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A Esposa Virgem

A ESPOSA VIRGEM

JOSIANE VEIGA

1ª Edição

2021
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por

quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou

banco de dados sem autorização escrita da autora.

Esta é uma obra de ficção. Os fatos aqui narrados são produto da imaginação. Qualquer semelhança
com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real deve ser considerado mera coincidência.

Título:

A ESPOSA VIRGEM

Romance

ISBN –9798578505492

Texto Copyright © 2021 por Josiane Biancon da Veiga


Sinopse:

Aquele era um casamento sem amor.

Não que Adriana culpasse Antony. A proposta partiu dela mesma, unir-se a ele para salvá-lo
dos psicopatas que o estavam perseguindo.

Contudo, na loucura dos dias a passar juntos, a paixão roubou sua razão. Dor e lampejos de
desejo destruíram sua sanidade. O que restou foi a certeza de que ela amava Antony. E de que ela não
poderia deixá-lo morrer.

***** ATENÇÃO: NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 18 ANOS *****

*** Esse livro se passa imediatamente após A VIRGEM SUBMISSA E O CEO DOMINADOR, mas pode ser lido
separadamente, não é necessário ler um para ler o outro.
Nota Da Autora
Meu Deus! Nem acredito que consegui escrever esse livro depois do ano terrível que foi
2020. Comecei A ESPOSA VIRGEM em dezembro, ansiosa porque era um trabalho muito
esperado por mim, queria dar meu melhor. Só que talvez o momento não tenha sido o ideal. Com
uma construção em casa, eu improvisei um local de trabalho num quartinho onde só cabia a
cama e o PC. Minha colega do trabalho pegou COVID e eu precisei fazer, além do meu próprio
serviço, o dela. Cansada, estressada (odeio pedreiros kkkk brinks), esgotada mentalmente,
ainda assim adquiri forças só Deus sabe de onde para entregar esse livro. E, de coração, eu
espero que vocês gostem dessa história. Ela explica muita coisa sobre os livros da Cidade de
Esperança.

Desejo a todos um 2021 abençoado, cheio de luz, paz e saúde.

Josiane Veiga
LEIA ANTES:

ATENÇÃO: NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 18 ANOS *****

Ceo
Virgem
Submissão
Paixão
E HOT! HOT! HOT!
Geovanna era do tipo de gente que nascia e morria sem levantar poeira do chão. Ninguém a via, ninguém se importava com ela, ninguém
ligava para seus sentimentos.
Em Lanceiros, sua vida era recepcionar as pessoas que chegavam à fábrica e atender clientes insatisfeitos. Até que um dia seu caminho
cruzou o de Alex.
Trabalhar juntos foi o estopim para um desejo avassalador. Eles não deviam ficar juntos, nunca daria certo, mas nenhum deles pôde
evitar.
BAIXE AQUI
Sumário
Sinopse:
Nota Da Autora
Capítulo 1
Adriana
Capítulo 2
Antony
Capítulo 3
Adriana
Capítulo 4
Antony
Capítulo 5
Adriana
Capítulo 6
Antony
Capítulo 7
Adriana
Capítulo 8
Antony
Capítulo 9
Adriana
Capítulo 10
Antony
Capítulo 11
Adriana
Capítulo 12
Antony
Capítulo 13
Adriana
Capítulo 14
Antony
Capítulo 15
Adriana
Capítulo 16
Antony
Capítulo 17
Adriana
Capítulo 18
Antony
Capítulo 19
Adriana
Capítulo 20
Antony
Capítulo 21
Adriana
Capítulo 22
Antony
Final
Capítulo 23
Adriana
Epílogo
Livros interligados
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Capítulo 1
Adriana

Meus olhos se moveram rapidamente, enquanto o pânico tomou conta de mim. Abri minha boca
para gritar, mas o som não saiu. Nunca saia. Aos poucos, fui tomando consciência da situação e tentei
me acalmar. Eu sabia o que estava acontecendo, não era a minha primeira experiência na paralisia do
sono, então tudo que eu precisava era relaxar e esperar que os movimentos do meu corpo voltassem.

O vulto do lado da cama fez meus olhos se moverem naquela direção. Ele tinha um aspecto
demoníaco, e logo forçou seus dedos na minha garganta. Senti que iria sufocar, meu coração
acelerou, mas mais uma vez, tentei manter a calma.

Ser sufocada por mãos ao acordar era minha rotina há uns dez anos. Meus olhos abrirem,
enquanto meu corpo ainda estava dormente era um costume que me levou a depressão e ansiedade.
Não sei se foi exatamente esse o motivo, ou se a paralisia do sono foi apenas a consequência, mas o
fato é que essas experiências estavam acabando comigo.

As mãos abandonaram a minha garganta e eu consegui respirar. Quanto tempo eu ficaria parada
assim? Normalmente passava rápido e o cérebro entendia que eu estava acordada, mas havia
momentos que a paralisia parecia durar tanto tempo que eu considerava que havia morrido e estava
no inferno.

Não que o inferno fosse uma novidade. Eu já vivi no inferno por tempo demais.

Outro vulto. Baba escorrendo de sua boca. Eu podia ver que ele me considerava comida. Um
tipo de predador, não sei identificar.

Pensei no programa que vi ontem à noite e analisei se não estava interligando meus
pensamentos ao que assisti.

Dizem os cientistas que por conta de uma rocha que caiu na terra, repleta de bactérias, a vida
se originou nos oceanos repletos de hidrogênio e oxigênio da terra. A junção com o carbono criou as
primeiras criaturas marinhas. E de lá foram vindos todos os outros seres, até chegar ao homem.

Particularmente eu não sabia se acreditava nisso ou no criacionismo, mas o fato é que o homem
existe e dominou as outras criaturas da terra. Somos a raça dominante. E o que aconteceria se
surgisse outra raça dominante e nos tratasse como nós tratamos os animais?

Como seria ver filas de homens e mulheres num matadouro? Bebês sendo jogados num
triturador como hoje se fazem aos pintos? Como seria ver homens e mulheres mortos com uma
marretada no crânio como se matam as vacas?

Quando a justiça viesse a nós e fossemos pagar tudo que fizemos aos outros seres desse
planeta, pobre de nós... O inferno seria apenas uma fábula.

O vulto sumiu. Outro surgiu. Era diferente de todos os demais. Não era demônio ou predador.
Não era estranho, nem ameaçador. Era um homem. Um homem bonito, na faixa dos trinta e poucos,
que tinha o olhar assustado e parecia pedir ajuda.

— Não deixe que eles comprem a casa.

O quê?

— A casa quer comida. A casa está faminta por almas. E eles podem dar isso a casa. E só você
pode impedi-los, ninguém mais.

De repente meu corpo acordou e eu consegui respirar, um grito mudo escapando dos meus
lábios enquanto me sentava na cama.
— Então, Adriana... Quantas gotas de Clonazepam você está tomando?

Encarei meu psiquiatra analisando minha resposta.

Sou policial civil e a sinceridade e a verdade poderia me afastar do trabalho. Eu considerava


que me tirar do trabalho era péssimo para a sociedade, porque eu era uma das melhores
investigadoras da Serra Gaúcha. Desde que fui encaminhada para Encanto, havia solucionado
assassinatos que persistiam em mistério por décadas.

Os meus pesadelos e a paralisia do sono até me ajudaram algumas vezes, me dando pistas, mas
acreditava que era meu subconsciente me entregando algumas verdades que passavam despercebidas.

Os sonhos te dão respostas a perguntas que você não sabe formular.

— Cinco gotas. Apenas para relaxar.

A verdade é que eu precisava de, no mínimo, vinte para dormir.

— E como está reagindo com o Escilatopram?

— Muito bem.

Mentira. Mesmo tomando a dosagem máxima, não sentia a menor diferença na minha vida,
cada vez mais no fundo do poço com a ansiedade e a depressão. Mas, era mentir ou me entregar a
desesperança. Se o médico me afastasse do trabalho, o que me restaria a não ser os pesadelos?

— Eu vou te receitar Trazodona. Minha intenção é que você corte o Clonazepam.

Ah, sim, eu iria tirar da minha vida a única coisa que me fazia dormir?

— Certo.

— E como estão os pesadelos, Adriana?

— Tranquilos.

— Não teve mais crises de terror noturno?

Neguei com a face, ansiosa para sair do consultório.

Por fim ele me deu as receitas que eu precisava. Buscar os papeis que me deixavam comprar
os remédios era o único motivo de eu ainda buscar ajuda.

— Tem certeza de que quer fazer aqui? — a garota bonita apontou a casa velha.

Observei o rosto do rapaz que a encarava. Estava envolto em nuvens espessas.

— Está com medo? — ele brincou.

Mais um sonho. Eu sabia como era, eu sabia que sempre acontecia alguma coisa nele. Respirei
fundo, sendo guiada pela minha mente semiconsciente naquele ambiente horrível.

Minha face ergueu. Diante de mim, uma casa enorme se erigia. Eu podia ver seu aspecto
funesto, como se a casa estivesse morta.

Contudo, não estava.

As paredes pareciam respirar.

O casal soltou risinhos alegres enquanto entravam na casa. Por algum motivo, eu os
acompanhei. Não devia. Meu coração começou a palpitar e o nervosismo tomou conta de mim.

Eu nunca tinha sonhos bons. Nunca. Meus pesadelos começaram na infância, quando meu pai
começou a me tocar. Ele não chegou a me violar, mas mesmo seus toques sujos me causaram tanto
pavor, que acabou nascendo em mim um ser destruído e agoniado, que compartilhava em sonhos com
outros seres agoniados, seus piores pesadelos.

Quando minha mãe soube que meu pai gostava de enfiar os dedos em mim, ela me culpou.
Desde então minha mãe também passou a ser um dos demônios que me perseguia em sonhos. Na vida
real, nenhum deles me dava atenção, me enviaram para uma escola interna assim que minha mãe
descobriu que eu era molestada, e quando sai de lá, aos dezoito anos, passei num concurso da polícia
civil, onde logo depois fui admitida.

Eu batalhei sozinha e cresci sozinha, mas ainda era uma menina desesperada e medrosa.

A casa era escura por dentro. Seu assoalho de madeira rangeu enquanto eles corriam, jovens e
alegres, para dentro de um dos quartos.

Eu os segui. Queria implorar que parassem, que fugissem, algo aconteceria, mas como sempre
eu era uma expectadora passiva de desgraças.

De repente, os gemidos. Queria fechar meus olhos para não ver, sexo me causava repulsa.
Nunca fiz, nunca deixei ninguém me tocar, nunca tive um namorado..., mas, agora era forçada a
assistir ao casal se esfregando.

— Me chupa — o rapaz pediu. — Eu gosto quando lambem minhas bolas.

A menina prontamente se ajoelhou diante dele, tentando abrir seu zíper, um sorriso generoso
em seu rosto.

Então, do nada, tão rápido contra um relâmpago, passos mancos e trôpegos surgiram na
escuridão. Eu não via a figura, mas sabia que ela representava perigo. Mais que isso, a casa.

Tentei gritar para a garota, mas minha voz não saia. Nunca saia.

A figura surgiu por trás dela com uma corda. Jogou-a por sobre o pescoço da menina, e a
puxou para trás.

Observei o homem, tentando ver se ele a protegeria, se lutaria contra a figura maldita, quando
as mãos dele, para minha surpresa, puxaram os pés da jovem, tirando-lhe o apoio.

Estavam juntos. Ambas as figuras, assassinas.

Pude ouvir o engasgo de quem estava sendo enforcada. O choro a escapar dos olhos.

Podia sentir na minha própria pele a terrível sensação de morrer daquela forma.

Queria reagir. Ajudar. Defender.

Mas, tudo que ocorreu foi meus olhos abrindo e meu sonho acabando.

Um pesadelo terminava para outro começar. Meus dias eram pesadelos sem fim.
Capítulo 2
Antony

Eu desci pela rodoviária daquela cidade minúscula, perdida no tempo, abandonada a própria
sorte nos confins do universo.
Quando eu era um garoto, meu irmão, André, me mandou uma carta me dizendo para nunca vir
a esse lugar, porque ele tinha garras, e ele as cravava em você, te tornando tão maldito quanto ele.
Sou um homem adulto que não acredita em fábulas, mas agora, diante da visão das montanhas
de Esperança, eu entendi o que ele quis dizer.
Esperança era maculada. Suja. Não sei como nem porque, mas era.
De qualquer forma, minha herança, um casarão antigo que ficou abandonado por anos me
aguardava.
Desde que meu irmão, sua esposa e filha morreram, ninguém da minha família falava da casa.
Quando meu pai se foi, vítima de câncer, me disse para nunca a vender, para mantê-la para nós, um
legado que não devíamos passar adiante.
E mesmo diante de fortunas oferecidas nos últimos anos, nós a mantivemos para nós.
Até agora.
Entrei em um táxi e pedi que me levasse ao hotel mais próximo.
— Só tem um hotel nesse fim de mundo, rapaz. Veio por causa da Lanceiros?
— Lanceiros?
— A Fábrica. Só temos visitantes quando são clientes ou parceiros da fábrica.
— Não — respondi ao motorista. — Tenho uma propriedade na cidade. Vim tomar posse.
— Uma propriedade?
— Um velho casarão.
O ar ficou tenso e o tempo pareceu parar.
— Está falando de O CASARÃO?
Não respondi.
— Vá embora, rapaz. Deixe aquele lugar quieto.
— Aquele lugar nunca ficou quieto — rebati.
— Deus nos ajude... — o homem murmurou.
Eu não acreditava em fábulas e não temia aos fantasmas do casarão.
Aquele lugar desgraçou a minha família, mas eu vinha para enfrentá-lo.
Eu não tinha medo de nada.
O quarto do hotel cheirava a desinfetante. As cortinas sujas e empoeiradas escondiam uma
barata que surgia sempre que o tecido se movia com o balanço do vento.

Era um dia frio. A Serra por si só já é fria, mas em Esperança o frio parecia além do ambiente.

Eu senti tão logo pus os pés ali.

Larguei minha mala ao lado da cama. Sentei-me no leito, o colchão fino me fez rir.

O que diabos eu estava fazendo ali? Tudo podia ser realizado através de um corretor. Eu já
havia decidido vender aquele Casarão maldito e deixá-lo sair das entranhas da minha família,
contudo, algo me impeliu em fazer aquela venda eu mesmo.

A casa era o último elo que restara de minha família. Ela foi o começo do fim.

E pensar que éramos tão promissores. Meu pai era um ótimo administrador, e André seguiu o
mesmo caminho. Quando ele saiu de Porto Alegre para vir morar em Esperança, assumiu a
presidência do que é hoje uma das maiores multinacionais do país.

Meu irmão morreu, e com ele sua esposa e filha. Nossa família ficou muito abalada. Não
éramos em muitos, mas éramos muito unidos. Meus avós foram tudo que restou de uma família
polonesa judia que foi massacrada durante a segunda guerra. Eles tiveram dois filhos. Meu pai foi o
único dos irmãos a ter uma família. Um dos filhos morreu naquela cidade, André. Minha mãe logo o
seguiu, depressiva por ver a desgraça se abatendo novamente nos Weiss.

Meu pai ainda permaneceu a tempo de me criar e me dar estudo, mas logo depois também
morreu. E agora restava a mim. O último da linhagem. O único herdeiro. Aquele que ainda tinha
alguma chance de seguir adiante.

Todavia, a casa me impedia.

Puxei uma carta do bolso do meu casaco. Uma oferta pomposa dada por um dos gerentes da
Lanceiros.

Suspirei.

André, antes de morrer, pediu a meu pai que nunca vendesse a casa. Que nunca deixasse
ninguém tomar posse daquela maldita coisa. Meu pai cumpriu sua palavra e me outorgou a mesma
missão.

Uma missão que eu não queria.


Como poderia conhecer uma mulher e me casar, ter meus próprios filhos, com aquela mancha
me puxando em direção à maldita cidade de Esperança?

— Sua oferta foi muito generosa — admiti. — Contudo, tenho ofertas melhoras.

O homem me encarou com olhos sedentos.

Era misterioso, o tal de Alex. Jovem demais para um cargo tão importante na empresa de
fumos, e com dinheiro demais para comprar uma casa que não valia aquilo.

Por que ele e o tal de Lucas queriam o lugar?

O outro, Lucas, me procurou em meados de dezembro para adquirir a casa. Eu recusei e ele
não insistiu, mas recebi uma carta dois meses depois dobrando o valor ofertado.

Alex me oferecia cerca de 40% da segunda proposta. Não era um valor a se ignorar, mas algo
me impelia a não vender.

— O que te faz querer a casa? – indaguei.

— Minha noiva ama a casa. É de uma arquitetura única. Quero lhe dar de presente de
casamento.

De fato, o velho casarão era quase místico.

— Você já a viu? — Alex perguntou.

— Passei defronte antes de vir para cá, mas não cheguei a entrar. É doloroso, creio que sabe
que minha família acabou ali.

— Imagino... Mais um motivo para vender e seguir adiante.

Assenti.

— Bom... — Alex se levantou. — Preciso ir trabalhar, mas tem meu número caso decida algo.

Assenti.

O homem se afastou enquanto eu buscava pela xícara de café que estava servida diante de mim.
Aquela cafeteria no centro de Esperança tinha cheiro de bolo, e eu gostei do ambiente.

Será que André veio aqui algum dia, com Diana? Ou tudo que restou a ele nessa cidade foram
lembranças terríveis da esposa assassinando a filha deles e depois cometendo suicídio?

Meu irmão implorou que não vendêssemos a casa, e agora eu estava ali na intenção de fazer
isso.

— O senhor deseja mais alguma coisa?

Levantei meu olhar e me deparei com uma loira linda, como Marilyn Monroe, só que de
cabelos longos.

Ela exalava sensualidade.

— Não, obrigado.

Imaginei que ela fosse se afastar, mas pareceu ainda mais firme no lugar.

— Desculpe me intrometer, mas seja o que for que esteja negociando com Alex Franco, não
faça isso. Ninguém da Lanceiros presta.

Minhas sobrancelhas se ergueram, inquisidoras.

— Você é...?

— Eu me chamo Tatiana. Sei que deve pensar que sou uma intrometida, mas apenas quero
salvar sua sanidade. Todos que trabalham na Lanceiros são carregados pela maldição que começou
com o antigo proprietário do casarão. Aqui é terra amaldiçoada. Eu admito que sou apaixonada por
Esperança, vim de outra cidade e aqui me casei e criei uma família, mas não sou cega. Essa cidade é
terra maldita, a maioria das pessoas sobrevive aqui, e quem vive bem é porque luta todos os dias
com amor no coração. O amor é quase que uma casca que salva alguns, mas não todos. Muita gente
aqui só conhece a dor.

Eu devia afugentá-la, mas não conseguia fazer isso. Porque de alguma maneira, era como se
André estivesse falando comigo.

— Obrigado pelo conselho, Tatiana — murmurei.

— Então — ela sorriu —, veio para negociar fumo? No vale do Rio Pardo você terá fumo por
um preço melhor e...

— Não, não... — a interrompi. — A casa... O casarão que você citou... É meu. Estou aqui
porque recebi uma proposta de venda.

Seus olhos verdes se arregalam.

— É mesmo? Vai vendê-la?

— Bom... Alex é um dos interessados.

Ela pareceu assustada. Olhou em direção ao balcão onde outra mulher a observou com olhos
obscuros.

— Boa sorte — ela me disse, e então se afastou.

Sorte? Sorte não existia em Esperança.


Cumpra o único pedido do seu irmão — meu pai implorou, em seu leito de morte.

Abri a porta e o som esganiçado da fechadura anunciou que a muito tempo aquela porta não se
movia.

Um passo para dentro e fui tomado pela sensação do pânico. Pela primeira vez na vida, um
ambiente conseguiu me derrubar. Não que eu acreditasse em fantasmas ou lugares amaldiçoados, mas
saber que meu irmão perdeu tudo ali era demais para mim.

Talvez seria como visitar Auschwitz, ciente de que quase todo o meu sangue pereceu naquele
campo.

Fechei a porta e me afastei da casa.

Aquela casa era, de fato, maldita.


O som de batidas na minha porta me fez abrir os olhos. Encarei o teto bege, empoeirado e gemi
enquanto girava no colchão ruim e tentava me colocar de pé.

Mais batidas. Pareciam urgentes.

Busquei a camiseta e comecei a colocá-la enquanto me aproximava da porta.

A abri.

Do outro lado, um policial militar com olhos arregalados me encara.

— Weiss? Antony Weiss?

— Sim?

— O senhor é o proprietário do Casarão?

— Sim.

— Acabamos de localizar o corpo de uma jovem desaparecida no local.

Minha boca abriu, pasma, e balbuciou, sem medir as consequências.

— Eu... eu estive lá ontem... Não vi nada.


— Entrou na casa? O corpo já está em estado de decomposição. Parece que a jovem foi morta
há pelo menos uma semana.

— Não... Não entrei. Cheguei anteontem em Esperança. Ontem apenas olhei a casa da porta.
Não... Não consegui entrar.

Ele não pareceu duvidar da minha palavra, o que me deixou surpreso.

— É difícil entrar na casa, não é? Sei como se sente. Só descobrimos o corpo porque
recebemos uma denúncia anônima.

Levei minha mão no cabelo, penteando-o. Eu estava em choque, era muito para processar em
pouco tempo.

— O assassino, talvez?

— Não sabemos, senhor. Apenas gostaríamos que fosse a delegacia mais tarde para prestar seu
depoimento, pois foi visto ontem na casa.

— Sou um suspeito?

— Não. Temos registros da rodoviária que chegou no dia que disse. Mas, talvez algo que tenha
visto ou percebido pode fazer a diferença na investigação.

Quando fechei a porta, alguns minutos depois, estava mais arrependido que nunca de ter ido
para Esperança.
Capítulo 3
Adriana
Eu podia sentir o cheiro de ar puro inundando meu corpo, transcorrendo pela minha alma, um
toque mágico da natureza que já não era mais possível experimentar no meu mundo tão decadente.

— É bonito, não é? — um homem surgiu atrás de mim e eu sorri diante da sua figura gentil.

Era o mesmo homem que havia vindo me ver dias antes, durante a minha paralisia do sono. Eu
não sabia quem ele era, mas me tranquilizava sua presença, porque foi uma das poucas que, durante o
processo da paralisia, não tentou me asfixiar.

— Sim. Onde estamos?

— Lugar nenhum, na serra do Rio Grande do Sul. Mas, ainda não é Rio Grande do Sul. Será,
em breve. Vão assinar a fundação em 1737.

Respirei fundo novamente, a estranha explicação não pareceu ter efeito em mim. Observei a
floresta de mata virgem quando percebi um pequeno índio guarani andando por meio das árvores.

— O que ele está fazendo?

— Ele? Fugindo, claro.

Logo percebi que o garoto não estava sozinho. Era seguido por uma família que também
parecia temer cada passo.

— Fugindo? De quem? Para onde?

O homem suspirou alto.

— Eles estão indo até as uma das sete igrejas formadas pelos jesuítas. Acreditam que estarão a
salvo, lá. Mas, os próprios jesuítas serão expulsos daqui porque sua missão incomoda o poderio
português.

De repente, um tiro tão alto que pareceu estourar meus tímpanos ecoou pela mata. Me abaixei
até o chão, mas a mão firme e segura do homem pareceu acalmar minha alma.

Meus olhos se ergueram. Pude perceber um grupo usando mosquetes se aproximando dos
índios. Os tiros não eram alertas, logo a gritaria dos nativos se tornou agonia de morte.

— Foi um massacre — o homem me explicou. — De 90% a 95% da população local foi


exterminada pelos bandeirantes. Um dos maiores genocídios da humanidade, e ninguém fala nada.
Até parece que ninguém morreu aqui. — O homem apontou o garoto que caiu numa parte nivelada do
terreno. Um bandeirante se aproximou e chutou-o. — O menino morre exatamente nesse local. O
primeiro sangue a nutrir essa terra. Mas, ele não devia ter morrido. Devia ter sido um grande
sacerdote. Aprenderia sobre ervas e seria um bálsamo na vida de muitos. Cortaram sua vida, tiraram
da história alguém que veio para curar. Seu sangue amaldiçoa o local que foi morto.

Outro tiro, o garoto caiu para trás e tudo acabou. Escuridão. Meu coração numa batida ritmada
e desesperada, afogada na dor do pesadelo.

A luz voltou novamente. Dessa vez o local não tinha mais árvores, e sim era um campo aberto.
Pude ouvir o som de galopes e girei na direção de uma armada que cavalgava desenfreada em
direção a outro grupo, uniformizados.

— Farrapos — o homem me explicou.

— Estamos no mesmo lugar?

— Sim. O mesmo lugar, mortes diferentes. Os farrapos vão enfrentar os caramurus. O sangue
vai escoar pela terra, amaldiçoando-a muito mais. Esse lugar... Só dor e sofrimento.

— Não quero ver mais.

— Precisa ver — ele afirmou. — Para entender que não é exatamente a casa, apesar de a casa
ter absorvido a extensão da dor que aqui existiu e que agora precisa ser alimentada com sangue. A
casa está viva. A casa sente fome.

— Eu não entendo o que quer dizer — choraminguei.

— Não adianta queimar a casa. Logo tudo seria esquecido, e construiriam outra casa ou
edifício no terreno. A terra é maldita. Se tornou nosso legado protegê-la.

— Nosso? Quem é você? E por que eu?

Ele suspirou forte enquanto tudo se tornava escuridão novamente.

Acordei.
— ...Então ele me bateu. Mas, eu não quero colocá-lo na cadeia.

— Por que não? — indaguei a mulher sentada na minha frente. Eu não atendia Maria da Penha,
mas durante uma busca sobre drogas naquela manhã junto com a força tática, acabamos
testemunhando uma agressão. Levamos o homem para a delegacia, e eu estava tentando convencer a
mulher a fazer um Boletim de Ocorrência.

— Porque eu o amo — ela disse como se isso justificasse tudo. — E eu o irritei. Foi culpa
minha que ele perdeu a cabeça.

Deus, eu não tinha paciência para isso. Sei que é meu trabalho, mas minha vontade era de
mandá-la se foder e ir me ocupar de coisas realmente importantes.

Estava exausta. Duas noites sem dormir para tentar evitar os pesadelos, cada vez mais
constantes.

— Ele só vai mudar quando te matar. Daí vai mudar de endereço, vai morar na cadeia.

— Foi só um tapa — ela o defendeu.

Suspirei, e ergui a mão, pedindo para que Rodolpho, um dos meus colegas, assumisse dali.
Ninguém merecia ter que ouvir aquela baboseira.

Levantei-me e fui até a cafeteira, buscando uma xícara.

— Sério que você perdeu a paciência para o grande amor que a moça sente pelo namorado?

— Sou da homicídios. Ela será meu trabalho daqui a alguns meses — disse, fria, em direção a
Davi, o delegado.

Ele riu baixinho.

Enquanto girava e me recostava na parede, segurando minha xícara, o observei.

Era um homem bonito, quarenta anos, atlético, divorciado e parecia disposto a ir a algum lugar
ao meu lado. Ele nunca disse, mas eu sentia. Seus olhares pareciam ter um carinho que não eram
destinados a mais ninguém. Contudo, sempre me recolhia a insignificância da minha existência, nunca
o deixando ter espaço para qualquer sugestão.

— Então... Está saindo com alguém?


Como agora...

— Então, tem trabalho para mim? — observei a pasta que ele tinha em mãos.

Davi sorriu e eu percebi o desgosto.

