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Indice
~~~
Brasília50 ANOS
Primórdios Inauguração
o primeiro dia da capital BRASíLIA - c . 1962 r-QTO. MI\RCEL G., urnEROT I INSTITL"TO MOREIRA SAlLES
As imagens que marcaram o
início de tudo no meio do nada 20 recém-nascida começou 132
na véspera
Ideia Fotografia
Tirar o país do litoral A memória visual daquele tempo
rumo ao interior era tese que 36 é resultado da iniciativa 144
nascera um século antes de gente obcecada
Política Realidade
Juscelino Kubitschek
quis sair do Rio de Janeiro
o dia seguinte começou
com fe ri ado e revoada
porque tinha medo 42 de deputados e senadores ... 146
de ser deposto
Personagem Patrimônio
Oscar Niemeyer ainda o tombamento trai a ideia
se assombra quando recorda original de um lugar inovador 148
a aventura quase impossível . . 50 e experimental
Inovação Moda
Joaquim Cardozo, o calculista o país de 1960
nasceu junto com a fama
dos edifícios improváveis, 58 de Dener, o estilista
morreu triste e só
das primeiras-damas . 156
Arquitetura
Um pequeno guia para entender Design
a importância dos prédios 62 O sumiço dos móveis
de Niemeyer que ornamentavam
os palácios modernistas .164
Depoimento exclusivo
o arquiteto Tadao Ando diz que Cultura
Brasnia transcende os limites 70 A Legiâo Urbana de Renato Russo
é a cara da saudável ironia 166
impostos por Le Corbusier
da juventude brasiliense .
Projeto
O relató rio de Lucio Costa História
é um dos documentos decisivos A famnia do primeiro cidadão
da história brasileira 72 conta a trajetória de
quase um século do Brasil. 174
Urbanismo
Os traçados derrotados Cotidiano
no concurso revelam como o Homo brasiliensis,
poderia ter sido a cidade ... 85 se é que um dia existirá,
é figura ainda em gestação . 182
Perfis
o relato emocionado Frases
dos pioneiros que estiveram 94 As diatribes de quem
ao lado de JK desde o início . apostou no fracasso
Engenharia
do 21 de abril de 1960 186
o épico feito de erguer Economia
uma metrópole em menos Infográfico mostra o crescimento
de quatro anos . . ... .. ... 102 do Distrito Federal 188 CRIADORES pÁG.72
em cinco décadas. Juscelino e Lucio Co.wa, e111 U111 dos marcos iniciais
Finanças da cidade que o urbanista começou a illvellfar
Com Brasília, Juscelino Internet
inaugurou a era do descontrole 120 Depoimentos, filmes, fotos l1a cabine de um I/avio lransallálllico
inflacionário ... e documentos ........ .... 190 PLANALTO CENTRAL - 1957 FOTO JIoAN \1A .~ ZON
inauguração de Brasília. em 21 de abril de 1960. sabe. for coisa do passado . A revista que você tem em
GOYe Z.
Lirnil ' ,;; - .\ IJ . f' " I': , 0 :'J ar.ml l C,, : ,l L, II P iallll:, B ahi a :'Iin. ~ Gf'rflf' :
:.\lina o.; (l I' ,lt' r .\l nft lJ ,1'1 :-,~o; e a , .linda .\l a U ero ', o P,lrá,
~u rrfidr - 7:íO.OOO kil ol1 lol ro, 'lll,H] r a,ln:-;,
PoplIl eân - :;1 1. ~IOO II ti .jIHn l f'~,
C, pilal - J O~'az, rom 21.2(\0 il,l il 'll1l ,',
,irlatlr' - O E ~ l. olv IJ ,'"" lI ~' 'jdad e,', .\ · p rin ip.
\'i:;fa Porlrl B mfim,
,\!!'['i IIHura - 1': , tfl mLu 1 a nnn a d j
.' ......
NO CENTRO DO PAÍS O espaço deslil1ado aofulI/lv DislrilO Federal, definido em J893, aparece no Pequeno Alias
do Brasil, de 1922, O pomo demarcado era cOllllecido como Qlladrilálero em/s, referência à missc70 exp/oralória
18 I . OVEMBRO, 2009 I veja I ESPEC IAL BRASílIA 50 ANOS ESPECIAL BRASíLIA 50 A.'lOS I veja I NOVEMBRO, 2009 I 19
Primórdios
A PRIMEIRA VEZ
NO CERRADO
os PÉS NA IMENSIDÃO
Às 7h45 de 2 de oll/ubro de 1956 o DC-J
da Força Aérea Brasileira decolou
do AeroporTO Samos DUlI/onT a cC/minho
do ponto onde seria erguida Brasília. A
pi Ta de 2000 metros para pouso tinha sido
construída na véspera. Depois de descobrir
" a l'astidão descollcerrante do l'a:io ",
Juscelino Kubitschek escreveu no Livro
de Ouro: "Deste P/analto Cel1lral. desta
solidão que em brel'e se transformará em
cérebro das alras decisões nacionais. lanço
os olllos mai lima l'e: sobre o amanhã
do mell país e anrevejo esta alvorada
com fé inquebrallTável e uma confiança
sem limites /10 seu grallde destino ".
PLA ALTOCENTRAI..-21 101 1956
K1fO Jl:.A '\ MA '\'.1.0'\
~~~I
. il
anteriores ao tempo do concurso
de Brasília promovido por JK
· I,
~ ~
1927, AUTOR
DESCONHECIDO
Documel1lo 1930, THEODORO
encontrado /10 FIGUEIRA DE
1955, VERA CRUZ
Car/ório de Regislro ALMEIDA
de Imól'eis de (/ definição do marechal José Pessoa.
O hiSToriador usa pela
Plmwllilla a capiTaI- de Traços semelhantes
primeira ve::: o Ilome
aos de Lucio COSTa - rem o nome inspirado
Brasília na cOllcepçc7o
na alcunha original do Bras il
da cidade
,
POR UEJK CON U BRASILIA?
Sapo pula por precisão, não por boniteza,
ensinou Guimarães Rosa. Juscelino precisava
ficar longe do Rio, sob o risco - e com receio
- de ser deposto antes do fim do mandato
RONALDO COSTA COUTO * os motores são desligados. A porta se
abre, um passageiro elegante, ri onho,
atar, no senão goiano. 12000 ágil e inquieto, pouco mais de 50 anos.
habilantes. 4 de abril de 1955, muito bem ve tido. acena enrusiasmado
10 da manbã. O bimotor Dou- para a pequena multidão que o espera. É
gla DC-3 PP-ANY fura a nu- Ju celino Kubitschek de Oliveira, go-
ven negra, circula a cidadezi- vernador de Minas até cinco dias antes,
nha, embica exaro para a pista de que chega para seu primeiro comício de
terra batida. desliza macio. perseguido candidato da coligação PSD-PTB à Pre-
por lio de poeira. Para, manobra, laxia. sidência da República.
A LARGADA Alllollio Soares NelO (no de taque) milll/lOs ames de por Juscelino comra a parede. 110 primeiro comEcio de campanha
A JATO
Carism(Ílico e afeiro
ao lIlarkelillg
político ames de
a exp ressc70 exisl ir,
JKfa: U/II 1'00
supersônico
Juca Ludovico iria ao limite do po ível JK disse várias vezes à filha Márcia Palácio do Catete era vuln eráve l. O
pela causa. o fim de 1954, cinco me- Ku bitschek que cons iderava o Bras il presidente fi cava ex posto, acuado. o
e. ames da ida a Jataí, já em pré-cam- praticameme ingovern ável do Rio. discur o de ca mpanh a de Belém do
panha, JK visÍ[ou Goiás. Ficou lá quase Que se ficasse lá e aderisse à rotina Pará, JK desabafou: " ão é pos fvel
uma emana, a sunrando, falando de in- pre idencial aca baria deposto. Teria que cinquenta cidadãos na capital da
[eliori zação, integração nacional, capi- de presidir co m um pé no Ri o e omro República estejam a inquietar e a amea-
[ai no Planalto. no Pl analto - os mes mos pés co m çar 50 milhõe de bras il eiros".
O sapo pula não é por boniteza, po- meias, em cima da mesa, qu e ex ibiri a Vivera de peno a cri se qu e leva ra
rém por precisão. Fazer nova capital já cassado, pouco antes de morrer. ao sui cídi o de Getúlio Vargas. em
não era só paixão política, visão geo- agos to do ano anteri or. Acompanhara
política estratégica ou meta-sfnrese do Bravata. A segunda metade dos anos a lma fi nal, era seu candidato a presi-
fmuro programa de desenvo lvimento. 50 era um ambi ente político-militar de nte. Sabia que, no Rio, qualquer
Bras íl ia emrou para a hi stória dos tem- emoldurado pela Guerra Fria, min ado di scur o políti co mai contundenre
pos de JK como a meta da. meta., a de pelo assa nh amento imervencioni sta prod uzia perturbações. Bastava uma
nú mero 3 1, acrescentada de última de lideranças militares. Pesado. amea- declaração des temperada ou mesmo
hora, o ápice do presidenre que queria çador, envenenado pela luta qu ase uma bravata de algum general ou al-
fazer cinquenta anos em cinco. corpo a corpo pelo poder. O própri o mirame ou brigadei ro para tra umati -
44 I NOVEMB RO, 2009 I veja I ESPECIAL BRAS ÍLI A 50 ANOS
Política
zar e in [abilizar o governo . Alé mani - da. Por que, emão, o aremo Juscelino NA VELHA CAPITAL
fe [ações de rua de esrudantes contra deixou nas memórias que a cidade nas- No Rio de Jalleiro.
o preço de comida e pa sagens de ceu de um aparre político. aquela per- dejinilil'ame/lle IO/lge do podeI;
bonde punham a Presidência da Repú - gunta de Toniquinho? Ninguém sabe. lirm'a os saparo po rqlle linha
blica em xeque. Clima intolerável. O Sua delicadeza e o imere se . mi [érios um problema nos dedões.
Rio respira a agitação e golpi mo. e manhas eleirorais do PSD mineiro [e- que doíam com j requêllcia
Era imperioso mudar. Fazer a nova ca- rão rido pe o deci ivo? RIO DE JANEIRO- \97 \
piral aceleradamente, governar de lá Ou erá que a explicação e [á é num t-OTIl 1)<\\<10 OR,..," " ' (;(j
o passado
o PRESENTE de arquiteto
tombado sempre
incomodou
CONTíNUO Niemeyer,
mais interessado
nos trabalhos
DE OSCA
que faria do que
naqueles
já construídos
SÉRGIO RODRIGUES partidária que ernpre marcou sua car- infcio do anos 40, o curvilíneo conjun-
reira. "O problema era erguer uma cida- lO da Pampulha por encomenda de Ju -
Dias ames de ser imernado de em menos de cinco anos. então a mi- celino Kubitschek, então prefeito de
no Hospiral Samaritano, no Rio, nha parte era fazer uma arquitetura mais Belo Horizonte. Niemeyer sempre en-
no fim de serembro, para a relirada imples, mai ' fácil". lembra. sob o olhar fatizou - e volLa a enfatizar agora, por
da ves[cula e de um tumor no cólon, de um Dom QuixOle de ucaLa, Uma via das dúvidas - que na capilal minei-
o arquileLO de Brasília recebeu VEJA sombra de sorriso maroto passa por seu ra foi plantada a emente da nova capi-
para dar sua Fersão do /lascimemo rosto vincado. "Mas não fiz nada di o. tal federal. O futuro presidente desen-
da cidade arrificial. Por exempl o: as colunas do Alvorada volvimelllista encomrara seu arquiteto.
podiam ser mais fáceis de con. rruir, sem E seu arquiteto encontrara um estilo -
scar iemeyer, o homem aquelas curvas. Mas foram ela que o para sempre,
que ensinou o concreto ar- mundo inteiro copiou." O busto de Lenin sob uma das prate-
mado a voar, compleLará Espamo é uma palavra-chave no di - leira arqueada de livro que forram as
102 anos no próximo dia 15 curso de Oscar, como o chamam ami- paredes não é o único sinal de desafio
de dezembro, mas ainda é gos e colaboradores. Resume o efeito ao tempo no ar do e crirório, que ie-
capaz de se assombrar de beleza inesperada que toela boa ar- meyer comi nua perfumando com a fu-
quando recorda a avemura quase impos- quitetura deve provocar. segundo a car- maça de ua cigarril ha. "Uma coisa que
sível da consrrução de Brasília. "Fico tilha que ele conserva inalterada desde eu noto quando olho para trás é que.
e pamado". diz a VEJA. corpo miúdo a juventude. A ideia é que " 0 ujeito quando comecei Brasília, eu pensava
engol ido pela cadeira na sala dos fundos pare e se espante", No caso de Bra. í1ia. exatamente igual a hoje" , diz. a voz bai-
de seu escritório volrado para o mar de diz, "a arquitetura de fantasia valeu a xa - mas ainda clara - , cheia de cur-
Copacabana. onde, devido à dor em uma pena porque tomou a cidade mais co- vas e chiados cariocas. Essa resistência
vénebra fissurada. já não tem podido nhecida". mas a mesma ceneza jél esta- ele concreto elas ieleias que o moldaram
aparecer para trabalhar com a disciplina va em sua cabeça quando projetou. no explica muita coisa, desde a coerência
de sua obra ao longo de tantas décadas esse ponto de vista, entende-se Antes do choque de realidade, contu-
até o fato de que. entrevistado hoje. ele
continua produzindo respostas - às ve-
ze com as mesmas palavras - que já
e tavam em seu livro Minha Experiên-
cia em Brasília, lançado em 1961. Lá,
D que Brasília esteja "tão longe".
como ele diz ao jusrificar uma
de suas muita lacuna de me-
mória obre os ano de 1956 a 1960.
É po sível que a distância eja uma
do, houve tempo de e crever um épico.
"Era aquele sol. a terra vazia e cheia de
poeira. Tínhamos de tomar banho de
marthã e à noite. Era uma coisa radical",
recorda. Coube ao arquiteto escolher-
como aqui. se enconrram expressões- metáfora daquela, geográfica, que ou algum verbo semelhanre que inclua
chave como "liberdade plástica", as qua e o fez desistir da encomenda de uma dose de aleatório, como seria de
curvas feminina como in piração. ima- JK ao pi ar pela primeira vez na deso- e perar em terreno quase desprovido de
gens poéticas sobre "palácios suspen- laçi'íO poeirenta do Planalto Cenrral. marcos e acidentes - o local onde seria
sos, leves e brancos, nas noites sem fim esse ca o, porém. (rata-se de uma fincado o Palácio da Alvorada. antes de
do Planalto". distância medida no tempo e não no existir o Plano PilolO. "com capim a no
Envelhecimento físico à pane, o ho- espaço. Na ' palavras de Niemeyer. os bater no joelho ". Os projetos saíam
mem mudou pouco. Tanto nas convic- cinquenta anos da capital do país ora de sua prancheta diretamente para a
ções políticas - cominua fiel ao co- se espicham em "oitema". ora sofrem mesa do calculista, Joaquim Cardozo. e
munismo e admirador do ditador 0- um abatimento para virar "quarenta. o próprio original eguia então para a
viético Josef Stalin, que diz ter sido ei lá". Ni'ío e trata de falta de luci - obra. "Não havia programas", diz ie-
"demonizado pela mídia" - quanto na dez. mas de desapego a detalhes. Da meyer, referindo-oe à falta de infornla-
capacidade de e enrusiasmar com o experiência de Brasília ele preservou, ções minimamente precisas obre as
trabalho. É diffciJ mantê-lo intere sado como repetiu em cenrenas de emre- con truções que lhe cabia projetar. a
por muito tempo na conversa sobre vi tas, o prazer da convivência com os companhia de Israel Pinheiro, pre iden-
uma cidade construída há meio século, amigos que levou consigo - "nem to- te da ovacap. visitava pessoalmente as
me mo sendo a cidade um caso prova- dos arquitelOs, alguns só para a gente instalaçõe governamentais no Rio de
velmente único na história de tela em poder conversar e esquecer a arquile- Janeiro para comar salas. medir espaços
branco enrregue ao gênio de um arqui- lLlra" - e os animados saraus promo- - e depoi multiplicar tudo por dois ou
teto. iemeyer vibra mais ao falar dos vidos por JK ao som do violão de Di- rrês. O que ainda eria pouco. "0 Palá-
prédio oficiais que o governador mi- lermando Reis. Mas guardou obretu- cio do Planalto foi feito para 150 pe -
neiro Aécio Neves lhe encomendou, do a sensação de ter vivido uma utopia soas. Tem 600", diz. O clima de impro-
do tearro que está sendo erguido neste igualitária, morando nas me. ma. ca- viso não exclufa que tões financeira ..
momemo na cidade argemina de Rosa- a geminadas dos operários e comen- iemeyer concebeu rudo o que Brasília
rio ou da praça "fantástica, monumen- do ao lado deles no me mo re tauran- tem de monumental recebendo um salá-
tal"' que projetou para o governo do te, "como uma grande família, sem rio de funcionário público. ma . quando
Cazaquistão. ão é por acaso que, preconceilOs nem desigualdades". faltou dinheiro para construir o chama-
apó uma união de 76 anos com Anni- Pronta a cidade, registrou em Minha do Catetinho. a residência de madeira
ta. que morreu em 2004, ele se casou Experiêllcia... sua decepçãO com o que abrigmia o pre 'idente da República
novamente há três anos com Vera Lú- fim do sonho: "Agora lLldo mudou, e durante a obras, o próprio arquiteto e
cia Cabreira, 62 anos. sua secretária sentimos que a vaidade e o egoí mo ourros amigos de JK levantaram em-
de de 1992. Seu tempo de vida se dila- aqui estão presentes e que nós mes- préstimo num banco.
ta para abarcar uma filha, quatro netos, mos estamos voltando. pouco a pou- "Foi um período que me afa rou de
treze bisnetos e cinco trinetos. ma. pa- co. aos hábitos e preconceitos da bur- muita coi a". lembra. Seu pai , tam-
rece um pre eme sem fim. guesia que tanto detestamos". bém cbamado Oscar. morreu quando>
AVESSO A MUDANÇAS
..... : .. "Uma coisa que 11010 quando olho para
Irás é que, quando comecei Brasília.
ti , - ,
I
eu pensava exawmellle igual a hoje". di:
RIO DE J ANElRO - 2009
FOTO I',\U .O \ nAI.!
