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P I E R R E L E V Y

As Formas do Saber

t r a b a l h o
NOMADS.USP
créditos estágio supervisionado
Fitas
SOLITRENIK Direção artística KIKO
2001
MARCO BOAVENTURA e CARL
Transcrição do texto Estagiária SABRINA ELLEN BROSSI DAHER
Cooperação VARLETE BENEVENTE

4
Texto transcrito na integra a partir das gravações feitas de uma entrevista com
o filósofo francês Pierre Levy ao jornalista Florestan Fernandes Jr. para a série
“As Formas do Saber” e que trás reflexões sobre:

 Arte e pensamento
 Educação
 Tecnologia
 Trabalho

Esses assuntos foram agrupados em 4 fitas temáticas e estruturados em 4


blocos específicos desenvolvidos a partir de uma argumentação introdutória
do jornalista e perguntas respondidas pelo filósofo. O texto transcrito obedece
esta estrutura e está apresentado segundo esta mesma ordem.

T R A B A L H O

Desde a antiguidade o trabalho vem sendo discutido pelo homem, na história


recente, conceitos como a mais valia, a luta de classe e a noção de
desigualdade social influenciaram a cultura e economia de todas as
sociedades. Hoje questões sobre o conhecimento, a hierarquia, a
competência, o aprendizado contínuo e as relações entre patrões e
empregados estão em intensa discussão. O trabalho já não é mais sinônimo de
emprego. Como estarão afetada as relações sociais e a produção das
riquezas ?. Neste programa as “Formas do Saber” o filosofo Pierre Levy reflete
sobre o homem e seu trabalho.

Pierre, o trabalho como sinônimo de emprego é um consenso entre esquerda


e direita, entre patrões e empregados, mas hoje todas as pessoas contribuem
na construção da riqueza social. Como você, conceberia a nova ordem do
mundo do trabalho levando-se em conta o papel do trabalho intelectual,
afetivo da participação da mulher, dos estudantes e do mercado informal?.

O que você acaba de dizer é mujto importante. Um número cada vez maior
de pessoas tende a reconhecer, isto é, temos que distinguir entre a noção de
emprego assalariado, por um lado, e a noção de atividade produtora de
riquezas, de outro. Não são unicamente as pessoas que têm um emprego
assalariado que produzem riquezas socialmente úteis. Além do mais, acredito
que, infelizmente muitas pessoas que produzem riquezas socialmente úteis não
recebem nenhuma remuneração em troca. Ora, nos dias de hoje isso cria
evidentemente muita injustiça e muitos problemas. Sobretudo numa situação
onde o aumento da produtividade do trabalho clássico, digamos, nas
empresas aumentou de forma extraordinária e no qual é cada vez mais difícil
encontrar o emprego clássico. Podemos observar uma tendência muito
interessante já vários anos: Trata-se do aumento do número de pessoas que
são autônomas, self-employed, que são empresários individuais. Adquiriram
competência estudando em uma ou outra empresa ou dando consultorias,
etc. finalmente, o que significa trabalhar hoje: trabalhar é prestar serviços aos
outros. Podemos dar esta definição muito simples. Por quê? Porque ninguém
mais vive nos tempos pré-históricos onde os seres humanos viviam em contato
direto com a natureza, com a caça, com a colheita, etc. estamos cada vez
mais distantes da época em que se cultivava a terra para comer o que se
plantou. Se cultivarmos, é para vender a produção agrícola aos outros.
Portanto, prestamo-lhes serviço. Além do crescimento do setor de serviços
onde isso é evidente, o que estamos fazendo? Prestamos serviços uns aos
outros, cada um à sua maneira. A partir do momento em que, em vez de dizer:
“Estou desempregado”, você diz “como poderia prestar serviços aos outros?”.
Veja a maneira de reverter essa tendência. Ou então, como poderíamos nos
associar para prestar serviços uns aos outros? Ou como nos associar para
oferecer aos outros um serviço que lhes interesse? É uma mentalidade de
empresário mas não de empresário capitalista com o intuito de ganhar
dinheiro, etc. Mas trata-se simplesmente de uma nova maneira de abordar a
questão do trabalho. Não mais a partir de uma identidade profissional. “Sou
isto, sou aquilo, defendo meus privilégios, defendo minhas aquisições”.
Deixamos de lado toda a minha identidade e o que adquirimos. temos uma
atitude aberta. Olhamos ao nosso redor e pensamos:”Como poderia prestar
serviços aos outros?” acredito que é neste sentido que o trabalho está
evoluindo.
Qual o novo perfil do trabalho gerado a partir da revolução da informática?
Como fica as relações trabalhistas no mundo da cibercultura?