— Na verdade, sim... Mas, não fuja, Adri... Ninguém aqui sabe se você tem namorado, ou se
está vendo alguém... Tudo bem ser reservada, mas gostaria de saber se tenho qualquer chance.

Fiquei sem palavras, porque ele nunca foi tão direto.

— Ninguém tem chance — respondi.

O silêncio pareceu nos absorver por alguns segundos.

— O que fizeram com você, Adri? Por que você não deixa ninguém se aproximar?
Trabalhamos a anos juntos e nunca tomamos uma cerveja ou pegamos um cinema... Se você não quer
ficar comigo, tudo bem... Mas, podemos ser amigos?

— Somos amigos — disse, rapidamente. — Sou amiga de todos aqui...

Era o máximo que eu conseguia deixar alguém se aproximar sem me sentir sufocada. Uma
amizade afastada.

Ele pareceu resignado.

— Tudo bem, Adri. Mas, quero que saiba que se um dia quiser realmente se abrir com alguém,
eu estou aqui. Você pode confiar em mim.

Eu confiava. Ele era um delegado excelente, honesto e responsável. Um bom pai, e um ex-
marido incrível, tanto é que a sua ex sempre o abraçava quando vinha trazer as crianças para vê-lo
durante o expediente. Solange era uma mulher doce e nunca o criticou, ao menos não na minha frente.

— Ok, venha para a minha sala, temos que conversar — ele disse, seu semblante mais
profissional.

Terminei o café, colocando a xícara sobre a pia, e o segui até seu escritório. Quando entrei, ele
fechou a porta.

Sentei-me diante de sua mesa e o aguardei sentar-se também, remexendo nas papeladas.

— Eduarda Dias, dezenove anos, estudante de odontologia, caucasiana, filha de pais


agricultores, extrovertida, boa moça, solteira, sem namorado fixo, bastante conhecida na cidade —
ele me estendeu uma ficha com dados básicos, endereço, data de nascimento, coisas assim. — Sumiu
a uns dez dias. A polícia não levou muito a sério, porque com dezesseis anos ela sumiu duas semanas
para ir para o Planeta Atlântica.

— Ou seja, histórico de fugir para festivais de música. Mas, não temos nenhum festival no
inverno...

— Pois é. Mas, podia ter sumido por outro motivo. Um namorado, talvez. Contudo, uma
ligação anônima levou a polícia até um velho casarão...

Fiquei em choque. Eu sabia quem havia ligado. Dois dias antes eu fui até um orelhão num local
onde não havia câmeras, e disquei para Esperança, avisando que havia alguém em uma casa grande,
abandonada. Era um tiro no escuro, e eu esperava que tivesse errado aquele alvo.

Eu iria ligar para todas as cidades próximas informando a mesma coisa, até que alguém
encontrasse a menina dos meus sonhos. Eu não sabia exatamente quem era ou onde a encontrariam,
mas sabia que achariam alguém perto de Encanto. Ou talvez a vítima fosse de Encanto, só ainda não
haviam dado por seu desaparecimento. Enfim, meus sonhos nunca falhavam.

De repente uma foto me foi passada. Um cadáver arroxeado, em putrefação.

— O legista confirmou que ela foi enforcada com uma corda poliéster trançada, de provável
10mm, mas os policiais não encontraram a corda em lugar nenhum. Porém, havia fibras na pele. A
corda é vermelha e branca.

Observei as fotos focalizadas no pescoço.

— Suspeitos?

— A cidade inteira acha que foi o homem da escuridão.

— Quem?

— A casa onde ela foi encontrada é conhecida por ser amaldiçoada. Eduarda não é o primeiro
cadáver dali. Assim, a cidade acredita que existe um demônio que mora no local.

Se existia, não foi ele. Eu sabia disso.

— Ela estava transando com alguém... — murmurei.


— Como?

Meus olhos arregalaram, diante da gafe.

— Pergunto: Ela estava tendo algum envolvimento amoroso?

Precisava transformar minha certeza em pergunta.

— Não foi encontrado sêmen ou qualquer traço de DNA nas roupas.

— Nem na ponta dos dedos? Embaixo das unhas?

— O assassino queimou os dedos, não algo grande, mas o suficiente para destruir alguma
prova caso a vítima tivesse arranhado o agressor. As amigas dizem que ela dormia com alguns
caras. Enfim, todos são suspeitos. — Davi pigarreou. — Penso, Adri, que você devia ir à paisana,
investigar.

Eu concordava.

— Contudo, sabe que assim que eu pôr os pés em Esperança, a cidade inteira saberá. Dizem
que aquela cidade minúscula é extremamente fofoqueira e curiosa.

Davi assentiu.

— Eu agendei um encontro no hotel.

— Encontro?

— O proprietário da casa estava na cidade. A casa é de sua família há muitos anos, mas
ninguém mora nela. Esse homem, Antony, foi para a cidade tentar vendê-la.

Não deixe que eles comprem a casa.

— Vá de ônibus, evite conversar com as pessoas, e o encontre diretamente no quarto do hotel.


Dali, crie sua linha de investigação. Você já solucionou casos mais difíceis.

Isso porque eu tinha mais do que outros investigadores. Eu tinha dicas vindas do meu
subconsciente. E, nesse caso, havia presenciado o crime. Sabia que eram dois assassinos, e que pelo
menos um deles era conhecido da vítima.

— Os policiais de Esperança...

— São dois. A cidade não tem efetivo, e eles não sabem como resolver a questão. Encanto vai
assumir a investigação e eles foram avisados para ficarem de bico fechado. Vamos colocar esses
desgraçados na cadeia.

Assenti.

Daria tudo de mim para fazer justiça.


Capítulo 4
Antony

Eu odiava aquele lugar. O cheiro de desinfetante do primeiro dia agora era substituído pelo
acre odor do mofo. Eu tinha quase certeza de que eles haviam limpado aquele quarto de maneira
superficial alguns minutos antes da minha chegada, e não retornaram após ela.
Estava frio. Quase congelante. E mesmo assim eu não podia ligar o aquecedor porque senão
teria uma crise alérgica devido ao pó acumulado no equipamento.
Fora a cama. Colchão raso que me parecia destruir minhas costas.
Precisava resolver logo a situação da casa e ir embora. Talvez apenas chamar o corretor e
dizer a ele para que resolvesse.
Contudo, algo me impedia.
André.
Eu amava meu irmão. Eu sentia sua falta. E sabê-lo morto por causa daquela cidade, daquela
casa... seu pedido de que não a vendêssemos para que ninguém mais fosse vitimado por ela
contrastava com a ciência de que uma jovem morreu lá há poucos dias.
E havia outros. Lembro de na adolescência a polícia informar meu pai que um casal de
namorados e dois traficantes foram assassinados na casa. Mortes conhecidas. Quantas que não
sabemos?
Abri meu notebook e tentei trabalhar um pouco antes que ficasse louco. Eu tinha prazos a
cumprir. Era engenheiro de energia, e estava trabalhando em novos sistemas de energia eólica.
Trabalhava diretamente para o governo, que me cobrava mudanças nos sistemas instalados no litoral
do Rio Grande do Sul, pois precisavam cumprir metas de alguns dos milhares de tratados que antigos
presidentes assinavam sem parecer entender que essas assinaturas precisavam ser cumpridas.
Suspirei diante da tela. Minha mente não conseguindo se concentrar o suficiente, nenhum dado
sendo processado.
Eu amava meu trabalho, mas ele era solitário. Meu escritório era no meu próprio apartamento
na região central de Porto Alegre, onde eu fazia plantas e cálculos que depois eram levados adiante
por outros engenheiros e técnicos.
No fundo, estava cansado. De tudo. Minha vida havia chegado em uma etapa em que não havia
mais ambições na carreira. A única coisa que eu ambicionava era uma família. Porém, família era
algo que nunca deu certo para os Weiss. Quase toda dizimada nos campos de concentração, e após
isso destruída pelos demônios daquela cidade esquecida no sul do país.
Eu temia amar alguém, ter filhos, e vê-los destruídos pelo meu sangue amaldiçoado.
Tive alguns relacionamentos, mais para aliviar o estresse e ter sexo, do que por paixão.
Nunca me interessei romanticamente por ninguém. Acho que jamais aconteceria.
Uma batida na porta.
Meus olhos correram para meu relógio de pulso. Eram quinze horas, e eu sabia que o policial
que viria da cidade vizinha, Encanto, só chegaria à noite.
Mesmo assim me levantei e fui em direção à porta. A abri. Não havia ninguém.
Enquanto minhas sobrancelhas se arqueavam, meu olhar passeou pelo corredor, a procura de
alguém. Foi quando meus pés esbarraram em algo.
Baixei meus olhos e percebi uma caixa abandonada, enrolada em papel pardo. Peguei-a e
percebi meu nome escrito.
Entrei dentro do quarto e rasguei o papel. Estava cheio de folhas amareladas. No centro, uma
folha de papel branca com o desenho da casa e de um boneco sendo enforcado.
A frase embaixo me arrepiou:
“Está chegando a sua hora. Vai pagar por tudo”.

Ela era linda. E por alguns segundos eu fiquei parado diante da porta como se não acreditasse
na visão que me tomava.
— Sou Adriana Vasconcellos, investigadora — ela me mostrou um distintivo da polícia civil.
— Acredito que foi avisado sobre minha visita.
Sim, eu esperava alguém da lei. Um homem pançudo que iria soar grosso e com ares de que
suspeitava de mim. Não aquela figura miúda e delicada, quase uma boneca de porcelana, que tinha no
olhar uma energia e um poder que parecia tocar meu âmago.
— Por favor, entre.
A escuridão do corredor me indicou que já havia anoitecido e alguém havia esquecido de
acender as luzes. Era estranho que não usassem lâmpadas que detectavam movimento. O quão
atrasada estava aquela cidade no quesito tecnologia?
— Eu sou Antony Weiss — me apresentei, estendendo a mão, que ela prontamente apertou. —
Estou à sua disposição.
A mulher não esperou convite. Logo se sentou numa das cadeiras e me encarou. Sentei-me na
cama, na sua frente.
— Sei que não conhecia a vítima... — ela começou.
— Não. Nessa cidade conheço apenas o taxista que me trouxe, o recepcionista do hotel, a
garçonete que me serviu café na cafeteria da frente, e Alex Franco.
Adriana puxou um bloco de notas. Seu olhar baixou para o papel e eu estudei por alguns
segundos sua postura concentrada.
— Alex Franco?
— Isso.
— Ele é...?
— Um interessado em comprar a casa.
— Em Encanto me falaram sobre a casa. O que pensa sobre o que dizem?
Era uma pergunta estranha.
— O que posso dizer? Quem acreditaria em fantasmas, e essas bobagens?
— Como explica o que aconteceu a sua cunhada e sobrinha?
Minha boca abriu, pasma. Quis rir, mas o semblante de Adriana era tão sério que me assustou.
— Elas sofriam de uma doença rara. Começaram a ter alucinações. O médico explicou.
A observei enquanto rascunhava.
— Viu algo estranho quando esteve na casa?
— Não cheguei a entrar...
— Hum... Bom, Sr. Antony, acredito que toda a situação seja apenas um incômodo para o
senhor, pois não tem envolvimento. Iremos investigar e tentar pegar os culpados.
Ela se levantou e eu pensei em deixá-la ir sem lhe mostrar a caixa. Deveria simplesmente ir
embora de Esperança e abandonar toda aquela questão. Mas, algo me impeliu.
— Sra. Adriana....
Senhora? Olhei sua mão e não vi aliança. Não sabia como devia tratá-la.
— Só Adriana, por favor.
— Ok... Adriana... Mais cedo, recebi algo que talvez devesse ver.
Fui até o criado mudo e busquei a caixa. Lhe entreguei em mãos. Ela a abriu e observou o
conteúdo.
— Talvez eu não devesse ter tocado, pode ter digitais.
— Não terá — ela apontou. — Quem fez isso, usou luvas.
— Como sabe?
— Não acharam digitais no corpo da moça assassinada.
Ela revirou as folhas.
— São folhas das árvores da casa?
— Parece que sim.
— Vou pedir para os técnicos compararem. Se for, a pessoa está tendo acesso ao local.
Assenti.
— Pelo que soube, todos tem acesso. Basta se esgueirar pela cerca.
Ela pareceu concordar. Então, novamente, seu olhar se concentrou em mim e eu perdi meu
chão, meu ar, tudo.
— Por favor, não avise sobre minha presença a ninguém. Peguei um quarto ao lado do seu, e
não expliquei ao recepcionista nossa ligação. Acho que ele ficou curioso quando perguntei sobre o
senhor, mas pretendo levar isso em sigilo.
— Não se preocupe.
Então ela saiu pela porta, seu perfume inebriante ainda me tomando, mesmo após sua figura
bela ter sumido pela escuridão do corredor.
Capítulo 5
Adriana

Meu Deus.
A semelhança era incrível.
Obviamente eu sabia que não era o mesmo homem, a voz era diferente e havia algumas
características que os diferenciava, como o tom do cabelo e os olhos escuros de Antony. Mas... De
resto... de resto... Ele era uma cópia do homem que me cercava em sonhos.
Por alguns segundos quando o vi, perdi o fôlego, mas logo neutralizei minha reação
avassaladora sob a máscara da policial competente.
O que ele me narrou foi muito preocupante. A caixa que lhe enviaram com a ameaça podia ser
uma brincadeira de mal gosto, assim como algo sério. Apesar de minha mente se esgueirar na chance
de que talvez estivessem tentando assustá-lo para que vendesse a casa por um preço qualquer, algo
em mim me dizia que eu devia levar aquilo em consideração.
Depois de Davi me dar o caso, eu liguei para o corretor e conversei sobre a casa. Soube que
houve várias propostas durante os anos. Um dos compradores era um bandido conhecido no nosso
meio. Seria Lucas Bianconi o assassino? Mas, pelo que eu sabia ele estava em Porto Alegre.
E minha visão dava margens para outras coisas. Não era um assassino: eram dois.
Suspirei, erguendo minha lanterna e observando o casarão diante de mim. O silêncio parecia
pesar, quase sufocante, o que me fez respirar fundo três vezes antes de entrar na casa.
O som dos meus passos na madeira ecoou pelo corredor que me levou até um dos quartos
térreos. Era uma sala grande, vazia, e com cheiro estranho de lavanda.
No chão havia o desenho em giz branco de onde o corpo havia caído. Me agachei, tentando
analisar de onde a pessoa que enforcou Eduarda podia ter vindo. Havia uma porta anexa em um dos
cantos e eu me dirigi a ela.
A empurrei e percebi que não havia som esganiçado de suas dobradiças enferrujadas.
Aproximei minha lanterna e constatei que a mesma havia sido lubrificada.
Entrei na outra sala. Era a cozinha. Havia poeira e dejetos de ratos em cima da mesa, mas eu
percebi que aquele lugar devia ter sido muito bonito quando utilizado, já que tinha móveis moldados
como nas antigas e rústicas cozinhas gaúchas da campanha.
De repente o som de um passo atrás de mim me fez virar-me rapidamente em direção à porta.
O vulto de uma jovem ao longe me assustou. Mas, ela pareceu ainda mais aterrorizada do que eu,
pois girou seus calcanhares e correu na outra direção.
— Ei, pare aí — ordenei, mas ela não me ouviu.
Puxei meu revólver e a segui. Seus passos ecoaram na escada e pude percebê-la, seus cabelos
claros esvoaçando ao vento. Uma janela no andar superior estava aberta e uma corrente gelada
cruzou por mim.
— Ei! Polícia! — gritei novamente.
Nada. Entrei em um quarto onde o vulto entrou, mas o encontrei vazio. Apenas uma cama em
dossel e um antigo roupeiro o compunha.
A cama estava revirada, como se alguém houvesse dormido ali, mas a sujeira me denotou que,
no pior caso, era apenas um mendigo procurando um canto.
Não o assassino. Não quem eu caçava.
Ao abrir meus olhos, senti o cansaço imediatamente tomando conta do meu corpo.
Depois que voltei para o hotel, já madrugada, e sem nenhuma descoberta no casarão, tudo em
que eu pensei foi em ter uma noite de sono, a fim de me preparar para iniciar minha investigação no
dia seguinte.
Contudo, o quarto fedia a mofo e a cama era excessivamente dura. Eu podia sentir as ripas de
madeira nas costas, o colchão fino demais.
Além disso, havia apenas uma coberta mal cheirosa, e o frio gaúcho exigia mais cobertores.
Tentei me mover. Nada. Logo os demônios de sempre estavam ali, ao lado da cama. Respirei
fundo sabendo que a paralisia passaria em breve. Mãos na minha garganta, mas não me assustei.
Estava no meu lugar comum, sendo vítima de alguma química no meu cérebro. Talvez um dia os
especialistas encontrassem um remédio para a paralisia do sono.
Todavia, quando abri meus olhos não eram os mesmos demônios ali, a me encarar. Era o
homem que se parecia com Antony. Seu olhar piedoso fez meus olhos lacrimejarem.
— Se Antony não vender a casa, eles o matarão. Não há outros herdeiros. Eles sabem como as
coisas funcionam, como a justiça pode ser falha. A prefeitura tomaria posse, e depois a colocariam
num leilão. E eles não podem ficar com a casa. Só Deus sabe o que seria...
A figura sumiu no instante que consegui me mexer. A cabeça doeu e, sôfrega, cheguei até a
cartela de antidepressivos.
O limite era 20 mg por dia. O que aconteceria se eu tomasse 40? Recusei o pensamento, no
mesmo instante que ouvi uma batida na porta.
Eu estava de pijamas, mas nem pensei em me arrumar. Minha primeira reação foi pegar minha
arma e apontá-la para a estrutura de madeira, enquanto me aproximava da porta. A abri
vagarosamente, a arma escondida atrás da madeira, enquanto meus olhos se acostumavam a imagem
do homem bonito do outro lado.
— Oi vizinha — ele cumprimentou, sorrindo. — Eu trouxe café e bolinhos — ergueu um copo
térmico e uma sacola plástica. — Te acordei?
Baixei a arma e o deixei entrar. Era estranho, mas não me sentia desconfortável em sua
presença, como me sentia na presença dos outros homens.
Talvez fosse por causa das visões... por causa da maneira como o homem parecido com Antony
me acalmava durante a paralisia do sono.
— Você é muito gentil.
— Na verdade, fiquei preocupado que fosse tomar café no hotel. A comida daqui é pavorosa.
Ontem à noite jantei num restaurante... da Noeli... coisa assim. Lasanha queimada com interior
congelado. O único local que presta é a cafeteria.
— Eu vi a cafeteria de relance ontem. Tinha uma loira saindo de lá... E ela era...
— Linda? — ele destacou, mas sem parecer asqueroso. — Você reparou como ela parece ter
saído de um daqueles filmes dos anos cinquenta?
— De fato — sorri.
— Eu conversei com ela, esses dias. Fala mais que a boca, vai te ajudar na investigação, se
precisar. O nome dela é... Tamara... Tatiana... Alguma coisa com T.
Por algum motivo, meu coração se aqueceu quando percebi que, apesar de ele ter-lhe notado a
aparência, não se focou em seu nome.
— Vou me vestir — avisei quando o percebi abrindo a sacola e colocando em cima de uma
mesinha alguns bolinhos quentes.
Não era normal, uma proximidade dessas com alguém que poderia ser um suspeito. O que
diabos eu estava fazendo? Contudo, há muito tempo... desde nunca, na verdade... eu não tinha o
conforto de uma companhia tranquila e que me acalmava pelo único tom da voz.
Quando sai do banheiro, usava uma calça jeans, uma camisa clara e botas. Meu casaco estava
jogado numa das cadeiras, e eu fui até ele.
— Então... por que está aqui? — indaguei, me sentando diante dele.
— Eu disse... o café.
— Não acho que queira me agradar — brinquei. — Nem nos conhecemos.
Ele estendeu a mão, e eu sorri.
— Prazer, Antony Weiss.
— Eu sei seu nome.
— Sei pouco de você — ele apontou. — Adriana...?
— Vasconcellos.
— Ei, Vasconcellos, o que faz na polícia? Você não tem o estereotipo de policial.
— E como você imagina um policial?
— Bom, não conheço policiais, mas eu os imagino parrudos, grandes, e não bonequinhas fofas
como você.
Eu ri da frase. Nem sei por quê. Devia ficar furiosa, mas a verdade é que a forma como Antony
se expressava era excessivamente doce.
— Mas, falando sério... eu estou aqui agora... — ele começou, mas logo em seguida balançou a
cabeça, parecendo em conflito. — Céus, você vai me achar um idiota. Eu me sinto um idiota.
Arqueei as sobrancelhas, curiosa.
— Sou engenheiro. Eu sou de exatas. Essas bobagens de fantasmas da casa, ou coisas assim...
Não acredito em nada disso.
— O que quer dizer?
— Comprei seu café hoje e vim aqui conversar com você porque tive um sonho com meu
irmão. E não é normal eu sonhar com ele. Na verdade, eu nunca havia sonhado com ele antes.
Provavelmente é meu subconsciente.
Eu não sabia como responder, quando a maioria dos meus sonhos me revelava verdades sobre
casos que investiguei.
— E como foi o sonho?
— André me disse para não vender a casa, e ajudá-la nessa investigação.
Ele riu. Sua face se movendo negativamente.
— Francamente, não sei como ajudá-la. Eu sou um nerd, na verdade.
Fiquei em silêncio por um tempo, mastigando as palavras.
— Bom, se você não vender a casa, estará em risco. Penso que a ameaça de ontem é por causa
da casa. Querem te melindrar, forçando-o a fazer negócio.
Ele assentiu.
— Eu pensei nisso também. Sou o último herdeiro.
Era como se nossas mentes estivessem fundidas. Pensávamos igual.
— Sabe o que os tiraria do sério? — ele indagou. — Se houvesse mais um herdeiro.
— Como assim?
— A gente podia fingir ser casado, você se tornaria um alvo e, quem sabe, conseguiria colocar
as mãos nessa gente.
Claro que o tom dele era de brincadeira, mas eu consegui vislumbrar todo o plano bem
arquitetado onde eu podia fazer justiça por Eduarda, e por quaisquer mais vítimas que podiam existir.
Era loucura, todavia. Uma insanidade sem tamanho. Davi, meu chefe, ficaria horrorizado com a
simples menção dessa ideia.

