como im-
punha o figurino de casaca de Juscelino ção de tecidos e roupas prontas tinham
fartura. Mas havia indícios, nas ruas, aberto um novo mercado, e agora era o
nas imagens repletas de fanrasmas da Kubitschek, antes ala da explosão colo-
rida que culminaria no flower power momento de aproveitar a boa-nova.
televisão e na revistas, de que o nel1' Em São Paulo. a tecelagem Santa-
look criado pelo francês Christian Dior dos hippies.
Moda. nos anos JK, mais do que em constancia. de Gabriella Pascolato, en-
em 1947 ainda vigorava, a meio cami- saiava as primeiras fornadas de tecidos
nho da austeridade de Coco Chanel e da qualquer governo, era sinônimo de uma
indústria em eu na cimento. num tem- finos como o tafetá, mas foi o bom e
expIo ão psicodelica que chegaria no velho algodão que marcou a impúbere
fim da década. po em que tudo no país parecia nascer
- moda era também instrumento de cultura de moda. A Fábrica de Tecido
Os e tilos mais rebeldes populariza- Bangu passou a patrocinar concorridos
dos pelo rock de Elvis Presley - e, no defe a do nacionalismo. bandeira a des-
fraldar. Produro made in Brazil. como desfiles beneficentes no Copacabana
Brasil, por Cel1y Campello e sua turma Palace para a escolha da Miss Elegante
-. bem como o tom existencialista das o algodão. eram alçados à condição de
estrelas - ainda que o tecidos sintéti- Bangu. O concursos de miss. ressalve-
musas da bossa nova. pontuado pelos e. eram o segundo evento mais badala-
joelhos de Nara Leão. só despontariam co promovido pela empresa francesa
Rhodia cutucassem os empresários têx- do do país, suplantados apenas pela Co-
realmente nos anos seguintes. o tem- pa do Mundo de Futebol, depois do
po da inauguração de Brasília, estavam teis como Lacerda fazia com Juscelino.
A Rbodia, em um esperto lance de mar- primeiro título de Pelé, Garrincha e cia.,
em alta a feminilidade e o luxo. Às ara-
keling, palavra recém-de coberta, pro- em 1958.
ra mais requintadas, o modernismo de aquele ano de euforia. de gols e de
linhas simples de Brasília ainda não movia a Fenit, Feira Nacional da Indús-
tria Têxtil, a precursora das atuais Chega de Saudade. a Fenlt fez história,
chegara. No dia a dia. Sarab preferia os em São Paulo, ao reunir fabricantes de
tail1eurs que marcavam a silhueta em Fashion Weeks. Os fio plásticos divi-
diam a passarela com nomes como De- tecidos. de aviamentos e de máquinas
exageros, mas caprichava nos acessó- têxtei em um evento concorrido. A
rios, como luvas e chapéu. Suas filhas, ner, Clodovil e as mais belas modelos
do pedaço. Mas havia um nó econômi- Rbodia atirou no que viu (os sintéticos)
Márcia e Maria Estela. preferiam peças e acertou o que não vira (o início de
mais desestrururadas, como os casaque- co. e ele conspirava a favor dos lrópi-
ESPECIAL BRASLLlA 50 ANOS I veja I 1\OVEMBRO. 2009 I 161
160 I 'OVEMBRO. 1009 I wja I ESPECIAL BRAsíliA 50 AJ''iOS
Moda

uma pequena revoLução de comporta- Brasília. depoi da saída de Juscelino e provocação. mas há muita graça no co-
mento). Veslir- e, e vestir-se bem - Sarah, não houve modelo mais conheci- mentário de Dener, feiLO quando o casal
preferencialmente de algodão. como da e celebrada que a morena primeira- Goularr foi para o exflio, com o golpe
recomendava JK -, rornou-se obriga- dama Maria Tere a Goularr. mulher de militar de L964. A bagunça poLítica da-
tório em um país de calço. Em L959. Jango, ve tida por Dener. obviamente. quele ano era o aves o da elegância
foi lançada Manequim, da Edirora Abril, O estilista, para u ar uma expressão da e. posa do pre. idente. uma conver-
a primeira revi ra de moda feminina de arua], tinha livre rrânsiro no Planalro e sa com um policial que o procurara por
tiragem nacional. Os moldes que ela no Alvorada. Os vesridos de Maria Tere- telefone. por conhecer suas ligações
oferecia tran portaram a moda para a ajudavam a reforçar a imagem da com o casal presidencial. Dener deu
denrro das ca as, dos armários domésri- etiquetas que tinham manufamras no ei- uma resposta ácida ao homem que de-
coso Paralelamente, buriques e lojas de xo Rio-São Paulo. Além de servirem aos sejava saber se ele e. tava realmente re-
tecidos começavam a contratar modis- ricos das duas cidades, passavam ram- voltado, como dis era aos jornais. A
tas para desenhar vesridos para as clien- bém a entrar no guarda-roupa da mu- resposta, irônica: "Revolladíssimo, meu
te , no vácuo do que faziam os arqui- lheres de depurado. , senadore e minis- senhor. O que Maria Teresa fez foi um
inimigos Dener e Clodovil. tros que desembarcavam em Brasília. crime, um crime! Fiz ve rido para ro-
O belo de enho, alimentado pela ele- das a oca iões, para ca amentos. para
Avesso da elegância. Alinhavava-se a gância discreta do. Kubitschek e pela funeral, para .olenidade oficiai. Só
moda bra ileira, era a alegria do pri- permanente estica de Maria Teresa. vi- não fiz um vestido para deposição, por-
mórdios, apesar das insistentes influên- veu o apogeu junto com o cre cimento que ela não pediu. Maria Teresa poderia
cias europeias. 1 os primeiros anos de de Brasília. Parecia piada, oou como u ar um taiUeur marrom, cinza-grafite

Persona em

A PRIMEIRA ·
VALSA DO
PRESIDENTE
Martha Garcia, a miss
Brasília 1959, brotinho
típico de um tempo
charmoso, lembra-se
dos galanteios do baile
inaugural

162 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS


ou um tailleur preto com blusa branca. FRAQUE E
Pois não é que ela perdeu a cabeça. fi - CARTOLA
cou nervo a. ei lá, e vai para o exflio de O millisrro
tailleurzinho azul-turque a!". Era boco- das Relações
moco demai . Exreriore '.
Dener, em seu livro de memóri a . foi Horácio LaJer
claro. "Tenho ho-rror a política". e cre- (à esq.), o
veu. assim me mo, com o hífen em po- gOl'emador da
sição errada a eparar o horrore. "De Bahia, ll/rac)'
políticos eu quero di. lância. alvo , e fo- Magalhães. e
rem também homen de sociedade ou e Israel Pinheiro,
forem casado com mulheres elegante presideme da
e tiverem de esperá-Ias no meu ateliê ou Novacap. 110 traje
pagar ua conta :. Pode- e ler es e co- oficial das
mentário no avesso, como o bem-aca- auroridades
badí imo forros de Dener: ele não era BRASíLIA · 211 ABRl1.II960
tão arredi o assim aos polfticos, . abia co- FOTO; l.1I 1 C .\kl.OS B'kRf1 Oi
mo a boa costura podia servir aos que ACt- R\'OJOR '<\1 t-:~lAOOm­
~tL\'AS!O CRl "ZEIRO
mandavam e como o pano feio e mal
conado o IOrnruia ridículos. •

primeira valsa do pé de valsa Juscelin o no baile da das mãos do procurador-gera l da Repúb lica, Carlos Medeiros,

