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Resumo: O presente trabalho tem como objeto o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), em
particular a análise sobre a perspectiva da progressividade dos impostos frente às grandes
desigualdades sociais presentes no Brasil. Para isso, são comparados os objetivos
fundamentais da Constituição Federal de 1988 com os dados da Receita Federal frente aos
tributos diretos e indiretos, demonstrando a proporção de taxação entre as classes sociais.
Abstract: The present work has as its object the brazilian “Great Fortunes Taxes”, in
particular the analysis of the perspective of the progressiveness of taxes, in view of the great
social inequalities present in Brazil. Therefore, the fundamental objectives of the Federal
Constitution of 1988 are compared with data from the Federal Revenue regarding direct and
indirect taxes, demonstrating the proportion of taxation between social classes.
Entretanto, a diferença entre as classes sociais no país nunca esteve tão larga: o Índice de
Gini, instrumento usado para medir o grau de concentração de renda em certo grupo, indo de
0 a 1 (quanto mais perto de 1, maior a concentração de renda), demonstrou um valor de 0,674
no primeiro trimestre de 2021, recorde histórico no país, demonstrando um grande aumento
da desigualdade. Portanto, é inegável a urgência em tornar o sistema tributário brasileiro em
progressivo, de forma que os mais ricos sejam mais tributados enquanto os mais pobres sejam
beneficiados pelos tributos revertidos em forma de políticas públicas e sociais. Destarte,
Buffon e Barcellos (2018, apud LAUAR, 2020) entendem que:
Neste papel primordial que apresenta no Estado Democrático de Direito, a
tributação não poderia ter como base outro princípio senão o da capacidade
contributiva, no qual aqueles que possuem maiores condições devem
contribuir mais vigorosamente com os fins do Estado, e aqueles que menos,
ou nada, possuem, suportarão menores encargos tributários, ou até mesmo
nenhum. Tal princípio é uma decorrência lógica do atual modelo de Estado,
oriundo do princípio da igualdade, dotando-o de maiores condições para
cumprir os objetivos estatais. Isto porque tal princípio preserva o mínimo
vital, ou seja, aquela parcela de renda necessária para que se tenha uma vida
digna, evitando-se, também, que a tributação seja um meio de suprimir a
propriedade privada, através do confisco. O melhor formato para a
concretização do princípio da capacidade contributiva é mediante a
tributação progressiva.
A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo diversas medidas visando reduzir as
desigualdades e prosperar uma sociedade igualitária, indo desde os objetivos e garantias
fundamentais da República, até os específicos princípios tributários da isonomia e da
capacidade contributiva, tratada anteriormente. Na busca de um sistema tributário mais
progressivo, dentro dos limites constitucionais, a doutrina aponta como medidas possíveis a
extinção da isenção total de imposto de renda sobre lucros e dividendos, além de novas
alíquotas sobre ele; alterações na tributação de heranças; a tributação de aeronaves e
embarcações; e a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (LAUAR, 2020).
O art. 153, inciso VII da Constituição Federal dispõe sobre a competência da União
para instituir o imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar. Entretanto,
mesmo passados 33 anos desde a promulgação da Carta Magna e frente aos mais de 50
projetos apresentados ao Congresso Nacional para a instituição de tal tributo, o imposto sobre
grandes fortunas continua sendo o único imposto previsto constitucionalmente que não foi
instituído até hoje. Sua destinação, conforme o art. 80 da ADCT, seria o Fundo de Combate e
Erradicação da Pobreza, indo de encontro com a progressividade do sistema tributário, posto
que, além de aumentar a tributação dos extremamente ricos, iria proporcionar àqueles
desprovidos de qualquer riqueza um retorno por meio das políticas sociais: o Estudo nº 463 de
2015, do Senado Federal e da Câmara de Deputados, apontou que dentre os projetos que
propunham a implementação do IGF, a grande maioria objetivava a aplicação da receita
arrecadada em políticas públicas na educação e na saúde (LAUAR, 2020).
O Código Tributário Nacional traz a definição de tributo no seu art. 3º, sendo ele “toda
prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não
constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada”. Assim, temos que os tributos são prestações monetárias destinadas
aos cofres públicos, com a finalidade de custeio das políticas públicas. De acordo com a teoria
pentapartida, adotada pelo Supremo Tribunal Federal, temos cinco tipos de tributos, sendo
eles os impostos, as taxas, as contribuições de melhorias, os empréstimos compulsórios e as
contribuições especiais.
A Receita Federal (2020) elencou dentre essas espécies as suas variações por base de
incidência e suas respectivas cargas tributárias do período de 2009 a 2018. A partir deste
estudo, ficou claro como o sistema tributário brasileiro arrecada muito mais sobre o consumo,
principalmente quando comparado com as bases sobre a riqueza: no ano de 2018, a
arrecadação sobre bens e serviços foi de 44,74%, enquanto a arrecadação sobre a renda foi de
21,62% e a sobre a propriedade foi de 4,64%. Ainda, quando comparados o ano de 2018 com
o do início do estudo, em 2009, percebe-se que a arrecadação sobre a propriedade aumentou
em 0,73% e a arrecadação sobre os bens e serviços aumentou em 0,28%; entretanto, a
arrecadação sobre a renda diminuiu em 0,55%. Dentre os países da OCDE, o Brasil é um dos
países que menos tributa sobre a renda, lucro e ganho de capital (correspondente a 7% do
PIB), enquanto está em 4º lugar entre os que mais tributam sobre bens e serviços
(correspondente a 14,3% do PIB).