Há uns 10 anos que o nível de emprego aumentou sobretudo no setor dito


terciário: o setor de serviços, portanto, o transporte, o comércio, as finanças, os
seguros, a educação, etc. E dentro dos serviços, o que poderíamos
particularmente chamar de indústria do conhecimento: a pesquisa, a
documentação, a educação, a consultoria, a formação profissional, mas
também a mídia, todas as profissões de comunicação, de cultura, etc. O que
acontece com relação à revolução da cibercultura é que são essas profissões
ligadas à serviços e à indústria do conhecimento que vive, por sua vez um
extraordinário aumento de produtividade. Ou seja, tudo o que for
processamento de informação, de comunicação, de coordenação,
encontra-se evidentemente multiplicado pelas novas ferramentas de suporte
digital. Então, perguntamos: “Será que existe um setor quaternário para onde
vai toda esta população que se encontra por assim dizer, libertada por causa
do aumento de produtividade dos serviços da comunicação e da indústria do
conhecimento?”. De fato, percebemos que a informatização não diz
unicamente respeito ao aumento da produtividade no setor terciário mas
também no setor primário. Por exemplo, os setores mais avançados da
agricultura usam computadores, estão conectados às redes, aos bancos de
dados, etc. isso diz respeito igualmente à indústria onde todas as atividades
humanas são afetadas pela informatização.

BLOCO 2
A gestão por competência e aparentemente estaria em maior sintonia com as
mutações atuais é vista em geral por empresários com a própria ruína da
empresa e pelos funcionários como sinônimo de desemprego. Como as
empresas devem se preparar para uma nova concepção de organização de
trabalho?
A riqueza principal é a competência humana e a coordenação dessas
competências humanas. Por que é a riqueza principal? Porque é a riqueza
que produz todas as outras. Simplesmente. Portanto, se sufocarmos essas
competências, se não permitirmos que rendam o máximo que podem render,
a empresa, a organização, a região ou o país, será menos rico. Em outras
palavras, o problema número um é a maneira de fazer trabalhar juntos os seres
humanos. Será que os valorizamos da melhor maneira possível ou será que
estamos sufocando suas possibilidades? Quais são os sistemas que ajudam
essas possibilidades dos seres humanos? Quais são os sistemas que ajudam
essas possibilidades a crescer e a se desenvolver? Que sistemas que fazem
com que essas competências e capacidades se multipliquem entre si? Ou
ainda os sistemas que fazem com que tais capacidades se subtraiam ou se
dividem uma às outras? Isso é a questão número1 da organização social. Os
centros do poder no mundo só mostram a maneira com que as pessoas
responderam essa questão. As zonas que desmoronam do ponto de vista
econômico ou social, são as zonas onde houve uma tentativa de sufocar a
liberdade, o conhecimento e a competência humana. Portanto, a idéia que
tivemos foi de permitir que as pessoas se definam por si próprias, não permitir
mas ajudar as pessoas a definir tudo o que sabem, tudo o que sabem fazer,
tudo o que podem colocar à disposição dos outros. Sempre essa noção de
serviço. A partir daí, é preciso reunir numa grande base de dados a totalidade
das competências coletivas para permitir que as pessoas se situem dentro
dessa competência coletiva e permitir que outras sejam capazes de
reencontrar todas as competências existentes. E, eventualmente, graças a
essa sinalização de poder querer adquirir tais competências por meio de
trocas recíprocas de saber querer chamar tais competências para projetos.
Portanto, é uma idéia de mutualização da competência a serviço da
coletividade. Por que este projeto encontrou certa oposição? Encontrou
oposição assim como também foi acolhido com entusiasmo. Oposição porque
ele questionava novamente todas as decisões incontestáveis acerca do lugar
das pessoas nas empresas. As pessoas se viam obrigadas a definir de maneira
dinâmica em termos de percurso de aprendizagem algo que é sempre
necessariamente inacabado em vez de se definir através de uma posição
hierárquica. Isso não era mais uma identidade em termos de estatuto, mas sim
uma identidade em termos de percursos efetivos de aprendizagem. Isto é, de
fato como esses percursos estão sendo realizados isso cria uma organização
continuamente dinâmica. Tanto mais dinâmica quanto mais se conhece a si
própria. Quanto maior for a sua visibilidade sobre o que você pode aprender,
melhor você dirigirá seus próprios processos de aprendizagem o conjunto do
que todos sabem que vai se transformar. Isso dá medo porque tememos as
mudanças, tememos tudo que se move. Imaginamos que tendo em mãos
mapas estáticos vamos nos proteger das mudanças de ambiente. Mas, na
verdade, está é a melhor maneira de se perder. Enquanto nós dizíamos: “Já
que o ambiente é movediço temos que ter mapas que acompanhem o seu
dinamismo. Teremos assim, menos chances de se perder”. Eram mapas
informáticos que podem ser lidos em monitores. Isso são árvores do
conhecimento.

