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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas


Departamento de Psicologia

Análise da obra “O Pequeno Príncipe” sob a perspectiva da teoria Junguiana

Arryson A. Zenith Junior

Trabalho realizado para a disciplina


“Introdução à teoria da personalidade”
Professor: Bruno Froes

Belo Horizonte – MG

2012
Análise da obra “O Pequeno Príncipe” sob a perspectiva da teoria Junguiana

“O Pequeno Príncipe” é uma obra que apresenta rico simbolismo; apesar de possuir
elementos da psicologia de seu autor, Antoine de Saint-Exupéry, a obra ultrapassa a dimensão
pessoal e configura um padrão da humanidade.

No início da história o autor, em primeira pessoa, narra os fatos acontecidos em sua


infância, quando desenhou, numa forma estranha, uma cobra engolindo um elefante. Esse
desenho se deu porque ele vira anteriormente a imagem de uma cobra engolindo um animal
sem mastigar e de alguma forma aquilo o impressionou.

Ao mostrar seu desenho aos adultos, eles sem compreender disseram que era um
chapéu. Após sua segunda tentativa, agora revelando o interior da cobra, os adultos o
desestimularam a continuar desenhando e o incentivaram a se dedicar aos estudos.

Ele então faz uma crítica à superficialidade dos adultos e do seu modo de viver, que
lhe parecia destituído de sentido verdadeiro. Ele dá valor ao mundo das crianças, à fantasia e à
imaginação. Nas palavras de VON FRANZ (2005, p 22): “ele acredita que a infância é a
verdadeira vida e que todo o resto é a persona vazia correndo atrás de dinheiro, tentando
impressionar os outros para ser prestigiada, havendo perdido sua verdadeira natureza, por
assim dizer”.

É interessante analisar essas primeiras imagens que aparecem na história, pois elas
podem nos dizer muito sobre a psicologia do autor e até mesmo sobre o desenvolvimento de
sua vida.

A imagem da serpente que engole sua presa é “uma imagem do inconsciente, que
sufoca a vida e impede o desenvolvimento do ser humano” (VON FRANZ, 2005, p 24). Isso
sugere uma regressão do inconsciente.

A presa devorada é um elefante. Segundo VON FRANZ (2005) o elefante é a fantasia


típica do herói adulto. Sobre o significado dessa imagem ela prossegue:

“E então, esse modelo — a imagem em sua alma do que ele quer vir a ser, é
devorado pela serpente, a mãe devoradora, e esse primeiro desenho mostra toda a
tragédia. Muito freqüentemente, os sonhos da infância antecipam o destino
interior com 20 ou 30 anos de antecedência. Esta primeira gravura mostra que
Saint Exupéry tinha um lado heróico, vivo e atuante, mas que esse lado nunca iria
aparecer, pois seria devorado pelas tendências regressivas do inconsciente e,
como sabemos, através dos acontecimentos posteriores pela morte” (VON
FRANZ, 2005, p 26).

Logo após isso o autor narra seu acidente de avião, quando ele cai no deserto do Saara
e encontra o Pequeno Príncipe. A imagem do deserto simboliza na psique um período onde a
energia da personalidade consciente vai se esgotando e as coisas ficam sem sentido; a pessoa
fica apática e sem vida. Nesses casos ocorre que a energia bloqueada inconsciente flui e
oferece uma solução original. Nota-se isso com o aumento da atividade onírica, que faz com
que a pessoa preste mais atenção em seus conteúdos inconscientes.

Ao analisar o conceito de alienação do ego (quando este se diferencia do si-mesmo e


começa a se estabelecer), EDINGER menciona a imagem do deserto:

“O símbolo clássico da alienação é a imagem do deserto. E é aqui,


caracteristicamente, que encontramos alguma manifestação de Deus. Quando o
peregrino no deserto está prestes a perecer, eis que surge uma fonte divina de
alimentação. [...] Isso significa, em termos psicológicos, que a experiência do
aspecto de suporte da psique arquetípica tem mais probabilidades de ocorrer
quando o ego exauriu seus recursos próprios e está consciente de que, por si
mesmo, é essencialmente incapaz” (EDINGER, 1989, p 81).

