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Copyright © 2004 ~ Eine Potiguara Todos os creitos reservados, Nenhuma parte deste liv pode ser reproduzida,disponibilizada para download ou trnsmitida por qualquer meio (eeténico, ‘mecinico, ftoospal sem a autorizagio por escrito do proprietrio = ELIANE POTIGUARA < EVOLTA DE CUNHATAI cuando Cunhatat era crianga, ouvia 0s espiritos da mala, ea sip inte das dguas. Cunhataf tinha o poder da. cura. Su mae, Mei com as invasbes dos esrangeiros,tomou era mis PA fa semente que ouvia 0 esprito da mata moresse, ena fez iiito mal A pequena Cunataf; no a matou, trou um pedaco Minx mie, desesperancada com sua aldeia, nao queria mals 8 tes do exptit, negava a terrae a raiz. Mas a av6 da menina £8 frais guerreira. A mae ficou cega © muda. Tempos depots © mae aoa da mudez e da cegueita por uma prova divina que Pass toe tomnou pajé, sacerdotisa das Sguas. Ea triste avo, cansada das Mlorese do peso do tempo, morreu. Mas sua esfncla Perens (© branco ria e incutia maus ioe si = oS ‘membros do povo.. A semente frida emutilada nasceu triste ¢ com estrela pov ho direito. Era Cunhatat, Foi o lado direto que quase more 3B ficou roxo como uma marca, “um sinal", @ sobreviveu PoE ivi os expits, os antepassads @ as velhas mulheres cenrugadas pelos séculos. © velhoespitito disse a Cunhata “Vat ave-menina € Pr her Cra asas e enxergue; um dia, quem sabe, seFemos A E Fla foi paralongesofrer.Porisso, quando ela retornou asia aldeiade origem, o cacique, a paié€ 0s segmentos do povo a reconheceram, porque ela jé era esperada, por decsio dos ancestry ha muitos eerejos. © seu olho direito roxo ~ o espiritual ~ fot identificado pelos lideres conectados com a ancestralidade © pelo pitiguary, © io reconheceram estavam muito ppassaro que anuncia. OS que lem, mas muito além de qualquer tipo de compreensio do que soja exéncia, transcendéncia indigena. Etavar ceBo PO isso tralam seus proprios conterraneos @ incentivavam @ discérdia, inveja, a mentra, a intriga e a Tuta pelo poder € desconheciam © arse seire sentimento de paz, solidariedade, armor 20 préxino, Companherismo, cooperacao. Foram contaminados ppelo poder {lon colonizadores. $6 vislumbravam o materialism, Por St nao podiam perceber os snais dos deuses © ancestais, Ms Cunhataf, rin toda a sua vida, seguiu 0 boto eas ordenagies de seus sagrados ancestais. E ELA CONSCIENTEMENTE CRIA ASAS. Dedicado a india guerreira Dona Marta Guarani Estavamos ld... Todos pintados e pintadas como se féssemos para a guerra. Quando passivamos pelos corredores do Congresso Nacional, em Brastia, em 1988, por ocasio das atividades poliicas que conduziam nossa luta dentro da Assembleia Consituinte, vozes ecoavam e as palmas soavam estridentes. Virias bocas, dentes €.sorrios. Mas um mesmo coracao pulsava na esperanca de que essa Constituinte trouxesse avancos para a garantia dos direitos hhumanos dos povos indigenas. As senhoras e senhores executivos, funcionarios parlamentares, olhavam-nos da cabeca aos pés admirados e curiosos como se féssemos seres de outro planeta, mas com carinho, certos de desconhecer a realidade de seu proprio pais. Porém, estavamos emocionados e emocionadas. Todos se emocionavam, 0s olhos brilhavam como as estrelas essa emogio se misturava a0 cheiro do café, na cantina ao lado, 420s lindos desenhos indigenas e ao cheiro da pintura de jenipapo 1a cara, ao cheiro do éleo da castanha-do-paré e ao cheiro o vermelho urucum