A inauguração da capital foi com Martha Garcia, miss


Brasília 1959. Dançaram ao som da orquestra de Bené
Nunes. Olhos verde-águ a e um corpo escultural , a carioca de
e alguns prêmios: um maiô verde da marca Catalina, uma
geladeira Gelomatic, isqueiro-relógio de ouro e um contrato
de se is meses para atuar como garota-propaganda do café
20 anos era o brotinho bossa-nova típico dos anos 50. Parecia brasileiro no exterior. As revistas de então também falam
saída dos traços do desenhista Alceu Penna . Era moça de um terreno em Brasília com uma casa projetada por
habituée do circuito Praia de Copacabana/ Confeitaria Oscar Niemeyer que teriam sido oferecidos posteriormente
Colombo/ Teatro Municipa l, endereços que o ilustrador e por Israel Pinheiro, o presidente da Novacap, comandante
figurinista visitava em busca de inspiração para tratar em sua da construção da capita l. Martha não se lembra da oferta
coluna semanal de moda e comportamento em O Cruzeiro. de terreno nem da casa - doar pedaços de terra no cerrado
Martha, que não era a Rocha , tinha 1,70 metro de altura era comum , e mais comum ainda era inventar que os terrenos
e medidas consideradas perfeitas (92 centímetros de busto, tinham sido oferecidos. Era um modo de celebrar o
58 de cintura e 92 de quadris) . Causava sensação por onde nascimento de Brasília , a vastidão a ser ocupada .
passava, a ponto de O Cruzeiro facilitar sua participação Martha não se esquece, isso sim, do início de namoro
na Olimpíada "cultural" que indicaria a candidata carioca com o jornalista Justino Martins, 24 anos mais velho, diretor
ao primeiro concurso de miss da futura capital federal. da revista Manchete, com quem se casaria e teve uma filha .
"O pessoal da revista queria muito que eu ganhasse; então Guarda também , como lembrança recorrente , a cantada que
ganhei", conta , sem rodeios, Martha , hoje com 71 anos. recebeu do presidente bossa-nova . "Fingi que não entendi
No Brasília Palace Hotel , construído por Niemeyer e continuei dançando", diz. É recordação que pOde soar
nas cercan ias do Pa láci o da Alvorada , Martha não teve ofensiva aos familiares de JK, injusta pela impossibilidade
nenhum empurrão extra , mas ainda assim desbancou quinze de ele confirmar o galanteio, mas desculpável no ambiente
candidatas e levou o títu lo. Recebeu o cetro e a coroa falsamente ingênuo daqueles anos dourados.

ESPEC IAL BRASfLlA 50 ANOS I veja I I'\OVEM BRO.2009 I j 63


Design

CADE-- A POLTRONA QUE ESTAVA ~QUI?


o Patrimônio Histórico quer frear o sumiço dos móveis
clássicos que ornamentavam os palácios modernistas
revoluçãO estética brasiliense empur- Arte Moderna de Nova York. Rodrigues de-

A rou os designers de móveis dos anos


50 e infcio dos 60 para o novo. Indu-
zidos a abandonar o gosto rebuscado pelo
senhou também dois modelos in pirado
nos criadores da capital - a poltrona O ear
e a cadeira Lucio.
colonial. a trocar Ouro Preto por BrasOia, Malcuidados, o móveis de Brasflia
eles criaram um mobiliário comemporâneo [reram nos úlLimos anos um triste proce o
que ainda hoje vemos nas lojas e nas salas de subtração. Anriquários e colecionadore
de espera de consultórios e escritórios. Co- brasileiros e internacionais os compram
lada no uso de madeira nobre , como o quando são levados para reforma ou im-
jacarandá e a peroba, e em materiais de re- plesmeme os fazem desaparecer nos ba.."ri-
ve timemo como o couro e a palhinha. de- dore . Os originais chegam a valer o preço
senvolveu-se uma tendência feira de linhas de um carro. Há casos em que são leiloados
retas e curvas uaves. nos moldes da capital a preço irrisórios por burocratas de plan-
no cerrado. tão. Para acabar com a farra. o Instiruro do
Grandes nomes na ceram ali. como Ser- Patrimônio Histórico e Anfstico acionai
gio Rodrigues Bernardo Figueiredo e Jor- (Iphan) deu o primeiro passo: contratou o
ge Zalszupin. Apesar de o próprio Oscar professor Arnaldo Danemberg, um especia-
iemeyer ter desenhado algumas peças, lista em mobiliário brasi leiro, para catalo-
caso das poltronas de couro e metal que gar toda a mobilia e a obras de arte dos
ocupam o hall do Ttamaraty, houve enco- palácios do Planalto e do Ttamaraty.
mendas especfficas. "No Palácio da Alvo- Além do levantamento do acervo, Da-
rada minha filha me ajudou , desenhou mó- nemberg orienta a formação de jovens
veis", lembra iemeyer. "Mas havia pressa. aprendizes que vão trabalhar no restauro
e a gente teve de procurar peças no merca- dos móveis. "Ao fazer a elas ificação, vi de
do; sempre que foi po. sfvel. escolhi traba- rudo um pouco: móveis em péssimo estado
lhar com o Sergio Rodrigues. que é real- de conservação, móveis já reformados e em
mente bom profissional." bom estado e móveis importantes do ponto
São de Rodrigues a poltrona Beto. criada de vista histórico que foram subsriruídos e
para o Palácio do Planalto: a Candango, pa- vendidos em leilões públicos", relata. '~a
ra o audirório da Universidade de Brasília; já é um começo para que o lphan consiga
e a mesa de escritório Itamarary - além de regulamentar o u o do mobiliário e das
um clássico, a poltrona Mole. de 1957, que obras de arte que fazem parte dos minist
aos pé de palito opôs a robustez das ma- rios e palácios de BrasOia:'
deiras de lei, hoje no acervo do Museu de DÉBORA CHAVES

164 I 'OVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS


#IIW

ASOLIDAO DIVIDID--- EM B OCOS


Poucas cidades no país
produziram uma juventude tão
crítica e irônica em relação
ao cotidiano - e isso é saudável
SÉRGIO DE SÁ *

á cinquenta anos. a cidade anificial procura


encomrar uma identidade que lhe seja narural.
"Nós queremos ação! Acabar com o tédio de
Brasília. essa jovem cidade morta! Agitar é a
palavra do dia, da hora, do mê !". gritava Renato
Ru.. o, com toda" as exclamações possíveis. no fim
dos anos 70. quando era voz e baixo da banda punk Abono
Elétrico. Em meio à burocracia oficial. o rock ocupou o
espaço urbano, os parques, as superquadras de Lucio Costa,
cresceu e apareceu. Foi a primeira manifestação cultural
coletiva a dizer ao paí que a cidade existia fora da Praça dos
Três Poderes e que. além dis o, estava viva.
a década de 80, Legião Urbana. Capital Inicial. Plebe
Rude. Detrito Federal e outros grupos. de nomes antes
e quisitos e hoje nacionalmente sonoros, bagunçaram o
coreto de um lugar exageradamente controlado, recém-
de embarcado de uma ditadura militar próxima demai. no
tempo e no e paço. Depoi de vinte anos de sufoco, no
período pó - 1964, e já com a chegada da anistia, Brasilia
"Tudo
re pirou aliviada e seus filhos - poucos de angue, muitos
adotivos - puderam afirmar sem medo, mas com ironia e
numerado
autocrítica: "Somos os filhos da revolução, somos burgueses
em religião, somos o futuro da nação, Geração Coca-Cola", é legal
também nas palavras do onipresente Renato Russo.
O atormentado líder da Legião Urbana, nascido em 1960 mas enche
como Bra flia - mas na Velhacap, o Rio -, inventou outro
mundo para animar a adole cência brasilien e. Transformou o saco:'
o cotidiano aborrecido em poe ia. Algo diferente do que, no
Rio de Janeiro, fizeram João Gilbeno, Tom e Vinicius com a Trecho da versão
bossa nova, no fim dos anos 50. retrato musical do prazer de não gravada
viver à beira-mar, trilha sonora do bem-e tar. A LlVERPOOL DELES de Tédio (com um T
O movimento candango, no grito e em acordes também RenalO Rocha (Neorere). Bem Grande pra Você),
dissonantes, resumiu a vontade que cerca a história da Dado Villa-Lobos, Renaro RlIsso
da Legião Urbana
cultura na capital federal: apagar traço da ocupação e Marcelo Borifá, aquartelO
militar. e capar da comodidade das repartições pública . da Legião Urbana. diante
amenizar a pecha de lugar de corrupção e bandalheira, de do Congresso Nacional
endereços sem alma, formado por letra e números. uma PRAÇA DOS TRÊS PODERES - 19 7
ersão nunca gravada de Tédio (CO/llllll1 T Bem Grande pra FOTO RlC"-R.OOJl"""\iQl'EIRA