Pierre você fala no conhecimento de cada profissional, de cada trabalhador.


Ele tendo consciência do seu conhecimento, você diz que ele pode se
locomover melhor dentro de uma esfera de produção. E ficou uma questão,
uma dúvida, qual a relação que deve-se estabelecer entre a direção da
empresa e esse empregado no sentido de aproveitá-lo melhor e aproveitar
melhor esses conhecimentos?

É bastante simples. Ao invés de o lugar ser estático, é um lugar dinâmico.


Simplesmente, ou melhor já que houve sempre pessoas que mudavam de
emprego dentro da mesma empresa ou de um cargo para outro ao invés de
ser uma mudança descontínua podemos imaginar que doravante esta
mudança será muito mais regular. É isso finalmente a diferença. Não estamos
acostumados a isso mas, penso que no universo em movimento que
conhecemos hoje fluxo de conhecimento, fluxo de transformações
econômicas e fluxos de todos os tipos. A identidade profissional deve
corresponder ao universo profissional. Como estamos num universo em
movimento a identidade deve acompanhar as mudanças do meio ambiente
com que se deparar. É bastante simples. Então quanto à pilotagem dessa
transformação de recursos fica claro que a direção não pode mais indicar a
cada indivíduo qual será seu lugar. É por isso que os responsáveis dos recursos
humanos de um modo geral, não gostam muito da nossa abordagem. Porque
isso lhes tira um pouco de sue papel. É isso que a Direção de Recursos
Humanos faz. Diz a cada um qual vai ser sua posição no leque de profissões da
empresa, na hierarquia os níveis já que se tratava, afinal de um tipo de auto-
gestão dos recursos humanos. Ou seja, o indivíduo vai inventar sua posição ou
seu lugar na interação não mais com o diretor de Recursos Humanos mas em
interação com o conjunto dos outros atores da empresa. A representação
informática que propúnhamos ajudava o indivíduo a definir seu lugar
calculando sua relação ou a distância que mantém com o conjunto dos
empregados. Portanto, isto dá ao indivíduo uma visão finalmente muito mais
real, muito mais precisa de sua posição em relação ao outros e, ao mesmo
tempo evita que, de maneira ilusória ela acredite ser o único a decidir sobre
sua posição. Como os outros também se movimentam cada vez que os outros
se movimentam, isto transforma também seu próprio lugar. É uma interação
constante entre o coletivo e o individual que respeita a autonomia de cada
um mas que confronta sem trégua a pessoa com relação que mantém com
os outros. Portanto, isto não é individualismo. E também não é um coletivismo
sufocante. É a idéia de um coletivo que emerge da relação entre liberdades.
O papel da direção da empresa é extremamente importante aqui porque
deve inspirar os empregados a funcionar desta maneira. O papel da direção
da empresa evidentemente, é o de prever, é o de ter uma visão de longo
prazo e também assumir a função simbólica de inspiração de identificação
para os empregados. No fundo, a direção é portadora de um projeto. Mas a
portadora de um projeto deve sempre fazer com que sua visão e projetos
sejam compartilhados pelos outros. No fundo, não se deve imaginar a direção
de uma empresa como patrões que dão ordens aos outros. Deve-se imagina-
los também como pessoas que fazem tudo para convencer seus empregados
a compartilhar sua visão, a continuar trabalhando com eles. O desemprego é
uma coisa. Mas as pessoas que pensam que suas competências são mal
utilizadas onde estão, podem se demitir. Portanto, é um trabalho um pouco
angustiante o de ser responsável por uma empresa. Os empregados vão me
acompanhar? E os clientes? Deixemos de ver os dirigentes das empresas como
ditadores, como pessoas autoritárias,capitalistas sujos. Tentemos também
enxergar por todos os lados o fato de que cada um tenta fazer o melhor.