que besuntava e brilhava os longos cabelos dos Kaiap6, liderados por Megaron. Os olhares des Guarani esperancados saltitavam apertados na capital do pais. Os olhares de lince dos Terena e Tukano almejavam por decisées, Olhares desconfiados dos indigenas do Nordeste questionavam o futuro, com suas palhas ressecadas pelo calor. As mulheres olhavam | sobressaltadas, mas resolutas Todos, apesar dos esforcos e esperancas, estavam mais realistas AAquilo foi em 1988. Ailton Krenak’ pintou o rosto de jenipapo. Impactou! Tempos depois, em 2003, a esperanca surgi com o sgoverno de Luts Inacio Lula da Silva, mas ainda se avancou pouco Ro que se refere as conquistas. 7 Ailton Alves Lacerda Krenak, mais canhecido como Aiton Krenak 6 um lider indigena brasileiro, ambientalisa eesciter bo 14 ne > ELIANE POTIGUARA~< O SEGREDO DAS MULHERES A amada tia Severina, nda Potyguara, srande ancid guerreira que muito me incentivou e rmeamou com forgot ager) No passaclo, nossas avés falavam forte Eas também lutavamn ‘Ni, chegou 0 homem branco mau Matador de indo E fez nossa av6 calar E nosso pai e nosso avé abaixarem a cabeca. Um dia eles entenderam Que deviam se unre ficar fortes Para defender sua terra e cultura. Durante séculos “Asavés e mies esconderam na barriga As historias, as misicas, as criangas, asuadighes dacasa, (O sentimento da terra onde nasceram, {As histérias dos velhos ‘Que se reuniram pra fumar cachimbo. Foi o maior segredo das avés e das mies. (Os homens, ao saberem do segredo, Ficaram mais fortes para o amor, lutaram protegeram as mulher Por isso, homens e mulheres juntos 0 fortes fazem fortes os seus filhos Para defenderem o sepredio das mulheres. Pra que nunca mais aquele homem branco ‘Mate a histéria do indo! lean cached api to potico”& alfabetizaco ext publica na catitha de apoio, um “eomplemento pot va Pon ets nos do Brac deat de lane ata 1984, Con apoio da Unesco eda Unveridade do Estado do Ri de nero Ut.) > 15 -< > METADE CARA, METADE MASCARA -< Na realidade, a simbologia de Cunhatat demonstra compromisso que ela tem com todas as mulheres indi Brasil. Sua dor, sua insatisfacao e consciéncia de mulher é a mest ttazida pelas mulheres guerreiras dos tempos atuais, que agora sa organizam. Cunhataf tem os olhos de guia) Cunhataf tem a meméria dos elefantes. Cunhatat tem as tum alee, velozes como as €@125. Cunhatat vislumbra 0 novo, apesar de sua angrstia, © quer saber onde est 0 seu amor, desaparecido por agio do colonizador, Cunhataf reconhece que as bases de suas tradigées indigenas 86 sero preservadas quando sua familia estiver unida, fisica € moralmente, Cunhataf sai pelas matas, pelos céus, pelos rocheds,, ppelas montanhas, pelos rios e pelos lagos buscando suas rafzes {ragmentadas € fragilizadas pelo colonizador de todos os tempos, Viaja pelo espago e vai percebendo, como em um filme, as historias de outras mulheres, de outros guerreiros, de criancas, de velhos ¢ de velhas ou vitvos(as). Ela vai testemunhando a destruicgio das terras, a poluigao dos rios, 0 saque das riquezas minerais. Os véus Coloridos e transparentes vio se enegrecendo diante de seus olhos, 08 animaisvao se transformando em caricas, as lagrimas dos pajés das velhas inundam seus cabelos negros e sua nudez, E seu amor no 6 encontrado, Grita Cunhataf: CANTICO DA DISTANCIA O que quero dizer si0 loucuras assim, Sao delitios da noite, pesadelos sem fim Si absurdos desejos embebedando a solidio Pois perdi o caminho e sofri o amanhi. ‘Agora o que faco: 56 penso intranquila ‘Atua figura diante de mim Parado no vento, feito imagem de santo ‘Que nem posso tocar. Que nem posso falar. Porque és feito pras deusas, Completamente impossivel Impossivel de othar. 