166 I ·OVEMBRO. ~009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 A.'IOS


Cultura

NA VIZINHANÇA Linguística
A Superquadra Sul
208 Transformada
em palco ao ar
livre nunw
o PORTUGUÊS DE
apresenTação do
Abono Elénico TODAS AS ORIGENS
presTes a virar
Legião Urbana o modo de falar da capital
BRASÍlIA - 1980

O
roTO: LV1S AOOLl sotaque não é carioca, Mesmo assim, o erre é
carregado. Não é nordestino, mas, ao ser
contrariado, o brasiliense imediatamente dispara
um "oxe". Brasnia tem ou não tem sotaque, afinal? Sim e
não, Stella Bortoni, doutora em linguística e organizadora
do livro O Falar Candango, a ser publicado pela Editora
Universidade de Brasnia em 2010, explica: "A marca do
dialeto do Distrito Federal é justamente a falta de marcas.
A mistura faz com que os sotaques das diferentes regiões
do país percam muito de sua peculiaridade".
Mas o tempo impõe marcas, e já é possível percebê-
las. Para Ana Vellasco, também da Universidade de
Brasília, o modo de falar candango fica evidente na
melodia, "Não se fala tão cantado quanto no Nordeste.
As pronúncias do 't' e do 'd' se aproximam do modo como
o carioca fala , mas o 's' é à mineira", diz, O"português
candango" já tem suas expressões únicas. Só em Brasília
se anda de camelo ou de baú. A arquitetura, mandatória,
também ajuda a criar um glossário de termos brasilienses.
Afina l, onde mais se dirige por uma tesourinha?
Gustavo Nogueira Ribeiro
Você), Renato Rus o escreveu: "Tudo numerado é legal lugares e que uma tradição ainda está por e COnStIrulr
mas enche o saco". - a cidade é jovem demais para contar uma história.
CRUZAMENTOS
" SQS ou SOS?", eis a questão resumida pelo poeta
icolas Behr. representante brasiliense da chamada tumla
"Em nossos espetáculos, conseguimos fazer humor com
as realidade regionais sem [orçar a barra". afirma Siri. Eixo Rodol'iário,
PEQUENO GLOSSÁRIO
do mimeógrafo. de bar em bar vendendo seus livrinhos. Cinquema anos. em qualquer cronologia urbana, marco da
Se Leo e Bia, o casal criado por Oswaldo Momenegro em é muito pouco tempo. circulação de
Baú - ônibus
1973. viviam no centro de um planalto vazio. " como se carros da capital
fosse em qualquer lugar", Eduardo e Mônica descobriram Caipirice. ão se pode dizer que Brasília, ao 50, seja de pouqufssima Camelo - bicicleta
outro rQ[eiro. menos etéreo, mais real . Como os apenas a cidade de Lucio Costa e Oscar Niemeyer. sinalizaçc70
personagens da música da Legião Urbana. a cidade se " ão podemos esquecer da tradição e da vida anterior luminosa, em Cobogõ - não é expressão genuinamente do
encontra pelo Parque da Cidade, anda de camelo, toma ao concreto, do ertão e sua cultura", afirma o violeiro decorrência do cerrado, mas ali vicejou; é o elemento vazado da
conhaque, faz magia e meditação. Esbarra. a im, num mineiro-brasiliense Roberto Corrêa. Brasília, portanto, desn{vel de rllas e arquitetura, as tramas que desenham as fachadas
cotidiano aparentemente igual ao das outras cidades. alia a saudável caipirice de origem (não confundir com ffi1enidas dos edifícios, de modo a ampliar a ventilação e a
Mas talvez apenas esbarre, porque a vida em Brasília é a breguice sertaneja que a cidade abarcou, em especial nos BRASíLIA -1961 iluminação. A palavra, surgida em 1930, no Recife,
realmente diferente, inclassificáveL doze anos de governo Joaquim Roriz) ao cosmopolitismo FOrO: ARQlJlVO BLOCII
EDITORES vem das iniciais do sobrenome dos engenheiros
" Bra í1ia não é um lugar qualquer'·. resume o ator que nasce do casamento do moderni mo arquitetônico Amadeu Oliveira Coimbra, o Co; Ernest Boeckmann,
Adriano Siri, da Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo, com uma população de alto poder aquisitivo, viajada.
o Bo; e Antonio de Góis, o Gó
sucesso de bilheteria em todo o país. ''Tem es e propósito Em RenalO Russo: o Filho da Revolução (Agir), o
inicial de abrigar poderes. autoridades, embaixadas, ma , jornali ta Carlos Marcelo mostra como o lfder da LegiãO
ao mesmo tempo, traz algo nas características urbana. que Urbana e a turmas que gravitavam na esfera do rock foram Tesourinha - conjunto de retornos em um
nos diferencia. A cultura, naturalmente, deixou-se marcar os primeiros adolescentes a poder assumir em medo cruzamento em formato de trevo
por isso." Ele lembra que Brasília. como nenhuma outra a identidade da cidade em construção. com todas as suas
cidade bra ileira. concentrou geme vinda de lodo os inquietações e imperfeições." as compo içôes iniciai . Véi - amigo, cara, sujeito
168 I NOVEMBRO, 1009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS I veja I NOVEMBRO. 2009 I 169
NOVIDADE NAS RUAS
Pichação na eJ1rrequadra comercial da
Asa SuL celebra o nascimellw da banda
recém-criada, a AborLO Elélrico
BRASíLIA - 1980
FOTO: J FRA.!\C ..V CORREIO BRAZIUE.' \SE/D.A . PRESS

no fim do ano 70, Renam Russo utilizou a estética e um plugue na tomada de L ondres ou Nova York,
e a sonoridade punk, que tinham acabado de surgir na partiu para a ação debaixo dos blocos, como 'ão chamados
Inglaterra e no. Estados Unido. , para ampli ficar o impacm os edi ffcio re idenciai no Plano PilolO de Lucio Co la.
da letra que escrevia obre a situação política do Brasil Do gramado abeno brasilienses à alas e, fumaçadas
e do que ob ervava no cotidiano da capitar', afirm a M arcelo. do Rio ou de São Pau lo. foi um pulo. ou melhor, um mosh,
"E 'sa mi 'rura em i guais proporções de ingredi entes como O ' punk ' defi nem o salto do músico aos braços
cosmopolilas e nacionai s é bem caracrerí lica da juventude da platei a, num movimento de euforia. mas arriscado.
brasilien e daquela época ." As banda de embarcavam com um poderoso cartão
Para o j orn al i ta, a angú tia re umida nas letra de visita: " orno de Brasília" , como quem dizia " somo
do roquei ro é a tr adução das dores do pan o e do crescimento de M anchester" , o que ign ificava som de qualidade.
da cidade. "Ela. captaram a atmosfera daquele tempo, entre pul ame, novo - e muim barulho. O reconhecimento colou
o fi m do regime militar e a democratização, como se fossem inclusi ve na geração posterior. a de Raimundos. Maskavo
polaroide " , diz. Para Carlo Mar cel o, " Renato foi o e ariruts, já no ano 90.
primeiro a ca mar. com mdas a letras. a angú tia de
morar numa ci dade sufocada. de estar cheio de se semir Faroeste caboclo. Brasflia, de cobriu-se. ti nha carne e os o
vazio", comp leta, numa referênci a a trec ho da letra - e se tinha ambo é porque também tinha alma, embora
da canção Baader-Meinhof Blue , uma das tamas que quase sempre fo se melancólica. "A superquadra nada mais
mi slUravam e lado de espírilo com o de enho urbano. é / do que a solidão di vidida em bloco ", lugar em que
O mundo, naquele el ia do anos 70 e 80, anelava " burocratas de verd ade só fazem amor / em almofadas de
me mo complicado. Para levantar a poeira da inércia bem cari mbo", escreveu o poeta Behr. Outra vezes. além
acomodada na tranquilidade pl anejada das superq uadras, de tri ste, foi raivo a. H avia uma saída. e ela não era
a arte do rock encontrou B ras fli a, ao mesmo tempo em que, o aeropoJ1o, como manda um chavão ai nda hoje
inev itavelmente, estabelecia uma mirada estrábica: um olho insistentemente repetido. " M eu D eus. mas que cidade
nos piloti e no cobogó , outro nas informaçõe que linda!", gritavam e gritam os bra ilien e em coro e com
circul avam mundo afora. Com bai xo. gui tarra. bateri a orgulho no verso de Faroesre Caboclo. a enorme e irônica