BLOCO 3
Na história da humanidade a escravidão teve um forte papel nos custos
financeiros da produção. Hoje em muitos países essa situação se repete sobre
a forma da pobreza ou do trabalho pessimamente remunerado. Quando
parece que muitas vezes ao comprarmos um produto globalizado por um
preço barato estamos pagando também um alto custo político e social, o
desemprego e a exclusão.

Isso é totalmente exato. Penso que os consumidores têm um papel importante


a desempenhar. Quanto a isso, não há, provavelmente informações
suficientes sobre a maneira pela qual são fabricados produtos que nos são
propostos para o consumo. Talvez, se houvesse um movimento social
interessante a ser desenvolvido seria um movimento que tentaria fazer com
que os produtos, materiais ou não materiais se tornassem o mais transparentes
possíveis no que diz respeito à maneira pela qual foram produzidos para fazer
com que a liberdade de consumidor se aplique não somente ao serviço
prestado e ao seu preço como também a uma opção, uma escolha moral,
política ou social. Isso já acontece. Por exemplo, certos produtos originários da
África do Sul foram, como você sabe, boicotados. Não digo que isso tenha
sido a causa principal mas certamente foi uma das razões que fizeram com
que o regime da áfrica do Sul tenha sido desmoronado. Creio que podemos
imaginar a generalização desse sistema de boicote.

Você vê uma maneira de distribuição melhor da produção, uma mediação


melhor dos locais e dessa produção?

