Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: Resgatar documentos do seu estado de degradação constitui possibilidades de preservar informações
para a posteridade. Este artigo visa relatar a experiência do projeto “Tratamento documental do acervo do
Fórum Gonçalves Chaves”, desenvolvido na Divisão de Pesquisa e Documentação Regional da Unimontes,
com apoio financeiro da FAPEMIG.
Abstract: To rescue documents from their degradation condition constitute possibilities to preserve informa-
tion for the posterity. This article seeks to mention the experience of the project "Documental treatment of the
collection of the Fórum Gonçalves Chaves ", developed in the Division of Research and Regional Documenta-
tion of Unimontes, with the financial support of FAPEMIG.
1 Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG – pelo apoio
financeiro; aos bolsistas de Iniciação Científica Voluntária, Aparecido Pereira Cardoso, Elaine dos Santos Coel-
ho, Luciene Cordeiro dos Santos e Naasson Ribeiro Santos; e a bolsista de Iniciação Científica-Junior (PRO-
BIC-JR) Kamila Rodrigues Silva pela dedicação e trabalho desempenhado.
documento, seguidas de operações analíticas e oper- idade do documento, ou seja, a permanente, consiste
ações sintéticas. na fase em que eles devem ser “recolhidos” para sua
Essa convicção de que encontrávamos o pas- preservação definitiva após seleção e avaliação de
sado simplesmente indo aos arquivos e folheando acordo com a legislação vigente de cada país. Nessa
documentos tem sido abandonada principalmente última idade ou fase, os documentos são usados com
a partir das críticas de Michel Foucault ao mostrar objetivos científico, social e cultural (BELLOTTO,
que o documento não é o reflexo do acontecimen- 2004). Eles se tornam patrimônio cultural e suporte
to, mas, uma materialidade construída por cama- material da memória, por isso necessitam de cuida-
das sedimentares de interpretações: o documento é dos especiais que lhe permitam maior vida útil.
pensando por este autor, assim como para Le Goff, Historiadores e arquivistas de maneira geral
como monumento que tem como característica “o estão convencidos de que os melhores lugares para
ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou in- a preservação da memória, principalmente do docu-
voluntária, das sociedades históricas (é um legado à mento histórico, ou seja, de caráter permanente são
memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só os locais especializados, com arquitetura adequada
numa parcela mínima são testemunhos escritos”. As- e pessoal qualificado, é o caso dos Arquivos, Cen-
sim, os historiadores têm abandonado a crença ino- tros de Documentação, Museus e Bibliotecas. Esses
cente de que o documento é uma mera transparência órgãos denominados de “documentação” possuem
da realidade, uma forma de acesso direto aos acon- papéis e funções diferenciadas e típicas de cada um.
tecimentos e pessoas do passado. Tal como o monu- No Brasil, conforme Fernandes (1993), o dis-
mento, o documento é tudo aquilo que pode evocar curso preservacionista é bastante recente. Só após o
o passado e não o passado propriamente dito, assim período da Ditadura Militar é que surgiram movi-
o documento-monumento, não é o passado, mas um mentos preocupados com a preservação, deixando
vestígio, um rastro do passado, e como tal, necessita de ser esta uma questão de técnicos passando a ser
ser conservado. uma preocupação de toda a sociedade civil e, conse-
Bellotto (2004) sublinha que os documentos quentemente dos setores governamentais – expressa
após o cumprimento das razões pelas quais foram na obrigatoriedade de criação de conselhos munici-
gerados, passam da condição de “arsenal da admin- pais e estaduais de gestão do patrimônio público. A
istração” – neste caso documentos administrativos própria noção de patrimônio, conforme Fernandes
(produzidos e/ou recebidos por órgãos governamen- (1993), se ampliou passando a englobar outros va-
tais, jurídicos, instituições públicas ou privadas, etc.) lores culturais e não apenas aos bens materiais, se-
– para a de “celeiro da história”. Neste sentido, para a lecionadas pelas “autoridades de tutela”, que a antiga
autora, os documentos administrativos têm um ciclo noção de “patrimônio histórico e artístico” restrin-
vital que compreende três idades. A primeira é a dos gia1. Assim, o patrimônio cultural passou a ser en-
arquivos correntes, onde sua utilização está ligada tendido, conforme conceituação de Maria do Carmo
às razões pelas quais foram criados; a segunda, dos Godoy (apud FERNANDES, 1993, p. 268) como
arquivos intermediários, é aquela em que, ultrapas-
sado seu prazo de validade corrente devem ainda toda produção humana de ordem emocional, in-
ser guardados em um arquivo central, pois ainda telectual e bem como a natureza, que propiciem o
conhecimento e a consciência do homem sobre si
podem ser utilizados pelo seu produtor esperando a mesmo e sobre o mundo que o rodeia.