— Eu aceito.
Capítulo 6
Antony

Ok, isso era loucura. Não sei como as palavras saíram pela minha boca, e não imaginava como
Adriana fora capaz de aceitar.
Todavia, agora, ela e eu estávamos diante do recepcionista do hotel para nos conceder um
novo quarto. O homem parecia embasbacado com o que havíamos acabado de dizer a ele.
— Ela ronca — eu expliquei, justificando porque não havíamos dormido juntos. — Por isso
pedimos quartos separados, mas acho que não é seguro minha esposa ficar num quarto longe do meu.
Ainda mais com um assassino à solta, não é?
— Eu ronco? — ela murmurou ao meu lado.
— Querida, perto de você um trem passa vergonha.
Ficar no mesmo quarto nos ajudaria a manter contato. Além disso, Adriana acreditava que os
assassinos estavam atrás de mim. Ficar de olho em mim enquanto investigava a questão era razoável.
Quando peguei a nova chave, precisei conter o riso diante do seu olhar furioso. Ok, era uma
brincadeira que não devia fazer com uma completa desconhecida – e uma policial que estava ali a
trabalho – mas, era irresistível brincar com Adriana.
Ela tinha algo... algo tão doce... eu não resistia a tentar cativar em seu olhar sério um esboço
de divertimento.
— Podemos trocar nossas malas mais tarde? — Adriana indagou ao homem. — Estou com
fome e quero ir à cafeteria daqui perto.
— Ué... seu marido passou com seu café agora a pouco....
Não era o tipo de discrição que se esperava de um recepcionista, mas... novamente, estávamos
em Esperança e tudo naquela cidade era esquisito e intimidador.
— Aquele lanche? Não dá nem para toca do dente dela.
Dessa vez senti um leve soco no meu ombro e precisei espremer os lábios para não cair na
gargalhada.
— Ninguém mais está hospedado. Podem transferir as malas mais tarde, sim...
Agradeci ao homem e sai com Adriana do hotel. Lá fora, o vento gelado nos tocou.
— Não sou acostumado a tanto frio...
— Onde você mora? — ela questionou.
— Porto Alegre. Vivo trancado dentro de um apartamento com o ar-condicionado ligado. Não
sinto frio nem calor. E você?
— Sou de Encanto, cidade vizinha.
— E nunca veio para cá? Ninguém nesse fim de mundo te conhece.
— Não há nada em Esperança que me cative. É uma cidade morta.
— Bom, dizem que tem um hotel fazenda...
— Ouvi falar. Mas, nunca tive interesse. Prefiro ir para Gramado ou Canela.
Assenti.
Começamos a caminhar. Logo senti a mão dela no meu braço. Obviamente, estávamos
representando um casal diante dos olhares curiosos que nos cercavam. Contudo, seu toque quente
parecia produzir mais que um teatro. Havia algo mágico sobre aquela mulher, e talvez a sugestão que
fiz, assim como sonho que tive com André, foi reflexo de algo que senti no instante que a vi pela
primeira vez.
— Você me disse que é engenheiro...
— Não diz na minha ficha? Tenho certeza de que tem muito mais. O que mais falam de mim?
— Não muito. Cidadão exemplar, de uma boa família. Trabalha para o governo federal.
— Sim. Produzo energia renovável.
— Mesmo? É uma profissão louvável.
— Não tanto quanto a sua. O que a fez tornar-se policial?
Ela fez silêncio por alguns segundos. Havia uma dor profunda em seus olhos, mas não sabia
dizer o porquê.
— Eu sinto... sinto que ninguém pode me machucar porque como policial fui treinada para me
defender.
Era uma resposta estranha. Eu queria inquirir mais, saber mais, nada parecia o suficiente sobre
ela, mas entendia que ainda não tinha direito a isso.
Éramos dois estranhos, unidos pelo acaso.
Na verdade, nem devíamos ter nos conhecido. Toda a negociação era para ser feita por um
corretor. Eu pensei muito antes de resolver fechar o negócio pessoalmente. Talvez algo me puxasse
para Esperança. Para Adriana...
— Antony, quero conhecer Alex Franco. Consiga uma reunião entre nós.
— Oh, sim... posso dizer que minha esposa está analisando a proposta que ele me fez.
Paramos diante da cafeteria.
— Quero ver a proposta dele — ela indicou.
— Tenho os papeis no hotel. Te entrego mais tarde.
Adriana sorriu. Meu mundo inteiro parou naquele sorriso.
Desviei o olhar. De repente entendi o perigo daquela farsa. Fazia muito tempo que eu não tinha
sequer uma amizade, sempre isolado, sempre sem tempo, sempre trabalhando... e então eu conheço
alguém que parece encaixar exatamente em todos os meus sonhos mais secretos.
Só que era por pouco tempo. Adriana era uma investigadora e estava ali para buscar provas.
Em algum tempo ela iria conseguir o que buscava, e voltaria para Encanto, para sua vida... talvez seu
namorado... ou marido real.
Puxei a porta da cafeteria.
— Você é casada?
— Com você — ela devolveu e eu precisei esconder um sorriso. — Mas, não. Não sou. Por
quê?
— Só curiosidade. Talvez um namorado ciumento que descubra que você se casou em
Esperança? Depois de poucas horas com um certo cara, dono de uma casa...? Estou tentando calcular
se terei que me defender de alguém, além do assassino daquela jovem...
Mais uma negativa.
— E você? Namorada?
— Não.
Parecia tão simples. De alguma forma, eu esperava alguém especial. Alguém como ela. E
ninguém mais era o bastante. Ninguém mais podia causar em mim aquilo que eu estava sentindo
desde o exato momento que a vi.
Nos aproximamos de uma mesa, enquanto meus olhos buscavam pela loira. Uma mulher
morena, contudo, se aproximou, sorridente.
— Olá! Sou Helena. Como posso ajudá-los?
— A moça que me atendeu ontem... ah... o nome dela é... Talita, Tamires...
— Tatiana — Helena apontou.
Ok, eu era péssimo com nomes.
— Tati está de folga. O marido foi levá-la para espairecer.
Pareceu muito claro que Helena estava destacando o marido para me desmotivar de algum
objetivo.
— Oh, eu queria apresentá-la a minha esposa — apontei Adriana, que arqueou as
sobrancelhas. — Eu disse a Adri que a loira parecia uma atriz...
— Cinderela — Helena concordou. — Minha filha a chama assim.
— Cinderela — Adriana pareceu surpresa. — É mesmo. Ela é igual a personagem da Disney.
— Sou um péssimo fisionomista. Eu jurava que ela era parecida com Marilyn Monroe.
Nós podíamos ficar para sempre ali, falando bobagem, mas Helena parecia bem ocupada.
— Por favor, dois cafés.
— E bolinhos — Adriana pediu. — Porque aqueles que meu amorzinho levou hoje para mim
não deu nem para forrar o estômago.
Eu precisei esconder o riso diante da provocação, mas Helena anotou tudo e se afastou.
— É errado eu estar me divertindo?
— Deve ser porque nosso casamento é falso.
Será? Eu acho que adoraria passar o resto da minha vida provocando Adriana.
— Ontem estive na casa — ela me contou.
— Ontem? Achei que havia chegado à noite.
— Sim. Fui depois da meia noite no local.
Ela era corajosa. Eu mesmo sequer consegui entrar naquele ambiente em plena luz do dia.
— Vi uma mulher lá. Cabelos claros, jovem... acho que vinte anos. Sabe de alguém que possa
frequentar a casa em tal horário?
— Estou aqui há três dias, Adriana.
Ela revirou os olhos, um sorriso doce nos lábios.
— Como uma garota tão jovem pode ter coragem de ir aquela casa durante a madrugada?
— Bom, você teve.
— Eu sou diferente. Já convivo com fantasmas e demônios a muito tempo.
Fiquei curioso.
— Como assim?
— Eu tenho um transtorno chamado Paralisia do Sono.
— Conheço.
Percebi que meu conhecimento a surpreendeu.
— Sou curioso e assisto muito documentários. Esse transtorno causa alucinações, não é?
— Sim. Então, dificilmente verei na casa coisa pior do que vejo praticamente todos os dias ao
lado da minha cama.
Eu fiquei um pouco tocado. E muito necessitado de ajudá-la, talvez estando com ela toda vez
que acordasse, para impedir que qualquer visão a perturbasse.
Sacudi um pouco a cabeça, evitando esses pensamentos que pareciam se esgueirar pela minha
alma, tomando conta de tudo. Nunca fui assim, com mulher nenhuma.
Helena apareceu pouco depois com o café e os bolinhos. Ela sorriu enquanto dizia:
— Desculpe o atraso, as cápsulas acabaram e Márcia precisou buscar no mercado.
Eu não fazia ideia de quem era Márcia, mas acenei, compreensivo.
— Obrigado.
— Aproveitem. Pus dois bolinhos de canela, como cortesia, no prato. Fui eu que fiz, espero
que gostem.
Depois disso, ela se afastou.
— Você está sorrindo. No que está pensando? — Adriana questionou.
— Meu irmão dizia que essa cidade era maldita, e a maioria das pessoas que eu conheci aqui
são estranhas e com uma energia ruim. Mas, Tatiana, Helena... você... Nem tudo é ruim.
— Eu não sou daqui.
— Mas, foi aqui que eu a conheci. Estou feliz por tê-la conhecido.
Seus olhos brilharam por um curto momento.
— Então... vamos ver a casa?
Capítulo 7
Adriana
Agachei-me e toquei as folhas secas que estavam no solo. A árvore adiante parecia morta, mas
era só aparência. Eu sentia sua vida hibernando naquele inverno intenso. Adiante a enorme
residência se erigia quase aos céus, como uma coluna mística, um templo ao pagão.
— Você acha que são as mesmas folhas que me mandaram? — Antony questionou.
Sim, eu achava. Mas, não disse isso a ele. Toda a coisa entre nós estava muito antiprofissional,
e eu estava tentando evitar ultrapassar os limites.
O correto: diante da ameaça a sua vida, eu devia ter avisado minha presença como lei, e
colocado Antony em proteção. Não usá-lo como isca para capturar os dois assassinos de Eduarda.
Eu não sei quais seriam as consequências sobre isso para minha carreira. Davi poderia
acreditar ser uma afronta.
Devia encerrar com aquilo e pedir que ele deixasse a cidade.
Levantei meus olhos e meu olhar afundou no dele. Todos os mistérios do universo estavam ali,
entre nós. Eu podia senti-lo, reconhecê-lo, outra vida, talvez... Desde a infância eu temia a presença
dos homens, temia a dor que podiam me provocar. Eu fugi de amizades, de namoros, fugi de qualquer
um que tentasse ultrapassar os murros que levantei perante mim. Com um único olhar, Antony era
capaz de derrubar todos eles.
Desviei meus olhos, nervosa com aquele sentimento obtuso, que surgiu do nada, e que agora
parecia tomar conta de tudo em mim.
Subitamente, ergui minha face em direção à casa. De repente meus olhos notaram um vulto em
uma das janelas.
— Fique aqui — ordenei a Antony, que pareceu confuso.
— Adriana?
— Fique — disse mais alto, enquanto corria em direção à porta, que estava aberta, arrombada
previamente por algum vândalo no passar dos anos.
O vulto estava no andar superior, e eu precisava saber quem era. De relance, acreditei ser a
garota da madrugada, mas precisava ter certeza.
— Ei! Eu vi você — avisei, a mão descendo em direção a minha arma, sem, contudo, pegá-la.
— Apareça! Quero conversar!
Subi as escadarias e cheguei no segundo piso. O assoalho de madeira rangia conforme eu dava
meus passos.
Cheguei a primeira porta, a abri lentamente. Era um quarto infantil, delicado, e eu podia sentir
o profundo amor com que fora organizado. Todavia, agora estava repleto por teias de aranha e poeira
por todo lado.
O som de um passo me fez mover para frente, deixando o quarto infantil para ser verificado
outra hora.
— Ei. Eu sou Adriana. Você pode confiar em mim... apareça...
De repente, cheguei a um quarto que parecia o principal. E lá eu visualizei a figura triste de
uma jovem de vinte e poucos anos.
— Oi? — tentei acalmá-la porque sentia que ela estava nervosa e prestes a ter um colapso. —
Eu sou Adriana, sou policial. Como você se chama?
Nada. Ela parecia me temer.
Seus longos cabelos claros desciam em cascata pelos ombros. A blusa branca parecia um
pouco manchada por algo marrom, lama, talvez, e a calça jeans estava rasgada nos joelhos.
— Querida, está tudo bem. Venha comigo, vou levá-la para tomar um café e então a gente pode
conversar, ok?
— Você não entende? — ela disse, sua voz era delicada e aguda. — Eles não podem ficar com
a casa. A casa tem fome.
De repente o som de um tiro próximo ao meu ouvido quase rasgou meus tímpanos. Senti a dor
na fronte, como se houvesse sido baleada, mas foi a jovem a minha frente que caiu.
Busquei minha arma, minhas mãos desnorteadas, enquanto meus olhos focavam-se na testa
borbulhante em sangue na menina.
— Adriana?
O som da voz de Antony me fez girar na sua direção.
— O que aconteceu? — ele parecia muito calmo.
Meus olhos volveram para frente, a fim de ver a garota, quando percebi que não havia
ninguém.
Durante toda a minha vida vivenciei situações durante a paralisia do sono, agora era exposta a
algo sem estar dormindo.
Meus pesadelos agora seriam também acordada?
Volvi na direção de Antony novamente, meus pés não mais se controlando. Avancei nele e me
permiti sentir seu calor num abraço que ansiei desde o instante que o vi pela primeira vez.
— Adriana...
O murmuro dele me fez fechar os olhos. Suas mãos quentes deslizaram pelas minhas costas e
seu rosto baixou até meus ombros. Ele me apertou. Não havia conotação de nada além de duas almas
se encontrando após um longo tempo.
Meu Deus, que saudade...
O inferno podia estar prestes a me arrebatar, mas meu anjo estava me segurando, e eu sei que
ele não me deixaria cair, jamais.
A cama de casal estava no centro do quarto do hotel. Meu olhar cravou nela, e uma parte de
mim imaginou como seria se aquele casamento fosse real. Porque, bem da verdade, eu queria que
fosse.
Fechei meus olhos, ignorando o pensamento errado.
O momento na casa me trouxe uma sensação de familiaridade que não sentia desde nunca. Era
como voltar para casa após um longo e triste período numa guerra. Uma guerra de valores.
Olhei para Antony. Ele foi um cavalheiro na casa. Me abraçou e consolou, sem fazer perguntas,
deixando com que eu tentasse explicar o que vi mesmo que parecesse inacreditável.
Em nenhum momento ele debochou da minha visão. Não sabia se acreditava nela, mas se
dispôs a me amparar enquanto meu desespero tomava conta de mim.
O que foi aquilo? Quem era aquela garota?
— Eu vou dormir no sofá, ok? — ele disse, e eu assenti.
— Você é muito gentil.
— Bom, como seu marido, é meu dever ser gentil — ele brincou.
Ele devia pensar que eu era louca. Quando ele me visse tomando os remédios, teria certeza.
Afugentei as lágrimas dos meus olhos e busquei minha nécessaire com a medicação.
— Vou tomar banho.
— Certo.
E iria me medicar escondida. Eu tinha vergonha de ser quem era.
Entrei na cafeteria e meu olhar buscou Tatiana.
Quando acordei naquela manhã, levei poucos segundos para conseguir sair da paralisia. Tão
logo isso aconteceu, percebi que Antony não estava no quarto. Um bilhete ao lado da minha cama me
explicava que ele iria tentar agendar um encontro com Alex Franco.
Assim, resolvi investigar um pouco por conta própria, torcendo para que nada de ruim
acontecesse com Antony enquanto meus olhos não estavam nele.
Tatiana, a loira, estava conversando com uma velha de calçados coloridos, quando me
percebeu.
— Olá — ela me disse. — Por favor, sente-se, já vou atendê-la.
Ela era alerta e disposta. Quase saltitante.
Sentei-me perto da janela e observei Esperança pelo vidro embaçado.
Lá fora o vento forte balançava as árvores, enquanto uma garotinha tentava segurar seu gorro
de lã e puxava um cachorro pela coleira.
Era uma típica e bonita cidade do interior, mas havia um clima pesado nela, difícil explicar.
— Olá! Sou Tati! Gostaria de sugerir a omelete de hoje, Helena fez. Helena é a melhor
cozinheira de Esperança.
Sorri em sua direção.
— Acredito. Ontem comi um bolinho de canela feito por ela... Maravilhoso.
— Minha cunhada — ela sorriu, toda embevecida, o que me fez rir. — Orgulho porque meu
filho sempre vai ter a comida da tia para aproveitar, já que a mãe mal sabe fritar um ovo.
Incrível como ela não era só bonita, mas também tinha boa personalidade.
— Você é nova por aqui — Tatiana comentou. — Veio a passeio no hotel fazenda?
— Não. Meu marido está vendendo uma propriedade na cidade.
— Oh... Antony, não é? Conversei com ele esses dias.
— Ele me disse. Estamos analisando propostas... O que pensa de Alex Franco? — joguei sem
medir as consequências.
Para minha sorte, percebi que Tatiana não se fazia de rogada em falar.
— O desgraçado? — ela bufou. — Odiaria ver Franco conseguindo o que quer, apesar do
bastardo ser um sortudo e sempre conseguir.
— Por quê?
— Ele nunca me fez nada, mas não presta. Ele gosta de usar as mulheres e eu odeio homens
assim.
Fiquei curiosa com a colocação.
— Usar?
— A antiga secretária dele, Vanessa. Ela é muito legal. Mas, claro, foi colocada na rua porque
estava dormindo com o chefe. Não questiono isso, ela errou. Mas, por que só ela é punida? E ele
sequer tentou ajudá-la, simplesmente passou a ignorá-la depois que ela saiu. Então ficou noivo de
Geovanna...
— Ele disse que quer comprar a casa para a noiva.
Tati deu os ombros.
— Pode ser. Nunca o vi mais apaixonado. Ele lambe o chão que ela passa. O que é
surpreendente porque todas as outras mulheres dele era bem mais... bonitas.
Tati puxou o celular do bolso do avental e me mostrou uma foto. Era uma morena
deslumbrante.
— Essa é Vanessa. Quando conhecer Geovanna você vai entender a comparação. — Nesse
momento um homem de terno apareceu no fundo da cafeteria e Tati sorriu. — Meu marido —
apontou. — Se precisar de um advogado, ele é um dos melhores. Enfim, o que posso te servir?
— Café e omelete, obrigada.
Eu a vi entrando na cafeteria e senti que devia falar com ela. Vanessa era uma mulher muito
bonita, em torno de um metro e setenta, cabelos escuros e corpo delineado. Era do tipo de mulher que
frequentava academias todos os dias, e salões de beleza ao menos uma vez por semana.
— Olá — eu me aproximei do balcão e sorri na sua direção. — Você é Vanessa, não é?
Ela me encarou curiosa e sorriu.
— Sim, eu te conheço?
— Na verdade não, mas me chamo Adriana — estendi a mão. — Sei que vai parecer estranho,
mas posso conversar com você por alguns minutos?
Ela concordou. Não sei se foi porque não tinha nada melhor para fazer ou porque minha voz
era um pouco imperativa, devido à minha profissão.
— Então... — comecei. — Meu marido veio para Esperança porque estamos vendendo a casa
perto da saída da cidade.
— Sim, eu soube. Nada é segredo por aqui...
Assenti.
— Alex Franco está interessado. Sei que é esquisito eu falar isso, mas soube que eram
namorados, e estou tentando saber se a casa irá para uma boa pessoa. Sabe como a casa é importante
para nós, muitas coisas aconteceram nela... a família se importa muito com aquela propriedade.
Minha justificativa era risível. Mas, estranhamente, Vanessa a aceitou sem questionar.
— Eu achava que ele era um cara legal. Nós tínhamos um envolvimento muito intenso,
sexualmente — disse, sem medo. — Mas, então a empresa descobriu sobre nós, e eu fui culpada por
ter seduzido a pobre criatura.
Fiquei pasma.
— Está brincando?
— Não. Eles nos pegaram e eu fui para a rua. Estou fazendo bicos para me sustentar, enquanto
Alex está lá na Lanceiros, sendo paparicado como grande CEO que é.
Tatiana se aproximou com cafés. Agradeci a ela, enquanto meus olhos se fixavam em Vanessa.
Era claro que ela era uma mulher magoada. Me apiedei.
— Soube que ele está noivo...
— Isso sim foi surpreendente — ela pareceu se empolgar, mas eu não era capaz de entender o
motivo.
— Por quê?
— Porque a garota é feia. — Logo ela balançou as mãos, tentando reformular a questão. —
Você deve pensar que sou muito superficial, não é? Só pensando na aparência. Mas, não é disso que
se trata. A garota é feia fisicamente, sim, mas isso não importaria se ela tivesse qualidades como
simpatia ou doçura. A feiura dela é diferente. Ela tem uma coisa ruim, eu não sei explicar. Quando eu
trabalhava na Lanceiros, passava correndo pela mesa dela, odiava ter que vê-la. Não era antipática,
nem nada, mas seus olhos são... estranhos... como se ela odiasse a todos.
— E mesmo assim, Alex se apaixonou ao ponto de querer se casar com ela?
— Dizem que é uma bruxa. Bom, ela até tem um gato preto.

O quarto do hotel estava vazio. Eu não sabia onde Antony estava, mas fiquei aliviada por não
tê-lo encontrado ali.
Precisava digerir tudo que Vanessa havia me dito.
As pessoas ainda julgavam as outras pela aparência. Ser feia e ter um gato preto foi o que
bastou para acreditarem que a noiva de Alex fosse uma bruxa.
Parei na frente do espelho e me estudei. Eu não costumava fazer isso, mas de repente me dei
conta de que ninguém pensou que eu pudesse estar na cidade para algo além da venda da casa. Foi
tão fácil me tornar “esposa” de Antony, pois era pequena e delicada. Ninguém pensava que usava
uma arma embaixo do casaco. Ninguém me via como policial.
As pessoas sempre me disseram que meus olhos grandes eram a característica mais marcante
do meu rosto, e eu tinha que concordar. Meus olhos ainda acusavam a menina que foi destruída pelo
próprio pai.
Respirei fundo.
Meu passado me deixava claro que eu não podia confiar em ninguém. Contudo, estava ali
confiando cegamente em Antony, a quem eu mal conhecia.
E se ele fosse o bandido? Por que meus instintos não me alertavam isso? Por que meu corpo,
quando nos abraçamos na casa, não sentiu a costumas repulsa e pavor?
Eu funguei.
Um pequeno sorriso se formou em meu rosto enquanto eu desviava meus pensamentos para a
possibilidade de estar me tornando mais forte. Quem sabe minha amizade com Antony pudesse ser a
primeira de minha vida, onde eu me curaria de tanta dor?
Eu devia arriscar, não devia?
Capítulo 8

Antony
O quarto de casal era talvez pior que o de solteiro. Isso me fez pensar na possibilidade de
conseguir outro abrigo. Eu queria dar algo melhor a Adriana, algo confortável onde ela pudesse se
sentir...
Balancei a fronte.
Não sei dizer o que aconteceu quando nos abraçamos na casa. Meu corpo inteiro vibrou numa
onda de calor e carinho. Pela primeira vez vi naquele olhar um pouco da fragilidade de mulher que
existia nela e que ela, bravamente, tentava esconder.
Me informei sobre o hotel fazenda e jurei ir lá no dia seguinte. Usei, contudo, minhas horas
para falar com Alex e conseguir um encontro com ele e a noiva.
Fui até a Lanceiros e aguardei um bom tempo até conseguir falar com ele.
— Sinto muito fazê-lo esperar — ele me disse quando entrei no seu escritório. — Minha noiva
está de férias e eu só consigo incompetentes para o lugar dela. Ninguém me disse que estava
aguardando.
— Sua noiva trabalha com você?
— É minha secretária.
— Deve ser bom passar o dia juntos.
— Oh, sim... Geo e eu combinamos muito. Tê-la aqui é a melhor parte da minha vida.
Ele me apontou uma cadeira diante da sua mesa e eu me sentei.
— Minha esposa chegou à cidade...
— Esposa?
— Sim...
— Não sabia que era casado.
O que era aquele tom? Parecia incomodado.
— Adriana e eu nos casamos há pouco tempo. Enfim, não quero roubar seu tempo, apenas...
Adri gostaria de conhecê-lo antes de fecharmos negócio, e eu pensei que pudéssemos jantarmos
juntos.
Ele assentiu.
— Será um prazer.
— Ei! Minha cara está aqui em cima!
Não foi minha culpa. Ela estava simplesmente deslumbrante naquele vestido de cetim. Seus
seios pareciam melões maduros preparados para serem degustados na sobremesa.
Sorri, evitando o pensamento.
Não haveria sobremesa. Nosso casamento era uma farsa. O que era estranho, porque eu
realmente a sentia como minha... Minha esposa...
— Desculpe — murmurei. — Não me leve a mal, você é muito bonita.
Ela enrubesceu. Era estranho que uma mulher adulta enrubescesse com um elogio tão simples.
Havia ali uma emoção indecifrável brilhando.
— Não sou acostumada a usar roupas assim — ela avisou. — Me sinto deslocada em usar
roupas sociais. Como engenheiro você deve vestir ternos com frequência.
Eu riria se ela não estivesse tão séria.
— Bom... eu uso ternos para assinar negócios — expliquei, puxando a manga do paletó. —
Mas, normalmente eu trabalho em casa. Sou projetista, e costumo trabalhar sozinho no meu estúdio,
no apartamento. Então, acredite, tem dias que eu uso só cueca.
Volvi minha cabeça e a vi me olhando em estado de choque.
Eu fiz uma careta para Adriana.
— O que foi?
— Sério? De cueca? Você é muito... hum... informal — declarou.
— Eu sou de aquário — pisquei meu olho direito para ela.
— O que isso quer dizer?
— Não faço ideia, mas uma ex namorada minha adorava esse negócio de signos e dizia que
todos os aquarianos são assim, livres.
Estendi minha mão para ela, e saímos do quarto do hotel sem dizermos mais nada. Lá fora,
enquanto aguardávamos o táxi, a percebi esfregando o braço, com frio.
— Quer meu casaco?
Não esperei resposta e o tirei, entregando-o para ela. Foi estranhamente familiar vê-la usando
aquela roupa masculina, como se fosse preparada para isso.
Para mim...
Podíamos ter ido a pé até o apartamento de Alex, se soubéssemos que era tão próximo do
hotel, pois três minutos depois de entrarmos no carro, paramos diante de um enorme edifício, talvez o
maior da cidade (qualquer coisa com mais de três andares parecia gigante em Esperança), e fomos
direto para a portaria.
Não havia porteiro e entramos direto. Parecia que ninguém se preocupava com segurança ali, o
que era inacreditável, levando-se em conta de que eu vivia em Porto Alegre e segurança era uma
questão não resolvida na região metropolitana.
Subimos de elevador até o quinto andar, e eu me lembrei da piada...
— O quinto dos infernos — Adriana murmurou ao meu lado, completando meu pensamento.
Senti o ar congestionando no meu peito, e tudo em mim tornou-se certeza de que nós havíamos
nos encontrado ali naquele fim de mundo por um motivo... e essa razão não era morte nem dor, era
algo além das explicações razoáveis.
A porta abriu e fomos diretamente para o apartamento de Alex. Ele havia me mandado uma
mensagem à tarde avisando sobre o jantar formal, mas verdadeiramente eu não sabia o que esperar.
Como seria sua noiva? Aquele homem estava desesperado em conseguir a casa exatamente
porque esse era o desejo de sua garota. O que um homem era capaz de fazer para ter sua mulher
feliz?
Eu não sabia, exatamente. Eu nunca tive alguém assim, alguém mais importante que o oxigênio.
Meus olhos, de relance, focaram-se na dama ao meu lado.
Deus, como ela era linda. Eu tentava não me ater muito nisso, não nessas circunstâncias, mas
estava difícil. Desde que nominei Adri como minha esposa, mesmo que não o fosse, mesmo que tudo
fosse uma encenação, em meu íntimo, eu o sentia como se tudo fosse real.
Parecia real...
Daqueles sonhos que você não quer acordar.
Toquei a campainha.
A porta abriu e eu vi uma mulher magra de queixo proeminente e cabelos atados de forma
severa, num coque repuxado. Ela era muito jovem, mas tinha uma coisa... como se sua alma fosse
milenar.
— Olá. Sou Geovanna.
Essa era Geovanna? A noiva? Não que eu fosse do tipo que olhasse para a beleza de um
homem, mas Alex era como um modelo de revista, e essa garota parecia... nem sei dizer... ela era
estranha.
— Muito prazer. Sou Adriana. — Ela volveu para mim. — Esse é meu marido, Antony.
Nos cumprimentamos. As mãos de Geovanna eram frias.
Logo ela nos deu passagem e adentramos um ambiente extremamente moderno e de móveis
caros. O apartamento de Alex era antagônico a casa que eles queriam comprar. Então, por que a
desejavam?
— Alex e eu não sabíamos que Antony era casado. Ficamos surpresos com a novidade —
Geovanna disse, apontando o sofá.
Logo Alex surgiu na porta, um sorriso no rosto e uma taça nas mãos.
— Estou preparando uma massa bolonhesa. Desejam um vinho?
Eu aceitei, mas Adriana negou. Enquanto uma taça me era servida, um gato preto pulou no sofá,
ao lado de Adri.
— Oh, como ele é lindo — ela murmurou, e eu percebi que gostava de animais.
— Gosta de gatos? — a outra perguntou.
— Gosto. Mas, nunca pude ter. Eu trabalho quase direto...
— Não saberia viver sem o Sr. Shin — Geovanna murmurou.
— Que nome interessante. S.r. Shin... — comentei.
— Já leu Kinshi na Karada?
— Não.
— Devia ler.
Por quê?
— É uma homenagem ao personagem?
— Não. Eu acho que meu gato meio que tem a alma daquele personagem. Acredita em almas,
S.r. Weiss?
Ela sabia meu sobrenome e era muito formal em falar comigo.
— Antony, por favor — corrigi. — E não sei dizer se acredito. Sou o tipo de pessoa cética.
— Mas acredita em signos — Adriana debochou e eu quase gargalhei.
— Sério? Acredita em signos? — Geovanna indagou.
— Minha esposa está brincando.
Alex sentou-se ao lado de Geovanna e segurou seus dedos. Eles eram tão estranhos, mas
incrivelmente encaixados, como se fossem feitos um para o outro.
— Que bom que não acredita em fantasmas. Muitas pessoas têm crenças aqui em Esperança.
Superstições ridículas. A casa é o centro delas — ele explicou. — Comprá-la e construir uma família
lá será nosso jeito de trazer luz a cidade.
Não parecia. Não sabia dizer por que eu achava isso, mas sentia algo sinistro por trás das
palavras. Olhei de relance para Adriana e a senti me observando, também.
— Ainda não temos certeza se devemos vender — Adriana comentou, o que me deixou
surpreso.
Todavia, não a contradisse. Deixei que ela estudasse o semblante do par a minha frente e
percebi que ambos esconderam a irritação diante da novidade.
— A casa está abandonada a muito tempo. Para que mantê-la...?
— Nós pensamos que talvez possamos nos mudar, não é querido? — ela indagou na minha
direção e tudo que eu queria dizer é “você ficou louca?”.
— Se mudar para Esperança? — Alex questionou. — Por que desejariam isso? Essa cidade
é... ela é uma merda.
Então por que você mora aqui, cara pálida?
— Não penso assim. É uma cidade bonita — apontei.
Não era verdade, mas se Adriana queria ir por esse caminho, eu lhe daria cobertura.
Nosso assunto foi cortado pelo levantar-se de Geovanna.
— Vou preparar a salada. Deseja me acompanhar, Adriana?
Para ajudar minha esposa de mentira, eu precisava descobrir mais. A melhor coisa a fazer era
puxar conversa com Alex.
— Então, como vai o trabalho? — Eu perguntei casualmente.
Ele tomou um gole de vinho.
— Está tudo bem.
Eu balancei a cabeça, sem realmente saber o que dizer.
— E você trabalha com quê? — ele perguntou, olhando para mim com expectativa.
— Trabalho para o governo. Engenharia de energia.
Um sorriso se formou em seu rosto.
— Uma das profissões mais promissoras que existe. Você deve ganhar muito bem.
— Dá para viver.
— Então pensa em se mudar para Esperança?
— Minha esposa pensa. E, você sabe como é... Nós fizemos de tudo para vermos nossas
mulheres felizes.
O sorriso desapareceu enquanto ele pareceu interessado em sua taça de vinho.
— Sim, nós fizemos de tudo por elas.... — disse ele, tomando outro gole.
— Percebi que seu apartamento é muito moderno, mas sua noiva gosta da casa, que é antiga...
Deve ser difícil para você estar tentando um imóvel que nem deve lhe atrair.
— Eu amo a casa, também — ele apontou e eu estranhei a frase.
Havia um tom amargo em sua voz que chamou minha atenção. Você pode gostar de uma casa,
gostar de um objeto..., mas amar? Algo que nem é seu?
Nossa conversa foi interrompida quando Adriana entrou na sala de estar e anunciou que o
jantar estava servido. Alex imediatamente começou a olhar para Adriana, fazendo-a engolir em seco,
nervosa.
Meu instinto quase me fez confrontá-lo, mas me contive.
Quando chegamos à sala de jantar, Geovanna terminava de colocar os pratos. Em silêncio,
todos se serviram, exceto Adriana. Ela estava rasgando o pão no prato, pensativa.
— O que você faz da vida, Adriana? É dona de casa? — Geovanna indagou.
— Sou policial. Estou de folga.
— Isso é maravilhoso. Uma profissão tão masculina, gosto quando uma de nós chega a ela. E
planejam ter filhos?
Adriana afastou a franja para o lado e olhou para o pão com desconforto. Ela abriu a boca para
responder quando Alex se adiantou.
— Esperança não é um bom lugar para ter filhos — Alex apontou. — Não temos boas escolas.
Adriana franziu a testa levemente.
— Não estamos preocupados com isso no momento.
De repente, tudo estava assustadoramente quieto e todos começaram a comer como se fossem
forçados a isso.
Começamos a andar em direção ao hotel, em silêncio, naquela noite fria de Esperança.
Abri minha boca para dizer algo para Adriana, mas não sabia o que dizer. Aos poucos,
conforme o jantar prosseguiu e as questões sobre filhos e casamento se aprofundavam, senti que ela
ia murchando, como uma flor sem água.
Ela estava infeliz.
E não sei por que, sinto-me solidário.
Eu imediatamente balancei minha cabeça para me livrar de pensamentos de pena. Não havia
razão para eu sentir pena dela. Adriana era uma profissional interpretando um papel. E o único
motivo pelo qual ela estava comigo naquele jantar essa noite era porque, de alguma maneira ou por
algum motivo, ela acreditava que um dos interessados pela casa podia ter algo a ver com o
assassinato da jovem Eduarda.
— Estou pensando em nos hospedarmos no hotel fazenda — comentei. — Olhei as instalações
via internet e são melhores que o hotel do centro.
Girei para observá-la depois de minha frase e me peguei em uma espécie de transe. Seus olhos
brilhavam com as lágrimas que ela lutava para conter e havia uma expressão de dor em seu rosto.
Não era preciso ser um gênio para descobrir que essa noite mexeu com algo íntimo.
— Eu nunca vou ter filhos — ela murmurou.
— Por quê?
Ela negou com a face. Depois, voltou a andar. Contudo, me vi segurando seu braço, puxando-a
de volta. Imediatamente, percebi meu gesto e a soltei suavemente, olhando para ela com curiosidade.
O cheiro doce de seu perfume encheu minhas narinas e meu peito apertou um pouco.
— Seria bom sairmos desse hotel e irmos para um lugar melhor — ela concordou com a
primeira questão, ignorando a mais importante. — Você pode pedir um quarto duplo no hotel
fazenda?
Assenti.
A lua brilhou no céu e meu coração se afundou enquanto a percebia voltar a andar como se
nada tivesse acontecido.
Capítulo 9
Adriana

