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AGRICULTURA FAMILIAR E O TURISMO EM ÁREA RURAL: SOLUÇÃO

OU PROBLEMA?

Cibele Marto de Oliveira


Pós-GraduaçãoUNESP Rio Claro
martocibele@yahoo.com.br

Silas Nogueira de Melo


Pós-Graduação UNESP Rio Claro
silas.melo@yahoo.com.br

Resumo

O histórico da agricultura familiar brasileirademonstra comumente uma classe desunida e


subordinada, que somente de maneira pontual tem mudado essa conduta e passado a agir em
conjunto com outros agricultores. Por meio da pluriatividade muitos produtores rurais têm
conseguidopermanecer em suas terras e desenvolver seus negócios mesmo diante do contínuo
domínio das grandes propriedades, do agronegócio e do aumento da urbanização. Uma das
alternativas de atividade recentemente consolidada,repercutindo tanto aspectos positivos quanto
negativos, é vinculada ao turismo; praticado com inúmeras denominações e segmentações. São
alguns desses aspectosque apresentamos nesse trabalho a fim de contribuir com reflexões sobre
o turismodesenvolvido de maneira conexa com a agricultura familiar.

Palavras-chave: ProdutorFamiliar. Pluriatividade.Turismo emEspaço Rural.

Introdução
Diante do contexto histórico brasileiro na qual a questão agrária se desenvolveu, com
acriação intensiva de latifúndios e domínio das grandes propriedades, imperando
semprepreços elevados das terras a fim de dificultar ao trabalhador sua aquisição
(ficando esse disponível para servir de mãodeobra)é possível afirmar que o produtor
familiar, que só se efetivou no território brasileirode maneira mais contundente após a
imigração de estrangeiros no século XIX, esteve continuamenteassociado a uma classe
subordinada, tanto economicamente, politicamente quanto socialmente comparada às
camadas mais influentes e dominantes, ou seja, grandes produtores epopulação urbana.
Essaconjuntura é atribuída principalmente à grande disparidade de gêneros
dessesprodutores, o fato de nunca terem se desenvolvidoe organizado como uma
associação classista, além da realidade social e cultural ter sido muito diversa, o mesmo
ocorrendo em relação à geografia das localidades, sempre distintas, contribuindo para
que a formação de um grupo organizado não ocorresse. (QUEIROZ, 1973).
A agricultura familiar é tida ainda hoje como um universo profundamente heterogêneo,
tanto em termos de má distribuição da propriedade da terra, da disponibilidade de

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recursos, do acesso ao mercado, da renda total, da capacidade de geração de renda e
também de acumulação. (BUAINAIN, ROMEIRO e GUANZIROLI, 2003).
Como maneira deinterpretar, compreender e dimensionar de maneira incisivao
significado do termo “agricultura familiar”,que é justamente o mote desse
trabalhoconexo com o desenvolvimento da atividade do turismo, é necessário defini-lo,
para tanto nos pautamos emCarneiro (1999, p. 329) que cita: “[...] por agricultura
familiar entende-se, em termos gerais, uma unidade de produção onde trabalho, terra e
família estão intimamente relacionados.”
Um aspecto fortemente vinculado à agricultura familiar é sua relação com a mãodeobra,
se trata de um componente muito importante para análise, pois é considerado o
elemento chave para constituição dessa unidade como produtora e consumidora, sendo a
renda indivisível, ou seja, a produção é destinada à quantidade de braços e bocas dos
membros que compõe a família. (ANTONELLO, 2001). O rendimento deve se
ajustarao trabalho executado pelos membros da família com o intuito de manter sua
existência tendo como projeto comum esse rendimento, portanto, o trabalho é uma
atividade necessária para o sustento dos envolvidos. Atrelado a esse trabalho, na busca
de superar adversidades, é cada vez mais recorrente a introdução de novas atividades no
contexto da agricultura familiar.
Essas modificaçõesadvindas pela inserção de novas atividades ocorridas na área rural e
consequentemente nas unidades de agricultura familiar,incluindo até mesmo algumas
que eram desenvolvidas mais intensamente em área urbana,caracterizam a denominada
pluriatividade.