MAQum
O arquiTelO /lO
escriTório da
ovacap ,'islumbra
a cidade que
começa a nascer
BRASíLIA - c. 1957/ 1960
r-aro: ARQUIVO PUBLICO
00 DISTRitO A:UhRAI
5~ I NOVEMBRO. 1009 I 'IIeja I ESPECIAL BRASIUA 50 A OS ESPECIAL BRASÍLIA 50 Al'lOS I veja I NOVEMB RO, 2009 I 55
Personagem
ele estava "no meio do deserto". Por a comunidade brasiliense rejeitou, de- ARQUITETO OFICIAL
questões de segurança, sua mulher, que clara magoado: "Eu achei que tinha o Com J K, lima relaç(/o de pouca ami::.ade
ficou no Rio, deixou a Casa da Canoas, direito de fazer e sa praça" . O romba- mas muita confiança, desde os pri11leims
a bela residência de concrero e vidro que mento da capital do país o incomoda. pmjef05 da Pampul/w
ele construíra no início do anos 50 "Se o Brasi l fos e lombado, o prefeiro BRASÍLlA-19S9
(hoje rombada pelo Patrimônio Históri- Pereira Passos não teria feiro essa aveni- FOTO: ARQl'I\ O DO \tE\ tORIAl JK
co e pane da Fundação Oscar ie- da tão importante". diz, referindo-se à
meyer), e se mudou para um apanamen- Rio Branco. artéria de inspiração pari-
to. Aves o a viagens aéreas, o arquiteto sien e rasgada no centro do Rio de Ja-
sofreu um grave acidente de carro a ca- neiro no início do século XX. "Tudo
minho do Rio que o deixou pre o "por muda. Quando a água do polo derreter, o
um mê " a uma cama de hospital. Nie- mar vai ubir e todas as cidades litorâ-
meyer parece levar em conta rodo esse neas terão de ser modificadas" , especu-
investimemo pessoal quando, comen- la. A Praça da Soberania está na gaveta,
tando a receme polêmica obre o projero ma o pre ente contínuo de O car ie-
da monumental Praça da Soberania, que meyer ainda tem vista para o futuro. •
56 I 'OVEMBRO, :!OO9 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS
Inovação
A POESIA CONCRETA
DE JOAQUIM CARDOZO MÚLTIPLAS me parece bem difí-
Homem de formação ATIVIDADES cil". Ames. o próprio
PoeTa. chargiSTa, Nervi criticara o tra-
renascentista, o professO!; filósofo balho de Cardozo,
calculista de Niemeyer e, por fim ,
el/gel//leiro
atávico rompedor de
normas, por con i-
transgrediu todas as derar que ele de. re. -
peitava padrõe estabelecidos, e essa
normas da engenharia. postura era arriscada. "Mas. ao contrá-
Morreu triste e só rio do que e tabelece o sen o comum , a
engenharia só avança quando rompe as
normas", afirma o engenheiro Yopanan
FÁBIO ALTMAN Rebello, diretor técnico da Y con, de São
Paulo, estudioso da obra de Cardozo.
Brasília moderni sta não No fim dos anos 50, as regras de en- Rebello lembra uma máxima do enge-
existiria sem Joaquim Ma- genharia estabeleciam o uso de no máxi- nheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz,
ria Moreira Cardozo, o per- mo 6% de barra de ferro nas e truUlras prefeito de São Paulo entre 1971 e 1973.
nambucano que calculou de concreto. Cardozo pôs 20% de ferro para quem os ditames cartesianos, rigo-
os edifícios de Oscar ie- na trama das colunas, rompendo com os rosos, davam coma "apenas dos abis-
meyer. Cardozo era um in- modelos de cálculo em voga. Hoje. com mos. esquecendo-se dos buraco corri-
telectual da Renascença no Recife da o avanço da tecnologia e da resistência queiros". Por isso. muitas vezes, é preci-
primeira metade do éculo XX. Poeta dos materiais. é possível conseguir o so de afiá-los.
(parceiro modernista de Manuel Ban- mesmo efeito com apenas 3% de metal.
deira e João Cabral de Melo Nero), "Cardozo foi um transgressor", diz Intuição. Na cúpula invertida da Câma-
chargista, professor universitário, editor José Carlos Sussek.ind, o mais recente ra dos Deputados. Cardozo criou uma
e (iló 01"0 diletante, entrou para a hislÓ- calculista de Niemeyer, quarenta anos rede de anéi de aço embutidos no con-
ria da capital como o engenheiro civil ao lado do arquitero. O que era concreto creto. Niemeyer se lembra da euforia do
que transformou possibilidades em cer- armado, sOITi Sussek.ind, virou uma tra- discreto parceiro, que lhe telefonou
teza . Para Niemeyer, com quem traba- ma de "aço à milanesa" na concepção para dizer: "Encontrei a tangente que
lhara na Pampulha, era o brasileiro mais de Cardozo. Não fosse ele, o ministro vai permitir que a cúpula pareça apena.
culto que existia. francês da Cultura André Malraux, em pousada na laje".
Cardozo buscava na matemática a es- visita a Brasília, não poderia ter dito Até hoje não se sabe de que maneira
belteza, os vão audacio os e as curva que"a co lunas do Alvorada são o ele- Cardozo fazia os cálculos - a inexis-
rabiscadas por Niemeyer. Como conse- mento arquitetônico mais importante tência de arquivos é empecilho. "Ele in-
guir, nas colunas do Alvorada, que elas desde as colunas gregas". tuía as estlUturas e someme depois as
tocas em o chão e o teto muito deLicada- Cardozo inovou lambém nas delgadas calculava", afirma Rebello . "Os atuais
mente, parecendo flutuar, "leves como lajes. O italiano Pier Luigi ervi ( 1891- programas de compulador, apesar de
pena", na definição do arquiteto - e ain- 1979). o grande mestre das eSUlJ(uras. 100% precisos, parecem rer matado a
da assim sustentar o edifício? Cardozo capaz de pôr tudo em pé, espantou-se ao intuição." No caso de Cardozo, imagi-
de respeitou as nonnas técnicas corri- ver o Palácio Ttamaraty. Ao se deter dian- nação e engenharia andavam juntas. "A.
queiras e chegou a uma . olução. Para o te do mezanino do Ministério das Rela- estruturas planejada') pelos arquitetos
arquiteto e urbanista Jeferson Tavares. da ções Exteriores. confessou : 'Projetei modernos são verdadeiras poesias", di-
USP de São Carlos. ele alimentava "um uma pome com 3 quilômetros de exten- zia. '"Trabalhar para que se realizem es-
prOleslo si lencioso contra a obviedade". são, mas conseguir esta espes ura de laje es projeLo é concretizar uma poe ia."
NIEMEYER,
MODO
DE USAR
Um pequeno guia para entender
a importância histórica e o prazer
estético dos edifícios federais
TEXTO: ANDRÉ CORREA DO LAGO· realização estampada no ' jornais, nas
FOTOS: CRISTIANO MASCARO revi las e na pri ncipais publicaçôe de
arquÍ[etura do mundo. Entendeu. rapi-
impo ível di ociar o car damente, que a arquitetura de iemeyer.
iemeyer de Bra f1ia. O PIa- por ser popular e de qualidade. podia
no Piloro, realizado a partir trazer ganhos políticos.
do projero de Lucio Costa. Juscelino queria o mesmo para a ca-
valoriza particularmenre a ar- pital federal. Os desafios, no entanto,
quiterura de iemeyer, pois eram incomparáveis: a escala era muito
a grandes avenidas, perspectivas e par- maior. havia pouco prazo para projetar
ques permitem ver os edjfício de vários um grande número de obras com fun-
ângulos e de forma desimpedida. Prova- ções diferentes. Era necessário criar um
velmeme, nenhuma cidade na história novo monumenlalismo que simbolizas-
teve um arquÍ[ero "oficial" com tantas e ao mesmo tempo uma ociedade jo-
realizaçõe e tanto poder. O resultado é vem, ousada. dinâmica e democrática.
um conjunto impressioname, com me- Era muita coisa. Juscelino nflo tinha
lhores e piores momentos, a meio cami- tempo para concur os e debate . . e, co-
nho entre a irracionalidade dos que ve- mo conhecia a capacidade de Niemeyer
neram iemeyer cegamenre e a daque- de criar formas marcantes e atraente .
le que o criticam automaticamente, deu-lhe a tarefa. Com a fama - nacio-
ancorados numa suposta dificuldade de nal e internacional - estabelecida, pa-
viver e trabalhar dentro do prédios por recia natural a escolha do arquitero para
ele con truídos. o desafio de Brasília.
Niemeyer foi e colhido para projetar
roda as edificações monumentais da
nova capital por deci ão de Juscelino
Kubit chek. Prefeiro de Belo Horizon-
te. no início do. anos 1940 ele já havia PALÁCIO DA ALVORADA
pedido ao arquÍ[ero de enho para as Inaugurado em 1958, rem
principai instalações da Pampulba. um colunas que podem serJacilmellle
no o bairro da cidade. Juscelino viu sua desenhadas por crianças
D
A arquitetura de Brasflia está hoje fir-
havia rapidamente provado que mada no imaginário brasileiro. A colu-
seu talento não e limitava a na do Alvorada ão um do ímbolo
apena um grande êxito - em do pais, adotadas até nas fachada de ca-
pouco ano já era reconhecido como as imple do interior. A entrada de
um do maiores arquiteto de ua gera- honra do Planalto levou à expre ão' u-
ção. Mo trara-se capaz de ter papel de bir a rampa". iemeyer, ao contrário da
de taque no projew da sede das ações maioria de eu colega, nunca fez "ar-
Unida (1947), em ova York: de reali- quitetura para arquiteto ". Seu edifício
zar construções de grande e cala como são criado de maneira que tenham qua-
o Edifício Copan (1951 ) e o Parque do lidades perceptíveis em diferentes di-
Ibirapuera (inaugurado em 1954). am- mensões, a depender do observador, do
bo em São Paulo: ou ainda o Edifício mai ingênuo ao mai exigente. A saber,
iemeyer (1954), em Belo Horizonte. os quatro pas o fundamentai. gradati-
Projetos domé ticos como a Casa Ca- vos. para entender iemeyer:
vanela (1954), em Petrópoli . e sua
própria ca a no Rio (Ca a das Canoa . 1. O prédio , para quem o vê de relan-
1952) completavam. em pouco mai de ce, apre emam formas marcames. belas
dez ano . uma lista que os grande ar- e simples;
quiteto raramente conseguem reunir
em uma carreira. 2. Para aquele que o ob ervam com
s realizaçõe. mais notáveis de maior atenção e um pouco mai de tem-
iemeyer em Brasília são as do cha- po, novas caracterfstica se revelam.
mado período heroico, do inicio da obrerudo a notáveis diferenças segun-
con truÇão. em 1957. à inauguração. do O ângulo pelo qual o conjunto está
em 1960. Heroico ante os acriffcios sendo visto;
pe oai de trabalhar em condições in-
'alubres, no meio do nada. como dizia 3. Entrar nas obra - ei . o segredo do
Ju celino. E ali, na poeira vermelha do terceiro momemo - é um pa eio por
cerrado. nasceram da prancheta do ar- soluçôe originai. principalmente no
quiteto projetos que e wrnariam ÍCo- tocante aos aces os (escadas, rampa .
ne da arquitetura mundial. O Con- ponte ): e
gre 50, o Palácio do Planalto. o Supre-
mo e a Catedral. O Alvorada, cujas 4. Uma quana dimen ão é destinada
ponas se abriram em 1958. havia ido aos ob ervadores com maior interesse
projetado antes mesmo da escolha do nas arte, que podem e deleitar com o
Plano Piloto. Outra obra-prima do ar- detalhamento engt!nho o. as ideias ines-
quiteto na cidade. o Palácio ltamaraty peradas e a contribuição de diferentes
foi projetado depoi do govemo Jusce- arri tas, cuja intervençõe 'ão de en-
lino e terminado no fim do anos 1960. volvidas em conjumo com o arquiteto.
já com o militares no poder.
Com e es edifícios. que apre enta- O apelo popular da arquiterura nie-
vam oluçõe e formas ao mesmo tem- meyeriana vem da duas primeiras di-
po variada. chamativas e elegantes. e mensões: com apena um olhar ou uma
com uma arquirerura que con eguia foto. o edifício é reconhecível. é um
transmitir ao conjunto uma rara coe- marco, é um ícone. O próprio iemeyer
rência. iemeyer wmou- e definitiva-
mente uma e tTela. Firmou- e então a
percepção. pre sentida por Juscelino,
de que era um arquiteto diferente dos
outro grande arquitew. admirado CAPELA DO PALÁCIO
por eus pare. pela crftica especializa- DA ALVORADA
da. pelo público mais culto e pelo "ho- A n·ansparência. por meio de imensos
mem comum". ridros. como sillônimo de invelllil'idade
PALÁCIO ITAMARATY
A escadaria cun'a da e/llrada
eSlá ell/re as mais belas do século XX
66 1 o EMB RO. 2009 1veja 1ESPECIAL BRASíLIA 50 A;\OS ES PECIAL BRASfLIA 50 ANOS 1veja 1NOVEMBRO. 2009 167
Arquitetura
beno Burle Marx e obras de Athos Bul- nhocão" da Universidade de Brasflia ou CONGRESSO
cão. Bruno Giorgi. Maria Martins e o Museu do Índio, não é o caso: apenas NACIONAL
[amos ourros ani tas podem er con- dua ou rrês camada de percepção e Com apenas um olhar
templados em espaços imenso e estru- verificam. ou ullla JOIO. o edifício
turalmente ou ados. com iluminação e Mas me mo quando o projeto é reconhecível, é um
ventilação naturais. A e cadaria curva não e tão entre o mais bem- ncedi- marco, 11111 ícone
da enrrada está enrre a mai belas do dos há um padrão de qualidade. Im-
século XX. O acabamento excepcional, põem-se. portamo. admiração e cari-
que a socia o concrelO aparente aos nho pelo que representam para nos a
melhore materiais. conrribui para que história o edifícios do início da aven-
seja impossível a indiferença. [Ura brasilien e. A descoberta mais
Apesar de Niemeyer empre ter fa- atenta dos melhores ediffcios de Nie-
vorecido a importância da intuição ao meyer na capital e tá certamente entre
e referir à forma de rrabalhar. seu edi- a experiências mais enriquecedora
fício ão o resultado de um talemo ine- da cultura de no so tempo. _
gável, polido por um longo proces o de
fonnação e ampla cultura. as . ua. me- * André Correa do Lago, diplomara
lhores obra, a quatro dimen õe de e c/irico de arquilefllra, é () awor de
sua arquitetura recebem grande aten- Oscar iemeyer: uma Arquitemra da
ção. a realizações mais recente ,co- Sedução (BEl, 2007) e edilOr do lirro
mo o Mu eu acionaI e a Biblioteca. sobre os einquema anos de Brasília a
ambos no Setor Cultural Sul, ou quando ser publicado em 20 JO pela ImprellSa
o projeto é mal executado. como o " mi- Oficial do ESTado de São Paulo
.- ....:.... --
,
ITAMARATY ReLÍne arquilelllra ao paisagisl1w de Burle MG1:r e a obras de Alhos Buleão, Maria Manills e Bruno Giorgi
68 1 OVEMBRO. 2009 1 veja 1ESPEC IAL BRA íLlA 50 'OS ESPECIAL BRASíLI A '0 A:--JOS 1veja 1NOVEMB RO. 2009 169
Exclusivo
Para o arquiteto
TODASAS Tadao Ando,
a obra de Niemeyer
POSSIBILIDADES transcende os limites
impostos pelo·
DO CONCRETO modernismo
de Le Corbusier
I - êl FÁBIO AlTMAN
, <
!i; ircunspecro como sem-
o
u pre. Lucio Costa condu-
o zia o Hillman bege pelas
u
3 ruas do Rio. do Leblon
/ ao Centro, a caminho do
<
'/l
< Ministério da Educação
U
e Saúde Pública. o Palácio Capanema,
/""". ./ na Rua da rmprensa. número 16. AI i. na
obreloja do edifício projetado pelo pró-
prio Lucia em 1937 com a ajuda de
Charles-Édouard Jeanneret, dito Le
Corbusier (1887-1965), e de cinco jo-
vens arquitetos brasileiros. entre eles
NA ÚLnMA HORA O car iemeyer, estavam reunido o
O documento com ete membro. do júri que escolheria o
24 págillas de projero para a construção de Bra í1ia,
papel fiO formato além de alguns assessores.
