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Introdução
A explicação dos dilemas e impasses que explicariam o baixo dinamismo recente da indústria
brasileira tem estimulado a elaboração análises que associam essa discussão à configuração da
estrutura da indústria. No âmbito das análises com matiz estruturalista, uma constatação
praticamente consensual refere-se à perda de densidade da estrutura industrial brasileira, o
que aponta para uma dimensão qualitativa importante do processo de desindustrialização.
Assume-se que as atividades industriais estão conectadas, direta e indiretamente, por meio
das relações de compra e venda de matérias-primas, partes, peças, acessórios, componentes e
tecnologias, configurando uma rede de relações que conformam o tecido industrial. Em um
tecido industrial com maior densidade, os produtores domésticos comercializam a maioria dos
insumos e componentes entre si, estabelecendo, dessa forma, ligações intersetoriais mais
densas. Quando isso não ocorre, ou deixa de ocorrer, as relações interindustriais são
enfraquecidas, uma parcela significativa das aquisições de insumos e componentes é
(re)direcionada para importações, a estrutura industrial interna desarticula-se e perde
densidade.
Um argumento central da hipótese de perda de densidade da indústria refere-se ao peso
crescente da parcela de insumos e componentes importados, principalmente aqueles mais
elaborados, que agregam mais valor e têm maior intensidade tecnológica. Esse processo tem
sido discutido utilizando diferentes fontes de informação, ferramentas metodológicas e
recortes setoriais. Em especial, a análise da configuração setorial da indústria constitui um
caminho simples, porém elucidativo, para avaliar a trajetória de perda de densidade da
indústria brasileira. Neste sentido, este artigo procura avaliar a performance relativa de
atividades industriais que constituem "elos" de ligação entre as atividades da "base" e as
atividades no "topo" da indústria, associadas à fabricação de insumos e componentes de uso
relativamente generalizado pelo tecido industrial. O argumento básico é que uma pior
performance comparada desses indicadores para o conjunto dos segmentos de "componentes
industriais" constitui uma evidência importante de perda de densidade da estrutura industrial.
A análise elaborada estrutura-se em quatro seções. A primeira seção recapitula, de forma
sintética, os argumentos de análises recentes que discutem, a partir de diferentes recortes e
fontes de informação, a perda recente de densidade da estrutura industrial brasileira. A
segunda seção detalha a metodologia da análise elaborada, baseada num agrupamento
particular de setores de atividades, de maneira a caracterizar grupos de atividades associados
à fabricação de insumos e componentes de uso relativamente generalizado pelo tecido
industrial, e na utilização de informações da PIA-IBGE, relativas ao período 2007-2018, para
avaliar a performance relativa dessas atividades em comparação com o conjunto da indústria.
A terceira seção apresenta os resultados da análise realizada, baseada na comparação, para
indicadores selecionados, da performance daqueles grupos de atividades com o conjunto da
indústria. Por fim, uma última seção apresenta as conclusões do estudo e desenvolve reflexões
sobre possíveis impactos das tendências identificadas em termos da possibilidade de
recuperação de uma trajetória de maior dinamismo da indústria brasileira.
26,0
24,0
22,0
20,0
18,0
16,0
14,0
12,0
10,0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
3- Discussão de Resultados
O argumento que aponta para a perda de "densidade" da estrutura industria brasileira pode
ser associado a uma análise de indicadores extraídos da PIA-IBGE, a partir da comparação da
evolução dos diversos segmentos de "componentes industriais" e do total da indústria" para o
período 2017-2018. Considera-se, nesse sentido, que uma pior performance comparada
desses indicadores para o conjunto dos segmentos de "componentes industriais" constitui
uma evidência importante de perda de densidade da estrutura industrial. A Tabela 2 e o
Gráfico 2 ilustram essa análise para a evolução da Receita Líquida de Vendas para o período
2007-2018. Percebe-se que, entre 2007 e 2018, a participação do conjunto selecionado de
"componentes industriais" no total da Receita Líquida de Vendas da indústria reduziu-se de
17,6% para 13,2%, o que corresponde a uma queda de 24,9% naquele percentual. Já em
termos da taxa de variação desse indicador, o contraste é também bastante nítido:
comparando 2007 e 2018, verifica-se uma queda de 4,9% no indicador para o conjunto
selecionado de "componentes industriais", comparativamente a uma aumento de 26,5% para
o total da indústria; já em termos da taxa de crescimento anual médio no período 2007-2018,
observa-se um contraste entre uma queda de 0,1% para o conjunto de "componentes
industriais", comparativamente a um crescimento de 2,3% para o conjunto da indústria.