O meu celular vibrou no conhecido ritmo do despertador. Sentei-me na cama e apertei o botão
de desligar do meu alarme antes de olhar pela janela com melancolia.
Agora eu entendia o que Vanessa havia dito. Entendia por que Geovanna era feia.
O sol raiava lá fora de forma bonita, mas minha alma estava devastada. Geovanna fora a
responsável. Em poucas horas e sem nenhuma ofensa ou agressividade, ela me lembrou de tudo que
fugi desde então, em especial a certeza de que nunca viveria uma história de amor e jamais teria um
bebê.
As indagações foram uma punhalada no estômago. Era como se ela soubesse exatamente o que
perguntar e como levantar as questões. Claro, era ridículo culpá-la, não havia como ela saber como
aquele assunto me incomodava, mas a cada comentário feito sobre crianças o rosto dela parecia
trazer uma perturbação, uma satisfação em me ver sofrer.
A verdade? Meu pai destruiu todas as minhas esperanças. Eu era tão traumatizada por ter sido
molestada quando criança que não conseguia deixar ninguém se aproximar de mim. Sequer conseguia
imaginar um homem me tocando, quanto mais fazendo amor comigo.
Tentei terapia, mas simplesmente os cinco meses enfiada em um consultório não bastou para
me fazer falar do assunto. Eu não conseguia dizer, sequer pensar, sobre tudo que sofri. Depois, tentei
ficar amiga de alguém, mas qualquer toque me enojava, me deixava com o coração palpitando, medo
e repulsa invadindo minha alma.
Até Antony...
Eu já o havia abraçado, colocado a mão em seu braço, sentido seu cheiro perto de mim. E não
havia surtado. Isso poderia ser uma boa coisa, talvez até o princípio de algo aquém da dor..., mas...
Deus... ele me desprezaria quando soubesse o quão complicada eu era.
Antony não sabia dos remédios, das crises de ansiedade, da depressão. Ele só sabia do terror
noturno, e eu não havia tido nenhuma crise desde que passamos a dividir o quarto, mas quando ele
visse...
Meu rosto se contraiu em uma carranca leve antes de eu me desvencilhar e sair da cama,
calçando os chinelos. Eu me arrastei para o banheiro e peguei minha escova de dentes. Minha
nécessaire estava na bancada, e logo busquei o remédio da manhã. Aproveitei o isolamento do quarto
– já que Antony não estava ali, provavelmente saiu para tomar café – para me medicar.
Eu estava terminando de engolir o comprimido de escilatopram quando meus olhos
percorreram o reflexo do espelho para encontrar o rosto divertido de Antony entrando no quarto.
Meu coração saltou no meu peito com a intensidade do seu olhar e meus dentes cravaram mais fundo
no meu lábio.
— Consegui um quarto no hotel-fazenda. Falei com a proprietária, Patrícia. Ela nos espera lá
ainda hoje. Deus, estou tão feliz de sair desse lixo.
Sai do banheiro em direção a ele.
— Sério? Não nego que outro colchão salvaria minha coluna.
Antony riu. Meus olhos se arregalaram quando Antony passou os braços em volta da minha
cintura e me puxou para seu corpo.
O que diabos ele estava fazendo?
— Tem cavalos lá, Adriana! — disse, animado, o espírito de uma criança, e sua demonstração
de proximidade tinha um motivo: percebi que ele estava ansioso para ficar perto dos equinos.
Não havia malícia em seu toque, mas arrepios começaram a se formar na minha pele quando
seus dedos roçaram minha cintura suavemente. Meu estômago embrulhou rapidamente e eu lentamente
tentei me soltar de seus braços para que ele não me apertasse até a morte. Eu tossi baixinho, tentando
demonstrar o quão esquisito aquilo era – apesar de ser bom -, mas o homem não se mexia.
E o mais estranho? O toque não me incomodava.

Patrícia era uma mulher lindíssima, de aproximadamente trinta e dois anos, de postura ereta e
olhar atento. Eu gostei dela assim que a vi, aquele instinto de policial que sabe que está diante de
uma boa pessoa.
— O quarto é muito romântico — ela me disse, com um sorriso nos lábios. — Vocês passarão
uma ótima estadia aqui. Além disso, é limpo. Diferente do dono do hotel, eu mando limpar os
quartos, trocar lençóis, etc. Sinto muito, mas vocês devem ter dormido em uns cinco anos de pó
acumulado.
Antony pegou a chave, enquanto eu girava em direção ao hall de entrada, observando a fazenda
ao longe. Era possível ver os cavalos cavalgando livres, enquanto uma vaca mordiscava a grama.
Respirei fundo, adorando o ar, livre da poeira daquele hotel vagabundo de Esperança.
Logo senti a mão de Antony na minha, me guiando para uma das cabanas. Havia um calor em
seu toque que fez meu coração transbordar.
Quando chegamos diante da pequena cabana, ele abriu a porta e me deixou entrar primeiro.
— Não pedi duas camas para não desconfiarem, mas dormirei no sofá sem problemas.
Eu sorri.
— Nós podemos intercalar sobre a cama. Eu posso dormir uns dias no sofá...
— Eu não seria homem se permitisse isso — negou. — Você parece cansada. Está tudo bem?
Eu queria dizer a ele que não. Queria me abrir com essa pessoa que conseguiu adentrar meus
muros de proteção. A única pessoa que me deixava confortável no mundo. Todavia, o som do meu
telefone interrompeu o momento.
— Com licença — pedi, me afastando em direção a uma das janelas.
Enquanto Antony colocava as malas na cama, eu observei o visor. Davi. Praguejei baixinho,
sabendo que ainda não havia entregado meu relatório.
— Sim?
— Adriana? Como está a investigação?
— Ainda colhendo informações.
— Liguei para a polícia local e ninguém a viu.
— Estou à paisana, como você ordenou.
Ele ficou em silêncio alguns segundos.
— Acho que deve voltar, Adriana. Já está a alguns dias aí e não me deu nenhuma informação
relevante. Preciso de você aqui.
Eu não podia voltar. Eu precisava ficar na cidade porque se eu vi aquele assassinato em uma
das minhas visões, era claro que a alma daquela jovem clamou por justiça. E só eu podia dar isso a
ela.
— Eu penso...
— Está decidido.
Não estava.
— Tenho três anos de férias não compensadas. Poderia solicitar minha dispensa?
Silêncio novamente.
— Fui informado que uma mulher chegou à cidade. A esposa de Antony Weiss, atual
proprietário da casa onde ocorreu o assassinato. Só há um problema. Antony é solteiro. Diga-me,
Adriana, o que diabos você está fazendo?
— Trabalhando. E, se me permitir, capturando um assassino.
Eu ouvi seus dedos batendo na mesa num ritmo frenético. Quase podia visualizá-lo, irritado.
— Não gosto disso, Adriana. — Ele suspirou e o tom baixou. — Não gosto de sabê-la perto de
outro homem.
Ali estava, alguém me sufocando. Minha vontade era desligar o telefone na sua cara e correr
para os braços de Antony, que nunca me apressava, nunca me forçava, estava sempre sorrindo para
mim.
— Solicito minhas férias — retifiquei.
— Vai ficar em Esperança?
Não era da conta dele.
— Por favor, me informe quando estiver liberada para eu assinar o recibo de férias.
E então desliguei.
Meus dedos deslizaram pela enorme mesa de carvalho. Eu podia sentir a poeira se acumulando
sobre minha pele conforme o movimento seguia.
Tudo estava sujo. A mesa, a casa, a alma...
— Oi filhinha...
Ergui meus olhos e observei uma menina de cabelos compridos sentada no chão, brincando
com uma boneca. Diante dela, um homem a observava com olhos atentos, olhos de caçador.
Quis fechar meus olhos, não ver. A dor era tão insuportável que meu coração ardeu como se
estivesse em chamas.
O homem agachou-se. Eu sabia o que se seguiria. Eu tinha seis anos quando meu pai me
mostrou seu pênis pela primeira vez, e me forçou a tocá-lo.
Consegui sair do torpor e dei as costas para a cena horrenda, os olhos fechados, querendo
esquecer aquele momento que ainda era cravado em minha alma.
Na minha semiconsciência, entendia que a casa estava me mostrando minhas dores porque
queria me punir, eu era um obstáculo em sua venda. Neguei com a face, era loucura.
Subitamente, passos próximos. Abri meus olhos para ver o ser manco. Próximo dele, Antony
estava de joelhos, os olhos assustados, e meu instinto era correr e salvá-lo, mas não conseguia me
mexer.
De repente, um tiro. A pessoa embaçada e de caminhar estranho havia estourado a cabeça de
Antony diante dos meus olhos.
Gritei. Lágrimas deslizando em desespero pela minha face. Tentei me aproximar, mas estava
cravada no chão.
— Você é sempre uma vagabunda que nunca sai do meu caminho — a pessoa disse me
encarando.
Eu não conseguia identificar sua voz, mas sentia sua raiva. A arma ergueu na minha direção.
Fechei meus olhos. Era o fim.

— Adriana! Adriana!
Eu estava com muita dor.
— Adriana! Acorde!
Eu podia ouvir a voz de Antony ao meu redor e queria abrir meus olhos, mas eles pareciam tão
pesados. Eventualmente, a voz sumiu e eu senti a sua mão segurar a minha, fria.
— Está tudo bem, Adriana. Estou aqui com você.
Meu coração doeu quando o ouvi divagar sobre o fato de eu não estar sozinha. Não mais. Isso
era tudo que eu precisava ouvir. Lentamente abri os olhos com grande esforço.
Antony não estava morto, a visão que tive foi apenas um perturbador pesadelo. Antony estava
ali, sentado na minha cama, sua mão agarrando firme meu braço, seus olhos gentis expressando um
cuidado que eu jamais vi em outra pessoa.
Ele me puxou para mais perto, me fazendo sentar, de modo que ficamos a apenas alguns
centímetros de distância.
— Você teve um pesadelo, mas está tudo bem...
Não, não estava. Eu o vi morrer. Isso era pior que a minha própria morte. Eu mal o conhecia e
ele já era a pessoa mais importante que tive.
Minhas narinas dilataram e eu tremi. Esse homem seria a razão da minha vida se eu não fugisse
agora. E era o que eu devia fazer. Voltar ao abrigo da minha paz, esquecer tudo que ele estava
causando no meu íntimo com seu sorriso e gentileza.
Desviei meu olhar do dele e observei a janela. Era madrugada. Grilos com seus cricrilar era
tudo que soava lá fora.
— Antony, você pode me soltar agora — eu disse, me remexendo em seu aperto.
Ele imediatamente me soltou e se afastou.
— Desculpe, esposa — sorriu. — Você me assustou. Você gritou meu nome, e eu acordei
achando que estavam te matando — ele riu.
Ele conseguia transformar a vergonha do terror noturno em algo engraçado.
— Sinto muito.
— Ei... tudo bem... — ele tocou minha face, com cuidado.
Eu o encarei com os olhos arregalados, enquanto ele tinha o mesmo olhar surpreso em seu
rosto, como se ele não pudesse acreditar que tinha acabado de me tocar com tanta intimidade.
Seus olhos estudaram meu rosto intensamente antes de ele lentamente se inclinar mais perto e
esmagar seus lábios nos meus com força.
Isso estava realmente acontecendo? Antony estava me beijando? Eu estava permitindo?
Meu primeiro beijo, forte o suficiente para despertar algo em mim, tornando-me capaz de
responder aos lábios contra os meus.
Para meu choque total, Antony gemeu baixinho em aprovação à minha resposta e se aproximou
de mim, envolvendo os braços em volta da minha cintura novamente. Ele puxou meu lábio inferior em
sua boca, me fazendo engasgar. Usando a abertura a seu favor, ele lentamente deslizou sua língua em
minha boca e emaranhou com a minha.
Ao longe pude ouvir um galo cantando. O despertar de um dia... o despertar de uma mulher.
Eu imediatamente gemi com o gosto másculo e mordi seu lábio inferior. Ele grunhiu e me
apertou, tentando trazer nossos corpos impossivelmente mais próximos. Coloquei meus braços em
volta do pescoço e emaranhei meus dedos em seus cabelos macios. Antony arrastou uma mão pelas
minhas costas enquanto segurava firmemente minha cintura com a outra.
Meu corpo parecia estar pegando fogo. A coisa toda parecia tão surreal, e eu podia sentir que
estava ficando tonta. Na verdade, foi realmente surpreendente que, pudéssemos nos beijar tão
apaixonadamente sendo que mal nos conhecíamos.
Não era verdade...
Nós nos conhecíamos. Muito antes daquele encontro no hotel. Quando eu o vi pela primeira
vez, minha reação foi de reencontro, não de acaso. Eu não sabia mais como descrever, mas sabia que
era real. O que eu sentia, era real. Era como se a eletricidade estivesse fluindo entre nós enquanto
nossos lábios se enredavam em sua própria pequena dança, nossas almas fundidas muito mais que a
carne de nossas bocas.
Depois de alguns minutos, comecei a me afastar para recuperar o fôlego, mas Antony gemeu e
colocou a mão no meu pescoço para me segurar no lugar. Empurrando seu peito ligeiramente, eu
liberei meus lábios de seu aperto. Nós dois estávamos respirando pesadamente, e seus olhos estavam
escuros enquanto ele olhava para meus lábios com fome. Afastei-me quando ele se inclinou para me
beijar novamente.
— Antony, não é certo... — Eu ofeguei.
Ele permaneceu firme.
— Como não pode ser certo?
Senti meu coração apertar.
— Quantos homens você já beijou? — ele perguntou, correndo o polegar sobre o meu lábio
inferior.
Engasguei-me.
— O quê?
— Este foi o seu primeiro beijo? — Antony perguntou.
— Como você sabe?
— Você esteve esperando por mim, Adriana. Me sinto um canalha por não ter tido a mesma
postura.
— Como assim?
De repente, ele pareceu sair do transe. Ergueu-se e se afastou, as mãos nervosas percorrendo
seus cabelos, o olhar assombrado fugindo do meu.
— Peço perdão. Não sei o que aconteceu. Sinto muito, não era minha intenção me aproveitar...
— Está tudo bem — disse porque era como eu me sentia.
Bem...
Talvez tenha sido a primeira vez na minha vida inteira que eu estava tranquila, sem o peso de
todo um passado me sufocando ao ponto de me matar.
— Eu não quero te assustar — ele murmurou.
— Não estou assustada.
— Eu estou assustado — ele admitiu, me fazendo arregalar os olhos. — Nunca fui assim, com
mulher nenhuma. Mas, com você... desde a primeira vez... quando eu te vi entrando no quarto do
hotel... Deus, nem sei o que está acontecendo comigo.
De repente ele girou em direção à porta.
— Aonde você vai?
— Sei lá... caminhar.
— Ainda é madrugada.
Ele assentiu.
— Desculpe Adriana. Não sei se consigo ficar nesse quarto com você mais uma noite sem
sentir seus lábios novamente. Talvez de manhã eu peça um outro quarto.
E saiu.
Fiquei pasma, sentada na cama, sua ausência como um espinho na carne.
Capítulo 10
Antony
O sol estava nascendo no horizonte. Se as pessoas tivessem noção do espetáculo dado nos céus
todas as manhãs, provavelmente não ficariam dormindo naquele horário.
Sentei-me no gramado ainda repleto de orvalho, o coração aos saltos, uma sensação de
vergonha tomando conta de mim.
Aquela mulher me deu sua confiança quando aceitou dividir o quarto comigo, e eu me
aproveitei disso... Era tão errado. Mas a sensação de seus lábios moldando-se contra os meus fez
meu coração bater forte no peito. Ela provavelmente tinha os lábios mais suaves que já beijei.
Lambi suavemente meu lábio inferior e grunhi baixinho.
Adriana tinha um gosto bom. O leve sabor doce encheu minha boca, me deixando com fome
por mais dela.
Por que meu estômago estava se revirando de tanta excitação?

Entrei na cafeteria e meu olhar buscou por Tatiana. Ela estava sorrindo para um homem
moreno, mas quando me viu, balançou as mãos, me chamando para me aproximar.
— Meu marido — ela nos apresentou, e eu prontamente estendi minha mão que foi apertada
por ele. — Bruno Gatti.
— Marido... — ele debochou. — Porque insisti muito, né querida? Ela queria se ajuntar — ele
contou, na minha direção. — Odeia casamentos.
— Sou de aquário — aquilo parecia a maior justificativa do mundo. — Aquarianos só se
casam se forem forçados. Olhe a Shakira e o marido dela, juntos há anos, sem precisar da falsidade
de uma cerimônia que ninguém respeita.
— Eu respeito, Tatiana.
— Você respeita a mim, não a cerimônia.
— Deus, o que eu tenho que ouvir — ele suspirou. — Oh, não sei seu nome...?
— Antony Weiss. E sou de aquário também.
Bruno riu, e eu percebi que havia muito carinho naquele homem pela esposa.
— Ah, você é o proprietário do Casarão? Bom, tenho que ir trabalhar. Vamos conversar
qualquer hora, soube que é novo na cidade. Minha esposa adorou a sua — ele apontou.
Quem não adorava Adriana?
— Será um prazer.
Quando ele saiu pela porta, voltei-me para Tatiana. Precisava desesperadamente desabafar
com alguém e não via outra pessoa naquela cidade capaz de atrair minha amizade.
— Será que você tem um tempo para uma conversa?
A cafeteria estava praticamente vazia, ainda era muito cedo e havia acabado de abrir. Eu sabia,
pelos poucos dias em Esperança, que a cidade não funcionava antes das 09 da manhã, com exceção
da cafeteria.
Tatiana apontou uma mesa e eu sentei-me numa cadeira. Ela se sentou na minha frente, e
aguardou. Minha expressão era indecifrável, eu sabia, mas precisava confiar em alguém e sentia que
ela era possivelmente alguém com quem eu podia falar.
— A gente se conhece a pouco tempo...
— Somos irmãos de signo — ela fez um V de vitória com os dedos, o que me fez rir.
— Deve ser por isso que sinto como se fosse uma amiga. Sabe? Simpatia à primeira vista. Por
favor, não leve para o mal sentido e ache que eu esteja te cantando...
— Não estou pensando isso...
— É que deve ser estranho um cara que chegou a uma semana te buscando para conversar...
— Está tudo bem — ela disse. — Você parece preocupado.
Eu assenti.
— O que eu vou dizer, deve ficar entre nós. Porque envolve algo criminal.
— A investigação sobre o assassinato que ocorreu na sua casa?
— Isso.
— Certo, ficarei de boca fechada.
Mordi meu lábio inferior, enquanto esfregava minhas mãos geladas.
— Adriana é policial...
— Ok.
— E não é minha esposa.
Ela arregalou os olhos.
— Ela está à paisana investigando... Nosso casamento é um disfarce.
— Que romântico!
Eu quase ri.
— O que tem de romântico nisso?
— Como não? Parece um dos romances da Nana Pauvolih.
Neguei com a face.
— Está mais para um conto de terror do Stephen King.
— Mas, então... vocês estão apenas fingindo uma relação para pegar um assassino. Por que
parece que há algo errado?
Eu gemi, esfregando meu rosto com força.
— Eu a beijei.
— Oh... — ela suspirou.
— E eu gostei.
Seus olhos brilharam.
— E ela correspondeu?
— Eu não sei...
— Como você não sabe?
— De começo sim, mas daí ela me empurrou...
— Oh, ela ficou confusa e assustada com seus próprios sentimentos — ela suspirou e juro que
vi coraçõezinhos saindo dos seus olhos.
— Eu não quero ser um canalha forçando algo.
— Um beijo e você está apaixonado por ela.
Eu cerrei meus dentes.
— Eu nunca disse isso.
— Então negue — exigiu.
Revirei meus olhos.
— Não consigo — sorri.
— Ah! Perfeito! Que começo de uma história de amor! Daria um livro!
Inclinei-me para frente e olhei para ela.
— O que eu faço?
— Viva isso. Porque não é todo dia que um aquariano se apaixona. Então aproveite.
Capítulo 11
Adriana

Ele tinha uma expressão vazia no rosto. Abri a boca para falar, mas ele entrou no quarto
parecendo não ansioso para trocar palavras.
De alguma forma, eu conseguia saber o que ele estava sentindo. Sua aura estava clara para
mim. Era culpa. Um sentimento que não era comum ver em homens, não ao menos na minha profissão
ou família.
— Eu não queria ter te assustado — ele murmurou. — Nem devia ter dito o que disse quando
sai do quarto. Não sou um animal que não pode se controlar. Apenas, quando eu olho para você... É
como se eu quisesse passar o resto da minha vida ao seu lado.
— Com certeza é apenas uma reação por conta de eu representar segurança.
— Eu não sei — ele foi brutalmente franco. — Eu nunca me senti assim antes. Não sei o que
esperar.
Antony suspirou de frustração. Antes que eu pudesse reagir, ele se aproximou e ficou a
centímetros de mim.
— Eu tenho alguma chance?
Ninguém tinha. Mas, se alguém tivesse, seria ele.
— Quando tudo isso passar, isso que você está sentindo vai passar também.
— E se não passar?
Iria passar. Quando ele visse os remédios, as crises, as mudanças de humor, quando eu ficasse
paralisada em qualquer intimidade. Não há amor que resista a uma coisa tão destroçada quanto eu.
Amor?
Meus olhos se arregalaram.
Havia amor. Estava ali, no bater intenso no meu peito. Mas, era só da minha parte. Porque eu
via o homem incrível que ele era e me encantei por ele. Já Antony via apenas a encenação da policial
forte. Quando ele soubesse o quão frágil eu era, ele me deixaria. E perdê-lo seria...
Fechei meus olhos.
Perdê-lo seria meu fim.
Suas mãos gentis tocaram meu rosto, enquanto sua face baixava, seus lábios capturando os
meus.
Era como um sopro, tão doce que eu podia sentir o chão sumindo dos meus pés.
Meu corpo vacilou, mas Antony me pegou firme. Não havia como escapar, mesmo que eu
soubesse que isso me faria sofrer.
Subitamente, seus lábios deixaram os meus.
— Quer andar a cavalo?
Eu sorri.
— Não estou aqui de férias.
— Achei que tinha dito para seu chefe que estava.
Ele ouviu?
— Você é um bisbilhoteiro, sabia?
— Na verdade, tudo sobre você me interessa.
Eu enrubesci como uma adolescente.
— Então, vamos?
— Não — recusei. — Quero voltar na casa. Verificar novamente o lugar onde Eduarda foi
morta. Saber se não deixei algo passar.
— Posso ir com você?
— Eu prefiro ir sozinha. Não me leve a mal, você me desconcerta — brinquei.
O sorriso mais lindo do mundo se formou em seus lábios.
— Certo. Mas, mais tarde vamos jantar juntos?
— Eu mal posso esperar.