A4, além de uma / Chovia naquele 11de março de 1957,
prancha com O uma egunda-feira. Falta am dez minu-
traçado, é datado ros para as 7 da noite. dez minutos por-
de 10 de março tanto para o encelTamento do prazo e ·ta-
de 1957, ,'éspera belecido para a entrega do . trabalho ' ao
do pra-;.o final para A - concur o. quando o carro encostou à
~-
o concurso
-A UM
porta principal do prédio moderni ta.
Um guarda chegou a reclamar da mano-
bra, proibida. As filhas de Lucio. Maria
Elisa, esrudante de arquiterura, e Hele-
na. ainda menina, saíram correndo com
ABISCO E
~"""", ~", 1'Q)~
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J7 ........ _ __ .... N> ..... ~ c: .... t1t.
Assim Carlos Drummond de Andrade
2=3 C: lJo'~
.2A. w:.....,._ " ,
~ se referiu ao relatório escrito Lucia Costa
em sua p rimeira
e desenhado por Lucio Costa, visita ao cerrado
depois da vit6ria
um dos documentos,... fundamentais do relaT6rio
72 1:>IOVEMB RO.2009 1'II9ja 1 E PECgu. BRASíLIA 50 Al'\os ESPECIAL BRASfuA 50 A..'IOS 1veja 1 OVEMBRO, 2009 173
------------------- -------~--
- -- ~' [?~i ~o/..o- tIl!!
~ 1~!~c... A Á ~r. ( ~
MÁQUINA DE ESCREVER prancha de canão duro debaixo do bra- que a cidade de Bra ilia, inexistente e
o manuscrito de Lucio foi levado ço. Uma das folha ' levava colado o tra- completa. como um germe contém e re-
a uma firma da Rua da Quitanda, çado da cidade. na improvável forma de ume a vida de um homem. uma árvore,
no Rio de Janeiro, com a avião, em e cala de 1/25000, a nanquim uma civilização". escreveu Drummond.
orientação de que fosse e colorido com lápi de cor. Outras qua- "Era um rabi co e pul ava."
v~> /0
\ . datilografado em espaço 2 trO cal10linas tinham, cada uma.. eis pá- "Rabi co". como e percebe. era a
~1 e se fizessem duas cópias. ginas datiJografada . com alguns pouco palavra comum a definir o relatório de
desenho . da memória descritiva do pro- Lucio Costa. Quem primeiro o viu. por
~ C-~~:;, jeto. Eram 3857 palavras que começa-
vam com um pedido de desculpas pela
direiro hereditário, foi Maria Elisa. "a
cobaia ideal", segundo ela mesma diz.
~ ~~\J' r~ ~.
! K. V\-1 ",' " 4. ,
t
;>"""""c:::::::; ;: •
A
t7
"apresentação sumária".
Um funcionário da Novacap, a Com-
porque além de filha estudava arquite-
tura. Maria Elisa lembra de ter sido cha-
panhia Urbanizadora da ova Capital. mada pelo pai. na cobenura onde mora-
recebeu a documentação e entregou um vam no Leblon. ao voltar da praia. Ele
recibo. de número 26. O que se deu do estava no terraço de trás, onde funcio-
outro lado do guichê foi revelado anos nava eu e critório ("embora o escritó-
depois. em 1974, em texro para a revi ta rio de Lucio fos e ua cabeça", diz ela).
Manchefe, por Aávio de Aquino, arqui- Animado, uando. de creveu .. tintim
teto que trabalhava com iemeyer (ele por tintim a nova capital". Levá-la ao
mesmo um do jurado ): "Uma hora an- concur o cu LOU apenas 25 cruzeiro .
te , Niemeyer, Sir William Holford. Lucio ganhou I milhão de cruzeiro .
~l.. André Sive, Stamo Papadaki e eu fomos mas deixou o dinheiro no banco, à mer-
/'- / ~~j ~ V{('~ ~~1. ~ jantar rapidamente no restaurante Alba- cê da inflação.
mar. O clima era de desolação. Lamen-
) d ("'~ ~sS(v:r/ .rI L-(> ~
I •
~~~ 14
tá amos que os tJabalho até então en- Prêmio com Christian Dior. A Brasília
I I" /' ) tregues não estive sem à altura do plano de papel nascera um ano ante, em
urbaní rico de uma grande capital". 1956. numa cabine do navio Rio Jachal,
l'-''''~ ~ s ~2.Vr o OGRAFIA A chegada do papelório de Lucio, no doze dias de viagem entre Nova
I~
t...-..,
I Acorreção do português foi feita mandado a um e critório da Rua da York e o Rio de Janeiro. Lucio - viú-
Quitanda para ser datilografado em es- vo, sempre acomparthado das filhas -
( ~ ~
I ~
-" -', :~ ~~ t-7" ~
por Drummond. Não houve
mudança de estilo, tampouco
erros. Lucio escrevia em português
paço 2. impô novo ânimo ao grupo,
depois de breve decepção. as palavras
fora aos E tados Unido para receber
homenagem, ao Jado do e tili ta CM -
antigo; punha uh" onde já não de Aquino: "Então nos aproximamos tian Dior, da Parsons The ew School
/~ I havia; escrevia "summaria " em vez das pranchas. (... ) Ficamos desiludidos. for Design. O trabalho solitário. com-
/ ~ ~
>4t..u, ~ :> f'-t'-~ J..., h GA-~ ~U/ /l--4C 5 de sumária e "prompta" Niemeyer entou-se num caixote. a ca- partilhado apena com Maria Elisa e
no lugar de pronta. beça entre a mão . Ma o presidente Helena, era o conforto a uma dor ince -
da comissão julgadora. Sir William ante - em 1954. Ju!ieta. a Leleta. mu-
I ) I\.--u / 1 '- HolforcL começou a estudar as pran- lher de Lucio desde 1929. morrera num
chas (ele lia italiano e um pouco de es- acidente de carro na e trada Rio-Perró-
panhol). De vez em quando perguntava poli . Lucio era quem dirigia o automó-
o significado de uma palavra. De re- vel o mesmo Hillman bege com o qual
pente exclamou, entu iasmado: "Mas fora ao Palácio Capanema na undécima
~/P)~ A I. esta é a maior contribuição urbaní úca hora da entrega), e ele sempre alimen-
do século XX!". tou, di cretamente, o sentimento de cul-
5", /7~ \
Ptf~ ~,l~ /(' O poeta Carlo Drummond de An- pa pela tragédia.
drade - vizinho de mesa de Lucio no A lri teza. revelam amigo , o fizera
8° andar do Ministério da Educação, ainda mai di ereto. Homem que. na
parceiro no Serviço do Patrimônio Hi - palavra de Drummond. "não tinha nem
I tórico e Artí tico acional (Sphan) -. de leve ar importante, e parecia me mo
&> a quem couberam uma da primeiras querer e ocultar de todo e de tudo. até
JeituraJ do texto e a correção ol1ográfi- do nome Lucio Co. ta, tanto que a<;. ina-
ca, tivera reação semelhante, de crita va os eu parecere com um e maecido
~,...,, / /1-
..... , f I
\~
- .s.. '(... __ 4 l ;--..-..-.,
Í'ITEGRA DO
DOCUMENTO EM numa de suas crônica . "Peguei da fo-
Lha e rive entre o dedo nada meno
LC. saído do toco de um lápi que era
todo o eu equipamento de trabalho".
j~ L-t \.r' ~
1 _ .feja .com
,
I
dl-t I / J.:. r/~~JI ESPECLAL BRASfLLA ofu'lOS I veja I NOVEMBRO. 2009 175
. .
.
, • -
. :..,: t·:
~]I~ •
Companhia Urbanizadora da Nova
Capital do Brasil
. . -.4:.. 4. T
PROTOCOLO
••• PATRONO Sem vaidade RECIBO
A referência a José Bonifácio foi o evidentes. o desa- Asfilhas de Lucio
modo encontrado para indicar Que a pego lhe pennitia entregaram a
mudança da capital era ideia antiga. ter a bainha da cal- papelada ILO guichê
• Lucio fecha o texto com outra ça feita com gram- do MinisTério
citação a Bonifácio: "Brasília, capital peador. A si mpli- da Educaçcio.
aérea e rodoviária ; cidade-parque. cidade era condi- Fallavam de-:.
Sonho arQuissecular do Patriarca." ção que o autori- minuTOS para
zava a trabalhar o Ténnino do pra-:.o.
P.P.B. num canto absur- em II de março
São as iniciais de Plano Piloto de damente apinha- de /95 7
BrasOia. A expressão "plano piloto" do de papéi . li-
não nasceu com a capital brasileira . vros e caixas e dirigir. já no fim da ida, - com a tradição brasileira. "Era um
- Foi criada por Le Corbusier para
definir os projetos das cidades Que
imaginava no papel.
um Fusca com um rombo no assoalho.
Não que Lucio de conhecesse a impor-
tância de suas ideias na construção da
olhar antropofágico como fora o da Se-
mana de Arte Moderna de 1922", diz
Tavare . "Era a oma do antigo, da ar-
arquitetura e do urbani mo brasileiros, quiteLura coloniaL com as impo ições
um do mai refinado intelectuais a e - do novo," Visto aos olhos de hoje. pode-
r- crever e pensar em pormguês (e fran- e dizer que mismrava Ouro Preto com
• cês). Mode to, até o ano 1980 ele e Brasília. Não havia conuadição por er
refelia à capital como "Bra ília, cidade
, inventada". nte o . umiço de seu nome,
ao me mo tempo defensor do patrimô-
nio - cargo de Lucio no ministério -
apagado pela notoriedade de Niemeyer, e criador de uma cidade do amanhã.
c ,- embora não cultivas e mágoa. passou a Há, no documento de Brasília. lírico à
usar OuLra definição: "Bra ília, cidade Drummond e eco como João cabral de
1 • que inventei". Melo eto, ao meno uma frase antológi-
E que cidade era es a, nascida do ca. usada para definir o que brotava do
r papéis hoje naturalmente amarelados? uaço: " asceu do gesto primário de quem
O próprio Lucio go tava de repeLir, a as inala um lugar ou dele toma po e-
, quem lhe perguntasse, a reação do in-
glês Holford depois da eleção. " Li o
dois eixos cruzando- e em ângulo reto, ou
eja, o próprio inal da cruz".
seu texro três ezes: na primeira, não
RESISTÊNCIA entendi: na segunda, entendi ; e, na ter- Moderno, e não modernista. A cruz era
MaQuis é a expressão em ceira, f enjoyed", dis e Holford, ao ex- o mai evidente símbolo de apego à
francês para designar a vegetação plicar seu entusiasmo. a aprecraçao uadições. Lucio não escondia o aborre-
fechada onde se escondiam final. ao re saltar a simplicidade e a cimento quando era chamado de "mo-
os fugitivos da Justiça na Córsega . clareza da ideia, comparava-a aos derni ta". Preferia er identificado co-
Por extensão, foram chamados planos de "Pompeia, de ancy. de mo "moderno", e ponto. Admitia rer
de maQuis os grupos de Londres, feiro por Wren. e de Pari. de bebido na premissas de Le Corbusier.
•• resistência a regimes como Luí XV". no princípios da cidade-parque, do
, o franQuismo na Espanha
e a ocupação alemã na França,
Era um manife to a anteceder uma
obra de arte. ,. ão um manife ro como
espaço aberro , dos pilotis, como fize-
ra com o Parque Guinle, no Rio. dos
durante a 11 Guerra Mundial. foi o do dadaí tas ou do futurista ", ano 1940. "Ma ele bu cou na tradição
, , diz o arquitero Jeferson Tavares, estu- ua escala", diz Maria Elisa. Para ela,
dioso da hi tória de Bra t1ia, "porque "O gabarilO de sei andares nas quadra
, , estes iam conua alguma coisa. opu-
nham-se ao e tabelecido, apenas nega-
brasiliense nada tem a ver com o
Ciam, é o gabarito tradicional pré-ele-
vam o passado". vador: a escala monumental a sumida,
o caso de Lucio Costa, o relatório determinante do caráter de capital que
que engendrara Bra rua era o casamen- Brasilia tem desde o início. também
to de algun do pilare do moderni mo não tem nada a er com os Ciam",
- na linha de Le Corbu ier e dos con- O urbani ta. empre discretamente.
• gressos internacionais de arquitemra ó mo trava real aborrecimento quando
moderna (Ciam). no ano 1920 a 1950 lhe diziam que BrasOia era cidade em
ESPECIAL BRASíLIA 50 NOS I veja I NOVEMBRO. 2009 177
ARCO E FLECHA E AVIÃO
Poucas coisas irritavam mais o urbanista Lucio
Costa que a versão de que o projeto de Brasnia
havia sido inspirado na forma de um avião.
"É uma analogia aceitável, mas seria o cúmulo
do ridículo planejar uma cidade parecida com
um avião. Assim, ela se parece com uma cruz,
libélula, nave espacial ou um arco e flecha.
Cada um enxerga aquilo que quer", dizia.
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ESPECIAL BRA !LIA 50 A..'10S 1veja 1Nove1BRO. 2009 179
Projeto
CROQUIS
'o nOl'io Rio
JachaL em 1956.
lia lI"Gl'essia
de do;.e dias
de 01 '0 Yor,!;
ao Rio, Lucia
já esboçava o
fraçado IIrbal10
da capifal.
illc/lIsil'e
o desenho
dos ed(fícios
adminisf Taf il'os
depois
efemi;.ados por
Oscar Niemeyer
CASA DE I.UCIOCOS1A
vida. que do papel saíra fria. Em novem- junto de sei ' gaveta ' de aço de um ar- mildade. uma cuna e 'crita à revista
bro de 1984. numa de suas rara visitas à qui o que dorme num contêiner no qual americana Time em maio de 1960. ele
capital. ele teve reação inteligente ao er foi instalado um duro de ar condiciona- retrucava reportagem que. para tratar do
entrevi rado na plataforma da rodoviária do. O lugar. precário ma criativo. amo- cao e da briga política na inaugura-
pelo lamal do Brasil, tendo às costas O rosamente cuidado por familiare. e ção de Bra. f1ia, de. tacara a ausência do
Congre. o e a Esplanada dos Ministé- amigos. com dinheiro próprio e da Pe- invemor nru festividades. E. creveu Lu-
rios. Olhava para os ônibus, para o co- trobra . e tá dentro do Jardim Botânico, cio: ·'Senhores. Acompanhei e aprovei
mércio de camelôs. para o bruaá. "1 to no Rio. nas in talaçàe ' do In tiruro An- o de envolvimento do projeto de Bra 'í-
tudo é muito diferente do que eu tinha tOnio Carlos Jobim. A gavetas mai lia a partir do e critório da ovacap no
imaginado para esse cenu'o urbano. co- baixas do armário têm o. traços de Lu- Rio. e acredito que a execução da ideia
mo uma coi 'a requintada. meio co mo- cio. separado por folhas de papel vege- original e mostrou melhor do que o es-
polita. Ma ' não é. Quem tomou conta tal. As de cima, a ' partitura ' e letras perado. ão vou até lá por doi ' moti-
dele foram e es bra ileiro verdadeiros ong1l1aJ de Dorival Caymmi ( 1914- vo : em primeiro lugar. porque de ejo
que construú'am a cidade e estão ali legi- 2008). Ao lado. em sala conrígua. o deixar rodo o crédiro de expres ão ar-
timamenre. É o Brasil... Eles estão com a acervo de Tom Jobim (1927-1994). Lu- quitetônica e da construção propria-
razão. eu é que estava errado." cio CO. ta, o urbani. ta. ajudou a definir meme dita da cidade para Tiemeye r e
Lucio Costa. na. cido em Toulon, na oBra. il. por meio do relatório que anre- Israel Pinheiro; em . egundo lugar. por-
França, em 1901. morreu ao 96 ano. cede Brasl1ia. tanto quanto Caymrni e que minha mulher, Leleta. teria adorado
Seu principal legado. e te que era um Jobim fizeram com a música. estar lá. e prefiro comparrilhar com ela
rabisco e pul a\'a. hoje e tá em um con- Só não teve o mesmo renome por hu - a impo ibilidade de fazê-lo". _
oI ·OVEMBRO.2009 I veja I ESPECIAL BRAsíLIA SOA. os
Urbanismo
o FUTURO
Os traçados derrotados
no concurso revelam como
poderia ter sido a capital ,
UE UNCA SERA
PROJETO CLASSIFICADO EM 2° LUGAR
Autores: Boruch Milman, João Henrique Rocha DéBORA RUBIN
__
'-"- _
. -.-. ...... . . . ......
.
dor". Os derrotados re-
clamaram de jogo de
canas marcadas .
VEJA recriou Bra-
. ..............."""'--
•• e'ou",
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"'la'"
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lIU' ............ .