A questão da pluriatividade

Sobre uma definição para compreensão do termo pluriatividade nos orientamosna


concepção queexpõe Schneider.
(...) podemos definir a pluriatividade como um fenômeno através do quais
membros das famílias de agricultores que habitam no meio rural optam pelo
exercício de diferentes atividades, ou mais rigorosamente optam pelo
exercício de atividades não-agrícolas, mantendo a moradia no campo e uma
ligação, inclusive produtiva, com a agricultura e a vida no espaço rural.
Nesse sentido, ainda que se possa afirmar que a pluriatividade é decorrente
de fatores que lhe são exógenos como o mercado de trabalho não-agrícola,
ela é uma prática que depende das decisões dos indivíduos e das
famílias.(2003b, p. 91-92, grifo nosso)

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O meio rural brasileiro passou e tem passado por profundas
transformações,introduzindo com uma frequência cada vez maior o desenvolvimento de
novas atividades, a esse respeitoCampanhola e Silva (2000) ponderam que a inserção da
pluriatividade no campo significa que o mesmo deixa de ser exclusivamente agrícola.
Em relação àpluriatividade e atividade do trabalhador Silva (1997, p. 46) avaliza que o
indivíduo passa a exercer atividades não agrícolas, tanto dentro como fora da
propriedade, e não mais somente trabalhos atrelados à agricultura e pecuária; o
autorassinala ainda que são desenvolvidas “tanto nos ramos tradicionais urbanos-
industriais, como nas novas atividades que vem se desenvolvendo no meio rural, como
lazer, turismo, conservação da natureza, moradia e prestação de serviços pessoais.”
A dinâmica socioeconômica no meio rural fazparte da sociedade como um todo, e
consequentemente da lógica capitalista do mercado, o que difere é o modo e a forma
que as unidades de agricultura familiar interagem com esse mercado.Há casos em que
asformas do trabalho familiar acabaramsucumbindo e foram absorvidas pelo próprio
capitalismo, em outros,associados à pluriatividade, a presença do trabalhofamiliar em
unidades produtivas agrícolas pôde desenvolver relações até certoponto estáveis
eduradouras; essa transformação depende diretamentedapertinência com as formas
distintas que se dão na estruturação do capitalismo e em relação ao espaço e contexto
histórico (SCHNEIDER, 2003a).
O meio rural brasileiro, segundo concepção de Eslebão (2000), sempre enfrentou uma
série de obstáculos decorrentes de ações do passado que perduram ainda hoje e se
intensificam com o passar dos anos criando dificuldades, tais como, a falta de política
adequada e igualitária,recursos escassos, concorrência de produtos estrangeiros, dentre
outros; adicionadas a outras eventualidades cotidianasas complicaçõesse acentuam
eimpedem uma atuação promissora dos pequenos produtores. Para haver
desenvolvimento rural é fundamental a busca de alternativas e de uma política
direcionada no sentido de recuperar esse meio, de proporcionar melhores condições de
vida aos agricultores, nesse contexto que a atividade turística tem sido cogitada como
uma alternativa.
A atividade turística está sendo inserida no meio rural, incluindo sua execução junto à
agricultura familiar, como uma alternativa para complementar ou suprir a renda e
manter a mãodeobra ativa junto à unidade de produção, em relação aos turistas
aparececomo mais umaopção de segmentação do setor (MARAFON, 2006)

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No final do século XIX o meio rural passou a ser objeto de estudos no Brasil, motivado
pela curiosidade dos citadinos, portanto, as primeiras obras são tidas como superficiais e
muitas vezes até consideradas levianas, pois esses estudos não eram feitos por
pesquisadores que iam a campo, mas sim pautados em deduções de indivíduos que
queriam entender o estilo de vida na área rural; esse cenário mudou no decorrer da
história, passando orural e as propriedades instaladas nessas áreas a serem objetos de
pesquisa de inúmeras ciências sociais. (QUEIROZ, 1973). Assim também relata
Wanderley (2001, p. 31).