Dentre os diversos segmentos considerados, é possível destacar as quedas mais pronunciadas
observadas nas taxas médias anuais de variação no caso dos segmentos de Componentes
Mecânicos (-1,4% ao ano), Componentes Metálicos (-1,3%) e Máquinas e Equipamentos (-
1,0%). O Gráfico 2 corrobora a tendência, com alargamento progressivo das curvas de
evolução do indicador, com exceção do ano de 2017, explicado principalmente pelo segmento
de Componentes Químicos e Plásticos.
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90,00 Componentes
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2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
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120,00
110,00
100,00 Total
Componentes
90,00
80,00
70,00
60,00
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
140,00
130,00
120,00
110,00
Total
100,00 Componentes
90,00
80,00
70,00
60,00
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
130,00
120,00
110,00
100,00 Total
Componentes
90,00
80,00
70,00
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2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
140,00
135,00
130,00
125,00
Total
120,00
Componentes
115,00
110,00
105,00
100,00
Outro indicador derivado importante que pode ser considerado é a Taxa de Investimento,
captada pela relação entre Aquisições de Ativos e o Valor da Transformação Industrial. A
Tabela 7 e o Gráfico 7 indicam que, entre 2007 e 2018, o valor médio anual da Taxa de
Investimento no caso do conjunto de segmentos de "componentes industriais" atingia 12,3%,
contra um valor de 18,3% para o total da indústria. Entre 2007 e 2018, o indicador, no caso do
conjunto de segmentos de "componentes industriais" caiu 19,3%, contra uma queda de 17,3%
para o total da indústria. Comparando valores médios da Taxa de Investimento entre dois
subperíodos - 2007-2012 e 2013-2018 - verifica-se uma queda de 7,0% para o conjunto de
"componentes industriais", contra uma queda de 5,7% para o total da indústria. Já em termos
da variação média anual da Taxa de Investimento entre 2007 e 2018, observa-se uma queda
de 1,7% no caso dos "componentes industriais", contra uma queda de 1,3% para o total da
indústria. Dentre os diversos segmentos considerados, é possível destacar as menores taxas
de investimento médias anuais observadas nos segmentos de Manutenção e Instalação,
Máquinas e Equipamentos e Componentes Eletroeletrônicos. Já a variação média anual dessa
taxa apresenta-se mais reduzida no caso dos segmentos de Componentes Metálicos (-5,0%),
Componentes Químicos e Plásticos (-1,5%) e Componentes Eletroeletrônicos (-1,4%). O Gráfico
7 ilustra a evolução do indicador de Taxa de Investimento entre 2007 e 2018 para os
"componentes industriais" e o "total da indústria". Nos dois casos observa-se uma queda do
indicador entre 2014 e 2017, que aparentemente foi mais intensa para o "total da indústria"
levando a uma aproximação das curvas, movimento porém que é revertido em 2018.
21,0%
19,0%
17,0%
15,0%
Total
13,0% Componentes
11,0%
9,0%
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2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
6,0%
5,0%
4,0% Total
Componentes
3,0%
2,0%
1,0%
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
90.000
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2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
12.000
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8.000 Total
Componentes
6.000
4.000
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2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Por fim, é possível considerar um indicador derivado de rentabilidade, dado pela Margem
Operacional, medida pela relação entre o diferencial entre Receita Total e Custo Total e a
própria Receita Total. A Tabela 11 e o Gráfico 11 comparam a evolução da Margem
Operacional entre o conjunto de segmentos de "componentes industriais" e o "total da
indústria", indicando que este indicador, na média anual do período 2007-2018, atingia 3,6%
no caso do conjunto de segmentos de "componentes industriais", contra um valor de 5,6%
para o total da indústria. Comparando valores médios da Margem Operacional entre dois
subperíodos - 2007-2012 e 2013-2018 - verifica-se uma ampliação dos diferenciais os entre
segmentos de "componentes industriais" e o "total da indústria": esse diferencial era de 44%
no período 2007-2012 (5,7% contra 8,2%) e se eleva para 86% no período 2013-2018 (1,6%
contra 2,9%). Dentre os diversos segmentos considerados, é possível destacar o margem
operacional média anual para o conjunto do período para os segmentos de Componentes
Mecânicos (1,4%), Componentes Automotivos (1,8%) e Componentes Eletroeletrônicos (3,1%).