Destarte, a tributação de impostos indiretos recai justamente nos cidadãos pobres. Ora,
havendo possibilidade da majoração da tributação direta, como é o caso da implementação
dos impostos sobre as grandes fortunas, por qual motivo o ordenamento jurídico brasileiro
continua a desrespeitar princípios e objetivos constitucionais?
A primeira vez em que foi falado sobre a tributação de grandes fortunas foi em 1981,
na França, com o tributo “Impôt sur les Grandes Fortunes”, substituído em 1989 pelo “Impôt
de Solidarité sur la Fortune”. No Brasil, foi só na Assembleia Nacional Constituinte, formada
em 1987, que houve a sugestão da criação de um imposto sobre o patrimônio líquido das
pessoas físicas, sendo utilizada a tradução literal do texto do primeiro imposto francês no seu
relatório final. Apesar do projeto ter sido aprovado e inserido no texto constitucional, até o
momento o IGF não foi instituído no território nacional.
(...) se deve ao fato de que, assim como ocorre nos Estados Unidos, nossos
políticos são eleitos com apoio maciço dos grandes empresários, através dos
financiamentos privados de campanha. Com o financiamento privado de
campanha, ou nossos políticos são os detentores de “grandes fortunas” ou
são representantes destes, e por este motivo eles jamais aprovariam uma lei
que os afetasse de forma negativa, ou prejudicasse os interesses de quem eles
representam.
Mesmo com o fim do financiamento privado com a reforma política de 2017, a representação
política no Congresso Nacional continua dominada pelos extremamente ricos ou, pelo menos,
por aqueles que por eles advogam. Ainda assim, o Congresso Nacional e alguns doutrinadores
continuam inclinados à não instituição do IGF, alegando a possibilidade de
Entretanto, Amir Khair (2015, apud Ibidem) apontou a baixa probabilidade de fuga de
capitais para países diversos ou paraísos fiscais, visto que, frente às baixas alíquotas dos
impostos diretos no Brasil, a mudança não valeria a pena, financeiramente falando. Ademais,
o mestre em Finanças Públicas ainda apresentou uma estimativa à Carta Capital de que, com a
aplicação de alíquota média de 1% sobre as pessoas com patrimônio líquido de ao menos 1
milhão de reais, a receita pública aumentaria sua arrecadação em torno de 100 bilhões de reais
anuais. O Estudo nº 463 da Consultoria Legislativo do Senado Federal, realizado em 2015,
apontou uma previsão de arrecadação de 6 bilhões de reais caso o patrimônio excedente a 3
milhões de reais fosse taxado com alíquota de 1,5%. O PL 964/2020 e o PLP 49/2020
previram uma arrecadação de 36 bilhões de reais aos cofres públicos com uma alíquota de
3% frente à fortuna de 1,2 trilhões de reais acumulada em pouco mais de 200 bilionários
brasileiros; o PLP 38/2020 estima que a cobrança de uma alíquota anual de 0,5% frente a
essas mesmas pessoas renderia 6 bilhões de reais. Os PLPs 77/2020 e 82/2020 prevêem uma
arrecadação de 40 bilhões anuais; o PLP 88/2020, de 30 a 40 bilhões.
Nas eleições presidenciais de 2020 dos Estados Unidos, foi levantada a proposta da
criação de um imposto sobre as grandes fortunas pelos senadores Bernie Sanders e Elizabeth
Warren. Sanders propunha que o tributo fosse cobrado sobre o patrimônio líquido a partir de
32 milhões de dólares, com alíquotas progressivas de 1 a 8%; enquanto isso, Warren, propôs
que o tributo se desse sobre o patrimônio líquido acima de 50 milhões, com alíquotas menos
progressivas, de 2 e 3%, intitulando o projeto de Ultra-Millionaire Tax. A proposta da
senadora foi levada ao Senado, sob o argumento de que “The ultra-rich and powerful have
rigged the rules in their favor so much that the top 0.1% pay a lower effective tax rate than
the bottom 99%, and billionaire wealth is 40% higher than before the Covid crisis began”1,
conforme disse Warren em entrevista (IACURCI, 2021).
1
“Os ultra-ricos e poderosos manipularam tanto as regras à seu favor, que os 0,1% do topo pagam uma
taxa de imposto efetiva menor do que os 99% da base, e a riqueza bilionária é 40% maior agora do que
quando a crise do Covid começou”, tradução nossa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com os expostos ao longo deste trabalho, fica claro como a progressividade tributária,
prevista nos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, está sendo brutalmente
desrespeitada, de maneira que a população mais pobre paga, proporcionalmente, muito mais
tributos do que os mais ricos. O problema da regressividade tributária corrobora diretamente
com a ampliação das desigualdades sociais, principalmente no contexto da pandemia do
coronavírus, onde há mais de 14 milhões de desempregados no país, registro de recorde
histórico.
A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo uma das medidas fiscais que
possibilitam o alcance de um sistema tributário progressivo, justo e igualitário, que é o caso
do Imposto sobre Grandes Fortunas. Previsto no art. 153, VII, ele necessita de uma
regulamentação através de lei complementar para sua instituição no ordenamento jurídico
brasileiro; entretanto, o Congresso Nacional continua barrando os diversos projetos de lei que
buscam assim fazer.
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