O •• •
arquiteto modernista Rino Levi já era uma celebridade
no fim dos anos 50. Fora presidente do escritório paulistano
do Instituto de Arquitetos do Brasil em 1954 e 1955.
Para BrasOia , imaginou torres gigantes, de 75 a oitenta andares,
com 300 metros de altura, 400 de largura e 18 de profundidade •
- pouco menores, portanto, que a Torre Eiffel. Seriam bairros verticais,
superblocos a arranhar o céu. Alguns pavimentos, entre os andares,
funcionariam como ruas, com serviços e comércio.
Para fazer a interligação de tudo, existiriam elevadores de
dois tipos: os grandes, que levariam às avenidas; e os menores,
para transportar as pessoas para casa . Os jurados ficaram
impressionados, mas jogaram a toalha ante a impossibilidade
de construção dessa cidade futurista dos Jetsons no prazo político de
3ºLUGAR Avaliação dos jurados
(EM PATADO)
três anos estabelecido por Juscelino. Os próprios autores, no memorial PRÓS CONTRAS
descritivo do projeto, deram as pistas da derrota no concurso: Autores: Rino Levi, Roberto
• Boa aparência • Do ponto de vista plástico, são os edifícios
"Talvez esta seja a cidade do século XXI e os homens que a projetaram Cerqueira César, L.R. Carvalho de apartamentos que dão feição à capital -
• Boa orientação
e a calcularam já estejam com seus passos trilhando as vias super- Franco e Paulo Fragoso não os edifícios governamentais
rápidas do ano 2000 pa ra diante". Ficou para depois, ou nunca.
• Altura desnecessária; resistência aos ventos
88 1 OVEMBRO.2009 1veja 1ESPEC IAL BRASíLIA OANOS
ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS 1veja 1 OVEMBRO.2009 189
.Ismo
PRÓS CONTRAS
P
arecem imensos quiosques. As sete Mozart Parada, geólogo muito próximo a JK.
unidades urbanas previstas pelo Houve, portanto, uma involuntária troca de
escritório M.M.M. Roberto teriam autoria. Ap resentado à confusão, Márcio
72 000 moradores. No centro de cada unidade Roberto, filho de um dos autores do projeto
haveria um setor governamental. "A ideia era que obteve o terceiro lugar no concurso, parece
fazer uma capital com caráter de cidade perplexo. "Que absurdo' , diz. "Mas naquele
do interior", diz a arquiteta Aline Moraes Costa tem po não havia mesmo muito respeito a
Braga, autora de (/m)Possíveis Brasílias, direitos auto rais~ Maria Elisa Costa, filha de
dissertação de mestrado pela Unicamp. Lucio, também nunca ouvira falar da história.
O projeto é pivô de um imbróglio em A falsa informação é repetida na justificativa •
Paragominas, no Pará , à margem da Belém- do projeto de lei nO554, de 2007, que
Brasília . Os documentos oficiais do município tramita no Congresso, para a criação de uma
perpetuam um erro - informa m que o traço zona de exportação em Paragominas. Pode-se
urba no é resultado de uma planta de Lucio constatar a semelhança dos croquis de 1957
Costa , "a qual havia concorrido, junto a outras, com o traçado de Paragominas por
pa ra o projeto de construção de Brasília , meio do Google Earth.
classifica ndo-se assim em quarto lugar".
Os desenhos teriam sido presenteados, em
1958, ao fundador da cidade por Jofre
A VO DOS PIONEIROS
TEXTO: FÁBIO ALTMAN
FOTOS: PAULO VITALE
o FAZ-TUDO DO de barracões e rendas. montado dentro
do terreno do Plano Piloto. de modo a
rransferi-Io para regiõe. mais disrantes.
na gênese da chamadas cidades-sate1ite.
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CONGRESSO
NACIONAL Rua Senador Dama . 12 de outu- Sayão que 'e in ·tale na área. "Quando,
Os dois edifícios bro de 1956, encomro do cha- presidemeT' "Omem," Sayão decola
anexos à Câmara mado "boêmios patriota " do para Anápoli . o dia eguime. começo
e ao Senado, Juca's Bar, amigo de JK Pre entes da manhã, volta dirigindo um caminhão
com 28 andares O. car iemeyer e uma penca de par- barulhemo, com a mulher. Hilda. e me-
cada um, usaram ceiros, entre ele o eresreiro Cé ar rade do filho. Lia e Lílian. Feliz da
aço imponado dos Prates e o violonista Dilermando Reis. ida. estaciona debaixo de uma árvore
ESTados Unidos Surge a ideia de con truir uma re idên- próxima e arma ua barraca de lona.
BRASÍLIA - c. 1958
cia provi ória para o pre ideme em Promo: um direror da Novacap já e. lá
fOTO : \tARCEL (iAlffHEK(1! Brasília. Niemeyer e boça o projeto na morando em Brasília com a família.
L'STlTUTO \lORLlRA SALLJ:s hora. m palácio ro co, de rábua . de- Juscelino: "Com Sayão à te ta dos tra-
pois apel idado de ··Catetinho". USlen- balhos. a atividade redobrou. Quem
tado por gros os tronco de madeira de olhas e o local onde e ta a sendo ini-
lei. ão havia tijolos nem pedras no en- ciada a con trução de Brasília sempre o
dereço: clareira no meio do maro. Fa- veria: chapelão na cabeça: ro to quei-
zenda do Gama. Bra. ília. Prazo de mado de . 01. suando em bica. Estava
con truÇão: dez dia.. em roda parte e empre em arividade.
Em 10 de novembro de 1956. JK e Re ervava para si as tarefas mms árduas
pequena comitiva chegam no DC-3 e perigo a e a e ecuta a com eu
para a fe la de inauguração. Mú ica, inextinguível bom humor. À beleza viril
boa comida, boa bebida. Há uísque de do fí ico privilegiado, aliava-se invejá-
qualidade. mas falta gelo. De repente. vel formação moral. Era bom por natu-
cai um pé-d'água as u ·tador. bombar- reza e bravo por instimo'·.
deando granizo. sim que o [empo- Sayão morreu em 15 de janeiro de
ral pa a, rodo correm para fora , ca- 1959. com apena 57 anos. atingido
ram o que podem. dão graça a Deu , por um gigame co galho de uma árvo-
brindam a São Pedro. re de 40 metro , quando conava a mata »>
Tecnologia
~ ~
U
incessante. Em julho de 1957, o ano da
criação da Cidade Livre, depois úcleo a suposta matança , em 8 de fevereiro de Brasileira. Eram chamados a manter a ordem
Bandeirante, já havia 12700 residentes. 1959, um domingo de Carnaval , de um porque Brasília não podia parar.
Taguatinga, a maior cidade-satélite, é de grupo de operá rios da construtora Pacheco Depoimentos contrad itórios impediram um
1958. início de 1959: mais de 30000 Fernandes. Os crimes teriam sido cometidos desfecho para o caso, agora transformado em
candangos no canteiro de obras. popula- pela Guarda Especial de Brasília (GEB), lenda. Um cozinheiro diz ter visto operários
ção total superior a 60000 habitame . vinculada à Novacap. Desde sempre, o episódio sendo mortos na cama , ainda adormecidos.
faz parte da história secreta da construção. Houve relatos de corpos jogados no Lago
Candango típico. O cearense 10. é 1- Em diversas versões, os mortos vão de Paranoá, ainda seco. As investigações nada
ves de Oliveira, Seu Zé, acha que nas- um a onze, com mais de sessenta feridos comprovaram , e prevaleceu a suspeita de que
ceu em 1938. ma não tem certeza. É e paralisações em solidariedade aos a escaramuça, real , tenha sido ampliada por
um candango Irpico. adora Brasília. assassinados. Os motivos: uma briga líderes sindicalistas - ou tirada do mapa pelas
Tem quatro fi lhos e quatro neros. ão corriqueira , na cozinha, entre dois traba lhadores autoridades, a mando de Israel Pinheiro. Não
e quece um só dia a filha que perdeu ou a explosão de protestos pela má qualidade houve condenações. Não se conhecem o nome
para o câncer há alguns anos. Comeu da alimentação do acampamento, ao lado do dos mortos ou sepulturas. O massacre virou
nu vens de poeira na construção do Palácio da Alvorada . Os policiais - um efetivo lenda - menor apenas que uma outra , segundo
Congres o acional e dos ministérios. de 300 pessoas, recrutadas entre os própriOS a qual dezenas de operários morreram ao
A eu modo. no português pos ível. candangos - tinham justificada fama de erguer os "28" (referência aos 28 andares de
descreve os pri meiros tempo: agressividade, eram eles que impunham cada um dos dois edifícios anexos do
"Vi m mais meu pai no pau de arara, o toque de recolher. Cortavam a água para Congresso, aqueles que formam um "H" entre
numa carroceria braba de caminhão. impedir banhos, e sem banho ninguém ousaria as cúpulas), e ainda hoje seus fantasmas
Levou foi muitos dia. Ai fiq uei no acam- procurar prostitutas na Cidade Livre. Os rondam o lugar, tal qual os arranca-línguas que,
pamenro duma firma que eu trabalhei soldados usavam uniformes de cor cáqui , feitos no folclore de Goiás, atacam os bois no pasto.
nela, a Construrora acional . Cons-
truindo aquele colosso onde tem aque-
las duas bacia grande em cima da laje.
uma virada pra riba e outra virada pra
baixo (Câmara dos D eplllados e Sena -
do Federal). Trabaiei muiro lá. Trabaiei
adoidado! Vi quando tava só nos buraco
e nas ferrage, na armação. Aqueles pré-
dio e também os dos ministero. Trabaia-
va de servente. Pegava à 7 da manhã e
largava à 6 horas da larde. Quando
apertava muilo o serviço. a genre ia até
as LO da noite a semana rodinha. Tinha
um inrervalinho no meio do di a. Ai a
geme ia pro acampamemo da acionai,
que era ali peno, naquele cerradão bra-
vo. Era gente dimais!
"Eles armaro certinho aquelas bacia
de lá, as duas já redonda. Eu vi aquilo
no ferro puro-puro! Sem concrero. sem REFEITÓRIO Operários comem no canreilv do I nsfill/fO de Aposellladoria e Pensões dos Bancârios.
nada. Ai ia fazendo as ferrage e a fôr- A alimemação era IIIIl dos principais problemas da companhia qlle administrava as obras
ma de madeira pra botar o concrelO. Por BRAS IllA - 24 15 1 1958 FO'I'U ""RIO FON1õNELLflARQUIVO I>(BUCO IX) DISTRITO FEDER.'L
I I~ I ~ovE~rBRO. 2009 I veja I ESPECIAL BRAsíLIA 50 ANOS ESPECIAL BRASLLIA 50 ANOS I veja I NOVEMB RO, 2009 I 115
n. . ...:lnharia
MORADA PROViSÓRIA
O Palácio de Tábuas. desenhndo por
Niemeyer, subiu em menos de um mês
BRAs fLlA - 1957
FOTO, ARQUIVO PESSOAL OE ERNESlQ SlLVA
10 de outubro 7d 4 de janeiro 3 de junho 18 de junho 30 de junho 10 de julho 15 de Janeiro 10 de fevereiro Dezembro 17 de abril 21 de abril
JK sanciona a lei JK e Bernardo Início das obras do Primeiro Começam as obras Inauguração do Início das obras Morte de Inauguração da Fim das Israel Pinheiro, Às 9h30, os
que fixa a data Sayão, o construtor Congresso Nacional. telegrama da Esplanada Palácio da Alvorada, do Supremo Bernardo Rodovia Belém- primeiros obras do mandachuva Três Poderes
de 21 de abril da Belém-Brasília, Os dois anexos - os enviado de dos Ministérios, do Brasnia Palace Tribunal Federal Sayão Brasnia blocos de Congresso e da Novacap, é da República
de 1960 para a sobrevoam o prédios em forma de Brasnia para também com vigas Hotel, da Avenida e do Palácio do apartamentos, do Supremo nomeado prefeito são instalados
mudança traçado previsto "H", de 28 andares cada JK, no Rio metálicas das Nações e do Planalto na Tribunal de Brasnia. simultaneamente
para a rodovia um - seriam construídos Eixo Monumental superquadra Federal Primeira ligação em Brasnia
a partir de estruturas 108 sul telefõnica com
metálicas compradas o Rio
nos Estados Unidos
-~
Comprando a
G ç-
I
OI B A SI L I
....
M EL EMPREGO DE DINHEIRO
/
que toda aquela pletora de desenvolvi-
CONTABIL
porque todas as outras forma de fi-
nanciamento das obra não funciona-
ram, e pecialmente a venda de terre-
no atrelada à chamada "Obrigação
Brasflia", anunciada como ótimo ne-
gócio que pouca gente quis. Os terre-
nos no Planallo Central viraram moeda
Juscelino inaugurou a era do descontrole fácil. promes a vã. Ao receber os joga-
inflacionário com a mudança para o Planalto dores campeões mundiai de futebol
em 1958. JK prometeu a eles um peda-
ço de ten'a no cerrado. enhum deles
uanto cuswu Brasília? Eugê- O. defen ore. de Juscelino Kubit.- jamais recebeu o naco anunciado, foi o
nio Gudin. ministro da Fa- chek nunca apresentaram cifra porque que revelou o presidenre Lula na ceri-
zenda de Café Filho de ago - lhe era impo sível calculá-Ias e politi- mônia de cinquenta ano do título. em
w de 195-1. a abril de 1955, camente interessante escondê-Ias. A 2008. JK alegaria depoi que não pôde
inimigo polfúco de JK e una- confusão estabelecida pela ovacap. a doar o chão vermelho aos jogadores
ninúdade intelectual. fez uma empresa responsável pela construção, porque nada fizera pelos pracinhas que
estimativa: 1.5 bilhão de dólares. Levou impedia clareza na inforrnaçõe. Os lutaram na II Guerra. e estes pediam
em conta apena o ga lO públicos, amigo de JK tentaram reduzir a esti- alguma compensação. As dua turmas
sem falar "no tremendo desperdício in- mativas de Gudin e Gordon a um em- ficaram sem nada.
direw com (ran porte ,viagen para cá bate empobrecedor e tolo: a sanha do Havia uma barafunda contábil, e
e para lá, dobradinhas, perda de tempo", imperiali.las ante o de. envolvimenti - ela explica a au ência de uma estima-
e. creveu o economista. Em valores de mo terceiro-mundista de JK. O próprio tiva oficial para o cu to da construção.
hoje. aplicando-se apenas a correção presidente, em entrevista citada pelo A Comissão Parlamentar de lnquérito
monetária americana. a cifra seria equi- livro QlIanfO CUSfOlI Brasília, do jorna- criada em setembro de 1960 para Íll-
valente a 19,5 bilhõe de dólares. Com lisla Maurfcio Vaitsman, defendeu- e veslÍgá-la terminou sem conclusão,
juros de 3% ao ano, padrão médio de de modo populista, ao explicar por que mas com algumas descobertas. Foi
taxação, chega-se a um valor atual de emitira 134 milhões de cruzeiros em encontrado cerca de I milhão de com-
83 bilhõe de dólares. É quase seis ve- cinco anos de governo: "Isso quer dizer provantes de despesas paga - de 'se
zes o ga to previsto para a Olimpíada lOlal, apena 46000 processos de pa-
de 2016, no Rio, de 1-1. bilhões de dóla-
re . Outro modo de medir o tamanho do o CUSTO DA CAPITAL* gamento estavam devidamente forma-
lizados. "Para 964 000 outros paga-
desembolso é compará-lo ao PIB. o Brasília custou 6 veze mentos efetuados, não ex i. tiam com-
início dos ano 60. e se valor equivalia o orçamento estimado para a provante reai ", escreve o pe quisa-
a 10% de toda a riqueza brasileira. Olimpíada de 2016, no Rio dor Ib Teixeira na revista Conjuntura
Tran pondo- e em 2009 os mesmos Econômica, da Fundação Getulio Var-
10%, tem-se algo próximo a 161 bilhões ga . "Em muitos ca. o , eram imple
de dólares. embora qualquer compara- vales." ão havia livro-caixa. tam-
ção de PIB em diferente períodos his- pouco regi tros bancários. "Para er-
lóriCO ' seja frágil. O ex-embaixador
americano no Bra iI Lincoln Gordon,
••• li.,~~, Brasília 1960 guer os palácio ' de Brasflia, JK prati-
camente quebrou o in liLULOS de Pre-
em depoimenro ao Congresso do Esta-
do Unido em 1966, estimou um valor
83 b" ões de dólares vidência", afirma Teixeira.
Dá-se como certo - entre oposicio-
muiw parecido ao de Gudin. Rio 2016 ni tas da então UDN e ituacionisras-
que a emissão monetária alimentou a
MEDO DE APOSTAR Houve muilO pouca 14 bilhões de dólares inflação brasileira. Em 1956. ela foi de
procura pelos lOTes, recurso que • A esumanva é de EugêniO Gudin, feita em 1969. 24.5%; em 1960, chegou a 30.5%. A dí-
capitalizaria as obras ma não fUllciollou recalculada em valores atuais vida externa, engordada por emprésti-
ESPECIAL BRAsíLIA 50 ANOS I veja I NOVEMBRO. 2009 I 121
PROMESSA, E SÓ
AS CONTRADiÇÕES DA ECONOMIA NOS ANOS JK JK prometeu terrenos aos
campeões de /958, como Garrincha.
o Brasil cresceu,... ... a produção Eles nunca foram ellfregues
(aumento do PIB ) de cimento aumentou,...