Essa é a hora das aparições sobrenaturais e assim ele encontra o Pequeno Príncipe. A
figura misteriosa lhe pede que desenhe um carneiro, e após três tentativas que o menino
recusa, o homem impaciente desenha-lhe uma caixa e diz que o carneiro está dentro. Ao que o
Pequeno Príncipe diz que aquilo é exatamente o que queria.

Essa impaciência de Saint Exupéry é vista por VON FRANZ (2005) como uma
característica típica do complexo materno.

A respeito do significado da ovelha tem-se:

“Portanto, o menino das estrelas de nossa história quer uma ovelha. Ficamos
sabendo que ela é necessária para comer as árvores que crescem demais, que
obviamente são um símbolo da mãe devoradora, portanto o desejo de uma ovelha
parece, à primeira vista, ter um significado positivo; quer dizer, o asteróide está
ameaçado pelo super crescimento, que é o complexo materno. Já ilustrei isso de
uma outra maneira, com a ovelha como parte do complexo materno, o que é útil,
e não como o remédio certo contra o crescimento. Portanto, aqui novamente
deparamos uma total ambiguidade” (VON FRANZ, 2005, p 52).

Em seguida o homem começa a saber mais sobre de onde veio aquele garoto. Ele vivia
em um planeta muito pequeno com sua rotina (limpar três vulcões, sendo um extinto, e podar
a grama e ervas daninhas). Até que um dia nasce uma rosa.
Podemos interpretar esse estágio como uma identificação do ego com o Si-mesmo no
princípio, quando as coisas estão indiferenciadas e o processo de individuação ainda não
começou. A chegada da rosa indica o começo do desenvolvimento, assim como no mito Eva é
feita da costela de Adão. Há a separação dos opostos. É o começo do estranhamento ego-Si-
mesmo.

A rosa é bela e perfumada, porém faz muitas demandas ao Pequeno Príncipe que se
cansa. Essa imagem da rosa pode ser analisada, conhecendo-se um pouco da vida do autor,
sob o aspecto do complexo materno. As muitas exigências da rosa é a típica manipulação do
tipo materno negativo.

Sabe-se que na vida de Saint-Exupéry ocorreram fatos significativos em relação à sua


mãe, no sentido de supor-se um complexo materno. JUNG (2011, p 310) em uma nota de
rodapé no livro “Símbolos da Transformação” ao analisar um mito relacionado ao puer
aeternus e a figura da mãe diz “Uma descrição excelente do puer aeternus encontra-se no
belo livrinho do aviador Saint-Exupéry, Le petit prince. Fontes seguras me confirmaram o
complexo materno desse autor”.

Ainda sobre o assunto VON FRAZ nos conta:

“O mito da mãe devoradora pode ser associado à mãe de Saint Exupéry [...].
Ela certamente tem uma personalidade muito poderosa. É mulher grande, forte, e
pelo que ouvimos dizer, possui uma tremenda energia, interessa-se por todos os
tipos de atividades, e tenta fazer de tudo, como pintura, desenho e literatura. [...]
Obviamente, deve ter sido muito difícil para um garoto sensível ter uma mãe
assim. Também se ouve dizer que ela previu a morte do filho. Várias vezes ela o
julgou morto e vestiu luto como as viúvas francesas, e depois tirava o luto quando
ficava sabendo que ele não havia morrido. Portanto, o padrão arquetípico do que
chamamos mãe-morte estava vivido em seu psiquismo” (VON FRANZ, 2005, p
26-27).

A rosa também pode simbolizar a anima, nesse caso vê-se uma anima inflada,
exigente e coquete, o que é típico de um homem que se identifica com o arquétipo da criança
divina.

Em seguida ele decide sair de seu planeta em busca de conhecimento. Aí ele sai de
uma atitude solipsista e começa seu processo de individuação. Ele passa por vários asteroides
antes de chegar à Terra. Pode-se entender os asteroides como “porções de matéria cósmica
que nunca teriam chegado a formar um corpo celeste maior” (COPLÁN, 2007). Isso nos
levaria a interpretar esses asteroides como “aspectos cindidos a serem integrados na
consciência” (idem) ou complexos. Então o Pequeno Príncipe foi se confrontando com seus
diferentes complexos na sua vinda para a Terra.

