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CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - CCHS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO


Disciplina: Direito Civil VI - Família e Sucessões
Professora: Aline Antunes Gomes

Material para as aulas de Direito de Família


Semestre 2021.01

Aula 4

DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE E VÍNCULO CONJUGAL

O término da sociedade conjugal, conforme previsão do artigo 1.571 do CC/02, pode ocorrer
em quatro situações: I – pela morte de um dos cônjuges; II – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial; IV – pelo divórcio.

Atenção: O término ocorre nessas quatro situações, mas a dissolução da sociedade conjugal
só pode ocorrer por duas: em caso de morte de um dos cônjuges ou no caso do divórcio.

Separação e Divórcio:

Antes da Emenda Constitucional nº 66/2010, para dissolver o casamento válido (cônjuges


vivos), o CC/2002 exigia a separação judicial ou a separação fática antes de conceder o divórcio.
A separação judicial possibilitava que em um ano a decisão pudesse ser convertida em
divórcio. Contudo, os cônjuges podiam retomar a sociedade conjugal e não converter a separação em
divórcio.
Já a separação fática exigia a separação de corpos pelo período mínimo de dois anos, para que,
com isso, fosse possível pedir o divórcio direto.
Após a aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010, que alterou o parágrafo 6º, do artigo
226 da CF/88, o divórcio passou a ser aceito a qualquer tempo, sem a necessidade de ocorrer primeiro
a separação judicial ou a separação fática, como forma de preservar a autonomia da vontade dos
cônjuges.
Formou-se, assim, dois posicionamentos acerca da temática: a) um que entende que a
separação não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, uma vez que não há qualquer
menção no parágrafo 6º, do artigo 226 (além disso, a lei ordinária não pode contrariar a CF), devendo,
por isso, ocorrer a revogação dos artigos 1.571, III, 1.572, 1.573, 1.574, 1.575, 1.576, 1.577, 1.578 e
1.580 do CC/2002; b) e outro que entende que a separação foi recepcionada de forma indireta pela
CF/88, uma vez que para não ser recepcionada teria que conter um dispositivo próprio de proibição
ou uma clara afronta ao texto da Constituição Federal. Porém, apesar de ser recepcionada, precisa
adequar os seus efeitos de acordo com a nova redação, ou seja, pode continuar existindo a separação
para os casais que, por exemplo, não tem certeza se querem ou não manter a sociedade conjugal, mas
não podem ser exigidos os requisitos temporais da separação, já que a Emenda Constitucional nº 66
autorizou o divórcio a qualquer tempo. Além disso, não se pode mais discutir sobre culpa na
separação.
O posicionamento adotado pelo Tribunal de Justiça do RS, conforme pode-se observar nas
decisões abaixo colacionadas, é de que não há exigência temporal para o divórcio, tampouco que
haverá discussão da culpa pelo término da sociedade conjugal.

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. OFERTA DE ALIMENTOS A EX-


CÔNJUGE. MERA LIBERALIDADE. DEPENDÊNCIA NÃO COMPROVADA.
DISCUSSÃO ACERCA DA CULPA NO DIVÓRCIO. NULIDADE DA SENTENÇA.
CERCEAMENTO DE DEFESA. DESCABIMENTO. [...] II - Não há que discutir a culpa
pela dissolução do vínculo matrimonial, por tratar-se de tema irrelevante para a
decretação do divórcio, diante do advento da Emenda Constitucional n.º 66/2010. III -
Igualmente, não há falar em cerceamento de defesa, pois sendo o juiz, o destinatário da prova,
cabe a ele aferir quais provas são necessárias à instrução do feito, podendo indeferir aquelas
que entender inúteis ou protelatórias. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº
70070949482, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino
Robles Ribeiro, Julgado em 28/09/2016).

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIVÓRCIO CONSENSUAL DIRETO. POSSIBILIDADE.


A Emenda Constitucional nº 66/2010, alterando o art. 226 da Magna Carta, autoriza o
divórcio consensual direto independentemente de critérios temporais. Matéria objeto
de incidente de uniformização de jurisprudência do 4º Grupo Cível e pacificada nos
enunciados nº 37 e 39 desta Corte de Justiça. Sentença reformada para decretar o divórcio
das partes. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70069452993, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 24/08/2016).

O divórcio poderá ocorrer de forma extrajudicial, quando será feito no cartório, com
obrigatoriedade da presença do advogado(a), de acordo com os requisitos da Resolução n. 35/2007
do CNJ. Ou, poderá ocorrer de forma judicial. O procedimento judicial do divórcio (ou da separação,
para aqueles que optarem por esse instituto), caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade,
serão representados por curador, ascendente ou irmão, sendo que a ação deve seguir as normas
previstas no Código de Processo Civil.
A competência para a ação está prevista no artigo 53, inciso I do CPC: “I - para a ação de
divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável: a) de
domicílio do guardião de filho incapaz; b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal; d) de domicílio da
vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei
Maria da Penha).”