(em milhões de toneladas 4,4 mos a erviço de Bra ília. altou de '2,7
de Portland) milhõe para 3.7 milhões de dólare .
m do. principais credores era o Ex-Im
Bank. a agência americana de fomenro
às exponações. OBra il de JK. cujo le-
ma era cinquema ano em cinco, real-
10,8% 9,8% 9,4% mente cre ceu - mas deixou pendura-
da uma conra salgada e demagógica.
Ao romper com o FMI em 1959-
dizendo que o atendimento das exi-
1956 1957 1958 1959 1960 1956 1957 1958 1959 1960 gência do Fundo fepre entaria o
"aniquilamento do paí . deixando o
povo pa sando fome" - , JK inaugu-
... mas a inflação ...e a dívida rou o tempo em que O FMI virou de-
mudou de patamar... externa cresceu mônio, . imbologia simpli ta e reduto-
(correspondente (em milhões de dólares) ra, egundo a qual o organismo queria
ao IGP-DI ) apena humilhar o Brasil. quando e
tratava omente de cumprimento -
24,5% 3,7 ou de. cumprimenro - de critério.
técnico . Hoje, o FMI como monstro
parece figura de um pa 'sado pré-hi -
tórico, pré-q ueda do Muro de Berlim .
em me mo o PT acredita nele. "Ju -
celino inaugurou o de controle infla-
cionário no Bra il", afirma o pesqui -
. ador Eu. táquio Rei.. do emesis.
1956 1957 1958 1959 1960 1956 1957 1958 1959 1960 grupo de estudos atrelado ao C PQ e
• A Inftação caiU em VIrtude de queda abrupta de preços dos produtos alimentícIos em um pafs até então fundamentalmente agrícola ao lpea. "Seu tempo foi o apogeu da
Fontes: LJlls Raull. Conrreras. IBGE. FGVe Banco Cenrral irre pon abilidade fi cal." _
NAOSE
TRANSFERE
Como foram os melancólicos
(mas nem tanto) últimos dias do Rio
de Janeiro como sede do governo
SÊRGIO RODRIGUES
124 1~OVEMBRO. 2009 1veja 1ESPECIAL BRAS ÍLIA 50 ANOS ESPECLA.L BRAS ÍLIA 50 ANOS 1veja 1:\'OVEMBRO.2009 1125
Cr$ 150 milbões", como noticiou na O cisma aberto em sua elite cultural
primeira página o jornal anti brasiliense deixa claro que o ruo de Janeiro che-
Tribuna da Imprensa. Conrrariando sua gou aos últimos momemos de seus 71
lendária aversão a viagens Nelson ti- anos como capital da República - e
nha aceitado carona num dos ônibus dos 197 desde que se tornara sede da
que o Centro de Preparação de Oficiai colônia, em 1763 - imerso em confu-
da Reserva (CPOR) - onde um de eu são. Uma confusão construída parale-
filhos prestava serviço militar - aluga- lamente ao trabalho dos candangos,
ra para levar oitenta estudantes secun- crônica por crônica, samba por samba.
daristas aos festejos. A caravana saiu conversa por conversa, pelo menos des-
do Rio no di a 20 para uma desconfor-
tável viagem de vinte horas. Em troca
da hospedagem no Planalto Central , o DESPEDIDA
maior dramaturgo brasileiro negociou Juscelino, ao lado de dona Sarah,
enviar para o jornal Úllima Hora, de alguns minislros e funcionários. desce pela
Samuel Wainer, uma crônica a ser pu- úlTimLl re: a escadaria do Palácio do CaleTe
blicada no dia 22, o primeiro da Fede- RJO DE JANEIRO - 20 I 4 I 1960
ração rede enhada. roro, Act.'lC(A EST'úXl
buscava a rima com o nome da nova pelo autor entre os antirnudancistas que. vermelha do Planalto Central. Em tran-
de o inicio de 1957, quando começou a Era natural que a capital preterida fosse tempo da inauguração. Políticos amoti- se épico - o mesmo que o levara a de-
ficar evidente até para os céticos que capital para tomar o rumo OpOSLO: sobretudo no Rio e em São Paulo, pulu-
palco das principais batalhas. nados ameaçavam criar um Senado pa- clarar que, "a partir de Juscelino, surge
Juscelino Kubitschek não estava brin- Não se tratava de mera rixa de lirera- "Levo comigo Conceição e Dorotília / lavam na imprensa e nos meios politicos
ralelo no Rio, alegando falta de condi- - estes puxados pela retórica inflama- um novo brasileiro" -, Nelson imagi-
cando ao dizer que levaria a capital em- tos. A novidade de concreto armado que ções de trabalho na ovacap. Na área violão e tamborim. / Vou fazer samba
em Brasília". da do udeni ta Carlos Lacerda, dono da nou o dia em que veria Drummond num
bora. Aquilo eria bom para oBra il. brotara em tempo recorde no meio de da cultura popular, o racha ganhou cor- canteiro de obra da nova capital, "dan-
A imprensa guardou os melhores re- TribuJla da Imprensa e líder das mano-
mas ruim para a cidade? Um desastre Goiá era um ímã de avenrureiro em po nos ambas anrípodas de Bil1y Blan- do rijas e sadias marteladas".
gistros da briga. O título da crônica que bras que haviam tentado impedir JK de
para ambos? Excelente para todos, com busca de enriquecimento rápido. mas co e Ataulfo Alves. O primeiro, que em Havia mudancistas mais sóbrios. O
pagou a hospedagem de e1son Rodri- tomar posse. "A derrota dos cretinos"
exceção dos barnabés? O Rio, agora deixava apavorados os funcionários pú- 1957 chegou a ter sua execução proibi- e critor paraibano José Lins do Rego
autônomo. ganharia mais atenção de gues em Bra ilia - e que mereceu cha- fazia mira no poeta mineiro Carlos
blicos federais habituados à vizinhança da extraoficialmente na Rádio Nacio- defendia a rese corriqueira de que o go-
seus governantes? Brasilia dividiu os mada de primeira página na Última Drummond de Andrade, outro carioca
da praia e ao consumo elegante na Ga- nal. apregoava que, por não ser "índio verno federal precisava se isolar dos
brasileiros em duas facções, a dos "mu- Hora - era "A derrota dos cretinos". de adoção, que em uma crônica no Cor-
leria Menescal - destes, apenas 1.1 % nem nada". não iria para Brasflia, "nem "problemas locais" de uma grande cida-
Não foi Rubem Braga o alvo escolhido reio da Manhã tinha criticado a poeira
dancistas" e a dos "antimudancistas". tinha sido transferido para Brasilia a eu nem minha farrulia". O segundo re-
Samba em Brasília,
__ a favor da mudança
ASAÍDA. .. .• .ACHEGADA
Caminhão de mudança leva móveis e Desolação do funcionário público no
do Palácio Monroe, sede do Senado TIO Rio ____ cenário seco do novo Distrito Federal
BRAsíLIA _ 1960 FOTO, PETER SCHEIERlI 5111'\!1'O MOREIRA $ALLES
RIO DE JA EIRO - 51 41 1960 FOTO, ."RQU IVO ~ACIO~~l
EMoçÃO DE PRESIDENTE
A JOIO do choro de JK /la missa
eSTará em lOdos os jornais, menos
na Tribuna da tmprensa, do
oposicionista-mor Carlos L{lcerda
CREDENCIAL BRASÍliA. 111 41 1960
O crachá de Trabalho dos jornalisTas Hl10 .\KQI , I \O HYI()(iKA H UJ UI OCH H)IIOIU:.\
HUMBERTO WERNECK brasileira, rezada por frei Henrique de o breu da noite planaltina. ão é de e. -
Coimbra. capelão da e. quadra de Pedro pamar que na primeira fila o presidente
mpaciente como o fundador da ci- Álvares Cabral. Trazida do museu da Sé JusceHno Kubitschek. tenha caído no
dade, o primeiro dia da nova capital de Braga, em Ponugal, a velha cruz não choro, cobrindo o rosto com a mão di-
da República começou na véspera. foi a única relfquia incorporada à oleni- reira. A foto estará em todo o jornais
Faltavam cinco minuros para a meia- dade: minuros mais tarde. no instante da - menos na Tribuna da Imprensa. do
noite quando, na Praça dos Três Po- Consagração, repicou o sino cujo toque oposicionista-mor Carlos Lacerda, que
dere , aos olhos de 30 000 pes oas. teria anunciado em Vila Rica a execução optará por outro flagrante, no qual JK
o cardeal porruguês dom Manuel Gon- de Tirademe em outro 21 de abril, o de cont"abula com João Goulan. para in i-
çalves Cerejeira, represemante do papa 1792. Nesse momemo, as luzes da pra- nuar que o presidente e seu vice passa-
João xxm, deu início à celebração de ça, até então apagadas, se acenderam ram a missa cochkhando.
uma mis a solene. Sobre o altar, erguia- teatralmente, ao mesmo tempo em que Lacerda, claro, não está em Brasflia.
se a cruz de ferro que, 460 anos antes, dois porrento. os holofotes miraram o lânio Quadros. candidato da oposição
abençoara a primeira missa em terra céu. conando com seus fachos coloridos que vencerá as eleições presidenciais de
BOM PERDEDOR Jurae)' Magalhães, governador da Bahia, Tinha apOSTado com J K que Brasflia Ilão ficaria prOnTa a Tempo.
80111 perdedO/; emregou a gravata com pequenos quadrados prelOS e brancos que o presideme IIsaria /las/estas (à dir.)
BRASILlA
HA ABIERTO
SU PUERTAS
FRANÇA: "No Brasil uma capital acaba de nascer' ESPANHA: "Brasflia abriu suas portas'
AO VIVO, EM PRETO E BRANCO Fecho do discurso de JK na rápida reu- ral. uma foto vai registrar a cena dos examinando a nova casa e reencontran- Como ainda não existiam acomodações RETIRANTES Afamília
Mas foi também a estreia brasileira nião ministerial: "Neste dia - 21 de ministros chegando em revoada, com do companheiros". Os oposicionistas. para todos e o Brasília Palace Hotel es- nordestina na Praça dos Três
de lima nOl'idade americana, o videoteipe abril - consagrado ao alferes Joaquim suas togas negras agitadas pelo vento. como era de esperar, e opunham - tive se lotado, houve deputados e ena- Poderes Tillindo de no\'a
BRASÍLIA· 21 1411960
José da Silva Xavier, o Tiradentes, ao o Congresso acionai. contará a Fo· "diversos achavam que a decoração do dores dividindo um mesmo teto, no que BRASÍLIA 11960 fUrO. RE."É BllRRJ ' \IAG ~l"l
FOTO: JESCO vo:o\ Pl"1"11\.A.\1ER I ACERVO IGPA I t:'CG 1380 ano da Independência e 71 0 da Re- Il1a de S.Paulo. "o ambiente geral era de plenário carecia de suficiente solenida- a Tribuna da Imprensa classificou de
púbUca, declaro, sob a proteção de euforia e admiração". De de lumbra- de. ou faziam reparo sobre o funciona- "coletivismo". O sufoco imobiliário
À 8h30, agora sim. com a gravata Deus, inaugurada a cidade de Brasília. mento até, pode- e dizer: acosLUmado memo da casa". contribuiu para estre sar o deputado jornali ta José Amádio, da revista O
de Juracy Magalhães, JK vai receber capital dos Estados Unidos do Brasil". ao mobiliário pesado e vetusto do Palá- Contrariando previsões de que al- maranhense José eiva Moreira, res- Cruzeiro, simpática a JK). "parou um
55 embaixadores estrangeiros no Palá- Primeiro ato do Executivo. a sinado em cio Monroe, no Rio de Janeiro, "os e- guns parlamentares teriam como cama ponsável pela mudança da Câmara e do caminhão e 'requisitou' o móveis que
cio do Planalto, olenidade que não po- eguida: mensagem ao Congre so Na- nadare, sentados em suas cadeiras, fa- uma "folha de jornal", que nem no sam- Senado, que baixou no ho pital. iam nele". reservado para seu colega
derá se estender além de sessenta minu- cional propondo a criação da Universi- ziam-na~ girar. examinando o funciona- ba O Orvalho Vem Cailldo, de Noel Ro- O deputado cearense Ozires Pontes, paraense Océlio Medeiros. Outro. con-
tos. pois para as 9h30 está marcada a dade de Brasilia. mento de tudo e apreciando a decoraçãO sa. nenhum deles ficou sem pouso. Ma tendo encontrado sem mobília o aparta- tou ainda José Arnádio. "figura de pre -
in talação simultânea dos três poderes Em outro canto da praça, à entrada do plenário e das galerias". Algun . ocorreram problema , alguns dos quais mento que lhe foi destinado, "saiu para tígio na República", mandou um avião
da República, cada qual na ua casa. do prédio do Supremo Tribunal Fede- "mais expansivos, pareciam criança resolvido de maneira pouco onodoxa. a rua com um revólver" (o relato é do buscar travesseiros e cabides no Rio de
138 1:-IOVEMBRO.2009 1veja 1ESPECIAL BR.-'\SÍUA 50 A OS ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS 1veja 1NOVBlliRO, 1009 1139
Ina
As eSfil1lGlil'as l'ão de
150000 a 250000 pessoas
najomada inaugllral
N
primeiro arcebispo da cidade, dom José
repórter arguto para descobrir em Roupas de domingo. A poeira, ineluta- Newton de Almeida Baptista; na essão
Brasnia uma espécie até então velmente, esteve não ó no ar como no conjunta do Congre so Nacional, aplau-
desconhecida de roedor, exatamente cenrro das conversas. "As cores predo- dido de pé durante intermináveis minu-
no ano em que os poderes da República minante ' da moda feminina em Brasí- tos; na inauguração do Monumento Co-
lá se instalaram, nem parece ter havido lia serão areia, brique, bege e marrom", memorativo da instalação do governo
malícia na divulgação do achado. vaticinara com arca mo a Tribuna da federal em Bra flia, ao lado do "Prínci-
O descobridor foi o biólogo mineiro João Imprensa. Ourros jornais, sem ignorar pe dos Poetas Brasileiros". Guilherme
Moojen de Oliveira (1904-1985) , que em a poeirada. deram mai ênfase aos en- de Almeida, que desfiou os ver os de
1960 deparou no cerrado com um animal cantos das mulheres pre entes. "A be- ua "Prece atalícia a Brasília"; na pa-
de pequeno porte (14 centímetros mais leza arquiretônica de Brast1ia está de rada militar; no desfile em homenagem
uns 10 centímetros de cauda) da famnia um ceno modo empanada pela beleza aos 60000 candangos que consrruíram
Cricetidae e, em homenagem ao construtor e graça de um mundo de lindas mulhe- a cidade, e que agora, com sua família e
da cidade, batizou-o de Juscelinomys res que, ainda hoje, chegam para as sua roupas de domingo, por ela pas ea-
candango. Como até hoje apenas f~stas da inauguração", galanteou a vam, orgulhosos. misturados a cerca de
nove indivíduos foram avistados, Ultima Hora. O Cru-:.eiro amalgamou 150000 visitantes segundo algun cál-
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente mulher e cidade para ver em Brasflia culos, ou 250000, segundo ourro .
e dos Recursos Naturais Renováveis "um brotinho. ainda inexperiente, ain- Às 22h30, quando já rolava no Eixo
(Ibama) decidiu incluir o roedor na lista da inculto. sem maquilagem", a pró- Monumental uma grande festa popular,
das espécies provavelmente extintas. Bem pria "Lolita do Planalto". Sem derra- JK vestiu ca aca para, com dona Sarab,
mais tarde (1999), a cientista americana mamento de sa ordem. a imprensa recepcionar 3 000 convidados num baile
Louise H. Emmons encontrou na Bolívia esrrangeira fez de Brast1ia um grande no Palácio do Planalto, ao om da or-
<: uns parentes do animal descrito no Brasil assumo. No âmbito doméstico, uma quesrra do pianista Bené Nunes. "Nunca
ri e decidiu estender a eles a denominação das novidades do 21 de abril de 1960 verei um espetáculo mais chique do que
~ Juscelinomys. AMoojen se deve ainda a foi o lançamenro de um diário que re- a inauguração de BrasOia" , exagerou na
~ descoberta, também no Planalto Central, cuperou o título daquele que é consi- revista Manchete o colunista Jacinto de
~ de uma nova espécie de jararaca. derado o primeiro jornal brasileiro, o Thormes. Em O CTlIzeilv, José Amádio
ffi Correio Bra-:.iliense, criado por Hipóli- informará que"a turma dançou pouco" ,
~
lO José da Co la em 1808. No me mo mas "comeu e bebeu muito". A 2 da
dia. os Diários Associados. de Assis manhã do dia 22, o presidente bateu em
Chateaubriand, também inauguraram a retirada, não em antes recomendar às
TV Bra rIia. que pô no ar a primeira filha , Márcia e Maria Estela. que não
rede de televi ão do país, levando ima- pas as em das 3. Depois de ter conse-
gens da festa até Belo Horizome e Rio guido antecipá-lo em alguns minutos.