[...] a ruralidade, o desenvolvimento rural, o desenvolvimento local no Brasil


moderno são hoje temas em debate na comunidade acadêmica, entre
militantes de movimentos e organizações sociais e entre responsáveis pelas
políticas públicas voltadas para a agricultura e o meio rural.

Hoje há inúmeros estudos que estão sendo produzidos no Brasil atrelados à agricultura
familiar que evidenciam tanto os aspectos positivos quanto negativos da implementação
daatividade turística. São pesquisas que necessitam serem realizadascom o objetivo de
evidenciar como o mesmo se insere, se desenvolve e é tratado atualmente pelo
Ministério do Turismoi,Estados, Prefeituras,Associações,Comunidades Acadêmicas,
além de outros interessados. Esses estudos possibilitam ainda analisar cada caso,
demonstrando a viabilidade ou não de praticar o turismo como atividade junto à
agricultura familiar.

Agricultura Familiar e Turismo Rural

Marafon (2006) coloca que há grupos de agricultores familiares procurando se


afirmarem como uma categoria expressiva noespaço rural brasileiro em busca de sua
reprodução e sobrevivência,apresentando mais recentemente características como o
trabalho em tempo parcial, favorecida pela incorporação de tecnologias de produção e a
liberação de membros da família para exercerem outras atividades agrícolas e
nãoagrícolas complementando assim a renda familiar, ou seja, pela pluriatividade cada
vez mais recorrente.

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Aspráticasnão-agrícolas executadas na unidade familiar, incluindo o turismo,fazemcom
que o rural assuma novas funções, portanto, percebe-se que as atividades produtivas
agrícolastradicionais já não são mais suficientes para explicar, por si só, a dinâmica da
renda edas ocupações das famílias envolvidas.(LINDNER, ALVES E FERREIRA,
2009).
O “Turismo em área Rural” é uma modalidade relativamente nova no Brasil quando
comparada a outras, como o modelo “sol e praia” e o “ecoturismo”, por exemplo; um
ponto primordial associado a esta questãoé a imprecisão de conceitos que foram vinculados
às tentativas de classificaçõesbaseadas em parâmetros europeus, o que acabaresultando em
graves equívocos, por se tratar de realidadesdiferentes e complexas, principalmente devidoàs
grandes extensões geográficas de nosso país e as distintas fases do processo histórico de
apropriação do território que deixaram na paisagem aspectosmarcantes, constituindo uma
diversidade de patrimônio histórico-cultural. (RODRIGUES, 2000).
Um dos temas estudados atualmente conexo com a atividade turística em relação ao
meio rural é a temática dos serviços,que tem sido cada vez mais difundida, marcando
fortemente as práticas sociais contemporâneas, proliferando uma série de modalidades,
dentre as quais: agroturismo, turismo cultural, turismo de aventura, etc.; trata-se de uma
busca em revalorizar o território e os grupos sociais rurais incluindoagricultores
familiares. (FROELICH, 2000).
Extremamente heterogênea, assim como a agricultura familiar, a atividade turística é
permeada tanto por aspectos negativos como positivos.

Entre as categorias sociais que freqüentemente são as mais atingidas pelas


influências negativas que o turismo rural pode trazer, está o dos pequenos
produtores rurais. No geral, devido a problemas de escala e acesso a recursos
para reconversão ou integração, muitos agricultores familiares acabam
encontrando dificuldades para participar do negócio turístico. É sabido que
toda atividade comercial necessita, no início, de um investimento para poder
participar do mercado criado pelo turismo. Mas os pequenos agricultores
enfrentam obstáculos no acesso a programas de financiamento devido à falta
de garantias para a tomada de crédito. Outro fator limitador tem sido a
incapacidade de vislumbrar a criação ou adequação de uma atividade ao
turismo devido a sua arraigada tradição de agricultor ‘em tempo integral’.
Além disso, a passagem muito rápida de uma atividade a outra também pode
se tornar prejudicial, pois há casos em que os ingressantes na atividade
turística abandonaram por completo a agricultura, o que implicou o aumento
da dependência externa e o custo de vida familiar sem mencionar a
possibilidade de comprometer o abastecimento local de produtos
agropecuários. (SCHNEIDER; FIALHO, 2000, p. 38)