Estamos numa situação de mercado mundial de capitais, de mercado


mundial de mercadorias, de mercado mundial de competências, de mercado
mundial de informações, de mercado mundial de mão-de-obra. Tudo está em
concorrência com tudo. É justamente pelo fato de podermos jogar com
diferenciais de informação, de preço, de competência, de custo da mão-de-
obra que este tipo de coisa, da qual você acaba de falar, acontece. São
fenômenos de ajuste numa situação de transição, entre uma época onde há
bacias econômicas de mão-de-obra, de mercadoria, de cultura, etc,
separadas umas das outras. A situação é tal que, dentro de algumas dezenas
de anos haverá realmente um mercado mundial totalmente unificado.
Dizemos “mercado” mas, no fundo, significa um espaço no qual as fronteiras
terão cada vez menos eficácia. É claro que, por estarmos em uma situação
de transição as pessoas tentam jogar ao máximo com essa situação. Gostaria,
de qualquer maneira de salientar que por se falar muito sobre a concorrência
dos países onde a mão-de-obra é barata concorrência um pouco desleal
feita contra países onde as leis sociais são mais favoráveis ao trabalhador e
onde o trabalho é bem remunerado temos a impressão de que é uma
concorrência desleal. Mas isso são fenômenos marginais. Na realidade, a
maior parte dos investimentos é feita em lugares onde se concentra a
inteligência coletiva ou seja, em grandes metrópoles aonde vão se cruzar em
primeiro lugar, os conhecimentos em segundo, a capacidade de cooperação
em terceiro, a paz civil e a estabilidade jurídica e política. É nessas regiões do
planeta que há o maior número de investimentos. Mesmo se fabricarmos
usinas na China não é daí que vêm os produtos mais lucrativos. Certamente
não é daí que se decide o peso econômico do mundo. O peso econômico do
mundo está nas zonas onde se concentra a inteligência coletiva: nessas
grandes metrópoles da América do Norte, da Europa, na América do Sul,
como São Paulo, por exemplo que, a meu ver, pode ser perfeitamente
comparada a Londres, Paris ou Nova Iorque. Claro que em graus diferentes,
mas é a mesma coisa. Nessas zonas há o verdadeiro desenvolvimento
econômico. Não em lugares onde a mão-de-obra é mal paga ao contrário,
em lugares onde a mão-de-obra é empregada de maneira mais respeitosa.
Pierre como é a expansão do ciberespaço afeta o urbano e a organização
dos territórios. Este desenvolvimento poderia ser a ocasião de uma
desconcentração dos grandes centros urbanos de novas formas de
distribuições das atividades econômicas?

Sim, isso faz parte da questão do trabalho a distância. O que constatamos há


várias dezenas de anos é que as cidades não param de se desenvolver. Há
um fenômeno de metropolização que é, aliás, totalmente planetário cujo
crescimento se verifica na Europa, América do Norte, no Japão e na América
do Sul e mesmo nos países chamados de Terceiro Mundo, é um fenômeno
geral. Corresponde à necessidade de concentração e interconexões.
Corresponde à necessidade de concentração de diversidades que é
característica da fase atual que se produz de todas as maneiras possíveis. De
maneira física nas cidades por causa das redes de transportes e pó causa das
redes de telecomunicação. É certo que as redes de telecomunicação o
ciberespaço vão permitir que muitas pessoas façam trabalhos de alta
tecnologia ou com lucro elevado ainda que morem no campo, por exemplo.
Mas tenho certeza de que não haverá nenhuma diminuição na tendência
que as grandes cidades têm para crescer. Isso é um movimento fundamental
vivenciado atualmente por toda a humanidade o movimento de
concentração e de conexão. Poderia até mesmo dizer que o que estamos
vedo acontecer é que não são apenas as grandes metrópoles que estão
crescendo mas que se constitui um tipo de supermetrópole que reúne as
metrópoles entre si através de redes de telecomunicação de alta velocidade
de linhas regulares, de transporte aéreo ultra-rápido. Se observarmos as
grandes cidades da Europa hoje há trens de alta velocidade que interligam as
cidades de Paris, Bruxelas, Londres, Amsterdã, e, daqui há pouco, Frankfurt, etc
de tal maneira que, se observarmos o espaço prático e não mais as ficções
conceituais de que há países diferentes, cidades diferentes, etc se
observarmos a realidade das coisas o que existe é apenas uma grande
metrópole. É como se cada grande cidade tivesse se tornado a periferia de
uma megametrópole mundial. Para mim, a tendência está mais aqui do que
no trabalho a distância. “Vamos viver no campo será a desconcentração dos
centros urbanos. Os engarrafamentos acabarão”. Não acredito nisso. Se
observarmos bem as coisas, acredito que melhor seria tentar substituir
aproximadamente física, digamos pela proximidade informacional
poderíamos tentar nos aproveitar do ciberespaço para acompanhar essa
proximidade física. Por exemplo, visto que há problemas sociais nas grandes
cidades, há problemas, poderíamos dizer de reconstituição do laço social nas
grandes cidades poderíamos nos valer do ciberespaço para viver melhor na
cidade. Não para a ficção de que não vamos mais viver nas cidades mas
para melhor administrar os transportes para melhor administrar as
comunicações.
Pierre, nos anos 60 o movimento hippie marcou uma geração de jovens que
priorizava a contestação do sistema. Com a planetaização e com a figura do
“Hacker” desafiando o sistema de informação nos lembra a contestação dos
hippies só que hoje o conhecimento desse novo grupo esta sendo incorporado
ao sistema, muitos estão sendo contratados para garantir o sistema de
segurança das empresas, esta é a tendência da planetarização que não
deixa qualquer espaço para contestação.