ATENÇÃO: O divórcio pode ser concedido sem que haja a prévia partilha de bens.

A sentença definitiva do divórcio produzirá efeitos depois de registrada no Registro Público


competente. E se os cônjuges divorciados quiserem restabelecer a união conjugal só poderão fazê-lo
mediante novo casamento.

ATENÇÃO: O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos. E o novo
casamento de qualquer dos pais ou de ambos também não importará restrição a esses direitos e
deveres.

UNIÃO ESTÁVEL

É uma estrutura de convívio que, assim como o casamento, é fundada nos laços afetivos.
Nasce da consolidação do vínculo de convivência, do comprometimento mútuo, do entrelaçamento
de vidas e do embaralhar de patrimônios.
Os termos mais usados nos textos legais para identificar os sujeitos de uma união estável são
companheiros(as) (Lei nº 8.971/94) e conviventes (Lei nº 9.278/96). O Código Civil prefere o
vocábulo companheiro, mas usa também convivente.

ATENÇÃO: A partir do momento em que a união estável ganha status de entidade familiar, é
injustificável o uso da expressão sociedade de fato (vinculada a ideia de relação de concubinato,
adulterina, prevista no artigo 1.727 do CC/02), que deixa o campo do direito das famílias para
ingressar na esfera do direito das obrigações, mais especificamente, na área do direito societário.
Características: Conforme previsão do artigo 1.723 do CC/02, a união estável para ser reconhecida
deve possuir as seguintes características: convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com
o objetivo de constituição de família.
A lei, portanto, preocupa-se em identificar a relação pela presença de elementos de ordem
objetiva, ainda que o essencial seja a existência de vínculo de afetividade, ou seja, o desejo de
constituir família.
Atenção: Ainda que não exigido decurso de lapso temporal mínimo para a caracterização da
união estável, a relação não deve ser efêmera, circunstancial, mas sim prolongada no tempo,
residindo, nesse aspecto, a durabilidade e a continuidade do vínculo.

Deveres: Aos companheiros são estabelecidos deveres de lealdade, respeito e assistência, conforme
previsão do artigo 1.724 do Código Civil de 2002, enquanto no casamento os deveres são de
fidelidade recíproca, vida no domicílio conjugal e mútua assistência, conforme disposto no artigo
1.566 do Código Civil de 2002. Em comum há a obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos.

ATENÇÃO: Na união estável, inexiste a imposição de que os companheiros vivam no mesmo


domicílio. Assim, a coabitação, ou seja, a vida sob o mesmo teto, não é elemento essencial para a sua
configuração; basta que exista convivência e intenção de constituir família.

Porém, segundo Dias (2016, p. 251), a jurisprudência resiste em reconhecer o relacionamento


quando o casal não vive junto sem uma justificativa para a manutenção de casas diferentes.
Na decisão (abaixo colacionada) do Tribunal de Justiça do RS, a coabitação não aparece como
requisito obrigatório, mas é ressaltada que a sua existência facilita o reconhecimento da União
Estável.

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL E


DISSOLUÇÃO, COM PARTILHA DE BENS. UNIÃO ESTÁVEL. No caso em apreço, a
sentença fixou a data inicial configuradora da união estável em 24 de abril de 1997, data de
nascimento da filha do casal. Nesse ponto, o autor apelante alegou que a união começou, em
verdade, em 2004. Em primeiro lugar, cumpre referir que o nascimento de filho comum não
induz, sem sombra de dúvidas, a existência de união estável, porque não quer dizer que o
enlace entre os genitores atenda a todos os requisitos legais. Portanto, as testemunhas ouvidas
não apontaram com clareza que as partes viviam em união desde 1997, isto é, em convivência
pública, contínua, duradoura e com o intuito claro de constituir família, o que corrobora a
tese do autor de que passou a conviver com ré em 2004, ou seja, dez anos antes do
ajuizamento da ação (23 de setembro de 2014). Em que pese a coabitação não ser
pressuposto essencial para a demonstração da convivência, ela serve de indicativo, o
qual muitas vezes é suficiente para indicar a ocorrência do ato-fato jurídico, quando
alinhado com outros indícios que reforçam a tese de união estável. E na hipótese foi
justamente o que ocorreu, de maneira que a sentença deve ser corrigida para que seja data
inicial da convivência seja estipulada para setembro de 2004. PARTILHA. IMÓVEL
MATRÍCULA Nº 4.706. Não ingressa na partilha o referido bem, pois foi fruto do trabalho
exclusivo do autor em período anterior ao início da convivência, mesmo tendo sido adquirido,
formalmente, já no interregno da união. No entanto, há nos autos notícia, especialmente pela
prova testemunhal, que se tratava de terreno nu, pois nada estava edificado sobre ele. Dessa
forma, presume-se que a construção da casa foi realizada por esforço comum dos
companheiros, pois: a) foi efetivada quando já constituída a união estável; b) não foi
produzida prova contundente no sentido de que a residência tenha sido construída pelo
esforço individual do autor. Por isso, a divisão do imóvel também é adequada, residência,
pois incide o artigo 1255 do Código Civil. A ré edificou (conjuntamente) em terreno alheio,
perdendo a propriedade da residência, mas fazendo jus à indenização porque estava de boa-
fé. APELO PROVIDO, EM PARTE. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70067725317, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em
09/03/2017).
A resistência ao reconhecimento ocorre, também, pela dificuldade de comprovação do
“objetivo de constituir família”, que é um dos requisitos para a caracterização da união estável, e que
tem sido bastante questionado diante da ascensão dos contratos de namoro.
O contrato de namoro é um documento em que o casal manifesta sua vontade, a partir da
sua autonomia, acerca das intenções que possui naquela relação amorosa, ou seja, de que se trata
apenas de um namoro, sem finalidade ou o objetivo de constituir uma família, evitando, assim, a
caracterização de uma união estável.
Entretanto, existe muita polêmica no que diz respeito à validade e eficácia jurídica deste
documento, tendo em vista que mesmo que se faça um contrato de namoro, se ficar eventualmente
evidenciado em um processo que o que as partes tinham era uma união estável, o contrato dificilmente
irá se sobrepor à realidade vividas pelos envolvidos, e judicialmente poderá ocorrer o reconhecimento
da relação como uma união estável.