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Como fator positivo é atribuído ao turismo em propriedade de agricultura familiar
aparecer como importante atividade não-agrícola complementar, apresentando-se
eventualmente como uma alternativa significativa a fim de se obter aumento de renda,
portanto, uma estratégia de superar as dificuldades que são encontradas; representa
melhoria dascondições econômicas dos produtores que buscam a diversificação de suas
unidades produtivas, sem que isso represente uma substituição ou extinção das
atividades primárias; não se trata de uma solução pontual e imediata dos problemas do
campo, mas sim uma alternativa possível, que se houver potencial e for bem planejada,é
capaz de gerar benefíciostanto ao produtor comoà comunidade que este se encontra
inserido. (MARTINS, 2005).
A atividade turísticapode constituir um dos vetores do desenvolvimento local, desde que
haja controle das atividades pelos atores sociais envolvidos,o que poderá permitir que
essas comunidades se apropriem dos benefícios gerados localmente compartilhando
ainda dos melhoramentos indiretos gerados tais como a potencialização de demanda por
produtos típicos/tradicionais de cada região (CAMPANHOLA; SILVA, 2000).
Eslebão (2000) evidencia que o turismo em espaço rural tem ainda como função utilizar
a mão de obra e os recursos locais, portanto, trata-se de uma atividade que possibilita
criar estratégias de proteção ambiental, o que pode garantira manutenção das famílias
no campo sem que as mesmas enfrentem a arriscada busca por trabalho em centros e
áreas urbanas e consequentemente, estimule a conservação do meio e das atividades
agrícolas tradicionais.
Outro aspecto positivo é o fato de potencializara não submissão aos grandes produtores
e empresas, podendo ainda agregar valores aos produtos feitos na unidade familiar, tidos
como tradicionais.
A possibilidade de se incorporar outras alternativas econômicas ao meio rural
tem sido a estratégia adotada por muitos países para manter o homem no
campo, com melhoria de sua qualidade de vida pelo aumento de sua renda,
que passa a ser gerada com base em uma maior diversidade de atividades e
funções. Há várias vantagens que podem ser atribuídas a pequenas empresas
que se dedicam à oferta de produtos turísticos. Elas podem oferecer produtos
a turistas com interesses bastante específicos, que pelo seu pequeno número
inviabiliza a participação de empresas de grande porte no empreendimento. É
o caso de demanda por uma propriedade agropecuária autêntica, cujas
práticas tradicionais estão integradas à conservação do meio ambiente.
(CAMPANHOLA; SILVA, 2000, p. 146).

Schneider e Fialho (2000) pontuam que o turismo pode propiciar a valorização do


ambiente onde é explorado por sua capacidade de destacar a cultura e a diversidade

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natural de uma região, proporcionando a conservação e manutenção do patrimônio
histórico, cultural e natural; outra potencialidade é a criação de mercado de consumo
local para os produtos de origem agrícola, oferecendo uma alternativa para
complementar a renda das famílias rurais, havendo uma aproximação quase direta entre
o consumidor desses alimentos e o agricultor; essa condição favorece a ambos em
termos dos preços praticados, que podem alcançar patamares mais razoáveis porque
eliminam a fase de circulação das mercadorias.
Muito mais do que representar somente fonte de recursos, o turismo atrelado à
agricultura familiar pode causar inúmeros impactosque necessitam de uma análise mais
acurada antes da atividade ser colocada em prática a fim se obter êxito e
consequentemente desenvolvimento. Segundo Ruschmann(2001, p. 72):

Trata-se, entretanto,de uma opção empresarial, que pode trazer efeitos


econômicos positivos,conseguindo contrabalançar, uma eventual
desintegração das atividadestradicionais. Porém, para tornar-se um fator de
desenvolvimento, deverá sercontemplado em um plano econômico
estratégico, em nível local e/ouregional. Esse plano deverá considerar os
aspectos relacionados com odesenvolvimento social, ambiental, físico e
administrativo, estimulando adiversificação da base econômica, por meio de
atividades complementares.