Creio que há um movimento hoje que é comparado ao dos hippies. È a


cibercultura em geral. Não os hackers que são especialistas em programação
mas o da cibercultura. Eu acho que é comparável, pois por um lado, existe
esta idéia de interconexão geral que vale mais que a separação. A idéia de
que as pessoas podem se concentrar por afinidade de maneira livre e
independente das fronteiras geográficas e institucionais nas comunidades
virtuais há idéia de inteligência coletiva, uma espécie de visão utópica e
também essa idéia de transformação da humanidade pelas tecnologias. Por
exemplo, a construção de mundos virtuais nos quais poderíamos experimentar
coisas que não podemos experimentar na realidade clássica ou experimentar
novas formas de comunicação. Tudo isso é misturado para a reinvenção de
algo novo. Um pouco como no ciberespaço. Todas as informações são
misturadas para inventar algo de novo que vai resultar dessa interconexão. E,
ao mesmo tempo, não se trata de algo que vai se impor a todos, mais uma
grande riqueza que é desdobrada e que permite a cada um navegar como
quiser. A construção do ciberespaço como local no qual todos os
documentos, todas as obras, todas as informações, todas as comunicações se
interconectam e que cobre o planta como uma rede cada vez mais densa
que vai se ampliando com cada vez mais pessoas que se conectam, algo
extraordinário, surrealista e, como eu dizia, cujo tamanho ainda não pudemos
medir. Este fenômeno é o produto é o fruto de um movimento social da
juventude pois são os jovens que estão à frente disso. Portanto, há algo de
comparável aos hippies. Aliás, poderíamos dizer que é a continuação do
mesmo movimento. Eles também provem do mesmo lugar.
BLOCO 4

Será que o homem vai conseguir além de dinheiro e enlatados e hamburgers,


a planetarização de suas utopias.

Hoje,é claro que uma utopia deve ser planetária ou não será utopia. As
verdadeiras utopias de nossa época são utopias planetárias, utopias do
gênero humano. Note que a utopia de Marx erra internacional, então não era
algo totalmente novo. E mesmo a anterior, de Comte que influenciou muito o
Brasil era uma utopia do tipo humano, algo então internacional. A filosofia a
verdadeira filosofia, não pode ser uma filosofia alemã, nem uma filosofia
brasileira ou ainda filosofia americana e ou então francesa. As filosofias se
dirigem aos seres humanos, visam o que tem de universal nos seres humanos.
As grandes religiões universais visam todos os seres humanos?. Não, visam
unicamente as pessoas de um outro país. Católico quer dizer universal, todos
os sabemos. Mas também o Budismo é algo universal, o Islã é universal. Na
arte, daria para imaginar uma arte nacional. Soa mesquinho, ou pensamos na
arte nacional socialista ou no realismo chinês. Isto não é arte. A arte é algo
que implica fundamentalmente todos seres humanos. Um artista é alguém que
vai tão longe na sua própria subjetividade, na sua própria singularidade que
atinge um fundo que é comum a todos. Em relação à ciência, você acredita
que exista ciência nacional?. Não. Quem inventou a ciência nacional ? Os
nazistas e os stalinistas. Vemos no que dá esta história de nacional! A ciência é
algo internacional, mundial, planetário por sua própria natureza, desde o
começo. A comunidade científica sempre foi internacional. A técnica
também. Será que há martelos que funcionam na Alemanha e que não
funcionam na França? Veja que a maioria das atividades humanas aquelas
que tocam o que há de profundo nos seres humanos, tanto no nível da
eficiência prática como da espiritualidade, da beleza, do conhecimento, são
planetárias por natureza.