o feioso anifIUIl foi descoberto e de Janeiro. Foi também a e treia brasi- JK prolongara por duas horas o dia mais
classificado por um biólogo mineiro leira do videoteipe. glorio o de ua vida. _
142 I NOVEMBRO, 2009 I veja I ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS os I veja I t\OVEMBRO. 2009 I 143
Fotografia
CA ADORES
DE IMAGENS
Não houve preocupação do governo no
registro do momento histórico - a memória
visual daquele tempo é resultado da
iniciativa de gente obcecada e aventureira
a infância da televisão, de ImIgrante eram de estirpe diferente
escassas transmissões ao vi- daquela dos brasileiros João Gabriel
vo e videoteipe engatinhan- Gondim de Lima (1925-1994), envia- MARCEL GAU11IEROT
do, os fotógrafos foram fun- do especial de um jornal de Fortaleza (1910.19961
damentais na história visual ao cerrado, do químico de formação Olran I apaixonol/-se pelo
dos primeiros anos de Bra- lesco von Puttkamer (1919-1994) , de Bro 11 ao lu Jublabá.
escreveram capítulo especial pais alemãe , e de Mário FontenelJe romance de Jorge Amado
na aventura. "Revelaram a nova arquite- (19 19-1986), um mecânico de aviões PETER SCHElER
tura e o que havia por trás dela, os ope- piauiense que se aproximou de lK e a (1908·19791
rários que buscavam o futuro num lugar partir dessa proximidade fez as fotos O a/tml1o em aUfOrrttrlUO
inóspito", diz a arquiteta Sonia Maria certas no lugar certo (é dele a imagem no Pu/dela da Alvorada
Milani Gouveia, e tudiosa do assunto. do cruzamento inaugural que aparece
m primeiro raciocínio pode fazer crer no início desta edição de VEJA). Gon- rar-se no imperador dom Pedro 11, que agência Magnum. as eram iniciati-
que os profissionais das lentes tenham dim, Jesco e Fontenelle tinham o olhar instituiu a figura do "photographo da vas pessoais, de gente obcecada.
tido. em meado do século XX. função candango, "o ponto de vista de quem Casa Imperial' em 1851. Existem ima- Nunca existiu preocupação oficial
emelhante à de pintore como o fran- construía a nova capital", diz o antro- gens do nascimento de Brasília - par- de documentar um momemo épico do
cês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) pólogo e fotógrafo Milton Guran, pes- te delas heroicamente guardada pelo país. Como sempre, é a iniciativa pri-
e o alemão Johann Moritz Rugendas quisador do Laboratório de História Arquivo Público do Distrito Federal. vada que preserva os documentos his-
(1802-1858), que no século XIX mos- Oral e Imagem da Universidade Fede- momado anos depois da inauguração tóricos. Os negati vos de GaurherOl,
rraram, por meio das mi sões artística . . ral Fluminense. da cidade - porque havia relações de Scheier e Farkas fazem pane do acervo
o exotismo brasileiro ao exterior. no Com uma máquina Leica presentea- amizade e compadrio. Fontenelle, por- do In tituto Moreira Salles. São a tra-
tempo da escravidão e colônia. A com- da por JK. Fontenelle fez imagens que que Juscelino go tava dele. Gaurheror. dução em preto e branco de uma frase
paração é indevida, porque profissio- naquele tempo soavam como mero re- porque Niemeyer o convocara para a do filósofo alemão Max Bense, que em
nais como o francês Mareei Gamherot gistro burocrático, espetacular senso de empreitada. Havia também repórteres ] 961 esteve no Planalto. "Essa cidade
(1910-1996) e o alemão Peter Scheier oportunidade, e hoje têm força seme- fotográficos de órgãos de imprensa, é um evento visual, como um cartaz",
(1908-1979) já viviam no Bra il quan- lhante à do registros de Claude Lévi- como Jean Manzon. e apaixonado co- escreveu no livro 1I1leligência Brasilei-
do foram em busca da urpresa do novo Strauss no Bra il dos anos 30 e de Pier- mo Thomaz Farkas. além de corre - ra (Co ac aif"y). "Bra ília exige da
no Planalto Central. "Embora tivessem re Verger, um pouco mais tarde, ao pondentes internacionais. como os da consciência um novo sentido para a
um olhar exógeno. de fora estavam mo trar o parente co entre o povo da métrica, mas o matiz topológico de sua
completamente adaptado à cultura na- Bahia e o de Benin , na África. concepçãO é revelado pelo fato de que
cional". afirma Sonia Maria. É espantoso, do ponto de vista da MÁRIO FONTENElLE se pode, a partir de qualquer ponto de
Ainda que tivessem raízes tropicais, memória de um país, que o governo de (1919-19861 vista. repre entar a cidade comprimida
condição que barrava o olhar deslum- JK não tenha montado uma equipe de Mecdnlco de avllJt . era amigo pessoal ou distendida, relativamente aumenta-
brado do desconhecido, os fotógrafos registro documental - bastaria in pi- de Juscelino Kub/Is flek da ou diminuída." •
144 1:>IOVEMBRO. 2009 1veja 1ESPEC IAL BRASÍLIA 50 ANOS ESPEC1AL BRASÍLiA 50 ANOS 1veja 1:'\OVEMBRO.2009 1145
Realidade
o DIA
SEGUINTE
Para deflagrar um hábito e antecipar um mau
costume, o cotidiano de Brasília começou
com um feriadão e tentativas (malsucedidas)
de CPls. Mas o Grande Prêmio JK de
velocidade foi um tremendo sucesso
CEcíLIA PINTO COELHO mobilismo nas avenidas e do Campeo-
nato Brasileiro de Barcos no Paranoá
rasília fez- e BrasIlia, ou ao -, e como o cotidiano e anuncia se
menos a Brasília do poder, árido. houve debandada geral. Pelo EIXO RODOV1ÁRIO· 2J 141191íO
no dia seguinte ao cortar de menos 500000 pessoas acompanharam FOIOo ARQUIVO PI.'BLlCO
fita. Começou com um feria- as festas no 21 de abril de 1960. Mui- DO DlSTlUm fl-Dl-.R ~I
146 1. 'OVEMBRO. 2009 1veja 1ESPEClAL BRASÍLIA 50 ANOS ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS 1veja 1NOVEMBRO. 2009 1147
EIXO MONUMENTAL, 1960 EIXO MONUMENTAL, 2009
,
LIBERTEM O ESPI ITO DE BRASILIA
o tombamento, assegurado modem i ta urban ísticos, arquitetÔnico e burocráticos de
vida citadina que a fundaram. Ao longo dos anos, tornei-me
comentários como um pro resto contra e sa prisão e seu.
carcereiro . Ofereço-os como um apelo aos cidadão de
para descrever o choque do novo. Muitos imaginavam que
o universo de inovações da cidade moderni ta - não só ua
por uma camada de leis, conhecido como um "crítico de Brasília". Ainda que o seja.
continuo um vigoro Odet'ensor daquilo que os candango
Bra ·rua para reviver a cidade como um espaço nacional
e pecial de experimeOlação. dedicado à solução de
~u'quiLetura e 'eus vaSlO e paço 'em esquina nem praças.
ma também eu novo i lema educacional. a au ência de
trai a ideia original de um lugar com o quais trabalhei para investigar a hi rória da sua importante problema da vida urbana conremporânea. propriedades privada. a distribuições igualitária de recur os
cidade de creviam como endo o espírito de Brasília: ua Ma ante me deixem de crever e se e pírito. porque ao funcionário. enrre muita outras - produziria um
inovador e experimental invocação para romper com Opa ado, para ou ar imaginar receio que muito po sam ler se e quecido de que i . o já e tranhameOlo radical que teria como re ultado, nas pala ras do
um futuro dit'ereme, para abraçar o moderno como um definiu o que havia de e. . encial e glorioso a re peito da relatório de 1963 da ovacap a re. peito da ua admini rração
JAMES HOLSTON * campo para experimenro e ri co - um espírito que os cidade. Brasília sempre foi ao me mo tempo radicalmente da capital. publicado na ua revista Brasília. "a inexistência de
in pirou a criar uma cidade de ramo modos inovadora. e tranba e familiar, eparada e integrada ao re to do Brasil. di criminação de cla se ociais (, .. ). e as im (seria ) educada.
e cobri aquilo que o pioneiro candangos para além da sua arquitetura e urbani mo. Ju Lificando seu apoio ao Plano PilOlO modem i la de Lucio no Planallo. a infância que con. lfuirá o Brasil de amanhã.
chamavam de " 0 espfrim de Bra f1ia" no começo De de os dia pioneiro de Bra ília, no entanto, es e Co ta para a cidade, o pre idente Kubitschek argumentou. já que Brasília é o glorio o berço de uma oo\'a civilização" .
da década de 80. quando vivi durante doi anos espírito tem sido epultado ob camadas de preservação em eu livro de memórias. Por que COIlSlrtlí Brasília, que.
no Di ·trito Federal. Eu e 'rava fazendo a legal que o impedem de in 'pirar nova ' geraçõe de cidadãos "devendo constituir aba 'e de in'adiação de um si 'lema Sentido de invenção. Se e ' aBra ília parece
inve ligação de campo para o meu livro obre bra ilien e . que impedem e e cidadão de o u arem de bra ador (de deseI11'Oil'imemo) ( ... ). (Brasília) leria de incongrueOlememe brasileira, ua con trução e
a cidade, publicado inicialmente no E tados para tomar a cidade viva com ua próprias experiência . er, forço amente. uma metrópole com caracteríslica de envolvimento expres am ao me mo rempo um jeiro
e depoi no Brasil (A Cidade Modernisla , 1993 ). Ele continua. em vez di so, algemado ao erviço de diferenre . que ignora e a realidade comemporânea e e noravelmenre brasileiro de fazer a coi as: um enrido de
Ele con idera o extraordinário pri ilégio e de igualdade algun pouco velho pioneiro e eu herdeiros, para quem voltas e, com todo o eus elememo constitutivo , para o invenção, uma aptidão para a impro i ação, um de ejo de
de Bra. flia - . egundo vário. indicadore. , a cidade mais e. . e e. pfrito . er e apen~ à . ua vi. ão de Bra ília. Ele. a fu turo". Brasflia moderni. ta perrurbou o mundo familiar . up rar com saltos. É a nece .. idade de . er moderno que vê a
desigual do Brasil na época da minha pe qui a - como governam como gerontocratas. rei indicando o privilégio da década de 50. com ua exibição de modernidade. falta de recur o como uma oporrunidade para a ino ação.
originado não primariamente nos fato 'ub equenre à ua e a exceção para de vez em quando retirá-lo da ua tumba a regulamemação e progre o. ramo que a ua primeira Afinal. os pioneiro con trurram Bra ília em pouco mai de
inauguração. ma principalmeOle na premi a do modelo fim de ju (ificar um projelo de eu iOlere se. Ofereço e e geraçãO de habilaOle cunhou um lermO e pecial. bra ilile. o'ê ano . Ele lran formaram um lugar no meio do nada,
14 1 :'>10 EMBRO. ~009 I veja I ES PECIAL BR SILlA 50 ANOS ES PECLA.L BRA lUA 50 ANOS I veja I :-':OVEMBRO.2009 11-19
Patrimônio
ssa nova concepção motivou os candangos a inovar experimento significativo. O que é relevante é que
E
marcado com um X no chão. não só em uma cidade habitável Essa qualidade especial deriva menos da em todos os domínios da construção e organização os pioneiros ousaram pensar experimentalmente tanto em
em tempo recorde, mas também naquela que apresentou ao identidade de Brasília como capital das capitais da cidade. Se hoje a maioria de nós celebra as escala local quanto nacional e ofereceram seus resultados
mundo todo em 1960 o mais moderno urbanismo. Para isso, do que das sua concepções fundadoras como uma 'invenções da arquitetura e do planejamento urbano para avaliação. de modo que pudéssemos aprender com eles
empregaram táticas de bricolagem; experimentaram em todos os cidade experimental, uma cidade projetada para de Brasília. é só porque as outras foram menos óbvias. A e desenvolvê-los mais. O importante na avaliação
campos. Por isso. reproduziram no pioneirismo de Brasília o arriscar algo novo - precisamente a característica experimentação in pirou a escolas da cidade. seus hospitais, do pioneiJismo de Brasília é que lanto os ucessos quanto
distinto estilo do Brasil de inventar sua modernidade. fundadora que seu pioneiros chamaram de "O sistemas de tráfego. organização comunitária, di tribuição os fracas os derivam da mesma fonte. a saber. seu espfriro
Não é surpreendente que essa distinção abunde em espírito de Brasília". Esse talento para inovar da propriedade. administração burocrática, abastecimento de se arriscar à inovação.
contradições. Por exemplo, como a capital nacional tinha de ser estruturou a cidade com um novo sentido de espaço. de água. saneamento básico. culto religioso, agricultura,
diferente, os planejadores de Brasília pretendiam excluir tempo e propósito nacionais. que se tornaria "uma arte, dança, teatro, música e outras coisas. Os pioneiros Memória coletiva. Se o espfrito de Brasília é, portanto,
características indesejadas "do resto do Brasil". Daí que o Plano base de irradiação", como disse Kubitschek, a fim acrediravam que os experimentos de BrasOia introduziriam o do experimento. não é perverso que essa cidade esteja
Piloto tenha proibido o desenvolvimento de periferias urbanas de transformar toda a nação na qual foi inserida. Daí novos hábitos sociais. instituições e padrões como modelos congelada no tempo. que toda a área urbana do Plano Piloto
para os pobres, típicas de outras cidades. Mesmo assim, ainda o regime de trabalho árduo que construiu a capital que transformariam tudo ao seu redor. Eles acreditavam em seja legalmente tombada por camadas locais. nacionais
antes da inauguração da capital, em 1960, as polfticas públicas ler sido conhecido nacionalmente como "o ritmo fazer a vida urbana brasiliense diferente, não pelo exotismo. e internacionais de preservação jurídica? Se essa cidade
j~ haviam criado deliberadamente uma periferia empobrecida de de BrasJ1ia", definido como uma construção nacional mas para estabelecer uma arena de experimentação na qual experimental se rornou assim um memorial. que memória
CIdades-satélite, "abrasileirando" suas fundações. Entretanto, a 36 horas por dia - "doze durante o dia. doze à noite. se resolveriam importantes problemas nacionais. ela registra? Um memorial nunca conta a história inteira.
cidade regional resultante - o privilegiado Plano Piloto e suas e doze pelo entusiasmo". Isso expressa perfeitamente Ao avaliar essas iniciativas. fica claro que algun aspectos Em vez disso. ele seleciona cenas condições que os autores
periferias - não reproduz simplesmente o Brasil ao seu redor, a nova invenção espaço-tempo da modernidade deram certo e outros fracas aram. É preciso enfatizar. querem preservar e ignora outras. Se o e pírito de um lugar
que os planejadores buscaram negar. as suas combinações do de Brasília, a qual articula a possibilidade de mudar porém, que tal resultado é característico de qualquer _ o que os romanos chamavam de genius loei - consiste
radicalmente diferente e do familiar, Brasília conÚllua distinta o curso da história. acelerando o tempo e
na constelação de cidades brasileiras. impulsionando o Brasil para um futuro radiante.
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;ª: -.._--- - - ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS I veja I 'OVEMBRO.2009 11 5\
150 I NOVEMB RO, 2009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS
no que é colocado e deslocado na memória coletiva, será que o APELO DE JUSCELINO e de então. foi protegida por trê camadas legais
o genius de Brasília foi traído pela pre ervação? Pior. foi
rraído por um punhado de fundadores que, ao pre ervar a
cidade como seu próprio memorial. negam às gerações
subsequentes de cidadãos bra ilienses o eu direito à cidade.
a oportunidade de fazê-Ia ua e construir a cidade que ele
Em 15 de junho de 1960. menos
de dois meses depois da
inauguração, em billzete enviado
a Rodrigo MeLo Franco
D adicionais. Em J987. o governo do Distrito
Federal regulamentou o artigo 38 por meio do
Decreto n° 10829 , dando àquele artigo uma nova
e pecificação e aplicação. Também em 1987, Bra í1ia
recebeu uma inédita proteção internacional como
desejam habitar. ua chance de e tender es e e pírito de Andrade. chefe do Parrimônio re ultado de uma intensa campanha bra i1eira: a Unesco
experimenração para sua própria vida e seu próprio tempo? Hislórico, JKjá pedia o garanriu sua preservação ao in crever o Plano Piloto
rombamenro Cinclu ive os bairro do Lago) na ua Lista do Patrimônio
a verdade. essa questões emergiram logo no Mundial , Cultural e Natural. É a maior área urbana do
que e tabeleça uma mania das elites por meio da lei pre ervar Brasflia como um campo de experimentação, de visível a vitalidade da vida urbana como debates sobre o de planejamento. Em vez disso, é um desenvolvimento
e de con 'elhos de planejamento, e dê podere a uma inovação contínua. Deveria também pre ervar Brasília como próprio urbanismo. A densidade desse registro produz cidades caótico. Se na teoria o tombamento compromete o espíriro
gerontocracia de fundadore para manter sua vi ão, um lugar e pecial no Bra iI onde e e tipo de risco é po sfvel. ricas em experiência e recompensa aquele que a conhecem. de Brasília, na prática ele não evita efetivamente a
enquanro priva as gerações mai joven da oporrunidade Congelar Brasília em um momento trai e e espíriro. Os vasros espaços vazios de Brasília precisam conter tais corrupção do seu corpo. Entender como fazer o mercado
de definir a sua própria? Além do mai . a pre ervação ju taposições, cujo fri on é o melhor meio não ó de nutrir contribuir para experimento de urbanismo que tratem de
de Br~ nia conta uma hi tória muito parcial. a de eu a ideia fundadora de Brasflia como um experimento, mas problemas ociais imponantes seria um feito inestimável.