Tido como um aspecto negativo é o fato de muitos moradores urbanosse apropriarem de


modo predatório da área rural, isso acontece atualmente também em relação ao turismo;
os citadinos viajam pelos mais diversos motivos, incluindo descansarfísica e
mentalmente, fugir da rotina da vida urbana; porém essa fuga não significa se
desvencilhar de querer encontrar um padrão de qualidade e especificidadesde vida da
cidade; diante dessa condição, nãoconsideraramos modos de vida já existentes na área
visitada. (BRASIL, 2010)
Os aspectos físicos e sociais continuam a ser submetidos às pressões intensas por grupos
de indivíduos de áreas urbanas, causando transformações que acarretam novas funções
ao espaço de produção, que passa a ser também um espaço de biodiversidade, lazer e
serviços voltados ao turismo, forçando o produtor muitas vezes a relegar sua história de
relação com a terra para atender o interesse desses grupos. (FROELICH, 2000)
Carneiro (2002, p. 226) define que “[...] a transformação do campo em espaço de lazer
ou mesmo de residência principal para integrantes de camadas médias da população
urbana que buscam uma qualidade de vida diferente(e melhor) daquela a que estão

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submetidos na cidade.” Está submissão também é referente aos agricultores familiares
quando passam a serem pluriativos exercendo a atividade turística.

Com a finalidade de competir mais eficazmente no mercado, formatam-se


novos produtos que contrariam o caráter maciço e o ritmo dos tempos
velozes, oferecendo “cultura” e “tradição” – em tratamento personalizado,
caseiro, artesanal, familiar, hospitaleiro, que inclui “comida da avó”, pães
caseiros, cerveja e vinhos caseiros, casas restauradas, tecido naturais,
ciclismo, antigas vias férreas e trens restaurados, enfim símbolos plenos de
apelos nostálgicos que nos remetem ao passado distante, quando o tempo se
escoava lentamente, em oposição aos tempos frenéticos e à agitação das
grandes metrópoles. (RODRIGUES, 2006, p. 29)

Até mesmo o Ministério do Turismo reconhece o pressuposto de que são os turistas,


entendidos aqui como uma maioria oriundos de área urbana, que têm seus desejos de
consumo turístico a ser realizado.
A paisagem, a natureza, a cultura, o modo de vida das comunidades
tradicionais, os processos produtivos, a proximidade e a hospitalidade são os
principais fatores de atratividade do Turismo Rural. Neste sentido, é preciso
identificar, na região e no âmbito das propriedades rurais, os atrativos
capazes de materializar as expectativas e os desejos dos turistas. (BRASIL,
2010, p. 37)

Como consequência negativa, referente à expansão do turismo em área rural,


queSchneider e Fialho (2000) evidenciam é a valorização das terrasalusiva às regiões
com predomínio de pequenos produtores, pois em momentos de expansão muitos
agricultores aproveitam a alta dos preços fundiários para venderem suas propriedades e
migrar para trabalhar nas cidades, o que em poucos anos, devido à seletividade do
mercado de trabalho urbano, esses mesmos retirantes são forçados a voltar para o local
de origem, porém não mais na condição de proprietários.
Outra crítica é relacionada com a identidade de produção primária da agricultura
familiar, que tende a entrar em crise quando essa identidade não é valorizada e deixa de
ser o foco principal de produção. (BRASIL, 2010)

A relação entre agricultura e identidade social, num quadro de redução da


importância econômica da produção mercantil de alimentos, exige a
valorização de aspectos não comumente considerados pelos analistas, tais
como os modos de vida, as relações com a natureza, as relações com parentes
e vizinhos (sociabilidade) e a produção de alimentos para a própria família. É
possível estabelecer, a propósito, uma conexão entre o enfoque da
multifuncionalidade da agricultura e as interpretações que tomam a
agricultura e o rural como um modo de vida mais além da dimensão
econômica da atividade agrícola.” (MALUF, 2003, p. 144 -145).