76 enas do > ELIANE POTIGUARA~< Impossivel de amar. {mins mos wants ids Procuram as tues £ ests to distante no tempo, no espaco Que fago loucuras e gito © procuro. Mas paro! : E mee ‘apagar da minha meméria ‘Tua imagem de homem Cantando a historia Porque és forte, por ser macho guerre Valente lanceiro Gritando a vit6ra E86 porque existes, Nem pedeslicenca E me invades a mente. 1ue quero dizer so loucuras enfim.. Testu encodes, senidas, dotdas ‘ Tanta loucura que no quero mais pensar em ti. LAvao dias roendo comigo “Tua imagem de amigo . Lavando a memériae nao te querendk Mas me invades a alma Meus olhos, as noites, meus cantos Enfim, os sonhos E tua imagem guerreira de cara fechada Fechada pro mundo ‘Se abre pra mim. em cada sorriso eu sofro de novo ‘Com medo da vida, sufoco 0 meu pranto. E vivo essa roda enjoada, perdida Contando os minutos, procurando a razio Eas horas passam Eo tempo no passa s6 passa por mim Uma erate grsaha que ria zombar sem fim. ” >> METADE CARA, METADE MASCARA = < E te imagino nos rios, nas matas contentes ‘Que so teus amigos constantes, Fiéis, e a eles teus segrecos confessas E apenas no olhar so teus confidentes ‘Amaste minha flor aberta, semente Ferida de luta inda menina pra amar E acendew a paixao escondida Brilhante pra vida Sedenta a chamar-te Sao tudo loucuras enfim, Por isso vou me entregando a saudade, & auséncia A impaciéncia da ilusio, E vou escrevendo e contando Pro cais desse tempo, ainda crianga © tempo que jamais terei Porque nao brinco com a esperanca Evou vivendo a realidade Do passado e do presente Enquanto teu corpo ausente ‘Chama pelo futuro verdade! CClama por uma vida crescente! NO DIA EM QUE MATARAM MARCAL TUPA- (04 “no da em que mataram noses acu quando les desparecea) Dedicado as viivas indigenas A minha tristeza 6 for de ee) Eo sol que bate no mar de suor eligrimas Refletido 0 amor doido O amor impossivel (Um amor das matas. Arminha tristeza 6 cor de prata Sao teus olhus que procuro nas aguas Nas ondas do infinito azul Enquanto ougo tua vor velaz Trazida pelos ventos ardentes. Vai-te sol vermelho Rasgando 0 meu coragao indefeso Leva pro lado de la >- 78 -< > ELIANE POTIGUARA-< Meu amor ‘Uma mensagem de Paz Um amor ingénuo, puro Eternamente candido E que jamais te esquece. \Vai-te sol vermelho Furando as nuvens em raios prepotentes Quebra as ondas E gritas se puderes Que nessa margem de ci Existe uma mulher amante, $6 CONSCIENTE Que jamais se cal. Mesmo se he arranquem os dentes ‘ou se Ihe cortem a garganta grtante! ADENUNCIA O mulher, vem cf ue fizeram do teu falar? ‘mulher conta af. Conta af da tua trowxa Fala das barras sujas dos teus calos na mio ‘© que te faz viver, mulher? Bota af teu armamento. Diz af o que te faz calar.. ‘An! Mulher enganada Quem diria que tu sabias falar! TERRA-MULHER ‘Tu que muito sabes desse mundo “Tu que nesta vida profunda ‘Com todos 0s séculos aprendeu a malicia ‘omo quer que te chame? Tarque me engaas Guponho) owindo pada Te vejo os que te fingem aos ouvidos > 79 -« >= METADE CARA, METADE MASCARA - < Etua mente chama ainda; *N&o 6 isso nao!” Etu choras E tu sofres pela incompreensio Etu morres Pelo roubo e assassinato. Por que ficas parada? No dia em que rastejastes, Eno que apanhaste na cara Via teu lado a miséria e a morte Companheiras fis Tu que te banhaste em teu préprio sangue Nao tem coragem de exclamar Ou tem medo de ser errante? Tu que sentiste O racismo na carne O desprezo dos olhares Ainveja de serem Pelo menos um minuto (© que hoje és: HONESTA! Tu calas, mas vejo teu sorriso Da compreensio deste mundo Na ruga do pé do olho No canto da boca rota. E penso mesmo, talvez. Que seja, por enquanto, calar e olhar ao redor. Porque tua mente viaja Eeneerga.. 