Impedimentos: os impedimentos ao matrimônio, previstos no artigo 1.521 do CC/02 aplicam-se


também a união estável, salvo nos casos das pessoas casadas que estiverem separadas de fato ou
judicialmente. Já as causas suspensivas não são aplicadas, podendo os companheiros obter o
reconhecimento da união estável, mesmo que presente uma das situações do artigo 1.523 do CC/02.

União Estável putativa: ocorre quando um dos envolvidos estiver de boa-fé e desconhecer (ignorar)
as circunstâncias que impedem a caracterização da união estável, como, por exemplo, que o seu
companheiro já é casado.

Regime de bens: Na união estável, os conviventes têm a faculdade de firmar contrato de convivência,
estipulando o que quiserem. Se silenciarem quanto ao regime de bens, a escolha é feita pela lei: incide
o regime da comunhão parcial de bens.

Conversão em casamento: A Constituição recomenda que a lei facilite a conversão da união estável
em casamento, conforme previsão do artigo 226, parágrafo terceiro. Esse dispositivo constitucional
foi regulamentado pela Lei nº 9.278/96, que definiu a possibilidade da união estável ser convertida
em casamento mediante requerimento ao Oficial do Registro Civil da circunscrição de seu domicílio.
Porém, o artigo 1.726 do Código Civil de 2002 exige pedido judicial da conversão e assento no
registro civil, mas não revogou o texto constante na Lei n° 9.278/96, motivo pelo qual tem se aceitado
ambas as formas de conversão: administrativa e judicial.

ATENÇÃO: A conversão só é possível se não existir impedimento para o casamento. Assim, se um


dos conviventes é separado de fato, não dá para se casar (somente após o trânsito em julgado da
sentença de divórcio). Também não é possível a conversão após o falecimento de um dos conviventes,
pois é indispensável a manifestação de ambos os conviventes.

Reconhecimento: O reconhecimento da União Estável pode ser realizado via cartório, de forma
extrajudicial, ou judicialmente. A ação de reconhecimento de união estável dispõe de carga
exclusivamente declaratória. Limita-se a sentença a reconhecer que a relação existe ou existiu,
fixando o seu termo inicial e final. É possível na mesma Ação ser realizado o reconhecimento e a
dissolução da união estável, com a partilha dos bens, bem como discussão sobre guarda dos filhos
menores, alimentos, visitas.
Não cabe qualquer questionamento a respeito de culpa, até porque tal questão não mais cabe
nem na dissolução do casamento, conforme Emenda Constitucional n° 66/2010. É indevida a tentativa
de imputação de responsabilidade pelo desenlace afetivo mesmo quando a ação envolve questão
alimentícia. Não cabe perquirir responsabilidades.
A competência para a ação está prevista no artigo 53, inciso I do CPC: “I - para a ação de
divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável: a) de
domicílio do guardião de filho incapaz; b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal; d) de domicílio da
vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei
Maria da Penha).”

Partilha de bens: Os companheiros, de forma consensual, podem solver as questões patrimoniais,


sendo desnecessária a interferência da justiça. A divisão dos bens não necessita de homologação
judicial. Todavia, havendo litígio, é possível acionar o Poder Judiciário. O objeto da ação é a
identificação do período de convívio e a divisão do patrimônio adquirido nesse ínterim. Assim, é
necessário que o(a) Autor(a) da Ação apresente os bens alvo de partição e já formule sua proposta de
partilha. A sentença, além de extremar o período de vigência da união estável, deve definir e dividir
os bens comuns.

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