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PERFIL

Luís de Miranda Correia é professor cate- Lisboa. Colaborou, ainda, com as universi- Tem coordenado vários projectos de inves-
drático e coordenador da área de Educação dades de Rhode Island e de Fairfield, EUA, e tigação, reuniões científicas, encontros e
Especial do Instituto de Estudos da Criança com a Faculdade de Motricidade Humana congressos no âmbito da educação espe-
da Universidade do Minho. Presentemente, da Universidade Técnica de Lisboa, a Uni- cial, inclusão e necessidades educativas
é director do Departamento de Ciências de versidade de Évora e a Universidade dos especiais e participado em diversos semi-
Educação da Criança. Licenciado em Psico- Açores. Foi também consultor dos departa- nários, simpósios, comunicações, confe-
logia, Mestre em Educação Especial e Dou- mentos de Educação dos estados de Rhode rências e acções de formação quer em Por-
tor em Psicologia da Educação. Island e Massachusetts, EUA. tugal quer no estrangeiro.
Foi psicólogo escolar nos Estados Unidos Em 1996, criou no Instituto de Estudos da É autor de inúmeros artigos, capítulos em
da América, investigador assistente na Uni- Criança da Universidade do Minho dois livro, monografias, livros e instrumentos de
versidade Brown, EUA, adjunto de um mestrados em Educação Especial, especia- avaliação no âmbito da sua especialidade.
ministro da Educação, professor coordena- lidades em Dificuldades de Aprendizagem e Dirige a colecção “Educação Especial” e
dor da ESE de Lisboa e professor convi- Intervenção Precoce, que coordena, e dois coordena a Divisão de Educação Especial
dado da Faculdade de Psicologia e de Ciên- cursos de especialização nessas mesmas da Porto Editora que, actualmente, con-
cias de Educação da Universidade de duas especialidades. grega seis colecções.

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ENTREVISTA COM...
Luís de Miranda Correia

As últimas medidas do Ministério da Educação relativas aos alunos com Necessidades


Educativas Especiais suscitaram forte controvérsia. Quisemos saber o que está em causa neste
conflito de perspectivas que opõe o ME e alguns daqueles que nos habituámos a reconhecer
como experts nesta matéria. Como é o caso do Professor Luís de Miranda Correia.

Manifestou publicamente, inclusive nas páginas A que factor atribui a desactualização, as


da 2Pontos:, uma veemente discordância com as imprecisões e a terminologia inadequada
últimas medidas do Ministério da Educação. constantes de documentos oficiais? Trata-se de
Quer resumir-nos os focos e as razões da sua ignorância?
discordância? Não sei se será ignorância ou, até, incompetência, mas
Na realidade, é-me difícil perceber quais foram as o certo é que não se compreende como é possível dizer-
últimas medidas tomadas pelo Ministério da Educação -se que no sistema escolar existe 1,8% de alunos com
no que diz respeito à educação dos alunos com NEE. NEE. Para além desta afirmação ser infundada por falta
No entanto, pelo que se ouve e se lê a propósito de de estudos de prevalência fidedignos efectuados no
possíveis linhas orientadoras, decisões políticas, nosso país, ela é-o também pela evidência dos números
educacionais e até legislativas, enunciadas por que os estudos feitos noutros países adiantam, cerca de
destacados elementos do ME, penso que se está a 10 a 12%, como é o caso, por exemplo, dos EUA.
assistir à desagregação de um sistema, designado Também não se compreende como é possível ouvir-se e
vulgarmente por sistema de educação especial, que já ver-se em documentos emanados pelo ME o uso de
padecia de muitos males e que, nos últimos dois anos, várias nomenclaturas para se querer dizer a mesma
ficou enfermo por inteiro. É disto exemplo a coisa. Tomemos como exemplo o termo “necessidades
possibilidade de vir a ser legislado o uso da educativas especiais”. Se, por um lado, ele aparece
Classificação Internacional de Funcionalidade, correctamente em alguns documentos, por outro ele é
Incapacidade e Saúde (CIF) para determinar a designado por “necessidades especiais de educação”,
elegibilidade dos alunos com NEE para os serviços de por “necessidades educativas específicas”, por
educação especial sem existir investigação credível que “necessidades de aprendizagem educativas”, por
o justifique e, por conseguinte, de vir a ser legislado “necessidades de educação particulares”, enfim, uma
todo um processo já de si abastardado à partida. E, pior infinidade de termos que só servem para confundir
ainda, é que nem sequer acredito que o documento professores e pais.
relativo à reorganização da educação especial seja posto
à discussão e, se o for, que as sugestões que venham a
ser feitas possam ser aceites, até por que a
implementação de um processo com base no uso da
CIF já está a ser criada no país, à socapa, por técnicos
(não necessariamente peritos) do ME, não sendo dada
oportunidade quer aos especialistas quer aos próprios
elementos dos órgãos de administração e gestão e aos
professores de se pronunciarem.