170 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLI A 50 ANOS


OITO METROS
DE ALTURA,
DE BRONZE
O lIIon lllnenlO
de Bruno GiOlgi
O andangos,
originalmelUe
chamado de
O Guerreiros.
a primeira
h0111enagem
aos 60000
rrabalhadores
qlle COIlSlrtlíral7l
Brasília

PRAÇA DOS TRÊS


PODERES -C. l96Q
HnY.): \1AKCFLC'iAlrrUI:.R(J rJ
L~STln.iTO MOREIRA SALLES

Etimologia
;

O GENTILICO DO CIDADAO
- Foi natural , nesse caminho, a apropriação do candango para
definir os brasilei ros - majoritariamente do Norte e Nordeste -
que desembarcavam no Planalto Central para inventar uma
DO DISTRITO FEDERAL? cidade de 1957 a 1960. Juscelino Kubitschek, em sua campanha
para transforma r a criação da capital em jornada épica, tratou
de alimentar um outro sentido da palavra . Candango, pa ra JK,
Candango ou bra ilien e, a depender da em entrevista ao Diário Carioca, era o avesso da "triste aparência
origens e da posição geográfica na cidade de um inválido abatido, com que Euclides da Cunha retratou
o sertanejo". E mais: "Vocês não o encontrarão no companheiro
candango, a quem devemos essa cidade".
gentílico de Brasília : candango ou brasiliense? Tudo muito bem, embora , como ressalta o filólogo Antenor

O A primeira expressão tem ar mais antigo e ligeiramente


pejorativo. A segunda, tom moderno com jeito de dinheiro
novo. Candango apareceu pela primeira vez em um dicionário na
Nascentes, "em matéria de linguagem só há um ditador: o uso".
Como ninguém pode decretar este ou aquele gentílico, nem
mesmo JK, o cotidiano tratou de criar um novo - brasiliense - ,
compilação de Cãndido de Figueiredo , em 1899. Era, na origem , menos charmoso , de menor carga histórica, mas naturalmente
o nome que os africanos davam aos portugueses, corru pção da óbvio. Tentou-se, como quase tudo na artificialidade da cidade ,
palavra candongo, da língua quimbundo ou quil ombo. Designava definir a palavra usada para nomear seus cidadãos antes
gente de mau gosto, desprezível e abjeta. Desembarcou no Brasil da construção. "Brasília teve nome antes de ter casas", afirma
com os escravos. Inicialmente indicava os senhores portugueses o pioneiro Ernesto Silva , referência obrigatória quando se trata
dos engenhos de açúcar. Com o tempo, invertido o alvo da de buscar a origem de tudo. Hoje, apenas os mais antigos,
depreciação, passou a nomear o mestiço do índio e do negro, herdeiros dos operários pioneiros, se autointitulam candangos.
sinônimo de cafuzo. Os moradores do Plano Piloto são brasilienses.

ES PECIAL BRASfLlA 50 ANOS I veja I OVEMBRO.2009 I 17 1


Cultura

ASSIM ERA
MAIS FÁCIL
Para Tom e
Vinicills. 1/0
apartamenTO de
cobertura do
poew /lO Rio.
fazer IIllÍsica era
só traduzir O bem
viver à beira-lIlar
RIO DE JANEIRO , c. 1960
FOTO. AR.~OLDO JACODI

canção narrariva da Legião, prestes a e transformar em Entre o concreto e o abstrato. Brasília conrinua a buscar
filme. "E num ônibu entrou no Planalto Central/Ele ficou uma normalidade inexi ·teme. Mas "ainda é cedo", diz
bestificado com a cidade / Sai ndo da rodoviária viu as luze o refrão de Renato Russo. Para a cinquemona Bra flia.
de atai / - Meu Deus. mas que cidade linda." paradoxalmeme adolesceme, há muito a aprender. Ela não
"Ainda não há um modus operandi para lidar com tem os 444 anos do Rio de Janeiro, tampouco os 455
Brasflia. mas ela sempre mostrou disposiçãO de olhar para de São Paul o. A música urbana foi - e continua sendo-
rora", diz o cineasta José Eduardo Belmonte, direLOr de Se uma forma de fugir da flieza da cidade recém-nascida.
Nada Mais D er Cerro, vencedor do Festival do Rio em Há exalOS 25 anos. quando a Legião Urbana lançou
2008. "Esse diálogo existencial com o mundo é uma seu primeiro di sco (Leg ião Urbana). ela também tornou
caracrerí tica bem bra ilien. e." Pauli ta de nasci mento. nacionalmente visível a impossibilidade que o artista
Belmonte pa. ou a adolescência na capital federal. "Meu bra iliense tem de fugir da maquete, me. mo quando há
úlrimo filme foi feito em São Paulo, mas é tão brasiJjense ímpetos de de [fuf-Ia. o encane do velho vinil, a cidade
quanto o outros. Capta um e paço ab traLO. irreal, em que a aparece nos traços do baterista Marcelo Bonfá. Os quatro
cidade aparece de modo difuso, quase apenas um conceito." imegrames da banda ão como gigantes que deixam rastros
para sempre marcados no solo seco do cerrado, no rabisco
Normalidade inexistente. Tal vez eja a mesma Brasília de Lucio Co ta ocupado pelas obras de iemeyer. Eram
da ca nção homônima dos Paralamas do Sucesso, tri o desenho aparentememe ingênuos, mas ajudavam a mostrar
que conrunde sua origem entre o Rio e o Distrito Federal, o que a juventude brasilien e pen ava de i me mo.
porque Herben Vianna e Bi Ribeiro começaram a tocar e sua relação com o traçado urbano. Brasflia ainda não sabia
por lá. Na letra de Herben. tudo é igual e estranho, o que era e tal vez ai nda não aiba - mas é certo que
mas o monumentos, os palácios, a. a enida , os eixo já produziu uma cultura ó dela. saudave lmente crítica
não . ão nomeados. "Quarto. de hotel . ão iguaL / Dia. e nada indulgeme. _
são iguais / Os aviões são iguais." A cidade. na callção.
não exi te. a capital polirica, dar nome é sempre * Sérgio de Sá, jornalista e professor da Univers idade Católica
um risco. Pode com prometer. de Brasflia. é /leto de Bernardo Sayào, pioneiro de Brasília

172 I . OVEMBRO. 2009 I veja I ESPEC IAL BR. SíUA 50 ANOS


História

BRASILIANO, MAS
Joselita, Érica, Antônia, Nita, mãe,
BRASIL Marlene,
filha , mulher, nascida em 1933
nascida nascida
em 1983 em 1973,

Brasiliano,
nascido
em 21 de
abril de 1960
A família do primeiro cidadão nascido no Distrito Federal
conta a história da capital e do país nas últimas cinco décadas
174 1:>IOVEMBRO.2009 1veja 1ESPECIAL BRASÍLI 50 ANOS ESPECIAL BRASfuA 50 ANOS 1veja 1NOVE'413RO.:!009 1175
História

CEcí LIA PINTO COELHO

rasiliano Pereira da Silva, ma


podem chamá-lo de Brasil,
como preferem os amigos.
Brasil nasceu às 20h30 de 21
de abril de 1960 num casebre
na Vila do lapi, o acrônimo
para Instituto de Apo enradorias e Pen-
sões dos Tndu triArios, próximo ao aero-
pono. É o bra~i1iense número 1, homena-
geado por Juscelino Kubitschek. que su-
geriu o nome, testemunhou no batizado e
posou para foto com o bebê no colo. A
mãe começou a semir as contrações
quando seguia para os festejo da inaugu-
ração, no Plano Piloto. ão deu tempo, e
o menino alvoreceu num quarto imples
ao som do foguetório. A família de Brasi-
Liano, para trás e para a frente no tempo
da árvore genealógica, é uma tradução
dos primeiros cinquenta anos da capital e
dos cinquema mais recentes do país.