O ESPAÇO.

Cada vez que uma figura se destaca ela nos faz pensar no fundo do qual se
destacou . quando temos um pensamento pensamos que poderíamos ter
prestado atenção a todos os pensamentos que não tivemos. Talvez este
pensamento não seja tão importante assim ele apenas se destacou neste
momento presente. Constantemente nossa consciência é focalizada em um
pequeno número de problemas num pequeno contexto como pequenas
regras do jogo no interior de pequenos conceitos . Talvez estas regras dos jogo
que jogamos façam parte de um jogo maior ainda e esse jogo maior ainda
faça parte de algo que nem mesmo é um jogo mas tudo isso nós nem
percebemos pois estamos fechados dentro do jogo que jogamos. Então, o
espaço seria, talvez num dado momento parar de jogar o mesmo jogo
habitual parar de fazer nossa mente dar sempre volta com os pensamentos e
escutar o silêncio.

Hoje em dia quando saímos de férias ficamos preocupados com nosso


emprego. Um mês sem trabalhar significa um mês sem conhecimento. Então
muita gente vem utilizando as férias para realizar o trabalho, leva o trabalho
para as férias e ficam conectados com as informações e o saber. Você acha
que não existe mais espaço para o lazer ou existe a possibilidade do tédio no
lazer.

Creio que esta distinção entre trabalho e lazer é algo que deve ser
questionado de modo bem profundo pois, se você realiza um trabalho em que
somente executa uma tarefa já determinada em que você não dá tudo o que
você pode dar á coletividade em que não é reconhecido como ser humano
com iniciativas se é um trabalho alienante geralmente você fica muito
contente por entrar em férias. Então, as férias serão um momento que você
não fará nada, e serão também momentos de alienação. Mas, na verdade, o
que é alienante é a separação entre o homem e seu trabalho, entre o homem
e o produto de seu trabalho entre a execução e a concepção, entre o
trabalho e o lazer. Tudo que é separação é alienação. Esta dicotomia
trabalho/lazer deve ser entendida com muita precaução. Em contra partida e
isso demanda luta e coragem no seu trabalho você luta para que ele não seja
alienante. Se você consegue se reconhecer no produto de seu trabalho, se
você participa, ainda que pouco, ainda que coletivamente na concepção
deste trabalho se existe um certo grau de reconhecimento do que você faz
pelo seu grupo de trabalho ou pelos clientes ou pelas pessoas para quem
você faz este trabalho, então, este não é um trabalho alienado. Portanto,
levar um pouco de trabalho para fazer nas férias, é de certa maneira
continuar a ser quem você é. Não há problema nisso. Por outro lado, se você é
o mesmo em seu trabalho, se você consegue desenvolver sua própria
personalidade em seu trabalho podemos dizer que existe lazer em seu
trabalho. Não são coisas que devemos separar com uma barreira. Creio que
simplesmente não podemos mais nos dia s de hoje medir um valor de um
trabalho pelo tempo que passamos trabalhando. Existem momentos em que
não fazemos nada de aparentemente útil em nosso trabalho. Entretanto,
graças aos encontros que tivemos, às informações que obtivemos, ou à
disponibilidade de espírito que manifestamos no período, nos tornaremos mais
criativos no trabalho, às vezes uma semana ou um mês mais tarde. A partir do
momento em que há implicação da subjetividade em relação ao fato de
prestar serviço aos outros você está o tempo todo dentro de um processo de
auto desenvolvimento, para melhor servir aos outros.

O que é trabalho?
Como dissemos a pouco. O trabalho não é somente o trabalho assalariado. É
a participação na vida social, em geral. Mesmo se você for bastante solitário,
mesmo se você for um monge, mesmo se você for um artista que procura
alguma coisa e passa meses ou anos sem se comunicar com os outros, você
participa da vida social. Você participa da edificação desta cidade simbólica
que é o espírito humano. Não há mais distinção entre lazer e trabalho. O lazer
que não é senão o consumo padronizado pode ser chamado de lazer? Não. É
a pior das alienações.

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