No período mais recente (2013-2018) estas taxas apresentam menores valores para os
segmentos de Componentes Automotivos (-1,9%), Componentes Mecânicos (-1,7%) e
Componentes Metálicos (1,7%). O Gráfico 11 ilustra a evolução do indicador de Margem
Operacional entre 2007 e 2018 para os "componentes industriais" e o "total da indústria". As
curvas localizam-se próximas, com nítida tendência de queda entre 2010 e 2015, porém com
curva de componentes industriais" localizando-se sistematicamente abaixo da curva do "total
da indústria". Essa tendência reverte-se em 2015, mas é retomada, já em uma trajetória de
crescimento, a partir de 2016, porém em rimo mais modesto o caso dos segmentos de
"componentes industriais".
Tabela 11 - Margem Operacional (Receita Total- Custo Total/ Receita Total) - Total da
Indústria e Setores Produtores de Componentes Industriais - 2007-2018
Média 2007- Média 2013-
2007 2018 2012 2018 Media Anual
Total 10,0% 10,4% 8,2% 2,9% 5,6%
Produção Embalagens 6,5% 7,5% 6,7% 5,6% 6,1%
Componentes Químicos e Plásticos 7,1% 3,3% 4,9% 2,0% 3,4%
Componentes Metálicos 8,8% 0,9% 7,0% 1,7% 4,4%
Componentes Eletroeletrônicos 5,9% 1,5% 4,4% 1,8% 3,1%
Componentes Mecânicos 6,2% 1,2% 4,5% -1,7% 1,4%
Componentes Automotivos 7,1% 1,2% 5,5% -1,9% 1,8%
Máquinas e Equipamentos 7,9% 2,0% 6,7% 2,4% 4,6%
Componentes - Vidro 17,6% 10,4% 12,6% 1,8% 7,2%
Manutenção e Instalação 9,9% 4,4% 8,7% 6,1% 7,4%
Sub total 7,3% 2,8% 5,7% 1,6% 3,6%
Gráfico 11 - Evolução da Margem Operacional (Receita Total- Custo Total/ Receita Total) -
Total da Indústria e Setores Produtores de Componentes Industriais - 2007-2018
12,0%
10,0%
8,0%
6,0%
4,0% Total
2,0% Componentes
0,0%
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
-2,0%
-4,0%
-6,0%
4 - Considerações Finais
A análise realizada procurou destacar, como evidência da perda de densidade da estrutura
industrial brasileira, o desempenho comparado de setores produtores de insumos e
componentes em relação ao conjunto da indústria brasileira no período 2007-2017, utilizando
para isso informações da PIA-IBGE. A análise realizada permite destacar quatro aspectos
principais dessa comparação. Em primeiro lugar, é possível mencionar o pior desempenho
daqueles setores em comparação ao total da indústria no caso da Receita Líquida de Vendas e
do Valor Adicionado, resultando numa queda expressiva da sua participação em relação
àquele total, em consonância com a hipótese de perda de densidade da indústria. Em segundo
lugar, constata-se também uma perda de participação dos setores produtores de insumos e
componentes no total de ativos e na aquisição de ativos ("proxy" de investimentos),
sinalizando que processo de perda de densidade da estrutura industrial tende a ser reforçado
ao longo do tempo em função da dinâmica de investimento que modula o processo de
mudança estrutural. Em terceiro lugar, identifica-se um crescente alargamento do diferencial
de porte econômico entre os setores produtores de insumos e componentes e o conjunto da
indústria. É possível argumentar que a continuidade desse processo resulta numa crescente
defasagem em relação ao que poderíamos caracterizar como "escalas mínimas eficientes" para
sustentar a competitividade daquelas atividades. A consequência seria o reforço de uma
tendência - a crescente defasagem em termos das escala econômicas "eficientes" no caso de
insumos e componentes industriais - com potencial de retroalimentar o processo de perda de
densidade da estrutura industrial. Em quarto lugar, constatou-se um pior desempenho dos
setores produtores de insumos e componentes em relação ao conjunto da indústria em
termos da evolução da margem operacional. É possível argumentar que esse pior desempenho
pode ser explicado, em parte, pelo acirramento da concorrência com insumos e componentes
importados. Por outro lado, essa compressão relativa das margens de rentabilidade dificulta a
realização dos necessários investimentos para expandir o porte e a produtividade desses
setores, também contribuindo para retroalimentar a perda de densidade da estrutura
industrial brasileira.