Algo interessante sobre essa hipótese apresenta-se nesse trecho:

“E Saint-Exupéry, o autor, já vimos que era conde, nascera na cidade de Lyon,


pertencia a uma família nobre de província que descera na escala social, embora
conservasse algumas propriedades familiares, mas seu pai trabalhava para uma
companhia de seguros. Aqui vislumbramos possivelmente o rei sem súditos do
primeiro asteroide” (idem).

Quando o pequeno príncipe chega a Terra depara-se com uma cobra que lhe oferece
um modo de voltar para casa já que seus pássaros que o trouxeram o abandonaram. Aí está de
novo o simbolismo da cobra, como mãe devoradora, figura do inconsciente, ou também a
figura alquímica da uroboros, a serpente que morde a própria cauda, símbolo da unidade
primordial, do Si-mesmo.

O Pequeno Príncipe fica tentado a deixar ser picado, o que seria a vontade de ser
sugado pelo inconsciente. Isso explica a fascinação que Saint-Exupéry tinha por atividades
perigosas, que oferecem risco de morte.

VON FRANZ ao analisar as características de uma pessoa identificada com o puer


aeternus nos fala:

“Ao mesmo tempo, há sempre algo altamente simbólico — principalmente


uma atração por esportes perigosos, particularmente aviação e alpinismo — de
modo que nesses esportes ele se encontra o mais alto possível, simbolizando a
separação da mãe, isto é, da terra, da vida comum. Se esse tipo de complexo for
muito pronunciado, muitos homens que o possuem encontrarão a morte
prematura em acidentes de avião e de alpinismo. É um desejo exteriorizado que
se expressa dessa forma” (VON FRANZ, 2005, p 11).

Adiante ele se encontra com a raposa que, no começo arredia, acaba cativando e sendo
cativada pelo Pequeno Príncipe. A raposa nesse sentido ensina ao Pequeno Príncipe a ser
humano, mostrando-lhe a importância do sentimento e tirando-lhe sua “maneira estatística de
pensar (pois o sentimento torna a situação e os relacionamentos de uma pessoa únicos,
substituindo a perspectiva maléfica da estatística)” (VON FRANZ, 2005, p 114).

Então é o momento em que o Pequeno Príncipe encontra com o homem e disso


provém toda a história. O homem o alimenta e o ajuda. Assim o Pequeno Príncipe atinge o
conhecimento, torna-se um homem, se torna consciente de seu eu, se livra de suas atitudes
infladas. É o ponto onde o autor se religa com o inconsciente. Ele descobre o manancial da
vida, a fonte da energia da psique, e isso fica claro quando ambos descobrem o oásis em meio
ao deserto.

Então após esse descobrimento do Si-mesmo, de uma entidade superior reguladora o


Pequeno Príncipe morre prematuramente, o que se pode entender pelo arquétipo do puer
aeternus. A esse respeito JUNG diz:

“A este tipo [puer aeternus] só é dada uma vida curta [...]. Isto é tão verdade
que determinado tipo de filho apresenta in concreto as propriedades de um jovem
deus, a tal ponto que vem a falecer precocemente. A razão disto é que ele só vive
através da mãe e não cria raízes próprias” (JUNG, 2011, p 310).

“O arquétipo do puer aeternus é uma das imagens do Si-mesmo, mas estar


identificado com ele significa jamais deixar nascer a realidade” (EDINGER, 1989, p 36).
Assim, o Pequeno Príncipe volta para o seu planeta, para a sua rosa, para o princípio, sendo
fatalmente sugado pelo inconsciente.

Referências Bibliográficas

COPLÁN, Ricardo D. Um Pequeno Príncipe Entre Marte e Júpiter. In: Constelar, edição
108, Jun. 2007. Disponível em:
<http://www.constelar.com.br/constelar/108_junho07/pequenoprincipe1.php>. Acessado em: 21
maio 2012

EDINGER, Edward F. Ego e Arquétipo. Cultrix, São Paulo, 1989.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da Transformação. Vozes, Petrópolis, 2011.

VON FRANZ, Marie-Louise. Puer Aeternus. Paulus, São Paulo, 205.

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