O que havia ali que me causava essa sensação poderosa de que alguma coisa não estava bem
explicada?
Andei pelos corredores, observando cada detalhe na parede, cada móvel, cada quadro antigo
que ornava o lugar. As teias de aranha davam um ar sinistro no ambiente, mas o imaginei, por algum
momento, limpo e arrumado. Seria um palacete maravilhoso, quase um palácio dos contos de fadas.
Quem construiu a casa?
Uma parte de mim sabia que havia sido um homem lá por 1800 e alguma coisa. Antes ou
depois da guerra dos farrapos? Por quê? Para a esposa, que diziam ser muito bela e jovem? Ele a
matou, não foi isso?
Onde ouvi essa história?
Tentei buscar na mente, mas não conseguia me lembrar quem me contou sobre isso. Respirei
fundo, voltando a andar.
O irmão de Antony foi o último morador. André se matou entre aquelas paredes, mas antes dele
muito ali morreram. A tragédia seguia a casa.
O som de passos atrás de mim me fez buscar minha arma por puro instinto. Erguia-a na direção
de um jovem rapaz tatuado, que subiu as mãos em sinal de rendição.
O estudei por alguns segundos. Era um rapaz bonito, cabelos escuros, pele clara, um sorriso
doce nos lábios.
— Desculpe, não queria assustá-la, mas a vi entrando sozinha na casa, e depois do que
aconteceu àquela moça... enfim... vim alertá-la de que não é seguro. Meu nome é Victor — ele me
estendeu uma das mãos e manteve a outra erguida.
Estudei seu rosto bonito e não vi malícia, então aceitei o cumprimento, fazendo um movimento
para guardar a arma e para ele baixar as mãos.
— Está tudo bem, a casa é de meu marido — contei.
— Oh! É mesmo? Que bela herança, hem? — ele brincou. — Mesmo assim, se me permite,
essa casa não é ambiente para uma mulher sozinha. Sabe? Esse negócio de fantasmas e assassinatos...
Enfim, posso acompanhá-la a saída?
— Não é necessário.
— Eu vi que está armada, mas as coisas que vivem nessa casa não serão feridas pela sua
pistola.
Eu sorri.
— Acredita em fantasmas?
— Não ria. Mas, eles existem.
— Certo — neguei com a face.
— Estou falando sério. Sabe a história dessa casa? Só tragédia.
— Sei por cima... Mas, você, pelo jeito, conhece bem.
— Muitos anos morando em Esperança, é difícil não saber.
Eu assenti.
— O construtor da casa matou a esposa, não é?
— Sim, Antônio Fausto, o barão do café. Ele nem era daqui do Sul, e sim da Bahia...
Antônio... muito parecido com o nome do atual proprietário.
— Na época Esperança era uma vila de Encanto. Conhece Encanto?
— Conheço sim. — Não disse que morava em Encanto, ele não precisava saber disso.
— Pois é. Na época, ele mandou construir a casa para sua jovem esposa. Mas, tudo acabou
com o assassinato dela, na cama com um escravo, no quarto do casal. Ele havia voltado mais cedo de
uma cavalgada e os pegou no flagra. Anastácia, a baronesa, morreu com um tiro na cabeça. O escravo
tentou fugir, mas Antônio lhe deu um tiro no pé. Ainda assim ele conseguiu chegar na porta,
mancando, até cair com outro tiro nas costas. Era o ano de 1815.
Mancando... Lembrei-me da minha visão e me recordei de que um dos assassinos era manco.
Seria um fantasma que estava matando em Esperança?
— Não sei quem me contou que a jovem esposa era muito bela, e muito jovem, e que havia se
apaixonado pelo escravo depois de sofrer nas mãos do marido velho e nojento — comentei.
— É o que dizem, não é? Mas, nem tudo que o povo repete é a verdade. Se você buscar a
verdade, vai encontrá-la.
— O que quer dizer?
— Antônio não amava a esposa. Ele amava uma outra mulher, Aurora. Essa mulher ficou na
Bahia.
— Amava outra? Por que não se casou com a mulher que amava?
— Anastácia armou para essa mulher e fê-lo acreditar que ela o havia traído. Desesperado e
sofrendo, foi presa fácil para a ardilosa Anastácia. Quando Antônio descobriu a verdade, e foi
confrontar a esposa, foi que a pegou na cama com o escravo. Aliás, o escravo não era escravo.
Francisco Assis era homem liberto, veio com Anastácia porque quis. Cresceram juntos, e viram no
tolo Antônio a possibilidade de dinheiro. Queriam matá-lo para ficar com tudo. Com a casa, as
propriedades... Ninguém acreditaria em tais planos porque Anastácia era a imagem da pureza e
recato.
Fiquei impressionada com a história. Não sabia por que, decidi buscar informações sobre isso.
— E os demais assassinatos? O que sabe sobre eles?
— Ah, Adriana... você não precisa saber dos outros. Só o começo de tudo importa.
Meu sangue gelou enquanto, lentamente, eu buscava a arma no meu coldre.
Victor percebeu o movimento e sorriu, se afastando.
— Eu não lhe disse meu nome — apontei.
— Eu conheço seu nome há muito tempo, Aurora...
Bruscamente ele girou e saiu em disparada. Eu puxei minha arma e gritei:
— Parado!
Victor não pareceu me ouvir. Corri atrás dele, os corredores parecendo labirintos
intermináveis, meu coração aos saltos, uma confusão de pensamentos me tomando.
A história do barão, a aparição daquele jovem tatuado, o fato de ele ter me chamado de...
... Aurora.
Senti-me fraca. Precisei parar e me recostar na parede, lágrimas espessas cruzando meu olhar.
Aurora...
Me reequilibrei e, em passos cambaleantes, consegui chegar até a porta por onde Victor havia
acabado de sair. A abri e meu rosto confrontou-se com Antony.
— Ok — ele disse, sorrindo. — Você disse para eu não vir, mas... fiquei preocupado com você
sozinha na casa...
Estava pasma, sem saber como reagir.
— Você estava aqui o tempo todo?
— Sim.
— Você viu um jovem sair por essa porta?
— Que jovem?
— Um rapaz, vinte e poucos anos... com tatuagens...?
— Adri... Ninguém saiu por essa porta.
Olhei para o prédio de tijolos onde se localizava a prefeitura. Havia videiras crescendo nas
laterais, mas o ambiente não era escuro, pois enormes janelas permitiam que o sol entrasse.
— Boa tarde... — cumprimentei uma jovem mulher. — Onde posso conseguir a documentação
sobre a casa...
— Ah, a casa mal assombrada? — ela completou, encarando a mim e ao homem ao meu lado.
— Todo mundo na cidade só fala de vocês dois — explicou diante da minha face surpresa.
Antony estava encostado no batente da porta, nos observando, divertido.
— É mesmo? Não deviam falar de nós e sim dos fantasmas da casa. Adriana viu um — ele
contou e eu quis chutar a bunda dele.
Mas, me vi rindo, porque era simplesmente ridículo. Não havia como Victor ser um fantasma.
Com certeza ele saiu pela porta num momento que Antony não estava olhando.
— Oh my God! — Juro que a jovem disse exatamente como Janice de Friends.
— Ele está brincando — eu explanei e a jovem pareceu aliviada. — Enfim, podemos ver os
documentos?
— Antes do senhor André comprar a casa, haviam tentado tombá-la como patrimônio histórico
de Esperança, mas acabou que não conseguiram. Os documentos dela estão na biblioteca de Encanto.
Bufei baixinho.
— Em Encanto? Caramba... — Antony arregalou os olhos. — Minha esposa é preguiçosa. Não
vai querer ir para Encanto atrás de crendices quando temos todo o tempo do mundo para andarmos a
cavalo no hotel fazenda de Patrícia.
Eu pisquei uma vez. Em seguida duas vezes, em descrença.
Não que eu realmente não quisesse passar meus dias ao lado dele, aproveitando a atmosfera do
hotel, mas Antony estava quase me forçando a isso. Não me senti sufocada, mas desconcertada.
— Obrigada — disse para a moça, e sai.
Ele me seguiu até a área externa.
— Por que falou aquilo à garota?
— Você irá para Encanto?
— Sim. Eu estou numa investigação.
— Posso ir junto?
O que diabos estava acontecendo?
— Não quero ficar longe de você.
Honestamente, eu não sabia como reagir àquilo.
— Você não pode me deixar sozinho. E se os bandidos vierem atrás de mim? — ele indagou, e
sua frase era tão ridícula que eu ri. — Adriana, eu adoro vê-la sorrir. Prometo fazer o possível para
só trazer sorrisos para você. — disse, me dando um abraço.
De repente, seu par de mãos agarrou minha cintura e me puxou em algo duro. Eu abri minha
boca para gritar, mas não consegui.
Não me sentia enojada. Não com ele.
Antony.
Não que isso significasse que não fiquei amedrontada. Assim, rapidamente me afastei.
— O quê…? — ele perguntou, descrente.
Eu olhei para ele e me senti tremendo, arriscando não entrar em pânico. Comecei a balançar
para frente e para trás, tentando me acalmar.
— Respire, Adriana. Acalme-se — Antony sussurrou.
Antony beijou o topo da minha cabeça e continuou esfregando minhas costas lentamente.
Ele realmente era um homem especial.
Capítulo 12
Antony

Observei Adriana enquanto seus dedos folhavam o antigo livro de registros de Esperança. Ela
queria nomes, dados, buscava algo que eu não era capaz de compreender.
Quando decidiu vir para Encanto encontrar tais arquivos, a segui. Mesmo que ela não quisesse
minha presença, eu estava me impondo. Não conseguia evitar, meus olhos sempre buscando os seus,
meu pensamento centrado nela o tempo todo.
Suspirei, sentado diante dela naquela mesa redonda da biblioteca antiga.
— Você sentiu? — ela indagou, murmurando.
— O quê?
— O clima parece mais leve desde que deixamos Esperança.
Era verdade. Havia alguma coisa naquela cidade que parecia querer me afundar, como se eu
estivesse prestes a cair num emaranhado de lodo e vergonha.
— Você gosta de morar em Encanto?
— Não sei dizer. É melhor que em Esperança.
Assenti, compreensivo.
— O que exatamente você busca nesses arquivos?
— Algo sobre a casa. Algo que explique...
Ela emudeceu alguns segundos.
— Diga-me, Antony... Antônio Fausto te lembra alguma coisa?
Neguei.
— Anastácia? Ou Francisco Assis?
— São suspeitos?
— Ouviu falar deles? — ela insistiu.
— Não. Nunca.
Adriana suspirou. De repente, ela se agitou e me observou com atenção.
— Aurora?
Sinos soaram em minha mente, uma sensação potente tomando conta da minha alma.
Sim, eu conhecia uma Aurora, mas não conseguia me recordar de onde ou quando. Mas, eu
ainda sentia esse nome em mim.
— Adriana?
Minha agitação foi interrompida pela chegada de um homem alto e musculoso. Observei-o e o
percebi completamente centrado em Adriana.
— Davi? — ela indagou. Depois, volveu para mim e me explicou. — Meu chefe.
Assenti, apesar de me irritar a forma com que aquele homem a encarava.
— Henrique te viu chegando a rodoviária hoje de manhã e a seguiu até aqui. O que faz em
Encanto, Adriana?
— Pesquisa.
— Pesquisa? Você devia estar “pesquisando” os namorados da vítima, porque é um caso
simples de feminicídio. E o que esse homem faz com você?
Ela se levantou e imitei o gesto. Queria impedi-la de ir até aquele cara, mas sabia que não
podia.
— Antônio também foi ameaçado...
— Foi mesmo? Ou é uma invenção para ficar perto de você?
Revisei minha lista de palavrões, tentando identificar se algum deles me impediria de ir a
cadeia.
— Chega, chefe. Estou trabalhando. — Ela girou na minha direção. — Vamos?
Subitamente, ele segurou seu braço. Minha alma inteira se agoniou com o gesto. Eu quase
avancei, mas o olhar de Adriana me manteve parado no lugar.
— Que porra você está fazendo? — Adriana parecia furiosa.
A voz dela me deu medo. De repente vi a mulher corajosa por trás da couraça da fragilidade.
— Pare com isso, Adriana. Você está me torturando ficando perto de outro homem.
— Você não tem nenhum direito sobre mim. Não tenho absolutamente nada com você — ela
rebateu.
— Eu achei que você era uma mulher direita, mas está agindo como uma vagabunda.
Então não deu mais para segurar. Eu não sou um homem violento, mas vê-la sendo tratada
daquela forma moveu meus passos e guiou minhas mãos. Não sei como aconteceu, mas em segundos
eu havia soltado Adri das mãos daquele cara, e o derrubado no chão com um soco.
— Você está preso — ele disse, cuspindo as palavras com ódio.
— Não. Não está. — Adriana avisou. — Porque se você tentar qualquer coisa contra ele, vou
levar seu assédio a corregedoria. Estou cansada das suas insinuações, das suas cobranças. Você é
meu chefe, mas não me trata de forma profissional.
— E quem vai acreditar em você?
— Sua última ligação, eu a gravei. E o arquivo já está nas mãos de uma pessoa de confiança.
Se alguma coisa acontecer comigo ou com Antony, você será o principal suspeito.
— Está blefando — retorquiu, mas vi a dúvida em seus olhos.
— Fique longe de mim. Consiga minhas férias. E depois vou solicitar minha transferência. Mal
consigo olhar para sua cara — ela disse, e saiu da sala.
Eu a segui, cruzando pelo corpo no caminho como se fosse um monte de merda.
E era.
O café estava morno. Eu o observei por algum momento, antes de dar os ombros, sabendo que
o frio gaúcho nunca deixava com que o líquido ficasse muito tempo na xícara sem estragá-lo.
Na minha frente, Adriana bebericou seu chá.
Estávamos sentados em uma padaria, numa mesa posta ao lado de uma janela enorme e
envidraçada, onde observávamos o vento gelado mexer nas árvores castigadas pelo inverno rigoroso.
— Você gosta de mim — afirmei, fazendo com que a atenção dela volvesse para mim. — Eu
também gosto de você — sorri, e ela devolveu o sorriso.
— Eu gosto sim — assumiu.
— Me defendeu do seu chefe como uma leoa.
— Davi é um cretino que vive dando em cima de mim. Eu tentei amenizar isso durante muito
tempo, me culpando pelas suas ações ou fugindo dele, mas chegou ao ponto de que estou muito
sufocada, prestes a perder a cabeça.
— Ele te incomoda muito?
— Ele gosta de falar me tocando, ou insinuando algo. Quando deixei claro que não queria
nada, ele tenta forçar amizade, mas eu sei que sua amizade não é real. Ele quer, de alguma forma,
entrar na minha vida.
— E você não está disposta a isso?
— Não. Não estou.
— Contudo, aceitou minha amizade. Somos amigos, não somos?
Ela sorriu.
— Sim, acho que sim.
— E se eu quiser algo a mais?
Seus olhos não pareceram surpresos. Mesmo assim, ela os desviou.
— Adri, você sabe como me sinto. Você sentiu nos meus beijos. Não consigo tirar você da
minha cabeça. Me dê uma chance...
Silêncio.
— Adri, estou te sufocando também?
Seu olhar voltou ao meu. Vi lágrimas.
— Você não vai me querer quando souber quem eu sou de verdade.
— Quem você é?
Sua cadeira arrastou. Ela buscou a bolsa e jogou uma nota de dez pelo chá em cima da mesa.
Depois saiu.
Eu imitei o gesto e a segui. A rua estava vazia, ninguém procurava ar fresco quando o ar
parecia castigar sua pele e corroer seus ossos.
— Adri?
Adriana parou. Girou o corpo. Ficou parada na minha frente como se estivesse prestes a
desmaiar.
— Quem você é, Adri? — insisti.
— Meu pai me molestava — ela contou, subitamente.
E eu perdi o ar. Senti lágrimas nos meus olhos, queria de alguma maneira ampará-la diante da
dor que via em seu rosto abatido.
— E, por conta disso, eu preciso de remédios para dormir. E preciso de remédios para
acordar. E não consigo deixar ninguém me tocar. E, por isso, nunca terei intimidade com homem
algum. Ainda me quer?
Meu dedo indicador se ergueu, tocando sua bochecha, recolhendo a lágrimas que deslizava por
ela.
— Sim, Adriana. Eu te quero mais que tudo nessa vida. Nunca quis ninguém como quero você.
Me deixe ao menos tentar.
Dois passos em minha direção e seu rosto tocou meu peito. Aquele abraço parecia tão
caloroso quanto o verão. Era um abraço de saudade. Eu experimentava a sensação de que já a tive
muitas vezes assim, nos braços.
E isso me acalentou como nada até então.
— Ok, Antony... — ela murmurou.
Afundei meu rosto em seu pescoço, aspirando seu perfume.
Eu teria calma. Paciência. Amor. Aos poucos, eu a desbravaria o suficiente para ela confiar em
mim, entregar-se para mim, minha doce esposa... minha esposa virgem.
Capítulo 13
Adriana