M
inha uge tão não inclui de forma alguma entregar
planejadore e arquiteros de elite, ma não a do operário o Plano Piloto à força do mercado e à especulação também de perpetuar a imponância do eu experimento Na década de 50. Brasília ou ou ser uma inovação no
que con truíram a cidade e se rebelaram contra a sua imobiliária. Em vez di so. ignifica promover arquitetônico inicial, do eu projero modernista Co tal urbanismo. Como a maioria dos experimento
exclu ão. Ela também negligencia a hi tória de funcionário experimentos controlado em todos o aspecto iemeyer/Ciam. ignificativo , a sumiu o risco de se submeter à avaliação
que desenvolveram propo taS novas, ma não arquitetônicas. do urbani mo, incluindo a habitação, a educação. o erviço da opinião pública. Hoje, continua endo imponante
para a vida urbana. Deveria sua pre ervação comemorar médico , o transpone e o governo. Essas iniciativas vão Lobo da especulação. Além do mais. as leis de pre ervação comemorar os experimentos particulares dos fundadores
tal privilégio ocial e espacial? necessariamente responder ao Plano Piloto de Costa, ma de Brasflia são na prática muitas vezes burladas pela de Brasília, mas só no contexto de celebrar a ideia maior
Sem dúvida. debater prós e contras de as afirrnaçôe também podem partir dele para a con ideração de novo ' negligência e pela corrupção, um destino comum demai da da modernidade como experimento e lisco, que é O 'eu
de encadearia uma torrente de paixõe , em nece ariamente problemas. De a forma. o planejadore poderiam pre ervar adlTÚnistração por e taLUto. Muita vez e ouvi moradore de e píriro. Tran corrido cinquenta anos da inauguração
cbegar a uma conclu ão completamente atisfatória. Talvez muilos a pecros da cidade modernista. ao mesmo tempo em Brast1ia argumentar que abandonar a preservação permitiria da cidade, é hora de libertar o espíriro de Brasília. _
meno polêlTúco fo e concluir que não há menção, nes e que permitiriam que Brasilia se toma e uma cidade dotada que o lobo da e peculação do mercado devora e a cidade.
pronunciamento a re peito da pre ervação de Brasília. àquilo de camadas com outra formas de urbani mo. O que faz com Minha re po ta é que. inegavelmente, o rombamento falha * James Holston é professor de anTropologia /la Unil'ersidade
que na minha opinião é a maio importante da~ . ua. que cidade. como Paris, ova York. Roma São Franci. co e em proteger a cidade do. male da e peculação e da da Califómia em Berkeley. É al/lor dos Ih 'TOS A Cidade
"características e enciais". ou eja. eu e píriro de invenção. São Paulo sejam interes ante é que elas não e baseiam em corrupção. Por exemplo, o crescimento do Setor Hoteleiro Modernisra - Uma Críúca de Brasília e Sua Utopia, de 1993.
Se e e e pírito é e encial. e e a pre ervação e de tina a apenas um modelo. mas ão dotada de camada com vi õe one nem e adéqua ao Plano Piloro. nem egue a lógica da e. recelllemellle, lnsurgem Ciúzenship: Di JUllcIions
proteger o e encial. então no IlÚnimo o tombamento deveria de cada geração que viveu nel as. E a ju tapo ição toma competição de mercado, nem constitui um novo experimento of Democracy and Modemity in Brazil (2008)
o país de 1960
o JK DA ALTA-COS nasceu junto
com a fama
de Dener, o
costureiro que
É LUXO SÓ
o cosrureiro, 1/0 rempo
desdenhava
em que não se di:ia dos políticos
esrilista, no início da
década de 60: "Tenho
mas sabia que
ho-rror a polírica ". o corte malfeito
assim mesmo. com o
h(fen /lO lugar errado
podia tomá-los
c. I961 -=--- ridículos
FOTO ano sn.PAKOFFI
L"STtTUTO ~ORElRA SAllES
•
DÉBORA CHAVES
SI CA '-:.'~
1959. o cosrureiro Dener ganhou o X
prêmios Agulha de Ouro e de Platina do GAROTAS DO ALCEU
reputado Festival da Moda. Em 1960. a A arri- Cannem Verônica.
láurea dourada ficou com Clodo i\. cobiçada ....edele (à esq.). apareceu
Em eu livro de memórias, Dener -
O Luxo, de 1972. relançado em 2007. o
paraense radicado no Rio conta que co-
ao longo de de: a/lOS I/a Iis1agem
do crolli.wa e hlltllorisca Srallislaw
Pome Prera. pseudônimo
CHAMBO
meçara sua carreira de corre e co Lura, de Sérgio PorlO: era a versão FUSCA
ao improvávei 13 anos. na maison ca-
rioca. Ficou pouco tempo, um ano e
em carne e os o do desenho
de Alceu Penna
X
tanto. Sua primeira cliente: Sarah Ku-
SIMCA CHAMBORD
Gell/llno carro de passeio
bit chek. "esposa de um polftico famo-
brasileiro. o Sedall VW chegou
o e que precisava de um ve tido de
às ruas em janeiro de 1959-
noite para a comemoração de mai uma
seu avesso foi o gral/dão
itória de eu marido". nas lembrança
Clwmbord. o primeiro
do estilista. A Canadá fez a roupa da
alllOmól'el de luxo
primeira-dama para o baile de gala de
fabricado 110 paI
2l de abril de 1960, no Palácio do Pla-
nalLo. Sarah ve Lia um LOmara que caia
de organza branco, rebordado em ponto
cadeia com fio de ouro. lantejoula. vi-
drilho e cri tai tran parente e doura-
do. . no. depois, num des. e. mal-en-
tendidos que construíam a carreira po-
lêmica de Dener, a donas da Canadá
de mentiram tê-lo contratado.
15 I 'OVEMBRO.2009 I veja I ESPECIAL BRASI LIA 50 os ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS I veja I I'\OVEMBRO. 2009 I 159
Moda
LOOK FAMíLIA
A Canadá era a Daslu da época. Im- LOOKFESTA Juscelino, de terno
portava casacos de pele e roupas de esti- O primeiro-casaL
de três botões,
listas consagrados como Christian Dior, /lO baile inaugural,
ao lado de Saral!
Jacques Fatb e Balenciaga, mas também e/e de casaca,
e das filhas, Márcia
produzia a sua própria coleção de a1ta- Saral! de longo
e Maria ESle/a.
co rura e prêt-à-porrer. É provável que a fOmara que caia.
ELas veSlem
maior parte das socialires presente à eSfOLa, colar
I'ariações de tailleur.
noite de inauguração de Brasília vestis- de pérolas de sele
com casaquelOs
se alguma criação de Mena Fiala. É voLTaS. Lul'as
bem-comporIados
100% cerro que, à entrada do ediffcio crês-quarfOs e
-o destaque
projetado por iemeyer. houve muita ca17eira dourada
é o primoroso
luta para não enterrar o salto alto no bar- BRASÍLL4.-2114 11960 (/cabamemo dos
ro rubro-ferruginoso do cerrado - que FOTO: DIVULGAç..\OI bOlões forrados
o dissesse Ruth de Almeida Prado, qua- EXPOSIç.'O MENA flALA
com o mesmo fecido
trocentoDa de quatro costados, cuja foto
da rOl/pa
atraves ando o chão entre o 50000 can-
dangos que acompanhavam o festim de BRASÍLIA - 21 14 11960
uma pequena revoLução de comporta- Brasília. depoi da saída de Juscelino e provocação. mas há muita graça no co-
mento). Veslir- e, e vestir-se bem - Sarah, não houve modelo mais conheci- mentário de Dener, feiLO quando o casal
preferencialmente de algodão. como da e celebrada que a morena primeira- Goularr foi para o exflio, com o golpe
recomendava JK -, rornou-se obriga- dama Maria Tere a Goularr. mulher de militar de L964. A bagunça poLítica da-
tório em um país de calço. Em L959. Jango, ve tida por Dener. obviamente. quele ano era o aves o da elegância
foi lançada Manequim, da Edirora Abril, O estilista, para u ar uma expressão da e. posa do pre. idente. uma conver-
a primeira revi ra de moda feminina de arua], tinha livre rrânsiro no Planalro e sa com um policial que o procurara por
tiragem nacional. Os moldes que ela no Alvorada. Os vesridos de Maria Tere- telefone. por conhecer suas ligações
oferecia tran portaram a moda para a ajudavam a reforçar a imagem da com o casal presidencial. Dener deu
denrro das ca as, dos armários domésri- etiquetas que tinham manufamras no ei- uma resposta ácida ao homem que de-
coso Paralelamente, buriques e lojas de xo Rio-São Paulo. Além de servirem aos sejava saber se ele e. tava realmente re-
tecidos começavam a contratar modis- ricos das duas cidades, passavam ram- voltado, como dis era aos jornais. A
tas para desenhar vesridos para as clien- bém a entrar no guarda-roupa da mu- resposta, irônica: "Revolladíssimo, meu
te , no vácuo do que faziam os arqui- lheres de depurado. , senadore e minis- senhor. O que Maria Teresa fez foi um
inimigos Dener e Clodovil. tros que desembarcavam em Brasília. crime, um crime! Fiz ve rido para ro-
O belo de enho, alimentado pela ele- das a oca iões, para ca amentos. para
Avesso da elegância. Alinhavava-se a gância discreta do. Kubitschek e pela funeral, para .olenidade oficiai. Só
moda bra ileira, era a alegria do pri- permanente estica de Maria Teresa. vi- não fiz um vestido para deposição, por-
mórdios, apesar das insistentes influên- veu o apogeu junto com o cre cimento que ela não pediu. Maria Teresa poderia
cias europeias. 1 os primeiros anos de de Brasília. Parecia piada, oou como u ar um taiUeur marrom, cinza-grafite
Persona em
A PRIMEIRA ·
VALSA DO
PRESIDENTE
Martha Garcia, a miss
Brasília 1959, brotinho
típico de um tempo
charmoso, lembra-se
dos galanteios do baile
inaugural
primeira valsa do pé de valsa Juscelin o no baile da das mãos do procurador-gera l da Repúb lica, Carlos Medeiros,
NA VIZINHANÇA Linguística
A Superquadra Sul
208 Transformada
em palco ao ar
livre nunw
o PORTUGUÊS DE
apresenTação do
Abono Elénico TODAS AS ORIGENS
presTes a virar
Legião Urbana o modo de falar da capital
BRASÍlIA - 1980
O
roTO: LV1S AOOLl sotaque não é carioca, Mesmo assim, o erre é
carregado. Não é nordestino, mas, ao ser
contrariado, o brasiliense imediatamente dispara
um "oxe". Brasnia tem ou não tem sotaque, afinal? Sim e
não, Stella Bortoni, doutora em linguística e organizadora
do livro O Falar Candango, a ser publicado pela Editora
Universidade de Brasnia em 2010, explica: "A marca do
dialeto do Distrito Federal é justamente a falta de marcas.
A mistura faz com que os sotaques das diferentes regiões
do país percam muito de sua peculiaridade".
Mas o tempo impõe marcas, e já é possível percebê-
las. Para Ana Vellasco, também da Universidade de
Brasília, o modo de falar candango fica evidente na
melodia, "Não se fala tão cantado quanto no Nordeste.
As pronúncias do 't' e do 'd' se aproximam do modo como
o carioca fala , mas o 's' é à mineira", diz, O"português
candango" já tem suas expressões únicas. Só em Brasília
se anda de camelo ou de baú. A arquitetura, mandatória,
também ajuda a criar um glossário de termos brasilienses.
Afina l, onde mais se dirige por uma tesourinha?
Gustavo Nogueira Ribeiro
Você), Renato Rus o escreveu: "Tudo numerado é legal lugares e que uma tradição ainda está por e COnStIrulr
mas enche o saco". - a cidade é jovem demais para contar uma história.
CRUZAMENTOS
" SQS ou SOS?", eis a questão resumida pelo poeta
icolas Behr. representante brasiliense da chamada tumla
"Em nossos espetáculos, conseguimos fazer humor com
as realidade regionais sem [orçar a barra". afirma Siri. Eixo Rodol'iário,
PEQUENO GLOSSÁRIO
do mimeógrafo. de bar em bar vendendo seus livrinhos. Cinquema anos. em qualquer cronologia urbana, marco da
Se Leo e Bia, o casal criado por Oswaldo Momenegro em é muito pouco tempo. circulação de
Baú - ônibus
1973. viviam no centro de um planalto vazio. " como se carros da capital
fosse em qualquer lugar", Eduardo e Mônica descobriram Caipirice. ão se pode dizer que Brasília, ao 50, seja de pouqufssima Camelo - bicicleta
outro rQ[eiro. menos etéreo, mais real . Como os apenas a cidade de Lucio Costa e Oscar Niemeyer. sinalizaçc70
personagens da música da Legião Urbana. a cidade se " ão podemos esquecer da tradição e da vida anterior luminosa, em Cobogõ - não é expressão genuinamente do
encontra pelo Parque da Cidade, anda de camelo, toma ao concreto, do ertão e sua cultura", afirma o violeiro decorrência do cerrado, mas ali vicejou; é o elemento vazado da
conhaque, faz magia e meditação. Esbarra. a im, num mineiro-brasiliense Roberto Corrêa. Brasília, portanto, desn{vel de rllas e arquitetura, as tramas que desenham as fachadas
cotidiano aparentemente igual ao das outras cidades. alia a saudável caipirice de origem (não confundir com ffi1enidas dos edifícios, de modo a ampliar a ventilação e a
Mas talvez apenas esbarre, porque a vida em Brasília é a breguice sertaneja que a cidade abarcou, em especial nos BRASíLIA -1961 iluminação. A palavra, surgida em 1930, no Recife,
realmente diferente, inclassificáveL doze anos de governo Joaquim Roriz) ao cosmopolitismo FOrO: ARQlJlVO BLOCII
EDITORES vem das iniciais do sobrenome dos engenheiros
" Bra í1ia não é um lugar qualquer'·. resume o ator que nasce do casamento do moderni mo arquitetônico Amadeu Oliveira Coimbra, o Co; Ernest Boeckmann,
Adriano Siri, da Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo, com uma população de alto poder aquisitivo, viajada.
o Bo; e Antonio de Góis, o Gó
sucesso de bilheteria em todo o país. ''Tem es e propósito Em RenalO Russo: o Filho da Revolução (Agir), o
inicial de abrigar poderes. autoridades, embaixadas, ma , jornali ta Carlos Marcelo mostra como o lfder da LegiãO
ao mesmo tempo, traz algo nas características urbana. que Urbana e a turmas que gravitavam na esfera do rock foram Tesourinha - conjunto de retornos em um
nos diferencia. A cultura, naturalmente, deixou-se marcar os primeiros adolescentes a poder assumir em medo cruzamento em formato de trevo
por isso." Ele lembra que Brasília. como nenhuma outra a identidade da cidade em construção. com todas as suas
cidade bra ileira. concentrou geme vinda de lodo os inquietações e imperfeições." as compo içôes iniciai . Véi - amigo, cara, sujeito
168 I NOVEMBRO, 1009 I veja I ESPECIAL BRASíLIA 50 ANOS ESPECIAL BRASÍLIA 50 ANOS I veja I NOVEMBRO. 2009 I 169
NOVIDADE NAS RUAS
Pichação na eJ1rrequadra comercial da
Asa SuL celebra o nascimellw da banda
recém-criada, a AborLO Elélrico
BRASíLIA - 1980
FOTO: J FRA.!\C ..V CORREIO BRAZIUE.' \SE/D.A . PRESS
no fim do ano 70, Renam Russo utilizou a estética e um plugue na tomada de L ondres ou Nova York,
e a sonoridade punk, que tinham acabado de surgir na partiu para a ação debaixo dos blocos, como 'ão chamados
Inglaterra e no. Estados Unido. , para ampli ficar o impacm os edi ffcio re idenciai no Plano PilolO de Lucio Co la.
da letra que escrevia obre a situação política do Brasil Do gramado abeno brasilienses à alas e, fumaçadas
e do que ob ervava no cotidiano da capitar', afirm a M arcelo. do Rio ou de São Pau lo. foi um pulo. ou melhor, um mosh,
"E 'sa mi 'rura em i guais proporções de ingredi entes como O ' punk ' defi nem o salto do músico aos braços
cosmopolilas e nacionai s é bem caracrerí lica da juventude da platei a, num movimento de euforia. mas arriscado.