6s nobre por calar-te nesta hora EShumilde e guerrera Mas se que tens uma cachoeira ce Ljgimas. Dentro do peito Euma enorme garra na VOZ Pra gritar esse massacre SEM PAZ Mas luta, mesmo que néo possas falar Por ora, minha TERRA, Porque ainda estas presa Nas garras da tua propria hist6ria, > ELIANE POTIGUARA~< Tanna cUNHA® Mulher indigenal Que muito sabes deste mundo Com a dor ela aprendeu pelos: A ser sabia, paciente, profunda. Imével, tu escutas ‘Os que te fingem aos ouvidos Fgura, contests: *Nio aguento maisa mental” mas longe does, choras a estupidez, OMEDO (Gim, Jonge deles!) Sofres incompreensio e maldlade ‘Aos poucos morres & mingua Desrespeito, roubo, assassinato. lo dia em que rastejaste_ 3 Trlr ta terrae J TINHAS! - ‘Ate lado companheiras: misria © mo ‘Avioléncia ea angtstia dos tropicns. Nas caras la viu 0 abuso Anja de sero que cdi ida, mae, companheira.. i tu zombses doses pobre) exits ses doo deine Te apr o pet ait Na bel agua fo esperss Faro hz, nova er stat, ifort date mace me or 8 Porque cs rea ain Nua do PODER eda sti ‘como Mulher Macuxi, Maier 7 Exe tonto [4 foi publicado virias vezes Yanomam >> METADE CARA, METADE MASCARA - < A VELHA EO Moco Quando eu te conheci, guerreiro jamais iria sonhar ue nossos corpos se tocariam ‘que nossas bocas se esquentariam com ares de manha. Quando eu te conheci, amigo. amei-te terna pela luta amei-te muda pelo mundo Quando eu te conheci, amigo estava s, triste © doente ‘ensaiando um abrigo de amor, um doce amante Quando eu te conheci, guerreiro vi brotar a luz em mim vi brilhar a juventude corrofda no semblante, Quando eu te eonheci, amigo volte’ a nao vivida infancia passei a pular feito crianca bbuscando um sangue novo — a esperanca, ‘Mas jd € tarde, doce guerreiro pois ndo trago no peito a moga pra ti. O tempo passou e nao pide nascer a mulher que nao deixaram viver! ‘MULHERES DO FUTURO Enquanto ela geme calada Nao mais teme a soliddo Corroida © amofinada Vence o cancer que a matrata ‘Anda 36 em pele 0350 Com vergonha da agonia Caladinha seca 0 olho Das lembrancas e da ironia, >> B -< >> ELIANE POTIGUARA~< Se querem cortem logo sua lingua Se querem injetem logo essa morfina Porque pra ser mulher determinada O sorriso aparece na verdade Mas a tristeza esta sempre presente. MULHER! Ver, irma bebe dessa fonte que te espera ‘minhas palavras doces ternas. Grita a0 mundo tua historia vva.em frente e ndo desespera Ver ad bebe da fonte verdadeira aque faco erguer tua cabeca pois tua dor nao é a primeira um novo dia sempre comeca. ‘Vem, irma Java tua dor A beira-tio chama pelos passarinhos e canta como eles, mesmo sozinha v8 teu corpo forte florescer, Vem, irma despe toda a roupa suja fica nua pelas matas Vvomita 0 teu silencio ce corre — crianca ~ feito garca. Vem, rma liberta tua alma aflita liberta teu coragdo amante procura a ti mesma e grit sou uma mulher guerreiral sou uma mulher consciente!

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