1933. Em 3 de maio são realizadas


eleições para a Assembleia
Constituinte. Foram eleitos
214 parlamentares, entre eles 3 DE MAIO DE 1933 31 DE JANEIRO bota no mesmo lugar / o retrato
uma única mulher, Carlora Pereira Cariota Pereira de Queirós é ele ira DE 1951 do velhinho faz. a gente trabalhar",
de Queirós, de São Paulo, então a primeira depurada federal do Brasil, a Getúlio Vargas cantava Francisco Alves. Getúlio
com 41 anos. Médica formada IÍllica mulher na Assembleia ConsrÍluillle tOma posse para entrava novamenTe no CaCete como
pela USp, fiz.era fama ao organizar seu segundo "o pai dos pobres", ancorado numa
um mutirão de 700 mulheres período na política populista, de sucessivos
para dar assistência aos feridos 390 quilômetros a noroeste de Salvador. Presidência. dessa aumentos do salário mínimo. Nada
da Revolução Constitucionalista Era a étima filha de um casal de agri- l'e- pelo \'oro que freasse o crescente movimento
de 1932. Carlota foi a primeira cultores. Teve uma vida no avesso do popular migratório do Norte e do Nordeste
deputada federal da história do co mopolüismo da pioneira deputada rumo aos estados mais ao sul. Era um
Brasil. Longe do mercado de Carlota. Aos 24 anos, ira e o marido pedaço do Brasil alheio às intrigas
trabalho, as mulheres pariam, foram atraídos pela aventura de Brasí- que condu::.iriam ao suicídio do
cuidavam das crianças. lia. 'Não me arrependo nem um pou- presidente, em agosto de 1954.
A taxa de fecundidade naquele qUin110. fiz a vida aquj" , diz. '"Conse-
tempo era de 6,2 filhos por guimos nosso pedaço de terra, lá na A família crescia. Divina. prima de
mulher. Hoje é de dois filhos. Bahia ó u'abalhávamo na lavoura do Brasiliano, veio ao mundo em 1956 na
O presidente Getúlio Vargas outros." Chegaram ao cerrado com três cidade de Itaberaí, em Goiás. Ela che-
acabara de regulamentar o trabalho filhos - um menino recém-nascido. 31 DE JANEIRO garia a Brasilia em 1968. levada pelo
feminino - foram estabelecidos uma menina de 3 anos e outra de 6, Jo- DE 1956 pai, policial militar.
o princípio de salário igual para ellta, nascida em 1951. Juscelino
trabalho igual, jornada de oito horas Kubitschek, eleiLO Quando Divina nasceu, em 1956,
e licença-maternidade de dois meses. O ano de 1951 foi o do retorno com 33,8~ dos o Brasil começava a entender que
o papel, bonito. Fora dele, utópico. de Getúlio ao poder, agora pelo voto VOtOS, assume a transferência da capital para
direto, ele que promeTera "volcor a cadeira no Carere o Centro-Oeste era assunto sério.
A baiana ira Pereira da Silva. a mãe nos braços do povo". Vencera as ao lado do rice, Juscelino Kubitschek TOmara posse
de Brasiliano. nasceu em 1933 em Mor- eleições de 1950 com 48,7% dos votos. ) 0(70 Goularr em 31 de janeiro daquele ano. Foi
ro do Chapéu. na Chapada Diamantina. "Bota o retrato do velho OUIra vez, (à dir. ) empossado na marra. O presidente
176 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ES PEC IAL BRASrr.IA 50 AIOS ESPECIAL BRAsrUA 50 ANOS I veja I NOVEMBRO, 1009 I 177
da Câmara, Carlos Luz - que
assumira a Presidência inrerina com
o afastamenro de Café Filho, o vice
de Getúlio -, ensaiava um golpe, de
modo a impedir a chegada de JK ao
Palácio do Catete. Era a UDN em
bloco contra o PSD juscelinisra.
Uma reação do ministro da Guerra,
o general Henrique Teixeira Lott,
assegurou a democracia. JK, ungido
pela aliança PDS-PTB, apoiado
pelos getulistas, teve apenas 33,8%
dos volos no pleiTO de 1955, o
porcentual mais baixo a eleger um
presidenre até então.
Brasflia afra definitivamente das pran-
cheras quando Brasiliano, meninore de
tudo, ganhou sua terceira innã. Lenira.

Era 1965. O Brasil vivia o infcio do


regime milirar. Haveria eleições para
governos do estado em outubro.
Setores mais radicais do ExérciTO e a
UDN protestavam contra
candidaturas de nomes que tinham
participado das administrações de JK
e João GouLarr, depOSTO em 1964. O
alvo principal era Sebastião Paes de
Almeida, em Minas, ex-ministro da
Fazenda de JK, acusado de cometer
abuso do poder econômico. Um texTo
da oposição conTra a candidatura foi
distribuído aosjonwis com o tículo
"O assalto ao trem pagador", numa
referência a Paes de Almeida, a quem v
chamavam de "Tião Medonho ", nome ~::
do autor de um famoso assallO a uma
composição ferroviária. O TSE
acaTOu a solicitação, negando o 27 DE OUTUBRO DE 1965 lia de Lenira. mais velha. do que era vi-
registro para o candidato mineiro. o presidell1e Castello Branco edilll o AI-2. ver em Brasília no tempo de exceção.
Das urnas de ourubro, apesar da que decretava a dissolução dos par/idos Crianças, não entendiam por que o ami-
grita dos quartéis, saíram vilOriosos polÍficos e o fim da. eleições direra s go mais velho , já adolescentes, tinham
candidatos oposicionistas - Negrão de voltar para casa mais cedo." ão ha-
de Lima, na Guanabara: e Israel via roque de reco]Jler. mas não safam de
Pinheiro, em Minas Gerais, o as dependências da Universidade casa depois das 2 1 horas", lembra Leni-
comandante da conSTrução de de Brasília. Era a antessala la. "O policiais ficavam nas ruas e pu-
Brasz1ia. O resultado agitou udenista do endurecimento que resultaria nham as pessoas para denu'o de casa."
e militares. O presidente CasteLLo no A 1-5 de 1968, início do período
Branco edita o AI-2, que decretava a mais fechado da ditadura. Em 1969, quando Marlene
dissolução dos partidos e o fim de nasceu, o Brasil começou a ser
eleições diretas para a Presidência da Marlene Pereira da Silva. o sexto fi- presidido por Emilio Garrasta::.u
República. Antes de o ano terminar, lho de ira, nasceu em 1969. Tem lem- Médici, indicado por uma junta
soldados do Exército tinham invadido branças fugidias, reforçadas pela memó- de militares, Aurélio Lyra Tavares,
178 I NOV EMBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 os
30 DE OUTUBRO DE 1969
Indicado por umajunla de militares.
Emílio Garrastazu Médici inaugura
o milagre econômico e os ano
mais duros do regime militar

graduaL e segura. A oposição


política começa a ganhar espaço.
Nas eleições de 1974, o MDB
conquiSTa 59St- dos votos para
o Senado, 48l7c da Câmara dos
Deputados e ganha a prefeitura
da maioria das grandes cidades.
Em 1978, GeiseL acaba com o AI-5.
Em 1979, dá-se a anistia ampla,
geral e irrestrita.

Érica, a filha mai velha de Brasi lia-


no. nasceu em 1983, em ambiente de
rotal redemocrarização.

Foi o ano do primeiro comício


peLas Direras Já, em São Paulo,
na Praça Charles Miller, diante
do Estádio do Pacaembu. Presentes,
entre outro : Fernando Henrique
Cardoso e Lui:; Inácio Lula da Silva.

A Presidência de ambos pavimenta-


ria o coúdiano mais calmo da infância
do derradeiro personagem a contar a
saga de Bra iliano. Kleyron Guilherme
Pessoa. enteado de Brasil, é de 1996.
Fará 13 anos.