brasilien e daquela época ." As banda de embarcavam com um poderoso cartão
Para o j orn al i ta, a angú tia re umida nas letra de visita: " orno de Brasília" , como quem dizia " somo
do roquei ro é a tr adução das dores do pan o e do crescimento de M anchester" , o que ign ificava som de qualidade.
da cidade. "Ela. captaram a atmosfera daquele tempo, entre pul ame, novo - e muim barulho. O reconhecimento colou
o fi m do regime militar e a democratização, como se fossem inclusi ve na geração posterior. a de Raimundos. Maskavo
polaroide " , diz. Para Carlo Mar cel o, " Renato foi o e ariruts, já no ano 90.
primeiro a ca mar. com mdas a letras. a angú tia de
morar numa ci dade sufocada. de estar cheio de se semir Faroeste caboclo. Brasflia, de cobriu-se. ti nha carne e os o
vazio", comp leta, numa referênci a a trec ho da letra - e se tinha ambo é porque também tinha alma, embora
da canção Baader-Meinhof Blue , uma das tamas que quase sempre fo se melancólica. "A superquadra nada mais
mi slUravam e lado de espírilo com o de enho urbano. é / do que a solidão di vidida em bloco ", lugar em que
O mundo, naquele el ia do anos 70 e 80, anelava " burocratas de verd ade só fazem amor / em almofadas de
me mo complicado. Para levantar a poeira da inércia bem cari mbo", escreveu o poeta Behr. Outra vezes. além
acomodada na tranquilidade pl anejada das superq uadras, de tri ste, foi raivo a. H avia uma saída. e ela não era
a arte do rock encontrou B ras fli a, ao mesmo tempo em que, o aeropoJ1o, como manda um chavão ai nda hoje
inev itavelmente, estabelecia uma mirada estrábica: um olho insistentemente repetido. " M eu D eus. mas que cidade
nos piloti e no cobogó , outro nas informaçõe que linda!", gritavam e gritam os bra ilien e em coro e com
circul avam mundo afora. Com bai xo. gui tarra. bateri a orgulho no verso de Faroesre Caboclo. a enorme e irônica
Etimologia
;
O GENTILICO DO CIDADAO
- Foi natural , nesse caminho, a apropriação do candango para
definir os brasilei ros - majoritariamente do Norte e Nordeste -
que desembarcavam no Planalto Central para inventar uma
DO DISTRITO FEDERAL? cidade de 1957 a 1960. Juscelino Kubitschek, em sua campanha
para transforma r a criação da capital em jornada épica, tratou
de alimentar um outro sentido da palavra . Candango, pa ra JK,
Candango ou bra ilien e, a depender da em entrevista ao Diário Carioca, era o avesso da "triste aparência
origens e da posição geográfica na cidade de um inválido abatido, com que Euclides da Cunha retratou
o sertanejo". E mais: "Vocês não o encontrarão no companheiro
candango, a quem devemos essa cidade".
gentílico de Brasília : candango ou brasiliense? Tudo muito bem, embora , como ressalta o filólogo Antenor
ASSIM ERA
MAIS FÁCIL
Para Tom e
Vinicills. 1/0
apartamenTO de
cobertura do
poew /lO Rio.
fazer IIllÍsica era
só traduzir O bem
viver à beira-lIlar
RIO DE JANEIRO , c. 1960
FOTO. AR.~OLDO JACODI
canção narrariva da Legião, prestes a e transformar em Entre o concreto e o abstrato. Brasília conrinua a buscar
filme. "E num ônibu entrou no Planalto Central/Ele ficou uma normalidade inexi ·teme. Mas "ainda é cedo", diz
bestificado com a cidade / Sai ndo da rodoviária viu as luze o refrão de Renato Russo. Para a cinquemona Bra flia.
de atai / - Meu Deus. mas que cidade linda." paradoxalmeme adolesceme, há muito a aprender. Ela não
"Ainda não há um modus operandi para lidar com tem os 444 anos do Rio de Janeiro, tampouco os 455
Brasflia. mas ela sempre mostrou disposiçãO de olhar para de São Paul o. A música urbana foi - e continua sendo-
rora", diz o cineasta José Eduardo Belmonte, direLOr de Se uma forma de fugir da flieza da cidade recém-nascida.
Nada Mais D er Cerro, vencedor do Festival do Rio em Há exalOS 25 anos. quando a Legião Urbana lançou
2008. "Esse diálogo existencial com o mundo é uma seu primeiro di sco (Leg ião Urbana). ela também tornou
caracrerí tica bem bra ilien. e." Pauli ta de nasci mento. nacionalmente visível a impossibilidade que o artista
Belmonte pa. ou a adolescência na capital federal. "Meu bra iliense tem de fugir da maquete, me. mo quando há
úlrimo filme foi feito em São Paulo, mas é tão brasiJjense ímpetos de de [fuf-Ia. o encane do velho vinil, a cidade
quanto o outros. Capta um e paço ab traLO. irreal, em que a aparece nos traços do baterista Marcelo Bonfá. Os quatro
cidade aparece de modo difuso, quase apenas um conceito." imegrames da banda ão como gigantes que deixam rastros
para sempre marcados no solo seco do cerrado, no rabisco
Normalidade inexistente. Tal vez eja a mesma Brasília de Lucio Co ta ocupado pelas obras de iemeyer. Eram
da ca nção homônima dos Paralamas do Sucesso, tri o desenho aparentememe ingênuos, mas ajudavam a mostrar
que conrunde sua origem entre o Rio e o Distrito Federal, o que a juventude brasilien e pen ava de i me mo.
porque Herben Vianna e Bi Ribeiro começaram a tocar e sua relação com o traçado urbano. Brasflia ainda não sabia
por lá. Na letra de Herben. tudo é igual e estranho, o que era e tal vez ai nda não aiba - mas é certo que
mas o monumentos, os palácios, a. a enida , os eixo já produziu uma cultura ó dela. saudave lmente crítica
não . ão nomeados. "Quarto. de hotel . ão iguaL / Dia. e nada indulgeme. _
são iguais / Os aviões são iguais." A cidade. na callção.
não exi te. a capital polirica, dar nome é sempre * Sérgio de Sá, jornalista e professor da Univers idade Católica
um risco. Pode com prometer. de Brasflia. é /leto de Bernardo Sayào, pioneiro de Brasília
BRASILIANO, MAS
Joselita, Érica, Antônia, Nita, mãe,
BRASIL Marlene,
filha , mulher, nascida em 1933
nascida nascida
em 1983 em 1973,
Brasiliano,
nascido
em 21 de
abril de 1960
A família do primeiro cidadão nascido no Distrito Federal
conta a história da capital e do país nas últimas cinco décadas
174 1:>IOVEMBRO.2009 1veja 1ESPECIAL BRASÍLI 50 ANOS ESPECIAL BRASfuA 50 ANOS 1veja 1NOVE'413RO.:!009 1175
História
27 DE NOVEMBRO DE 1983 Primeiro comício pelas Diretas Já, JULHO DE 1996 Fernando Henrique celebra os
elllfrellte ao Estádio do Pacaembu. em São Paulo bons resultados no segundo aniversário do Real
,
o CENARIO INFINITO ,.."
BANIU A MUlTIDAO
o problema é que as ruas sempre sinai de vicia nas cidades-satélites. que não têm parentesco
com Brasília. asceram juntas. mas não ão gêmeas em
terão a cara que tinham ao nascer, nada. São extremos que, por e completarem. até agora
têm convivido sem conflitOs.
sem povo. O Homo brasiliensis, Esses aglomerados urbanos que Lucio Co. ta não
se é que um dia existirá, planejou e Oscar iemeyer não decorou com monumentos
tão belo quanto inabitávei contrastam pedagogicameOle
é personagem em gestação com o e panto futurista da metrópole que rodeiam.
A contemplação do conjunto informa que Brasília não
AUGUSTO NUNES tem povo - como 'e referem os políticos à mas a informe
e anônima de vivellles com pouquíssimas chances de
cidade que na ceu sem habitantes e estava pronLa algum dia perguntarem a alguém se abe com quem e tá
quando foi fundada nunca viu a multidão por falando. Esse são vistos no Plano Piloto durante o dia.
ter e paços demais. Brasflia viu muita gente No começo da noite. terminada a jornada de trabalho,
duas vezes: em agosto de 1976, na partida de voltam para a babei periférica e dormem em casa. Vivem
Ju. celino Kubitschek. e em junho de 1980, em ruas comuns, com nomes comuns e carências comun .
na chegada do papa João Paulo li. quando ada a ver com a vizinha também cinquentona mas
dezenas de milbare de brasileiro e juntaram num proibida de enveUlecer. Bra ília terá sempre a cara que
mesmo pontO do Plano Piloto. Ma muita gente só vira tinha ao nascer. Chegou ao berço com tudo o que não há
multidão quando e acotovela em lugares com limites nos arredore . Só faltava gente morando lá.
definidos, faz o chão desaparecer e ameaça derramm'-se Em 1970. a escritora Clarice LispectOr impressionou-se
pelas bordas das fotografias. Isso BrasOia não sabe o que é. com a supremacia da cidade sobre 'eus habitantes.
Nem aberá. por falta de cenário com fundo. Cenários " Bra í1i a é tão artificial quanto de ia ter sido o mundo
infinito engolem até multidôe chine a . quando foi criado", e creveu numa crônica. Como acontece
Se o co rpo de JK fosse velado na Cinelândia. no Rio. a onze em cada dez vi irantes na primeira viagem.
por exemplo, uma multidão teria protagonizado o que hoje Clmice estranhou a troca de ruas e praças por superquadras,
se chamaria de O Adeus do Trezento Mil. Recortado tesourinha . . eixinhos e eixos. Ficou insone com o . ilêncio
conu'a as imen idões do cerrado. o cortejo em Brasília ensurdecedor, descobriu que a infinirude da pai agem
não pareceu mais impre ioname que qualquer comicio torna a solidão mais aflitiva e, sobretudo. desconcertou-se
estrelado pelo pre idente morto numa cidade de tamanho por não encOlllrar alguém que reproduzis e a cara do lugar.
médio. Se os que recepcionaram o papa na Praça dos Três
Podere fossem dar-lhe boa -vindas no Rio. a multidão
transbordaria da Sapucaí e não caberia no Maracanã.
Ma não existe nada em Brasília parecido com o templo
dos deuses da bola ou com a pas areia do samba.
A capital do País do Futebol não tem campo nem time FUNERAL E MISSA
de futebol. (OS e rádio s onde jogam oBra i l ien e e o Oféretro de Juscelino lU! Esplanada
Gama ficam fora do Plano Piloto.) E a capital do Paí. do dos Millisrérios, em agosto de /976
Carnaval não tem carnaval de rua. (As aparições anuais de (acima). e a \'isira de João Paulo lI,
alguns blocos apenas realçam a inexistência de escolas de em jUllho de 1980: dezellas de milhares
saIllba.) O espone preferido e a fe ta mais popular dão de pessoas el/golidas pelo IlOri:ollle
",."
VOZES DE OPOSI AO
Uma seleção de ataques de quem achava que nada daria certo
A no a capital ó fica pronta no prazo Enquanto i o, Brasília Brasília jamais terá
fi xado e a Novacap e transformar é o orvedouro da renda energia elétrica
em fada madrinha de história da nacional , uor e angue
carochinha e, em vez de viga de aço de um povo empobrecido ou telefonia. Nunca
vinda da América do Norte, a pe o de para que re plenda e e reinado se comunicará com
ouro, utilizar uma varinha de condão. da encarnação republicana o restante do país.
Editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, em dezembro de 1958
de Luí XIV. GUSTAVO CORÇÃO, pensador católico e
A Belém- TENÓRlO CAVALCANll, no jornal na época especialista em telecomunica-
Brasília é Luta Democrática, em agosto de 1958 ções, em O Globo, em julhO de 1959
a estrada das Deu me livre!
onças. Liga JURACY MAGALHÃES, governador da Bahia . explicando
o nada a lugar por que recusara convite de JK para ir a BrasOia , em Brasília será a maior ruína da história
fevereiro de 1959, no Jornal do Brasil
nenhum. contemporânea. A diferença das outras
é que nunca será habitada por ninguém,
Para o enhor Kubit chek, o problema já que não ficará pronta.
em 1961 do governo é trocar de ede. Não muda CARLOS LACERDA, líder da UDN, em 1957
o mini tério, ma quer mudar a capital,
onde não exi tirão mai problema ,
nem sequer os municipai das rua Vário tre loucado que e apre entaram
Éum esburacadas, poi não exi tem ruas. voluntariamente para trabalhar de pioneiro
de atino! CORREIO DA MANHÃ, outubro de 1956
em Brasília e tão amargamente arrependidos
ADAUTO LÚCIO CARDOSO,
depoi que souberam da dimen ões de alguns
da UDN carioca , depois de apartamento re ervado a funcionário .
visitar as obras da capital. São a biboca JK: janela e kitchenene.
em maio de 1959
Flagrantes, do CORREIO DA MANHÃ. em outubro de 1959
Autonomia
do Rio não virá o presidente Juscelino Kubitschek,
porque Brasília encantado com seu novo brinquedo, já
só servirá para não vê mais a decomposição da atual
veraneio. capital da República e para a futura
Monsenhor OLíMPIO DE metrópole desvia verbas e leva, de
MElO, ex-prefeito do Rio,
crítico da correria de JK, em
avião, material de construção.
março de 1959 SANDRA CAVALCANTI . vereadora da UDN, em abril de 1957
,
de alunos professores de escolas
EM NUMEROS de leitos
hospitalares
1960
No Distrito FederaL
1960 2008
140164 • EstimallVa
.__ e no Brasil
1960
t
2008
,
-
Habitantes
POPULAçÃO 47% 10% 1960 2008 1960 2009 1960 2009
(Distrito Federal)
11 1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII1IIIIIIJllllllltl11111111111111111IUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIJlllllltllllllllllllllllt1111111111111111111111111111111
1960 2009
ECONOMIA
3,8% 37 600 reais
Densidade habitacional Gênero Valia a pena trabalhar Porcentagem PIS per capita
na construção da capital do PIS brasileiro
24 habitantes por km2 422 habitantes por km2 1960
em 1960
..................
......... ...... .. . 38% 62%
(Distrito Federal)
..................
.................. mulheres homens
Brasnia
............•..
.................. 6]010 tinham
• • • • • • • • li: • • • • • • • • • •
. , rendimentos reais
..................
.. ............. .. .
• • • • • • • • 11: • • • • • • • • • •
..................
• • • • • • • • • • • • • 11: • • • •
2009 a declarar
..................
...............
..................... 52% 48% Brasil
......... ...... .. . mulheres homens
42%tinham
'Valores
atualizados
em reais
1960 2007 , rendimentos 1960 2006
a declarar
Taxa de
1960 ~ 22,9% 18,4% 31,8% crescimento
Faixa etária 15,5% 7,4% 2,9% 0,8% 0,3%
De 1961 a 2000
2008 . 15,
0-9
anos
POLinCA ESOCIEDADE
1
10-19
anos
19
20-29
anos
16,
30-39
anos
Salas de cinema
138%
40-49
anos
Número de ônibus
50-59
anos
Saneamento
4
60-69 70 anos
anos ou mais
Fogão a gás
2006
Voos
Criminalidade
Disbito Federal - 4,8%
Brasil
I1I1IIII1II1111111111111111111111111I11111111111111111I1I1111I11I1111111111111111111111111111111111111111111111I111111I11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 11111111111111111111111111111111111111111111111111111111I11I111111111111111111111111111111111111111111111I111111I11I1111111111111111111111111I11111111111111111111111111111111I11111111111111111111I1111111111111111111111111I11111111111111111I1111111111111111111111
........•••
:.. ......
8166
93,4% das c~sas ~
2009 , quando . . . . . . ... 79 89,2%das casas 98,1%das casas 99%das casas
76,]010 das casas com u.e 2009
não fa lta m ~. . . . . . . ... saneamento básico com ha elebiC3 2009
Roubos diversos _____ .__ ._._ 46,5%
às sessões .~.+ ~~
\ 2008
141000 por mês Furtos em residências --- 15,5%
••• 594 ••• Furtos de veículos .---.----.---- 15%
••• • •• Fontes: Censo Experimentai do D/Sinto Federal (1959); censos demográficos do IBGE: Pnad-2007; Codeplan: Novacap; MEC; Secretana de Segurança Pública (DF) e Caesb (DF)
Furtos em comércio __ ... __ 8%
NAINTERNET
• LUCIO COSTA
c-------------------------~
ÁUDIO. Trechos do
depoimeJUo de Lucio
Co ta ao Programa de
História Oral do Arquivo
Público do Distrito
Federal. gravado em
3 I de maio de 1988.
no Rio de Janeiro.
• CONSTRUÇÃO PASSEIO
IMAGENS. Ensaio
AÉREO
fotOgráfico mostra SATÉLITE
os edifícios de Brasnia Os principai s
em andaimes e monumentos
como ficaram hoje, e edifícios de
a partir do mesmo Brasília vi tos
pontO de vi sta . do alto. pelo
Google Eanh.
Congresso:
o Supremo Tribunal a estética de
Federal em Niemeyer em
1960 e 2009 outro ângulo