Deve-se considerar que os resultado encontrados refletem, em maior ou menor grau, os
critérios utilizados para selecionar os diversos setores de atividades produtores de insumos e
componentes de uso mais diversificado pelo tecido industrial. É possível que resultados em
alguma medida distintos fossem obtidos se outros critérios de seleção de atividades fossem
considerados. É importante também levar em conta que o processo objeto de análise - a perda
de densidade da estrutura industrial - deve ser cotejado com a trajetória mais geral da
indústria brasileira observada nas últimas décadas. Neste sentido, deve-se considerar que a
perda de densidade da estrutura industrial ocorreu a partir de uma estrutura industrial pré-
existente essencialmente complexa, resultando não apenas em importações de natureza
complementar - eventualmente direcionada para insumos e componentes de maior conteúdo
tecnológico - mas também numa progressiva substituição da produção interna por
importações, mesmo no caso de insumos e componentes relativamente padronizados,
tornando aqueles segmentos mais rarefeitos e resultando, como apontam Morceiro e Guilhoto
(2020), em um progressivo processo de "esgarçamento" da estrutura industrial, que pode
acabar conduzindo à desindustrialização absoluta
Por fim, é importante destacar a importância da reversão da tendência de perda de densidade
da indústria brasileira como fator crítico para viabilizar um novo ciclo de investimento
produtivo e tecnológico com potencial de reduzir a defasagem da estrutura produtiva
doméstica vis-à-vis a internacional (Bueno e Sarti, 2019). Essa reversão se mostra, também,
fundamental para superar as agruras da "doença industrial brasileira", seja em termos da
tendência à especialização regressiva, articulada a estratégias de acumulação desvinculadas do
desempenho estritamente produtivo (Diegues e Rossi, 2018), seja em termos do incentivo à
adoção pelas empresas de estratégias minimizadoras de investimentos produtivos (Kupfer,
2018). Ademais, o enfraquecimento de importantes "elos" da estrutura industrial implica uma
menor capacidade de endogeneização do progresso técnico, o que tende a ter impactos
potencialmente danosos em termos da adoção e difusão de novas tecnologias de base digital
sobre o tecido industrial (IEL, 2018). Por fim, cabe reconhecer que a reversão da tendência à
perda de densidade da indústria é fundamental para fortalecer a resiliência e a capacidade de
resposta face à possibilidade de crises no abastecimento internacional de insumos e
componentes críticos para a indústria, convertendo-se em principio norteador de prioridades
no campo da Política Industrial.
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Anexo 1 - Evolução de Coeficiente de penetração de importações (em % ) por setores da
indústria- 2003-2018 - preços constantes de 2007
35,0 25,0
0,0 0,0
2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017
50,0 35,0
45,0 Coque, produtos 30,0
40,0 derivados do petróleo
e biocombustíveis Produtos de minerais
35,0 25,0 não metálicos
Químicos
30,0
20,0
Metalurgia
25,0
Produtos 15,0
20,0
farmoquímicos e
15,0 farmacêuticos 10,0 Produtos de metal
10,0 (exceto máquinas e
Produtos de borracha equipamentos)
5,0
5,0 e de material plástico
0,0 0,0
2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017
50,0 45,0
45,0 40,0
40,0 35,0
Equipamentos de
35,0 informática, produtos
30,0
eletrônicos e outros
30,0 Veículos automotores,
Máquinas, aparelhos e 25,0
25,0 reboques e carrocerias
materiais elétricos 20,0
20,0 Outros equipamentos
15,0 de transporte
15,0 Máquinas e
10,0 equipamentos 10,0
5,0 5,0
0,0 0,0
2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017