O governo de Fernando Henrique


Cardoso complerava um ano em
1996. O presidente, em entrevista
a VEJA, anunciava as vitórias:
Márcio de Sou:;a Mello e Augusto Os anos de Médici foram duros. "Não dá para chamar de conservador
Rademaker, a quem Ulysses Em 1973, eLe indica o general Ernesto um governo em que o povo está
Guimarães. na ConsTiruinTe de 1988. Geisel, que consTruiria seu governo, comendo melhor e os banqueiros
numa provocação retroativa. a partir de 1974, de modo a deflagrar e tão com dificuldades". A inflação
chamaria de "os crês paceras". um cuidadoso e firme processo de medida pelo IPCA despencara
Em 1969 how'e também o sequestro retorno à democracia. de 916l7c em 31 de dezembro de 1994
do embaixador dos Estados Unidos. para 22St- doze meses depois.
Charles Elbrick, por dois violentos Amônia Cri tina Pessoa, ca ada des- Mas 1996, apesar de algumas
grupos de esquerda, o MR -8 e a de 200.+ com Brasiliano. nasceu naque- boas notícias, foi também o ano
ALN. A Lei de Segurança Nacional. le 1973. Amôn ia chegou aBra ília em da morte de Renato Russo,
decretada como resposta à guerrilha, 1977. O pai, pintor de parede. alTUma- em decorrência da aids. O lfder
previa o exílio e mesmo a pena ra emprego na capim!. da banda Legião Urbana, avo:;
de morte em casos de "guerra das triste:.as e aLegrias de Brasília,
psicológica, ou revolucionária, Eram tempos de discensão. GeiseL é {dolo que ainda hoje marca os
ou subversiva". anuncia a abertura polftica lenta, jovens da capiral, como Kleyron.

ESPECIAL BRASiLL-\ 50 ANOS 1wja l 1\"oVEMBRO. 2009 1179


História

18 DE JUNHO "Comecei a ou-


DE 1973 vir o Legiao há
Ernesto Geisel pouco tempo". diz
brinda sua Kleyton. "A músi-
indicação à ca de que mais
Presidência da gosto é Q.ue Pafs É
República a partir Esse?" E certo que
de 1974 parte das festivida-
des dos 50 ano de
Brasflia, no ano que vem, Lerá como
[rilha as letras do Legião Urbana. ícone
da cultura local. " as favelas, no Se-
nado / Sujeira pra lOdo lado / inguém
respeita a Constituição / Mas todos
acreditam no furtlro da nação." É o que
se ouvirá no sob rado do Pereira da
Silva, no Recanto das Emas. onde vive
Brasiliano, hoje funcionário da Secre-
taria de Desenvolvimento Econôrrúco
e Turismo do Di trilO Federal. "Pre-
lendo comemorar o meu aniversário e
o da cidade lá na Esplanada. no meio
do povo". diz. "Depois é que vamos
para casa." _

27 DE NOVEMBRO DE 1983 Primeiro comício pelas Diretas Já, JULHO DE 1996 Fernando Henrique celebra os
elllfrellte ao Estádio do Pacaembu. em São Paulo bons resultados no segundo aniversário do Real

180 I NOVEM BRO.2(X>9 I veja I ESPECIAL BRASíLIA -o ANOS


Cotidiano

,
o CENARIO INFINITO ,.."

BANIU A MUlTIDAO
o problema é que as ruas sempre sinai de vicia nas cidades-satélites. que não têm parentesco
com Brasília. asceram juntas. mas não ão gêmeas em
terão a cara que tinham ao nascer, nada. São extremos que, por e completarem. até agora
têm convivido sem conflitOs.
sem povo. O Homo brasiliensis, Esses aglomerados urbanos que Lucio Co. ta não
se é que um dia existirá, planejou e Oscar iemeyer não decorou com monumentos
tão belo quanto inabitávei contrastam pedagogicameOle
é personagem em gestação com o e panto futurista da metrópole que rodeiam.
A contemplação do conjunto informa que Brasília não
AUGUSTO NUNES tem povo - como 'e referem os políticos à mas a informe
e anônima de vivellles com pouquíssimas chances de
cidade que na ceu sem habitantes e estava pronLa algum dia perguntarem a alguém se abe com quem e tá
quando foi fundada nunca viu a multidão por falando. Esse são vistos no Plano Piloto durante o dia.
ter e paços demais. Brasflia viu muita gente No começo da noite. terminada a jornada de trabalho,
duas vezes: em agosto de 1976, na partida de voltam para a babei periférica e dormem em casa. Vivem
Ju. celino Kubitschek. e em junho de 1980, em ruas comuns, com nomes comuns e carências comun .
na chegada do papa João Paulo li. quando ada a ver com a vizinha também cinquentona mas
dezenas de milbare de brasileiro e juntaram num proibida de enveUlecer. Bra ília terá sempre a cara que
mesmo pontO do Plano Piloto. Ma muita gente só vira tinha ao nascer. Chegou ao berço com tudo o que não há
multidão quando e acotovela em lugares com limites nos arredore . Só faltava gente morando lá.
definidos, faz o chão desaparecer e ameaça derramm'-se Em 1970. a escritora Clarice LispectOr impressionou-se
pelas bordas das fotografias. Isso BrasOia não sabe o que é. com a supremacia da cidade sobre 'eus habitantes.
Nem aberá. por falta de cenário com fundo. Cenários " Bra í1i a é tão artificial quanto de ia ter sido o mundo
infinito engolem até multidôe chine a . quando foi criado", e creveu numa crônica. Como acontece
Se o co rpo de JK fosse velado na Cinelândia. no Rio. a onze em cada dez vi irantes na primeira viagem.
por exemplo, uma multidão teria protagonizado o que hoje Clmice estranhou a troca de ruas e praças por superquadras,
se chamaria de O Adeus do Trezento Mil. Recortado tesourinha . . eixinhos e eixos. Ficou insone com o . ilêncio
conu'a as imen idões do cerrado. o cortejo em Brasília ensurdecedor, descobriu que a infinirude da pai agem
não pareceu mais impre ioname que qualquer comicio torna a solidão mais aflitiva e, sobretudo. desconcertou-se
estrelado pelo pre idente morto numa cidade de tamanho por não encOlllrar alguém que reproduzis e a cara do lugar.
médio. Se os que recepcionaram o papa na Praça dos Três
Podere fossem dar-lhe boa -vindas no Rio. a multidão
transbordaria da Sapucaí e não caberia no Maracanã.
Ma não existe nada em Brasília parecido com o templo
dos deuses da bola ou com a pas areia do samba.
A capital do País do Futebol não tem campo nem time FUNERAL E MISSA
de futebol. (OS e rádio s onde jogam oBra i l ien e e o Oféretro de Juscelino lU! Esplanada
Gama ficam fora do Plano Piloto.) E a capital do Paí. do dos Millisrérios, em agosto de /976
Carnaval não tem carnaval de rua. (As aparições anuais de (acima). e a \'isira de João Paulo lI,
alguns blocos apenas realçam a inexistência de escolas de em jUllho de 1980: dezellas de milhares
saIllba.) O espone preferido e a fe ta mais popular dão de pessoas el/golidas pelo IlOri:ollle