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O turismo em área rural pode impactar de inúmeras formas, podendo ter como
consequências a descaracterização da cultura local devido à modificação dos padrões de
sociabilidade tradicionais decorrente da intensificação das relações mercantis e,
sobretudo, pela ampliação dos horizontes sócio-culturais, principalmente da população
mais jovens, que em muitos casos acabam se recusando a seguir as práticas culturais
paternas como o folclore, a língua. A comunidade local poderá ainda ser afetada pelo
aumento do tráfico de pessoas e pela ampliação da mobilidade populacional; o aumento
da violência e do uso de drogas, típica de situações sociais de intensificação das
relações humanas; aumento do custo de vida das populações que residem de forma
permanente no local, especialmente os preços das atividades de prestação de serviços e
do acesso à moradia. (SCHNEIDER e FIALHO, 2000).
Uma das questões apontadas pelo documento desenvolvido pelo Ministério do Turismo,
“Turismo Rural: Orientações básicas”, é que uma das maiores preocupações é a
inadequação da legislação e a falta de instrumentos jurídicos que contemplem essa
atividade desenvolvida pelos campesinos, deixando-os desamparados ou, muitas vezes,
sujeitos à informalidade (BRASIL, 2010). Assim também alegaEslebão (2000, p. 247),
“a restrição de crédito para financiar a agricultura, a queda dos subsídios, os juros
elevados, a elevação dos preços dos insumos levaram a produção primária e,
consequentemente, o meio rural a uma crise social e econômica sem precedentes [...]”.
Essa falta de crédito é também altamente atrelada ao financiamento de atividades
turísticas.
Carneiro (2003) considera que apesar de todos os problemas atuais e futuros da
agricultura,o produtorcontinua a manter um forte sentimento de pertencimento ao rural e
a participação em atividades agrícolas, mesmo que a essa se mostreinsuficiente e seja
motivo de queixas,o rompimento pode representar a perda dos principais laços e
sentimentos de pertencimento com a localidade, pois é na agricultura que os
produtoresesperam encontrar as condições para um futuro melhor.

Considerações finais

As diferenças e especificidades encontradas no campo são também evidenciadas quando se


implementao turismo, uma atividade que é dividida em inúmeras modalidades, seguindo

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tendências, exigências e modismo, dentre as quais se encontra turismo em área rural que
é a segmentação mais atrelada à agricultura familiar.
Como forma de agregar ou suprir a renda, a atividade turística tem sido realizada cada
vez mais por agricultores familiares que buscam nesta prática uma maneira de continuar
vivendo e trabalhando em suas propriedades e como qualquer atividade econômica tanto
pode provocar influências positivas quanto negativas; se bem planejado e executado pode
propiciar renda complementar para esses agricultores, que não necessitam abandonar sua
atividade primária,associada à produção de alimentos, para desenvolverem umanova
modalidade de atividade.
Devido à heterogeneidade da agricultura familiar no Brasil é necessário entender e estudar as
especificidades de cada local a fim de não cometer equívocos e generalizações, pois há casos em
que a prática da agricultura familiar aliada ao turismo tem sido realizada com sucesso e há casos
em que a atividade levou ao local e particularmente ao agricultor familiar problemas das mais
diversas ordens.
Um dos pontos negativos apontado por inúmeros autoresse refere ao abandono da
atividade principal para desenvolvimento da atividade turística é em muitos aspectos
preocupante, mesmo existindo alguns pontos a favor, tais como a mão de obra ociosa que pode
ser absorvida na propriedadee que culmina com o não abandono da terra, mas é tido como
questionável o fato do espaço de produção rural passar a ser utilizado para outras atividades que
podem ou não serem bem sucedidas, podendo levar até a perda dessa propriedade.
Ao mesmo tempo em que pode impulsionar a agregação de valores à produção, pode representar
o abandono dessa produçãoe ter no futuro consequências irreversíveis como o abandono, a
perda da terra e da identidade como agricultor. Portanto, se faz necessário estudare analisar cada
caso e cada propriedade a fim de se obtersomente resultados positivos.

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