sua eliminação ou a guarda permanente. A terceira
64
UNIMONTES CIENTÍFICA
Montes Claros, v.10, n.1/2 – jan./dez. 2008
No entanto, Cordeiro (2005) salienta que no Mesmo nos arquivos, os documentos estão
Brasil, ainda não se tem de forma efetiva e eficiente sujeitos a uma série de agentes agressores. Segundo
uma “Política de Gestão de Documentos”, embora a Ingrid Beck (1985), eles podem ser internos – que
Lei Federal no 8.159 de 08/01/1991, disponha sobre abrangem os elementos nocivos provenientes da
a Política Nacional de Arquivos Públicos e Priva- própria matéria-prima e dos métodos de produção,
dos. Para a autora, não bastam os regulamentos para que determinam, muitas vezes, reações físico-quími-
conscientizar a população e a administração pública cas agressivas – ou externos – os que ocorrem a par-
e privada sobre a importância da organização e ma- tir do uso e dependem da tinta, do manuseio e da
nutenção de acervos arquivísticos, sobretudo os de guarda. De modo geral, contribuem para a degra-
domínio público.Entre outros, os problemas mais co- dação dos documentos: as altas temperaturas – é o
muns, apontados por ela, referentes à não preservação caso do Norte de Minas Gerais – a poluição do ar;
de bens culturais, especificamente documentais, são: os produtos químicos, muitas vezes usados sobre os
a inexistência ou ineficiência de Políticas de Gestão acervos como inseticidas e fungicidas que podem ser
de Documentos nas Instituições; falta de recursos bastante prejudiciais pelas reações desenvolvidas so-
materiais e humanos; descaso generalizado com doc- bre os materiais; o acondicionamento inadequado e
umentos de caráter permanente, denominado velho o manuseio incorreto devido à falta de higiene das
ou antigo; falta de espaço físico para armazenar os mãos, sem zelo e postura correta; e, por fim, os aci-
documentos; insuficiência de profissionais qualifica- dentes com água e fogo. Neste sentido, o Tratamento
dos e heterogeneidade de normas e procedimentos Documental é uma etapa importante na preservação
arquivísticos. e conservação dos documentos e consequentemente
Em Montes Claros, tal preocupação parece da memória histórica.
ser ainda mais recente fato que se tornou um grande
entrave ao desenvolvimento da pesquisa histórica RELATO DE EXPERIÊNCIA
não só no município como em toda região. A inicia- O projeto foi desenvolvido em duas fases dis-
tiva mais concreta foi levada adiante somente a partir tintas. A primeira consistiu no treinamento de bol-
de 1994 com a criação da Divisão de Pesquisa e Doc- sistas. A atividade proposta pelo projeto demandava
umentação Regional (DPDOR) pela Universidade treinamento devido a especialidade da área de con-
Estadual de Montes Claros – Unimontes –, com obje- servação e tratamento de documentos. Era necessário
tivo de responsabilizar-se pela guarda e conservação unir teoria e prática. Nesse sentido, os bolsistas par-
de acervos importantes para a história regional. Essa ticiparam do curso de “Introdução à conservação e
Divisão é um dos espaços da cidade onde se desen- restauração de acervos documentais”. O curso e o
volve o trabalho de organização e classificação de trabalho em equipe possibilitaram aos estudantes
forma sistemática de documentos de caráter perma- a apreensão das teorias conceituais que norteiam o
nente. A partir de 2000, alguns pesquisadores/as do tratamento documental, bem como promoção do
Departamento de História, ligados a grupos de pes- crescimento profissional, intelectual e pessoal3.
quisa, passaram a desenvolver projetos com o apoio A segunda fase consistiu no tratamento pro-
financeiro da FAPEMIG, com vistas à organização e priamente dito de documentos pertencentes ao ac-
a preservação dos acervos através da microfilmagem, ervo do Fórum Gonçalves Chaves. O Fundo “Fórum
da digitalização e do tratamento documental2. Gonçalves Chaves” – documentação alvo desse
Projeto – é constituído de processos crime datados retrata os danos mais comuns encontrados no acer-
entre os anos de 1828 a 1997, sob custódia da Divisão vo:
de Pesquisa e Documentação Regional, desde setem-
bro de 1999, e foi organizado de acordo com os có- Gráfico do Diagnóstico de Danos mais Comuns
digos criminais brasileiros dos períodos imperial e
republicano. Devido à forma inadequada da guarda 60
50
anterior, os documentos encontravam-se bastante 40
deteriorados. 30
BOURDÉ, G.; MARTIN, H. As escolas históricas. estudo de caso. Vassouras, 2005, 197f. Dissertação
Portugal: Publicações Europa-América, 1983. 219 p. (Mestrado em História) - Faculdade Severino Som-
bra.
BRITO, E. Z. C. Em torno da complexidade do campo
historiográfico. Nethistória. Disponível em: <www. FOUCAUT, M. A arqueologia do saber. 7 ed. Rio de
nethistoria.com/impressaotexto.pnp?tituloid=97>. Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 1-20.
Acesso em: 14 fev.2004.
LE GOFF, J. Documento/monumento. Campinas:
CORDEIRO, F. L. A cidade sem passado: políticas Unicamp, 2003, p.525-541.
públicas e bens culturais de Montes Claros/MG. Um
68