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V.
Autopoiese e ciência
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JUL-SET
Renato Sampaio de Azambuja1
Resumo Summary
Procuraremos neste artigo apresentar uma síntese do This article will try to find out a synthesis of Humberto
pensamento de Humberto Maturana e demonstrar a Maturana’s thinking and demonstrate the importance
importância e diversidade de aplicações que podem and diversity of the applications that come from the
decorrer da Teoria da Autopoiese. Autopoiesis Theory.
1. Médico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1985, residência em Cirurgia Geral 1985-1988,
especialista em Homeopatia desde 1998, médico homeopata no Hospital Nossa Senhora Conceição de Porto Alegre -
vinculado ao SUS, professor adjunto do Curso de Formação em Homeopatia da Fundação Centro Gaúcho de Estudos e
Pesquisa em Homeopatia (CEGEPH) vinculado à SGH-AMHB.
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qualquer ser vivo, em especial os seres humanos, é ral, uma dança contínua de fluxo de estados na qual o
sempre e necessariamente distinguida por um obser- próprio estado interno é quem especifica o que é visto e
vador. Essa realidade não existe por si mesma e inde- percebido. Como conseqüência teremos, por um lado, a
pendente, ou seja, a realidade não pode ser caracterizada concepção de que o Sistema Nervoso Central (SNC) é
e especificada se não houver um observador operando um sistema biológico operacionalmente fechado, no
nela. Mesmo se disséssemos que ela existiria se não qual os estados e a dinâmica interna de sua estrutura
houvesse ninguém ali, estaríamos dizendo isso como neural constroem todas as condições e elementos
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observadores que já existimos e operamos quando nos biológicos necessários à sua própria existência.
expressamos em uma linguagem. Como humanos, não Por outro lado, e segundo essa condição de fecha-
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há sentido em falarmos de realidade se não operarmos mento operacional, o SNC não admite instruções incon-
uma ação distintiva em um meio, emergindo dessa dicionais do meio. Ou seja, em todas as interações que o
interação aquilo que chamamos de realidade. Em SNC tem com o meio, esse último não especifica o que
resumo, para Maturana a realidade é um fato intima- ocorre em sua dinâmica estrutural interna, pois ela é
mente relacionado com aquilo que é visto, e é visto, operacionalmente fechada.
necessariamente, por um observador. Assim como o comprimento de onda não especifica
Então, junto a essa primeira observação, agregamos a cor percebida, qualquer ato cognitivo de um organismo,
a segunda conseqüência primordial daquele aforismo: o inclusive dos humanos, não é especificado pela realidade
papel do observador na configuração da realidade desse meio. Nas palavras de Maturana “nada pode
existente e vivida. Para nosso autor, existem dois caminhos acontecer no sistema vivo que não seja determinado pelo
explicativos para a realidade observada. Um que considera próprio sistema”8.
a realidade como dado objetivo e invariável, cabendo ao A essa condição que distingue os seres vivos de seu
nosso sensório e sistema nervoso captar e decodificar as meio, onde sua organização é tal que seus únicos
informações do meio, relacionando-as, independente- produtos são eles mesmos, inexistindo separação en-
mente de quem as observa, e outro que considera a reali- tre produtor e produto, entre o ser e fazer, Maturana
dade como um acontecer no viver do observador, desig- chamou de Autopoiese.
nando-a e distinguindo-a na dependência de sua expe- O organismo, assim concebido, não vive isolado.
riência empírica e no seu operar cognitivo. Vive em um meio onde necessita, devido à sua clausura
Estamos acostumados a conceber nossa percepção operacional, acoplar-se constantemente.
como inputs, através de nosso aparelho sensorial, de uma Esse meio ambiente, ao mesmo tempo em que sofre
realidade em si e invariável, governada por leis a serem modificações pela intervenção do ser vivo, também
descobertas. Nosso cérebro teria a capacidade de perturba esse mesmo ser vivo. Essa perturbação do meio
relacionar os estímulos configurando o que poderíamos não especifica nada o que acontece no interior do orga-
chamar de uma representação do mundo real em nossa nismo, condição de sua clausura operacional. Mesmo
mente, exatamente como o mundo é independente do assim, esse organismo se modifica conforme as especi-
observador. ficações de sua dinâmica estrutural interna e, ao modi-
Humberto Maturana propõe uma virada episte- ficar-se e movimentar-se, volta a interferir no meio. A
mológica nesses conceitos. essa relação mútua e dinâmica entre ser vivo e meio,
Tudo começou após intensas pesquisas em tentar Maturana chamou de Acoplamento Estrutural.
adequar alguns fenômenos anômalos que não corres- Toda essa movimentação ou, poderíamos chamar,
pondiam àqueles previsto pela ciência normal7. Depois mudanças de estado que um organismo exibe ao acoplar-
de tentar correlacionar incansavelmente e sem sucesso se com o meio, ao serem observadas por um observador,
os comprimentos de onda luminosa com a cor percebida que pode ser o próprio organismo em questão, deno-
pela estrutura orgânica, concluiu que a cor percebida mina-se conduta. Se esse observador perceber uma
devia-se muito mais a um estado dinâmico do conjunto regularidade ou coerência em um conjunto de condutas
da estrutura cerebral do que das propriedades da onda exibidas pelo ser vivo, poderemos dizer que houve um
ou dos componentes isolados da estrutura cerebral. processo cognitivo bem-sucedido. Poderíamos dizer
Concluiu que, quanto mais complexa a percepção do que houve um aprendizado ou conhecimento adquirido
organismo, mais dependente ela é do conjunto de mu- no seu agir enquanto ser vivo, ao associar a mudança de
danças dinâmicas de sua estrutura em totalidade. estado dinâmico à circunstância ambiental, sempre
A esse fenômeno nomeou Determinação Estrutural. A conservando sua Autopoise.
especificação do que é percebido pelo organismo não Entre os humanos, o principal instrumento de sua
depende de um input de uma realidade invariável e objetiva. conduta, que demonstra incrível plasticidade e ampli-
Pelo contrário, qualquer percepção cognitiva é, an- tude e é capaz de refletir o conjunto de seus estados
tes de tudo, um conjunto de estados de atividade neu- internos, é a linguagem.
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Para Maturana, linguajar é um sistema de ações entendimento dos seres vivos enquanto unidade
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coordenadas e coerentes, dinâmico e padronizado en- indissolúvel. Para nós, humanos, isso tem especial
tre as espécies e raças, expressivo do estado interno do importância, pois sustenta o antigo anseio da filosofia e
organismo em seu movimento de manutenção de sua da ciência da unidade da vida e do indivíduo. A auto-
Autopoiese. Regularidades encadeadas e coordenadas nomia e a independência operacional, por um lado, e a
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podem ocorrer em qualquer espécie viva, mas como compreensão dos processos cognitivos como expe-
língua falada é exclusiva dos seres humanos e é o que riência direta dos indivíduos no ser e fazer, por outro