Uma parte de mim, uma pequena parte de mim, reagia a Antony como se, num passado
longínquo, ele já houvesse me magoado o suficiente para me destruir. Eu não sabia se isso era
resquícios dos abusos de meu pai, uma reação natural onde transferia para Antony uma certa parcela
de culpa, porque, dessa forma, eu poderia me defender dos sentimentos que passei a sentir por ele,
não permitindo que ele se aproximasse demais e assim não pudesse me magoar. Ou se era alguma
coisa me dizendo para ficar alerta.
Contudo, a maior parte de mim estava feliz. Estávamos namorando. Não que a palavra fosse
dita, mas era como eu me sentia. Desde que voltamos de Encanto e meu recibo de férias chegou,
nossa relação se tornou tão cordial e amiga que eu sentia como se devesse ficar para sempre ali, ao
seu lado.
Mas, Antony voltaria para Porto Alegre assim que concluísse a venda e eu voltaria para
Encanto. A menos que pedisse minha transferência, o que eu planejava fazer.
— A gente pode se ver aos finais de semana. Eu não me importo de ir para Encanto te visitar...
Posso até comprar um carro.
— Você não tem carro?
Era difícil imaginar um engenheiro sem carro.
— Eu não precisava de um, até agora.
Sorri, enquanto mordiscava um pedaço de pão no café da manhã.
— Até agora?
Sua mão cruzou a mesa e segurou meus dedos. Toques singelos ou beijos delicados era tudo
que ele me dedicava. Eu sei que estava se esforçando para não me assustar e eu era muito grata por
isso.
— Adriana...
Não consegui ouvir o que ele estava dizendo quando tudo que escutava era um barulho
estranho vindo da porta do restaurante do hotel. Eu lentamente soltei a mão de Antony e ele me
lançou um olhar estranho. Fiz sinal para ele ficar em silêncio e giramos em direção à entrada.
O barulho era uma discussão. Duas mulheres. Uma delas era Patrícia. A outra parecia uma
deusa grega de tão bela.
— Sua lésbica nojenta — ouvi Patrícia dizer, e arregalei os olhos. — Quero que queime no
inferno como todos os gays sujos como você.
Desde que cheguei à cidade, Patrícia era uma das pessoas com que eu me simpatizava, mas vê-
la falando daquela forma com a outra mulher fez meu coração sangrar.
Vi a bela saindo rapidamente e Patrícia respirando fundo, como se estivesse se recuperando de
uma batalha.
— Já volto, Antony — avisei e ele assentiu.
Consegui me aproximar da mulher no estacionamento, vi suas lágrimas e me compadeci.
— Oi — a chamei, e ela me encarou com seus olhos grandes e verdes. — Desculpe. Eu ouvi
tudo. Você precisa de um copo de água ou alguma coisa?
Ela negou.
— Sou Adriana — me apresentei, estendendo minha mão para ela. — Patrícia não devia falar
assim com você.
A mulher apertou minha mão.
— Sou Luana. E Patrícia disse bem. Sou uma lésbica nojenta.
Neguei.
— Tenho certeza de que isso não é verdade. Quero dizer... o lance de ser nojenta.
Luana sorriu, triste.
— Ela me odeia porque eu a amo — me contou. — Acho que é uma reação natural quando
alguém do mesmo sexo se apaixona por você.
Pus a mão em seu ombro, tentando lhe trazer conforto.
— Deus, que vergonha, estou aqui falando bobagens para você — Luana riu. — A gente nem se
conhece...
— Meu marido é o dono do Casarão de Esperança — contei.
— Oh, a casa que Alex quer?
— Conhece Alex?
— Alex e eu somos colegas de trabalho. Disputávamos a presidência da fábrica, mas ele
deixou tudo de lado para se dedicar a Geovanna e a compra da casa.
O homem deixou a presidência de uma multinacional para tentar comprar uma casa acabada e
de má fama?
Todos os pelos do meu pescoço se eriçaram.
— Sabe me dizer se Alex conhecia Eduarda?
— Eduarda?
— A menina que foi morta na casa...
Luana pareceu pensar.
— Não sei, francamente. Antes de Geovanna, Alex dormia com a cidade inteira. Mas, depois
de Geovanna...
— Ele não trairia a noiva?
— Não. Parece ridículo confiar em homem, né? Mas, Alex só pensa em Geovanna. Faz tudo
que ela manda. Não nego que chega a ser irritante. Éramos amigos, antes. Mas, depois que ele
noivou, ele não tem tempo para mais ninguém. — Ela ergueu o braço, e consultou o relógio. —
Desculpe, tenho que ir. Foi um prazer conhecê-la.
— O prazer foi meu.
Enquanto observava Luana entrando no veículo, analisei a situação sobre a ótica da visão que
tive sobre o assassinato da jovem. Eram duas pessoas, uma delas tinha um envolvimento sexual com
Eduarda, e a outra era manca.
Se eu pegasse um, pegaria o outro.
Afastei Antony assim que ele me beijou.
— Estamos num local público — murmurei, olhando ao redor.
Estávamos perto da baia, observando os cavalos.
— E daí? Eles acham que é minha esposa.
— Eu tenho vergonha — contei e ele riu.
— Desse jeito vou pedir o divórcio — brincou.
Um homem cruzou por nós e sorriu para Antony, como se estivessem trocando confidencias.
— O que foi? — questionei.
— Pedi para o Vinicius arrumar uma égua mansa para você.
— Por que você insiste em me torturar? Por que, Antony? Conte-me!
Fiquei surpresa com a expressão em seu rosto. De repente, ele parecia devastado. Seus olhos
brilhavam de tanto desespero que quase me arrependi da brincadeira.
— Antony?
Ele balançou a cabeça, esfregando o rosto, como se estivesse acordando de um sonho ruim.
— Você já me disse isso antes?
— O quê?
— Que eu a torturo. Não sei por que, sinto como se já tivesse ouvido essa frase...
Eu balancei a cabeça lentamente.
— Eu nunca disse isso a você, Antony — afirmei.
Sua mão tocou meu rosto. Ele tinha uma forma de deslizar seus dedos pela minha bochecha que
sempre faziam meu corpo inteiro incendiar.
— Adriana? — disse hesitante.
Eu levantei uma sobrancelha.
— Eu sinto muito, Adriana.
— Pelo quê?
— Não sei. Mas, sinto que devo dizer isso.
Sorri, triste.
— Apenas me beije — pedi. — E eu perdoarei tudo.
Seu rosto abaixou até o meu, enquanto seus lábios tomavam posse do que lhe pertencia.
Capítulo 14
Antony
Eu queria envelhecer com Adriana. Tê-la para mim todos os dias. A cada segundo, a cada
momento, como se nada mais importasse no universo.
Queria segurar sua mão em cada curva do caminho que trilhássemos.
Estávamos no meu quarto e lá fora a noite parecia tão nebulosa, com seu vento uivando entre
as montanhas, que simplesmente deixei o sofá e me deitei ao lado dela, na cama. Observando-a
enquanto dormia, jurando a mim mesmo que a protegeria do que quer que fosse, deslizei meu dedo
por sua bochecha, adorando a sensação da pele quente contra meu polegar.
— Antony? — Um gemido me tirou do devaneio. Eu olhei para baixo para vê-la esfregando os
olhos. — O que você está fazendo na cama?
Inclinei-me, acariciando seu pescoço com a boca.
— Antony. Por favor, não! — ela disse com firmeza.
Suspirei e me afastei. Eu entendia que ela tinha uma reação de medo com os homens, mas uma
parte de mim se magoava porque ela não podia me ver como eu a via: como um ser único, diferente e
especial.
— Me desculpe — murmurei.
Percebi-a sentando-se na cama, enquanto eu me afastava. Minha parte baixa estava entumecida
e eu sabia que precisava de alívio. Um alívio que ela não estava pronta para me dar.
— Eu vou caminhar um pouco — avisei.
Adriana olhou para mim confusa. Suspirei.
— Eu vou esperar seu tempo, prometo.
— Antony...
Não fiquei para ouvir. Não saberia o que podia fazer caso ficasse. Eu a queria tanto que estava
pronto a matar por ela.
— Ei! — Tatiana colocou pequenos biscoitos de chocolate na minha frente. — Por conta da
casa — ela disse. — Para tirar esse mal humor dos seus olhos.
Eu sorri.
— Obrigado.
A loira me observou mais alguns segundos, até suspirar e se sentar na minha frente.
— Ok. Fala.
Neguei.
— Não é nada.
— Essa cara de cu quer dizer alguma coisa. Fale agora!
Eu não sabia como dizer. Então apenas afundei o rosto entre as mãos, cansado e preocupado.
— O problema é sexual? — ela deu um tiro certeiro.
— Nem houve sexo.
— Por quê? Sei bem que você está tentando. Esse olhar não me engana.
Não sei como podia estar falando tão tranquilamente com Tatiana de um assunto tão íntimo,
mas havia algo familiar nela que me dava esse conforto.
— Adri tem um passado... e eu não consigo me aproximar.
Percebi piedade nos olhos de Tati.
— Helena também — ela me contou. — Mas Benjamin superou esses medos. Você não deve
desistir.
— Desistir nem passa pela minha cabeça.
De repente ela se levantou e deu a volta na mesa, se aproximando de mim e cochichando no
meu ouvido.
— Não pense em si. Pense nela. Ela precisa de prazer para se descobrir mulher. Ela nem deve
saber como é o prazer carnal. Então, aguente firme e tente... sei lá... sexo oral faz milagres.
Tatiana se afastou logo em seguida, me deixando completamente enrubescido.
Eu quase tive alguma reação, quando me dei conta de que outra pessoa se sentava diante de
mim.
— Geovanna?
— Como vai, Antony? Estava indo pegar um café quando o vi aqui.
Não parecia. Seus olhos estavam nublados por algo que eu era incapaz de entender.
— Vou bem, e você?
— Descobrindo coisas. Como, por exemplo, que você não é casado.
Meu corpo inteiro se arrepiou.
— Somos casados, não oficialmente, mas falta poucos dias para oficializarmos no cartório.
Além disso, por uma questão de bom senso, já deixei meu testamento onde Adriana é minha única
herdeira.
Por que eu disse isso? Por que, de repente, pareceu importante que Geovanna soubesse que eu
não era o único obstáculo para ela ter a casa?
— Desejo felicidade aos dois.
Ela se levantou.
— Diga-me, Geovanna, por que foi buscar informações sobre nós?
Seu olhar pareceu queimar.
— Sua esposa andou perguntando sobre meu noivo para algumas pessoas, quis retribuir na
mesma moeda.
E saiu.
Parado diante da mesa, eu sentia uma infinidade de sentimentos me corroendo. E o principal
deles se fundia em pensamentos destinados a Geovanna: "Nem se atreva a pensar em machucar
Adriana ou vou me certificar de que você se arrependa de ter nascido!"
Olhei pela janela e observei a rua. O céu estava azul escuro, um dia nublado, prestes a chover.
Por algum motivo, me lembrou de meu relacionamento com Adriana.
Escuridão e lágrimas.
De repente, senti um par de braços em volta do meu pescoço por trás. Eu me virei lentamente
para encarar Adriana.
— Me desculpa — ela pediu.
Quis rir porque não havia nada pelo que se desculpar.
— Vamos nos casar? — pedi. — Precisamos nos casar. — expliquei. — Vamos para o cartório
de Encanto durante à tarde?
— Você está falando sério?
Eu abri um sorriso enorme que poderia ter dividido meu rosto.
— Geovanna já sabe que não somos casados. Eu sei que parece drástico, mas eu quero que
eles saibam que se algo acontecer a mim, você ficará com a casa. Eu decidi não vendê-la mais. Não
para esses dois.
Adriana sorriu antes de pressionar seus lábios nos meus suavemente. Depois ela sentou-se ao
meu lado.
— Quer se casar comigo? — indaguei.
— Você realmente está falando sério? — só agora ela pareceu acreditar.
— Eu nunca estive tão sério com uma mulher, Adriana.
Ela me estudou alguns segundos.
— Você sabe minhas limitações...
— Vamos superar tudo, juntos.
— Mas, você mal me conhece.
— Eu a conheço... Não me peça para explicar, mas eu sinto... E você também sente, não sente?
Além disso, eu sei que demora um pouco depois de encaminhar o pedido. Você terá um mês para se
decidir...
Percebi suas lágrimas, a doçura de seu sorriso destinado a mim.
— Certo. Eu aceito. Vamos à tarde encaminhar o pedido. Mas, agora, preciso arrumar um
computador. Quero fazer uma pesquisa...
— Pesquisa?
— Sobre a casa. Algo que preciso tirar da minha cabeça.
— Eu tenho um note na mala.
— Então vamos voltar para o hotel?
— O que exatamente você está buscando?
Fazia meia hora que ela estava diante do notebook. Sentada de pernas em borboleta na cama, o
aparelho na sua frente, e um óculos de grau no nariz arrebitado, ela parecia adorável.
— Quero saber sobre Aurora...
Esse nome, novamente.
— Aurora? — me sentei ao seu lado.
— Qualquer ligação sobre a casa e uma tal de Aurora. Mas, não acho nada... Olhe — ela me
apontou uma fotografia —, sua cunhada e sobrinha não estão relacionadas nessa página de crimes
sobre a casa.
— Elas morreram no hospital.
— Mas, seu irmão se matou ali. — Adriana desceu a página e uma foto de André surgiu no
meio do site.
Meu coração apertou na mesma medida que raiva me avassalou. Meu irmão era usado como
uma figura patética para atrair likes num site idiota de terror.
— Meu Deus — Adriana murmurou, o que fez meu olhar focar-se nela.
— O que foi?
— Eu conheço esse homem...
— André? Não é possível. Ele já morreu há muito tempo.
— Eu o vi antes de vir para Esperança. Foi ele que me falou sobre a casa...
Eu sabia que ela não mentia, mas isso não quer dizer que eu quisesse acreditar.
— Deve ser alguém parecido.
Adriana suspirou.
— Sim, deve ser isso. — Depois, começou a ler. — “Quando Esperança era uma vila de
Encanto, o Barão do café Antônio Fausto flagrou a jovem esposa com um escravo no seu quarto.
Ele os matou ali mesmo. Dizem que a pobre menina baronesa foi forçada a um casamento com o
velho e nojento Antônio...”
Por que eu sabia que aquilo era mentira?
— “Anos depois, a casa foi vendida para um ex-combatente das tropas de Bento Gonçalves.
O homem ficou louco, dizia ver fantasmas na casa. Uma família de italianos foram os próximos
compradores. A família foi acometida por uma peste não identificada. “
Ela girou o mouse, trafegando no site, cruzando por datas e nomes, até que seus olhos
encararam a foto de um jovem casal.
— Esse... — sua voz estava tremula — É Victor.
— Sim, é o que diz o nome embaixo da foto.
— Você não está entendendo. Eu vi esse rapaz na casa. Foi ele... ele é o fantasma que você
brincou sobre eu ter visto... É ele...
— Adri...
— Eu tenho certeza disso! E essa menina, eu já a vi duas vezes na casa. Ela é Francine.
— Adriana, não existe a menor possibilidade de isso ter acontecido. Pode ter sido uma reação
química provocada pelo medo da casa, ou coisa assim. Fantasmas não existem.
Todavia, ela se levantou da cama, e rumou em direção à porta.
— Aonde você vai?
— Eu vou procurar Victor e Francine.
— Adri...
— Acredite no que quiser. Eu sei o que eu vi.
Capítulo 15
Adriana
— Pirou, Adriana?
Essas duas palavras ecoaram em minha mente várias vezes enquanto nós zanzávamos pela
casa.
— Mesmo que o tal Victor realmente seja um fantasma, por que ele viria aparecer de repente?
— Não sei o motivo. Mas, ele não é o primeiro que vejo. Seu irmão também já me procurou. E
a moça, Francine. Mas, Francine não está lúcida como Victor. Ela parece em choque, sofrendo muito.
De repente, me dei conta de que a dor de Francine também alimentava a casa.
Como eu poderia libertá-la? Dar-lhe paz?
Eu balancei a cabeça e recomecei a andar. Ouvia os passos de Antony atrás de mim, mas
naquele momento não o queria por perto. Uma parte de mim acreditava que Victor não aparecia por
causa de Antony. Outra tentava me alertar para o fato de eu...
...Eu estava ficando louca.
Era isso. Os remédios, enfim, deixaram de fazer efeito e agora eu vivia num mundo de
alucinações.
— É o que você pensa, não é?
Minha cabeça girou e vi Victor parado perto de um quadro enorme, onde uma ilustração de
uma floresta densa era mostrada.
— Ele não me vê. Nem me escuta. — O rapaz tatuado me avisou. — E se não quer que ele
ache que você está louca, é melhor fingir que não está me vendo.
Respirei fundo, e fiquei com o olhar centrado no quadro.
— O que foi? — Antony ficou ao meu lado e também começou a observar a ilustração.
— Nada... Apenas, quadro bonito — disfarcei.
— Você acha? — o rosto dele pareceu curioso, enquanto Victor gargalhou.
— Quadro bonito? — o espírito brincou. — Sério? Essa será sua desculpa? Ah, Aurora...
Não me chame assim!
— Mas esse é seu nome. Seu nome na sua outra vida. E lembrar-se da sua outra vida é o fator
principal para você saber quem não pode ficar com a casa. E assim você pode libertar Francine.
Ela sofre, mas você não parece estar na mesma agonia...
— Eu sofro sim. Sofro por ela. Na verdade, não esperava muito da vida após a morte. Sou um
assassino, qualquer merda punitiva é justa. Mas, Francine era um anjo. Ela não merece estar presa
aqui, mal compreendendo que morreu, vivenciando todos os dias seu próprio assassinato. Ela merece
ser libertada. E você só conseguirá isso quando tomar o que é seu. A casa é sua, Aurora, por isso a
casa não quer que você esteja aqui. A casa teme que você a domine...
— Como eu faria isso?
— Fazer o quê? — Antony me questionou.
Neguei com a face, como se estivesse apenas falando sem propósito.
— Antônio a construiu para você. Mas, o mal se infiltra no que é bom. Essa terra manchada
seria abençoada pela sua presença. A casa sentiu isso, então levantou almas tóxicas para destruir o
amor de vocês. Você é um espírito de luz, Aurora. Mesmo com tanta coisa que já passou, nunca
desejou o mal para ninguém, nunca quis vingança... Seu pecado foi não ter suportado tanta dor e
vergonha em sua outra vida e se matado.
Eu me matei?
— Muito tempo depois, você reencarna aqui, no sul. Lembrem-se... Você precisa se lembrar.
Como?
— O homem ao seu lado. Precisa deixar ele adentrar suas defesas. Eu sei que não quer, ele já
te magoou tanto. Mas, através dele você vai se lembrar.
Por quê?
— Você não percebeu ainda? Ele é Antônio. Foi ele que construiu essa casa. Só ele pode
destrui-la. E Anastácia e Francisco sabem disso.
Anastácia e Francisco estão mortos há mais de duzentos anos.
— Anastácia e Francisco estão bem vivos. E eles já sabem quem são. E sabem quem você é.
Se você não os parar, eles vão continuar a dar almas para a casa. E talvez a próxima alma seja a de
Antony... Pode acreditar, eles estão ardendo de ódio e desejo de vingança.
— Adriana? — Antony me observou enquanto eu fechava a porta do quarto no hotel. — Ainda
não entendi o que aconteceu... Você ficou em silêncio mórbido na casa, como se estivesse em transe.
Daí, do nada, você pega na minha mão e me arrasta de volta para o hotel. Nós não íamos para o
cartório em Encanto?
Eu não sei o que dizer, quando tudo em mim é uma tempestade. Me aproximei de Antony e
tentei falar, mas não consegui. Agora que decidi avançar com ele, pequenas réstias de uma memória
perdida me tocam.
Um celeiro, saias longas sendo erguidas até minha cintura, Antony entre minhas pernas...
Eu podia sentir um prazer me dominando, algo que nunca vivenciei nem em sonhos, então
fechei os olhos com força, tentando controlar o medo que me avassalava.
Medo, dúvida... dor.
Prazer.
— Você me quer? — indago, abrindo os olhos, uma coragem me tomando como nada até então.
A expressão de Antony se transforma em uma mistura de coisas: surpresa, amor e desejo.
— Adri... por que está me perguntando isso?
— Só responda.
— Mal consigo beijá-la sem que trema de medo nos meus braços. Você sabe que eu a desejo,
mas não acho que esteja pronta para isso... — Ele leva a mão à minha bochecha, observando-me com
uma gentileza que eu era incapaz de ignorar.
Me aproximei mais, nossos corpos agora a centímetros de distância. Eu entendia que Antony
estava se perdendo no sentimento que passou a nutrir por mim. E eu queria que ele se afundasse
nessas emoções.
Eu precisava... dele.
Não por causa da casa, apesar de eu desejar concluir o que vim fazer nessa cidade, nessa
vida... Mas, o que eu precisava mesmo era de Antony, de seus lábios que, aos poucos, se curvavam
buscando-me.
Eu precisava do seu amor... Era minha maior busca. E estava ali, agora, ao alcance de minhas
mãos.
Suspiro contra seus lábios. Suas mãos provocando arrepios de emoção por todo o meu corpo.
— Antony...
Seu beijo é lento, decidido e faminto. Suas mãos percorrem meu corpo, tateando meu seio
antes de descer e tocar minha bunda. O calor selvagem entre nós é palpável, quase insuportável, e eu
podia sentir uma réstia de Antônio nele.
Eu podia ver...
Visões nubladas de meu corpo ardendo sobre o feno. O comprimento faminto de Antônio
avançando, rasgando meu centro, me fazendo arder em dor e súplicas.
Dois corpos, uma carne...
Eu o amava. Dei minha virgindade a ele, e ele me deu...
Desprezo... dor....
— Antony...
E mesmo assim, eu queria repetir a união, nossos corpos novamente um só. Mesmo que eu
sofresse novamente, amá-lo era a única coisa que me manteve em todos esses anos.
Eu não sabia, mas estava ali, a sensação de aperto no meu peito, nas respirações curtas que
lutam para existir.
Meus lábios assumiram o controle. Seus gemidos ásperos enviam fogo entre as minhas pernas
e eu senti a umidade se acumulando ainda mais, enquanto pulsava.
Meu corpo é fogo. Suas mãos e braços deslizam em volta das minhas costas e me puxam para
mais perto. Logo, Antony está sentado na cama, e eu estou no colo dele, aninhando-me em seu monte
elevado. Eu monto nele e minha boceta protegida pela calça se estabelece contra seu pau duro. Sinto-
o, e parece enorme enquanto pressiona o tecido e empurra meu clitóris latejante.
Eu puxo a barra de sua camisa e ele se levanta um pouco: apenas o suficiente para permitir que
a camisa escorregue dele. Em seguida, ele faz o mesmo comigo. Meus seios nus pressionam em seu
peito duro, meus mamilos roçando enlouquecidamente em sua pele com cada inspiração que consigo.
Suspiro contra sua boca e ele geme contra a minha.
Antony então abaixa a cabeça para passar a língua sobre meu mamilo. Um gemido sobe dos
meus lábios para o ar e acaba abafado em sua boca quando ele volta para me beijar novamente. Eu
gemo novamente em seu beijo, morrendo por mais.
Tudo em meu corpo está gritando para ele me levar. Preciso tanto dele. Não sei como pude
viver sem ele até então.
— Não acho que é o momento certo, Adriana. — Ele sussurra em meus lábios, suas mãos
percorrendo minhas costas, me pressionando contra ele. Estou tremendo, o recuo de seus beijos e
toques me atormentando.
Minha cabeça cai para trás e um suspiro ofegante me escapa. Suas mãos fortes me seguram
contra seu mastro, e seus lábios descem ao longo da minha garganta, espalhando beijos suaves lá.
— Eu preciso... preciso tanto de você...
Minha boceta lateja contra seu pau duro e, de repente, estou ciente de que há muito tecido entre
nós lá embaixo. Como se ele pudesse ler minha mente, ele espalma suas mãos grandes em volta da
minha cintura e me levanta, tirando minhas calças em um golpe suave e rápido, e jogando-as de lado.
Depois Antony me deita e tira suas próprias calças. Logo ele está ajoelhado entre minhas coxas,
numa adoração que mais parece um ritual pagão.
Seu pau surge, ereto, entre nós. Meus olhos se arregalam com seu tamanho. Ele meio que sorri
quando vê minha reação.
— Você é virgem... — ele diz o óbvio. — Tem certeza de que quer isso, agora, comigo?
Ele agarra a base, as mãos se tocando, batendo para cima e para baixo e sei que ele está
fazendo isso para tentar se controlar caso eu não aceite.
Se eu disser não, Antony vai se levantar e ir terminar no banheiro. Eu sei. Ele não vai se
impor.
Meus olhos nublam de lágrimas pela sua gentileza.
— Vem para mim — peço.
Antony se inclina, posicionando-se, e passa a cabeça ao longo da minha fenda ensopada antes
de empurrar-se para dentro de mim.
Suspiro, meus dedos deslizando em seu cabelo e entrelaçando-o, enquanto ele enche minha
boceta com sua circunferência, me esticando completamente.
Doí. Mas, sua delicadeza aquece meu coração.
— Diga-me quando estiver confortável — sua voz calma preenche o vazio na minha alma. —
Eu vou esperar seu tempo, Adri... Sempre vou esperar você.
É quase uma declaração de amor, apesar de até então não termos dito nada nesse sentido um
para o outro.
Meus olhos abrem, surpresos.
Eu sei que o amo. E sei que ele me ama também. É como se as palavras não tivessem espaço
entre nós.
Antony está inteiro dentro de mim. Ele se deita sobre meu corpo esperando com que eu faça o
próximo movimento. Quando a leve ardência acalma, eu resvalo meu quadril contra ele.
Ah... sim... é isso.... Deus, é isso...
Não foi preciso pedir. Antony sentiu. Depois da minha reação, Ele empurrou com mais
ferocidade em mim. Meus calcanhares circundaram seu quadril, segurando-o com força em minha
boceta, certificando-me que ele não pode se afastar muito antes de me esmurrar novamente com seu
pau grosso.
Ele abaixa a cabeça, sugando um mamilo em sua boca e o provoca com os dentes enquanto
fode minha boceta melhor do que qualquer coisa que eu já imaginei. A dor já foi embora,
transformada em êxtase selvagem e sons ferinos.
Minhas unhas arranham suas costas enquanto eu subo alto, uma espiral enrolando
profundamente dentro de mim, com força, e estou pronta para pular com uma intensidade feroz.
Grito seu nome enquanto minha boceta se debate em torno de seu pau enorme, forçando seu
próprio orgasmo para fora dele.
Nós afundamos, derretendo. Meu corpo sacode em clímax desesperado, seu pau batendo com
força no meu clitóris, sua boca buscando a minha. Estamos perdidos um no outro.
— Meu Deus — grito, quando explodo num gozo desesperado. — Antony, Antony...
Seu corpo sacode antes de cair sobre o meu.
— Adri... o que foi isso?
Eu não sabia. Mas, eu precisava de mais.
Capítulo 16
Antony

Salvador, 1813.

— Giovanni Oliveto inflamou minha alma com suas poesias.


O cheiro acre daquela taberna corroeu meu nariz, e eu escondi a sensação no gosto azedo
daquela aguardente feita aos arredores de Salvador.
Tavares, meu melhor amigo, parecia animado à minha frente, sua conversa girava em torno do
último espetáculo que havia visto no teatro São João. Bebi novamente outro gole, mal conseguindo
prestar atenção a cena que ele discorria sem reservas.
Música lírica era a última das minhas preocupações.
— Pedi a Aurora uma prova de amor — contei ao meu amigo, de supetão, e o percebi
arregalando os olhos, chocado.
— Como pôde ter feito isso? Aurora é uma moça de família...
— Anastácia me disse algo... me disse que Aurora não era quem eu imaginava.
Tavares balançou a fronte, negativamente. Ele não gostava de Anastácia, o que eu achava
inacreditável, pois todos gostavam de minha amiga de infância.
Crescemos juntos nas fazendas perto da capital. Nossos pais tinham propriedades, mas eu
sabia que os dela estavam em uma grande crise financeira. Socorri seus parentes muitas vezes
durante os anos. Tavares também cresceu no mesmo lugar, mas jamais dedicou a Anastácia quaisquer
nível de afeição.
— Você acredita em tudo que Anastácia diz — ele murmurou. — Estou enojado com o fato de
que cobrou tal coisa de Aurora.
— Eu precisei. A dúvida iria destruir minha sanidade.
— E ela aceitou?
— Não queria, mas... Eu a convenci. Aconteceu no celeiro da fazenda dos pais dela, durante
uma caminhada para ver as plantações de café.
Tavares bebeu um gole de sua bebida, enquanto retorcia os lábios, revoltado.
— Você é um desgraçado.
— Jurei me casar com Aurora.
— É bom que faça isso. Ela é uma moça decente!
Neguei com a face, a dor me corroendo como nada até então.
— Ela não é uma moça decente.
— Não se atreva a ofender o nome de Aurora.
Meu amigo não entendia. Não era capaz de entender. Meu código moral exigia que eu me
casasse com Aurora, mas depois do que eu senti, do que eu vivi com ela em cima do feno...
— Aurora não é o que diz ser. Não era virgem...
Tavares enrubesceu.
— Como assim?
— Ela não sangrou.
Tavares pegou um pedaço de torresmo e mordiscou, pensativo.
— Tem mulheres que sangram pouco, talvez o sangue tenha ficado no feno.
— Eu observei bem. Busquei pelo sangue como pela minha vida, porque realmente eu queria
uma prova da inocência de Aurora, mas... Anastácia disse bem. Anastácia me disse que Aurora me
enganava. Que era uma meretriz.
— Eu já te disse mais de mil vezes: pare de se intoxicar com o veneno de Anastácia. Converse
com Aurora.

O vento quente cruzou por mim balançando minha franja despenteada. Na minha frente, Aurora
parecia em estado de choque, enquanto um homem estranho simplesmente sorria na minha direção e
depois se afastava, como se não devesse nenhuma explicação.
— Antônio... não sei quem ele era — ela disse, e uma parte de mim queria acreditar nela. —
Estava colhendo flores quando esse homem apareceu do nada, e me beijou.
Seria fácil acreditar em sua doçura, sua delicadeza, desde a primeira vez que a vi, enamorei-
me de seus cabelos claros e olhos gentis. Mas, não podia mais negar o óbvio.
— Acabou, Aurora.
Ela largou os braços do lado do corpo, as flores caíram no chão.
— Não pode fazer isso comigo. Você me arruinou.
Sua acusação parecia quase uma piada de mal gosto.
— Você me arruinou — apontei. — Quando dormiu comigo, sequer era pura.
— Nunca tive nenhum homem antes ou depois de você, Antônio. — Lágrimas cruzaram seu
olhar e ela correu em minha direção, tentando me segurar. Porém, eu estava enojado com tamanho
teatro e a afastei. — Antônio, você não pode me deixar. O que vai acontecer comigo? Estou
grávida...
Sua frase me estremeceu. Havia sim uma possibilidade de a criança ser minha. Assim como
devia ser de qualquer um dos homens com quem ela dormia. Anastácia me disse que sua fama era
enorme, e que eu só não a soubera antes por que, vendo meu interesse, ninguém se atreveu a falar
sobre Aurora para mim.
— Problema seu.

Meus olhos abriram e eu pude ouvir o som característico da noite no lado de fora do quarto do
hotel. Ergui a mão e toquei minha testa suada, perguntando-me que porra de sonho foi aquele.
Meu olhar caiu para o lado, onde Adriana dormia.
Seu sono me fez observá-la com mais atenção. Sem conseguir me conter, ressalvei seu corpo
nu até meus olhos caírem no seu baixo ventre.
Não havia sangue.
Obviamente, eu tinha certeza de que Adriana era virgem – e por algum motivo, eu pensava que
a mulher do meu sonho, Aurora, também o era. Agora, eu entendia que existiam himens elásticos, que
não se rompiam, ou se rompiam com dificuldade, após várias tentativas. Mas, o tal Antônio não era
ciente dessa informação médica, até porque, pelo que entendi, pelas roupas que o vi vestindo, ele era
de uma outra época, onde himens elásticos não salvavam a reputação de uma mulher.
Gemi, pensando em Aurora e na dor que vi em seus olhos. Meu olhar de novo perdeu-se em
Adriana.
Por algum motivo eu vi Aurora nessa figura delicada ao meu lado. Meus olhos encheram-se de
lágrimas e um remorso descomunal me tomou.
Puxei-a para meus braços, e ela sequer acordou, mesmo que minhas mãos firmes a apertavam
contra mim com toda a força que eu tinha.
Eu não sabia exatamente o que era aquele sonho intenso, mas eu sabia que estava em dívida
com Adriana. E eu pagaria, mesmo que levasse a vida toda nisso.
Capítulo 17
Adriana
Minha face ardeu com o bofetão. Eu me curvei ao chão, enquanto Binha, minha ama, corria na
minha direção e tentava me segurar em seus braços.
— Minha sinhazinha... — ela murmurou, confortadora.
Meu pai andou de um lado para o outro. Sua expressão era um misto de ódio e desprezo.
— Minha filha... uma... como os escravos chamam mesmo?
— Quenga — minha mãe respondeu, enquanto bebia uma xícara de chá.
Não parecia incomodada com a situação. Bem da verdade, ela nunca se importou comigo. Fui
criada sob as saias de Binha, tendo apenas nas negras da fazenda um resquício de amor.
Era estranho que o padre da paroquia local dizia que os negros não eram capazes de amar,
porque não eram humanos. Binha foi a única pessoa a me destinar amor e sem ela eu não sabia o que
seria de mim.
O padre estava errado. A igreja toda estaria? A dúvida me corroía na mesma medida que eu
imaginava se meus pensamentos não eram assim porque eu era uma devassa pecadora?
O salário do pecado é a morte. Era o que eu merecia. Mas, a morte não me atingiu. Foi o
desprezo daqueles que me cercavam que me tomavam como um rio inundando uma vila desamparada.
Mesmo Antônio, em quem tanto confiei, me apunhalou sem misericórdia.
No dia anterior, informaram-me de que ele deu uma festa para anunciar seu noivado com
Anastácia. Foi no colo de Binha que acalmei minhas lágrimas, a dor da perda e da vergonha me
avassalando. No ventre, o fruto daquele engodo crescendo a cada dia.
Eu sabia qual seria meu destino...
— Ele disse que me amava... E que se casaria comigo — justifiquei, em vão, para meu pai.
— E tu acreditaste, criatura estúpida? Esse é o discurso de todos os homens! Agora, o barão
comprou terras no Sul e partirá, deixando para trás minha filha desonrada e um bastardo em seu
ventre. E nem pude reclamar, porque, que justificativa tenho? Ele não a forçou, dormiu com ele
porque quis. Desavergonhada! Desonrada!
De repente ele se aproximou de mim. A visão que se seguiu me marcou. Meu pai me arrastou
pela sala sobre o olhar de desprezo de minha mãe. Quando se aproximou da porta, atirou-me para
fora como se estivesse mandando embora um cachorro sarnento.
— Não te quero mais aqui. A partir de agora, tu morreste para mim e para essa casa.
As únicas lágrimas que vi foram as de Binha.
Ninguém mais chorou minha partida, porque assim como Antônio, minha família também não
me amava.
Obviamente, todos souberam por que meus pais me expulsaram de casa. Não sei como a
notícia se espalhou tão rápido, mas no final daquela tarde, Madame Rosa, a dona do bordel da
cidade, me interceptou perto da igreja.
— Não tem para onde ir, não é criança?
Neguei.
— Eu não posso te dar uma casa de graça, mas posso te acolher. Sabe, passei pelo mesmo.
Filha de boa família, enganada por um cafajeste. Assim como tu, prenha e sem lar, não tive escolha a
não ser a prostituição.
Fechei meus olhos com força, tentando adquirir forças.
— É o único jeito. Mesmo que tu tires o bebê, não terá escolha porque teu nome já foi
manchado. A futura baronesa já contou para todo mundo que você está grávida e ninguém sabe de
quem, porque dormia com muitos homens. Dizem que inclusive casados...
— Nunca fiz isso — me defendi.
— Ora, eu sei. Os casados vêm até minha casa, dormir com minhas cabritinhas. Homem
casado não precisa enganar boa moça quando as más estão à disposição. Você pode ser uma delas, e
conseguir dinheiro para criar seu filho, até mandá-lo para uma boa escola interna. Ou pode limpar a
casa, ser empregada. Estamos precisando de uma moça caprichosa para lavar nossos lençóis.
Eu sei que era degradante trabalhar para um bordel, mas senti lágrimas de gratidão inundando
meus olhos. Segurei as mãos de Rosa e as apertei.
— Muito obrigada...
Se eu pudesse ter o bebê e viver com o mínimo de dignidade, já estava grata. Não podia
esperar nada mais que isso.
A dor provocada pelo abandono de Antônio sempre seguiu comigo.
Eu o conheci numa tarde de sol, num jardim, e ele pareceu iluminado como um anjo trazido por
Deus para minha vida.
Esqueci que nem todos os anjos eram divinos.
Eu o amei desde o exato instante que conversamos. E, quando ele me pediu para provar meu
amor, eu acreditei que ele realmente era sincero comigo. Ele me jurou casamento, um lar... Falava-me
de bebês, filhos, bailes, uma casa grande... Todas as suas falácias eram recebidas como verdade por
mim.
— Por que está fazendo isso comigo? Por que está me torturando assim? — indaguei, quando
ele me abandonou.
— Já disse, tudo é problema seu.
E com isso, ele partiu. Em poucos dias, anunciava o noivado com outra. Eu sabia que estava
grávida e até tentei esconder, mas os enjoos não permitiram. Eu já estava trabalhando no bordel
quando Antônio partiu para o Rio Grande do Sul com a nova esposa. Seu amigo, Tavares, veio à
minha presença me oferecer ajuda, mas recusei. Doía-me muito, mas não queria mais nada
envolvendo Antônio em minha vida, tirando seu bebê. Isso incluía a amizade de seu melhor amigo.
— Eu vou descobrir quem fez isso com você — Tavares me jurou. — Quem te condenou a uma
vida de tanto sofrimento.
Nunca soube se ele cumpriu.
Expulsa, forçada a trabalhar numa casa de prostituição, vendo toda a minha vida desgarrada
diante de mim, sabendo-me uma pária naquela cidade, acreditei que isso era o que de pior me
ocorreria, até um homem invadir a cozinha do bordel numa noite e me ver lá, limpando o fogão.
Minha barriga era enorme. Imaginei que ele me deixaria porque gravidas costumavam enojar
os homens (soube disso no bordel, que era muito frequentado por maridos em busca de conforto por
conta de esposas barrigudas), mas o homem bêbado avançou contra mim.
Tentei correr até a mesa de madeira e pegar uma caçarola para jogar nele, mas, com oito
meses, estava pesada e exausta demais para lutar. Fui atirada no chão e cai em cima da barriga. Senti
o impacto na hora, meus olhos escureceram, na mesma medida que a dor me asfixiou.
A dor não foi a única causa de minha falta de ar. As mãos pesadas do homem na minha boca,
para me impedir de gritar, também me fizeram derrotar.
Minhas saias se levantaram, enquanto ele se projetava no meio das minhas pernas.
Uma parte de mim fugiu. Meus olhos focados no teto, escondendo-me da visão perturbadora do
meu estupro. O sangue escorreu pelas minhas pernas, fruto da violência das suas punhaladas e da
morte do meu bebê, que sequer chegou a nascer.
Quando ele terminou, se levantou, ergueu as calças e saiu. Minha visão turva me lembrou de
que tudo isso tinha um culpado: Antônio. Mas, mesmo ciente de toda mágoa, eu não conseguia odiá-
lo. Nem mesmo a Anastácia, sua nova esposa.
Ele era feliz no Sul, enquanto eu agonizava no chão duro e frio de um bordel, perdendo seu
filho junto com muito sangue.
Por que eu era incapaz de odiá-lo?
Eu queria tanto sentir esse sentimento.
“Você é uma boa alma”
Presente e futuro perderam-se na afirmação de Victor.
Como Adriana, só então eu entendia por que ele me disse tal coisa.
Não precisei ver, mas soube que, após ser encontrada no chão e saber que meu filho estava
morto, eu me matei. Um crime sem perdão para o divino. Mesmo assim, um crime pelo qual fui
perdoada.
Deus odeia o pecado, mas ama o pecador.
E compreende a dor. Sentiu ela na pele quando cá esteve.
E a dor era tamanha que não suportei. E mesmo no auge da dor, não praguejei contra aqueles
que me causaram tanto mal.
Eu era só uma menina. Que idade? Menos de vinte anos. Meu nome era Aurora. A luz que
desponta antes do sol nascer. Eu não tive tempo de florescer. De irradiar. De viver. Só sofri.
Mas, agora eu tinha outra chance.
Minha escolha devia ser o perdão ou a vingança.
Meus olhos se abriram e vi Antony a me encarar, surpreso. Imaginei se meu corpo ficaria
dormente como costuma na paralisia do sono, mas logo me mexi, buscando um robe e me cobrindo.
— Adriana?
— Preciso ir — disse a ele, que não pareceu surpreso.
E isso me deixou em choque.
Estava ali, diante de mim, Antônio. E não um Antônio sem saber o peso da culpa que
carregava. Esse Antony era o Antônio ciente de todo o mal que me fez.
— Você sabe? — questionei, porque era tudo que conseguia entender.
A culpa, o remorso... todos os sentimentos em sem semblante atônito. Antônio deu um passo na
minha direção, mas eu recuei dois.
— Eu te amo — ele disse, o que para mim não tinha nenhum significado.
— E eu o odeio.
Capítulo 18
Antony