182 I ~OVEMBRO. ~OO9 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS


Cotidiano

"Q uando o mundo foi criado, foi preciso criar um


homem especialmente para aquele mundo" . lembrou .
.. ó todos somo deformados pela adaptação à
com pouco . Ao contrário dos deputados. dos senadores,
dos mini tros e do presidente da República, não viaja
para longe da capilal nos fins de semana. Frequema com
liberdade de Deu . ão sabemo como eríamo e a siduidade o clube de que é sócio. circula rodo o tempo
tivéssemo ido criados em primeiro lugar: e depois o mundo de carro e camjnha bastante, mas nunca anda à toa.
defonnado às no sas cidades. Brasflia ainda não tem o homem Sair por af exige a rua e as esqui nas que não há.
de BrasOia." Inaugurada dez anos antes. a cidade de crita por Porque não existem cruzamentos, os brasilienses se
Clarice era a reprodução miniaturizada do mosaico brasileiro, cruzam nos restaurantes e no bares. Que nunca ficam
formado por migrantes que tinham acabado de chegar. na e quina. Que nunca fez falta ao Homo brasiliensis,
Dez anos depoi s da fundação, os cearen. e continuavam juram todos os nativo do lugar.
cearenses, os gaúchos continuavam gaúchos, todas as peça Tampouco lhes fazem falta ruas e praças semelhantes
escancaravam na estampa e no sotaque o local de fabricação. às do resto do país. Basta a Praça dos Três Poderes e sua
A identidade não sofrera mudanças por falLa de tempo e. exu'aordinária poli valência. que lhe permite hospedar
obretudo, de referência: como obra ilien e nasceu depois da manifestantes que cobram por hora ou circos cuja única
cidade, os que chegaram não dispunham de um modelo a copiar. atração é a chance de zombar do Congresso. Não há
Quando a crônica foi publicada, a primeira geração de nativo ca a com quintal antigo e numeração convencional
nem atingira os 10 anos de idade. O homem de Brasflia não nem outro sinal de parentesco arquitetônico com a~
existia. Pode ainda estar em gestação. demais ci dades brasileiras. O nasci dos e criados em
Talvez eja um quarentão de classe média. diplomou-se Brasilia não veem nada de errado nas singularidades
pela UnB. é funcionário público. combina ternos cinza ou e inovaçôe com a quai convivem desde o berço.
azul-e curo com gravatas de de enho sóbrio. mora em Da me ma fonna que um inglês recém-chegado ao
apanamento, conhece meio mundo mas convive estreitamente comineme considera pura esqui itice trafegar pela

PÃO E CIRCO Na perspecTiva daforo,


de 1985, o circo subSTiTui a ctipula
do Sellado. Ulysses Guimarães.
presidenTe da Câmara, lança l/111 alerTa
COllrra " a campanha de calúnias e
difamação contra o Congresso Nacional "

BRASÍLIA -5191 1985


FOTO CI\RLOS \fEi\,,,1)ROnOR'\AL DE BR \sfLlo\

180l I NOVEM BRO, 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 A


mão direita. ao olhos do brasiliense o que parece
espanto o é a exi tência de rua ' batizadas como se fossem
pes oa , que mudam de idemidade sem mudar de rumo.
ão compreendem por que tantos bra ileiros passam pane
da vida imobilizado em congestionamento de trân ito,
embora isso também já ocorra na capital federal.
Fora teiros e perdem regularmente na selva de prédios
indi timos. con oante mi reriosas e palavras que. em
brasiliê . têm oUU'O entido. "VOU até a pequena zona de
comércio de uma superquadra para comprar cigarro e na volta
me perco numa Ooresta de edifícios absolutamente iguais
uns aos outros"", e creveu o cronista Fernando Sabino. mineiro
e ipanemense hononilio." ão hei de conseguir achar nunca
mais o apanamento de meu amigo onde e tou hospedado. FORÇAS OCULTAS "Renunciei para ficar longe
SQS - 307 - Bloco F - AplO. 502, leio na minha caderneta." daquele lugar maldiTO ". disse Jtlnio Quadros
[Iara definir seu desagrado pouco ames de ir embora
"VÓ! Olha lá o Jornal Nacional!" o livro ainda inédito BRASíLIA - 25 181 1961 I aro. ARO~I\O OUX'II E.DrrORES
Brasília e Eu - Uma Reportagem, Maria EIi a Costa, filha
de Lucio Costa. comprova a reciprocidade da estranheza Trê Podere . a Esplanada do Mini térios. são dezenas
com exemplos ligeiro e divenido. um dele '. a nera de os canões-po tais inalizadores. Mas há sobretudo o
3 anos que levou para conhecer Bra nia descobriu que já tinha Eixo Monumenral. que e tá para Brasília como o
vi<;to em algum lugar a paisagem formada pela Esplanada Viaduto do Chá está para São Paulo.
dos Minisrérios, com o prédio do Congresso ao fundo: Seria temerário evocar o paralelo peno de inimigos
"VÓ! Olha lá o Jornal Nacional! ", exclamou a carioquinha. juramentado da capiral- o presidente Jãnio Quadros. por
Que não reconheceu no restante da incur ão nada parecido ex.emplo. "Renunciei para ficar longe daquele lugar maldito".
com o que já viu. Em outro episódio, uma sobrinha de exagerou na resposta ao neto Jânio John, também interessado
8 anos hospedada no apanamento de coberrura em frente em descobriJ as razões reai da de erção. O instável
à Praia de Ipanema oillou do terraço para a Avenida Delfim presidente repetia que "Brasilia não tem gente". Sempre teve.
Moreira e quis aber da lia: "Como é o nome desse eixo?". Foi por causa de geme inimiga, aliás. que Jânio decidiu
Ouu'a menina ficou intrigada ao de cobrir que as ruas sair para voltar com poderes superlarivos. O que não tem
do Rio têm nome e sobrenome. "Como é que a gente é mulridão - e sem mui ri dão à vista não havia Jânio.
pode saber onde é que ficaT , perguntou a Maria Elisa. "Se eu ficar cinco minuros batendo lata no Viaduto do Chá.
"Em Brasília a gente sabe." A filha de Lucio Costa conta junto mais de 5000 pessoas". gabava-oe o grande palanqueiro.
que as marcas de nascença que assustaram Fernando Sabino unca se arriscou a esrrelar um conúcio em Bras(Jja.
foram concebidas "para impedir que a nova capiral, mesmo Jãnio pa ou sete meses queixando-se da ausência de
em seu primórdio. tive se qualquer conotação de cidade plateias que O políticos federai preferem ver pela costa .
do interior". A imaginação do pai urbanista acabou tornando A capital dos escândalos nunca viu um vigoroso prOlesro
a criarura muiro diferente também de qualquer capital. dos escandalizados. De terça a sexta-feira. tanto os
"A superquadras. com seus blocos de 'eis andares. os pilotis delinquentes da semana como o . vererano' pecadores
abertos. a entrada única para os carros, cercadas por uma circulam em perigo pelos mesmos re taurames.
faixa arborizada em lodo o perímetro. imroduziram um novo O parlamentare abem mais do que dizem, o jornalista
modo de convívio urbano". diz Maria Elisa na aberrura do abem mai do que publicam. o brasilienses sabem mai
capítulo "206-Sul"'. Fernando Sabino chamaria um tradutor do que comentam. elson Rodrigue . achava que,
ao ler e se tflulo. Qualquer brasilien e adivinha o que lerá. se todo ' conhece 'em a vida exual de todos, ninguém
Te temunha privilegiada da ge ração apaixonante, a cumprimentaria ninguém. Os que frequentam a Praça dos
carioca Maria Elisa pertence a uma espécie rara: o anfíbio Trê Poderes conhecem o que se passa nas alcovas alheia
que e sente à vontade e feliz em amba as cidades. A tribo e o que e passa além dela . Todo e cumprimentam,
parece à beira da extinção se confrontada com a composta O nativos rechaçam com veemência o codinome Ilha
de nativos que defendem Bras fi ia apaixonadamente ou com da Fantasia. O complemento ralvez seja incon'eto: os pais
a formada por forasteiJos que perdem o humor e o eixo da párria que andam fazendo coisas que parecem ficção
quando topam com o Eixo Monumental. um Planalto sabem o que fazem , e sabem também que os homen
Cemral ainda de erro e desprovido de âncora naturai de bem abem dis o. Ma a oma de coisas que ó
como o Corcovado ou o Pão de Açúcar, conta Maria Elisa, existem em BrasOia confirma que o Plano Piloto é uma
a arqui tetura reve de inventar referências. Há a Praça dos ilha. sim. Cercada de outro Brasil por todos os lados. _
ESPECIAL BR SíUA 50 ANOS 1veja 1NOVEMBRO. 2009 1185
Frases
~~-----------------------------------------------------------------~~-------------------------------------------------------------------

",."