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Um outro exemplo, a “dislexia”, Concordou com a criação do As escolas e as turmas estão
bem como a “disgrafia” e, até, Grupo de Docência Educação povoadas de diversidade, de
a “dispraxia” são consideradas pelo Especial? Que vantagens e que diferença. Pensa que as
ME como “problemas de inconvenientes daí podem instituições de formação inicial
advir? de professores estão a preparar
comunicação”. Ora, é sabido que
Se se refere à criação de um quadro os seus alunos, futuros
elas são “desordens” que se inserem para os docentes especializados na docentes, para lidarem com
no espectro das “dificuldades de área de educação especial, essa heterogeneidade?
aprendizagem específicas”. Mais, concordei e até a advoguei desde Tendo presente que a formação de
a interpretação que é dada ao 1984, altura em que tive a
educadores e professores é um dos
conceito de educação especial, oportunidade de propô-la num
pressupostos fundamentais para o
considerando-a como um ensino projecto de reorganização dos
sucesso dos alunos com NEE, seria
serviços de educação especial a que
paralelo ao ensino regular, de esperar que a legislação que
presidi. Contudo, há pelo menos
contraria todos os princípios em fosse sendo publicada reflectisse
dois reparos que gostaria de fazer.
que se baseia o movimento da isso mesmo. Mas, em Portugal, este
O primeiro tem a ver com o facto
inclusão. Ainda, a intenção de usar não está a ser o caso. Numa altura
de ao denominar-se o quadro por
em que noutros países se chama a
a CIF para classificar alunos com Grupo de Docência de Educação
atenção para o facto de que os
NEE sem que os cientistas de Especial, se ficar com a noção da
novos professores do ensino regular
renome e a investigação até à data educação especial ser um ensino
devem adquirir ainda mais
o aconselhem, a ausência de um paralelo ao ensino regular. O
experiência em como trabalhar
segundo é a forma como são
modelo de atendimento que com alunos com NEE, o nosso país
colocados os docentes
permita estabelecer um processo não está para aí virado. Pelo
especializados, sem se ter em conta
que leve à elaboração de os níveis de ensino e as contrário, ao abrigo do Processo de
programações eficazes para os características das suas Bolonha, tivemos, nesta matéria,
alunos com NEE, a exclusão das especializações. É possível colocar uma oportunidade única de
crianças com deficiência mental, uma educadora especializada em melhorar significativamente a
intervenção precoce a exercer qualidade dos cursos que dão
visual ou auditiva do grupo das
funções no ensino secundário. Isto acesso à docência. No entanto, o
NEE e a inobservância da situação
é incompreensível. É como se decreto-lei que define as condições
escolar dos alunos com dificuldades necessárias à obtenção de
colocássemos um cardiologista nos
de aprendizagem específicas são habilitação profissional para a
serviços de neurologia.
factores que nada favorecem o Quanto às vantagens da criação do docência, aprovado recentemente,
sucesso escolar dos alunos com quadro, uma das principais é a de não refere nem uma palavra sobre o
NEE. Tudo isto, e muito mais que se reconhecer que os serviços assunto, chegando ao cúmulo de
ficou por dizer, reflecte, pelo especializados são essenciais para o revogar o artigo 15.o, ponto 2, do
menos, uma falta de coerência atendimento a alunos com NEE. Decreto-Lei n.° 344/89, de 11 de
Neste sentido, espero, também, que Outubro, que determinava que os
científica e pedagógica por parte do
se venham a criar quadros, cursos de formação de educadores e
sistema. Se estaremos perante uma
adstritos ao ME, para outros professores deviam incluir
situação de ignorância e/ou profissionais especializados, preparação inicial no campo da
incompetência por parte do ME, psicólogos, terapeutas, técnicos de educação especial. E, nessa altura,
repito, não sei. Devem ser os serviço social, também eles tão em Portugal, ainda nem se falava
leitores os juízes. necessários a esse atendimento. de inclusão. Resultado deste

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“(...) é necessário que se repense a
formação especializada, tendo por base
as prevalências de alunos com NEE e o
tipo e qualidade das especializações.”

comportamento desastroso: a maioria das instituições desenvolvimental, dificuldades de aprendizagem


de ensino superior não está a considerar unidades específicas), do controlo de emoções e comportamentos
curriculares respeitantes a estas matérias na adequação (perturbações emocionais e problemas de
dos seus planos de estudos. comportamento), da comunicação (problemas de
comunicação), da audição e visão (surdez e hipoacusia
E a formação especializada? Qual é o ponto da
e cegueira e visão reduzida), da mobilidade e saúde
situação e as perspectivas de futuro?
O ponto da situação é o de que se pretendermos basear- física em geral (problema motor e de saúde) ou
-nos numa política que tenha por base o binómio qualquer combinação de duas ou mais destas áreas.
saberes-experiência-competência vs. formação de Assim, os domínios deveriam designar-se por cognição
qualidade, então, pese embora os resultados positivos e aprendizagem, emocional e comportamental/social,
que, até à data, em alguns casos, se têm observado, uma da comunicação, sensorial, motor e de saúde.
parte significativa da formação especializada é As especializações deveriam ter a duração de um/dois
deficitária. Assim sendo, para que o sistema possa anos e incluírem, para além do elenco das disciplinas,
responder às necessidades dos alunos com NEE que tem um projecto, de carácter prático, traduzido na
a seu cargo, é necessário que se repense a formação
elaboração de, por exemplo, um estudo de caso ou de
especializada, tendo por base as prevalências de alunos
um estágio no terreno. Os planos de estudos dos cursos
com NEE e o tipo e qualidade das especializações. Nesta
só deveriam ser acreditados se obedecessem a
ordem de ideias, e mesmo que se pretenda continuar a
usar nomenclaturas próximas dos domínios, então há determinados critérios propostos por uma entidade
que perceber que os problemas dos alunos com NEE se reguladora que, para o efeito, deveria considerar a
enquadram no domínio do pensamento, cognição e opinião de alguns dos especialistas na matéria, neste
aprendizagem (problema intelectual e/ou caso ligados à educação especial.

As escolhas de Luís de Miranda Correia

Livro são tantos os livros que gostei de ler que prefiro não identificar nenhum; no entanto, adoro ler
poesia Música clássica Poema Fernando Pessoa, Edgar Allan Poe, Pablo Neruda e tantos outros Cor Azul
filme A lista de Schindler Viagem EUA por razões afectivas Fruto Toranja todas as manhãs para
emagrecer Pintor Jasper Johns, Andy Warhol e muitos outros ligados à Pop Art.

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