A vida era muito simples. Estudar, me formar, trabalhar, pagar as contas, viver cada dia sem
grande importância, apenas cruzando pela terra e não prejudicando os outros.
Até hoje.
Certa vez uma espírita disse num programa de televisão de que não sabíamos a nossa vida
anterior porque se nos lembrássemos de cada merda que fizemos, iriamos nos torturar sem piedade.
Eu entendi sua colocação hoje.
Não sei por que veio tudo de um supetão, mas eu descobri que era Antônio, que amava a
mulher a minha frente, e que a havia ferido como ninguém mais.
Eu fui a causa da sua desgraça. Do seu suicídio. Quando Tavares... Tavares... A Imagem de
Tatiana me tocou e eu sacodi a cabeça tentando tirá-la da mente... Quando Tavares veio até meu
encontro em Encanto, e me contou sobre como interceptou o homem que vi beijando Aurora, e de
quem o homem recebeu ouro para me fazer acreditar que Aurora era uma vadia...
Deus...
Tavares também conseguiu falar com um médico que me explicou que havia alguns estudos
sobre o sangramento feminino, pois eles podiam não ocorrer.
E foi assim que entendi tudo, e essa compreensão veio com uma dose de ressentimento por ter
sido tão idiota. Eu perdi a mulher que amava porque era incapaz de acreditar que ela me amava
também.
Eu pensei em voltar para Salvador. Nada importava além de voltar para ela, simplesmente
estar com ela. E dentro dela.
Embora não fosse tudo sobre sexo. Sim, eu gostei do que fiz sobre o feno, mas era todos os
pedaços dela, todas as suas nuances, que me causaram tanto turbilhão e emoção.
Mas Aurora estava morta. Há mais de dois séculos. E ela se matou por minha culpa. O filho
que fiz nela teve um final trágico. Tavares me contou, dizendo-me que jamais seria meu amigo
novamente, e que eu não merecia a mulher que ela foi.
Era um fato.
Não merecia Aurora. E merecia a traição de Anastácia. Não a matei porque a peguei na cama
com Francisco, mas porque foram ambos, esposa e servo, que tramaram contra Aurora.
A luz fraca me fez encarar Adriana.
A culpa era minha. Não de Francisco ou Anastácia, mas minha. A inquietação quebrou o
silêncio enquanto eu marchava em sua direção, meus pés raspando contra o tapete, minhas pontas dos
dedos pressionadas contra ela, como se eu estivesse procurando sabê-la real.
Perdi a noção de quanto tempo fiquei ali, observando seus olhos lacrimejantes. Ela era meu
alfa e meu ômega, a mulher de minha vida, de todas elas... e eu a machuquei de tal forma...
Aurora... Adriana...
— Eu te amo — repeti, tão firme.
Corri meu polegar sobre sua bochecha. Estava lavada de lágrimas. Havia mais para absorver,
o molhado de seus olhos parecia não ter fim.
De repente nossos olhos focaram um no outro.
Eu tinha outra chance. E isso era algo que eu não podia desperdiçar. Rosnei enquanto a beijei
ferozmente, minha língua girando com a dela. Uma das minhas mãos agarrou sua bunda, a outra
deslizou por seu quadril e sobre suas costelas. Adriana choramingou e agarrou-me com as duas mãos.
Ela não queria retribuir, mas não conseguiu resistir.
Há muita saudade entre nós.
Adriana gemeu ansiosamente em meus lábios, como se ela estivesse morrendo de vontade de
mais, mas sem coragem de seguir adiante. Minha mão continuou se movendo, e quando eu deslizei
sobre o monte macio de seu seio, sua respiração falhou bruscamente.
Suas costas se arquearam, empurrando a dura protuberância de seu mamilo contra minha
palma.
Meus dedos brincaram com o pequeno botão dolorido, e ela suspirou de prazer. Suas pernas
apertaram em torno de mim, enquanto meus dedos capturavam seu mamilo nos polegares, brincando
com ele até que Adriana esteja tremendo por mim.
Seu robe abriu, seu corpo nu apareceu diante de mim. Seus quadris balançaram novamente,
como horas antes, mais forte desta vez, e eu soube que ela pode sentir o quão duro meu pau é para
ela.
Minha língua girou com a dela, e eu devorei seus gemidos inteiros. Seus olhos brilhando com
fogo quando eles travam nos meus, e eu a encaro.
— Se você quiser que eu pare, eu vou parar.
Ela negou.
— Então me deixe ficar entre suas pernas — digo densamente, meus olhos queimando nos
dela. — Abra essas lindas coxas e deixe-me te foder até esquecer tudo que já aconteceu entre nós.
Adriana agarrou meu rosto e me beijou. Eu rosno em sua boca enquanto suas pernas se abrem
para mim, e minha mão desliza até seu centro. Meus dedos arrastam sobre seus pelos arrepiados, e eu
assobio para o quão molhada ela está.
Eu esfrego meus dedos sobre ela, e Adriana choraminga baixinho. Meu dedo grosso encontra
os lábios carnudos de sua boceta. Posso quase sentir eles moldando-se a mim. Empurro o dedo para
baixo e vibro num ritmo cadenciado. Adriana treme como se já estivesse perto de gozar apenas com
o meu toque. Meu dedo desliza para baixo e desliza sobre os lábios macios, lisos e aveludados de
sua boceta; meu pau duro como rocha balança contra sua coxa.
Adriana se engasga quando meu dedo desliza para cima e para baixo. Ela não quer, eu sei que
a dor e tristeza em seus gemidos não são apenas excitação, mas Adri não consegue fugir. Eu arrasto
meu dedo mais alto, e quando eu o rolo sobre seu clitóris, ela grita.
Devoro seus lábios, e meu polegar começa a brincar em círculos sobre seu clitóris. Deslizo um
dedo entre seus lábios, e quando eu encontro sua abertura lisa e molhada, eu começo a enrolá-la para
dentro. Ela se agarra a mim, ofegando, gemendo, enquanto enfio meu dedo para dentro, meu polegar
esfregando seu clitóris para frente e para trás.
Suas unhas arrastam pelo meu peito, sua língua dança com a minha, Adriana geme. Sua
pequena boceta úmida e ansiosa inunda meus dedos com sua excitação, e eu bombeio meu dedo para
dentro e para fora. Eu a empurro mais alto, deliberadamente. Seu semblante carregado de prazer faz
meu pau latejar e minhas bolas doendo para a liberação.
Eu enrolo meu dedo mais fundo e esfrego seu clitóris com mais força, Adriana começa a
desmoronar. Ela geme, se contorce e se balança contra mim. Logo ela está praticamente montada
sobre minha mão. Sua respiração fica mais rápida e irregular, até que, de repente, me olha com o
rosto em dúvida.
— Não se afaste, Adri — imploro. — Goze em meus dedos...
Ela joga a cabeça para trás e explode em mim. Sua boceta aperta em torno do meu dedo, e
enquanto ela grita, posso senti-la inundando minha mão.
E então, de repente, tudo dá errado. De repente, ela se afasta do meu peito e, quando ela olha
para mim, não vejo luxúria ou felicidade orgástica. Eu vejo raiva.
Seu rosto está pálido. Ela volta a fechar o robe.
— Adriana.
— Nunca mais, Antony...
Seus olhos estão arregalados e suas bochechas sem cor. Ela parece petrificada, ou como se
tivesse acabado de passar por uma experiência horrenda.
— Você acabou com a minha vida — ela respira, seus ombros ainda pesando e seus olhos
brilhando nos meus.
— Eu te amo — insisti.
A raiva obscurece seu rosto e meus olhos se estreitam.
— Você sabe o que aconteceu comigo depois que foi embora?
— Tavares me contou...
— Ele contou como fui estuprada? Como o abusador me empurrou contra o chão batendo
minha barriga e provocando um aborto? Como ninguém se importou, além das prostitutas? Como a
polícia riu das minhas lágrimas? De como me senti em sabê-lo feliz e casado enquanto eu estava
destruída e abandonada? Eu duvido que Tavares tenha contado tudo.
— Ele contou. Eu sei que não há perdão...
— Tem razão. Não há.
Ela se virou e correu.
Por um momento, pensei em persegui-la, em implorar para Adriana ficar. Mas, eu sei que não
tenho direito disso.
Nunca terei.
Capítulo 19
Adriana

Como era fácil se entregar ao ódio. Bastava que a mente focalizasse nas lembranças que
pareciam pesadelos intermináveis.
A dor de Aurora agora mesclava-se a minha. Era difícil separar. Aurora conheceu a vergonha.
Eu, a experiencia não fácil de uma infância nas mãos de um molestador.
Tudo que se seguiu foi apenas uma gota no mar de dor que já experimentei. Todavia, outra
certeza me tocava: O ouro se molda no fogo.
Eu me sentia forte. Como nunca. Mesmo com raiva de Antony, não havia ódio em meu ser.
Seria fácil se entregar a sentimentos maus, se eles existissem, o que não ocorria.
Era incrível. Eu era incapaz de desejar vingança.
Nem de Antônio, nem de Anastácia...
Meus olhos volveram-se para a enorme casa que erigia à minha frente.
— É por isso que você me teme, não é? — indaguei a ninguém, observando as colunas de
alvenaria que pareciam ranger como se fossem de tábuas.
Victor, Francine, Eduarda... tantas almas presas ali e talvez a forma de as libertar fosse alguém
como eu morando na casa. Um inimigo à altura.
— Olá Adriana.
Era noite, então não esperava ver ninguém por ali, especialmente Geovanna que parecia
pequena e frágil perante aquele monumento.
— Caminhando à noite? — indaguei.
— Esperança é um local seguro. Eu gosto de passear quando o sol se põe.
— Nem tão segura. Esqueceu-se de que aconteceram assassinatos a pouco tempo?
Ela sorriu, se aproximando de mim. A observei atentamente, imaginando como aquela mulher
conseguiu conquistar o coração de Alex. Era estranho, pois Alex parecia um modelo fotográfico, e
Geovanna... bem... ela era feia.
Seu rosto angular, de queixo proeminente, voltou-se para a casa. Seus olhos brilharam com
amor.
— Essa casa tem muita história para contar.
— Sim, eu sei disso.
— E pensa em ficar? — Ela inquiriu. — Não acho que Esperança é um lugar para você.
— Diz isso porque quer que vendamos a casa?
— Adriana, você é o único empecilho — foi absurdamente sincera. — Se você não estivesse
aqui, Antony já teria vendido a casa para nós. Sinto que o que o segura é você.
Pensei em Antônio e em sua história na casa. Antônio foi quem primeiro cometeu assassinato
ali...
Não.
O menino índio que manchou a terra de sangue... Essa foi a primeira vítima.
Havia ligação?
— Se depender de mim, Antony não venderá a casa — afirmei.
Seus olhos volveram na minha direção. Pude ver um brilho lá, algo que não era capaz de
captar, até ela me dar as costas e começar a andar para longe.
O tempo parou. O vento cessou. O silêncio me arrebatou.
Era quase imperceptível.
Um leve desnível em seu andar.
Observei seus sapatos e notei a diferença de saltos.
— Você é manca? — indaguei, o que a fez estancar.
— Aleijada desde que nasci — ela me respondeu.
Então girou o corpo e me encarou. Seu olhar me fez tremer.
— Aleijada desde que seu amado atirou em mim.
Minha boca abriu-se, surpresa. Uma parte de mim procurou o coldre na cintura, mas não tive
tempo de pegar a pistola.
Uma forte pancada em minha cabeça me apagou.
Antes de desmaiar, vi as duas figuras nubladas perto de mim.
Eram as mesmas figuras que mataram Eduarda.
O tempo não muda. Apenas se repete num dejavu eterno.
Capítulo 20
Antony
Ela não voltou para o quarto. Durante toda a madrugada fiquei tentado em ir atrás dela; ao
mesmo tempo, respeitando seu sentimento de que não me queria por perto, soube que precisava
aguardá-la.
O problema é que ela não voltou.
Antes de ir, ela pôs um vestido qualquer sobre o corpo e saiu. Sem bolsa, sem mala. Apenas de
corpo, roupa, casaco e a pistola que nunca deixava de lado.
Quando o sol raiou e ela não apareceu, por fim decidi que devia ir buscá-la.
Como ela não tinha levado dinheiro, sabia que não tinha ido embora. Mesmo assim, fui até a
rodoviária para ter certeza. Ninguém a viu. Na cafeteria, ela também não apareceu. Na cidade toda,
ela parecia um fantasma alheio, todos sabiam quem ela era, mas ninguém a tinha enxergado zanzando
em lugar nenhum.
Talvez então tenha ido para uma das inúmeras fazendas.
Durante dois dias, eu procurei por todas as casas em Esperança. Falei com todas as famílias.
Nada. O local que eu evitei inúmeras vezes, a casa amaldiçoada, foi meu último local de busca.
Estava vazia.
Então, sem saída e contra todos os meus instintos, liguei para a polícia de Encanto. Fui
transferido para o chefe dela, que prontamente já desconfiou de mim.
Não importava. Se eles organizassem uma força tarefa para achá-la, era o suficiente.
Eu só sabia de algo. Não podia perdê-la. Não novamente.
Eu não dormi durante todo o período desde que Adriana sumiu. Me corroía não saber onde ela
estava. Me culpava porque a deixei ir sem tentar impedi-la. E se ela tivesse... feito o mesmo que
Aurora?
Eu nunca me perdoaria.
Sentei-me na cama, lá fora uma égua relinchou chamando o filhote. Joguei meu corpo cansado
para trás, meus olhos fixos no teto, tentando me lembrar de cada palavra trocada entre nós, qualquer
vestígio que pudesse ter deixado de onde estava.
Meu primeiro sentimento é de que ela pudesse ter ido na casa. Mas, fui lá... não havia ninguém
naquele ambiente funesto. Em nenhum canto.
Eu não conhecia bem a planta da casa, mas procurei em cada quarto e sala.
— Não procurou direito — um som me fez abrir os olhos.
Pela primeira vez experimentei a sensação terrível e dolorosa da paralisia. Era apavorante,
seu corpo acordado, mas morto, apagado.
Meus olhos, única parte do meu corpo que se movia, foi na direção masculina perto de mim.
André...
Meu irmão...
— Eu perdi minha esposa e minha filha. Você também perderá a esposa e a filha se não fizer
nada.
Meus olhos se arregalaram.
— Ela está na casa, irmão. Chame a polícia e derrube cada parede que tiver, se precisar. Ela
está lá. Você só precisa prestar atenção.
E depois disso, sumiu.
Capítulo 21
Adriana

De todas as minhas lembranças intensas, a recordação que jamais saiu da minha mente era o
cheio acre, azedo, que a casa de meu pai tinha. Recordava-me bem daquilo, ainda podia sentir aquele
odor velho como se o mesmo estivesse impregnado no nariz. E talvez morresse com aquela sensação
desagradável, sabendo que ela me acompanharia até o inferno.
De certa forma, aquele cheiro estava ali, na casa. A casa tinha vida e queria que eu soubesse
disso. A casa estava me deixando experimentar a dor da minha infância, como se quisesse me punir
por tudo que eu já fiz.
O que eu já fiz?
Dizem que o tempo apaga certos pensamentos e certos rostos. Estranhamente, não conseguia
me lembrar direito do rosto de meu pai. Ele era apenas uma nuvem nublada, um amontoado de
cabelos grisalhos e pele pálida. Mas, Anastácia e Francisco não...
Quem me destruiu nessa vida era apenas um amontoado embaçado em minha mente. Mas, quem
me destruiu quando fui Aurora tinha nariz, olhos, boca... Essa intensidade fosse talvez porque
Anastácia e Francisco entregaram para essa existência apenas uma figura destruída, apática, um nada.
Eu não era ninguém.
A ideia se formou muito antes de eu nascer. Quando Antônio me abandonou para se casar com
Anastácia, ele cravou em mim marcas profundas demais. E tudo que existia em mim era um
sentimento de amor não correspondido, que nessa vida não consegui preencher nem com família, nem
com amigos, nem com remédios.
Até reencontrá-lo.
Antony...
Cada minuto daqueles quase trinta anos foi de uma busca desenfreada que culminou em minha
chegada em Esperança. Agora, meu corpo preso em uma cama que fedia tanto quanto a casa que vivi,
as cordas cortando seus pulsos, e a dor insuportável em minha cabeça machucada fez com que a dor
voltasse com toda a intensidade.
Fazia três dias inteiros e uma noite desde que fui capturada. Desde o fato, não havia comido
nem bebido nada. A comida não fazia tanta falta, mas a sede queimava minha garganta. Mesmo assim,
fui mantida dopada, dormindo. Nos poucos momentos que acordei ouvi o som de passos no andar
superior da casa, sabiam que estavam me procurando, mas Anastácia e Francisco fizeram um bom
trabalho em camuflar a porta do porão e, amordaçada e fraca, não tinha condições de soar nenhum
alarde de onde me encontrava.
A vista escureceu novamente, e fechei os olhos. Senti que iria morrer ali, e quase gargalhei
perante a constatação. Não que a vida fosse de grande importância para mim, mas me doía
demasiadamente saber que a última coisa que fiz antes de ser levada foi dizer a Antony que o odiava.
Quando na verdade ele era o grande amor da minha vida. Dessa e de todas as outras.
Sim, o amava. Amava mesmo que ele tenha me machucado. Mesmo que ele tenha me
abandonado desgraçada na Bahia, me tornado uma pária na sociedade, me feito suicidar-me.
Era, com certeza, a mais tola das mulheres. Lágrimas escorreram pelo meu rosto, salgando
meus lábios secos.
O ranger na porta me tirou do devaneio. Queria secar os olhos para não dar aquele gosto de
satisfação ao meu algoz, mas as mãos estavam atadas na cabeceira da cama. Então tudo que fiz foi
engolir o restante do choro e manter a cabeça altiva, a observar a pessoa.
Morreria sim, mas com meu orgulho intacto.
— Aurora chorando? – o riso debochado me fez estremecer. – Eu lembro de você quando era
orgulhosa, cheia de si... e agora como Adriana, parece uma fortaleza...
Sentiu-me zonza. Fechei os olhos.
— Você sabia quem eu era o tempo inteiro, não é? Quando se lembrou de tudo? — questionei.
— Já tem algum tempo. A casa me ajudou.
Suspirei.
— Por que me odeia, Francisco? Nunca te fiz nada.
A risada ecoou pelo quarto. Abri meus olhos e a encarei.
— Nunca me fez nada? – divertiu-se. A mão buscou uma faca e uma maçã. Ela começou a
comer na minha frente, fazendo com que meu estômago revolvesse de fome. – Nunca me fez nada? —
murmurou. — Sou manca por sua causa.
— Minha causa?
— Antônio me flagrou fodendo a mulher dele. Me deu um tiro no pé antes de me matar. E nessa
vida nasci aleijada. Sabe como minha mãe me chamava? Mercadoria danificada!
— Eu não entendo por que você me culpa...
— Como não entende? Anastácia me amava. Eu a amava também. Nós queríamos ficar juntos,
mas eu era a porra de um preto de mãos calejadas e Anastácia era de uma família falida. Então
tivemos a ideia de arrumarmos um trouxa com dinheiro, e que se casasse com ela. Depois de um
tempo nós nos livraríamos dele e, ela viúva e eu como seu servo, poderíamos vivermos juntos,
discretos. Mas, você sempre atrapalhou tudo.
— Como Geovanna? Diga-me Geovanna, como eu atrapalhei você se Antônio me abandonou
para casar-se com Anastácia!
— Você acha que Antônio nos matou por ciúmes?
— Você mesmo disse que...
Seus olhos nublaram-se.
– Ele descobriu que armamos para você. Descobriu que abandonou a mulher que amava a
própria sorte e que ela se matou por nossa causa. Não sei quem lhe contou, acredito que tenha sido
um amigo que ele tinha... Tavares, acho... Enfim, ele chegou naquele dia pronto para nos matar. Nos
pegar na cama foi apenas um acaso. Não teria feito diferença.
Irritei-me.
— Meu Deus, como vocês dois são sujos.
— Somos vítimas das circunstâncias. Anastácia, agora Alex, sempre foi premiado com beleza.
Mas, seu amor é destinado a alguém como eu... antes, numa época de escravidão, um preso, amarrado
pelo chicote do pai de Anastácia que só me deu alforria porque a filha lhe prometeu dinheiro. Agora,
Alex, amando essa carcaça feia e manca... Todos olham para mim e se questionam por que Alex quer
essa coisa magra, esquelética, e desengonçada... Você nunca soube como é ser julgada pela
aparência...
Geovanna mordeu outro pedaço da maçã. Minha boca salivou, então voltei a fechar os olhos.
— E o que tem a casa a ver com isso? – então percebi a verdade. – Por que não ficaram presos
na casa como Victor e Francine?
— A casa ama Alex e eu. Já Victor e Francine são alimentos.
— Como? – estava incrédula.
— A casa nos protege e tudo que pede de nós é um pouco de sangue em dias de lua cheia,
algum tipo de ritual para celebrar a primeira morte... de um menino índio, não sei bem, e nem me
preocupo com isso.
— Como não se preocupa? Não percebe que isso é demoníaco?
— Adriana, não existe essa história de bem e mal. – Geovanna apontou a faca para mim. —
Somos apenas frutos do ambiente que vivemos. Talvez se, nessa vida, eu tivesse tido o amor de uma
mãe... ou de um pai.
— Não tive o amor de um pai ou mãe, nessa vida ou como Aurora, e ainda assim não sou
podre como você! Jamais mataria alguém... Deus, o que aquela menina, Eduarda, fez contra você?
— Não fez nada. A coitadinha jurou que Alex iria comê-la, trair a noiva, e caiu fácil na
armadilha.
— E ela está aqui? Na casa?
— Ainda nem percebeu que morreu.
— Meu Deus... Como você ainda pode querer morar aqui?
— A casa devia ter sido nossa, de Alex e minha. Foi nessa casa que nós juramos nosso amor
para sempre.
Não aguentava mais ouvir aquilo. Essa pessoa asquerosa, doentia, maldita.
— Se vai me matar, faça isso de uma vez.
— Ainda não, Adriana – ela voltou a cravar a faca na maçã. – Ainda temos muito a colocar na
balança. Você roubou minha vida, meus sonhos. E agora você tem a casa, me impedindo de comprá-
la. Você tem tudo que um dia eu quis, acha que iria ficar em silêncio sem fazer nada?
— Você não merece a casa. Você não merece nada, Geovanna.
A faca e a maçã caíram no chão no momento que ela abandonava a cadeira e ia à cama.
Quando senti o rosto arder pelo bofetão, meu primeiro pensamento foi de que os anos deram energia
a Geovanna. No seu corpo, uma fúria emergia, nos olhos, o olhar desgarrado de Francisco dera lugar
a um irado veneno. Brilhava em Geovanna a loucura e o ódio.
— E qual é o plano, afinal? Matar-me não vai te dar a casa. Antony nunca a venderá para
vocês.
Geovanna se sentou na beirada da cama.
— No momento me satisfaço em te ver morta, puta! – balbuciou.
— Depois vai tentar matar Antony, não é?
Geovanna me observou por alguns segundos. Depois voltou a subir na cama. Sem medir seus
esforços, avançou e desferiu vários socos no meu rosto já machucado.
Minhas vistas escureceram quando as agressões pareciam não ter fim. Senti o gosto de sangue
na boca. E depois tudo foi escuridão.