VOZES DE OPOSI AO
Uma seleção de ataques de quem achava que nada daria certo
A no a capital ó fica pronta no prazo Enquanto i o, Brasília Brasília jamais terá
fi xado e a Novacap e transformar é o orvedouro da renda energia elétrica
em fada madrinha de história da nacional , uor e angue
carochinha e, em vez de viga de aço de um povo empobrecido ou telefonia. Nunca
vinda da América do Norte, a pe o de para que re plenda e e reinado se comunicará com
ouro, utilizar uma varinha de condão. da encarnação republicana o restante do país.
Editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, em dezembro de 1958
de Luí XIV. GUSTAVO CORÇÃO, pensador católico e
A Belém- TENÓRlO CAVALCANll, no jornal na época especialista em telecomunica-
Brasília é Luta Democrática, em agosto de 1958 ções, em O Globo, em julhO de 1959
a estrada das Deu me livre!
onças. Liga JURACY MAGALHÃES, governador da Bahia . explicando
o nada a lugar por que recusara convite de JK para ir a BrasOia , em Brasília será a maior ruína da história
fevereiro de 1959, no Jornal do Brasil
nenhum. contemporânea. A diferença das outras
é que nunca será habitada por ninguém,
Para o enhor Kubit chek, o problema já que não ficará pronta.
em 1961 do governo é trocar de ede. Não muda CARLOS LACERDA, líder da UDN, em 1957
o mini tério, ma quer mudar a capital,
onde não exi tirão mai problema ,
nem sequer os municipai das rua Vário tre loucado que e apre entaram
Éum esburacadas, poi não exi tem ruas. voluntariamente para trabalhar de pioneiro
de atino! CORREIO DA MANHÃ, outubro de 1956
em Brasília e tão amargamente arrependidos
ADAUTO LÚCIO CARDOSO,
depoi que souberam da dimen ões de alguns
da UDN carioca , depois de apartamento re ervado a funcionário .
visitar as obras da capital. São a biboca JK: janela e kitchenene.
em maio de 1959
Flagrantes, do CORREIO DA MANHÃ. em outubro de 1959

Autonomia
do Rio não virá o presidente Juscelino Kubitschek,
porque Brasília encantado com seu novo brinquedo, já
só servirá para não vê mais a decomposição da atual
veraneio. capital da República e para a futura
Monsenhor OLíMPIO DE metrópole desvia verbas e leva, de
MElO, ex-prefeito do Rio,
crítico da correria de JK, em
avião, material de construção.
março de 1959 SANDRA CAVALCANTI . vereadora da UDN, em abril de 1957

t 6 I :"'OVE\1BRO. :!009 I veja I ES PECIA.L BR SII.IA 50 "'NOS


Economia
2606885·
I 12564
64273
Habitantes 1 (ensino médIo)

ONTEM, E HOJE, I SA' OE


Número
EDUCAÇÃO
AnaHabetismo Número Número de Número
645

,
de alunos professores de escolas
EM NUMEROS de leitos
hospitalares

1960
No Distrito FederaL
1960 2008

Cinquenta anos de mudanças 2-500-'- 66


no Distrito Federal 33% 8%

140164 • EstimallVa
.__ e no Brasil
1960

t
2008
,
-
Habitantes
POPULAçÃO 47% 10% 1960 2008 1960 2009 1960 2009
(Distrito Federal)
11 1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII1IIIIIIJllllllltl11111111111111111IUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIJlllllltllllllllllllllllt1111111111111111111111111111111
1960 2009
ECONOMIA
3,8% 37 600 reais
Densidade habitacional Gênero Valia a pena trabalhar Porcentagem PIS per capita
na construção da capital do PIS brasileiro
24 habitantes por km2 422 habitantes por km2 1960
em 1960
..................
......... ...... .. . 38% 62%
(Distrito Federal)
..................
.................. mulheres homens
Brasnia

.. ....... ...... .... ..


••••••••••••••• • • li:

............•..
.................. 6]010 tinham
• • • • • • • • li: • • • • • • • • • •
. , rendimentos reais
..................
.. ............. .. .
• • • • • • • • 11: • • • • • • • • • •

..................
• • • • • • • • • • • • • 11: • • • •

2009 a declarar
..................
...............
..................... 52% 48% Brasil
......... ...... .. . mulheres homens
42%tinham
'Valores
atualizados
em reais
1960 2007 , rendimentos 1960 2006
a declarar
Taxa de
1960 ~ 22,9% 18,4% 31,8% crescimento
Faixa etária 15,5% 7,4% 2,9% 0,8% 0,3%
De 1961 a 2000

2008 . 15,
0-9
anos

POLinCA ESOCIEDADE
1
10-19
anos
19
20-29
anos
16,
30-39
anos

Salas de cinema
138%
40-49
anos

Número de ônibus
50-59
anos

Saneamento
4
60-69 70 anos
anos ou mais

Energia Rádio Geladeira


1960

Fogão a gás
2006

Voos
Criminalidade
Disbito Federal - 4,8%

Brasil
I1I1IIII1II1111111111111111111111111I11111111111111111I1I1111I11I1111111111111111111111111111111111111111111111I111111I11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 11111111111111111111111111111111111111111111111111111111I11I111111111111111111111111111111111111111111111I111111I11I1111111111111111111111111I11111111111111111111111111111111I11111111111111111111I1111111111111111111111111I11111111111111111I1111111111111111111111

Congresso Nacional Em 1960-..


Desordem e embriaguez ___ ._____ .___ 36%
Número de •••• : ..... 1960 1959 1960 1960 1960 1960 1960 1959
':a : ••: ••
deputados e ~••••
senadores,
1960 •• 389
.4i. .. .• +._ •
3
2009
24
2009
29,5%das casas com
saneamento básico
34,6%das casas
com ha elétrica
31% das casas
2008
13,6%das casas
2008
30% das casas
2008
Pousos e
decolagens
Agressoes
- __ ._ .. __ .__ ._____ ... ___ ._____ ._____ .. __ 16o/to
Furtos e roubos _.___ .___ ._._. ___ .___ .. ____ ._ 16%
Na Guanabara Na Guanabara 13 479 por ano Porte de armas ___ .. __ .. _______ .._. __ .. _. __ .. ___ 6%

........•••
:.. ......
8166
93,4% das c~sas ~
2009 , quando . . . . . . ... 79 89,2%das casas 98,1%das casas 99%das casas
76,]010 das casas com u.e 2009
não fa lta m ~. . . . . . . ... saneamento básico com ha elebiC3 2009
Roubos diversos _____ .__ ._._ 46,5%
às sessões .~.+ ~~
\ 2008
141000 por mês Furtos em residências --- 15,5%
••• 594 ••• Furtos de veículos .---.----.---- 15%
••• • •• Fontes: Censo Experimentai do D/Sinto Federal (1959); censos demográficos do IBGE: Pnad-2007; Codeplan: Novacap; MEC; Secretana de Segurança Pública (DF) e Caesb (DF)
Furtos em comércio __ ... __ 8%

18 I :-IO\'g1BRO, 2009 I veja I ESPECIAL BR,,\ SIUA 50 ANOS


Veia.com

NAINTERNET
• LUCIO COSTA
c-------------------------~
ÁUDIO. Trechos do
depoimeJUo de Lucio
Co ta ao Programa de
História Oral do Arquivo
Público do Distrito
Federal. gravado em
3 I de maio de 1988.
no Rio de Janeiro.

TEXTO. Leia na íntegra


o relatório do urbanista
que venceu o concurso
para a construção
de BrasOia. em 1957.

o urbanista na bagunça de seu escritório, em 1993, no Rio , e detalhe do projeto


Concebi uma capilal, [(ma cidade, com caraclerfsricas de capital, lima escala de capital. De modo que
quando um car ioca ou um paulista fosse lá, mesmo no infcio, não se senrisse Iluma cidade de província .

• CONSTRUÇÃO PASSEIO
IMAGENS. Ensaio
AÉREO
fotOgráfico mostra SATÉLITE
os edifícios de Brasnia Os principai s
em andaimes e monumentos
como ficaram hoje, e edifícios de
a partir do mesmo Brasília vi tos
pontO de vi sta . do alto. pelo
Google Eanh.

Congresso:
o Supremo Tribunal a estética de
Federal em Niemeyer em
1960 e 2009 outro ângulo

• O MÁGICO ANO DE 1960


LINHA DO TEMPO. ão foi um
A Doce Vida,
ano qualquer o da inauguração
de Fellini,
da capital de Juscelino leva a Palma
Kubitschek. Acompanhe uma de Ouro
cronologia dos destaques de de Cannes
doze meses de um tempo rico em maio
no Brasil e no exretior. de 1960

190 I NOVEMBRO. 2009 I veja I ESPECLA.L

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