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Arte Tumular Versus Visao de Morte A Fot
Arte Tumular Versus Visao de Morte A Fot
Clarissa Grassi1
Angelo Silva2
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Mestranda em Sociologia (PPGS/UFPR), presidente da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais
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Doutor em História pela UFPR, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia UFPR, coordenador
acadêmico do Centro de Estudos de Cultura e Imagem da América Latina - CECIAL
Machado de Lima. Apesar da inauguração do campo santo ter ocorrido em dezembro de 1854,
suas obras estavam inacabadas e se mantiveram em andamento até 1866, quando são
consideradas concluídas.
Inicialmente o terreno do Cemitério Municipal São Francisco de Paula ocupava uma
superfície de 2116 braças quadradas com um perímetro de 186 braças (cada braça equivale a
2,2 metros). Já a partir de 1855 o campo santo começa a receber sepultamentos, sendo neste
primeiro ano um número de 11 mortos. Segundo Grassi (2006), ao longo de seus quase 160
anos de existência, o Cemitério Municipal passou por diversas obras e ao menos três
ampliações na área de seu terreno. Atualmente conta com uma área de 51.414 m2 divididos
em 139 quadras que abrigam 5.792 concessões, onde já foram realizados cerca de 80 mil
sepultamentos.
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A tomada da foto, que tem as dimensões de 10 x 15 cm, foi provavelmente realizada
no ano de 1940, data que consta como sendo o do ano do relatório. Trata-se de uma foto em
preto e branco, ampliada em papel fosco, cuja aplicação foi feita diretamente no volume
encadernado do relatório, formado por folhas de papel manteiga datilografadas. O volume é
encadernado e traz na capa uma montagem das fotos constantes, assim como as referências
dos profissionais envolvidos em sua elaboração, onde consta como colaborador “Artor
Wischral – Fot.”. É importante frisar que essa imagem não consta no acervo do fotógrafo,
adquirido pela Fundação Cultural de Curitiba e que é formado por 6.750 chapas e 170
fragmentos.
Figura de relevância no cenário fotográfico, Arthur Júlio Wischral é considerado como
um dos pioneiros da fotografia no Paraná. Nascido em Curitiba, no ano de 1894, foi
apresentado à fotografia por Germano Fleury em 1910, com quem aprendeu o ofício de
fotógrafo. Quatro anos depois foi para a Europa buscar aperfeiçoamento em sua técnica e
quando retornou à cidade, em 1921, tornou-se repórter fotográfico. Os registros realizados
durante seu trabalho na Rede Viação Paraná – Santa Catarina configuram-se como importante
fonte de pesquisas sobre as estradas de ferro em ambos os estados. Também realizou
trabalhos no Rio de Janeiro e Bahia. Faleceu em Curitiba em 1982 e encontra-se sepultado no
Cemitério Municipal São Francisco de Paula.
Pegoraro (2011) classifica o estilo de Wischral como oscilante entre o pictorialismo e
a experiência moderna na fotografia. A autora aponta que seguindo a conceituação de Rouillé
(2009), “pode-se dizer que Wischral se enquadra na prática da arte dos fotógrafos, ou seja,
que ele desenvolveu e defendeu a prática de um procedimento artístico interno ao campo
fotográfico”.
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O registro realizado por Wischral, enquanto instrumento de pesquisa, possibilita
analisar as transformações pelas quais a paisagem do Cemitério Municipal São Francisco de
Paula passou nos 74 anos decorrentes da tomada da foto, buscando-se através desses
elementos, compreender a visão de morte implícita na arte tumular.
A organização do cemitério, com seu traçado de ruas, avenidas e diferentes tipos de
habitação, relações de vizinhança e, principalmente, a hierarquização do espaço, segundo
Coelho (1991, p. 8) obedece a critérios semelhantes à cidade dos vivos. Nesse sentido, tais
espaços podem ser trabalhados como micro-espaços a partir da conceituação que Argan
(2010) dá à cidade, como um “grande espaço composto por vários outros micro-espaços e
micro-lugares que adquirem significações que se adéquam aos usos que lhes é dado”.
Como necrópoles, os cemitérios ao contrário de serem feitos para os mortos, são,
sobretudo, feitos para os vivos, espelhando as cidades que os produzem. Reproduzindo em
sua topografia a sociedade global, como um mapa reproduz um relevo ou uma paisagem, o
cemitério reúne a todos em um mesmo recinto, segundo Ariès (1982, p. 547). Para o autor,
família real, eclesiásticos, assim como categorias de distinção conforme o nascimento, ricos e
pobres, ocupam cada um seu lugar devido, já que a finalidade do cemitério é representar um
resumo simbólico da sociedade.
Em um cenário onde as pesquisas cemiteriais se multiplicam e a sociedade em geral tem a
oportunidade de conhecer de forma mais aprofundada a história de seus cemitérios, o registro
fotográfico de túmulos e cemitérios nos traz a oportunidade de preservar e reinterpretar um patrimônio
relegado a própria sorte. “A fotografia, que revoluciona a memória: multiplica-a e democratiza-
a, dá-lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo assim guardar
a memória do tempo e da evolução cronológica” (LE GOFF, 1994, p.466).
Empreender um estudo sobre cemitérios demanda compreender a morte não apenas
como um acontecimento individual, mas como fato social, que acarreta costumes e práticas
mortuárias. “A morte e, sobretudo, o destino que se dá ao corpo do morto são capazes de
gerar dinâmicas e representações sócio-culturais diversas sobre as quais se apoiam e regulam
grupos e atividades humanas” (MOTTA, 2008, p. 29).
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FIGURA 1 – Imagem da “Fotografia Cemitério Municipal de Arthur Wischral”
Fonte: Acervo pessoal Clarissa Grassi.
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FIGURA 2 – Imagem atual do CMSFP com foco no lado esquerdo da alameda central
Fonte: Acervo pessoal Clarissa Grassi.
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jazigos. Essas reformas muitas vezes descaracterizam completamente o traçado original das
construções, daí a importância do registro de Wischral para se compreender melhor a
configuração espacial e os elementos mais presentes dentro da arte tumular nos séculos XIX e
XX.
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metrópole, verticalizada, arranjada para um maior aproveitamento de espaço, asséptica tal
qual o moribundo que perece solitário em hospitais na mão dos médicos.
Referências bibliográficas
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
ARIÈS, Phillippe. O homem diante da morte. Vol. I, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.
_____ . O homem diante da morte. Vol. II, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.
BORGES, Maria Elizia. Arte funerária no Brasil (1890 - 1930): ofício de marmoristas italianos em
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Francisco de Paula: monumento e documento. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, Volume XXI
Número 104, Abril de 1995.
COELHO, Antonio Martins. Atitudes perante a morte. Coimbra: Livraria Minerva, 1991.
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
MOTTA, Antonio. À flor da pedra: formas tumulares e processos sociais nos cemitérios brasileiros.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2008.
PEGORARO, Éverly. Da fotografia pictorialista aos primeiros ensaios de uma fotografia moderna no
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http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/8o-encontro-2011-1 Acesso em 04 abril 2014. ISSN
1580-1780.