Acordei com o cheiro asfixiante de alvejante. Como se estivesse num pesadelo, assim que abri
os olhos foi o rosto de Anastácia, agora Alex, que vi. Era incrível como eu não me recordei assim
que o vi pela primeira vez, no apartamento de Alex. Naquela época, em Salvador, ela era a melhor
amiga de Antônio, e desde que fomos apresentadas, me tratou com arrogância e desprezo.
Eu entendia. Era de uma família pobre e Anastácia dava muito valor para vestidos e luxos. Só
depois soube que ela também estava na miséria e que foi o casamento com Antônio que a salvou.
Podíamos ter sido amigas e nos unidos, mas eu sabia que aquele desprezo vinha de muito
tempo. Talvez antes de Salvador, talvez no âmago da nossa alma, do instante da nossa criação.
Alex continuava o mesmo, talvez apenas tivesse agora os olhos mais apáticos.
— O que Geo fez com seu rosto?
Quase não consegui responder. A boca seca, os braços dormentes e presos, o rosto
machucado... tudo havia tirando-me a capacidade de lutar. Mesmo assim, ordenei a mim mesma
encarar o homem. Eles me destruíram, eles eram o mal encarnado, não havia nada em mim para fugir
ou me esconder.
— Incrível como vocês dois conseguiram se reencontrar, agora com os sexos trocados... –
sussurrei. — Apesar de homem, você ainda tem a beleza de Anastácia, a forma intoxicante de olhar.
— Vou aceitar as palavras como elogio.
Ri baixo, com dificuldade.
— Eu entendo o ódio de Francisco, por causa de ser manco..., mas o que fiz contra você, Alex?
— Nada. Nunca fez nada contra mim. Mas, você é um empecilho para conseguirmos a casa.
Alex puxou um cigarro do bolso. Acendeu e deu uma tragada profunda.
— Os anos passaram, Adriana. E tudo que permaneceu igual foi a casa. A casa e a sua
responsabilidade em não conseguimos ela. Quando Antônio me matou, eu já o estava envenenando,
dia a dia. Em um mês, talvez, ele iria morrer. Mas, então, ele soube de você e me matou. Você sempre
foi o amor dele.
— Amor? Ele me abandonou grávida...
— E ele se culpou cada segundo após isso. Tenho certeza de que, se pudesse, ele cancelaria
nosso casamento e iria atrás de você. Iria te querer, mesmo puta e com um bastardo. Iria se sujeitar a
ter o nome manchado e ridicularizado para ficar com você. Imagine como se sentiu quando descobriu
que sua amada Aurora era inocente e que o filho que ela dizia esperar era de fato seu. Ah, Antônio se
corroeu. E por causa disso, ele me matou. E me matando, me impediu de ficar com Francisco e com a
casa. Aurora, odeio você de uma forma que nunca pensei que pudesse odiar alguém – sussurrou,
aproximando-se perigosamente. – Entende isso? Você tirou de mim meu maior amor. A casa.
Francisco. A vida que planejei. Não basta te prender e machucar, eu quero te destruir até o ponto de
que não reste nada.
Meus olhos escurecerem. Fechei-os, exausta. O que mais ele poderia fazer além do que estava
fazendo? Estava com fome, com sede, dormente pela posição que estava, e machucada. O quão
doente aquela dupla era?
— Vocês tiraram tudo de mim — argumentei.
De repente, a mão áspera apertou meus seios. O pânico que já havia se acalmado em mim
voltou com intensidade. Abri os olhos, percebendo que Alex me submeteria como o homem do
bordel que me estuprou no chão. Alex queria desgraçar minha alma, e apenas a tortura não era o
suficiente.
Alex subiu na cama, cada um dos joelhos cravados no colchão fino, em cima de mim. O pavor
me tomava e, então, o vi puxando meu vestido com força, rasgando a parte de cima e expondo-me.
O sutiã rosa claro apareceu e ele observou atentamente as formas. Alex desceu a mão dos
seios e espalmou meu centro feminino.
— O que está fazendo? Geovanna não aceitaria.
— Foi Geovanna que mandou. — Apertou, enquanto os dentes cravaram-se na pele alva dos
meus seios.
Apesar da fraqueza, gritei, e ele não teve dúvidas em se erguer e levar as mãos até o meu
pescoço apertando fortemente na intenção de calar-me. O ar faltou e eu senti que iria desmaiar.
“Erga o joelho e bata com força!”
A voz chegou a meus ouvidos com intensidade. Meus olhos se arregalaram, tentando entender
de onde o som vinha. Sem saída e sem pensar, obedeci. Para minha surpresa as mãos que me
asfixiavam liberaram-na imediatamente. Alex saiu de cima, blasfemando e com a mão nas partes
baixas. O olhar dele brilhava de raiva, e imediatamente imaginei se havia sido uma boa ideia adiar
minha morte.
— Vai me pagar, cadela – disse, enquanto eu tossia.
E saiu, parecendo ir em busca de alguma coisa.
Fechei os olhos, subitamente percebendo que iria morrer, mas com dor. Isso me atemorizou
mais que tudo.
Ouvi barulho vindo da cozinha, na ala superior. Imaginei que Alex buscava uma faca ou outra
arma. Imagens dele furando meus olhos ou me abrindo ao meio com uma lâmina dominou minha
razão. Já chorava em desespero quando uma mão frágil tocou minha testa, fazendo com que eu
abrisse novamente os olhos e encarasse, em total incredulidade, a imagem de uma criança.
Eu sabia quem era. André havia me mostrado aquele garoto muito tempo antes, quando, numa
visão, sua morte cometida pelos bandeirantes me foi revelada.
Meus olhos nublaram-se pelas lágrimas. O tempo pareceu parar e o som da voz irritada de
Geovanna no lado de cima desapareceu.
Então o menino apontou o chão. Segui com os olhos a direção indicada e o brilho metálico me
fez perceber o que ele queria indicar. A faca que Geovanna havia derrubado estava lá, próxima à
cama, esquecida pelos meus raptores.
— Como vou pegar?
O menino apontou para meus pés. Entendi imediatamente, e agradeci aos céus pelas aulas de
pilates que havia feito há pouco tempo antes de vir para Esperança. Levando um dos pés até a faca,
apertei-a no chão, enfiando o segundo dedo embaixo do objeto, pressionando com o dedão. Mal
acreditei quando a conseguiu agarrar e, vagarosamente, a trouxe até próximo das mãos.
— Agora, solte... – o menino sussurrou.
A faca caiu exatamente na palma de minha mão direita. Com toda a força que consegui
adquirir, cortei as próprias cordas. Poucos segundos depois, estava livre.
Levantei-me da cama. Os três dias deitada na mesma posição e a desidratação me fizeram
fraquejar. Pude ouvir os meus próprios ossos rangendo, e então voltei os olhos para o menino.
Não havia ninguém lá.
Insegura sobre ter visto um espírito ou ter tido uma alucinação, caminhei cuidadosa até a porta
do quarto. A mesma estava aberta. Como conhecia a casa, sabia que bastava subir a escada do porão,
cruzar poucos passos no corredor e estaria livre. Porém, estava vagarosa demais, dolorida demais.
Mordi os lábios, impedindo os gemidos de dor, contendo igualmente as lágrimas.
Antes de alcançar a porta, a figura sinistra de Geovanna surgiu. Ele me encarou, num misto de
incredulidade com raiva.
— Me deixe ir – implorei. – E eu nunca contarei que foi você que tentou me matar... Eu vou te
perdoar, e seguir minha vida, e você poderá seguir a sua, recomeçar...
A proposta não a interessou. Avançando sobre mim, tentou me empurrar para a cama.
Estava ali, o mal novamente tentando me avassalar. Ou eu lutava contra ele, ou eu ficaria presa
para sempre na casa, sem descanso, sem poder fugir.
Assim, sem titubear, fiz a única coisa que podia. Ainda com a faca nas mãos, permiti que ela se
aproximasse o suficiente. Antes mesmo de pensar, reuni o resto de força que tinha e avancei. Cravei a
faca no abdômen feminino, sentindo a resistência da pele, e depois o sangue a manchar minhas mãos.
Geovanna parecia incrédula enquanto gemeu alto e caiu para o lado, quase me carregando com
ela. Não tive tempo de pensar se havia a matado ou não e fui até a porta. O corredor parecia longo
demais, mas a saída estava lá, há poucos passos.
Pé ante pé, avancei. Num piscar de olhos, o menino índio voltou a aparecer, estava diante da
porta, como se a incentivar-me.
Porém, três passos seguintes e senti um forte empurrão. Cai no chão.
— Aonde você vai, cadela?
Alex me revirou no chão, ficando sentado sobre a minha barriga.
— Geovanna — ele gritou.
Silêncio.
— O que você fez com ela? — sua fúria me fez lacrimejar de puro medo.
Senti novamente a face ser agredida. De alguma forma, na última bofetada, a face já estava
dormente, e soube que estava morrendo. Foi um alívio tão grande que quase sorri.
Com o canto dos olhos vi o menino se aproximando e agachando-se ao meu lado. Senti os
dedos acariciarem meus cabelos e a voz dele cantou uma baixa canção cuja melodia animou minha
alma.
O vestido já rasgado foi agora completamente destruído. Alex se colocou entre as minhas
pernas dela, e puxou meu rosto, obrigando-a a encará-lo.
Só então vi que ele tinha uma arma na mão.
— Vamos brincar de papai e mamãe e depois você vai morrer – cantarolou.
Quando percebi que ele abria o zíper da calça, fechei os olhos. Os dedos do índio ainda
acariciavam meus cabelos e me concentrou no que aconteceria depois do estupro.
Antes, porém, de Alex conseguir penetrar, a porta se abriu com um estrondo. Nada, é claro, se
comparado ao estrondo que sucedeu depois. Ouviu passos, mas não tinha mais força para abrir os
olhos.
— Adriana! – era Antônio.
Se conseguisse rir, riria. Antônio destruiu minha vida como Aurora, e agora era meu herói?
— Alguém me ajuda aqui! – ele gritou.
Passos, muitos passos. Uma sirene no fundo. Outra voz forte anunciando.
— Ele está morto — era Davi.
Silêncio.
— Tem mais um corpo num dos quartos!
Uma junção de vozes e, subitamente, o calor. Antônio estava me abraçando.
— Aguente firme, ok? – ele sussurrou contra minha orelha direita.
Olhei para o lado. A figura da jovem Eduarda surgiu ao fundo. Era como se me agradecesse.
Com seus assassinos mortos, ela estava livre.
Talvez Victor e Francine também.
Era agora a minha hora de descansar.
Capítulo 22
Antony
Final

Cortava-me o coração vê-la naquele estado. Seu semblante apático, abatido, deitada sobre uma
cama hospitalar como se não restasse mais nada além de sua luta desesperada para sobreviver.
Ela queria sobreviver?
Como eu poderia saber o que se passava diante da dor estampada em sua face desamparada?
Davi surgiu ao meu lado e a observou. Desde o instante que eu liguei para ele informando o
sumiço de Adriana, até o segundo em que ela foi encontrada, com Alex em meio a suas pernas,
tentando violá-la, Davi acreditou que eu era o culpado. E me tratou como suspeito.
Não me importei. Ele não sabia, mas de alguma forma eu era o responsável por muita das
dores de Adriana.
— O médico disse que ela não ficará com sequelas — ele contou e eu senti o alívio em seu
tom. — Apesar do espancamento, tirando algumas costelas machucadas, e a fratura na mandíbula, de
resto ela está bem.
— Quando farão a cirurgia na mandíbula?
— À noite.
Assenti.
— Obrigado por tudo que fez...
Ele me encarou.
— Não fiz nada mais que a minha obrigação. Adriana é uma policial, uma colega, que estava
trabalhando...
— Eu sei que vocês dois tem as suas diferenças.
— Minha diferença com ela é o fato de eu ser louco por ela. Mas, vou ter que superar isso,
porque claramente não é recíproco.
Eu não sabia exatamente o que dizer. Ele teria que superá-la. E eu? Quando ela acordasse
naquela cama, seria meu rosto que iria querer ver? Depois de tudo que eu lhe fiz?
Aurora foi estuprada, sofreu um aborto, matou-se... Tudo por causa de Antônio. Por minha
causa. Era algo sem perdão. Se eu fosse Adriana, jamais me perdoaria.
— Como ela sabia que Geovanna e Alex eram os assassinos? — Davi me questionou. — Sem
o relatório dela, não consigo acreditar que ela acertou e foi atrás exatamente de quem matou
Eduarda... E talvez mais algumas pessoas porque encontramos ossadas na casa...
Encarei Davi.
— Sei que é uma pergunta burra, mas vocês conseguiram provas de que Geovanna e Alex eram
os assassinos?
— As cordas que usaram para amarrar Adri são as mesmas que usaram para asfixiar Eduarda.
Além disso, Alex confessou enquanto agonizava...
Eu sabia que Alex havia falado algo, mas não conseguia prestar atenção. Entre me conter para
não o matar com as próprias mãos e segurar o corpo fraco e quase sem vida de Adriana, optei por
ela.
— Alex disse que Geovanna e ele vão voltar. Que todos deviam se preparar, porque quando
isso acontecer, não sobrará nada de Esperança.
Suspirei.
— Bom... Meio difícil ele voltar do caixão, não é?
Davi ergueu as duas sobrancelhas, depois girou em direção a porta. Antes de sair, me encarou
firmemente.
— Eu já não sei mais no que acredito.
Adriana acordou exatamente três dias após seu resgate. Abriu os olhos, me encarou com
lágrimas, e depois os fechou novamente, como se estivesse cansada demais para mantê-los abertos.
Eu me mantive ali, tentando fazê-la ciente da minha presença, tentando fazê-la não desistir, não
agora, porque o erro que cometi como Antônio eu não repetiria como Antony.
A porta abriu e eu esperei ver Tatiana – ela me disse que viria ao hospital naquele dia – mas,
foi o médico que entrou.
— Ainda é muito cedo para afirmar — ele me falou após uma breve explicação sobre a
alteração no exame de sangue de Adri. — Mas, temos quase certeza de que ela está grávida.
Eu assenti, porque não era nenhuma surpresa. Seria uma menina. André me avisou.
— Sabe quem é o pai? Para tentarmos entrar em contato?
— Sou eu — explanei, mesmo sem saber se essa mulher guerreira iria me querer ao seu lado
quando soubesse da gravidez.
Porque eu era pouco para ela. Era um merda que não a merecia. Ela enfrentou sozinha todas as
adversidades da vida, e ao invés de estar ao seu lado, eu estava...
Duvidando dela...
Levou mais dois dias para Adriana abrir os olhos, dessa vez com lucidez. Ela me estudou por
alguns segundos antes de falar:
— O que está fazendo aqui?
Era direito seu perguntar isso. Não me querer por perto. Se ela me mandasse embora, eu iria,
mesmo que tivesse que ficar do lado externo do hospital e soubesse suas notícias por Davi ou
Tatiana. Estava mais certo que nunca que não tinha qualquer direito sobre ela.
— Geovanna e Alex estão mortos — contei.
Ela riu, desgostosa.
— Deus... Mortos? Ninguém mata o mal. Ele apenas adormece por um tempo. Eu sei que eles
vão voltar.
— Não vão voltar agora, Adri... Não agora. Eles temem você. Você os deteve pela segunda
vez.
Seus olhos focaram-se no teto. Lágrimas espessas deslizaram pelo seu rosto.
— Eu não sei se o quero por perto, Antony...
— Eu entendo. Você deve me odiar...
— Nunca odiei você. Apenas... é muito difícil...
— Me olhar?
Seus olhos viraram na minha direção.
— Eu sofri muito, Antony.
— Eu sei.
— Então você entende por que quero que vá embora?
Sim, eu entendia. Isso não evitou minhas lágrimas. Meus passos vacilantes. Não desejava
partir, mas era correto ela me afastar. Nenhuma mulher perdoaria o que eu fiz. O quão canalha eu fui.
— Eu tentei voltar para você, em Salvador. Eu o teria feito quando Tavares me disse...
— Não importa mais. Você não voltou. E mesmo que voltasse, era tarde demais.
— É tarde demais, agora?
Ela não respondeu. Apenas fechou os olhos e eu entendi que devia ir.
— Certo, Adriana — disse. — Eu estarei por perto se um dia você quiser me ver novamente.
Meses depois.
O táxi parou diante da casa. O lugar parecia animado, com a entrada e saída de vários
pedreiros. Ao longe, eu pude ver Adriana apontando uma parede enquanto um pintor a observava
com olhos arregalados.
— O que disse a ele? — questionei, quando me aproximei o suficiente para interrogá-la.
O homem se afastou enquanto Adriana girava em minha direção. Ela estava linda, um vestido
claro cobrindo suas formas gentis.
— Ele acha um absurdo eu pintar de azul — ela respondeu. — Porque a casa devia ser
preservada como patrimônio histórico.
— A cor do Grêmio? É a cor mais bonita que existe — brinquei.
— Na verdade é a cor que os espíritos maus da casa mais odeiam.
Era incrível como ela conseguia falar daquilo, ver aquilo, como se estivesse falando
casualmente do tempo.
— Eu trouxe o documento da casa, Adriana. Assinei-o essa manhã. É sua, oficialmente.
Entreguei na mão dela, que não pestanejou em segurar. O papel descansou sobre seu ventre
levemente avantajado, como se o bebê também estivesse feliz porque agora aquela propriedade era
de sua mãe.
— Achei que fosse demoli-la e não a reformar. — Apontei.
— Não adianta nada demolir a casa. O que importa é manter sempre alguém preparado para
cuidar dela. Para cuidar do que acontece aqui. Eu ensinarei isso a minha filha e espero que ela faça
aos seus filhos, netos e assim por diante.
— Então decidiu morar aqui?
— Sim. Davi está verificando a possibilidade de eu ser transferida para Esperança. Não há
nenhuma delegacia civil aqui, mas a cidade está crescendo e talvez seja uma boa ideia ter um posto...
— E se ele não conseguir?
— Então vou abandonar meu emprego.
Aquilo me surpreendeu.
— Sério?
— Você ganha bem.
Sua frase fez meus olhos se arregalarem, como se não acreditasse nela. Minha boca abriu,
seca.
— Quer dizer que... — tentei organizar a frase, mas mal conseguia pronunciar algo.
— A vida é feita de perdão, Antony. Se não existir perdão, de que adianta viver? Todos nós
cometemos erros, se ficarmos para sempre presos no passado, não teremos tempo de experimentar o
futuro. E nós temos um. Em forma de uma menina que nascerá em junho...
Aproxime-me de Adriana, mal conseguindo conter a emoção transbordante no peito.
— Eu te amo... eu sempre te amei...
— Eu sei disso.
— Nunca vou permitir que se arrependa. Eu vou usar cada segundo dessa vida para te fazer
feliz, para recompensá-la pelo que fiz na outra...
Ela sorriu. Seu gesto parecia o sol após uma noite repleta de pesadelos.
— Você não é Antônio. Você foi Antônio, mas agora é Antony. E eu sei que o Antony é incapaz
de me magoar.
Então eu a beijei profundamente. Minha mão deslizou pela sua barriga e eu soube que aquela
criança era mais que nossa junção carnal, era nosso recomeço.
— Nós vamos ter que viver na casa? — indaguei, após nossas bocas se descolarem. — Eu mal
consigo entrar nesse lugar, Adriana. Me dá arrepios.
— Faz parte de me ter. Para me ter, precisa da casa, também — ela sorriu.
O sol de janeiro tocou meu rosto, enquanto meu olhar girava em direção a entrada magnífica,
mas aterradora.
— Bom, então não tenho escolha.
— Você sempre tem, Antony.
Suspirei. Volvi meu rosto em sua direção e aspirei seu perfume de flores.
— Minha escolha é você.
Capítulo 23
Adriana
Epílogo

O triciclo zanzava com velocidade pelo corredor de madeira. Atrás dele, eu tentava parar
Aurora, que parecia uma garotinha tranquila, mas era uma espoleta desde que aprendeu a andar.
De repente, o brinquedo parou. Minha filha de três anos observou o homem absorvido na
escuridão e sorriu. O homem me encarou.
Não era fácil para ele. Não era apenas me enfrentar, mas também enfrentar a pequena menina
que gerei, fruto de meu amor e de Antony, a criança que devia ter nascido há muito tempo, mas que só
agora surgia; mesmo assim, com a mesmíssima coragem e força de sua alma.
A imagem sumiu. Ele sempre se escondia de nós.
— O homem tem medo, mama.
— Tem sim, amor.
— Nós duas somos mulheres maravilhas, igual o filme.
— Somos sim, filha.
Sorri para Aurora que me encarou mostrando um dentinho recém-nascido.
A peguei no colo. Perto de nós, no corredor, um quadro que comprei recentemente para
adornar minha casa, e me trazer forças, foi elevado aos olhos de minha menina.
— Sabe quem é essa moça? -- indaguei, apontando uma mulher vestida com um manto
escarlate.
— A mãezinha de Jesus? — Aurora me questionou.
— Não. Maria, A Mãezinha, é muito especial, mas essa mulher também é. Ela se chama Tecla
de Icônio. Ela era uma mulher muito forte, e é a nossa santa da guarda — contei. — Sabe por quê?
— Por quê?
— Santa Tecla era uma mulher linda, mas que não aceitou ser subjugada pelos homens. Então,
por causa disso, ela foi forçada a enfrentar leões dentro de uma arena. Os homens queriam que ela
morresse, porque ela era mulher e era forte. Ser mulher e ser forte causa temor nos inseguros. Mas,
sabe o que aconteceu? As leoas na arena a defenderam. As mulheres que assistiam na Arena também
gritaram por ela. Até mesmo uma rainha em Roma a defendeu. Então, sem conseguir que os leões a
devorassem, porque as leoas não deixavam que os machos se aproximavam, resolveram jogá-la num
grande tanque cheio de tubarões. Tecla, que não era batizada porque nenhum homem queria batizar
uma mulher tão forte, não temeu os tubarões e aproveitou a água do tanque para batizar a si mesma.
Deus ficou tão admirado de sua força que desceu um relâmpago no tanque e matou os tubarões,
protegendo-a. Santa Tecla era tão forte e tão guerreira que a própria Igreja a retirou da Bíblia com
medo de que mais mulheres fortes como ela se levantassem na história. Nós, mulheres, somos
aquelas que gerem a vida. Não há mal nesse mundo que pôde contra uma mulher destinada e pura de
coração. Nunca esqueça disso, filha... Não há poder nessa casa que pode destrui-la enquanto você se
fixar em fazer o bem e respeitar a Deus.
Um riso gentil nas minhas costas me fez volver para Francine. Ela parecia mais calma agora,
sem a dor costumeira em seus olhos. Logo percebi Victor ao seu lado. Era uma cena comum, mas
havia algo de diferente.
— O que foi?
— Estamos livres, Adri — ele me contou. — O amor que traz no coração é tão grande que
conseguiu nos libertar.
Eu lacrimejei, feliz.
— Se as pessoas soubessem que é a bondade que nos torna fortes, não se entregariam ao mal
tão facilmente — Francine me disse, antes de ir.
E então sumiram, ambos.
Ao meu lado, Aurora segurou minha mão.
— Onde Victor e Francine foram, mama?
— Foram descansar, amor...
Ela pareceu aceitar aquilo com naturalidade. Até porque logo estava esquecida de tudo, o som
na porta anunciando a chegada do pai fê-la abandonar-me e correr naquela direção.
Aurora jogou-se no colo de Antony que a prendeu por alguns instantes, antes de atirá-la para
cima, várias vezes, e colocá-la no chão novamente, para vir na minha direção.
Um curto beijo nos meus lábios me preparou para outro, mais gentil e intenso. Eu o empurrei
lentamente, porque odiava que ele fizesse isso na frente de Aurora, apesar do sorriso feliz de nossa
pequena.
— Serei responsável pelo novo sistema de energia da Serra. Eles querem começar a
usina eólica até o final do ano. Serei o engenheiro chefe.
No mundo espiritual que vivia, era Antony que ainda me trazia ao material. Eu sorri para ele,
orgulhosa e feliz porque nós sempre nos completávamos.
— Eles vão construir em Esperança?
— Ainda não sei bem a localização, mas prometo não ficar fora muito tempo.
Assenti.
Aurora correu para a cozinha, pedindo o café da tarde, mas meus olhos estavam fixos em meu
marido.
— O que foi? — Antony questionou.
— Nada, apenas feliz.
Ele sorriu. Lá fora, o vento calmo da primavera bateu na janela.
A casa tinha muitos ruídos. O principal dele era a risada de nossa filha, fruto do nosso amor.
Livros interligados
Interpretando como um incentivo a continuar, Diana desceu a mão até a curva do pescoço,
acariciando o ponto em que a orelha se ligava, a curva do maxilar, os ombros másculos. Sua boca
cravou-se em meu ombro provocando-lhe um gemido. Logo, o atacava com tanta paixão, seus dedos
tateando felizes todo pedaço de pele que conseguiam tocar, que ela mal se reconhecia.

E depois que começou, não mais pôde parar. Acariciá-lo era como um vício, impossível
cessar depois de experimentar a primeira vez.

Agora, suas mãos agarravam firmemente cada parte controlando o modo como seus corpos se
roçavam, seus desejos em uma batalha quente um contra o outro. Para abafar os gemidos, André
cravava os dentes em seu ombro, seu pescoço, seu queixo. Louco por mais fricção, também deixou
que suas mãos escorregassem até o traseiro firme, um dos dedos sem querer encaixando-se na fenda
quente e úmida, arrancando um protesto agudo de Diana.

Os corpos passaram a se mover ainda mais violentamente.

Diana volveu-se para cima dele, montou nele como em um cavalo. Sentiu a carne dura
pulsando contra sua pélvis e deixou-a entrar.

André segurava seus quadris de forma a aumentar a fricção ao redor de si, provocando
diversas sensações diferentes. Ele queria ditar o ritmo, mas era ela que estava no controle durante
aquela cavalgada.

À medida que seus movimentos foram ficando mais rápidos, André começou a murmurar seu
nome, enquanto o líquido quente de seu prazer escorria entre eles.

Era o êxtase.

Diana jogou a cabeça para trás, sentindo o pico das sensações, o gozo a tomá-la. E então veio
o orgasmo, fazendo-a dar um grito mudo de prazer, enquanto a cabeça voltava a posição natural,
fazendo com que seu olhar resvalasse, sem querer, na janela.

O tamanho do horror que a tomou seria impossível descrever com palavras.

Ali, atrás do vidro, um homem na escuridão a encarava, pousando sobre sua intimidade e
privacidade, fazendo-a gritar.

Ela saltou da cama e correu até o interruptor de luz. André assustou-se com a sua reação e a
seguiu. Ambos vestiram o robe, e pareciam aflitos.

— O que houve?

A indagação do marido foi seguida pela total incredulidade dela.

— Havia um homem ali — ela apontou.

O quarto do casal ficava no segundo andar e não havia galhos nem árvores próximas para que
alguém pudesse se esgueirar. Portanto, André logo desconsiderou as palavras.

— Você deve ter visto a sombra de...

— Havia um homem ali! — ela gritou, nervosa, lágrimas de pavor deslizando pela sua face. —
Eu vi!

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— Eu te amo, Fran — ele devolveu.

Derreto-me em seu corpo. Mais abaixo, sinto seu pênis pressionando em mim e estou
imediatamente ciente do quanto precisamos um do outro.
Então, ele puxa o meu vestido e empurra os polegares através da minha calcinha, arrancando-os de
mim. Resvalo contra a parede e agarro seu cabelo enquanto ele me lambe.

Existe uma urgência entre nós que não são ditas em palavras.

Sua língua quente mergulha em mim, me inclino para frente involuntariamente enquanto minhas
pernas tremem ao redor dele.

— Victor! — Eu clamo, tentando me equilibrar.

Suas unhas grossas cravam em minha bunda, forçando-me a balançar contra sua boca. Céus, é
tão bom.

Minhas costas ficam retas e minhas pernas ficam rígidas quando ele chupa meu clitóris e, em
seguida, mergulha de volta para a minha entrada.
Vou gozar. É tão rápido, mas somos jovens e tudo é rápido para nós. O tempo perdeu sua
importância.
Minha respiração vem em ondas curtas.
Eu me balanço contra seu rosto e aperto seu cabelo, empurrando-o mais profundo. Estou tão perto.
Meus mamilos endurecem, e eu quero tanto que seu pau esteja dentro de mim. Eu preciso dele.

Ohhh...Tão perto.

Ele se afasta e eu quase reclamo por ele me deixar no limite, mas ele rapidamente empurra
dois dedos para dentro e massageia meu clitóris com sua língua.

Seus dedos acariciam impiedosamente e ele morde levemente meu clitóris.

Ah!

Minhas costas se curvam e solto um grito estrangulado.

— Me foda — Eu grito enquanto ele age como se estivesse morrendo de fome e minha
liberação cai através de mim.
Eu não sei quem sou. A Fran reprimida perdeu-se naquela boca. Minha boceta aperta em torno
de sua língua, e ele geme quando eu sinto as ondas de excitação vazarem pelas minhas coxas.

Eu me sinto tão bem.


Ele gentilmente me deixa com as pernas trêmulas. Eu me inclino contra a parede e recupero o fôlego.

Eu amo-o. A realização me atinge com força e verdade. Ele é o meu oposto, mas eu não me
importo.

Eu o amo.

Eu o amo.

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Josiane Biancon da Veiga nasceu no Rio Grande do Sul. Desde cedo, apaixonou-se por literatura, e teve em Alexandre Dumas e Moacyr
Scliar seus primeiros amores.
Aos doze anos, lançou o primeiro livro “A caminho do céu”, e até então já escreveu mais de vinte livros, dos quais, vários se destacaram
em vendas na Amazon Brasileira.
WWW.JOSIANEVEIGA.COM.BR

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